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DEFENSORIA REGIONAL DE DIREITOS HUMANOS 1 Juízo Federal da __ VF de Porto Alegre Autos nº PAJ (DPU) nº 2017/026-03808 PADAC (DPE/RS) nº 2493-3000/17-8 A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO e a DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, presentadas por seus Membros signatários, no exercício das suas funções constitucionais (CRFB/1988, art. 134, caput) e legais (Lei Complementar nº 80/1994), vêm, considerando o constante do PAJ e do PADAC epigrafados, e com base no art. 1º, inciso IV, e art. 5º, inciso II, da Lei n. 7.347/1985; art. 4º, inciso VII, da Lei Complementar n. 80/1994; art. 6º, caput e art. 37, § 6º, da CRFB/88; art. 927, parágrafo único do Código Civil, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA em face: da TRIUNFO PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS S.A. CONCEPA, pessoa jurídica de direito privado, a ser citada na Rua Voluntários da Pátria, 4813, Porto Alegre RS; da UNIÃO FEDERAL, a ser citada eletronicamente por meio da Advocacia- Geral da União;

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DEFENSORIA REGIONAL DE DIREITOS HUMANOS

1

Juízo Federal da __ VF de Porto Alegre

Autos nº

PAJ (DPU) nº 2017/026-03808

PADAC (DPE/RS) nº 2493-3000/17-8

A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO e a DEFENSORIA PÚBLICA DO

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, presentadas por seus Membros signatários, no

exercício das suas funções constitucionais (CRFB/1988, art. 134, caput) e legais (Lei

Complementar nº 80/1994), vêm, considerando o constante do PAJ e do PADAC

epigrafados, e com base no art. 1º, inciso IV, e art. 5º, inciso II, da Lei n. 7.347/1985; art.

4º, inciso VII, da Lei Complementar n. 80/1994; art. 6º, caput e art. 37, § 6º, da CRFB/88;

art. 927, parágrafo único do Código Civil, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA

em face:

da TRIUNFO PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS S.A. – CONCEPA,

pessoa jurídica de direito privado, a ser citada na Rua Voluntários da Pátria,

4813, Porto Alegre – RS;

da UNIÃO FEDERAL, a ser citada eletronicamente por meio da Advocacia-

Geral da União;

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do DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE

TRANSPORTES (DNIT), autarquia federal, a ser citado eletronicamente por

meio de sua Procuradoria Federal;

da AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES (ANTT),

autarquia federal, a ser citada eletronicamente por meio de sua Procuradoria

Federal;

do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, a ser citado eletronicamente por

meio de sua Procuradoria; e

do MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE, a ser citado eletronicamente por meio

de sua Procuradoria, na forma já estabelecida pelo Juízo, pelos motivos de fato

e de direito a seguir expostos.

I. DO OBJETO

Por meio da presente ação coletiva, as Defensorias Públicas da União e do Estado

do Rio Grande do Sul, na tutela dos interesses individuais homogêneos de 36 famílias

violentamente desalojadas da Ilha do Pavão, em Porto Alegre, em agosto/2017, objetivam

provimento condenatório em face dos demandados, a fim de que indenizem os danos

materiais e reparem o dano moral coletivo e o dano social ocasionado.

Ainda, em tutela provisória de urgência, as demandantes objetivam sejam os

demandados compelidos a pagar valor mensal às famílias, para custeio provisório de

moradia, ou o fornecimento direto de moradia digna.

II. DOS FATOS

Em agosto de 2017, foi instaurado na Defensoria Pública da União o Processo de

Assistência Jurídica (PAJ) Coletivo nº 2017/026-03808, após atendimento realizado com

representantes de famílias que residiam na Ilha do Pavão, informando que, em

decorrência da disputa entre facções e de episódios de violência ocorridos no local, foram

forçados a se retirarem de suas casas. Durante o atendimento inicial, foi informado por

uma das representantes que de acordo com informações de vizinhos que ainda residiam

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na Ilha do Pavão, funcionários da empresa TRIUNFO CONCEPA estariam demolindo

suas casas, sem nenhuma notificação prévia aos moradores.

A Ilha do Pavão encontra-se situada na região do Arquipélago em Porto Alegre,

nas proximidades da BR-290, e possui uma situação urbanística diferenciada em relação

às outras regiões da capital. Considerando-se que o Arquipélago constitui uma região

formada com diversas ilhas ambientalmente sensíveis por sua característica alagadiça, a

proximidade ao centro urbano e outros pontos da cidade foram alguns dos fatores que

permitiram que diversas ocupações irregulares no local fossem se disseminando. Tais

ocupações são formadas por habitantes de baixa e alta renda, que, mesmo com as severas

restrições de moradia, historicamente permanecem no local1.

No caso das famílias afetadas, são todos de baix(íssim)a renda, que viviam

dentro da faixa de domínio da BR-290, por várias décadas, com total tolerância da

UNIÃO e da CONCEPA, esta última chegando a realizar intervenções de melhoria

social no local. Note-se que são famílias evidentemente hipossuficientes que em sua

maioria possuem referência nos equipamentos públicos e que acessam os benefícios

sociais disponibilizados.

Conforme relato da representante das famílias, bem como matérias jornalísticas

que retratam a situação em tela, cerca de trinta famílias haveriam se retirado de suas

residências em decorrência de episódios de violência e ameaças a que foram submetidas.

Com o intuito de preservar a integridade física de crianças e idosos que viviam no local,

algumas famílias deslocaram-se para a casa de familiares em diversos pontos da cidade,

e outras permaneceram em situação de rua. Todavia, tão logo os conflitos diminuíssem,

a intenção das pessoas era de que pudessem retornar ao seu local de origem para dar

seguimento normal ao fluxo de suas vidas.

No entanto, no dia 24/8/2017 foram surpreendidos com a notícia de que suas

casas estariam sendo derrubadas por funcionários da empresa TRIUNFO

CONCEPA, que se encontravam no local com máquinas retroescavadeiras praticando o

“desalojo”, sob a alegação de que as casas estariam vazias.

1 Informações coletadas no Observa POA – Observatório da Cidade de Porto Alegre.

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De acordo com a documentação produzida pela própria TRIUNFO CONCEPA, a

PMPA se fez presente durante a ação de demolição das casas (inclusive porque os

caminhões para recolhimento dos entulhos e escombros foram disponibilizados pelo

Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU)), assim como outros órgãos

públicos, como a Brigada Militar e a Polícia Rodoviária Federal.

No momento em que acontecia a ação da empresa TRIUNFO CONCEPA, cerca

de 20 famílias estavam alojadas em um galpão abandonado da região da Zona Norte de

Porto Alegre, sem nenhuma infraestrutura que permitisse condições de moradia daquelas

pessoas. Ao serem informados do que havia acontecido com suas casas, entenderam por

bem reivindicar junto à Prefeitura Municipal de Porto Alegre (PMPA) um local para

abrigamento2, assim como contataram as Defensorias Públicas da União e do Estado com

o intuito de solicitar assistência jurídica para a questão.

Os atendimentos prestados pela DPU e pela DPE geraram os procedimentos

administrativos PAJ nº 2017/026-03808 e PADAC nº 2493-3000/17-8, respectivamente.

A medida paliativa tomada pela PMPA na ocasião foi a oferta de abrigamento das

20 famílias que se encontravam em frente ao Paço Municipal, na Escola Estadual de

Ensino Fundamental Prof. Ernesto Tochetto, localizada nas imediações da Av. Sertório,

na região da Zona Norte. Foi ofertado, também, o recadastramento das famílias nos

equipamentos públicos de Assistência Social (CRAS) que atendem a região da escola, a

fim de identificar as demandas e encaminhá-las para os órgãos competentes.

Entrementes, diante da informação de que a pessoa jurídica TRIUNFO

CONCEPA havia demolido as residências na Ilha do Pavão, a Defensoria Pública da

União convocou uma reunião com representantes da empresa no dia 25/8/2017, na sede

da pessoa jurídica. À ocasião, foi levantado que, dias antes, haveria ocorrido um incêndio

na região, acontecimento que ensejou a ação de demolição das casas em nome de um

suposto iminente risco de novos episódios similares, considerando-se a proximidade das

casas à rodovia, assim como a tubulação de gás que perpassa o local. Alegou a CONCEPA

que teria atendido a uma solicitação dos moradores que permaneciam na comunidade,

2 Famílias removidas da Ilha do Pavão acampam em frente à Prefeitura por moradia. Sul21. Publicado em

24/8/2017. Disponível em <https://www.sul21.com.br/jornal/familias-removidas-da-ilha-do-pavao-

acampam-em-frente-prefeitura-por-moradia/>

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após uma reunião entre esses moradores, representantes da empresa e da PMPA, onde se

“deliberou” pela demolição das casas.

Após, no dia 29/8/2017 foi realizada reunião entre a DPU e representantes do

Departamento Municipal de Habitação (DEMHAB). Na ocasião, a Diretoria do

DEMHAB apresentou como alternativa a possibilidade de pleitear junto à empresa

TRIUNFO CONCEPA recurso para viabilizar a compra assistida de novas residências,

para as famílias que tiveram as casas removidas. Foi informado, ainda, que limites

orçamentários impossibilitariam que o órgão oferecesse alguma possibilidade mais

consistente, que não seja a inclusão das famílias na lista de pretendentes do Programa

Minha Casa Minha Vida.

No dia 1º/9/2017, na Promotoria de Justiça de Habitação e Ordem Urbanística, foi

realizada reunião na sede do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, em que

participaram o Promotor de Justiça, Exmo. Dr. Claudio Ari Mello, representantes da

empresa TRIUNFO CONCEPA e da DPU/RS. Na oportunidade, o Promotor de Justiça,

solicitou que a empresa TRIUNFO CONCEPA disponibilizasse colchões para as famílias

que tiveram as casas derrubadas e se encontravam alojadas na escola Ernesto Tochetto,

tratando-se de cerca de 121 pessoas. Os representantes da empresa tiveram acordo com a

doação, e afirmaram que disponibilizariam o mais breve possível. Durante a reunião, foi

sugerida a realização de um levantamento da quantidade exata de moradores da escola,

sua atividade laboral e a identificação da pretensão das famílias para seu destino, tão logo

se retirassem do alojamento.

Esse levantamento foi efetivado pela DPU no início do mês de outubro de 2017.

A tanto, foram realizadas entrevistas com as chefias de cada família visando identificar o

perfil socioeconômico das pessoas alojadas.

De acordo com o mapeamento feito pela DPU, estavam no local 33 núcleos

familiares, em situação de multivulnerabilidade3.

3 O conceito de (multi)vulnerabilidade pode ser extraído das 100 Regras de Brasília sobre o Acesso à Justiça

das Pessoas em Condição de Vulnerabilidade, cuja Seção 2ª assim estabelece:

“Secção 2ª.- Beneficiários das Regras

1.- Conceito das pessoas em situação de vulnerabilidade

(3) Consideram-se em condição de vulnerabilidade aquelas pessoas que, por razão da sua idade, género,

estado físico ou mental, ou por circunstâncias sociais, económicas, étnicas e/ou culturais, encontram

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Durante a realização do atendimento, verificou-se um fator agravante na situação

vivida pelas famílias, tendo em vista a existência de grande quantidade de resíduos sólidos

espalhados pelo local. Ainda que constatado que a principal atividade laboral das pessoas

fosse a reciclagem, ficou evidente que os resíduos coletados permaneciam pelas áreas

coletivas da escola, expondo todos que circulavam no local à diversas doenças e contato

com insetos.

Após o levantamento, mais três famílias compareceram à DPU para informar seus

dados, do que se conclui haver 36 núcleos familiares afetados.

Os resultados desse levantamento se encontram nos relatórios anexos a este

petitório inicial.

Ressalte-se que o número de famílias discrepou entre os diversos levantamentos

realizados pelas Defensorias Públicas, Município de Porto Alegre e CONCEPA. Isso,

contudo, se deve à peculiar dinâmica social local, sobretudo ao fato de que havia

residências multifamiliares, questões nem sempre consideradas pelos demandados. De

toda sorte, eventual controvérsia poderá ser dirimida via regular instrução probatória.

No decorrer das instruções procedimentais, as famílias relataram situações de

ameaça dos vizinhos que vivem no entorno da Escola Estadual de Ensino Fundamental

Prof. Ernesto Tochetto, e que não admitiram a convivência com catadores e pessoas de

condições econômicas inferiores, questão que chegou a se tornar pública, em postagens

em redes sociais.

Ainda no mês de outubro de 2017, foi realizada reunião na sede da Defensoria

Pública do Estado do Rio Grande do Sul, em que participaram novamente representantes

da empresa TRIUNFO CONCEPA, ocasião em que foi questionado sobre a possibilidade

de a empresa indenizar as famílias que tiveram as casas demolidas. No entanto, após

reunião realizada com representantes de diversos órgãos pertencentes à Prefeitura

especiais dificuldades em exercitar com plenitude perante o sistema de justiça os direitos reconhecidos

pelo ordenamento jurídico.

(4) Poderão constituir causas de vulnerabilidade, entre outras, as seguintes: a idade, a incapacidade, a

pertença a comunidades indígenas ou a minorias, a vitimização, a migração e o deslocamento interno, a

pobreza, o género e a privação de liberdade. A concreta determinação das pessoas em condição de

vulnerabilidade em cada país dependerá das suas características específicas, ou inclusive do seu nível de

desenvolvimento social e económico”.

Disponível em < https://www.anadep.org.br/wtksite/100-Regras-de-Brasilia-versao-reduzida.pdf>

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Municipal de Porto Alegre, a possibilidade foi descartada, uma vez que a Prefeitura alega

que não possuiria imóvel disponível para reassentar as famílias.

