Desidério Murcho - Lógica, Psicologia e Epistemologia
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26 de Setembro de 2010 Opinio
Lgica, psicologia e epistemologia
Desidrio Murcho
Universidade Federal de Ouro Preto
A lgica moderna comea com a rejeio do psicologismo, defendido por
John Stuart Mill e ainda hoje presente nas zonas mais anmicas da
cultura. A ideia psicologista cientificista: considerando, erradamente,
que o que torna a fsica cientfica a dependncia da experincia o
que a tornaria indistinguvel da agricultura emprica e do mero senso
comum segue-se que se a lgica ou a matemtica quiserem ser
cientficas, tero de depender tambm da experincia. Na verdade, o que
torna a fsica cientfica no crucialmente a dependncia da experincia,
mas a teorizao intensa e a procura honesta de encontrar erros nas
nossas teorias que precisamente o que fazemos na matemtica ou
na lgica, mas no na astrologia ou na alquimia, que dependem daexperincia. Se na fsica a experincia conta, porque o gnero de
coisas que a fsica estuda s podem ser conhecidas observando ou
ouvindo ou sentindo mas como o gnero de coisas que a matemtica
ou a lgica estuda no podem ser conhecidas pela experincia, no
revela uma sabedoria particularmente invejvel insistir na experincia
tambm para estes casos.
Russell e Frege, assim como Husserl, rejeitaram o psicologismo na
matemtica e na lgica: a ideia de que estas disciplinas teriam por
misso observar e descrever o modo como as pessoas pensam, e no o
modo como tm de pensar se quiserem pensar bem. Entendidapsicologicamente, a lgica transforma-se numa espcie de fsica do
pensamento: teria por misso descrever, por observao, as
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regularidades explicativas que ocorrem quando as pessoas pensam.
Uma consequncia anedtica do psicologismo, presente em algumas
concepes de retrica, que as falcias clssicas como a afirmao
da consequente, por exemplo teriam de ser consideradas raciocnios
bons, pois so quase universalmente considerados bons raciocnios porquem no sabe lgica.
Num certo sentido, o psicologismo era um retrocesso relativamente a
Aristteles, que j tinha colocado a lgica formal no caminho certo, ao
descobrir e articular os conceitos lgicos fundamentais de forma lgica e
validade dedutiva. Este retrocesso j era visvel no sc. XVIII, queixando-
se Kant, na Crtica da Razo Pura,de que alguns professores queriam
complementar a lgica com aspectos antropolgicos confundindo
desse modo, aparentemente, normas lgicas com factos antropolgicos.
No entanto, algo est errado com a noo puramente formal da lgica.
Apesar de ser imenso o ganho em distinguir claramente os aspectos
normativos da lgica dos seus aspectos descritivos, talvez a lgica formal
contempornea tenha exagerado no sentido inverso ao erro do
psicologismo. Comeamos a pensar que talvez isto tenha acontecido
quando nos damos conta de alguns aspectos menores e aparentemente
irrelevantes. Para comear, impossvel definir em termos da lgicaclssica a noo de inferncia ou argumento. Tudo o que podemos fazer
nos termos desta lgica definir os casos em que, num par ou mais de
proposies, ocorre ou no a relao de derivabilidade entre elas. Nada
permite dizer, olhando apenas para formas proposicionais ou at para
proposies particulares se estamos ou no perante um raciocnio ou
argumento. Isto pela simples razo de que para haver um raciocnio ou
argumento necessrio haver um agente cognitivo qualquer que
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pretenda concluir uma proposio de outra ou outras. Este pormenor no
decisivo porque podemos comear a incluir variveis para agentes
cognitivos na nossa lgica, que todavia no ser j clssica.
Outro pormenor mais importante diz respeito aos argumentos circulares:so todos vlidos, e alguns so formalmente vlidos. Qualquer
argumento que se limite a repetir na concluso uma das premissas tem
uma forma lgica vlida mas algo est profundamente errado com o
argumento, enquanto argumento. O que h de errado, todavia, no se
capta olhando apenas para a forma lgica, mas antes para elementos
epistemolgicos da argumentao que Aristteles tinha em linha de
conta, mas que ns abandonmos.
