DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

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ALYNE SALERA DE ALMEIDA EMANUELLE SCHNEIDER DESIGN E ARTESANATO DEFINIÇÕES, LIMITES E INFLUÊNCIAS Trabalho de Graduação Interdisciplinar apresentado à FACULDADE DE COMUNIAÇÃO E ARTES DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE, como requisito parcial para a obtenção do Título de BACHAREL em DESENHO INDUSTRIAL HABILITAÇÃO EM PROJETO DE PRODUTO. Orientador: Ivo Pons e Afonso São Paulo 2005

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O presente estudo foi desenvolvido para mapear e registrar o atual panorama do artesanato e do design: as intersecções e influências entre estas duas atividades. Neste objetivo, o estudo apresenta uma pesquisa sobre uma identidade brasileira do design baseado no artesanato, e também as possibilidades do trabalho do design nos produtos artesanais. As informações foram coletadas em registros bibliográficos e em entrevistas com diversos profissionais com experiências diferentes.

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ALYNE SALERA DE ALMEIDA EMANUELLE SCHNEIDER

DESIGN E ARTESANATO

DEFINIÇÕES, LIMITES E INFLUÊNCIAS

Trabalho de Graduação Interdisciplinar apresentado à FACULDADE DE COMUNIAÇÃO E ARTES DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE, como requisito parcial para a obtenção do Título de BACHAREL em DESENHO INDUSTRIAL – HABILITAÇÃO EM PROJETO DE PRODUTO.

Orientador: Ivo Pons e Afonso

São Paulo

2005

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ALYNE SALERA DE ALMEIDA EMANUELLE SCHNEIDER

DESIGN E ARTESANATO

DEFINIÇÕES, LIMITES E INFLUÊNCIAS

Trabalho de Graduação Interdisciplinar apresentado à FACULDADE DE COMUNIAÇÃO E ARTES DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE, como requisito parcial para a obtenção do Título de BACHAREL em DESENHO INDUSTRIAL – HABILITAÇÃO EM PROJETO DE PRODUTO.

Aprovada em Julho de 2005

BANCA EXAMINATÓRIA

Profº Drº_______________________________ Universidade Presbiteriana Mackenzie

Profº Drº_______________________________ Universidade Presbiteriana Mackenzie

Profº Drº_______________________________ Universidade Presbiteriana Mackenzie

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Em especial a minha Avó Maria Locatelli Schneider e minha Mãe Lauri Salete Schneider, pela crença e confiança em meu sucesso, pelo apoio e dedicação ao longo desses anos e pelo amor incondicional, gerador da energia e garra que me conduziram. A Flavia Liyeh Shimizu, pela paciência, apoio, ajuda e carinho.

(Emanuelle Schneider Atania) Aos meus pais, Antonio Carlos de Almeida e Marilene Salera de Almeida, pela grande oportunidade, pelo apoio e confiança. Ao Marcos Paulo Machado Leme, pela ajuda, compreensão e incentivo.

(Alyne Salera de Almeida)

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AGRADECIMENTOS

Agradecemos em especial ao nosso amigo e orientador Ivo Pons, pela ajuda, confiança,

horas de dedicação e incentivo, sem o qual nada seria possível.

Aos demais professores e mestres envolvidos no projeto.

Aos amigos e colegas entrevistados: Christian Ullmann, Tania de Paula, Juliana Bertolini,

Eugênio Ruiz, Marcos D’Assunpção e Roberto Santos, pela generosidade em compartilhar

suas experiências e conhecimento, abrindo nossos olhos para novas realidades.

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Não partilhe sempre o mesmo caminho, passando somente onde outros já passaram. Abandone ocasionalmente o caminho trilhado e embrenhe-se na mata. Certamente descobrirá coisas nunca vistas, insignificantes, mas não as ignore. Prossiga explorando tudo sobre elas; cada descoberta levará a outra. Antes do esperado, haverá algo que mereça reflexão.

(Alexandre Graham Bell)

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RESUMO

O presente estudo foi desenvolvido para mapear e registrar o atual panorama do

artesanato e do design: as intersecções e influências entre estas duas atividades. Neste

objetivo, o estudo apresenta uma pesquisa sobre uma identidade brasileira do design

baseado no artesanato, e também as possibilidades do trabalho do design nos produtos

artesanais. As informações foram coletadas em registros bibliográficos e em entrevistas

com diversos profissionais com experiências diferentes.

Palavras-Chave: design, desenho industrial, artesanato, identidade Brasileira.

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ABSTRACT

This study was developed to map and registry the current panorama of handcraft and

design: the intersections and influences between these two activities. In this objective, the

study presents a research about a Brazilian design identity based on the Brazilian handicraft

and also the possibilities of design work in the handicraft products. The information was

collected and takes reference in bibliographical registry and interviews with professionals

with different experiences.

Key words: design, industrial design, handcraft and Brazilian identity.

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LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Revolução industrial – Têxtil - Indústria têxtil na Inglaterra (séc. XVIII)........... 13

Figura 2 – Hair Design – Home Page de um Salão de cabeleireiro no Rio de Janeiro .... 15

Figura 3 – Chaleira Allegro – T-Fal ................................................................................... 20

Figura 4 – Chaleira da coleção Smart. Design: Deckel & Stovchen Tea .………………… 20

Figura 5 – Chaleira Pito – Alessi. Design: Frank Gehry ....…………………………………. 21

Figura 6 – Chaleira Chantal 3718WT. Enamel Classic Tea Kettle ..…..…….…………….. 21

Figura 7 – Chaleira Chantal ProDesign Tea Kettle ...…………………….………………… 22

Figura 8 – Tea Kettle – Le Creuset 1.8 quart Wishing Tea Kettle …………………………. 22

Figura 9 – Panela Preta da região de Registro – Técnica originalmente indígena ........... 25

Figura 10 – Nossa Senhora da Alvorada. Obra de Aleijadinho ……................................. 28

Figura 11 – Artesã de Irará (BA) confeccionando pote em cerâmica ............................... 29

Figura 12 – Moldes para produção em série de peças cerâmicas ................................... 29

Figura 13 – Peneira de trançado. Tribo Baniwa – Amazonas .......................................... 30

Figura 14 – Cesto Cargueiro. Tribo Yanomami – Roraima .............................................. 31

Figura 15 – Cesta para pães. Grupo Banarte – Miracatu – SP ....................................... 31

Figura 16 – Cocar para ritual festivo. Tribo Bororó – Mato Grosso/MT ........................... 32

Figura 17 – Jarreteira – enfeite para a perna. Tribo Wai Wai – Pará .............................. 32

Figura 18 – Espada Samurai ........................................................................................... 32

Figura 19 – Espada Samurai ........................................................................................... 33

Figura 20 – Piso Loft do Show Room do SEBRAE ......................................................... 44

Figura 21 – Detalhe em acabamento em crochê para pano de prato ............................. 45

Figura 22 – Almofadas produzidas em amarradinho pela ONG Aldeia do Futuro .......... 56

Figura 23 – Artesanato em trançado estrela - São José do Rio Preto – SP ................... 67

Figura 24 – Artesanato em capim amargoso – Cajobi – SP ........................................... 67

Figura 25 – Produtos em trançado de Taboa – Cananéia – SP ..................................... 68

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO............................................................................................................ 11

2. DEFINIÇÕES................................................................................................................ 13

2.1. Design ......................................................................................................... 13

2.1.1. A origem do Design .................................................................................. 13

2.1.2. O que é Design? ....................................................................................... 15

2.1.3. Como se manifesta o Design? .................................................................. 23

2.2. Artesanato .................................................................................................... 25

2.2.1. O que é artesanato? ................................................................................. 25

2.2.2. Como se manifesta o Artesanato? ........................................................... 28

2.2.3. Produtos artesanais ................................................................................. 30

2.2.4. Problemáticas do Artesanato ................................................................... 33

3. INTERFACES .............................................................................................................. 35

4. AGENTES SOCIAIS .................................................................................................... 40

4.1. Designers .................................................................................................... 42

4.2. Organizações Não Governamentais (ONG’s) ............................................. 52

4.3. Visão Acadêmica ......................................................................................... 57

4.4. Visão do Sebrae .......................................................................................... 60

CONCLUSÃO.................................................................................................................. 69

ANEXOS .......................................................................................................................... 73

REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 107

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1. INTRODUÇÃO

No mundo atualmente globalizado, onde a individualidade humana nem sempre está

ligada às raízes locais do homem e onde, em razão da informação, o espírito tem maior

força que o meio na definição da sua personalidade, de modo que surgem diversas

questões inquietantes, tais como:

(i) O que se pode entender por Design?

(ii) O que é o artesanato?

(iii) Estes conceitos são opostos?

(iv) Quais os limites de cada um?

Antes de trazerem um alento às questões que perseguem o designer, as respostas aos

questionamentos acima são apenas o começo de um longo labirinto a ser percorrido no

caminho das discussões envolvendo design e artesanato, sob a perspectiva do século

XXI.

E qual a relevância desta discussão?

A primeira e principal importância desta discussão está em identificar aspectos de

interseção entre estas duas manifestações culturais, de modo a enriquecê-las

mutuamente. Para utilizar uma expressão muito em voga em todas as áreas: “agregar

valor” a cada uma destas atividades.

Em segundo lugar, trata-se de uma questão de preservação e identidade. Ao buscar

limites o homem enriquece sua própria visão sobre os seus produtos, sobre quais itens

refletem sua “voz”, sua forma de expressão, seu estilo de vida.

Diante deste panorama, a presente pesquisa tem como objetivo mapear e registrar o

cenário atual em que estes conceitos estão inseridos. Com pesquisas bibliográficas e

entrevistas com profissionais que desenvolvem trabalhos tanto no ramo do design

industrial quanto no artesanato, busca-se questionar os pontos limítrofes e interseções de

cada uma destas áreas.

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Nos pontos a serem desenvolvidos, esta pesquisa não tem qualquer pretensão de ser

exaustiva, muito pelo contrário, o escopo é em apontar questionamentos, ponderar

opiniões e aspectos a fim de conduzir a reflexão e maior sensibilização sobre estes

temas.

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2. DEFINIÇÕES

2.1. Design

2.1.1. A Origem do DESIGN

O termo “design” deriva do termo inglês “design”, que tem como base o latim designare e

de signum (marca, sinal) e significa em termos gerais: o modo ou o processo pelo qual

será decidido como alguma coisa deverá aparentar ou funcionar.

A expressão design surgiu no século XVIII, na Inglaterra, como tradução do termo italiano

disegno, mas somente com o progresso da produção industrial e com a criação das

Schools of Design é que esta expressão passou a caracterizar uma atividade específica

no processo de desenvolvimento de produtos.

Historicamente, o design, propriamente dito, ganhou relevo com o advento da Revolução

Industrial, na Inglaterra em 1760. O avanço tecnológico representado pela máquina a

vapor possibilitou a produção em massa, ou seja, a produção em série de produtos de

uso em geral para a população.

Figura 1: Revolução industrial – Têxtil

Indústria têxtil na Inglaterra (séc. XVIII) - Trabalho infantil e feminino

Neste panorama, o design surge como um meio de obter uma vantagem competitiva

sobre os demais produtos oriundos de outros países, conforme esclarece a professora

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Eluiza Bortolotto Ghizzi1 da Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul –

Centro de Ciências Humanas e Sociais Departamento de Arte e Comunicação –

Encarregada do projeto de Especialização “Artesanato Empreendedor”:

“Esse sentimento nacionalista foi extremamente importante para as ações em

direção da união entre arte e indústria. Essas ações resultaram da percepção

de que era preciso melhorar a qualidade da produção industrial. Surgiram na

Europa e, até mesmo, no Brasil, organizações preocupadas com as questões

industriais e, também, com as questões artesanais nesse processo. De acordo

com Denis, “com a consolidação dos estados nacionais e do imperialismo

europeu nas últimas décadas do século 19, a economia mundial começou a

adquirir suas feições modernas, demonstrando uma globalização

incipiente”(Denis, 2000:110)2”

Atualmente, industrial design vale tanto como conceito industrial ou de produto.

Industrielle Formgebung (alemão), estetique industrielle (francês), diseño industrial

(espanhol), technitscheskaya Estetika (russo), etc.

Como uma solução possível, a classe dos profissionais adotou design, em inglês, e foi

assim que a mais recente proposta para o reconhecimento da profissão foi submetida ao

Congresso Nacional (1993). Tal decisão foi referendada pelos profissionais e estudantes

da área durante o ENDI (Encontro Nacional de Desenhistas Industriais), realizado em

1998 em Londrina, no Paraná.

Os argumentos a favor do uso do termo design são os seguintes: (i) existe uma

separação entre técnicos (desenhistas) e projetistas criadores (designers); (ii) o termo é

utilizado e reconhecido internacionalmente.

A adoção desta nomenclatura supõe que design signifique o planejamento de produtos

para diferentes indústrias, sendo cada tipo de planejamento identificado pela indústria fim:

design industrial para o projeto de produtos; design gráfico para o projeto de produtos

gráficos; design têxtil para o projeto de tecido e assim por diante.

1 BORLOTTO GHIZZI, Eluiza, disponível em <http.//www.ufms.br/nucdesign/IMG/fundmetproj.doc>

2 DENIS, Rafael Cardoso. Uma introdução à História do Design. São Paulo: Edgard Blücher,2000. p. 109

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As primeiras escolas de Design, estabelecidas na década de sessenta, responsáveis pelo

batismo da profissão emergente, optaram pelo termo Comunicação Visual, sendo o

profissional da área de design gráfico o comunicador visual.

Quando da projetada adoção de Design para denominar os cursos, algumas escolas

adotaram design industrial para projeto de produto e conservaram comunicação visual

para design gráfico. O currículo mínimo dos cursos, aprovados pelo Ministério da

Educação, nomeia o genérico de desenho industrial, sendo a programação visual a área

relativa ao projeto de artefatos gráficos. Neste caso o profissional é desenhista industrial

com habilitação em programação visual ou programador visual.

O ICOGRADA (Internacional Council of Graphic Design), em seu comitê para a Educação

em Design Gráfico para a América Latina, considerou design gráfico e comunicação

visual como sinônimos.

2.1.2 O que é DESIGN

Atualmente se for questionado a qualquer cidadão comum, que não atue no meio

específico do design ele lhe responderá que design é forma. É uma coisa “moderna”,

“estilo”. É o termo sendo utilizado em salões de beleza (que já se chamam “hair design”),

em padarias (design de pães). Existe uma banalização generalizada do termo.

Figura 2: Hair Design

Página da Internet de um Salão de cabeleireiro no Rio de Janeiro

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Esta banalização deriva do próprio do nascimento do uso da palavra design, conforme

apresentado por George H. Marcus3, em sua obra intitulada “What is design”, abaixo

transcrito:

“A razão pela qual ainda levantamos estas questões é porque nós ainda

estamos nos debatendo com o legado do “Bom Design”, um movimento

populista de meados do século 20 que tentou trazer aos utensílios domésticos

economia, sem sentido e estética moderna. O Bom Design foi baseado em

idéias que se originaram em meados do século dezenove na Inglaterra, quando

reformadores advogaram uma aproximação simples e utilitária para as criações

dos produtos do dia a dia como uma alternativa para as massas dos produtos

manufaturados industrializados que a Revolução industrial tornou possível. Ao

invés de aceitar as mobílias em sua variedade de estilos históricos e

decorativos que eram tipicamente usados em seu tempo, Bertram e outros

profetas da estética do Bom Design de ambos os lados do Atlântico buscaram

impor suas própria preferência por formas modernas caracterizadas pela

simplicidade austera, materiais naturais e a abstenção do ornamento.

(...)