Mais uma reunião foi realizada no dia 9/11/2017, na Prefeitura Municipal de Porto

Alegre, com a presença de representantes da Secretaria Municipal de Relações

Institucionais, Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, FASC e CRAS

Noroeste, DPE/RS e DPU. Para a Prefeitura, o principal ponto de preocupação seria a

questão da violência que envolve as famílias, afirmando que estas foram alojadas na

escola como uma medida emergencial da PMPA. As Defensorias apresentaram a proposta

de a PMPA viabilizar um terreno para que a empresa TRIUNFO CONCEPA reconstruísse

as 16 casas demolidas. A PMPA informou, então, que isso seria inviável, pois não haveria

terrenos pequenos que comportassem as famílias. A PMPA visualizou como

possibilidade, a inclusão das famílias no Aluguel Social, ainda que não possua os recursos

necessários para custear o benefício, sugerindo, então, que a TRIUNFO CONCEPA

assumisse o benefício, arcando com os custos do repasse dos valores às famílias.

Em uma derradeira tentativa de fixação de acordo extrajudicial, a incluir a PMPA

e TRIUNFO CONCEPA, foi realizada reunião no dia 8/1/2018, na sede da DPE/RS, sem

sucesso.

No dia 22 de janeiro de 2018, a DPU recebeu o contato telefônico da Diretora

Técnica da FASC, informando que, conforme levantamento realizado pela PMPA, 19

adultos e 30 crianças encontravam-se (e encontram-se até a presente data)

acampados em frente à Prefeitura4, alegando que não voltarão para o alojamento na

escola por motivos de falta de segurança e de infraestrutura para moradia na Escola

Estadual de Ensino Fundamental Prof. Ernesto Tochetto.

As pessoas que atualmente encontram-se alojadas em frente ao Paço Municipal

estão expostas à diversas situações de violência seja simbólica ou física, principalmente

as crianças, considerando-se, ainda, que há bebês de colo no local.

Foram rejeitadas todas as propostas apresentadas pela PMPA pois as famílias

apresentam muita descrença na resolução do caso, frente ao sentimento de que após 8

4 14 famílias estão morando ao lado da Prefeitura, e o município não sabe o que fazer com elas. Sul21.

Publicado em 27/1/2018. Disponível em <https://www.sul21.com.br/jornal/14-familias-estao-morando-ao-

lado-da-prefeitura-e-o-municipio-nao-sabe-o-que-fazer-com-elas/>

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meses convivendo com uma situação provocada por terceiros permaneceriam

“esquecidos” pelo Poder Público.

Em suma, as famílias se encontram desde agosto/2017 em uma situação

provisória, que só se deteriora com o tempo.

Entrementes, as Defensorias Públicas da União e do Estado, em cumprimento

ao art. 4º, inciso II, da Lei Complementar nº 80/1994, empreenderam diversas

tentativas de solucionar extrajudicialmente a contenda, com a pessoa jurídica

TRIUNFO CONCEPA e o Município de Porto Alegre, sem sucesso.

Esses, na mais breve síntese, os fatos que dão base ao presente processo.

Avança-se, assim, à análise jurídica.

III. DO DIREITO

III.1. DAS PRELIMINARES

III.1.1. Do Cabimento da Ação Civil Pública

A Lei da Ação Civil Pública (LACP) (Lei nº 7.347/1985) não é o único diploma

normativo que disciplina as ações coletivas. Tem-se, no Brasil, um microssistema de

processo coletivo formado pela LACP, de um lado, e pelo CDC, de outro, de modo que

estes dois diplomas legais têm aplicabilidade em toda e qualquer ação coletiva, formando

um verdadeiro “ordenamento processual geral” do processo coletivo, tendo em vista as

normas de remissão neles contidas, as quais fazem referências recíprocas entre si, o que

culmina na aplicação complementar de um ao outro.

Vejam-se os dispositivos:

Art. 21 da LACP:

Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e

individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que

instituiu o Código de Defesa do Consumidor. (Redação dada pela Lei

nº 8.078, de 11.9.1990)

Art. 90 do CDC:

Aplica-se às ações previstas neste título as normas do Código de

Processo Civil e da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no

que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas

disposições.

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Neste contexto, ao analisar os aspectos processuais das ações coletivas, deve o

intérprete sempre fazer uma leitura coordenada da LACP e do CDC, sendo certo que deste

estudo se perceberá facilmente o cabimento de ação civil pública em caso de direito

individual homogêneo, ainda que não seja matéria consumerista.

Afinal, o parágrafo único do art. 81 do CDC dispõe que:

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste

código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam

titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste

código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular

grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte

contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim

entendidos os decorrentes de origem comum.

E aplicando-se o art. 81 do CDC à LACP, percebe-se ser a ação civil pública meio

cabível para tutelar qualquer direito individual homogêneo, na medida em que o

dispositivo do Código Consumerista é totalmente transportável ao estudo da ação civil

pública, nos termos do art. 21 da LACP, acima transcrito.

O Superior Tribunal de Justiça já pacificou sua jurisprudência no sentido de

agasalhar a tese ora defendida:

PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ASSOCIAÇÃO CIVIL.

LEGITIMIDADE. AÇÃO COLETIVA. POSSIBILIDADE.

A Lei 8.078/90, ao alterar o art. 21 da Lei 7.347/85, ampliou o

alcance da ação civil pública e das ações coletivas para abranger a

defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos,

desde que presente o interesse social relevante na demanda. In casu,

os interesses são homogêneos, tendo em vista o debate de uma

ampla classe de segurados da Previdência Social, onde se tem um

universo indeterminado de titulares desses direitos.

De acordo com a inteligência do artigo 21 do Código de Defesa do

Consumidor, a Associação é legítima para propor ações que versem

sobre direitos comunitários dos associados. Recurso desprovido. (REsp

702607 / SC, Relator(a) Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA

(1106) , Órgão Julgador T5 QUINTA TURMA, Data do Julgamento,

09/08/2005, Data da Publicação/Fonte DJ 12/09/2005 p. 360)

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Igualmente, é importante ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento

do Recurso Extraordinário n. 163.231/SP, concluiu que os interesses individuais

homogêneos são espécies de interesses coletivos.

O art. 1º, inciso V, da LACP, prevê ser cabível ação civil pública para tutela de

“qualquer outro interesse difuso ou coletivo”. Fazendo um silogismo com o julgado do

STF, percebe-se o seguinte: (i) premissa maior: cabe ação civil pública para proteção de

qualquer interesse coletivo (art. 1º, inciso V, da Lei da ACP); (ii) premissa menor: os

interesses individuais homogêneos são espécie de interesses coletivos (entendimento do

STF); (iii) conclusão: cabe ação civil pública para defesa de qualquer interesse individual

homogêneo.

Em verdade, as únicas vedações legais para ação coletiva são aquelas do parágrafo

único do art. 1º da LACP, que não se aplicam a este caso.

Também merece ser salientado que, na espécie, o direito tutelado somente pode

ser plenamente concretizado pela via da ação coletiva, máxime porque o dano causado às

famílias individualmente consideradas, à vista da multivulnerabilidade geral , nem sequer

chegaria ao Poder Judiciário. Ademais, a ação coletiva é o veículo adequado para expor

a grave violação de direitos humanos e fundamentais perpetrada pelos demandados.

A verificação do dano coletivo e dos danos sociais justifica a tutela pela via

transindividual. Assim, mesmo a partir desta análise sumária, torna-se facilmente

perceptível a importância e os benefícios jurídicos, sociais e econômicos do manejo desta

Ação Civil Pública.

III.1.2. Da legitimidade ativa da Defensoria Pública

A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado

justamente por garantir o direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita aos

carentes, orientação jurídica e a defesa conforme assegura o art. 5º, inciso LXXIV, da

Constituição da República, ligado ao direito fundamental do acesso à justiça, consagrado

no art. 5º, inciso XXXV, da CR.

As atribuições da Defensoria Pública estão previstas no art. 134 da Constituição

da República, cabendo-lhe a defesa, em todos os graus de jurisdição, dos necessitados. A

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Lei Complementar nº 80/1994, em seu art. 4º, inciso VII, estabelece como função

institucional a promoção da “ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de

propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos

quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes”.

O inciso XI do mesmo dispositivo também lhe incumbe de “exercer a defesa dos

interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa

portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar

e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado”.

Tratando-se de famílias, com integrantes de todas as idades (de crianças de colo a

idosos), em situação de multivulnerabilidade, não há dúvidas do enquadramento dos

beneficiários desta demanda coletiva com o art. 4º, inciso XI, da Lei Complementar nº

80/1994.

De acordo com o art. 5º, inciso II, da Lei nº 7.347/1985, com a redação dada pela

Lei 11.448/07, atribuiu-se legitimidade à Defensoria Pública para o ajuizamento de ação

civil pública. Além disso, com a promulgação da Lei Complementar nº 132/2009, não

resta mais qualquer dúvida acerca da atribuição da instituição para a defesa dos direitos

humanos, inclusive na forma coletiva.

Veja-se a respeito:

Art. 1º A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à

função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e

instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação

jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os

graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de

forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma

do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal. (Redação dada pela

Lei Complementar nº 132, de 2009)

Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:

III – promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da

cidadania e do ordenamento jurídico; (Redação dada pela Lei

Complementar nº 132, de 2009).

...

VI – representar aos sistemas internacionais de proteção dos direitos

humanos, postulando perante seus órgãos; (Redação dada pela Lei

Complementar nº 132, de 2009).

VII – promover ação civil pública e todas as espécies de ações

capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos,

coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da

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demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes;

(Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009)VIII –

exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos,

coletivos e individuais homogêneos e dos direitos do consumidor, na

forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal; (Redação

dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

...

X – promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos

necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais,

econômicos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies

de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela; (Redação

dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

XI – exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança

e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades

especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de

outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do

Estado; (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

...

XVII – atuar nos estabelecimentos policiais, penitenciários e de

internação de adolescentes, visando a assegurar às pessoas, sob

quaisquer circunstâncias, o exercício pleno de seus direitos e garantias

fundamentais; (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

XVIII – atuar na preservação e reparação dos direitos de pessoas

vítimas de tortura, abusos sexuais, discriminação ou qualquer

outra forma de opressão ou violência, propiciando o

acompanhamento e o atendimento interdisciplinar das vítimas;

(Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

Art. 15-A. A organização da Defensoria Pública da União deve primar

pela descentralização, e sua atuação deve incluir atendimento

interdisciplinar, bem como a tutela dos interesses individuais,

difusos, coletivos e individuais homogêneos. (Incluído pela Lei

Complementar nº 132, de 2009). (original não grifado)

Também a partir de interpretação ampliativa do microssistema, norteada pelo

princípio do acesso à justiça (art. 5º, inciso XXXV, CRFB), depreende-se que os

legitimados pela Lei nº 7.347/1985 podem defender os direitos individuais homogêneos.

No caso específico da Defensoria Pública, reforça-se tal conclusão, ainda que sob

outro viés. De fato, a Constituição atribui ao Órgão as seguintes funções, previstas nos

artigos 5º, LXXIV, e 134 da Constituição Federal:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no

País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade, nos seguintes termos:

(...)

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13

LXXIV – O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos

que comprovarem insuficiência de recursos.

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função

jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa,

em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.

Assim, a leitura da legitimação conferida pela Lei da Ação Civil Pública sob a

ótica constitucional da atuação atribuída à Defensoria Pública permite a conclusão de que,

para a assistência jurídica integral em favor dos necessitados, este Órgão pode se valer de

instrumento coletivo para a defesa de quaisquer direitos ou interesses dos

hipossuficientes, sejam difusos, coletivos ou individuais homogêneos de qualquer

espécie.

Enfim, quer sob a interpretação ampliativa, quer sob a interpretação restritiva do

microssistema de ações coletivas, afirma-se a legitimidade da Defensoria Pública para o

ajuizamento da presente ação.

Dessa forma, não há instituição que represente tão adequadamente os

hipossuficientes como a Defensoria Pública. A ideia de representatividade adequada é

inerente ao reconhecimento da legitimidade para o ajuizamento de demandas coletivas.

Não reconhecer a legitimidade ativa da Defensoria Pública para propor ação civil

pública seria inviabilizar o próprio acesso à justiça daqueles que não têm condições

econômicas de se fazerem representar em juízo, como bem frisado pela Ministra Carmen

Lúcia em seu voto no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3943,

em que o STF julgou e considerou, por unanimidade, que a atribuição da Defensoria

Pública em propor Ação Civil Pública é constitucional, conforme citação abaixo:

Em Estado marcado por inegáveis e graves desníveis sociais e pela

concentração de renda, uma das grandes barreiras para a implementação

da democracia e da cidadania ainda é o efetivo acesso à Justiça. Estado

no qual as relações jurídicas importam em danos patrimoniais e morais

de massa devido ao desrespeito aos direitos de conjuntos de indivíduos

que, consciente ou inconscientemente, experimentam viver nessa

sociedade complexa e dinâmica, o dever estatal de promover políticas

públicas tendentes a reduzir ou suprimir essas enormes diferenças passa

pela criação e operacionalização de instrumentos que atendam com

eficiência as necessidades dos seus cidadãos.

...

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14

O objetivo da Defensoria Pública é a eficiência da prestação de serviços

e o efetivo acesso à Justiça por todos os necessitados, para garantia dos

direitos fundamentais previstos no art. 5º, incs. XXXV, LXXIV e

LXXVIII, da Constituição da República. A constatação de serem

normalmente mais graves as lesões coletivas, aliada à circunstância de

tender o tempo gasto em processos coletivos a ser menor, evidencia que

a opção por ações coletivas racionaliza o trabalho pelo Poder Judiciário

e aumenta a possibilidade de assegurar soluções uniformes e igualitárias

para os diferentes titulares dos mesmos direitos, garantindo-se não

apenas a eficiência da prestação jurisdicional, a duração razoável do

processo e a justiça das decisões, que se igualam em seu conteúdo sem

contradições jurisprudenciais não incomuns em demandas individuais.

Portanto, não há dúvida de que esse instrumento processual é um dos mais eficazes

à garantia do direito à razoável duração do processo e à celeridade da sua tramitação

(CRFB/88, art. 5º, inc. LXXVIII).

