Debate sobre geração de energia hidrelétrica ganha amplitude · Uma das atitudes mais...

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Debate sobre geração de energia hidrelétrica ganha amplitude Núcleo de Pesquisas do Senado divulga estudo entitulado “Por que o Brasil está trocando as hidrelétricas e seus reservatórios por energias mais caras e poluentes” J á está clara a necessidade de promover um amplo e consciente debate sobre o processo de geração de energia no país. Este grande colóquio nacional deve envolver a sociedade em todas as suas instâncias, para que a população brasileira possa informar-se, tomar conhecimento das questões técnicas e econômicas envolvidas neste processo e, então, decidir sobre os rumos da matriz energética do país. Recentemente, alguns passos importantes foram dados na direção deste debate. Aos poucos, mais e mais camadas da sociedade estão percebendo a necessidade e a urgência desta discussão. Uma das atitudes mais importantes foi a divulgação, pelo Núcleo de Pesquisas do Senado, do estudo “Por que o Brasil está trocando as hidrelétricas e seus reservatórios por energias mais caras e poluentes”. Publicado em maio, o documento foi coordenado e escrito pelos pesquisadores Marcio Tancredi e Omar Alves Abbud, a pedido do Senado Federal. Em suas mais de 40 páginas, o estudo procura dimensionar os impactos causados pelo subaproveitamento do potencial hidráulico do país, nos custos da geração de energia e também na poluição ambiental gerada pelas usinas térmicas, utilizadas como coadjuvante no abastecimento. Com base em dados recolhidos nos órgãos oficiais, como o Operador Nacional do Sistema (ONS) e a ANEEL, o estudo conclui que o Brasil é um dos países mais privilegiados do mundo em potenciais e fontes de geração de energia. Temos o terceiro maior potencial hídrico, com 10% da Reportagem: PATRÍCIA COSTA disponibilidade mundial, atrás da China (13%) e da Rússia (12%). Desse total, boa parte já foi transformada em usinas, que totalizam uma capacidade instalada de 84.464 MW. O potencial hidrelétrico ainda passível de aproveitamento é, segundo o documento, de 126 mil MW. Para as fontes alternativas de energia há bons ventos e intensa insolação em quase todo o território, sem contar com as reservas de petróleo e gás, e com a cultura de cana-de-açúcar. Mesmo avaliando positivamente toda essa abundância e diversidade, o estudo aponta que a fonte mais barata e menos poluente de energia elétrica entre todas continua sendo a hídrica. “Apesar disso, um ativismo sócio-ambiental de variada procedência, mas de boa capacidade de comunicação, tem feito com que, a partir da década de 1990, se torne cada vez Newsletter CBDB - RESERVATÓRIOS Brasil – 3º maior potencial hídrico estimado do mundo Rússia (12%) China (13%) Capacidade instalada: 84.464 MW Potencial passível de aproveitamento: 126 mil MW Brasil (10%) mais difícil construir usinas hidrelétricas no Brasil. Em face dessa oposição e flagrante desrespeito à legislação vigente, os projetos de novas hidrelétricas não têm sido feitos com reservatórios, mesmo quando isso é possível e tecnicamente recomendável”, afirmam os pesquisadores no estudo. Eles dizem ainda que, por ser mais fácil de licenciar e também por envolver custos menores nas obras de construção, os inventários das bacias hidrográficas são feitos buscando o menor alagamento possível. Com isso, perde-se um potencial de geração de energia que jamais poderá ser recuperado. Para se ter uma ideia, mais de 5 mil MWméd de energia – montante superior a 60% da energia gerada por Itaipu – foram deixados de lado na Bacia do Rio Xingu. Outra bacia com enorme potencial, a do Rio Tapajós, entrou há pouco na pauta de discussões dos meios de comunicação. Estima-se que a exploração ade- quada do Tapajós possa superar, em capacidade, a geração de Itaipu. Como alternativa, o país lança mão da geração térmica, mais cara e mais poluente. A pesquisa aponta ainda que estas usinas movidas a combustíveis fósseis não sofrem o mesmo tipo de pressão por parte da opinião pública, e por isso estão se multiplicando sem maiores desgastes por parte dos governos e dos órgãos reguladores. “Com o aumento do consumo de energia elétrica, o volume de água dos reservatórios das hidrelétricas existentes dura cada vez menos, determinando a necessidade de uso da geração térmica de modo mais frequente, como está acontecendo agora. É possível arriscar que não demorará muito, mantido o quadro atual, venham elas a compor (ainda que nem todas) a base de geração, passando a operar em regime continuado”, alerta o estudo. Observando todas as fontes de energia disponíveis no país, a pesquisa aponta que os parques eólicos têm atingido um patamar competitivo – mesmo que esta competitividade se deva aos subsídios recebidos pelo setor. Se continuar crescendo em potencial, as eólicas poderão, de acordo com os pesquisadores, suplementar a geração hidrelétrica, favorecendo a guarda de água nos reservatórios das usinas nos períodos mais críticos e demandando em menor quantidade o parque termelétrico. Este cenário, no entanto, é uma projeção para o futuro, ainda inviável. Em sua conclusão, o documento alerta que é imperativo que a sociedade firme compromissos claros e equilibrados para que se possa compatibilizar as demandas nacionais pela geração de energia e as práticas respeitosas obrigatórias em relação ao meio-ambiente. Para isso, uma ampla discussão será necessária, para que a sociedade conheça não apenas os impactos ambientais – que já são públicos e amplamente divulgados – mas também as perdas que a nação vem sofrendo pelo subaproveitamento do seu potencial energético de fonte hidráulica. “Como consequência dessa situação, o Brasil vem sofrendo não somente evidentes e pesados impactos econômicos, representados por forte pressão sobre o preço da energia, decorrente da progressiva adoção de fontes mais onerosas de geração, mas, também, de natureza ambiental, provocados pelo acionamento cada vez mais frequente das usinas térmicas, que deveriam atuar como backup – prática essa já faz tempo imposta principalmente pela vertiginosa perda da capacidade de reservação do Sistema Interligado Nacional”, aponta a conclusão do estudo, na página 34.