Agora, meio século após a publicação do O que é Design Moderno?, Nós

precisamos revisitar as premissas que lá foram listadas tão dogmaticamente e

considerar como estas idéias se relacionam com a definição de design que

temos hoje. Agora não podemos ser tão confiantes, desde que nós não temos

doze simples preceitos que cobrem toda a matéria4. Muitos “devem” foram

removidos de nosso vocabulário, e os princípios e objetivos do design, que

antes eram tão claros e firmemente focados na lista Kaufmann, foram

amplamente expandidos. Considerando o Bom Design regido por uma visão de

estética simples, hoje as linhas não são tão distintas e nós não temos escolhas

senão considerarmos todos os estilos possíveis.(...). E considerando que o

Bom Design julgava objetos separadamente em termos de forma, funções, e

economia, nós precisamos agora julgá-los em um contexto amplo que envolve

3 MARCUS, Georg H. – What is design today – HarryN. Abrams, Inc. – 2002, p. 8 e 13

4 A publicação What is Modern Design elencava 12 “dogmas” que definiam o que seria o design moderno, entre eles, citamos: 1.

modern deign should fulfill the preactical needs of modern life, 2. modern design should express the spirit of our times...

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as circunstâncias de sua de criação, produção, e marketing, bem como

examinara seus aspectos sociais, ambientais, e tecnológicos. Somente neste

sentido nós poderemos encontrar satisfatoriamente uma resposta para a

questão sobre o qual versa este livro: “O que é o Design hoje?” 5

Assim, o termo design, que é um termo relativamente novo no Brasil, desde o início de

sua utilização sempre foi acompanhado de muitas confusões e mal entendidos. Seria o

design uma ferramenta? Uma atividade? Um processo? Arte?

Neste sentido, entende-se bastante elucidativa a definição de Jay Doblin, citado por

Charles Bezerra6, na qual Design é uma atividade que toca quatro dimensões:

“I. A dimensão do ser humano –

Uma intervenção de design está localizada entre o sujeito e o objeto, na

interface, entre o ser humano e o mundo artificial. Por isso, é fundamental

conhecer os aspectos deste ser humano, tanto os passíveis de serem medidos,

como os intangíveis, cognitivos e difíceis de serem medidos.

É nesta dimensão que o design toca as áreas da antropologia, ergonomia,

psicologia cognitiva, sociologia e filosofia, entre outras. Todo este

5 livre tradução do trecho: “The reason we even ask these questions is that we are still wrestling with the legacy of Good Design, a mid-

twentieth-century populist movement that attempted to bring products with an economical, non-sense, modernist aesthetic to ordinary

households. Good Design was based on ideas that had originated in mid-nineteenth-century England, when reformers advocated a

simple, utilitarian approach to the creation in everyday products as an alternative to the mass of manufacted goods that the Industrial

Revolution had made possible. Instead of accepting the furnishings in a variety of historic and decorative styles that were typically used

in their time, Bertram and other proselytizers of the Good Design aesthetic on both sides of the Atlhantic sought to impose their own

preference for modern forms characterized by austere simplicity, natural materials, and the absence of ornament.

(…)

Now, half a century after the publication of What is Modern Design?, we might revisit the propositions that were listed there so

dogmatically and consider how these ideas relate to a definition of design for our own day. This time we cannot be so confident, since

we do not have twelve easy precepts that will cover it all. Many “shoulds” have been removed from our vocabulary, and the principles

and goals of design, which had been so clearly and tightly focused upon in Kaufmann’s list, have expanded widely. Whereas Good

Design adhered to a single aesthetic viewpoint, today the lines are not so distinct and we have no choice but to consider all stylistic

possibilities. (…). And whereas Good Design judged objects separetely in terms of form, function, and economics, we must now judge

them in a larger context that involves into the circunstances of their creation, production, and marketing and examine as well their

social, environmental , and technologicl issues. Only in this way can we find satisfactory answer to the question that this book sets out

to ask, “What is Design today?”5

6 BEZZERRA. Chaves, disponível em <http://webinsider.uol.com.br/vernoticia.php/id/1547>

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conhecimento sobre o comportamento dos consumidores tem se tornado cada

vez mais importante para direcionar estratégias de desenvolvimento e

marketing.

II. A dimensão da Arte –

Design toca a arte quando a forma, cor, textura, tipologia, e movimento, entre

outros, são usados no processo de criação do artificial. Este processo é

chamado de Styling.

É preciso sensibilidade e conhecimento sobre a composição e equilíbrio dos

elementos, porém, design não é arte. Creio que esta é uma grande fonte de

confusão. A mídia tem uma tendência de reduzir o design a um simples

embelezamento superficial, uma atividade não muito séria.

A influência européia no design brasileiro, principalmente nas escolas de

design, nos aproximou muito dos assuntos do styling, que são bastante

importantes, mas nos afastou dos assuntos do método, das técnicas, do

mercado, da economia, da estratégia. Perdeu-se o equilíbrio.

Todos conhecem a autopropaganda do Philippe Starck, mas poucos sabem

que não se pode andar a mais de 60km/h na bela motocicleta que ele projetou

porque ela vibra devido aos graves problemas aerodinâmicos.

III. A dimensão da Tecnologia –

Esta é a dimensão dos processos de fabricação, materiais, e mecanismos.

Designers precisam saber como o mundo material funciona.

Mas design também não é engenharia. Designers estão mais próximos da

exploração criativa da pergunta, O que fazer? Do que dos detalhes do como

fazer. Como se o Design estivesse mais próximo do planejamento e a

engenharia mais próxima da implementação.

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IV. A dimensão da Ciência

Esta é a dimensão menos conhecida pelos designers. Ciência é a análise do

objetivo, a busca do entendimento do fenômeno físico, é olhar o mundo com

lentes.

É nesta dimensão onde se encontram profundas investigações em design.

Onde se buscam teorias para entender, simular ou otimizar o processo de

design. É para esta dimensão que deverão estar orientados os mestrados e

doutorados em design. Mas design também não é uma ciência.

Assim, por mais inclinados que estivermos para uma ou outra dimensão do

design, não podemos reduzir o conceito e a própria definição do design.

Estamos redefinindo design de acordo com as nossas limitações.”

No mesmo sentido de aproximar a atividade do design da dimensão da ciência e da

dimensão do ser humano, mas não se restringindo a estas, apresente-se a definição de

Gustavo Amarante Bomfin7:

“Entende-se por design a melhoria dos aspectos funcionais, ergonômicos e

visuais dos produtos, de modo a atender às necessidades do consumidor,

melhorando o conforto, a segurança e a satisfação dos usuários. O design é

uma ferramenta que permite adicionar valor aos produtos industrializados,

levando a conquistas de novos mercados.

As empresas têm usado o design como poderoso instrumento para introduzir

diferenciações nos produtos e destacar-se no mercado, perante os seus

concorrentes. Hoje ele é um dos principais instrumentos para as empresas

competirem nos mercados nacional e internacional.”

Assim, na posição deste autor, o design trata de um processo, um instrumento para

adicionar valor a produtos e conseqüentemente conquistar mercados. Como exemplo,

objetos que sofreram alterações ao longo dos tempos através da intervenção do Design:

7 - BOMFIM, Gustavo Amarante. “Idéias e formas na história do Design”. UFPB, João Pessoa, 1998.

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Figura 3: Chaleira Allegro – Da marca T-FAL

Figura 4: Chaleira da coleção Smart Design: Deckel & Stovchen Tea

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Figura 5: Chaleira Pito – Alessi

Design: Frank Gehry

Figura 6: Chaleira Chantal 3718SWT Enamel Classic Tea Kettle

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22

Figura 7: Chaleira Chantal ProDesign Tea Kettle

Figura 8: Tea Kettle - Le Creuset 1.8 quart Whistling Tea Kettle

Por fim, de forma mais abrangente, mas de certa forma até mais voltada para o lado

artísitici, a ICSID (“The international Counsel of Societies of Industrial Design) também

apresenta a sua definição, saber:

“Design é uma atividade criativa cuja finalidade é estabelecer a qualidades

multifacetadas de objetos, processos, serviços e seus sistemas,

compreendendo todo o seu ciclo de vida. Portanto, design é o fator central da

humanização inovadora de tecnologias e o fator crucial para o intercâmbio

econômico e cultural.”8

8 Definição disponível em <http://www.armandofontes.com.br>

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2.1.3 Como se manifesta o design

O design permeia o produto industrial (PRODUTO) de uma forma geral, na verdade um

ciclo, que como tal figura não tem um início ou um fim determinado.

Na visão de Bernd Löbach9, o produto industrial pode ser definido como:

“Os produtos industriais são objetos destinados a cobrir determinadas

necessidades e são produzidos de forma idêntica para um grande número de

pessoas. A lógica dos produtos industriais consiste em que, quando

produzidos, devam proporcionar – pela sua venda – um lucro. Além disso, a

natureza do produto deve garantir que seu uso possa efetivamente satisfazer

as necessidades do usuário, já que este é o único motivo que o induz a

despender algum dinheiro na sua compra.”

Nas diversas fases da elaboração do PRODUTO, desde o “pensar” até o seu controle de

qualidade. O design surge com o estudo dos materiais, passa pelo desenho técnico, e

conclui-se com produção e a apresentação do PRODUTO em grande escala.

Em outro ponto, para “pensar” o PRODUTO, o profissional tem como foco o seu

consumo, ou seja, ele tem que “pensar” o próprio consumidor, e na percepção de suas

necessidades em sentido amplo, ou seja, necessidades funcionais, necessidades

econômicas, e também necessidades estéticas.

Por sua vez, a necessidade do consumidor é influenciada pelos PRODUTOS já

existentes, que por sua vez foram fruto de um design que refletiu ou reflete a necessidade

de um período, ou seja, a, a própria realidade cria novas necessidades para o homem.

Assim, é um ciclo evolutivo em que um aspecto influi no outro. E neste sentido o design

manifesta-se de uma forma rica, que harmoniza com o homem.

O ciclo de manifestação do design pode ser aplicado a todas as áreas que envolvem a

produção latu sensu: produção industrial para projetos de produto, design gráfico para o

projeto de produtos gráficos; design têxtil para projetos de tecidos e assim por diante.

9 LÖBACH, Bernard. Design Industrial – Bases para a configuração dos produtos industriais – Ed. Edgard Blücher Ltda. 1° Ed. 2000. p.

38/39

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Podemos chamar de formas de design, as áreas em que se manifestam estes ciclos.

No que compete ao desenho industrial, podemos entender toda atividade que tende a

transformar em PRODUTO passível de fabricação, as idéias para a satisfação de

determinadas necessidades de um indivíduo ou grupo.

A produção industrial destina-se à fabricação em série de centenas de produtos, de modo

que os produtos precisam ser estudados em todos os seus detalhes com a finalidade de

atender às necessidades de centenas de consumidores diferentes entre si. A única

liberdade do usuário de produtos industrializados é a escolha entre os diversos

fabricantes. Daí a importância do design no processo produtivo. A grosso modo: fatura

mais a empresa que produz produtos cujo design é aceito pelo maior número de

consumidores.

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2.2 Artesanato

2.2.1 O que é Artesanato?

O artesanato encontra definição em várias correntes.

Em uma primeira corrente, há o entendimento do artesanato como qualquer produção

que envolva diretamente e de forma predominante trabalhos manuais, e neste sentido

todo objeto “feito à mão” é considerado como artesanato.

Nesta corrente pode-se destacar o livro de Peter Dormer, “Os significados do design

moderno – A caminho do século XXI”10 que em seu capítulo 6 intitulado “Valorizar a

produção manual – Artesanato de atelier e significado do seu estilo” relata o fenômeno do

artesanato produzido por profissionais ligados ao design pertencentes à “classe média”,

principalmente, americana.

Neste capítulo, Dormer realiza um estudo em que relata a experiência do artesão como o

produtor de objetos “customizados” destinados ao consumo da classe alta com o objetivo

de imprimir “individualidade” ao mobiliário desta classe social.

Por outro lado, uma segunda corrente considera que além da produção manual, o

artesanato compreende uma forma de manifestação cultural, o artesanato como fruto de

uma tradição técnica e conceitual passada de geração em geração até os dias atuais,

talvez ao longo de centenas de anos.

Figura 9: Panela Preta da região de Registro – Técnica originalmente indígena

10

DORMER, Peter in “Os significados do design moderno – A caminho do século XXI, Centro Português de Design, 1995.

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26

Neste sentido podemos citar Raul Cordula11:

“Eis o que é artesanato: obra material do artesão, que em sua origem é arte

popular; fruto do trabalho realizado através das mãos na confecção de objetos

destinados ao conforto do homem, carregados de expressões da cultura, onde

a máquina, se utilizada, será apenas ferramenta, nunca fator determinante para

a sua existência. O artesanato é instrumento de melhoria e distribuição justa da

renda de comunidades pobres, como fruto do trabalho autônomo e vivo, pois

seu produto pertence ao artesão que o produziu diferente do trabalho enterrado

nas fábricas pelas mãos dos operários. Contrapõe-se portanto ao sistema de

produção industrial.

(...)

O conceito de “arte popular”, no entanto, não vigora em todo mundo nas

megalópoles como Nova Iorque, São Paulo, São Francisco, Londres, Tóquio e

mesmo em cidades menores, mas cosmopolitas, há o conceito de “artesanato

urbano” onde o artífice alia as técnicas tradicionais aos estilos da época”.

De uma forma majoritária, o artesanato pode ser definido como um campo do folclore12.

Assim, dentre as diversas áreas pertencentes ao folclore (arte popular, literatura popular,

música folclórica, danças, crenças populares, e demais áreas) encontramos o artesanato.

Em outro aspecto, encontramos Lina Bo Bardi, que esclarece sob o título “Discurso sobre

a significação da palavra artesanato”13:

“o artesanato popular corresponde (o artesanato é sempre popular, vamos

excluir de nossa conversa as diversas butiques que se reclamam do

artesanato) a uma forma particular de agremiação social, isto é, às uniões de

trabalhadores especializados reunidos por interesses comuns de trabalho e

11

CORDULA, Raul, disponível em <www.cultpopbrasil.org/artigos/raul_cordula/artesanato.>

12 “O conjunto das criações provenientes de uma comunidade cultural, baseadas nas tradições expressas por um grupo ou por

indivíduos que reconhecidamente correspondem às expectativas da comunidade, enquanto expressão de sua identidade cultural e

social, e, além disso, as normas e os valores que se transmitem oralmente, por imitação ou por outras maneiras.” (Definição da

Unesco – disponível em <www.geranegocio .com.br>

13 BARDI, Lina Bo. Tempos de grossura: o design no impasse – São Paulo – Instituto Lina No e P.M. Bardi, 1994 – (Pontos sobre o

Brasil)

Page 26: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

27

mútua defesa, em associações que, no passado, tiveram o nome de

CORPORAÇÕES. A palavra ARTE, que hoje define atividade artística, indicou

no passado à atividade artesanal de qualquer tipo; pintores e escultores foram,

no passado, incluídos também no artesanato, nas assim chamadas ARTES

MENORES. As corporações existiram na Antiguidade clássica, isto é, na Grécia

e Roma, e tiveram o máximo esplendor na Idade Média quando a Europa

inteira se constituiu em Corporações.

A palavra artesanato vem da palavra ARTE equivalente de Corporação.”

No que concerne ao Brasil, e as manifestações de artesanato brasileiro, Lina Bo Bardi vai

extrapolar seus conceitos e afirma que:

“Não existe artesanato brasileiro importante. Não existe um artesanato

brasileiro importante em nenhum país do mundo que esteja no estágio de

civilização industrial, independentemente do grau de desenvolvimento atingido.

A organização social artesanal pertence ao passado, o que temos hoje são

sobrevivências naturais em pequena escala, como herança do ofício, ou (...)

por determinações artificiais, como (...) a crença difundida de que o feio à mão

é mais prezado do que o “feito à máquina”

Cabe a princípio esclarecer que é tênue, e muitas vezes nebuloso, o limite entre

artesanato e arte popular. Nas palavras do professor Iaperí Araújo, in Elementos da Arte

Popular:

“O artesanato tem muito de arte no conceito tradicional, não só pela

continuidade do elemento que representou o molde inicial, mas também porque

sem a mecanização standard e por que constituir um seriação manual, cada

novo objeto é recriado dependendo das condições do material a trabalhar e dos

instrumentos de trabalho. Cada nova forma surge como recriação recebendo o

toque pessoal do artesão.”