Por derradeiro, tendo como princípio institucional a unidade (art. 134, § 4º, da

Constituição da República), a separação entre Defensorias Públicas da União, do Estado

e do Distrito Federal é de caráter unicamente administrativo, não tendo o condão de

efetivamente cindir a Instituição, que é una.

Desse modo, e como a demanda é multidisciplinar, e abrange não apenas órgãos

federais, é cabível o litisconsórcio entre DPU e DPE/RS, inclusive em analogia ao art. 5º,

§ 5º, da Lei nº 7.347/1985.

III.2. DO MÉRITO

III.2.1. Do Direito à Moradia

O direito social à moradia foi instituído no rol de Direito Humanos desde a

Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em seu artigo 25, com o seguinte

enunciado:

Artigo 25. 1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz

de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive

alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços

sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego,

doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios

de subsistência fora de seu controle. (original não grifado)

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15

É resguardado também por outros institutos de direto internacional como o Pacto

Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), em seu artigo 11:

ARTIGO 11

1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda

pessoa a um nível de vida adequando para si próprio e sua família,

inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim

como a uma melhoria continua de suas condições de vida. Os Estados

Partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse

direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da

cooperação internacional fundada no livre consentimento. (Grifei)

E outras convenções como a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas

as Formas de Discriminação Racial (1965); Convenção Internacional sobre a Eliminação

de todas as Formas de Discriminação da Mulher (1979); Convenção sobre os Direitos da

Criança (1989); Convenção dos Trabalhadores Migrantes (1990); Convenção 169 da

Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais (1989);

Declaração sobre Assentamentos Humanos de Vancouver (1976); Agenda 21 sobre Meio

Ambiente e Desenvolvimento (1992), e, como tal, têm dois aspectos: um negativo, que

diz com a proibição de políticas públicas que dificultem ou impossibilitem o exercício do

direito à moradia, e outro, positivo, que diz com a obrigação do Estado de criar políticas

públicas tendentes a promover e proteger o direito à moradia.

Desta forma, conforme se vê, o direito à habitação é largamente debatido e

protegido em âmbito internacional desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos,

marco inicial da busca para a proteção de todos e eliminação de todas as formas de

discriminação.

Se, conforme disposto pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, todo ser

humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família, entre

outros, habitação e que, segundo o PIDESC, toda pessoa tem direito a um nível de vida

adequando para si próprio e sua família, inclusive à habitação, não se pode pensar que

a destruição das moradias de famílias que habitavam o local há vários anos seja

minimamente amparado pelo ordenamento jurídico.

Nesse sentido, o art. 6º da Constituição Federal define o direito fundamental à

moradia como direito social, que está relacionado ao dever dos entes federativos de

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16

concretizarem suas políticas públicas de habitação social, nos termos do art. 23, incisos

IX e X, da CRFB/1988.

Dizer que a moradia é um direito social é dizer que ela faz parte dos chamados

Direitos Fundamentais de Segunda Geração. Esta é uma gama de direitos que têm o seu

valor ligado à igualdade material. A doutrina trata estes direitos não como poderes de

agir (liberdades públicas lato sensu), mas sim como poderes de exigir, conforme discorre

o renomado professor Ingo Wolfgang Sarlet5:

Além disso, como ocorre com os direitos fundamentais em geral,

também os direitos sociais apresentam uma dupla dimensão subjetiva e

objetiva. No que diz com a primeira, ou seja, quando os direitos sociais

operam como direitos subjetivos, está em causa a possibilidade de

serem exigíveis (em favor de seus respectivos titulares) em face de seus

destinatários. A despeito das dificuldades e objeções que se registram

nessa esfera (v.g., menor densidade das normas definidoras de direitos

sociais, limites ao controle judicial das políticas públicas, dependência

da disponibilidade de recursos, em outras palavras, do impacto da assim

chamada reserva do possível), constata-se, no caso brasileiro, uma forte

tendência doutrinária e jurisprudencial (com destaque aqui para a

jurisprudência do STF) no sentido do reconhecimento de um direito

subjetivo definitivo (portanto, gerador de uma obrigação de prestação

por parte do destinatário) pelo menos no plano do mínimo existencial,

concebido como garantia (fundamental) das condições materiais

mínimas para uma vida com dignidade, o que, em termos de maior

incidência, se verifica especialmente nos casos do direito à saúde e à

educação. (Grifei)

Divisada a essencialidade do direito à moradia, resta apurar, no caso concreto, a

responsabilidade por sua violação, tal como perpetrado pelos demandados.

III.2.2. Da Responsabilidade Civil dos Demandados

III.2.2.1. Da responsabilidade civil da CONCEPA

A Constituição da República prevê, no art. 37, § 6º, que, quando da delegação de

serviços públicos a responsabilidade das concessionárias, será objetiva pelos danos que

causarem a terceiros, em virtude do risco da atividade. Nessa linha vai o entendimento do

5 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de Direito

Constitucional. 1ª.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012

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17

STJ de que aquele que lucra com a concessão de serviço público também deve responder

pelos riscos deste decorrente, veja-se:

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL.

CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. TRANSMISSÃO DE

ENERGIA ELÉTRICA. ATIVIDADE DE ALTA PERICULOSIDADE.

TEORIA DO RISCO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA.

CONSERVAÇÃO INADEQUADA DA REDE DE TRANSMISSÃO.

INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. CULPA DA EMPRESA

RECONHECIDA PELA INSTÂNCIA DE ORIGEM. RECURSO

ESPECIAL NÃO CONHECIDO. 1. A empresa que desempenha

atividade de risco e, sobretudo, colhe lucros desta, deve responder

pelos danos que eventualmente ocasione a terceiros,

independentemente da comprovação de dolo ou culpa em sua

conduta. 2. Os riscos decorrentes da geração e transmissão de energia

elétrica, atividades realizadas em proveito da sociedade, devem,

igualmente, ser repartidos por todos, ensejando, por conseguinte, a

responsabilização da coletividade, na figura do Estado e de suas

concessionárias, pelos danos ocasionados. 3. Não obstante amparar-se

na Teoria do Risco, invocando a responsabilidade objetiva da

concessionária, a instâncias ordinárias também reconheceram

existência de culpa em sua conduta: a queda de fios de alta tensão era

constante na região, mesmo assim a empresa não empreendeu as

necessárias medidas de conservação da rede, expondo a população a

risco desnecessário. 4. Não se conhece do recurso no tocante à redução

da pensão mensal, porquanto os danos materiais foram fixados na

sentença, sem que a parte ora recorrente impugnasse tal ponto em seu

recurso de apelação, conformando-se com o decisum. 5. O valor fixado

nas instâncias locais para a indenização por danos morais não se

apresenta exorbitante ou ínfimo, de modo a afrontar os princípios da

razoabilidade e da proporcionalidade, incidindo na espécie o enunciado

n. 7 da Súmula do STJ. 6. Ressalva do entendimento do e. Ministro

Aldir Passarinho Júnior, que não conheceu do recurso especial,

adotando exclusivamente o fundamento relativo à culpa da

concessionária demonstrada nas instâncias ordinárias, o que enseja sua

responsabilidade subjetiva por omissão. 7. Recurso especial não

conhecido. (REsp 896.568/CE, Rel. Ministro FERNANDO

GONÇALVES, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,

QUARTA TURMA, julgado em 19/05/2009, DJe 30/06/2009)

O dever de indenizar está presente mesmo que a parte vítima do dano não seja

usuário do serviço prestado pela empresa concessionária, entendimento que decorre da já

referida previsão constitucional do art. 37, § 6º, e da aplicação do CDC, equiparando a

consumidor todas as vítimas do evento.

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18

Também nesse sentido é o entendimento do STJ em caso de concessão rodoviária,

tal qual o desta ação, ressaltando que somente haverá a aplicação das excludentes do nexo

casual como fato de terceiro, culpa exclusiva da vítima quando, nos termos da ementa

abaixo transcrita, “for a causa única do sinistro ou, nos dizeres de Aguiar Dias, quando

‘sua intervenção no evento é tão decisiva que deixa sem relevância outros fatos culposos

porventura intervenientes no acontecimento’”:

RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL.

ATROPELAMENTO FATAL. TRAVESSIA NA FAIXA DE

PEDESTRE. RODOVIA SOB CONCESSÃO. CONSUMIDORA POR

EQUIPARAÇÃO. CONCESSIONÁRIA RODOVIÁRIA.

RESPONSABILIDADE OBJETIVA EM RELAÇÃO A TERCEIROS

USUÁRIOS E NÃO USUÁRIOS DO SERVIÇO. ART. 37, § 6°, CF.

VIA EM MANUTENÇÃO. FALTA DE ILUMINAÇÃO E

SINALIZAÇÃO PRECÁRIA. NEXO CAUSAL CONFIGURADO.

DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO CONFIGURADO.

CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. INOCORRÊNCIA.

INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS DEVIDOS.

1. Inexiste violação do art. 535 do Código de Processo Civil se todas as

questões jurídicas relevantes para a solução da controvérsia são

apreciadas, de forma fundamentada, sobrevindo, porém, conclusão em

sentido contrário ao almejado pela parte. 2. As concessionárias de

serviços rodoviários, nas suas relações com o usuário, subordinam-se

aos preceitos do Código de Defesa do Consumidor e respondem

objetivamente pelos defeitos na prestação do serviço. Precedentes. 3.

No caso, a autora é consumidora por equiparação em relação ao defeito

na prestação do serviço, nos termos do art. 17 do Código consumerista.

Isso porque prevê o dispositivo que "equiparam-se aos consumidores

todas as vítimas do evento", ou seja, estende o conceito de consumidor

àqueles que, mesmo não tendo sido consumidores diretos, acabam por

sofrer as consequências do acidente de consumo, sendo também

chamados de bystanders. 4. "A responsabilidade civil das pessoas

jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é

objetiva relativamente a terceiros usuários e não-usuários do

serviço, segundo decorre do art. 37, § 6º, da Constituição Federal"

(RE 591874, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI,

Tribunal Pleno, julgado em 26/08/2009, REPERCUSSÃO GERAL

- MÉRITO DJe-237 DIVULG 17-12-2009 PUBLIC 18-12-2009). 5.

Na hipótese, a menor, filha da recorrente, faleceu ao tentar atravessar

na faixa de pedestre, em trecho da BR-040 sob concessão da ré, tendo

a sentença reconhecido a responsabilização da concessionária, uma vez

que "o laudo pericial da polícia judiciária bem apontou que o local do

atropelamento é 'desprovido de iluminação pública', 'com sinalização

vertical e horizontal precária devido à manutenção da via', tendo se

descurado de sua responsabilidade na 'obrigação direta de manutenção

da rodovia'", admitindo a ré "a deficiência de seu serviço no local,

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19

quando apressou-se depois e instalou passarela destinada a pedestres

naquele trecho", além do fato de não haver prova da culpa exclusiva da

vítima. Caracterizado, portanto, o nexo causal, dando azo a

responsabilização civil. 6. O fato exclusivo da vítima será relevante

para fins de interrupção do nexo causal quando o comportamento dela

representar o fato decisivo do evento, for a causa única do sinistro ou,

nos dizeres de Aguiar Dias, quando "sua intervenção no evento é tão

decisiva que deixa sem relevância outros fatos culposos porventura

intervenientes no acontecimento"(Da responsabilidade civil, vol.II, 10ª.

edição. São Paulo: Forense, 1997, p. 946). Ocorre que, ao que se

depreende dos autos, a menor, juntamente com sua avó, atravessaram a

rodovia seguindo as regras insculpidas pelo Código de Trânsito

Nacional, isto é, na faixa destinada para tanto. 7. Não se pode olvidar

que, conforme a sentença, "a própria ré admitiu a deficiência de seu

serviço no local, quando apressou-se depois e instalou passarela

destinada a pedestres naquele trecho, como mostrado nas fotos de fls.

299/303". 8. O direito de segurança do usuário está inserido no serviço

público concedido, havendo presunção de que a concessionária assumiu

todas as atividades e responsabilidades inerentes ao seu mister. 9.

Atento às peculiaridades do caso, em que a sentença reconheceu a

responsabilidade da concessionária, bem como ao fato de se tratar de

vítima de tenra idade, circunstância que exaspera sobremaneira o

sofrimento da mãe, além da sólida capacidade financeira da empresa ré

e consentâneo ao escopo pedagógico que deve nortear a condenação,

considero razoável para a compensação do sofrimento experimentado

pela genitora o valor da indenização de R$ 90.000,00 (noventa mil

reais). Com relação aos danos materiais, a pensão mensal devida deve

ser estimada em 2/3 do salário mínimo dos 14 aos 25 anos de idade da

vítima e, após, reduzida para 1/3, até a data em que a falecida

completaria 65 anos. 10. Recurso especial parcialmente provido. (REsp

1268743/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA

TURMA, julgado em 04/02/2014, DJe 07/04/2014)

A responsabilidade objetiva foi, posteriormente à previsão constitucional,

expressa pelo Código Civil, em seu art. 927, parágrafo único – o qual se aplica também

ao caso em tela por se tratar de empresa privada concessionária de serviço público6 –, e

6 Processual Civil. Competência de Órgão Julgador Fracionário. Questão de Ordem. Sociedade de

Economia Mista. Responsabilidade Civil. Constituição Federal, Artigos 37, § 6º, 109, I, e 173, § 1º. Emenda

Constitucional nº 1/69 (art. 107). Decreto-Lei 200/67, Artigo 4º. RISTJ (arts. 8º e 9º, § 1º, VIII, e § 2º, III).

1. A sociedade de economia mista, sob o talhe de contrato administrativo, executando serviço público

concedido, apesar de submeter-se ao princípio da responsabilidade objetiva, quanto aos danos causados por

seus agentes à esfera jurídica dos particulares, no caso concreto, sujeita-se às obrigações decorrentes de

responsabilidade civil. Andante, ainda que exerça atividade concedida pelo Estado, responde em nome

próprio pelos seus atos, devendo reparar os danos ou lesões causadas a terceiros. De efeito, a existência da

concessão feita pelo Estado, por si, não o aprisiona diretamente nas obrigações de direito privado, uma vez

que a atividade cedida é desempenhada livremente e sob a responsabilidade da empresa concessionária.