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Debate sobre geração de energia hidrelétrica ganha amplitudeNúcleo de Pesquisas do Senado divulga estudo entitulado “Por que o Brasil está trocando as hidrelétricas e seus reservatórios por energias mais caras e poluentes”

Já está clara a necessidade de promover um

amplo e consciente debate sobre o processo

de geração de energia no país. Este grande

colóquio nacional deve envolver a sociedade em

todas as suas instâncias, para que a população

brasileira possa informar-se, tomar conhecimento das

questões técnicas e econômicas envolvidas neste processo

e, então, decidir sobre os rumos da matriz energética do

país. Recentemente, alguns passos importantes foram

dados na direção deste debate. Aos poucos, mais e mais

camadas da sociedade estão percebendo a necessidade e a

urgência desta discussão.

Uma das atitudes mais importantes foi a divulgação,

pelo Núcleo de Pesquisas do Senado, do estudo “Por que

o Brasil está trocando as hidrelétricas e seus reservatórios

por energias mais caras e poluentes”. Publicado em maio,

o documento foi coordenado e escrito pelos pesquisadores

Marcio Tancredi e Omar Alves Abbud, a pedido do Senado

Federal. Em suas mais de 40 páginas, o estudo procura

dimensionar os impactos causados pelo subaproveitamento

do potencial hidráulico do país, nos custos da geração

de energia e também na poluição ambiental gerada

pelas usinas térmicas, utilizadas como coadjuvante no

abastecimento.

Com base em dados recolhidos nos órgãos oficiais, como

o Operador Nacional do Sistema (ONS) e a ANEEL, o estudo

conclui que o Brasil é um dos países mais privilegiados do

mundo em potenciais e fontes de geração de energia.