A presente pesquisa não tem como objeto a análise específica do fenômeno que

considera todo trabalho manual como artesanato, apesar de sua relevância para o tema

“artesanato” propriamente dito. O foco principal deste trabalho é a análise da corrente, do

“artesanato cultural” e sua intersecção com o design.

Page 27: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

28

2.2.2 Como se manifesta o Artesanato

O artesanato pode manifestar-se de diversas formas, das mesmas formas que podem ser

classificados os artesãos como:

(i) Artesão-artista: aquele que produz peças que por conta de seus detalhes e riqueza

artística causam admiração a ponto de extrapolar o limite da utilidade dos objetos. São

exemplos os talhadores, gravadores e rendeiras. Via de regra, suas peças são

“assinadas”, e o próprio nome do artesão lhe agrega valor;

Figura 10: Nossa Senhora da Alvorada- obra de Aleijadinho Fonte: https://www.planalto.gov.br/cd_09/032756ID.htm

(ii) Artesão-artesão: é aquele que trabalha em série, produz dezenas de peças,

centrando-se no aspecto mais utilitário das peças que produz. São exemplos os artesãos

que produzem uma única peça por vez, trabalhando com cerâmica, madeira, e demais

materiais.

Page 28: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

29

Figura 11: Artesã de Irará (BA) confeccionando pote em cerâmica Fonte: http://www.acasa.org.br/arquivo2.php?path=/arquivo2.php&secao=Arquivo&id=967

(iii) Artesão semi-industrial: é aquele que trabalhando a partir de moldes ou e de outros

processos semi-industriais reproduz dezenas de peças. Ex: peças utilitárias (tigelas,

jarros) e souvenires.

Figura 12: Moldes para produção em série de peças cerâmicas Fonte: http://www.alfonsoelcinto.com/fabricacion.htm

Page 29: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

30

No artesanato, o artesão tem o controle total do processo produtivo, na visão de Bernd

Löbach:

“o artesão fabricava o objeto por completo e mantinha todo o processo sob

controle. Daí resulta a relação personalista em relação ao objeto.”14.

Isto quer dizer que o artesão tem uma relação direta com o produto que cria. Parece

óbvio, mas muitas vezes as conseqüências deste relacionamento não são percebidas

pelo público em geral.

O primeiro ponto é a individualização do produto artesanal. Ele (o produto) torna-se único

no momento de sua finalização, não existirá outro igual a ele em razão do “toque” do

artesão. A elaboração do produto artesanal também contribui para esta unicidade, pois o

artesão tem a possibilidade de atender aos objetivos e valores seu e do “cliente”.

Assim, o usuário do produto artesanal tem uma relação pessoal com o objeto, já que o

artesão tem a possibilidade de atender a todas as necessidades individuais do cliente.

2.2.3 Produtos artesanais

Os produtos artesanais podem ser classificados de duas formas: de um lado, produtos

marcados principalmente por sua função prática (funcionalidade), o qual tem a

denominação de produtos funcionais. A razão de existir destes produtos é a necessidade

de ferramentas de uma população no seu uso cotidiano, tais como: cumbucas, lanças,

jarros, e demais utensílios.

Como exemplo de produtos com valor funcional:

Figura 13: Peneira de Trançado Tribo Baniwa – Amazonas

14

Ob.cit. p. 37

Page 30: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

31

Figura 14: Cesto cargueiro Tribo Yanomami – Roraima

Figura 15: Cesta para Pães Grupo Banarte – Miracatu/SP

Por outro lado existem aqueles produtos que tem uma importância além de sua utilidade,

denominados de produtos simbólicos, que tem em si mesmos sua razão de existir. São

produtos artesanais que tem um significado religioso ou são indicativos de determinada

posição social. Destacam-se nesta categoria os artefatos religiosos, e, até mesmo,

produtos utilitários que, devido a sua sofisticação representam mais que sua função

utilitária, por exemplo: a espada de um samurai chefe da guarda pessoal do Imperador do

Japão. Não é uma mera espada, é uma espada feita com uma sofisticação ímpar que por

si só é indicativa de um status social. Um outro exemplo é o cocar do cacique da tribo,

que tem somente a função de representar uma posição social.

Como exemplo de produtos com valor simbólico:

Page 31: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

32

Figura 16: Cocar para Ritual festivo Tribo Bororó – Mato Grosso/MT

Figura 17: Jarreteira – enfeite para perna Tribo Wai Wai – Pará

Figura 18: Espada Samurai

Page 32: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

33

Figura 19: Espada Samurai

Neste sentido, destaca-se Bernd Löbach:

“Até a metade do século XIX os objetos de uso eram fabricados principalmente

à mão. Neste caso se conhecem duas classes dos produtos artesanais. De um

lado, produtos marcados principalmente por sua função prática, integrando-se o

material e o modo de fabricação. Esses produtos são freqüentemente

chamados de funcionais – ou seja, não têm nenhum outro significado especial.

Por outro lado, existem aqueles produtos artesanais cuja importância é

meramente simbólica. Apesar de estes produtos terem uma função prática,

eram utilizados principalmente como objetos de representação do status

social.”15

Este aspecto não é pacífico, existe uma corrente que entende que o produto artesanal

tem em sua essência uma função utilitária, sem a qual perderia sua principal

característica. Neste sentido, até a “utilidade” dos produtos simbólicos seria a de indicar a

posição social, ou até mesmo aproximar o homem de sua divindade.

Além desta maneira de classificar o artesanato, podemos distinguí-los de também sob

outros critérios: (i) quanto à predominação da matéria prima (couro, madeira, metais,

argila, gesso, madeira, etc); (ii) quanto à origem (indígena, rural, urbano); (iv) quanto à

utilidade (implemento, utensílio, adorno).

2.2.4 Problemáticas do Artesanato

Diante da extensão territorial brasileira, é difícil traçar uma fotografia do que se chama de

“artesanato brasileiro”. A adoção da atividade artesanal ocorre via de regra no interior do

15

Ob.cit.p.36.

Page 33: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

34

país, em regiões com pouca produção industrial, mas também podem ser constatadas

experiências de grande sucesso em centros urbanos como Rio de Janeiro e São Paulo.

Após pesquisas e entrevistas realizadas, apesar da falta de dados estatísticos oficiais,

pode-se afirmar que a atividade artesanal pode ser considerada como uma fonte de renda

para várias famílias brasileiras.

No entanto, a faceta do artesanato que é mais conhecida do público em geral é aquela

voltada e direcionada para o turismo, o artesanato voltado para fins de ornamento. O que

de certa forma gera uma postura preconceituosa da sociedade brasileira como um todo, a

qual será explicitada no parágrafo abaixo.

Em decorrência da cultura colonizadora predominante no país, nos grandes

conglomerados urbanos, que concentram os principais centros de comercialização e

consumo de produtos, criou-se uma imagem de que o produto artesanal está ligado ao

amadorismo, a produtos arcaicos, não apropriados para o uso cotidiano. Esta visão deriva

da cultura brasileira que valoriza os “estrangeirismos”, e afeta tanto o comprador,

comerciante e consumidor, quanto o artesão que acaba por aceitar todos os rótulos

atribuídos a seus produtos e ao seu processo produtivo.

Os principais concorrentes dos produtos artesanais brasileiros são os produtos

industrializados fabricados com baixo custo e oriundos muitas vezes do sudeste asiático,

diante da globalização da economia e da concorrência internacional, o artesanato

brasileiro encontra-se em um momento de transição em que devido à demanda de

mercado, o artesanato tem que se aprimorar para sobreviver.

Em decorrência direta deste processo de aprimoramento, há uma re-descoberta de

valores que caracterizem a cultura e o artesanato brasileiro a fim de agregar valor ao

produto e diferenciá-lo no mercado.

Assim, o artesanato brasileiro encontra-se em um processo de (re) evolução que conta

com a atuação de diversos segmentos da sociedade (ONG’s, entidades ligadas ao

governo e parceiros privados, artesãos) cada qual buscando vantagens, viabilidades e

alternativas para o desenvolvimento da produção artesanal.

Page 34: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

35

3 - INTERFACES

A partir de agora, pretende-se entender a aproximação entre o Design e o Artesanato,

começar a traçar uma analogia entre as duas atividades definidas acima e tentar buscar

através de depoimentos e opiniões uma linha que possibilite vislumbrar uma troca de

interesses entre esses processos distintos.

Pode-se perceber claramente que a opinião de alguns profissionais e estudiosos vai

contra qualquer tipo de interação entre os dois processos. Suas definições acerca de uma

e de outra atividade, são bastante técnicas, fazendo uso de conceitos iniciais para o

entendimento do “desenho industrial” e do “artesanato”.

Neste sentido, destaca-se Gillo Drofles que distingue desenho industrial e artesanato:

“É necessário distinguir claramente entre a produção artesanal e a que se

integra no âmbito do design industrial. Em que consistirá, pois, a diferença

entre uns produtos e outros. Acima de tudo, no princípio que essencialmente

informa ambas as produções: a obra artesanal, pela sua própria natureza, é

uma obra que pode aparecer como “feita à mão”, mesmo nos casos de

intervenção parcial de uma máquina. Por outras palavras, a obra de artesanato,

mesmo quando está submetida a uma repetição, nunca atinge em todas as

suas cópias absoluta identidade. Há sempre um diferencial – e não pode deixar

de existir – que distingue cada objeto dos demais. E é precisamente nesta

diferença, por pequena que seja, nesta mínima imperfeição formal, que reside

esse não sei quê de fascinante e a própria essência da forma artística.”

(...)

“Pelo contrário, no caso do objeto produzido industrialmente, essa

eventualidade nunca se verifica, nem deve verificar-se; sempre que

determinado objeto apresenta “imperfeições”, por razões que aqui não vêm ao

caso e que escapam à vontade do projetista, essas imperfeições deverão ser

consideradas como erros de fabricação e não como complacência para com um

“embelezamento da matéria”. Efetivamente, é lícito afirmar que o objeto

industrial já existe no próprio momento em que foi projetado, desde o momento

em que é ultimato o desenho executivo que dará lugar à realização do modelo

Page 35: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

36

protótipo, a partir do qual se iniciará a série perfeitamente igual e idêntica de

todas as peças que se seguirão à primeira. A obra do artista na peça do

artesanato, explica-se “no final” da execução, ao passo que na peça industrial

se explica “no início”.”

Anamaria de Moraes16 resume em seu artigo “Design: arte, artesanato, ciência,

tecnologia? O fetichismo da mercadoria versus o usuário/trabalhador”:

“A estética funcionalista do design presume que a produção industrial satisfaça

sempre melhor as necessidades sempre mais diversificadas. Reduzindo a

forma do objeto ao significado de sua função utilitária e sua eficácia técnica, a

estética industrial reduz os compromissos pessoais e os enfoques simbólicos

aos quais os objetos estéticos estavam ligados. Por outro lado ao fazer das

formas os jogos variados de uma combinação onde se reorganizam sem fim os

signos de uma funcionalidade técnica que se pretende rigorosa e sempre em

progresso, o design faz entrar a renovação das formas no processo econômico

e ideológico da moda. O ideal de um aperfeiçoamento ao mesmo tempo técnico

e formal passa a ser álibi da lei do aumento dos rendimentos e da aceleração

da produção.

Em 1907, Hermann Multhesius criara a Deutscher Werkbund, Escola de Artes e

Ofícios ligada ao Ministério de Comércio da Prússia. De acordo com Huisman &

Patrick (1967), nesta época, travou-se uma extensa polêmica entre Van de

Velde e Multhesius, em torno de saber se os artistas deveriam trabalhar em

equipe de maneira metodizada ou se deveriam continuar trabalhando

individualmente de uma forma completamente artesanal. A resposta de

Multhesius foi pela standardização: “É somente pelo efeito da padronização,

considerada como uma concentração salutar de forças vivas, que se pode

chegar a estabelecer critérios seguros e amplamente aceitos pelo gosto.”

Assim, para a autora, o design não tem a estética como fim, muito pelo contrário, os

novos conceitos estéticos oriundos do design e até mesmo impostos por este são fruto do

processo de maior utilidade de um objeto. Ao contrário do que popularmente se entende,

16

COUTO, Rita Maria de Souza; e Oliveira, Alfredo Jefferson de (org.) – Formas do design: por uma metodologia interdisciplinar – Rio de Janeiro: 2AB: PUC – Rio, 1999

Page 36: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

37

não é a estética influencia o design, e sim, o design como processo que influencia a idéia

de estética.

Nas citações acima, ficam claros os diferenciais simbolizados pela definição de produto

oriundo de técnica artesanal e produto oriundo de processo industrial. Estes

posicionamentos refletem uma corrente mais tradicional, dotada de um olhar

eminentemente técnico, desconsiderando conceitos mais contemporâneos acerca dos

dois assuntos.

Esta corrente tradicional talvez reflita sobre o Design somente sob o ângulo de visão de

uma disciplina que enquadra o ato de projetar a forma de um produto e desenvolver os

conceitos de objeto, de civilização e de forma do útil visando aprofundar relações

integrantes da produção industrial como a articulação do belo e do útil, da arte e da

técnica, da reprodutibilidade e da série.

Ao estimular a compreensão do fenômeno da criação de objetos e da sua evolução,

tendo como pano de fundo a evolução dos conceitos de produtos ao longo do século XX,

deve-se levar em conta, que há hoje diversos grupos que definem distintamente o

objetivo do emprego do Design. Há alguns anos atrás, bastaria para definir o Design,

afirmar que o mesmo era o processo que cuidava da melhoria estética e funcional dos

produtos industriais, ao ponto que hoje, novas linhas de pensamento apresentam

possíveis conceitos nunca antes imaginados.

Quando se busca um entendimento acerca dessa possível relação a ser traçada entre

Design e artesanato, se pensa em unir pontos de interesse e ações que vêm sendo

desenvolvidas no campo da produção artesanal e que, ainda que pertinentes,

permanecem restritas a territórios específicos. Seria talvez sair realmente dessa

contextualização tradicional que envolve o design e partir para pontos novos de análise e

compreensão, embasado em acontecimentos radicais, que mudaram as interfaces da

indústria no mundo atual, conforme trecho transcrito de Eduardo Barroso Neto:

“Na última década do século XX assistimos a mudanças profundas no cenário

mundial, que alteraram de modo radical todas as concepções e modos de agir

seja no nível pessoal, coletivo ou empresarial. Uma das principais mudanças foi

o fim da polarização ideológica, que durante cinqüenta anos dividiu o mundo

em dois grandes blocos hegemônicos, dando inicio ao processo de

Page 37: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

38

globalização econômica, que teve como regra básica a eliminação das

barreiras protecionistas como forma de impulsionar o mercado mundial.

Este redesenho do tecido geopolítico do planeta foi acompanhado do

incremento exponencial das relações de troca e intensas migrações de capital,

tecnologia e indivíduos gerando um inevitável impacto nas culturas e no

comportamento social dos indivíduos.

Outro grande impacto foi causado pelas novas tecnologias de informação que

propiciou a criação e acelerada expansão de um sistema planetário de

comunicações, que permite hoje a conexão direta entre mais de 50 milhões de

indivíduos, sem nenhum tipo de barreira ou controle das informações, alterando

as percepções de tempo e de espaço, favorecendo ao inicio de uma nova

dimensão de cidadania.

Contudo, ao progresso material alcançado, assistiu-se a um desequilíbrio

global, seja do ponto de vista ecológico, com o rápido esgotamento dos

recursos naturais não renováveis e o comprometimento do meio ambiente, seja

do ponto de vista econômico e da concentração da riqueza, atestado pelo

inaceitável índice de um sexto da população mundial viver abaixo da linha da

pobreza absoluta, ou ainda, pela erosão do sentimento de identidade e de

pertinência dos indivíduos.

Este cenário global determina agora, diante do inicio de um novo milênio, um

gigantesco desafio: criar uma nova via de desenvolvimento retirando do

mercado o protagonismo de todas as decisões e buscando em ações

compartilhadas entre sociedade civil e governo a construção de uma sociedade

mais harmônica e menos desigual.