Ordenadas as idéias, em razão da matéria, finca-se a competência da Segunda Seção para o processamento

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20

consagrada a Teoria do Risco, a fim de aplicar a responsabilidade civil inclusive para os

casos em que não há ocorrência de culpa.

Nesse sentido, veja-se:

E diante dessas considerações, quanto à ré, concessionária de serviço

público, é de se aplicar, em um primeiro momento, as regras da

responsabilidade objetiva da pessoa prestadora de serviços públicos,

independentemente da demonstração da ocorrência de culpa.

Isso porque a recorrida está inserta na “Teoria do Risco”, pela qual se

reconhece a obrigação daquele que causar danos a outrem, em razão

dos perigos inerentes a sua atividade ou profissão, de reparar o prejuízo.

Assim, se é desempenhada determinada atividade de risco e,

sobretudo, colhem-se lucros desta, deve a empresa de igual modo

responder pelos danos que eventualmente ocasione a terceiros,

independentemente da comprovação de dolo ou culpa em sua conduta.

Essa é a orientação contida no artigo 927, parágrafo único, do Código

Civil:

"Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano

a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o

dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou

quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano

implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem."

Outra não é a lição de Caio Mário Pereira da Silva:

"A doutrina objetiva, ao invés de exigir que a responsabilidade civil seja

a resultante dos elementos tradicionais (culpa, dano, vínculo de

causalidade entre uma e outro) assenta-se na equação binária cujos

pólos são o dano e a autoria do evento danoso. Sem cogitar da

imputabilidade ou investigar a antijuridicidade do fato danoso, o que

importa para assegurar o ressarcimento é a verificação se ocorreu o

evento e se dele emanou o prejuízo. Em tal ocorrendo, o autor do fato

causador do dano é o responsável. Com a teoria do risco, diz Philippe

Lê Tourneau, o juiz não tem de examinar o caráter lícito ou ilícito do

ato imputado ao pretenso responsável: as questões

de responsabilidade transformam-se em simples problemas objetivos

que se reduzem à pesquisa de uma relação de causalidade

(Responsabilidade Civil. 9ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. pág. 269

- grifou-se).

(REsp 1330027/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA,

TERCEIRA TURMA, julgado em 06/11/2012, DJe 09/11/2012) (grifei)

e julgamento dos recursos decorrentes. 2. Precedentes jurisprudenciais. 3. Afirmada a competência da

Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça. (QO no REsp 287.599/TO, Rel. Ministro HUMBERTO

GOMES DE BARROS, Rel. p/ Acórdão Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, CORTE ESPECIAL, julgado

em 26/09/2002, DJ 09/06/2003, p. 165)

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Portanto, “sendo objetiva a responsabilidade, desnecessária a verificação da culpa

da concessionária pelo ocorrido, bastando que se observe a existência do dano e do nexo

causal” 7.

Quanto à conduta e ao nexo de causalidade, não há discussões, visto que a própria

CONCEPA confirmou ter retirado as casas e os escombros no período de 15 a 25 de

agosto de 2017, conforme resposta ao ofício enviado pela DPU, juntamente com a BM,

PRF, DMLU e representantes da Associação de Moradores da Ilha do Pavão.

Dos documentos anexos enviados pela CONCEPA, consta registro de reunião

feita com a representante da Associação de Moradores, Sra. Lurdes Salete de Castro8, nos

termos que seguem:

INCÊNDIO NA COMUNIDADE DA ILHA DO PAVÃO:

CASAS EM MADEIRA ABANDONADAS, DESABITADAS:

RISCO DE NOVO INCÊNDIO PONDO EM PERIGO QUEM

HABITA O LOCAL:

FICA DECIDIDO POR OPÇÃO DA REPRESENTANTE DOS

MORADORES O DESMONTE DAS 16 CASAS INABITADAS, REGISTRO FEITO PELO NEJ N. 00911 BEM COMO REGISTROS

FOTOGRAFICOS, ASSINADA PELA PARTE INICIALMENTE

CITADA.

[...]

PEDE-SE O APOIO DA CONCEPA E DA POLÍCIA RODOVIÁRIA

FEDERAL NO ACOMPANHAMENTO DA OPERAÇÃO DE

DESMONTE DAS CASAS.

A CONCEPA, na CARTA JUR 022/2017, confirmou que houve a retirada de

escombros do incêndio e de casas inabitadas, sendo, portanto, de duas espécies diferentes

– havia casas e escombros, ambos foram retirados com o auxílio do MPOA, PRF e BM

por opção da representante dos moradores.

14 de agosto - Houve solicitação da Prefeitura de Porto Alegre para a

limpeza do local com a retirada de escombros e das casas abandonadas,

conforme pedido da comunidade. [...]

Fim: 15 a 25 de agosto – Início da operação para a retirada dos

escombros decorrentes do incêndio e das moradias abandonadas, em

ação conjunta com a Prefeitura de Porto Alegre, Polícia Rodoviária

Federal e Brigada Militar.

[...]

7 Trecho do voto da Ministra Relatora Nancy Andrighi no REsp 1095575/SP, Rel. Ministra NANCY

ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/12/2012, DJe 26/03/2013. 8 Registro de Reunião. Documentos anexos a Carta Jur 02/2017 – CONCEPA.

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22

Imperioso ressaltar que as moradias retiradas se encontravam

desocupadas desde o final do mês de junho, conforme informações da

comunidade, em função da disputa do tráfico pelo local.

Como pode ser observado, a própria CONCEPA em seu relato – bem como é feito

no Registro de Reunião – diferencia o que seria escombros do incêndio (não que isso

legitime o desmonte das casas sem anuência dos moradores destas) e o que seriam

moradias abandonadas. Reconhece, portanto, a existência de casas que não foram vítimas

do fogo – ou, se foram, não as prejudicou a ponto de tornarem-se inabitáveis – e somente

estavam sem moradores no momento. Frise-se que, desde o último incêndio até a

destruição total das casas pela ré, se passaram menos de um mês – tempo que a

concessionária, Município de Porto Alegre, PRF e BM consideraram suficiente para

considerar abandonada, inabitada, uma residência que foi ocupada por anos pelas

famílias.

Sobre a situação das casas estarem inabitadas, a concessionária ressalta que quem

afirmou tal condição foi a comunidade que restou no local, sendo que as pessoas teriam

– temporariamente – deixado o local devido ao tráfico. Isto é, a empresa concessionária,

ignorando a guerra do tráfico existente no local, ingenuamente acreditou que as

pessoas que permaneceram no local (e, portanto, não estavam sendo ameaçadas pelo

novo comando) iriam dar informações contrárias aos seus interesses. Essa

ingenuidade não é apenas inverossímil, como, também, inverte qualquer lógica do

razoável.

Ressalta-se: nenhum dos entes pode argumentar a ignorância sobre a atual

situação da Ilha e crer que a palavra de uma alegada representante da Comunidade de que

aquelas casas eram inabitadas bastaria para destruir a moradia de alguém, sem nem ao

menos tomar medidas mínimas para buscar consultar o real morador.

Dito de outro modo, tendo conhecimento de que as pessoas se ausentaram de seus

domicílios devido ao tráfico, a CONCEPA simplesmente supôs que as pessoas que ali

moravam há anos, quando não há décadas, iriam abandonar totalmente a sua moradia e

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seus pertences9 – e, portanto, destruiu as casas, deixando famílias multivulneráveis

desabrigadas, não tendo onde dormir, trabalhar, realizar sua higiene ou se alimentar.

Por fim, consoante entendimento do STJ abaixo transcrito, cabe aos réus

provarem as excludentes de causalidade, sendo caso de inversão do ônus probatório,

bastando à parte autora a arguição do dano, o qual é amplamente provado nos documentos

anexos, inclusive colacionados pela própria concessionária:

RESPONSABILIDADE CIVIL. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO

PÚBLICO.

ELETROCUSSÃO. MORTE DE MENOR. VIOLAÇÃO AO ARTIGO

535 DO CÓD. DE PROC. CIVIL. INOCORRÊNCIA. TEORIA DO

RISCO OBJETIVO. APLICABILIDADE.

CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. INADMISSIBILIDADE.

DESPESAS DE LUTO E FUNERAL. FATO CERTO.

PENSIONAMENTO DOS PAIS. POSSIBILIDADE.

CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL. PRECEDENTES. DANOS

MORAIS. VALOR RAZOÁVEL.

I. Inexiste a alegada ofensa ao artigo 535 do Código de Processo Civil,

eis que as questões trazidas pela recorrente foram todas apreciadas pelo

acórdão impugnado, naquilo que pareceu ao colegiado julgador

pertinente à apreciação do recurso, com análise e avaliação dos

elementos de convicção carreados para os autos.

II - A obrigação das empresas concessionárias de serviços públicos de

indenizar os danos causados à esfera juridicamente protegida dos

particulares, a despeito de ser governada pela teoria do risco

administrativo, de modo a dispensar a comprovação da culpa, origina-

se da responsabilidade civil contratual.

III - Consoante deflui do disposto no artigo 37, § 6º, da Constituição

Federal, basta ao autor demonstrar a existência do dano para haver

a indenização pleiteada, ficando a cargo da ré o ônus de provar a

causa excludente alegada, o que, segundo as instâncias ordinárias,

não logrou fazer.

IV - No tocante às despesas de funeral, a jurisprudência desta Corte

tem-se inclinado no sentido de inexigir a prova da realização dos gastos,

em razão da certeza do fato do sepultamento. Ademais, tendo o tribunal

local afirmado a existência de despesas com funerais, a pretensão de

exclusão das referidas despesas encontra óbice no enunciado da Súmula

07 deste Tribunal.

V - A morte de menor em acidente, mesmo que à data do óbito ainda

não exercesse atividade laboral remunerada, autoriza os pais, quando

9 Conforme matéria jornalística, “Com a intenção de retornarem em algum momento, deixaram os móveis

e até cachorros nas casas, sob os cuidados dos vizinhos que continuaram na Ilha. Quando decidiram

retornar, depararam com tratores e caminhões demolindo as casas de madeira da entrada da Pavão”.

(Ex-moradores da Ilha do Pavão são transferidos para prédio público. Diário Gaúcho. 25/8/2017.

Disponível em <http://diariogaucho.clicrbs.com.br/rs/dia-a-dia/noticia/2017/08/ex-moradores-da-ilha-do-

pavao-sao-transferidos-para-predio-publico-9879779.html>)

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de baixa renda, a pedir ao responsável pelo sinistro a indenização por

danos materiais, aqueles resultantes do auxílio que futuramente o filho

poderia prestar-lhes.

VI - Em face da realidade econômica do país, que não mais permite

supor a estabilidade, longevidade e saúde empresariais, de modo a

permitir a dispensa de garantia, a Segunda Seção deste Tribunal, no

julgamento do Recurso Especial nº 302.304/RJ pacificou posição,

afirmando a impossibilidade da substituição de capital, prevista na lei

processual civil, pela inclusão do beneficiário de pensão em folha de

pagamento.

VII - A estipulação do valor da indenização por danos morais pode ser

revista neste Tribunal quando contrariar a lei ou o bom senso,

mostrando-se irrisório ou exorbitante, o que não se verifica na hipótese

dos autos.

Recurso especial não conhecido.

(REsp 506.099/MT, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA

TURMA, julgado em 16/12/2003, DJ 10/02/2004, p. 249)

À vista destas colocações, inequívoca a responsabilidade civil da CONCEPA

pelos danos causados às famílias desalojadas da Ilha do Pavão.

III.2.2.2. Da responsabilidade da União, da ANTT e do DNIT

De início, assente-se que a BR-290, cuja faixa de domínio era ocupada pelos

moradores atingidos, pertence à União, e é concedida à CONCEPA, o que é público e

notório.

Assim, as famílias desalojadas permaneceram por décadas em local de

propriedade da União, com a anuência desta e, depois, da concessionária da rodovia.

O Poder Público não pode se eximir das violações de direitos humanos ocorridas

em sua área de domínio por empresa para a qual foi delegada a prestação de serviços

públicos, nos termos do art. 37, § 6º, da CRFB. Dito de outro modo, sendo a área de sua

propriedade, deve ter ciência e tomar as medidas necessárias para que a ordem

constitucional seja mantida.

A simples concessão para prestação dos serviços públicos não exime per se que a

União deixe de tutelar os objetivos da República, de erradicar a pobreza e a

marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (CRFB, art. 3º, III) e

garantir os direitos sociais (CRFB, art. 6º).

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Muito menos a concessão exime a União de fazer serem respeitados os diplomas

internacionais de Direitos Humanos que firmou. Muito ao revés, cabe à União primar

para que haja respeito à eficácia horizontal dos Direitos Humanos (Drittwirkung), sob

pena, inclusive, de responsabilização internacional10, como já ocorrido no caso Caso

Ximenes Lopes vs. Brasil, que tramitou perante a Corte Interamericana de Direitos

Humanos, levando à condenação do Brasil por violações perpetradas por uma casa de

repouso particular.

Por evidente, sabe-se que a responsabilidade internacional estatal por violações

particulares não é ilimitada: ela “se configura cuando los Estados son cómplices o toleran

las acciones de los particulares que vulneran los derechos humanos”11. No entanto,

atuando a CONCEPA com poderes típicos do Estado, seja em razão da concessão

realizada, seja em razão do abono de outros órgãos públicos para a remoção realizada, é

inequívoca a possibilidade de responsabilização internacional da União pela violação aqui

retratada.

De outro lado, conforme documentado pela CONCEPA na CARTA JUR

022/2017, acima citada, a remoção se deu em ação conjunta, inclusive, com a Polícia

Rodoviária Federal, órgão pertencente à estrutura do Ministério da Justiça.