Ao fazer a sua teoria silogstica, Aristteles desconsidera o seguinte
silogismo vlido: Todos os homens so mortais todos os homens so
mortais logo, todos os homens so mortais. O argumento vlido, mas
tolo. Hoje, dizemos que a sua tolice puramente epistmica, pelo que
no deveria contaminar a nossa lgica: o argumento mau, mas no
logicamente mau. Aristteles, contudo, no pensava assim: os elementos
epistmicos do raciocnio e da argumentao teriam de ser includos
numa boa teoria destes fenmenos. E, se forem includos, veremos com
maior clareza o que h de errado com os argumentos circulares: violamnormas epistmicas, ainda que sejam vlidos. E a validade apenas um
dos aspectos do que faz um bom raciocnio ser bom.
A noo actual de cogncia argumentativa permite reintroduzir na nossa
lgica um elemento epistmico crucial: a plausibilidade relativa entre
premissas e concluso plausibilidade para certos agentes, que podeser diferente da plausibilidade para outros. No estamos a cair no
psicologismo trata-se to-somente de admitir que nem todos os
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argumentos vlidos e com premissas verdadeiras obedecem a todos os
requisitos epistmicos da qualidade inferencial. E um requisito epistmico
bvio de qualquer inferncia ter como ponto de partida hipteses vistas
como mais plausveis, pelo agente relevante, do que a concluso caso
contrrio, estamos a inferir ao contrrio, partindo do que menosplausvel para chegar ao que mais plausvel.
Recentemente, Jonathan E. Adler (Journal of Philosophy,Resisting the
Force of Argument, CVI: 339-64) pergunta em que circunstncias
epistemicamente legtimo no aceitar a concluso de um argumento que
somos incapazes de refutar. partida, esta situao poderia parecer
paradigmaticamente irracional: se nada de errado vemos no argumento,
como poderia ser legtimo suspender apenas o juzo e no aceitar a
concluso? Hume, numa nota famosa da sua Investigao sobre o
Entendimento Humano, declara cpticos os argumentos de Berkeley (que
este apresentou para refutar o cepticismo!), argumentando que ficamosperante eles como ficamos perante os argumentos dos cpticos: somos
incapazes de dizer o que h de errado neles, mas somos tambm
incapazes de aceitar as suas concluses.
certamente verdade que em muitos casos irracional rejeitar as
concluses de argumentos que somos incapazes de refutar e fazemo-lo porque somos casmurros ou estamos de m-f, por exemplo, ou por
qualquer outro motivo. Mas parece haver tambm casos em que seria
irracional aceitar concluses de argumentos que somos incapazes de
refutar: casos em que as concluses desses argumentos so
incompatveis com outras crenas fundamentais e casos em que isso
no acontece mas h um hiato epistmico tal entre quem nos apresenta
o argumento e ns, que ficamos de sobreaviso, sabendo que seria
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epistemicamente irresponsvel aceitar o que a outra pessoa nos diz, se
ela tiver motivos para nos enganar ou se houver razes para pensar que
ela pode estar enganada sem o saber.
Poder parecer que estes aspectos epistmicos e que parecem ataproximar-se perigosamente do psicologismo tero de ser excludos
da pureza lgica. No entanto, h razes para pensar que a almejada
pureza lgica uma fantasia. A lgica, se alguma coisa, uma teoria
sobre algo. E o algo de que ela teoria constitudo por dois tipos
apenas de fenmenos: o fenmeno metafsico de ser impossvel as
premissas serem verdadeiras e a concluso falsa, num argumento
dedutivo vlido e o fenmeno epistmico de podermos descobrir esse
fenmeno metafsico considerando apenas a forma lgica. Assim, se a
lgica em qualquer caso no pode eliminar um conceito epistmico
fundamental, incluir outros conceitos epistmicos no constitui uma
violao da sua pureza, mas antes um alargamento de uma teoria queatingiu a sua maturidade e pode agora voltar-se para aspectos mais
complexos do raciocnio, um pouco como, depois de muito tempo a dizer
coisas sobre mas a cair e planetas a girar, os fsicos comearam a
fazer teorias sobre a origem do universo, na peugada dos seus
antecessores: os filsofos pr-socrticos.
Desidrio Murcho
mailto:[email protected]