Estas mudanças começam da base, do desejo individual de mudar, da adoção

de uma nova postura diante da vida e dos valores vigentes. Ao procurar no

interior de nossas vidas, e de nossos países, identificar os sentimentos e

elementos mais sinceros e autênticos que nos ajudem nesta empreitada

provavelmente iremos encontrar e compreender a dimensão e importância das

atividades que emergem do povo e que ao conjugarem arte e trabalho

Page 38: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

39

transformam-se em uma nova referência colocando em evidência maneiras

mais simples de viver e de dar respostas as nossas necessidades.” 17

Para o autor, tais mudanças evidenciam a procura do homem por novas alternativas e

novas formas de conceber critérios antigos, não só na área do Design diretamente

abordada nessa pesquisa, mas de uma forma geral estendendo tais questionamentos a

diversos (senão todos) os segmentos de vida.

17

BARROSO, Eduardo trecho extraído do site <http://www.eduardobarroso.com.br/artigos.htm>

Page 39: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

40

4 – AGENTES SOCIAIS

Uma vez discutidos os conceitos envolvendo os termos e definições de artesanato e

design, cabe levantar pontos e colher elementos necessários ao registro do atual cenário

existente envolvendo o design e o artesanato. Neste sentido, entende-se necessário, dar

voz a diversas opiniões de profissionais atuantes em campos de intersecção destas duas

áreas, tais como:

(i) Designers envolvidos ou que tiveram envolvimento diretamente com

artesanato,

(ii) De profissionais influentes membros do meio acadêmico;

(iii) De profissionais que encaram essa “interação” sob o ponto de vista de

uma entidade ligada ao empresariado;

(iv) Atividades desenvolvidas em algumas Organizações Não Governamentais

(ONG’s) que atuam nesse segmento.

Esses quatro distintos ângulos de visão acerca do tema são capazes de proporcionar

uma maior abrangência de entendimento, e possivelmente fornecer dados suficientes a

ressaltar aspectos negativos e positivos oriundos da sugerida interação entre as duas

atividades: Design e Artesanato.

A coleta destes dados foi procedida através de entrevistas realizadas entre abril e maio

de 2005 com representantes de cada um destes segmentos. Na escolha dos

representantes, foram consideradas a suas experiências profissionais e a sua

representatividade dentro de cada campo.

Foram ouvidos os seguintes profissionais representantes de cada segmento:

(i) Designers envolvidos ou que tiveram envolvimento diretamente com

artesanato:

Christian Ullman: Designer, especialista em Design Sustentável e

produção comunitária, diretor do escritório IT – Projetos e sócio do

escritório OFICINA NÔMADE.

Page 40: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

41

Tânia de Paula: Designer atuando em produção comunitária,

escritório IT – Projetos e OFICINA NÔMADE; NIDA – SEBRAE.

Juliana Bertolini: Designer atuando na área de desenvolvimento de

acessórios, já foi consultora do SEBRAE e desenvolveu trabalhos

junto a ONG’s.

(ii) Profissionais influentes membros do meio acadêmico:

Eugênio Ruiz - coordenador da cadeira de desenho industrial da

Universidade Mackenzie.

(iii) de profissionais que encaram essa “interação” sob o ponto de vista de

uma entidade ligada ao empresariado:

Roberto dos Santos (SEBRAE) – coordenador estadual do

Programa do SEBRAE - São Paulo – Programa ARTE QUE VALE,

voltado para o desenvolvimento e resgate do artesanato paulista.

(iv) e por fim conhecer as atividades desenvolvidas em algumas ONG’s

(Organizações Não Governamentais) que atuam nesse segmento:

Marcos D’Assunpção – coordenador da ONG – Aldeia do Futuro,

que atua na região de Americanópolis desenvolvendo

principalmente artesanato têxtil.

Page 41: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

42

4.1 Designers

Nesta pesquisa, são considerados designer’s e consultores os profissionais com

formação acadêmica na área de design e com experiência profissional na área de

artesanato, assim, o seu posicionamento é de extrema importância para o tema, pois

diante do panorama apresentado (artesanato e design) ele é o agente direto do design,

um dos pólos deste relacionamento.

Além disso, a opinião dos profissionais abaixo citados é de suma importância pela atual

realização de suas atividades profissionais e envolvimento direto com discussão do tema.

Foram entrevistados: Christian Ullmann, Tânia de Paula e Juliana Bertolini.

Christian Ullmann e Tânia de Paula são fundadores responsáveis do projeto OFICINA

NÔMADE que se caracteriza com a realização de desenvolvimento de produtos junto a

comunidades artesanais a princípio originárias da Amazônia e demais estados da região

norte do Brasil, subseqüentemente estendendo os projetos para outras regiões.

Atualmente a OFICINA NÔMADE vislumbra o meio urbano, como um foco em potencial

para o desenvolvimento de suas atividades: (...) ”Ainda 80% dos nossos projetos são

desenvolvidos com comunidades da Amazônia e do Norte do país, porém, como

moramos hoje em São Paulo, essa grande cidade, há dois anos começou nossa

curiosidade em entender outras realidades e outros materiais, então a OFICINA

NÔMADE está tentando ganhar novos mercados abrindo essas possibilidades em São

Paulo”.

Segundo os entrevistados, o foco até então, era tomar conhecimento de matérias primas

e recursos naturais a serem explorados e empregados em novos produtos. Quando a

idéia se expande para os grandes centros, a busca se dá para a exploração de resíduos

industriais e urbanos que se encontra em maior abundância nesse meio.

Quando se citou a questão “Diferenças e definições para o design e o artesanato”,

Christian Ullmann apresentou a seguinte posição: (...) “Quando se fala de Design e

Artesanato e de diferenças e similaridades existentes entre os dois processos, é notável

que há alguns anos no Brasil, o Design era uma atividade ligada diretamente a empresas,

enquanto artesanato uma atividade praticada fora dos grandes centros urbanos, no

entanto a realidade brasileira nos levou a enxergar o artesanato também como um

mercado para o Design...”.

Page 42: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

43

Nota-se nesse instante que uma nova corrente começa a questionar conceitos antigos e

até mesmo a buscar um entendimento para essas novas definições. Trata-se

possivelmente de uma renovação das percepções, de abrir caminhos a serem explorados

ganhando um maior conhecimento acerca do atual, do contemporâneo, segundo Tânia de

Paula, é importante tomar como ponto de partida para a definição dos processos, a forma

como o profissional encara o conceito de Design: (...) ”a discussão parte para questões

como: O artesanato quando sofre influência do Design, deixa de ser artesanato? O que é

o Design? É o Design Industrial? Tudo aquilo que é produzido industrialmente em

pequena, média ou grande escala? Se parte desse princípio, realmente não há como

fazer um link entre os dois processos, no entanto, atualmente tudo virou DESIGN: Design

de roupa, de cabelo, de móveis... Acho que surge aí uma necessidade de se criar uma

nova designação para essa interação que existe entre o Artesanato e o Design e passa-

se a crer que Design não é mais uma atividade unicamente industrial”.

Nesse ponto, torna-se indispensável citar o texto da Profª Eluiza Bortolotto Ghizzi, já

citada anteriormente: “A idéia de” design de artesanato “contém em si tanto o conceito

de design quanto o de artesanato. Ela não deve ser uma mera soma dos dois conceitos,

mas um novo conceito que se constrói a partir desses já existentes. Como tal, esse novo

conceito deve considerar cada um dos anteriores segundo uma lógica própria.” Essa

citação vem reafirmar a necessidade citada por Tânia de Paula de que o possível vínculo

entre o Design e o Artesanato, deve ganhar uma nomenclatura própria.

Da mesma forma que se aborda o Design com diferentes níveis e concepções, acontece

o mesmo com o artesanato. Quando se fala que o design deve ser reconhecido em seus

diversos empregos distintamente, supõe-se que a terminologia deva ser oferecida para

outros segmentos. No caso de Christian Ullmann, o mesmo concede definições distintas

para a Atividade Artesanal, o Artesanato e a “Manualidade”.

Artesanato: “(...) a princípio não se faz artesanato para vender. É considerado artesanato

aquilo que tem utilidade. O cesto, a cumbuca, o arco são utensílios de uso corrente. (...)

Artesanato é aquilo que podemos chamar de atividade artística. Por que? Porque é um

indivíduo que trabalha sozinho, que detém um conhecimento e uma habilidade que é

transmitida de gerações em gerações e vende. Um pouco melhor um pouco pior, mas

vende por conta dele. (...) O artesão é aquele que não se importa com o mercado, ele se

importa com a sua atividade.”

Page 43: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

44

Atividade Artesanal: “(...) O que acontece também, é que de uns tempos para cá,

percebeu-se que o artesanato é uma atividade que tem plenas condições de gerar renda,

em regiões com população carente, com pouco trabalho, onde a lavoura não dá mais, etc,

etc, etc, vê-se então no artesanato uma possibilidade de melhoria para essas

comunidades, daí os projetos do SEBRAE, de incentivo as atividades artesanais em

localidades como essas. (...) E atividade artesanal é essa atividade que foi desenvolvida,

onde existe um objetivo específico que é gerar renda”.

Figura 20: Piso Loft do Show Room do SEBRAE decorado com peças do projeto “Arte que Vale” Fonte: Show Room SEBRAE

“Os artesãos-artistas fazem isso porque gostam, porque tem prazer nisso. Na

atividade artesanal, não há a escolha. Fazem isso para obter renda. O objetivo

do artesão é fazer o melhor possível, o objetivo da atividade artesanal é gerar

renda e está aí uma grande diferença”.

Manualidade: “Manualidade é quando você não transforma a sua matéria prima. Você

compra fio e faz crochê. Isso não é artesanato é manualidade.”

Page 44: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

45

Figura 21: Detalhe de acabamento em crochê para pano de prato. Trabalho desenvolvido sob consultoria de Renato Imbroisi, Santa Maria, DF, 2001

As distinções acima citadas são, na opinião de Christian Ullmann, cruciais para o

entendimento do tema. No entanto, seu parecer não é apresentado como verdade

absoluta, o mesmo acredita que existem diversas formas de se definir Artesanato e co-

relacionar essa atividade com o Design e essa variável age de acordo com a vertente

ideológica do questionado e daquilo que o mesmo interpreta como verdadeiro em torno

dos conceitos que tem conhecimento, uma forma de perceber esse fato é verificar a

opinião de Juliana Bertolini acerca das possíveis segmentações que o artesanato pode

ter: “Acredito que o que vem da matéria pronta também pode ser considerado artesanato

sim, porque quando a ”senhorinha “ compra o novelo de fio e transforma em uma toalha,

uma capa de almofada, a maneira como ela faz aquele ponto do bordado, do crochê, do

trançado, carrega de certa forma essas características culturais. Um ponto que ela

aprendeu com a mãe que aprendeu com a avó... Acho difícil e chato se limitar essas

definições, determinar onde começa e onde termina uma e outra atividade.”

Em reposta a questão: Qual o papel do designer nesse processo de intervenção,

Christian se posicionou da seguinte forma:

” (...) percebeu-se que a população de determinada terra, tem que se manter

nesta terra. Pois é ela que sabe como mexer com as matérias primas, com o

que lhe envolve, e se ela (população) não está lá, vêm os madeireiros,

garimpeiros e destroem tudo. Então a idéia é a de que o povo nativo fique em

sua propriedade, não a venda, e tire dela seu sustento, eles precisam viver da

terra, ela precisa ser lucrativa para eles. Ele vai vender madeira, mas desde

que seja trabalhada, vai vender óleo, mas desde que seja elaborado.

Page 45: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

46

Neste processo, percebeu-se que sobra muita coisa. O que fazer com o resto

da madeira? O resto de cascas e tal? Bem, percebeu-se que o trabalhador da

terra pode comercializar também este produto a fim de obter uma renda maior.

E o que é isso? Não á artesanato, não é design industrial. O que é isso?

Então é daí que surgem os grupos artesanais com o objetivo de geração de

renda. E porque chama o designer para fazer isso?

Bem, o artesão ensina uma técnica para outras pessoas de determinada

comunidade. O resultado são produtos muito bons, de muito boa qualidade,

mas que não encontra mercado. Não basta ter uma técnica. Daí chama-se o

designer que lhe imprime uma nova ótica àquele produto. Torna o produto mais

comercializável. E daí a imagem do designer.”

Para Juliana Bertolini, o papel do designer segue uma linha parecida com a citada por

Christian Ullmann: “O designer pode sim ajudar o artesão, a colocá-lo num nível mais

comercial porque essa atividade realmente carece de visões desse tipo, até por essa

relação que ele tem com a peça, de achar que é algo único, como um filho (...) a partir do

momento que a atividade for encarada como uma maneira de ganhar dinheiro, tem que

responder ao mercado de uma determinada forma e daí não tem jeito, tem que adotar

outros parâmetros. Alguns grupos têm dificuldade com criação, tem idéias não vendáveis,

do tipo muito carregada mesmo, tem que saber argumentar nesse sentido, explicar que

não vai vender que se for feito de uma forma diferente pode se tornar mais lucrativo.

Nesse instante o Designer está aplicando seus conhecimentos em prol daquela

comunidade, daquele grupo.”

Partindo desse âmbito do “papel do designer” no momento de uma intervenção direta em

uma comunidade, um nicho artesanal, surge a necessidade de questionar quais os limites

que devem ser respeitados quanto à alteração das técnicas e processos utilizados e

praticados pelos artesãos, até aonde se pode influenciar que mudanças radicais ocorram,

a ponto de descaracterizar a referência cultural e até folclórica que determinado grupo

mantém.

“Nas comunidades indígenas, por exemplo, nós (designers) precisamos deles e

não eles (índios) de nós. Que as pessoas entendam que o trabalho indígena é

aquele com sua técnica própria e aprimorada. Não é certo o designer intervir

Page 46: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

47

em 5.000 anos de cultura e dizer que as regras de padrão americano são “x”

por “y”, um padrão comercial.

O artesão é aquele que não se importa com o mercado, ele se importa com a

sua atividade

(...)

E quando o foco é o consumidor, entramos em um novo jogo e qual é o novo

jogo? Vender. Aí o designer não atrapalha o designer colabora. O artesão está

morrendo de fome então qualquer coisa ajuda. No vale do Jequitinhonha são

produzidas cumbucas para uso local. São muito frágeis e de difícil aceitação

em São Paulo, são difíceis de transportar e tal. Nesta hora o designer ajuda

para trazer soluções.

Mas isso acaba com a tradição local, mas é o que vende. Então nós

entendemos que se pode fazer isso na região urbana, mas não na comunidade

rural, porque é lá (na comunidade rural) que vai ser preservada a tradição.”

Pode-se perceber, que segundo o ponto de vista de Christian Ullmann, cabe também ao

Designer ter sensibilidade suficiente para manter-se inativo quando o foco de

transformação coloca em risco a perda de caracteres culturais e regionais, ou seja, a

intervenção do designer apresenta grande complexidade levando-se em conta que os

conhecimentos do Designer (sejam eles oferecidos para aplicação nas técnicas, na forma

de embalar e transportar, de finalizar os produtos) podem sim alterar ou dispersar valores

próprios de uma região ou comunidade, seria a chamada “intervenção predatória”.

Este tipo de intervenção “predatória”, ainda que parcial deve ser levada em conta. Os

fatos levam a crer que ela ocorre em sua grande maioria, porque algum órgão ou pessoa

enxerga aquela atividade (atividade artesanal) somente como uma fonte de renda,

exclusivamente, sem questionamentos mais profundos acerca de métodos e perdas

possíveis, como por exemplo, a alteração da técnica utilizada, a perda da identidade

daquela comunidade, etc.

De fato, é inquestionável que muitas vezes esse desenvolvimento para obtenção de

renda é favorável, uma vez que colabora com a qualidade de vida de pessoas carentes

que enfrentam dificuldades reais de sobrevivência, de falta de trabalho, mas vale levantar

Page 47: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

48

a discussão de em até que ponto é válido abrir mão da cultura, da preservação de ícones

e simbologias que promovem a história dessa região, dessa comunidade.