A sua vez, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) é entidade

integrante da administração federal indireta, submetida ao regime autárquico especial e

vinculada ao Ministério dos Transportes. A ANTT atua na exploração da infraestrutura

rodoviária federal (art. 22, V da Lei 10.233/01).

A ANTT tem como atribuição legal “fiscalizar a prestação dos serviços e a

manutenção dos bens arrendados, cumprindo e fazendo cumprir as cláusulas e condições

10 “De esta manera, el Estado adquiere la obligación positiva de adoptar las medidas necesarias para

asegurar la efectiva protección de los derechos humanos en las relaciones interindividuales, es decir el

deber jurídico de prevenir, razonablemente, las violaciones a los derechos humanos de los individuos que

se encuentran bajo su jurisdicción, reconociendo así los efectos de la Convención Americana vis-à-vis de

terceros (el denominado Drittwirkung), sin el cual las obligaciones convencionales de protección se

reducirían a poco más que letra muerta” (ARDILA, Felipe Medina. La Responsabildad Internacional

de Estado por actos particulares: análisis jurisprudencial interamericano. Disponível em

<http://www.corteidh.or.cr/tablas/r26724.pdf>, acesso em 3 fev 2018, p. 17). 11 ARDILA, ib idem, p. 22.

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avençadas nas outorgas e aplicando penalidades pelo seu descumprimento”, nos termos

do inciso VIII do art. 24 da referida Lei.

No sentido ora defendido, a jurisprudência do e. Tribunal Regional Federal da 4ª

Região reconhece que a simples concessão não exime a responsabilidade fiscalizatória do

ente conforme inciso supracitado, verbis:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE

REINTEGRAÇÃO DE POSSE AJUIZADA POR

CONCESSIONÁRIA DA ANTT. IMÓVEL LOCALIZADO NA

FAIXA DE DOMÍNIO DE RODOVIA FEDERAL. INTERESSE

JURÍDICO DA ANTT. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1.

Embora o contrato de concessão estabeleça ser responsabilidade da

concessionária a manutenção da integridade da faixa de domínio,

devendo adotar, inclusive, as providências judiciais necessárias à

garantia do patrimônio das rodovias que compõem o lote

rodoviário objeto do contrato, é dever da ANTT a fiscalização e

manutenção dos bens outorgados nas concessões para

administração de rodovias (art. 24-VIII da Lei nº 10.233 /2001). Além disso, em se tratando de reintegração de posse de bem público

federal, a atuação da ANTT parece ir além das atribuições decorrentes

de sua condição de agente regulador ou fiscalizador, ante a presença de

interesse público a ser protegido, o que evidencia o interesse jurídico e

autoriza seu ingresso no feito como assistente simples da parte autora.

(TRF4, AG 5024679-39.2014.4.04.0000, QUARTA TURMA, Relatora

VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em

20/03/2015)

Por sua vez, o DNIT, pessoa jurídica de direito público, submetido ao regime de

autarquia, vinculado ao Ministério dos Transportes, foi criado e é regulado pela Lei nº

10.233/2001, que prevê seus objetivos, atribuições e responsabilidades, nos termos que

seguem:

Art. 82. São atribuições do DNIT, em sua esfera de atuação:

IV - administrar, diretamente ou por meio de convênios de delegação

ou cooperação, os programas de operação, manutenção, conservação,

restauração e reposição de rodovias, ferrovias, vias navegáveis, eclusas

ou outros dispositivos de transposição hidroviária de níveis, em

hidrovias situadas em corpos de água de domínio da União, e

instalações portuárias públicas de pequeno porte; (Redação dada pela

Lei nº 13.081, de 2015)

V - gerenciar, diretamente ou por meio de convênios de delegação ou

cooperação, projetos e obras de construção e ampliação de rodovias,

ferrovias, vias navegáveis, eclusas ou outros dispositivos de

transposição hidroviária de níveis, em hidrovias situadas em corpos de

água da União, e instalações portuárias públicas de pequeno porte,

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decorrentes de investimentos programados pelo Ministério dos

Transportes e autorizados pelo orçamento geral da União; (Redação

dada pela Lei nº 13.081, de 2015)

Art. 83. Na contratação de programas, projetos e obras decorrentes do

exercício direto das atribuições de que trata o art. 82, o DNIT deverá

zelar pelo cumprimento das boas normas de concorrência, fazendo com

que os procedimentos de divulgação de editais, julgamento de licitações

e celebração de contratos se processem em fiel obediência aos preceitos

da legislação vigente, revelando transparência e fomentando a

competição, em defesa do interesse público. (Redação dada pela

Medida Provisória nº 2.217-3, de 4.9.2001)

Parágrafo único. O DNIT fiscalizará o cumprimento das condições

contratuais, quanto às especificações técnicas, aos preços e seus

reajustamentos, aos prazos e cronogramas, para o controle da qualidade,

dos custos e do retorno econômico dos investimentos.

Art. 84. No exercício das atribuições previstas nos incisos IV e V do art.

82, o DNIT poderá firmar convênios de delegação ou cooperação com

órgãos e entidades da Administração Pública Federal, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios, buscando a descentralização e a

gerência eficiente dos programas e projetos.

§ 1º Os convênios deverão conter compromisso de cumprimento, por

parte das entidades delegatárias, dos princípios e diretrizes

estabelecidos nesta Lei, particularmente quanto aos preceitos do art. 83.

§ 2º O DNIT supervisionará os convênios de delegação, podendo

denunciá-los ao verificar o descumprimento de seus objetivos e

preceitos. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.217-3, de

4.9.2001)

Da mesma forma, a legislação supra preceitua que o DNIT deve fiscalizar as ações

e, portanto, responde solidariamente por danos ocorridos em sua área de domínio quando,

por ato comissivo, não fiscaliza as ações da concessionária e permite que esta cometa atos

que vão além das suas atribuições, lesionando pessoas como no caso em tela.

Nos termos da lei e conforme jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª

Região:

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE

DE TRÂNSITO. TETRAPLEGIA. DANO MORAL. DANO

MATERIAL. DANO ESTÉTICO. PENSÃO. É o DNIT - Departamento

Nacional de Infra-Estrutura de Transportes parte legítima para figurar

no pólo passivo de ação de ressarcimento por danos ocorridos em

acidente de trânsito em rodovia federal mal sinalizada. É concessionária

parte legítima para figurar no pólo passiva desta ação em decorrência

das cláusulas do contrato de concessão e seus anexos, que prevêem a o

dever de utilização de meio efetivos de segurança quando da realização

das obras na rodovia federal. Como a autora fundamenta seu pedido

inicial na falta de segurança e conservação da rodovia, deve a

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concessionária integrar a lide. Estão demonstrados os requisitos para a

configuração do dever de indenizar, a saber: a) o fato (acidente de

trânsito); b) a omissão estatal revelada na falha de serviço na via

pública; c) o dano (tetraplegia na vítima); d) o nexo de causalidade; e)

a inexistência de culpa exclusiva da vítima/terceiros, caso fortuito e

força maior. Desta forma, respondem os réus, solidariamente, pelos

danos materiais, morais, estéticos que causaram a autora e pelo

pagamento de pensão. (TRF4, AC 5019312-70.2011.404.7200, Quarta

Turma, Relator Desembargador Cândido Alfredo Silva Leal Junior,

julgamento 21.01.2014.)12 (original não grifado) ADMINISTRATIVO. DANO MORAL. DNIT. LEGITIMIDADE

PASSIVA. ACIDENTE. BURACO. RODOVIA. O DNIT detém

legitimidade para figurar no polo passivo do presente feito, na medida

em que o acidente se deu em razão de obras realizadas por construtora

contratada pela autarquia ré e para a duplicação da rodovia federal BR-

101. A responsabilidade extracontratual do Estado - que emerge do

preceito esculpido no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal - nos casos

em que os danos não são causados por atos comissivos dos agentes

estatais, mas, sim, por deficiência nos serviços, cuja prestação o

legislador atribuiu precipuamente à Administração Pública, é de ordem

12 Decisão confirmada pelo STJ: PROCESSUAL CIVIL, CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO

ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ACIDENTE. RODOVIA EM OBRAS. TETRAPLEGIA.

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO ESTADO E DA CONCESSIONÁRIA. ACÓRDÃO.

OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. JULGADO CITRA E ULTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. NEXO

CAUSAL E CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS E PROBATÓRIAS.

VALOR DO DANO MORAL. EXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. JUROS

MORATÓRIOS E CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. SÚMULAS 54/STJ E 362/STJ.

DENUNCIAÇÃO DA LIDE. PODER PÚBLICO. DESNECESSIDADE. CELERIDADE PROCESSUAL.

RECURSO DESPROVIDO. 1. Hipótese que cuida de indenização deferida à recorrida, em razão de

acidente ocorrido em 23/11/2009, na Rodovia BR - 101, sob a administração da concessionária recorrente,

que lhe causou tetraplegia traumática definitiva, tendo o acórdão de origem condenado (também) a

concessionária e o DNIT, de forma solidária. O particular causador do acidente já fora condenado pela

sentença. 2. O acórdão que, apesar de não mencionar expressamente todos os dispositivos legais destacados

pelo recorrente, aborda na íntegra os pontos essenciais para o deslinde da controvérsia, não incorre em

violação ao comando normativo inserto no art. 535 do CPC. 3. Nexo causal e culpa exclusiva da vítima,

via de regra, caracterizam-se como circunstâncias fáticas inviáveis de exame em recurso especial, haja vista

a necessidade de incursão no contexto probatório, incidindo a súmula 7/STJ. 4. Da mesma forma, o valor

dos danos morais somente pode ser revisto pelo STJ quando for ínfimo ou exorbitante em face das

circunstâncias do caso, não sendo cabível, no âmbito da Corte, o reexame de "justo" e/ou das provas dos

autos, situação que também atrai o óbice contido na súmula 7/STJ. 5. Consoante jurisprudência desta Corte

Superior de Justiça, os juros moratórios inerentes aos danos morais incidem desde a data do evento,

mediante aplicação da súmula 54/STJ (Recurso representativo da controvérsia nº 1132866/SP). A correção

monetária, desde a data do arbitramento, nos moldes do enunciado da súmula 362/STJ ("A correção

monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento.") 6. A

obrigatoriedade da denunciação da lide deve ser mitigada em ações indenizatórias propostas em face do

poder público pela matriz da responsabilidade objetiva (art. 37, § 6º - CF). O incidente quase sempre milita

na contramão da celeridade processual, em detrimento do agente vitimado. Isso, todavia, não inibe

eventuais ações posteriores fundadas em direito de regresso, a tempo e modo. 7. Recurso especial da

AUTOPISTA LITORAL SUL S.A. desprovido. (REsp 1501216/SC, Rel. Ministro OLINDO MENEZES

(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), PRIMEIRA TURMA, julgado em

16/02/2016, DJe 22/02/2016)

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subjetiva. No caso, restou caracterizada a omissão culposa do

próprio DNIT, que foi negligente ao não fiscalizar devidamente a

obra executada pela construtora contratada e não impedir que esta

viesse a provocar danos a terceiros. A execução do serviço pela

construtora se deu de forma faltosa e imperfeita. A partir da vigência da

Lei nº 11.960/09 (30/06/2009), devem incidir, uma única vez, até o

efetivo pagamento, os índices oficiais de remuneração básica e juros

aplicados à caderneta de poupança, nos termos da nova redação do art.

1º-F da Lei nº 9.494/97 conferida pela Lei nº 11.960/09. (TRF4, AC

5000275-36.2011.404.7207, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão

Candido Alfredo Silva Leal Junior, D.E. 21/03/2013) (grifei)

A União, ANTT e o DNIT podem delegar as suas atribuições para pessoas

jurídicas, inclusive de direito privado. Isto, contudo, não os exime da responsabilidade

sobre a fiscalização e das indenizações decorrentes por omissão sua em área de domínio

seu. Estes estavam cientes de que as pessoas moravam há décadas na região, e jamais

tomaram qualquer medida para retirada destes, cientes disto, nenhuma ação tomaram

quando a CONCEPA decidiu, unilateralmente, sem sequer algum tipo de processo

administrativo com contraditório, demolir as residências das famílias ora assistidas pela

Defensoria Pública.

Em síntese: (a) sendo a União a proprietária da rodovia BR-290, (b) tratando-se

a ANTT da entidade autárquica responsável pela fiscalização das concessões rodoviárias,

(c) à luz do art. 82 e ss. da Lei nº 10.233/2001, (c) tendo havido a participação da Polícia

Rodoviária Federal na remoção, e (d) considerando a responsabilidade estatal pelo

respeito a Direitos Humanos, inclusive com possibilidade de responsabilização

internacional, máxime dentro de área de domínio seu, estabelecida a responsabilidade

de tais entes.

III.2.2.3. Da responsabilidade do Município de Porto Alegre.

A documentação anexa não deixa maiores dúvidas de que o Município de Porto

Alegre teve participação direta na remoção forçada das famílias desalojadas da Ilha do

Pavão, abonando a conduta da CONCEPA e lhe fornecendo subsídios materiais.

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A própria CONCEPA, repita-se, documenta, na já citada CARTA JUR 022/2017,

que houve solicitação do MPOA para a remoção de escombros e casa supostamente

abandonadas, e que a ação se deu de forma conjunta com a Prefeitura Municipal:

14 de agosto - Houve solicitação da Prefeitura de Porto Alegre para a

limpeza do local com a retirada de escombros e das casas abandonadas,

conforme pedido da comunidade. [...]

Fim: 15 a 25 de agosto – Início da operação para a retirada dos

escombros decorrentes do incêndio e das moradias abandonadas, em

ação conjunta com a Prefeitura de Porto Alegre, Polícia Rodoviária

Federal e Brigada Militar.

[...]

Imperioso ressaltar que as moradias retiradas se encontravam

desocupadas desde o final do mês de junho, conforme informações da

comunidade, em função da disputa do tráfico pelo local.