Temos o terceiro maior potencial hídrico, com 10% da

Reportagem: PATRÍCIA COSTA

disponibilidade mundial, atrás da China (13%) e da Rússia

(12%). Desse total, boa parte já foi transformada em usinas,

que totalizam uma capacidade instalada de 84.464 MW.

O potencial hidrelétrico ainda passível de aproveitamento

é, segundo o documento, de 126 mil MW. Para as fontes

alternativas de energia há bons ventos e intensa insolação

em quase todo o território, sem contar com as reservas de

petróleo e gás, e com a cultura de cana-de-açúcar.

Mesmo avaliando positivamente toda essa abundância e

diversidade, o estudo aponta que a fonte mais barata e menos

poluente de energia elétrica entre todas continua sendo a

hídrica. “Apesar disso, um ativismo sócio-ambiental de variada

procedência, mas de boa capacidade de comunicação, tem

feito com que, a partir da década de 1990, se torne cada vez

Newsletter CBDB - RESERVATÓRIOS

Brasil – 3º maior potencial hídrico estimado do mundo

Rússia (12%)

China (13%)

Capacidade instalada: 84.464 MWPotencial passível de aproveitamento: 126 mil MW

Brasil (10%)

mais difícil construir usinas hidrelétricas no Brasil. Em face

dessa oposição e flagrante desrespeito à legislação vigente,

os projetos de novas hidrelétricas não têm sido feitos com

reservatórios, mesmo quando isso é possível e tecnicamente

recomendável”, afirmam os pesquisadores no estudo. Eles

dizem ainda que, por ser mais fácil de licenciar e também

por envolver custos menores nas obras de construção, os

inventários das bacias hidrográficas são feitos buscando o

menor alagamento possível. Com

isso, perde-se um potencial de

geração de energia que jamais

poderá ser recuperado.

Para se ter uma ideia, mais

de 5 mil MWméd de energia –

montante superior a 60% da

energia gerada por Itaipu – foram

deixados de lado na Bacia do Rio

Xingu. Outra bacia com enorme

potencial, a do Rio Tapajós, entrou

há pouco na pauta de discussões

dos meios de comunicação.

Estima-se que a exploração ade-

quada do Tapajós possa superar,

em capacidade, a geração de

Itaipu.

Como alternativa, o país lança

mão da geração térmica, mais

cara e mais poluente. A pesquisa

aponta ainda que estas usinas

movidas a combustíveis fósseis não sofrem o mesmo tipo

de pressão por parte da opinião pública, e por isso estão se

multiplicando sem maiores desgastes por parte dos governos

e dos órgãos reguladores. “Com o aumento do consumo

de energia elétrica, o volume de água dos reservatórios das

hidrelétricas existentes dura cada vez menos, determinando

a necessidade de uso da geração térmica de modo mais

frequente, como está acontecendo agora. É possível arriscar

que não demorará muito, mantido o quadro atual, venham elas

a compor (ainda que nem todas) a base de geração, passando

a operar em regime continuado”, alerta o estudo.

Observando todas as fontes de energia disponíveis no

país, a pesquisa aponta que os parques eólicos têm atingido

um patamar competitivo – mesmo que esta competitividade

se deva aos subsídios recebidos pelo setor. Se continuar

crescendo em potencial, as eólicas poderão, de acordo

com os pesquisadores, suplementar a geração hidrelétrica,

favorecendo a guarda de água nos reservatórios das usinas

nos períodos mais críticos e demandando em menor

quantidade o parque termelétrico.

Este cenário, no entanto, é uma

projeção para o futuro, ainda

inviável.

Em sua conclusão, o documento

alerta que é imperativo que a

sociedade firme compromissos

claros e equilibrados para que se

possa compatibilizar as demandas

nacionais pela geração de energia e

as práticas respeitosas obrigatórias

em relação ao meio-ambiente. Para

isso, uma ampla discussão será

necessária, para que a sociedade

conheça não apenas os impactos

ambientais – que já são públicos

e amplamente divulgados – mas

também as perdas que a nação vem

sofrendo pelo subaproveitamento

do seu potencial energético de

fonte hidráulica.