Então a idéia de Christian seria a de: “trabalhar com duas áreas de trabalho, uma rural

em que o artesanato é preservado. O cliente acaba chegando neste trabalho porque ele é

muito bom, mas não interfere diretamente nele. E a outra área comercial desenvolvida na

cidade em que se mantém o apelo da tradição. Se pega alguma coisa que tem um apelo

cultural/comercial e faz um processo industrializado, ou semi-industrializado”.

Dessa forma o que se entende, é que o Designer pode trazer para os grandes centros a

“idéia” e reproduzi-la de formas a torná-la comercializável ao invés de alterar o produto lá

onde ele se origina. Visto dessa forma, é possível encarar a “intervenção” como uma

iniciativa pacífica e não nociva. Ao mesmo tempo em que se mantém a pureza dos

processos e dos próprios objetos na fonte, consegue-se promover através do uso dessas

referências em produtos industrializados, a cultura, a tradição praticada e propagada ao

longo das gerações.

(Tânia): “O NIDA tem a proposta de questionar até que ponto o designer pode

interferir, em que tipo de artesão e em qual grupo. Mas saber se está certo ou

errado você só descobre ao final do projeto, quando você reavalia tudo que foi

feito. Depende muito do nível de instrução do grupo também”.

(Christian): “(...) a influência do designer começa logo quando ele chega na

comunidade pelo carro que você está, pela roupa que você usa, etc. Eles têm a

idéia de que o designer é uma pessoa bem sucedida...”

(Tânia): (sobre a influência do designer) “(...) analisar se esta é uma

interferência boa ou ruim pode até depender da ajuda de muitos assistentes

sociais (...)”.

(Christian): “(...) às vezes a boa intenção do designer não vale de nada, só

atrapalha, ele pode estar causando estragos em longo prazo, porque há a

homogeneização do trabalho deles (artesãos), padronização, significa que

daqui a 20, 30 anos todos farão a mesma coisa”.

Page 48: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

49

Outros cuidados a serem adotados no momento de uma intervenção, seriam com relação

à forma de abordagem a ser empregada pelo Designer, nas palavras de Christian: “E

neste sentido o trabalho do designer sempre vai ser difícil. Porque não se está indo numa

empresa onde as pessoas vão trabalhar porque querem. Está-se indo trabalhar num

grupo que tem condições mínimas, nem todos estão ali porque querem, então, é

complicado. (...) E o profissional que vai para lá (na comunidade), a instituição que vai

para lá vende para ele (artesão) uma estrutura de que a vida dele vai melhorar. Então o

cara não vai falar não, não obrigado eu não quero. (...) Nesse sentido, a interferência do

designer é muito perigosa, por menor que seja...”.

Para Juliana Bertolini, essa questão de limites também se apresenta de forma bastante

preocupante: “O papel do design no instante da intervenção deve ser o mais respeitoso

possível, sem alterar as técnicas originais e sabendo colocar para o artesão, o porquê

precisa melhorar em algum aspecto. (...) Ao mesmo tempo saber qual é a hora certa e a

necessidade de intervir desse ou daquele jeito (...) Saber como se envolver, como você

vai estimular, como impor limites e respeito, não colocar distâncias no relacionamento,

não pode se colocar como chefe, como alguém que sabe mais do que ele (o artesão), o

designer tem que colocar que sabe tanto quanto ele só que de coisas diferentes, uma

relação de troca realmente, porque as vezes ele como um prático pode solucionar

problemas do projeto que nem o designer mesmo tem noção.

Para resumir, precisa de muito bom senso para não desvirtuar formalmente o produto e a

relação que o artesão tem com material”.

Torna-se inevitável questionar ao longo de toda essa discussão, qual a necessidade

então de que haja essa intervenção, ou essa co-relação entre as duas atividades (Design

e Artesanato). Por que motivos o mercado Brasileiro se abriu de forma tão rápida para as

questões do artesanato?

Deixando-se de lado todos os aspectos já citados, que dizem respeito à geração de renda

para comunidades menos favorecidas e o âmbito mercadológico, pode-se ampliar o tema

para um aspecto de “Identidade para os produtos brasileiros”, conforme afirmação de

Tânia de Paula:

Page 49: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

50

“Na minha opinião é porque o produto brasileiro precisa de uma identidade, e

vem buscando essa identidade há muito tempo e não é uma identidade

industrial. E o designer? Bem quando eu saí da Universidade eu tinha uma

idéia de que o produto tinha que sair da máquina prontinho, com uma série de

pacotinhos, uma coisa Philip Stark. Minha formação foi para ser o Philip Stark,

o cara que é empregado de uma grande corporação ou de um escritório que

está em todos os lugares e é pago para desenhar produtos a serem produzidos

em grande escala, que em qualquer revista da área se encontra um produto

dele no mínimo.

(...)

Agora quem será o próximo Philip Stark se a indústria hoje copia os desenhos?

Porque ela (indústria) vai pagar para o designer royalties, se hoje ela pega e

copia um produto. E a realidade hoje. Assim como o Projeto Terra tem uma

realidade. O Brasil, a indústria tem a sua realidade. E o designer quando se

forma e se depara com essa realidade de que não será Philip Stark, sofre um

certo impacto, por sua própria formação.

(...)

O designer vai buscar a sua identidade, eu me lembro que eu estudei em Milão

nos anos 80, aonde eu encontrei Andrea Brandi, que é um arquiteto, um

estudioso no tema, e ele me dizia: “eu não entendo vocês brasileiros que vem

até aqui para fazer o que a gente faz, deviam vir até aqui para fazer o que

vocês fazem, mostrar quem vocês são, que cara vocês tem. Aprendam lá o que

eu quero ensinar para vocês aqui: A identidade das coisas.” Ele tinha um

espírito romântico, e trabalhava em cada aluno a sua própria identidade, que

vinha provavelmente de seu próprio país. Eles entendiam que isso ia diferenciar

um design do outro.”

A questão de proporcionar “brasilidade” aos produtos do design nacional é ponto pacífico

entre os designers entrevistados. Aparentemente existe uma necessidade do design

brasileiro agregar aos seus produtos caracteres que o permitam serem reconhecidos

visualmente em qualquer instante. A busca do diferencial pode se encontrar justamente

no momento em que se volta a questionar as próprias raízes, vide citação de Juliana

Bertolini: “O que é mais relevante pra mim é a questão de enxergar o próprio umbigo,

fazer o design de uma maneira brasileira, pensando em Brasil mesmo, tendo os pés no

Page 50: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

51

chão, estabelecendo uma relação com o material mais humana e a maneira de fazer com

alguma alma, que se coloque uma diferenciação que salte os olhos, que não se caia na

mesmice, sem deixar que a necessidade de solucionar um problema domine e não

permita que se faça DESIGN realmente, ou fazer de uma maneira menos relevante.

Descobrir maneiras novas para aplicar mesmo em busca dessa solução de problemas

(...)”.

Os pressupostos de agregar uma identidade cultural a produtos e serviços é uma

estratégia utilizada em vários países (Itália, França, México, entre outros) hoje. O Brasil,

por sua vez, tem uma identidade cultural rica, atestada por estudos intrínsecos à história

do Folclore Brasileiro, no entanto, pouco utilizada, pouco empregada seja para se fazer

negócios, seja na forma de se expor através da sua “arte”. Pode-se acreditar que ao

agregar valor aos produtos a partir de uma cultura local, oferece-se ao mesmo uma

autenticidade valiosa, de possível grande aceitação e admiração no expoente do design

mundial.

Percebe-se que o próprio mercado mundial, aposta no produto singular, único, exclusivo,

étnico através da utilização do design como valor e no Brasil, trata-se de uma ferramenta

ainda pouco utilizada talvez pelas dificuldades citadas pelos entrevistados, dificuldades

ao encontrar caminhos a serem seguidos, dificuldades de discernir as possibilidades ou

até mesmo de identificá-las, dificuldades de chegar a um consenso quanto às formas de

buscar as referências e de empregá-las corretamente.

Como colocar todas essas diretrizes em prática mostra-se ainda difícil.

Page 51: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

52

4.2 Organizações Não Governamentais (ONG’s)

Neste panorama da relação existente entre artesanato e design é importante conhecer

também o ponto de vista de entidades que também desenvolvem trabalhos junto às

comunidades de artesão, muitas vezes com a participação de designers e consultores.

Dentre estas entidades, podemos destacar as Organizações Não Governamentais, mais

conhecidas como ONG’s.

Na visão de Marcos D’Assunpção (profissional que atualmente desenvolve projetos junto

à ONG “Aldeia do Futuro” com cerca de 50 (cinqüenta) artesãs que produzem

principalmente artesanato têxtil) o trabalho artesanal desenvolvido pelas ONG’s junto a

comunidades carentes tem duas funções primordiais: a primeira é a função de inclusão

social; a segunda, e indissociável da primeira, é a função de geração de renda.

O artesão/artesã, via de regra, pertence a uma comunidade excluída comercial e

socialmente no ambiente urbano, que luta com dificuldades para viver. No caso de

Marcos D’Assunpção e da ONG “Aldeia do Futuro”, o trabalho é realizado com mulheres

carentes moradoras de centros urbanos, em que a vida muitas vezes se resume a:

pobreza, filhos, marido, violência e fome. É um universo fechado, estreito, feito de

privações em que não existe saída conhecida pela própria artesã. Na sua visão (da

artesã), tudo a sua volta nunca foi diferente e nunca será. Falta-lhe perspectiva de vida,

de mercado de trabalho, de inclusão no meio em que vive.

É nesse contexto que a ONG desenvolve o seu trabalho através do artesanato, o seu

papel tem início com o autodesenvolvimento da(o) artesã(o), há um trabalho de

sensibilização da pessoa que ao ter contato com cores novas, com formas novas,

imediatamente amplia seus horizontes. Em muitas vezes, essa maior sensibilização já é

suficiente para uma melhoria de vida, no entanto, em outros casos, há um outro aspecto,

a autodescoberta e transformação da artesã passam a ser tão profunda que ela passa a

ganhar novas perspectivas de vida, através do trabalho e da renda financeira.

Com este resgate de sua cidadania, a(o) artesão(ã) passa a ter uma nova visão da sua

realidade, desenvolve senso crítico e amplia seus horizontes.

Na visão da ONG não existe um foco exclusivo no produto, o objetivo primordial é o

resgate da dignidade humana, a inclusão social, tão distante daquela comunidade.

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53

E é justamente por isso, que no entender de Marcos D’Assunpção, os designers ainda

tem pouca contribuição quantitativa no âmbito de uma ONG posto que, hoje, a grande

massa de profissionais com formação acadêmica em design, possui uma visão mais

imediatista, ou seja, com foco principal no produto, o que lhe impede de ver o ponto de

vista do artesanato. Na opinião de Marcos D’Assunpção:

- Acho que a visão do designer está muito fechada ainda, muito focada no

produto, você desenvolve um produto, aquilo empolga, você dá de cara com os

opinion leaders, depois seu produto sai do mercado e você tem que se reciclar,

com o artesanato já é diferente, tem algo que fica além do produto, que é a

qualidade de vida daquela pessoa que você ajudou, você pode até colocar no

seu currículo, mas com classe, com categoria, mas é uma outra visão, menos

mercantilista, eu diria.

O designer pode intervir no contexto da ONG como alguém que abre portas, no sentido

de que disponibiliza uma nova concepção da realidade para aquelas pessoas pois a

artesã não tem uma realidade do mercado que é imprescindível ao seu desenvolvimento.

Neste papel, o designer pode contribuir de diversas formas:

Uma dos mecanismos de contribuição do designer é colocar um produto artesanal em um

processo de produção sem perder suas características artesanais. O designer é

responsável pelo “Industrianato”, que é justamente este processo de produção do

artesanato com destino comercial, ele (o designer) tem a função de criar um diferencial

competitivo no mercado além de seu aspecto manual, tem como objetivo aprimorar o

produto a fim de que ele seja competitivo perante o produto de massa, desenvolvido em

escala industrial. Nas palavras de Marcos D’Assunpção:

“No ponto de vista da ONG, o designer é visto como alguém que abre portas,

porque você está em contato com as pessoas, além de ser uma pessoa com

uma visão muito boa para a hora que esse artesanato passe a ter uma escala

“industrial”, uma escala um pouco maior que a artesanal. Esse é um grande

cuidado que a gente tem que ter para não perder as características de

artesanato e manualidade. O designer vai enxergar o que ela faz (artesã),

colocar aquilo numa certa forma de produção, mas sem alterar as

características originais.”

Page 53: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

54

Além disso, o designer tem também uma contribuição social, ao escutar a opinião da(o)

artesã(o), ele (o designer) dá visibilidade para a(o) artesã(o), que por seu turno percebe

que a sua voz também tem valor.

Há também a possibilidade de uma contribuição meramente comercial do designer, onde

não há tanto envolvimento social do profissional, mas que também tem seu valor por

atingir o aspecto de sustentabilidade econômica da ONG e de determinado projeto.

Conforme nos esclarece o professor Marcos D’Assunpção:

“- Tem certas vezes que a intervenção do designer pode ser vista claramente

como comercial, o cara que chega lá e consegue enxergar como o cara do

mercado, mas tem muitos casos de free lancer que a gente recebe, são

pessoas independentes que criam algum produto para produzi-lo, isso é legal,

muito embora exista o distanciamento da relação entre o artesão e o designer.”

A inter relação entre o designer e o(a) artesã(o) é uma via de mão dupla pois enquanto o

designer colabora com o artesão, o artesão colabora com o designer. A troca de

experiências ocorre em vários aspectos: há trocas de vivência e conhecimentos sejam

eles técnicos quanto práticos.

A vivência do artesão contribui para maior sensibilização e humanização do trabalho do

designer, e o trabalho do designer contribui para uma maior comercialização e divulgação

do trabalho do artesão. No final deste relacionamento, tem-se um produto cujo maior

valor é o seu aspecto intangível.

Aspecto Intangível no sentido de não material, isto é, em todo produto comercializado e

produzido com a participação do designer e da ONG, existe todo um processo de

valorização do homem, é o contexto histórico de onde surgiu a idéia e o produto. O que

se vende não é somente um produto, é uma história:

- Intangibilidade: da mesma forma que você tem o trabalho, quando você vai a um banco,

você está sendo atendido por um serviço, aquilo é uma coisa intangível, você recebe o

trabalho, naquele momento você reage ao resultado e fica feliz ou não. No trabalho social

é mais ou menos assim, quando o designer chega e começa a fazer aquele trabalho não

é em si a peça que ele produziu que é o resultado da transformação, e sim o processo

Page 54: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

55

que aquilo aconteceu, tem que ser encarado como algo intangível e que vai demorar um

tempo para chegar lá, e qual é o resultado?

O designer enriquece e viabiliza este processo, ele é uma ferramenta que auxiliar a ONG

em seu trabalho de resgate da dignidade (cultura, tradição, costumes, respeito, inclusão

social, informação) do homem carente que se torna um artesão.

Hoje, pode-se dizer que foi perdida aquela visão romântica de que uma ONG poderia

obter vantagens no mercado somente em razão de seu aspecto social. A demanda a ser

atingida é exigente e criteriosa de modo que requer da produção artesanal desenvolvida

pela ONG o mesmo padrão de procedimento adotado numa indústria comum: qualidade

no produto e atendimento a prazos de entrega. Neste contexto, o processo de gestão da

produção artesanal também ganhou “ares mais capitalistas” com o desenvolvimento de

conceitos como custos, margem de lucro, cotação de matéria prima.

A primeira vista pode parecer simples, mas não é. Não se trata simplesmente de

industrializar o artesanato. Trata-se de tornar viável a sua comercialização no mercado

consumidor. O “industrianato” não se confunde com uma indústria propriamente dita

justamente porque o artesanato não pode ser encarado como uma produção mecânica,

em escala industrial. Na visão da ONG, o valor do artesanato não está na produção em

escala, e sim, na produção individualizada, na ONG, o maior valor é o homem.