Há, pois, evidente conduta Municipal, bem como nexo causal com o resultado

danoso, pelo que é o Município de Porto Alegre também responsável pelo

reassentamento das famílias, despiciendo falar em culpa, porquanto de índole objetiva a

responsabilidade em tela, comissiva que é.

Em acréscimo, assente-se que o Município tanto reconhece a sua responsabilidade

que foi ele que concedeu a escola para que as famílias permanecessem durante este

ínterim em que não se soluciona a moradia definitiva deste.

III.2.2.4. Da política pública habitacional. Do papel do Poder Judiciário em sua

efetivação.

De início, assente-se que, na compreensão das demandantes, não versa o presente

feito sobre a efetivação de políticas públicas, mas, sim, de responsabilidade civil por ato

danoso praticado, em conjunto, por atores públicos e privados.

De todo modo, caso se argumente que as Defensorias pretendem a intervenção

judicial nas políticas públicas de moradia, cabe ressaltar que, como já explanado, o direito

à moradia é internacional e nacionalmente tutelado, sendo um dever do Estado em todas

as suas esferas a sua garantia enquanto direito social previsto na Constituição da

República. Tratando-se de mínimo existencial, tal direito pode ser exigido quando da sua

não efetivação.

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A Jurisprudência é uníssona no sentido de ser defeso invocar a reserva do possível

para recusar prestações que consubstanciam o mínimo existencial, e.g.:

(...) A CONTROVÉRSIA PERTINENTE “RESERVADO POSSÍVEL”

E A INTANGIBILIDADE DO MÍNIMO EXISTENCIAL: A

QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS”. - A destinação de

recursos públicos, sempre tão dramaticamente escassos, faz instaurar

situações de conflito, quer com a execução de políticas públicas

definidas no texto constitucional, quer, também, com a própria

implementação de direitos sociais assegurados pela Constituição da

República, daí resultando contextos de antagonismo que impõem, ao

Estado, o encargo de superá-los mediante opções por determinados

valores, em detrimento de outros igualmente relevantes, compelindo, o

Poder Público, em face dessa relação dilemática, causada pela

insuficiência de disponibilidade financeira e orçamentária, a proceder a

verdadeiras “escolhas trágicas”, em decisão governamental cujo

parâmetro, fundado na dignidade da pessoa humana, deverá ter em

perspectiva a intangibilidade do mínimo existencial, em ordem a

conferir real efetividade às normas programáticas positivadas na

própria Lei Fundamental. Magistério da doutrina. - A cláusula da

reserva do possível - que não pode ser invocada, pelo Poder Público,

com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a

implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição

- encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo

existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo,

emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa

humana. Doutrina.Precedentes.

- A noção de “mínimo existencial”, que resulta, por implicitude, de

determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III),

compreende um complexo de prerrogativas cujaconcretização revela-se

capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem

a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e,

também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da

plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação,

o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à

saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à

alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos

da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV). (...) (STF - ARE 639337

AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado

em 23/08/2011, publicado em 15/09/2011 –grifou-se).

Da ótica constitucional, é manifesto que execuções de políticas públicas para

promoção de efetivação de direitos fundamentais – tais como o direito à incolumidade

física, à moradia em espaços urbanizados e ao meio ambiente equilibrado – gozam de

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prioridade máxima, sendo descabida a avocação de escusas voltadas a evadir os entes de

suas responsabilidades.

Afasta-se, desde já, a clássica objeção de que o Poder Judiciário não tem

competência, pelo princípio da divisão de Poderes13, para julgar “questões políticas14”.

O papel do Poder Judiciário é observar se as normas vêm sendo cumpridas,

limitando o abuso de poder e, quando necessário, ordenar que o Executivo concretize as

políticas públicas, de maneira a proteger os dispositivos constitucionais.

A respeito, forçoso consignar a diretriz jurisprudencial do Supremo Tribunal

Federal:

O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias

constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da

Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as

atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República. O regular

exercício da função jurisdicional, por isso mesmo, desde que pautado

pelo respeito à Constituição, não transgride o princípio da separação de

poderes. Desse modo, não se revela lícito afirmar, na hipótese de

desvios jurídico-constitucionais nas quais incida uma Comissão

Parlamentar de Inquérito, que o exercício da atividade de controle

jurisdicional possa traduzir situação de ilegítima interferência na esfera

de outro Poder da República. (STF, Pleno, MS 23452/RJ, Rel. Min.

Celso de Mello, DJ 12.05.2000, p. 20.)

De igual modo, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, para o qual:

A determinação judicial desse dever pelo Estado, não encerra suposta

ingerência do judiciário na esfera da administração. Deveras, não há

discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados,

quiçá constitucionalmente. Nesse campo a atividade é vinculada sem

admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea. (STJ,

1. T, REsp 736524/SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 03.04.2006, p. 256.)

13 “A separação de poderes em si mesma não representa um obstáculo lógico ao controle pelo Judiciário

das ações ou omissões inconstitucionais praticadas pelo Poder Público (...)”, dessa forma, “nem a separação

dos poderes nem o princípio majoritário são absolutos em si mesmos, sendo possível excepcioná-los em

determinadas hipóteses, especialmente quando se tratar da garantia dos direitos fundamentais e da

dignidade da pessoa humana”. BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios

Constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 207-325. 14 COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. In:

Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 35 n. 138 abr./jun. 1998.

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33

O Ministro Luiz Fux acrescentou, na mesma assentada, que a “Constituição

Federal consagra um direito e a norma infraconstitucional o explicita, impondo-se ao

judiciário torná-lo realidade, ainda que para isso, resulte obrigação de fazer, com

repercussão na esfera orçamentária”. Ao final, conclui que:

Ressoa evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública

implica em dispêndio e atuar, sem que isso infrinja a harmonia dos

poderes, porquanto no regime democrático e no estado de direito o

Estado soberano submete-se à própria justiça que instituiu. Afastada,

assim, a ingerência entre os poderes, o judiciário, alegado o

malferimento da lei, nada mais fez do que cumpri-la ao determinar a

realização prática da promessa constitucional.

Todos os operadores do direito, e, em especial o magistrado15, exercem decisivo

papel de verificação de compatibilidade da norma infraconstitucional, material ou formal,

ao compará-la com o Texto Magno.

Assim sendo, não há violação à separação dos poderes, uma vez que “compete ao

judiciário determinar o fornecimento do mínimo existencial independentemente de

qualquer outra coisa, como decorrência das normas constitucionais sobre a dignidade

humana e sobre a saúde. E de acordo com a mesma autora “o mínimo existencial

corresponde ao conjunto de situações materiais indispensáveis à existência humana

digna.”16

Na LOA/2018 do MPOA, há a previsão do Programa Porto Alegre para Todos

que objetiva “promover o desenvolvimento social como forma de inclusão, garantia dos

direitos humanos e redução da pobreza, atuando com ações que busquem a emancipação

dos cidadãos e a inclusão social através de políticas públicas de assistência social,

moradia, capacitação e inserção produtiva e acessibilidade”17. Além disso, há destinação

total de mais de trinta milhões de reais para projetos de reassentamentos a serem

executados pelo DEMHAB18.

15 “Ele não deve ser um autômato aplicador da lei, mas sim o mais crítico intérprete, sempre com os olhos

voltados para os direitos fundamentais conquistados a duras penas, em um Estado constitucional de

Direito.” FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías; la ley Del mas débil, p. 26 Apud GRECO, Rogério.

Curso de direito penal: parte geral. 2. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Impetus, 2002, p. 109. 16 BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: o princípio da

dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 274. 17 Lei Orçamentária Anual 2018, Prefeitura de Porto Alegre, p. VI. 18 Lei Orçamentária Anual 2018, Prefeitura de Porto Alegre, p. 218.

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34

Portanto, no caso em questão, mesmo que se entenda que se debatem políticas

públicas, cabe ao Judiciário exigir do Poder Público a efetivação do direito social à

moradia, compelindo os demandados, de modo solidário, a realizar as políticas públicas

sob sua responsabilidade, a fim de reassentar as famílias que agora estão totalmente

desamparados e desabrigados, como a efetivação e direito social constitucional e garantia

do mínimo existencial.

A forma de materialização de tal política será vista adiante.

III.2.2.5. Da responsabilidade do Estado do Rio Grande do Sul: Da omissão

inconstitucional

É mais comum do que seria razoável, nas diferentes esferas federativas do Brasil,

reiterada postura omissiva do Poder Público, quedando-se inerte quanto às suas

competências legais e constitucionais.

Importante salientar que a omissão estatal viola flagrantemente os preceitos e

princípios contidos na Constituição da República, uma vez que impede, por ausência ou

insuficiência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos seus postulados.

No caso em análise, a omissão afigura-se como específica, ou seja, aquela em que

o poder público, ciente de eventuais adversidades, mantém-se inerte, criando, por

consequência, ocasião para ocorrência do evento em situação que tinha a obrigação de

agir para coibi-lo, saná-lo ou amenizá-lo.

O Estado do Rio Grande do Sul é ciente da guerra entre facções e da insegurança

crescente que acomete os habitantes da Ilha do Pavão, sem que tome atitudes

minimamente suficientes para resolver o conflito, somente buscando que esse não se

espalhe e deixando os moradores da Ilha à própria sorte, sem a devida tutela do Estado.

É conhecimento geral que as populações marginalizadas – aqui no sentido técnico

de estarem “às margens” da sociedade – têm um “direito próprio”19, sua própria

regulação, com as figuras centrais das facções exercendo o papel que deveria ser do

19 Direito vivo na concepção de Ehrlich (EHRLICH, E. Fundamentos de Sociologia do Direito. Brasília:

UnB, 1986); ou direito achado na rua, como preceituado por Souza Junior (SOUZA JR, J. G. (Org.). O

Direito achado na rua. Brasília: UnB, 1988.

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35

Estado, provendo segurança a quem permanece ao lado delas e “fazendo justiça” a seu

bel prazer para quem não se alinha com a facção.

O Estado, omisso no seu dever constitucional de prover a segurança à população,

permitiu que se chegasse ao ponto de famílias serem expulsas de suas próprias residências

devido ao medo e ao risco de vida que sofriam, sem que nenhuma atitude fosse tomada

para ao menos minimizar a situação de total abandonado destas famílias, que já viviam

em situações de multivulnerabilidade por residirem em área não regularizada (sem direito

à moradia), em situação de pobreza, com baixa escolaridade e trabalhando de forma

informal para garantir um mínimo existencial – o qual nem sequer é alcançável quando

estas famílias ficam desprovidas de suas residências, permanecendo em local impróprio

para habitação, qual seja, uma escola!

Eis, em síntese, a omissão inconstitucional e violadora de Direitos Humanos do

Estado do Rio Grande do Sul, o que o leva a estar, também, no polo passivo desta

demanda coletiva.

III.2.3. Das Indenizações e Reparações

III.2.3.1. Da indenização pelo dano material. Da compra assistida e do Bônus-

Moradia

Estabelecida a responsabilidade da CONCEPA, da União, do DNIT, da ANTT e

do MPOA pela violação ao direito de moradia, é necessário divisar a forma de reparar os

danos impingidos.

A indenização do dano segue o princípio da reparação integral, consagrado no art.

944 do Código Civil, o qual preceitua que a reparação deverá se dar na mesma proporção

do dano.

O principal objeto da demanda é, por evidente, a reparação do dano in natura, isto

é, indenizando as famílias com novas residências. Todavia, não se pode perder de mira a

situação de extrema vulnerabilidade das famílias desabrigadas e as dificuldades que estas

teriam em encontrar um local para moradia e reconstruir as suas próprias casas.

Deve-se, portanto, buscar alternativas que otimizem a solução dos danos

causados, restabelecendo a dignidade das famílias atingidas.

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36

Nesse viés, no âmbito do Município de Porto Alegre, tem-se o programa

denominado Bônus-Moradia, instituído pela Lei Municipal nº 10.443/200820 (para o

bônus destinado à indenização e ao reassentamento de famílias ocupantes de áreas a serem

liberadas para o Programa Integrado Socioambiental (PISA) do Município de Porto

Alegre) e pela Lei Municipal nº 11.229/201221 (para o bônus destinado à indenização e

ao reassentamento de famílias ocupantes de áreas de risco, ou residentes em áreas que

deverão ser liberadas para permitir a execução de obras de infraestrutura urbana no

Município de Porto Alegre).

Tal valor, em síntese, serve para que as famílias reassentadas adquiram um novo

imóvel.

A Lei nº 10.443/2008 foi regulamentada, de modo mais recente, pelo Decreto nº

19.832, de 11/9/201722, a estabelecer o valor máximo de 56,46389 CUBs23 padrão baixo,

o que, em valores atuais, corresponde a cerca de R$ 78.500,00. De acordo com o art. 1º,

parágrafo único, do Decreto, a conversão dos CUBs em reais se dá quando da avaliação

do imóvel a ser adquirido com o Bônus-Moradia.

O processo para utilização de tal importe se denomina Compra Assistida, em que

a Prefeitura Municipal, via DEMHAB, realiza todos os trâmites necessários à compra

direta do imóvel, pagando o valor diretamente ao proprietário do imóvel escolhido pela

família reassentada.

In casu, seria possível ventilar o enquadramento das famílias no disposto na Lei

Municipal nº 11.229/2012, já que a violência decorrente do tráfico de entorpecentes

tornou a área anteriormente ocupada pelas famílias como evidente área de risco.

De todo modo, não se pretende a simples inclusão das 36 famílias no programa já

existente, mas, sim, que tal programa sirva de parâmetro à responsabilização dos

agentes. Ademais, não há falar em responsabilidade exclusiva do MPOA, porquanto

20 Disponível em <http://www2.portoalegre.rs.gov.br/cgi-bin/nph-

brs?s1=000029803.DOCN.&l=20&u=%2Fnetahtml%2Fsirel%2Fsimples.html&p=1&r=1&f=G&d=atos

&SECT1=TEXT> 21 Disponível em <http://www2.portoalegre.rs.gov.br/cgi-bin/nph-

brs?s1=000032882.DOCN.&l=20&u=%2Fnetahtml%2Fsirel%2Fsimples.html&p=1&r=1&f=G&d=atos

&SECT1=TEXT> 22 Disponível em <http://www2.portoalegre.rs.gov.br/netahtml/sirel/atos/Decreto%2019832> 23 Custo Unitário Básico da Construção Civil.