“Como consequência dessa situação, o Brasil vem

sofrendo não somente evidentes e pesados impactos

econômicos, representados por forte pressão sobre o preço

da energia, decorrente da progressiva adoção de fontes

mais onerosas de geração, mas, também, de natureza

ambiental, provocados pelo acionamento cada vez mais

frequente das usinas térmicas, que deveriam atuar como

backup – prática essa já faz tempo imposta principalmente

pela vertiginosa perda da capacidade de reservação do

Sistema Interligado Nacional”, aponta a conclusão do

estudo, na página 34.

Qual o valor de investir na construção de novas

hidrelétricas com pequeno reservatório, as usinas

a fio d’água? Este tema será debatido em audiência

conjunta das comissões de Meio Ambiente, Defe-

sa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA) e

de Serviços de Infraestrutura (CI), com a ministra do

Meio Ambiente, Izabela Teixeira, e o secretário-exec-

utivo do Ministério de Minas e Energia, Márcio Zim-

mermann. O encontro já está marcado para o dia 14

de agosto e foi proposto pelo senador Flexa Ribeiro

(PSDB-PA).

A maneira de aumentar a confiabilidade do abaste-

cimento é a construção de hidrelétricas dotadas de

reservatórios adequadamente dimensionados. É óbvio que

quanto maior a capacidade de armazenamento de água no

período úmido, mais água haverá, no período da seca, para

gerar energia elétrica a custos mais baixos e praticamente

sem emissão de CO2.

Problema: reservatórios maiores exigem a inundação

de áreas maiores. Para agravar o problema, as usinas a

serem construídas daqui para a frente estarão localizadas,

em sua grande maioria, na Amazônia, onde o relevo, no seu

geral mais plano, dificultará a construção de reservatórios

sem o alagamento de áreas mais extensas.

Felizmente, a situação não é tão ruim quanto possa

inicialmente parecer. A Empresa de Pesquisa Energética,

vinculada ao Ministério das Minas e Energia, divulgou

dado segundo o qual se fossem somadas as áreas dos

reservatórios de todas as usinas construídas e a construir

na Amazônia teríamos uma área alagada de 10.500 km² de

floresta, ou seja, apenas 0,16% de todo o bioma amazônico

UHEs sem reservatório são tema de discussão

Senadores como Blairo Maggi (PR-MT), Valdir Raupp

(PMDB-RO) e Ivo Cassol (PP-RO) já se manifestaram so-

bre o problema do subaproveitamento do potencial hi-

drelétrico, demonstrando preocupação com as conse-

quências da construção de usinas a fio d’água no futuro do

país. Mesmo assim, reconhecem que usinas com grandes

reservatórios em áreas como a Amazônia são projetos

delicados, que requerem amplo estudo e discussão.

Para abrir o debate e chamar a sociedade como um

todo para pensar essas questões foi que as lideranças

marcaram o encontro do próximo dia 14.

– inclusive o seu trecho situado em território estrangeiro –,

uma parte ínfima, portanto, desse ecossistema tão precioso.

Para facilitar a compreensão do que representa essa área, é

possível dizer que ela equivale a aproximadamente o dobro

do território do Distrito Federal.

Vale registrar, para efeitos comparativos, que a área

total a ser ocupada pelos reservatórios dessas usinas

seria apenas um pouco superior aos 7.000 km² de área

desmatada na Amazônia brasileira somente em 2010,

ano em que menos se destruiu a floresta ao longo da série

histórica desse levantamento, feito pelo INPE desde 1988.

Contudo, a partir de meados da década de 1990, não

mais se conceberam, em grandes projetos, usinas com

reservatórios, ao arrepio da legislação em vigor. As razões

foram a preservação de florestas, de localidades ribeirinhas

e de terras indígenas e, de lá para cá, as hidrelétricas

projetadas e construídas no país passaram a ser as

chamadas usinas a fio d’água. Estas, teoricamente, teriam

menores custos e menos problemas de licenciamento

ambiental.

Solução passa pelo correto dimensionamento do reservatório