Demo Desejo Incurável
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Transcript of Demo Desejo Incurável
Dados Internacionais de Catalogação
© Milton Roza Junior Compartilhamento de Direitos Autorais: Lih EditorialHímpeto Budget Networks – São Paulo – Brasil – 2010
Roza, J. Milton, / Desejo Incurável / 1ª Edição
ISEN: br28465846349
"Para se desejar, primeiro é obrigatório ouvir a silenciosa voz da intuição e não o berrante grito dos sentidos"
Desejo Incurável
I- PERFIL DE PERSONA
Rebeca dizia que não tinha nenhum ombro amigo, somente um ou outro se encaixava dentro de seu exigente perfil de persona, e um destes era eu. Eu, Sandro Fernandes, seu ouvinte em meu quarto, seu confessionário. Algumas vezes na semana, ela se separava de seu sepulcro de quatro cantos e ia de encontro aos vivos, para espantar a indolência e principalmente para se abrir comigo. Sua casa, de família abastada, era longe da cidade e por esse motivo tinha de tudo e por muito tempo, entretanto o que ela mais desejava não era sólido, nem líquido ou muito menos gasoso, e sim de natureza etérea, uma simples troca de energia, de calor humano, conselhos, palavras miúdas, som.
Temos nossas conversas, elas são longas, na maioria das vezes muito intensas, tanto para mim quanto para ela. Rebeca tem Ensino Superior, e eu Médio incompleto, porém isso não chega a ser um empecilho cultural, pois procuro suprir o que ela me indagava, sempre pronto a assisti-la nos melhores ou piores dias, nas noites frias ou calorentas, úmidas ou secas porque meus sentimentos eram, para ela, como a água é para rocha, o vento para árvore e sua personagem é para mim
como a rosa é para o espinho.Tento protegê-la de si mesma, de suas intempéri
es, seus tempestuosos sentimentos e radicais mudanças de espírito. Agradeço a Deus por ela existir e por estar sempre perto de mim, assim não preciso procurar o que platonicamente já existe.
Num domingo de sol toca a campainha, abro a porta:
– Como está Beca? Está lindo o dia hoje, não?– Desculpe, Sandro. Ontem eu marquei e não vim,
você recomeçou a estudar; fico sem jeito de vir aqui, temos tão pouco tempo para conversar. Estou precisando de alguns conselhos seus.
– Claro, querida. Vamos ao meu quarto. Acalmar-se. Você parece ansiosa. O que há?
– Chegando ao quarto, Rebeca desaba em prantos e soluços, demonstrava insegurança até para ficar em pé, fiz com que deitasse em minha cama aparando sua cabeça com uma almofada; demonstrando muita passividade Beca se deixou levar e entre lágrimas contou-me o acontecido.
– Foi ao meio-dia de ontem enquanto estava na Praça dos Macacos, o marco zero de Barbacena, nossa cidade, dali todos vinham e partiam, encontravam-se para falar do ontem e também do amanhã que, para uma cidade pequena, era quase a mesma coisa; ali começavam e também se desmanchavam relacionamentos, o lugar regia destinos alheios, os comandava ao seu bel-prazer, algo me atraiu para lá naquele dia ensolarado, sentei-me no banquinho em frente à igreja, fechei os olhos, e a brisa vinda do sul da cidade soprou-me a nuca desmanchando minha cabeleira negra, abri a bolsa e peguei meu espelho para me consertar e, quando fixei os olhos no meu reflexo, algo de diferente ocorreu...
– O que foi Beca? Agora quem está ansioso sou eu. CONTINUE!
– Eram meus olhos, Sandro, já não enxergava como antes, o prisma da vida se retorceu, minha mente, saiu de foco. Dei de achar que o rapaz que estava ao meu lado iria tentar algo ruim contra mim, as duas senhoras à minha esquerda mudaram de assunto e agora fofocavam sobre minha pessoa, e o pipoqueiro, que trabalhava à minha frente, estava então já me observando atentamente, a verdade é que fiquei mutante, minha personalidade dividida, uma esgotada e outra haurida, não sabia o que era verdade e o que era mentira, pois naquele momento era a mais pura verdade, mas depois de ter saído de lá já não tinha mais certeza da veracidade do acontecido. Sempre tive problemas no lado emocional, mas nunca tinha sentido isso antes. Saí daquele lugar desesperada, com meus cabelos espalhados pelo vento, de cabeça baixa, com medo de encarar a todos, isto tudo sem motivos concretos.
– E como chegou em casa? Perguntou Sandro, com ar de preocupação.
– Tive a sorte de meu pai estar passando de carro no momento e me dar carona.
– Ele percebeu o seu estado? – Sim, mas nada comentou a respeito. Você conhe
ce meu pai, Sandro, em nossa casa ele entra mudo e sai calado. Por isso venho até aqui, sabe?, para falar e também ouvir ao único que me escuta.
– Para falar a verdade, querida, eu me sinto meio incapaz de...
– Sei que você não é médico, mas mesmo assim quero lhe ouvir.
– Há muito tempo, Beca, a pessoa herdeira desses sintomas era tratada como que possuída pelo demônio, nesta
época, quando a Igreja Católica dominava o mundo, existia o paradoxo entre o Bem e o Mal, ou a pessoa estava com Deus, ou estava com o Diabo; depois de torturar, alguns “fariseus” da Idade Média obrigavam o pobre coitado a dizer o que eles queriam, ou seja, que estava obcecado pelo Berzebú, só que no entanto, com o passar do tempo, esses delírios da Psique foram tratados como sintomas de uma doença do cérebro e não espiritual e, hoje em dia, existem remédios de última geração que preenchem expectativas de melhora sem contar as sessões paralelas de psicoterapia que aceleram o autoconhecimento do paciente fazendo com que o doente tenha períodos mais longos de clareza de idéias até obter o controle sobre sua doença, ou até mesmo, proximidade da cura.
– Boa elucidação, querido amigo, mas você poderia ser mais sucinto?
– Claro Beca, o que eu quero dizer é que não seria nenhuma vergonha você procurar um médico.
– Eu não sou louca!– E quem está dizendo que você é? Goste ou
não, essa é a melhor opção, e, além do mais, o seu caso não é de todo grave. Se fosse, não conseguiria explicar-me o fato com tanta riqueza de detalhes.
– É, neste ponto você está certo, houve o momento de loucura, porém agora estou bem lúcida e lembrando de tudo.
– E ficará melhor ainda, depois que marcar uma consulta. Antes me faça um favor, leve esse poema e leia amanhã ao acordar, pois isso te talvez ajude a entender melhor o que está acontecendo.
A palavra “médico” ecoou na cabeça de Rebeca, pois sabia que era a atitude mais acertada a fazer. Ela se despediu de seu amigo e foi direto para casa.