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advinda a violação ao direito de moradia também da CONCEPA, da União, da ANTT e

do DNIT, que devem, igualmente, ser responsabilizados.

Assim, afigura-se como mais apropriada para a reparação in natura do dano

perpetrado a realização de Compra Assistida, tendo como parâmetro a política pública

normatizada no Município de Porto Alegre, cabendo (a) solidariamente à CONCEPA, à

União, à ANTT, ao DNIT e ao Município de Porto Alegre, a imediata disponibilização a

cada família desalojada do valor correspondente ao Bônus-Moradia, no importe atual de

R$ 78.500,00 (correspondente a 56,46389 CUBs padrão baixo), a ser calculado quando

da avaliação do imóvel a ser adquirido (art. 1º, parágrafo único, do Decreto/POA nº

19.832/2017), e (b) ao Município de Porto Alegre, de modo célere, as medidas necessárias

à aquisição da moradia, consoante disposições da Lei Municipal nº 11.229/2012.

Não sendo do entendimento do Juízo que é caso de pagamento do valor

correspondente ao Bônus-Moradia, pugna, desde logo, pela produção de prova pericial,

a fim de aferir o valor de cada unidade habitacional que deixou de ser ocupada pelas

famílias desalojadas da Ilha do Pavão.

III.2.3.2. Da necessidade de apuração individual em sede de liquidação quanto

a eventuais danos remanescentes.

De outro vértice, tendo havido a destruição das casas com os bens de uso dentro

delas (ou, então, tendo tais itens sido extraviados por conduta da CONCEPA), a

indenização deverá levar em conta a totalidade desse valor.

Todavia, levando-se em conta a dificuldade de, no momento, apurar os valores

dos bens destruídos (e nem sendo a ACP veículo apropriado para esmiuçar tais detalhes),

é caso de valer do expediente previsto no Código de Defesa do Consumidor, em seu

Capítulo II “Das Ações Coletivas Para a Defesa de Interesses Individuais Homogêneos”

onde está disposto o seguinte:

Art. 95. Em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica,

fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados.

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38

Assim, quanto ao valor exato da reparação por danos materiais, além das

residências, requer seja fixada a responsabilização genérica, a ser arbitrada em liquidação

individual de sentença.

III.2.3.3. Do dano moral coletivo perpetrado pelos demandados – tutela de

direitos individuais homogêneos

A indenização por dano moral é assegurada no inciso V do art. 5º da CRFB e é

definido por Yussef Said Cahali24 como sendo

tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe

gravemente os valores fundamentais inerentes a sua personalidade ou

reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em

linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los

exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na

tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na

desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação

pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da

normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou

no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral.

Não há, na CRFB ou em qualquer legislação infraconstitucional, restrição para

que os danos morais sejam caracterizados somente no âmbito individual. Possível a

“caracterização de danos morais coletivos, quando ofendidos direitos ou interesses que

extrapolam a esfera individual, a evidenciar lesão extrapatrimonial de natureza

metaindividual, transindividual, ou coletiva”25. Da mesma forma, entendimento do STJ

que reconhece danos morais coletivos, inclusive no bojo de ação civil pública:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART.

535 DO CPC. OMISSÃO INEXISTENTE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

DIREITO DO CONSUMIDOR. TELEFONIA. VENDA CASADA.

SERVIÇO E APARELHO. OCORRÊNCIA. DANO MORAL

COLETIVO. CABIMENTO. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.

1. Trata-se de ação civil pública apresentada ao fundamento de que a

empresa de telefonia estaria efetuando venda casada, consistente em

impor a aquisição de aparelho telefônico aos consumidores que

demonstrassem interesse em adquirir o serviço de telefonia.

2. Inexiste violação ao art. 535, II do CPC, especialmente porque o

Tribunal a quo apreciou a demanda de forma clara e precisa e as

24 CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p.20/21. 25 TRF4 5020840-52.2014.4.04.7001, TERCEIRA TURMA, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE

PEREIRA, juntado aos autos em 18/07/2016.

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39

questões de fato e de direito invocadas foram expressamente abordadas,

estando bem delineados os motivos e fundamentos que a embasam,

notadamente no que concerne a alegação de falta de interesse de agir do

Ministério Público de Minas Gerais.

3 – 6. (omissis)

7. A possibilidade de indenização por dano moral está prevista no

art. 5º, inciso V, da Constituição Federal, não havendo restrição da

violação à esfera individual. A evolução da sociedade e da legislação

têm levado a doutrina e a jurisprudência a entender que, quando

são atingidos valores e interesses fundamentais de um grupo, não

há como negar a essa coletividade a defesa do seu patrimônio

imaterial.

8. O dano moral coletivo é a lesão na esfera moral de uma

comunidade, isto é, a violação de direito transindividual de ordem

coletiva, valores de uma sociedade atingidos do ponto de vista

jurídico, de forma a envolver não apenas a dor psíquica, mas

qualquer abalo negativo à moral da coletividade, pois o dano é, na

verdade, apenas a consequência da lesão à esfera extrapatrimonial

de uma pessoa.

9. Há vários julgados desta Corte Superior de Justiça no sentido do

cabimento da condenação por danos morais coletivos em sede de

ação civil pública. Precedentes: EDcl no AgRg no AgRg no REsp

1440847/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES,

SEGUNDA TURMA, julgado em 07/10/2014, DJe 15/10/2014, REsp

1269494/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA

TURMA, julgado em 24/09/2013, DJe 01/10/2013; REsp

1367923/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA

TURMA, julgado em 27/08/2013, DJe 06/09/2013; REsp

1197654/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA

TURMA, julgado em 01/03/2011, DJe 08/03/2012. 10. Esta Corte já se manifestou no sentido de que "não é qualquer

atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar dano

moral difuso, que dê ensanchas à responsabilidade civil. Ou seja, nem

todo ato ilícito se revela como afronta aos valores de uma comunidade.

Nessa medida, é preciso que o fato transgressor seja de razoável

significância e desborde os limites da tolerabilidade. Ele deve ser grave

o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade

social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva.

(REsp 1.221.756/RJ, Rel. Min. MASSAMI UYEDA, DJe 10.02.2012).

11. A prática de venda casada por parte de operadora de telefonia é

capaz de romper com os limites da tolerância. No momento em que

oferece ao consumidor produto com significativas vantagens - no caso,

o comércio de linha telefônica com valores mais interessantes do que a

de seus concorrentes - e de outro, impõe-lhe a obrigação de aquisição

de um aparelho telefônico por ela comercializado, realiza prática

comercial apta a causar sensação de repulsa coletiva a ato intolerável,

tanto intolerável que encontra proibição expressa em lei.

12. Afastar, da espécie, o dano moral difuso, é fazer tabula rasa da

proibição elencada no art. 39, I, do CDC e, por via reflexa, legitimar

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práticas comerciais que afrontem os mais basilares direitos do

consumidor.

13. Recurso especial a que se nega provimento.

(RESP 201301436789, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ -

SEGUNDA TURMA, DJE DATA:10/12/2014) (grifei)

Na destruição das moradias dos assistidos da Defensoria Pública, evidente está a

existência de lesão extrapatrimonial em violação de direitos no aspecto individual

homogêneo ou coletivo em sentido estrito, em que as vítimas são determinadas ou

determináveis. Portanto, a indenização se dá em favor de tais vítimas – desnecessária a

liquidação individual a tanto, visto que mapeadas as famílias, cabendo a cada uma das

famílias uma cota-parte do total reparado.

Assim, a Defensoria Pública requer a condenação dos réus ao pagamento de

indenização por dano moral coletivo, no importe de 500 salários mínimos nacionais

(R$ 477.000,00 em valores de fevereiro/2018), ou outro valor prudentemente arbitrado

por esse Juízo, a ser direcionado às famílias afetadas pela violação noticiada.

III.2.3.4. Dos danos sociais – Estado do Rio Grande do Sul

Na situação em apreço, inegável o sentimento de insegurança gerado à sociedade,

como um todo, em virtude da omissão inconstitucional do Poder Público em garantir local

minimamente seguro e digno para habitação.

Inegáveis, portanto, os danos sociais causados em virtude dos atos ilícitos

perpetrados pelo Estado do Rio Grande do Sul a indivíduos indeterminados, merecedores

assim de tutela jurídica em âmbito difuso.

Neste norte, o dano social é espécie de dano que não se confunde com os danos

materiais, morais e estéticos. Diferencia-se, inclusive, do dano moral coletivo, que dize

respeito à violação de direitos no aspecto individual homogêneo ou coletivo em sentido

estrito – e aqui, reitere-se, se fala de direito difuso.

Feitas tais ressalvas, ainda que de modo breve, cabe ressaltar que os ditos “danos

sociais” são aqueles causados por comportamentos exemplares negativos ou condutas

socialmente reprováveis, como as ora apresentadas.

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Segundo explica Flávio Tartuce, “os danos sociais são difusos e a sua indenização

deve ser destinada não para a vítima, mas sim para um fundo de proteção ao consumidor,

ao meio ambiente etc., ou mesmo para uma instituição de caridade, a critério do juiz”26.

A respeito do tema, na V Jornada de Direito Civil do CJF/STJ, realizada entre os

dias 8 e 10 de novembro de 2011, aprovou-se enunciado reconhecendo a existência dos

denominados danos sociais, para além dos danos morais e materiais coletivos:

Enunciado 455: A expressão “dano” no art. 944 abrange não só os danos

individuais, materiais ou imateriais, mas também os danos sociais,

difusos, coletivos e individuais homogêneos a serem reclamados pelos

legitimados para propor ações coletivas. (grifei)

Na leitura do doutrinador Antônio Junqueira de Azevedo, os danos sociais

consistem em27:

lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu

patrimônio moral – principalmente a respeito da segurança – quanto por

diminuição na qualidade de vida. Os danos sociais são causa, pois, de

indenização punitiva por dolo ou culpa grave, especialmente,

repetimos, se atos que reduzem as condições coletivas de segurança, e

de indenização dissuasória, se atos em geral da pessoa jurídica, que

trazem uma diminuição do índice de qualidade de vida da população.28

Assim, demonstrada está a necessidade de ser o requerido condenado ao

pagamento de indenização a título de danos sociais, no montante de 500 salários

mínimos (R$ 477.000,00 em valores de fevereiro/2018), ou outro valor

26 TARTUCE, Flávio. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Método, 2013, p. 58. 27 A título ilustrativo, extremamente didática a tabela abaixo:

Disponível em: <http://ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11307>. 28 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano

social. In: FILOMENO, José Geraldo Brito; p. 376.

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prudentemente arbitrado pelo Juízo, a ser revertido ao Fundo de Defesa de Direitos

Difusos, vinculado ao Ministério da Justiça.

III.2.4. Dos Honorários Sucumbenciais

III.2.4.1. Do cabimento de honorários sucumbenciais em ação civil pública

A lei que rege a Ação Civil Pública, Lei nº 7.347/85, é clara em determinar que

somente a parte autora não deverá arcar com os honorários advocatícios, salvo má-fé,

litteris:

Art. 18. Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de

custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas,

nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em

honorários de advogado, custas e despesas processuais.

Devem, portanto, os réus vencidos na ação pagar os ônus de sucumbência ao

vencedor, até mesmo porque o art. 18 acima transcrito não os alcança. E outro não é o

entendimento do Superior Tribunal de Justiça, conforme precedentes abaixo transcritos:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA. DIREITO DO

CONSUMIDOR. PRETENSÃO DE RESTABELECIMENTO DO

CANAL GRATUITO DE ATENDIMENTO AO CONSUMIDOR.

VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA.

ILEGITIMIDADE ATIVA E ILEGITIMIDADE PASSIVA DE

MASTERCARD BRASIL S⁄C LTDA. IMPOSSIBILIDADE DE

CONHECIMENTO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO QUANTO A

FUNDAMENTO SUFICIENTE PARA A MANUTENÇÃO DO

ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA 283⁄STF. IMPOSSIBILIDADE

JURÍDICA DO PEDIDO. NÃO CONFIGURAÇÃO.

ILEGITIMIDADE PASSIVA DE VISA DO BRASIL

EMPREENDIMENTOS LTDA. NÃO OCORRÊNCIA.

PRECEDENTES DESTE SUPERIOR TRIBUNAL. CARÊNCIA DE

AÇÃO NÃO CONFIGURADA. EXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO DE

DISPONIBILIZAR CANAIS GRATUITOS DE ATENDIMENTO AO

CONSUMIDOR. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE

MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7⁄STJ.

DESNECESSIDADE DE CONVERSÃO DO JULGAMENTO EM

DILIGÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.

SÚMULA 211⁄STJ. COISA JULGADA COM EFEITO ERGA OMNES

SOBRE TODO O TERRITÓRIO NACIONAL. HONORÁRIOS

ADVOCATÍCIOS DEVIDOS. 12. Correta a condenação dos réus ao

pagamento de honorários advocatícios, já que o art. 18 da Lei n.

7.347⁄85 apenas dispensa de pagamento o autor de boa-fé da ação civil

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pública. (REsp 1.493.031/MG, Rel. Ministro Paulo de Tarso

Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 02/02/2016, DJe 10/03/2016)

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. HONORÁRIOS

ADVOCATÍCIOS. ART. 18 DA LEI N. 7.347⁄1985. CUMULAÇÃO

DE PEDIDOS INDEPENDENTES ENTRE SI. ACORDO JUDICIAL.