O designer é o elemento que soma a sensibilidade e perspectiva do artesão à sua (do

designer) experiência de mercado para a obtenção de um produto final.

Na visão de Marcos D’Assunpção, o artesanato hoje está globalizado, mas o mais

importante é não se perder o conceito de manualidade. Um exemplo desta globalização é

o caso de um projeto de artesanato desenvolvido na Favela da Rocinha, Rio de Janeiro,

em que um grupo de artesãs se reuniu e organizou uma cooperativa para produção de

peças de vestuário. Hoje este grupo, que pode ser considerado um modelo de

organização, sem perder as características de seus produtos os negocia

internacionalmente, realiza intercâmbio com estudantes de diversos países, é auto-

sustentável.

A auto-sustentabilidade é o aspecto que fecha esse ciclo da ONG em uma comunidade. É

de suma importância de que a comunidade tenha possa auto gerar se, no sentido de

Page 55: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

56

tornar-se independente das pessoas que inicialmente organizam/estruturam um projeto

como por exemplo, professores, designers, assistentes sociais. É importante que as(os)

próprias(os) artesãs(ões) sejam capazes de desenvolver, produzir e comercializar seus

produtos, e assim continuem a alterar a sua realidade sem a intervenção de qualquer

terceiro.

Segundo Marcos D’Assunpção:

“- Palavras básicas na ONG: transformação social, autonomia e criticidade, elas

tem que ter capacidade para ter criticidade, ela tem que ter um

desenvolvimento social que ela possa melhorar a vida dela e que termina na

autonomia, não pode ficar dependente de mais nada para viver.”

Figura 22: Almofadas produzidas em amarradinho pela ONG Aldeia do Futuro

Fonte: http://www.mundareu.org.br/produtos.php?id=13

Page 56: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

57

4.3 Visão Acadêmica

Considera-se que o ponto de vista acadêmico seja de essencial importância para a

discussão do tema, pois é na Universidade que o profissional forma os seus primeiros

conceitos sobre design e toma consciência de sua relevância social.

Na análise sobre o tema “design e artesanato” sob o foco acadêmico foi entrevistado:

- Professor Eugênio Ruiz – coordenador do curso de Desenho Industrial, na área de

Projeto do Produto, da Universidade Presbiteriana Mackenzie; Chefe de departamento.

Na visão deste profissional o conceito de design de produto está intrinsecamente ligado à

idéia de produção industrial, e desta forma, totalmente dissociada da idéia de artesanato.

Também com relação ao artesanato, o conceito formado acerca do termo está ligado à

produção de produtos utilitários com uma carga histórica, ligada às tradições locais, em

específico fora dos centros urbanos.

Nas palavras de Eugênio:

“Eu não considero como atividade artesanal, aquele tipo de trabalho

desenvolvido com garrafas de PET, retalhos de costura, etc. No meu conceito,

artesanato é uma atividade que está mais voltada para tradição, aquilo que é

passado de geração pra geração dentro de uma comunidade que é tradicional.

Pra ficar bem claro, aquele grupo, aquela comunidade que extrai a matéria

prima, que elabora o trançado, monta uma peça utilitária, faz um pote de barro,

esse tipo de atividade a priore está muito mais ligado ao repertório cultural.

Quando se fala de uma atividade de uma ONG urbana, que pega restos de

uma tecelagem e desenvolve uma colcha de retalhos, isso no meu ver não

pode ser considerado artesanato, não tem cultura, não tem referências. Eu

considero isso daí “reciclagem”, ou qualquer outra nome que se possa dar, mas

não artesanato, justamente por não se tratar de uma técnica passada para ela.”

Neste sentido, subentende-se que não existe relação direta entre artesanato brasileiro e

design. Há o entendimento de que estes conceitos são de certa forma, antagônicos por

se tratarem de modelos de produção opostos.

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58

No entanto, a influência de um conceito sobre o outro pode, de fato, ocorrer, tanto do lado

do designer para com o artesanato e vice-versa. No entanto, estas influências são

estreitas e limitadas.

Considerando a influência do artesanato sobre o design, o artesanato poderá servir de

inspiração para o desenvolvimento de alguma linha de produto, de forma conceitual, a fim

de agregar valor no sentido de criar um diferencial ao produto, conforme esclarece

Eugênio Ruiz:

“Eu acho que as pessoas buscam hoje um produto que tenha uma

personalidade própria e o artesanato pode transmitir essa linguagem, então

voltando ao tema, ao questionamento inicial, acho sim que a possibilidade

exista, uma vez que o designer, o profissional, busque referências artesanais

para empregar no processo industrial. Isso sim é cabível no Design, essa

sacada do “resgate” já valoriza o produto.”

Por outro lado, o design sobre o artesanato pode contribuir com uma visão comercial do

produto, nas palavras de Eugênio:

“Comercialmente eu considero válida a intervenção do designer numa atividade

artesanal, por tratar-se de um profissional que carrega uma visão de mercado,

que acompanha o ciclo de um comércio, é fácil para ele chegar e definir quais

as melhores formas de desenvolver o produto, de fazer com que esse produto

se torne comercializável. Agora até que ponto esse tipo de intervenção é válido

para a comunidade que preserva e carrega as tradições na confecção dos

produtos.”

Com base nas afirmações, pode-se considerar então que apesar de na opinião de

Eugênio Ruiz ainda não haver uma relação definida entre design e artesanato, a

possibilidade existe e em dois âmbitos, como a busca de um diferencial para os produtos

brasileiros e como o auxílio do designer em meio à produção artesanal.

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59

No entanto, entende-se nesse instante que uma atividade e outra não devem ultrapassar

seus limites de atuação, um designer para continuar a ser designer, deve manter suas

intenções voltadas para a produção industrial buscando talvez inspiração e diferencial em

produtos artesanais para aplicar em produtos a serem desenvolvidos em massa ou

colaborando com o artesão ao sugerir diferentes noções seja de mercado ou mesmo de

processo para sua atividade.

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4.4 Visão do SEBRAE

O programa SEBRAE de artesanato existe em todos os estados da federação, no entanto

é desenvolvido de forma diversa em cada um deles. A principal experiência abordada

nesta pesquisa é a do Estado de São Paulo, onde o SEBRAE atua em 75 grupos de

artesanato que desenvolvem trabalhos com os mais diversos materiais (cerâmicas,

sementes, fibras e demais matérias – primas).

O Programa de artesanato do SEBRAE - São Paulo – Programa ARTE QUE VALE,

denominado a partir de agora como SEBRAE, tem como objetivo capacitar os grupos de

artesãos para que estes consigam chegar ao mercado de trabalho, e neste sentido,

organizar um grupo de pessoas a fim de que atendam as necessidades de demanda que

o mercado atacadista exige, tais como: volume razoável de produtividade, qualidade

constante e respeito a prazos de entrega.

O pontapé inicial de organização destes grupos pode acontecer de duas formas: (i) a

partir de uma iniciativa da própria comunidade que pode surgir por meio do prefeito, por

meio de algum líder local que entra em contato com o SEBRAE e apresenta sua proposta

(descreve os produtos e técnicas da região); (ii) a partir de uma iniciativa do próprio

SEBRAE, que pesquisa e identifica potencialidades em alguma localidade.

Dado este primeiro passo, é feita uma análise do grupo ou do trabalho daquela

determinada região “(...)identifica-se uma técnica artesanal, importante dizer que se filtra

tudo aquilo que é artesanato , aquilo que é trabalho manual, dado o momento que essa

técnica é identificada com a ajuda da comunidade, porque em momento nenhum o

SEBRAE chega e determinada a técnica que será desenvolvida(...)”, conforme descreve o

Coordenador Estadual do Programa de artesanato do SEBRAE - São Paulo – Programa

ARTE QUE VALE, Roberto Mauro Santos.

Identificada a potencialidade de determinada região, o grupo formado em média por 20

(vinte) pessoas passa por um programa que inclui 3 (três) fases: (i) primeira fase:

informação e formação do grupo; (ii) segunda fase: formação (capacitação

comportamental, técnica, gerencial e de design; (iii) terceira fase: divulgação do produto.

Page 60: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

61

Na primeira fase é um panorama sobre a atitude empreendedora dentro do mercado,

noções gerais sobre como atuar em mercado, postura empresarial, etc. Tudo adequado à

realidade local.

Na segunda fase existe um aprofundamento do que foi abordado na primeira fase só que

desta vez em quatro frentes que podem ser descritas da seguinte maneira: fase 2.1 –

capacitação comportamental, ou seja, aprender e valorizar o trabalho em grupo; fase 2.2.

– capacitação técnica que tem como objetivo nivelar a produção artesanal de

determinada região, neste ponto, o SEBRAE ressalta que não é ele que ensina, e muito

menos impõe determinada técnica, ele nivela os artesãos para que o grupo torne-se mais

homogêneo, inclusive para fins de produção; fase 2.3 – capacitação gerencial: onde o

objetivo é transmitir o conhecimento de gestão de negócios àquela comunidade. Neste

aspecto vale abrir um precioso parêntese: a grande maioria dos artesãos não tem um

nível de conhecimento técnico que lhes habilite a entender os termos de mercado, muitas

vezes são pessoas analfabetas ou de baixo nível escolar, assim, o SEBRAE transformou

estes cursos em uma linguagem simplificada para que todos os envolvidos nos projetos

tivessem acesso àquelas informações, assim, “(...) Marketing virou – conhecendo melhor

o mercado de artesanato; Formação de preço e fluxo de caixa virou – Como controlar

entrada e saída de dinheiro e como fazer preço e Qualidade total virou – Qualidade para

o artesão(...)”, por fim existe a fase 2.4 – oficina com os Designers que doravante será

melhor explorada.

Na terceira fase há a divulgação dos produtos pelo SEBRAE através da participação em

eventos, exposições, toda e qualquer atuação comercial que o SEBRAE promova.

A intenção final do SEBRAE é dar autonomia ao grupo para que estes sigam por conta

própria, tornem-se auto suficientes. Daí é que surgem as primeiras e cruciais perguntas a

serem trabalhadas, até que ponto o grupo de artesão pode seguir sozinhos? Nas palavras

de Roberto Mauro Santos:

“O que se percebe pela experiência é que ao longo do tempo eles apresentam

muita dificuldade de criar, de inovar e isso para nós ainda é um ponto de

interrogação, até que ponto isso é benéfico de insistir de repente na oficina

de design. Dentro de 6 meses esses produtos tem que ser renovados, senão

não se consegue mais atrair os lojistas se eles não criarem, a gente vai ter que

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62

contar mais uma vez com uma oficina de design, só que de outro lado o que

acontece? Quando se propõe a oficina para o grupo, de maneira inconsciente

não verbal, está-se dizendo para ele que eles não tem capacidade de

criação, vocês não conseguem criar sozinho, e esse público é

particularmente fragilizado, imagina que são semi-analfabetos, que não tem

recursos, que trocam produtos por um quilo de arroz e por aí vai. Reforçar isso

neles, mesmo que você não diga, não importa, mas de certa forma eles estão

entendendo isso, e a única coisa que eles achavam que tinham como

diferencial era a suposta capacidade criativa, então se insiste

reiteradamente nas oficinas é como se você estivesse negando a eles a

única coisa que acreditava ter valor que é a capacidade de criar, gera um

instrumento na verdade que vira uma muleta, ele pode começar a achar

que então para criar, se o design não participar com ele não vai

conseguir. Isso é um processo então de experiência mesmo, é para mim

existe um ponto de interrogação, não sei até que limite isso ajuda, até que

limite isso atrapalha, porque não quero que o grupo se torne dependente,

justamente eu quero que ele seja capaz de se virar.”

Trata-se, portanto, de um processo complexo, no sentido de envolver vários fatores. De

um lado, há a postura do próprio artesão que não entende a necessidade de renovação

constante de produtos e de outro temos o aspecto de valorização do próprio artesão.

O ponto é: conceitualmente o Brasil tem um grande potencial de produção (o brasileiro

tem uma carga histórica rica e que lhe é peculiar, o brasileiro tem criatividade, tem

beleza), mas isso é pouco explorado pelo artesão, e por isso deve e pode ser trabalhado

pelo artesanato, e isso não vai causar qualquer demérito para o que já foi feito.

Em um primeiro momento, é importante fazer o artesão entender que em termos de

produtos, não se aplica aquele velho ditado popular: “em time que está ganhando não se

mexe”. Mexe-se sim, é preciso sempre mexer e mudar, coisa que existe num conceito de

produção industrial, senão o seu produto perde valor, pois o mercado consumidor destes

produtos demanda este tipo de mudança.

Então, entendido que o artesão precisa desenvolver sempre novos produtos, é preciso

que ele descubra onde buscar referências para a sua criação, e nesse ponto é preciso

Page 62: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

63

valorizar o próprio brasileiro e sua cultura. O povo brasileiro tem desde sua formação a

tendência de adotar conceitos estrangeiros para se auto classificar, ou seja, o brasileiro

médio tem como conceito de cultura o equivalente a instrução acadêmica e de

conhecimentos globais. Tem cultura o homem que estudou que lê, escreve, conhece

outros países, lugares, este homem é o ápice da pirâmide cultural brasileira, é o

intelectual.

E isso é tomado como dogma pelo artesão que se menospreza por não ter escolaridade,

por não sair de seu estado, de sua cidade, e isso reflete em seu trabalho, pois o artesão

tende a tomar como referência de qualidade também o que já foi criado. E qual a

novidade nisso? Nenhuma.

Assim, o bom passa a ser o que está na televisão, pois ele (artesão) tem a idéia de que

como um analfabeto não pode propor nada melhor do que é dito na televisão por pessoas

cheias de “cultura e conhecimento”. Não se trata de dar uma visão romântica do artesão,

na verdade, isso é reflexo de sua própria pobreza, material e formativa. E esse quadro

precisa ser revertido.

É preciso reverter o preconceito de que o trabalho artesanal produzido no interior paulista

não pode ter a mesma sofisticação e valor agregados de um produto japonês ou

americano. Na visão do SEBRAE, o Brasil e o brasileiro têm passado por um processo de

transformação e de “despreconceituação” muito grande, e isso só tem a enriquecer e

agregar valor aos nossos produtos.

Nas palavras de Roberto Santos:

“A Itália hoje é referência no Design não é a toa, é justamente porque ela

aprendeu que o seu processo industrial seria valorizado pela diferenciação do

artesanal. A gente não precisa buscar de fora, uma vez eu fiquei indignado com

um trabalho do SEBRAE, havia a intenção de criar um programa que não

avançou, chamava A CARA BRASILEIRA e que era um amplo debate com

pensadores e formadores de opinião para justamente tentar definir qual era a

“cara brasileira” e uma das pessoas convidadas era um Italiano, o Domenico de

Mazi, eu pensei, puxa, precisa trazer um Italiano pra discutir Brasilidade???

Absurdo isso, está se afirmando mais uma vez que a gente não tem

Page 63: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

64

antropólogo, a gente não tem sociólogo, a gente não tem pensador aqui e que

precisa trazer de fora??? Então o papel da faculdade é fundamental, não só na

questão do artesanato, mas na questão do resgate da auto-estima da

população Brasileira. “

Neste sentido, ele destaca o papel social das Universidades como centros de formação

de opiniões e como um meio essencial para a abertura de horizontes dentro do Brasil:

“Eu acho que o maior papel da Universidade é justamente o de limpar essa

sujeira toda, esse processo de preconceito histórico, de segregação e de

desvalorização. Isso se torna um problema que é nefasto não só do ponto de

vista da produção artesanal, isso tem um efeito devastador na auto-estima das

pessoas, de toda uma população”.

O primeiro curso que nós aplicamos, que era piloto por ser a primeira vez que

estávamos fazendo aquilo num grupo formado por pessoas simples, até

algumas analfabetas. Então estávamos em um salão no meio do BNH na zona

rural de Iguape, que foi o primeiro grupo que nós atendemos, aí quando

acabaram-se os cursos e todo curso tem uma avaliação dos participantes no

final, pedimos então para aquelas pessoas avaliarem o que tinham aprendido,

sentido com o curso. De umas 30 pessoas, umas 15 apenas sabiam escrever e

escreviam para as outras, diria que uns 90% colocaram como observação na

avaliação, que estavam emocionadas com o respeito com que elas tinham sido

tratadas. Sabe o que isso significa? Que normalmente essas pessoas não são

respeitadas. Quer dizer, é a pessoa, o individuo que não é respeitado, ela é

tratada como um pano de chão, um nada, ela é “pobre” e ponto. Então, a

faculdade tem um papel fundamental para levantar esse debate, de

ensinar a dar valor para a nossas coisas, de ensinar a ajudar a construir

uma identidade própria Brasileira, Paulistana, valores de uma sociedade

tão perdida, tão achacada, tão desvalorizada a ponto das pessoas não

olharem mais para a sua realidade. “

Page 64: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

65

Neste contexto de mudança de mentalidade e descoberta da cultura brasileira, além do

respeito e valorização do trabalho do artesão, um segundo e importante aspecto é o de

observar e respeitar a evolução da própria técnica artesanal em si:

“Está tramitando no congresso nacional, uma lei de regulamentação da

atividade artesanal, porque ela ainda não é regulamentada. Então, eu fiz duras

críticas, o projeto em si estava razoavelmente bem escrito, mas lá estava mais

uma vez escrito assim: “do artesanato tradicional”, aí eu rasguei o verbo de

novo, disse: Acho que o termo deveria ser retirado porque parte do principio

que o conceito de tradição é muito cristalizado, como algo que não muda e isso

significa o seguinte basicamente, que a mulher faz o trabalho acocorada e

depois fica corcunda, tem que deixar, que a inalação daquele negócio lá da

fibra faz mal, deixa morrer de tuberculose, porque não pode mudar. O Museu

ele tem um papel fundamental que é salva guarda, se você quer ver o

produto como ele era nos primórdios, o papel do museu é esse, guardar

nossa memória. Mas daí você exigir do Mestre Vitalino e dos

descendentes do Mestre Vitalino que a vida inteira eles façam cangaceiros

é absurdo. Onde tem hoje em dia cangaceiro no Brasil??? É uma maldição?

Vocês imaginam a vida de vocês, alguém dizer vocês vão ter que desenhar e

moda a vida inteira um elemento que não faz parte da vida de vocês para o

resto da vida??? É demais não é? Então a cultura não é um elemento

cristalizado, é um elemento em constante evolução, ela muda, ela se

altera, ela evolui e ao museu cabe o papel de guardar isso e às pessoas

cabe o papel de viverem a sua própria cultura, como ela é e não como se

gostaria que fosse, até porque o discurso hoje do intelectual é algo meio

assim: Eu gosto de uma coisa assim bem rústica, bem mal acabada que fica

assim com cara de artesanato. Com cara de artesanato porque quem morre de

fome é o artesão e não ele.”

E o designer atua de duas formas principais neste segmento da cultura brasileira

representado pelo artesanato: (i) através de atuação direta junto aos grupos de

artesanato sugerindo tendências, indicando aspectos comerciais dos produtos a serem

postos no mercado; e (ii) buscando referências no artesanato para a sua própria

produção industrial.

Page 65: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

66

“O Designer pode então desempenhar dois papéis distintos no âmbito do

artesanato, são dois ângulos diferentes, um que é a atuação direta com o grupo

no intuito de ampliar aquele linha de saber fazer, de produção sem

descaracterizar, ajudando a comunidade a se tornar sustentável, não

transformando o design numa muleta, mas sim num elemento de inovação que

o grupo aprenda, que sozinho depois inova, dando dicas: Olha vocês podem

usar essas sementes, essas plantinhas, vocês podem usar os azulejos lá da

catedral, etc, etc e depois eles continuem a buscar essas referências na própria

localidade. Dizer que o jogo americano segue um padrão de tamanho

específico que se não seguir isso, o mercado não absorve o produto, a loja não

compra mas tudo isso tem uma lógica, em suma esse papel de mostrar como o

mercado funciona, as referências os padrões, como o processo criativo

funciona, como se pode diferenciar e inovar sem descaracterizar. E tem

também o lado de o designer trabalhar buscando as referências do artesanato

para melhorar os processos industriais que tem muito a prender ainda com o

artesanato e passar a ter produtos que tenham geo-referências. Uma coisa de

olhar para a peça e saber que aquela peça foi feita em algum lugar, e não que

ela pode ter sido produzida na Suécia, na África ou então na Austrália, é

enxergar um diferencial no produto, ampliar as possibilidades da industria.”

No entanto, a intervenção do designer, deve ser feita de uma forma delicada, estudada e

bem planejada, retoma-se a questão das oficinas de design utilizadas no SEBRAE. É

importante que o designer entenda que o saber é do grupo, que é ele, o artesão que

domina a técnica de trabalho. O maior valor a ser agregado ao produto é o artesão, e não

do designer, tanto é assim, que no SEBRAE, a autoria do produto é do grupo, e não do

designer.

Diante do exposto, conclui-se que há dois objetivos a serem atingidos pelo SEBRAE: o

primeiro e imediato que é o de promover a melhoria sócio-econômica de determinada

comunidade carente por meio da prática de um artesanato auto-sustentável; e o segundo,

em longo prazo, porém não menos importante, é o de regate da cultura brasileira e

melhoria da auto-estima do povo brasileiro através de apresentação de novos conceitos e

redefinições de valores.

Page 66: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

67

Nestes dois objetivos o designer e o design desempenham papéis fundamentais, seja

como instrumento de auxilio e viabilidade do desenvolvimento de uma comunidade de

artesão, no primeiro objetivo supra, seja como ente formador de opinião e influenciador

social, no segundo objetivo.

Figura 23: Artesanato em trançado estrela da região de São José do Rio Preto - SP Fonte: Catálogo SEBRAE – Arte que Vale

Figura 24: Artesanato em capim amargoso da região de Cajobi – SP

Fonte: Catálogo SEBRAE – Arte que Vale

Page 67: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

68

Figura 25: Produtos em trançado de Taboa da região de Cananéia – SP

Fonte: Catálogo SEBRAE – Arte que Vale

Page 68: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

69

5 - CONCLUSÃO

No início da pesquisa não havia uma idéia precisa dos possíveis resultados a serem

encontrados. A princípio, o objetivo era identificar e tomar conhecimento de algumas

restrições e possibilidades do relacionamento entre design e artesanato, com foco na

exploração do artesanato pelo designer como fonte de referência para os seus futuros

trabalhos.

No entanto, diante das pesquisas realizadas, constatou-se que na relação entre design e

artesanato não existe uma via única, ela comporta diversas oportunidades, sendo errônea

a visão de que a ligação entre uma atividade e outra (artesanato e design) só pode

acontecer unilateralmente.

Além da busca de referências do designer no artesanato, a outra mão desta relação, ou

seja, do artesanato utilizar-se da assessoria do designer para se desenvolver, também é

muito rica e viável.

Hoje existem várias visões de abordagem das atividades de design e artesanato, dentre

estas visões destacam-se diversos posicionamentos: dos designers que já desenvolvem

trabalhos relacionados a artesanato, dos profissionais que influenciam o meio acadêmico,

das Organizações não Governamentais (ONG’s), de entidades ligadas ao empresariado

(o SEBRAE).

Neste sentido, no presente trabalho foram entrevistados profissionais que atuam em cada

um desses segmentos. Ressalta-se que por sua vez, as conclusões e opiniões destes

profissionais não representam uma unanimidade, sendo que podem existir outras

correntes em cada um desses setores que não foram ora abordadas.

Os designers entrevistados que já atuam com o artesanato (designer–artesão), quando

questionados sobre definições para artesanato e design, mostraram claramente dúvidas e

um certo receio em restringir suas idéias a um conceito fechado. Para os mesmos, tal

tarefa mostra-se incorreta e até mesmo desleal, uma vez que defendem a idéia de que

tanto o design como o artesanato, são atividades que em momento algum podem sugerir

limites de atuação. Esses profissionais em específico, ainda buscam limiares e respostas

para tais questões, por atuarem diretamente nesse meio, por ousarem experimentar e até

mesmo discutir as possibilidades de uma relação possível entre as atividades, temem

gerar uma fronteira com conceitos ainda pouco fundamentados (uma vez que o tema não

foi debatido o suficiente – segundo suas palavras) e impedir que o processo exploratório

Page 69: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

70

cesse ou mesmo seja lidado com premissas falsas por assim dizer. Novas possibilidades

devem ser descobertas e essa é a afirmação mais relevante em nossa opinião.

No que se refere à visão acadêmica, é preciso salientar, que o embasamento do tópico

nesse estudo é dado a partir da postura de uma única instituição (Universidade

Presbiteriana Mackenzie), não se pode de fato assegurar que tantas outras instituições

assumam postura idêntica no que tange o trato com o assunto.

Hoje a universidade busca oferecer a formação de um profissional mais voltado para a

área industrial, talvez dando uma maior importância para quesitos técnicos. Não se afirma

nesse momento que tal conduta apresente um grau de negatividade, muito

contrariamente, mas por acreditar que nesse momento, o mercado de trabalho sugere

uma busca por novidades e diferenciais, quanto mais opções de atuação forem

apresentadas, mais possibilidades de êxito profissional são geradas.

Tal olhar não sugere uma postura crítica, mas sim sugestiva, de fato precisa-se encarar o

design como uma atividade que como tantas outras, sofre influências do meio que por

sua vez, sofre mutações constantes. É preciso acompanhar de forma produtiva esses

processos, e mais, é preciso assumir um papel inquisidor diante de tantas mudanças, são

os questionamentos e as discussões que levam ao entendimento e a evolução.

Na visão da ONG, tanto o artesanato quanto o design são instrumentos que atuam dentro

de um contexto muito maior. A atuação da ONG tem como objetivo principal o resgate da

dignidade humana e neste sentido utiliza-se do artesanato como meio no trabalho com

comunidades carentes, no contexto desta atuação, o designer atua como um elemento

contribuinte que agrega valor aos produtos desenvolvidos e viabiliza a sua

comercialização. Assim, na visão da ONG, design e artesanato andam juntos no sentido

de auxiliarem a melhoria do homem num contexto social.

Outro ponto de vista relevante é o do SEBRAE, entidade ligada ao empresariado e que

atualmente desenvolve projetos junto ao artesanato. Em sua atuação, o SEBRAE observa

o design e o artesanato como elementos complementares. Há o desenvolvimento da

atividade artesanal junto a uma comunidade para fins de resgate da cultura local e

desenvolvimento da região. Neste processo, em determinado momento, há a interferência

do design a fim de melhor explorar uma determinada técnica existente, aprimorar os

produtos a ser produzido, dar-lhes maior aceitabilidade no mercado, enfim, o design, mais

Page 70: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

71

do que meramente contribuir, é um elemento essencial que vem para, de fato,

complementar todo um processo em desenvolvimento.

Dos posicionamentos apresentados cada qual dentro de seu próprio entendimento acerca

do tema, a interação entre artesanato e design é possível e viável desde que feita de

forma consciente.

O artesanato é, e sempre será, uma forma de manifestação cultural do homem de raízes

brasileiras, é aí que se encontra a sua maior riqueza, na expressão do homem, na sua

identidade. E nessa forma de manifestação cultural, o artesanato não necessariamente

deve estar ligado ao passado, pois afinal, o homem também se manifesta no presente, ou

seja, o homem pode hoje dar início a uma nova tradição de trabalho artesanal. No papel

de conservação da memória do povo, os museus desempenham seu papel, enquanto que

ao artesão cabe desenvolver seu trabalho e apresentar a sua voz.

Também ligado à produção de produtos de consumo, assim como o artesanato, o design

também é meio de expressão do homem, e por isso precisa de uma identidade.

No produto a ser desenvolvido por determinada pessoa há toda uma carga histórica e

cultural depositada. O projetista de uma linha de louça inspira-se em diversos fatores,

sejam eles: históricos, de formação técnica e pessoal, assim, aquele produto tem a sua

“marca”.

E qual a marca do design brasileiro?

No início deste trabalho, tratou-se da globalização e de seu reflexo nos produtos

desejados pelos consumidores. Na sociedade massificada, existe a incessante busca

pela diferença. O homem quer destacar-se do todo, e essa necessidade reflete quando se

fala em agregar valor a produtos de consumo. O bem deve representar alguma coisa (um

estilo de vida, uma idéia, um conceito).

Um dos diferenciais que podem ser apresentados pelos produtos brasileiros é a sua

identidade, aquilo que só um brasileiro pode ter, e neste sentido, o artesanato tem muito a

contribuir. Como manifestação genuína do povo brasileiro, das raízes brasileiras, o

artesanato deve ser tomado como referencial para o trabalho do designer.

Isso não quer dizer que o design deve restringir-se ao artesanato, o ponto é que o design

pode e deve buscar referências no artesanato como uma das formas de expressar o

Page 71: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

72

sentimento do povo brasileiro, e assim também se diferenciar no contexto mundial,

apresentando valor agregado aos produtos.

Os caminhos da identidade do design brasileiro continuam em aberto e em constante

discussão, a influência do artesanato com certeza é um dos elementos a ser considerado

pelos profissionais da área no desenvolvimento de seus produtos.

Page 72: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

73

ANEXO A – Questionário para as entrevistas Nome: Idade:

Área de Atuação: Tipo de Mercado:

Empresa: Tempo de atuação no Mercado:

Já realizou trabalho com artesãos: Quando: Quais:

1 – Qual o seu entendimento acerca de artesanato e atividades artesanais? 2 – No atual panorama você consegue identificar alguma relação entre o Design e Artesanato Brasileiro? 2.1 Se sim, é possível exemplificar através de algum produto ou caso? 2.2 Se não, por que? Você entende que há possibilidade dessa relação ser estabelecida algum dia? 3 – Através de que iniciativas e processos o Design pode(rá) estabelecer uma relação (por exemplo, de troca de referências e influências) efetiva com o Artesanato? 4 – Existe uma real relevância ou interesse por parte dos Designers de quê esse tipo de interação ocorra? Por que? 5 – Como você encara a intervenção do design em processos artesanais? 6 – É possível perceber esse tipo de intervenção como um fator positivo ou negativo? Em quê aspectos? 7 – Quais devem ser os limites e responsabilidades de um designer frente a uma demanda de intervenção em um segmento artesanal? 8 – Como criar um diferencial qualitativo ou um diferencial comercial para os produtos artesanais, de formas a valorizá-los no mercado preservando suas características de origem e diferenças regionais? 9 – Você acredita que o estudo desse tema seja relevante? 10 – Gostaria de fazer alguma outra consideração com relação ao assunto?

Page 73: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

74

ANEXO B – Entrevista com Christian Ullmann e Tânia de Paula – Oficina Nômade.

(Christian) - A Oficina Nômade é um projeto. Um projeto que começou há 4 anos, que desenvolvemos

juntos, Tânia e eu, os dois somos desenhistas industriais, eu sou formado em Buenos Aires, Argentina,

Tânia se formou na Mackenzie, e é um projeto de desenvolvimento de produtos junto com comunidades

artesanais.

- O Oficina Nômade começou na Amazônia, onde eu conheci a Tânia, e cresceu para o Brasil. 80% do

projeto continua sendo na Amazônia, trabalhando nos nove estados e algumas coisas acontecem fora da

Amazônia, no Brasil. O escritório de desenvolvimento que nós temos é a empresa IT-Projetos que também

começou 4 anos atrás em 2001, e em função desse projeto, “Oficina Nômade”, começa a ter uma

repercussão maior.

- Nossa linha de trabalho está direcionada para a linha artesanal, nós somos profissionais reconhecidos por

trabalhar junto com comunidades e saber muito da Amazônia, algumas pessoas que exageram falam que

somos especialistas na Amazônia.