ACEITAÇÃO DE ALGUNS PEDIDOS PELOS RÉUS

INTEGRALMENTE, SEM CONCESSÕES MÚTUAS. AUSÊNCIA

DE TRANSAÇÃO. RECONHECIMENTO DE PEDIDO. 1. Ausência

de contradições, obscuridades ou omissões no acórdão embargado,

tendo em vista que, no voto condutor do acórdão, a condenação na

verba honorária foi suficientemente clara e fundamentada. (EDcl no

REsp 748.242/RJ, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta

Turma, julgado em 12/04/2016, DJe 25/04/2016)

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO NOS EMBARGOS DE

DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. DESERÇÃO. 2. A

isenção prevista no art. 18 da Lei 7.347⁄85 aplica-se apenas à parte

autora da ação civil pública. Precedentes. 3. Agravo não provido"

(AgRg nos ERESp n. 1.347.223⁄RN, Rel. Ministra NANCY

ANDRIGHI, DJe de 25.2.2014).

AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA

OPOSTOS POR RÉU EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESERÇÃO.

ART. 18 DA LEI N. 7.347⁄1985. – Na linha da jurisprudência desta

Corte, a norma do art. 18 da Lei n. 7.347⁄1985, que dispensa o

adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer

outras despesas, dirige-se, apenas, ao autor da ação civil pública.

Agravo regimental improvido" (AgRg nos EAg n. 1.173.621⁄SP, Rel.

Ministro CESAR ASFOR ROCHA, DJe de 22.62012).

CUSTAS. RECOLHIMENTO. AUSÊNCIA. DESERÇÃO. AÇÃO

CIVIL PÚBLICA. ISENÇÃO. INAPLICABILIDADE DO ART. 18,

DA LEI Nº 7.347⁄85. PRECEDENTES. EMBARGOS DE

DECLARAÇÃO. REDISCUSSÃO DA MATÉRIA.

IMPOSSIBILIDADE. II - A decisão embargada pautou-se em firme

posicionamento jurisprudencial desta eg. Corte de Justiça no sentido de

que, a invocação do art. 18, da Lei da Ação Civil Pública como forma

de isentar os ora embargantes das referidas custas, não tem o alcance

por eles pretendido, porquanto tal isenção beneficia apenas a parte

autora da ação que, no caso, é o Ministério Público (AgRg no REsp nº

1.096.146⁄RJ, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe de 19.03.2009,

REsp nº 900.283⁄RS, Rel. p⁄ acórdão Min. CASTRO MEIRA, DJe de

06.02.2009, REsp nº 845.339⁄TO, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de

15.10.2007, p. 237). IV - Embargos de declaração rejeitados" (EDcl no

AgRg nos EREsp n. 1.003.179⁄RO, Rel. Ministro FRANCISCO

FALCÃO, DJe de 7.6.2011).

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No entanto, o Tribunal faz uma ressalva a esta regra, quando o beneficiário dos

honorários é o Ministério Público. Assim, somente a este se aplica o critério de simetria

para não condenar a parte ré ao pagamento de honorários sucumbenciais em favor do MP

pela parte vencida na ação civil pública, conforme precedentes:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. HONORÁRIOS.

DESCABIMENTO. 1. "A jurisprudência da Primeira Seção deste

Superior Tribunal é firme no sentido de que, por critério de absoluta

simetria, no bojo de ação civil pública não cabe a condenação da parte

vencida ao pagamento de honorários advocatícios em favor do

Ministério Público" (AgRg no AREsp 21.466/RJ, Rel. Ministro

BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em

13/8/2013, DJe 22/8/2013). 2. Agravo regimental a que se nega

provimento. (AgRg no REsp 1395801/RJ, Rel. Ministro OG

FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/09/2015, DJe

02/10/2015)

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FIXAÇÃO DE

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM FAVOR DO MINISTÉRIO

PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A jurisprudência da Primeira

Seção deste Superior Tribunal é firme no sentido de que, por critério de

absoluta simetria, no bojo de ação civil pública não cabe a condenação

da parte vencida ao pagamento de honorários advocatícios em favor do

Ministério Público. Precedente: EREsp 895.530⁄PR, Rel. Ministra

Eliana Calmon, Primeira Seção, julgado em 26⁄08⁄2009, DJe

18⁄12⁄2009. 2. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp

21.466⁄RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA

TURMA, julgado em 13⁄8⁄2013, DJe 22⁄8⁄2013)

Todavia, não há como traçar paralelo com o presente caso, já que a autora é a

Defensoria Pública, a quem, diversamente com o que ocorre com o Parquet, e como

adiante se verá, tem plena legitimidade para receber honorários em razão de sua atuação.

III.2.4.2. Do cabimento de honorários em favor da Defensoria Pública

O tema dos honorários sucumbenciais em favor da Defensoria Pública rendeu – e ainda

rende – variadas discussões, que resultaram, em um momento inicial, no Enunciado n.

421 da Súmula de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça29.

29 “Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa

jurídica de direito público à qual pertença”.

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Tal entendimento já foi superado pelo Supremo Tribunal Federal, no bojo da

Ação Rescisória n. 1.937, o qual entendeu cabível a condenação inclusive do mesmo ente

público ao pagamento de honorários em favor da Defensoria Pública.

Eis a ementa do julgado, original não grifado:

Agravo Regimental em Ação Rescisória. 2. Administrativo. Extensão a

servidor civil do índice de 28,86%, concedido aos militares. 3. Juizado

Especial Federal. Cabimento de ação rescisória. Preclusão.

Competência e disciplina previstas constitucionalmente. Aplicação

analógica da Lei 9.099/95. Inviabilidade. Rejeição. 4. Matéria com

repercussão geral reconhecida e decidida após o julgamento da decisão

rescindenda. Súmula 343 STF. Inaplicabilidade. Inovação em sede

recursal. Descabimento. 5. Juros moratórios. Matéria não arguida, em

sede de recurso extraordinário, no processo de origem rescindido.

Limites do Juízo rescisório. 6. Honorários em favor da Defensoria

Pública da União. Mesmo ente público. Condenação. Possibilidade

após EC 80/2014. 7. Ausência de argumentos capazes de infirmar a

decisão agravada. Agravo a que se nega provimento. 8. Majoração dos

honorários advocatícios (art. 85, § 11, do CPC). 9. Agravo interno

manifestamente improcedente em votação unânime. Multa do art.

1.021, § 4º, do CPC, no percentual de 5% do valor atualizado da causa.

A atuação da Defensoria Pública é ampla e enseja a criação de uma consciência

coletiva de cidadania. A garantia individual e coletiva de assistência jurídica gratuita à

população necessitada, estabelecida na Constituição da República, foi uma das conquistas

sociais resultantes do processo de participação popular que ocorreu na Assembleia

Nacional Constituinte.

A condenação dos réus ao pagamento dos ônus sucumbenciais em favor da

Defensoria Pública tem respaldo no inciso XXI, do artigo 4º, da Lei Complementar n.

80/94, com redação dada pela Lei Complementar n. 132, de 7 de outubro de 2009, que

tem o seguinte teor:

Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:

[...]

XXI – executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua

atuação, inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos,

destinando-as a fundos geridos pela Defensoria Pública e destinados,

exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à

capacitação profissional de seus membros e servidores.

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O objetivo da norma é evidente: o aparelhamento da Defensoria e a capacitação

de seus membros e servidores em um quadro – lastimavelmente constante – de grandiosas

dificuldades estruturais e financeiras da Defensoria Pública. Ou seja, o fundo de

aparelhamento, constituído pelas verbas decorrentes de condenação em honorários de

sucumbência é de suma importância para Instituição, leia-se, para os destinatários da

assistência jurídica integral e gratuita.

Com isto, conclui-se que são devidos honorários de sucumbência dos réus em

favor da Defensoria Pública.

III.3. DO VALOR DA CAUSA

Tendo sido requerido o valor de R$ 78.500,00 a cada uma das 36 famílias

mapeadas pela DPU, totalizando R$ 2.826.000,00, além de 500 salários mínimos a título

de dano moral coletivo (R$ 477.000,00) e 500 salários mínimos a título de dano social

(R$ 477.000,00), totaliza-se o valor da causa de R$ 3.780.000,00.

IV. DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA

A fim de que seja concedida a tutela de urgência, deve-se demonstrar a

verossimilhança das alegações e o perigo da demora ou risco ao resultado útil do processo,

consoante art. 300 do CPC.

Não restam dúvidas, após a longa explanação dos fatos e do direito que embasa a

pretensão, da verossimilhança do direito alegado, inclusive devido a relevância do direito

social tutelado na presente ação que não pode ser ignorado pelo Poder Judiciário.

O periculum in mora é sobremaneira intenso, visto que há inegável possibilidade

de ocorrência de dano irreparável, em razão da situação de miserabilidade que as famílias

se encontram no momento. As famílias, inclusive com idosos e crianças, nem mesmo

continuam a habitar a escola em que permanecerem por alguns meses, devido à pressão

e preconceito dos moradores da localidade (visto que os assistidos são em sua maioria

recicladores), temores quanto à sua segurança e, sobretudo, pela franca ausência de

dignidade do local, que se revelou insalubre e desprovido de estrutura.

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Portanto, é necessário o deferimento da tutela de urgência antecipada, a fim de

cessar, de imediato, ainda que de forma provisória, a grave violação ao direito

fundamental à moradia das famílias desalojadas.

A tanto, entendem as autoras que é adequado compelir a CONCEPA a efetuar um

pagamento mensal às famílias para que estas custeiem provisoriamente suas habitações,

tendo como parâmetro o valor do aluguel social concedido pelo Município de Porto

Alegre, que hoje paga aproximadamente R$ 500,00 (quinhentos Reais) mensais para

aluguel de imóvel30.

Frise-se: não se objetiva a inclusão das famílias no programa municipal,

sabidamente problemático, mas, sim, a que a CONCEPA (diretamente responsável pela

remoção das vítimas) desde logo provenha subsídios mínimos a que as famílias retomem

sua dignidade.

De forma alternativa, requer sejam os réus compelidos a ofertar moradia

provisória digna destinada às famílias para que permaneçam até o julgamento do feito

com a concessão da moraria definitiva.

Tal moradia deve contemplar, no mínimo, os seguintes itens: (a) possibilidade de

abrigar os núcleos familiares de modo completo, sem separação de cônjuges e filhos

(como seria em um albergue), (b) possibilidade de abrigar núcleos individualmente (sem

uma coabitação debaixo do mesmo teto), (c) segurança individual das famílias e (d) boas

condições estruturais e de salubridade.

V. DOS PEDIDOS

ANTE O EXPOSTO, a Defensoria Pública da União e a Defensoria Pública do

Estado do Rio Grande do Sul, por seus presentantes, requerem:

(a) O deferimento, em caráter liminar, da tutela provisória de urgência antecipada,

para determinar:

30 Conforme Decreto nº 18.576, de 25/2/2014, disponível em <http://www2.portoalegre.rs.gov.br/cgi-

bin/nph-

brs?s1=000033935.DOCN.&l=20&u=/netahtml/sirel/simples.html&p=1&r=1&f=G&d=atos&SECT1=TE

XT>

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i. à CONCEPA que realize o pagamento mensal do valor de R$ 500,00

(tendo como parâmetro o valor do aluguel social de POA) às famílias,

para que elas custeiem provisoriamente suas habitações; ou,

alternativamente,

ii. aos réus que, de forma solidária, forneçam moradia digna provisória,

que contemple os itens acima elencados;

(b) A citação dos demandados para, querendo, apresentar resposta (art. 242, §3º,

do Código de Processo Civil) e, conforme exigência do art. 334, § 5º do

Código de Processo Civil, as autoras manifestam seu interesse na audiência

de conciliação;

(c) A intimação do Ministério Público Federal para intervir no feito;

(d) Ao final, prequestinando-se todas as matérias constitucionais, legais e

convencionais acima indicadas, a fim de viabilizar eventual recurso

excepcional junto aos tribunais superiores, bem como o controle de

convencionalidade junto aos organismos internacionais de defesa dos Direitos

Humanos, a procedência integral dos pedidos formulados, a fim de:

i. Condenar os réus, à exceção do Estado do Rio Grande do Sul, ao

pagamento do valor correspondente ao Bônus-Moradia do Município

de Porto Alegre, no importe atual de R$ 78.500,00 por família, a ser

calculado quando da avaliação do imóvel a ser adquirido (art. 1º,

parágrafo único, do Decreto/POA nº 19.832/2017), a cada uma das 36

famílias desalojadas da Ilha do Pavão, conforme levantamento social

feito pela DPU;

ii. Condenar o Município de Porto Alegre a realizar as medidas

necessárias à aquisição da moradia (compra assistida), consoante

disposições da Lei Municipal nº 11.229/2012;

iii. Condenar os réus, à exceção do Estado do Rio Grande do Sul, a

indenizar os danos aos demais bens das famílias desalojadas, na forma

do art. 95 do Código de Defesa do Consumidor, a serem apurados

mediante liquidação individual;

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iv. Condenar todos os réus, solidariamente, ao pagamento de dano moral

coletivo, a ser revertido às famílias, em cotas-partes idênticas a cada

núcleo familiar, no importe de 500 salários mínimos (R$ 477.000,00

em valores de fevereiro/2018), ou outro valor prudentemente arbitrado

pelo Juízo;

v. Condenar o Estado do Rio Grande do Sul ao pagamento de dano social,

a ser revertido ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, no valor de

500 salários mínimos (R$ 477.000,00 em valores de fevereiro/2018),

ou outro valor prudentemente arbitrado pelo Juízo;

vi. A condenação dos réus ao pagamento de verbas sucumbenciais,

arbitradas com prudência pelo Juízo, devidas ao Fundo de

Aparelhamento da DPU e a DPE/RS, nos termos do art. 4º, XXI, da

Lei Complementar nº 80/1994.

Protesta pela produção de todas as provas juridicamente admitidas.

Dá à causa o valor de R$ 3.780.000,00 (três milhões, setecentos e oitenta reais).

Porto Alegre, na data do evento eletrônico.

ATANASIO DARCY LUCERO JÚNIOR

Defensor Público Federal

PATRICIA KETTERMANN

Defensora Pública