- Eu comecei com um trabalho de madeira no LPS (Laboratório de Produtos Florestais) do IBAMA, em

1996, e aí que comecei a conhecer de recursos naturais do Brasil, o IBAMA me levou para a Amazônia e

comecei a entender a realidade, daí o prazer de fazer esse trabalho, e de lá para cá desenvolvemos uns

projetos juntos, somos conhecidos por isso e as empresas que nos procuram estão muito relacionadas com

isso. Porém, como nós moramos em São Paulo, no meio dessa grande cidade, há 2 anos começou nossa

curiosidade por entender outros materiais e outra realidade, então, hoje, o projeto Oficina Nômade e a

empresa IT-Projetos estão tentando conquistar novos mercados abrindo essa possibilidade em São Paulo,

e na Amazônia se trabalha com recursos naturais e em São Paulo , em grandes cidades, tentamos

trabalhar com resíduos industriais ou resíduos urbanos, que é matéria prima que as comunidades ou os

grupos de catadores têm mais na mão, e quando há alguma empresa que nos procura tentamos levar todo

esse conhecimento, que é o diferencial que temos na mão, para essas empresas, então hoje estamos

desenvolvendo um sabonete líquido para uma empresa de...

(Tânia) – Sabonetes industriais né?

(Christian) – É uma empresa que desenvolve, que comercializa produtos para limpeza industrial, então eles

fazem a limpeza do Banco Real. O que do Banco Real? Do prédio e das sedes do Banco Real, então eles

equipam o banheiro deles, fazem manutenção do banheiro, limpam os lobs de entrada, todos os

corredores, então eles têm produtos específicos para estas áreas de grande tráfego, e eles também são

contra a utilização de químicos. Então tem uma cera de origem natural que tem uma durabilidade de 2

anos, e aí surgiu a idéia de desenvolver, para os banheiros da diretoria, um sabonete líquido chique, tudo

bem, então vamos trabalhar com a matéria-prima amazônica, quais são as possibilidades? Óleos

essenciais. Muito bem, vamos trabalhar com esses óleos, porém que não seja qualquer óleo, tem que ser

um óleo fornecido por uma comunidade com selo FCC. O cara topou e há seis meses estamos brigando

Page 74: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

75

para que isso aconteça, porque não é fácil, escolhemos caminhos quase que impossíveis. A coisa está

caminhando muito devagar, porém está caminhando, e como é um produto que não vai ter grande saída, a

empresa está aceitando essa demora e esse prazo a mais. Isso é o que estamos tentando hoje, trazer para

realidade nossa, do dia-a-dia, estes conhecimentos essas informações amazônicas.

(Tânia) – Esse é um exemplo que serve pro produto também né? Porque isso é um produto, não é um

objeto, é um sabonete, que não é a embalagem do sabonete, é o próprio sabonete, mas isso acontece em

todos os outros relacionamentos, se você quer usar um acessório, ou se você quer usar um componente

que venha da comunidade, isso acontece com todos os produtos, porque o mercado é muito diferente, a

expectativa do mercado urbano, aqui, nosso e das empresas é muito diferente da realidade, do dia-a-dia,

da produção, com é encarada a produção artesanal, então acho que essa é a questão que vocês querem

realmente discutir, e são mundos completamente diferentes, são expectativas, são horários, são hábitos do

trabalhador, não é um trabalhador, ele é artesão, são coisas diferentes.

(Christian) – Quanto mais se distancia das capitais, mais marcada é essa diferença. Uma coisa é você

trabalhar com uma cooperativa de catadores de lixo daqui do Sumaré, outra com alguma de periferia, outra

quando você vai para o interior, outra quando você vai para outro estado, cada vez você vê que a diferença

é mais complicada, que talvez seja uma grande diferença de quando você fala do design e do artesanato,

qual a dificuldade do design e do artesanato, o designer trabalha na empresa, tradicionalmente, em uma

carreira muito jovem, de 50 anos; artesanato, uma atividade praticada fora dos grandes centros urbanos, no

entanto, a realidade brasileira nos levou a enxergar o artesanato, também, como um mercado para o

design, que bom que isso surja porque abre uma nova área de design. Tudo começou quando o artesanato

virou moda, antes disso o público consumidor não se interessava, ninguém procurava profissionais como

nós, hoje você encontra uma série de pequenas lojinhas que comercializam objetos artesanais, isso para

nós é bom, porque acaba fixando mais uma área de atuação que nos reconheça como especialistas.

- Antes de chegar nesse ponto de reconhecimento, que já é uma conseqüência a discussão parte para

questões como o artesanato com a influência do design deixou de ser artesanato? Design é o quê? É

Design Industrial, aquilo que é produzido industrialmente, em escala seja ela grande ou pequena? Se você

parte desse princípio, não há como fazer um link entre o artesanato e o Design. Hoje em dia, no entanto,

tudo virou Design, design da roupa, do cabelo, de móveis, enfim, então acho que surge aí uma necessidade

de se criar uma nova designação para essa interação que existe entre o Artesanato e o Design e passa-se

a crer que Design não é mais uma atividade unicamente industrial. O uso indevido do termo Design também

gera uma discussão, considera-se que há uma banalização do mesmo, a pessoa que produz móveis se

intitula designer de móveis, mesmo sem ter a formação, nesse caso ele deveria ser um fabricante e não um

designer, mas socialmente é um bom cartão de visitas você se dizer designer de alguma coisa, por isso de

repente a necessidade de você começar a dar nomes específicos as atividades para não gerar confusão,

nesse caso em específico talvez uma denominação de Designer de Produtos artesanais (?). Porque não

seria um designer só por trabalhar com esse tipo de atividade artesanal?

Page 75: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

76

- Uma coisa é o artesão que trabalha individualmente, de forma isolada que é um artista, que faz um a um

que demora pra terminar uma peça, esse é um artesão porque não está no mundo das artes plásticas, ele

poderia ser um artista num outro momento, nesse caso não adianta o designer ir lá e por a mão no produto

dele, mas de repente o designer pode ir lá para ajudá-lo a resolver um problema de queima, de técnica, de

embalagem. Mas o designer não pode chegar e “mudar” o produto do artesão, porque esse produto carrega

características únicas, culturais que não devem ser alteradas, o que ele pode fazer através da bagagem

que traz com a própria formação acadêmica, é ajudar na resolução de problemas específicos, como

técnicas e uso correto de materiais. O que se faz inicialmente é um apanhado geral da situação e em

seguida um estudo de possíveis melhorias que beneficiariam esse artesão.

(Tânia) - O que acontece também, é que de uns tempos para cá, percebeu-se que o artesanato é uma

atividade que tem plenas condições de gerar renda, em regiões com população carente, com pouco

trabalho, onde a lavoura não dá mais, etc, etc, etc, vê-se então no artesanato uma possibilidade de

melhoria para essas comunidades, daí os projetos do sebrae, de incentivo as atividades artesanais em

localidades como essas.

(Christian) - Um exemplo, em uma determinada região descobriu-se que, grande parte das mulheres,

dominava a técnica do fuxico, alguém chegou e disse, bom então vamos organizar uma empresa disso,

uma reunião de mulheres capazes de produzir peças na técnica do fuxico, você percebe que não é uma

atividade que carrega uma carga cultural, não, simplesmente tem o domínio de uma técnica, mas são

desprovidas de um potencial criativo, capaz de inventar novos produtos através da técnica, passariam a

vida produzindo uma capa de almofada, e elas continuam a fazer isso para o resto da vida. O ponto é que

isso vendeu bem o primeiro mês, o segundo, depois não vendeu mais, então se necessita de uma geração

de renda, pois o projeto como um todo precisa ter uma renda, precisa ser objetivo que é a conta de

dinheiro. Por isso é preciso ter uma diferença, as coisas precisam ser nomeadas melhor, o artesão é o

artista isolado, que faz aquele trabalho. Isso é uma coisa. Ele é tão artista quanto o designer, ele tem o

trabalho dele e é daquilo que ele vai viver.

(Tânia) - Os trabalhos são valorizados em todos os casos, a ARTESOL é o projeto que foca mais no

objetivo de descobrir o artesão real, e a influência dos designers na ARTESOL é menos de desenvolver

produtos e mais se envolver nos projetos de logística, de moda, de imagem, até. E como o designer pode

colaborar como artista? Realmente dá “uma cara” ele tem um nome, o produto é bem apresentado, ele

agrega mais valor a um produto que já é bom.

- Precisamos entender que não são os artesãos, o grupo que está no mesmo nível sócio cultural que nós

designer que estudamos trinta anos de nossa vida, eles sempre estão em um nível sócio cultural abaixo de

nós.

- É o que diferencia o artista plástico que tem uma formação doutrinária.

Page 76: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

77

- Sim, e porque somos (designers) contratados para trabalharmos como artistas plásticos? Porque temos o

mesmo nível sócio-cultural, tudo o que eles podem fazer, nós podemos fazer também. Não precisa de

nosso trabalho específico, que nós temos esta possibilidade de estudo, formação e temos como opção de

fazermos isso.

- Voltando aos grupos que se uniram para produzir renda, que são chamados de artesãos porque trabalham

de forma artesanal só por isso.

- Mas o que é o artesanato e o que é o artesão?

- O artesão é profissão e o artesanato é a atividade, por que? Porque entrou na moda. Daí você tem várias

classificações de manualidade. Se você for procurar é como o design. O design é tudo [visto como um todo]

e o artesanato é tudo, mas aí você vai ver, tem o (design) tradicional, a manualidade.

- O que é manualidade?

- Manualidade é quando você não transforma a sua matéria-prima. Você compra fio e faz crochê. Isso não é

artesanato é manualidade. Mas a questão é muito discutida. Tem o SEBRAE que pode te dar uma

definição de artesanato melhor.

(Christian) - O SEBRAE desenvolve projetos com artesãos, grupos artesanais que não necessariamente

precisam ter tradição, grupos inventados para gerar renda. Via de regra eles localizam um artesão que tem

uma técnica local, uma tradição local e fazem uma repartição do conhecimento e ensinam isso para mais

20 pessoas que não necessariamente fazem aquilo, gostam daquilo ou optaram por fazer aquilo, mas

precisam fazer aquilo porque precisam ganhar dinheiro. Se isso dá certo ou não, este ponto não está em

foco.

- O SEBRAE é uma empresa que foi contratada para desenvolver um trabalho, um produto e não tem, no

seu âmago, esta concepção de arte, e por conta disso enfrenta os problemas de um processo de produção.

Ele (SEBRAE) trabalha o artesanato como uma forma de renda.

- Trabalho com o GOVERNO e com a ONG1, o projeto do SEBRAE (governo) tem muito mais um aspecto

social do que ambiental. Na ONG a idéia é muito mais de ambiental, ou seja, gerar renda e manter o

homem na terra, auxiliá-lo a manusear de forma adequada sua matéria-prima, seja castanha, seja óleo. Sair

com o produto da terra já trabalhado, para que eles possam vender mais e ganhar mais dinheiro com os

produtos realizados e se manterem lá. Os jovens via de regra saem da terra. O problema é que quem

compra, compra barato para vender caro.

- Mas o foco não é este, a princípio não se faz artesanato para vender. É considerado artesanato aquilo que

tem utilidade. O cesto, a cumbuca, o arco são utensílios de uso corrente. Em uma comunidade, se eu tenho

uma maior habilidade e faço um arco mais bonito, mais trabalhado, as pessoas passam a querer o meu

18

ONG – Organização não Governamental

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78

arco, pois os meus arcos funcionam e daí o que acontece, começa a haver uma troca entre o produtor de

farinha e o produtor de arco.

- Assim, primeiro para uso próprio e depois para comercializar. O artesanato era assim, depois veio o

artista, e tal.

- Mas voltando a questão ambiental, percebeu-se que a população de determinada terra, tem que se

manter nesta terra. Pois é ela que sabe como mexer com as matérias-primas, com o que lhe envolve, e se

ela (população) não está aí vêm os madeireiros, garimpeiros e destroem tudo. Então a idéia é a de que o

povo nativo fique em sua propriedade, não a venda, e tire dela seu sustento, eles precisam viver da terra,

ela precisa ser lucrativa para eles. Ele vai vender madeira, mas desde que seja trabalhada, vai vender óleo,

mas desde que seja elaborado.

- Neste processo, percebeu-se que sobra muita coisa. O que fazer com o resto da madeira? O resto de

cascas e tal? Bem, percebeu-se que o trabalhador da terra pode comercializar também este produto a fim

de obter uma renda maior. E o que é isso? Não á artesanato, não é design industrial. O que é isso?

- Então é daí que surgem os grupos artesanais com o objetivo de geração de renda. E por que chama o

designer para fazer isso?

- Bem, o artesão ensina uma técnica para outras pessoas de determinada comunidade. O resultado são

produtos muito bons, de muito boa qualidade, mas que não encontra mercado. Não basta ter uma técnica.

Daí chama-se o designer que lhe imprime uma nova ótica àquele produto. Torna o produto mais

comercializável. E daí imagem do designer. O designer é o “cara” fútil. Que muitas vezes é incompreendido

pelo próprio artesão local.

(Tânia) - Um caso concreto é o que ocorreu com a exploração do capim-dourado. Existe a matéria prima, foi

estudada por alguns designers, houve a aceitação do mercado, iniciou-se a produção, mas não foi realizado

um estudo de capacidade produtiva, de forma sustentável de extração. As pessoas queriam o chapéu do

capim dourado, mas na falta dele o artesão pegava um outro capim, que não era aceito. E essa não

aceitação não é entendida pelo artesão local. É difícil para o artesão entender que o bonito é o capim

dourado. Uma boa comunicação é muito difícil. Eles não entendem, pois os valores são outros.

- A grande dificuldade desses projetos é que o designer é o último a chegar, mas a responsabilidade é dele,

se o produto não é aceito, não dá certo, a responsabilidade é o designer.

- Então há que ponderar diversos fatores: desde a obtenção da matéria-prima até a durabilidade do produto

final. O consumidor está acostumado com um produto que é lavável, que se enquadre no seu dia-a-dia. No

caso do capim-dourado. Nada de fibra natural poderá ser lavado, por exemplo, e isso é uma outra

dificuldade.

Page 78: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

79

(Christian) - Então voltamos a primeira pergunta. A diferença de artesanato e atividade artesanal.

Artesanato é aquilo que podemos chamar de artistas por que? Porque é um cara que fica sozinho, que

detém um conhecimento e uma habilidade transmitida de gerações em gerações e vende. Um pouco

melhor um pouco pior, mas vende por conta dele. E atividade artesanal é essa atividade que foi

desenvolvida onde existe um objetivo específico que foi gerar renda.

- Os artesãos-artista fazem isso porque gostam, porque tem prazer nisso. Na atividade artesanal, não há a

escolha. Fazem isso para obter renda. O objetivo do artesão é fazer o melhor possível, o objetivo da

atividade artesanal é gerar renda e está aí uma grande diferença.

- Foi criada uma nova área comercial. Uma nova área para a nossa atividade, nós somos bons consultores

e vamos contribuir com a atividade artesanal, e não com o artesanato. O designer vai virar artesão. Nas

comunidades indígenas, por exemplo, nós (designers) precisamos deles e não eles (índios) de nós. Que as

mulheres entendam que o trabalho indígena é aquele com sua técnica própria e aprimorada. Não é certo o

designer intervir em 5.000 anos de cultura e dizer que as regras de padrão americano são “x” por “y”, um

padrão comercial.

- O artesão é aquele que não se importa com o mercado, ele se importa com a sua atividade. A partir do

momento em que o artesão se rende às regras do jogo (e a maioria acaba cedendo), eu já deixo de

considerar um artesão e passo a considerar uma atividade artesanal.

- E quando o foco é o consumidor, entramos em um novo jogo e qual é o novo jogo? Vender. Aí o designer

não atrapalha o designer colabora. O artesão está morrendo de fome então qualquer coisa ajuda. No vale

do Jequitinhonha são produzidas cumbucas para uso local. São muito frágeis e de difícil aceitação em São

Paulo, são difíceis de transportar e tal. Nesta hora o designer ajuda para trazer soluções. Mas isso acaba

com a tradição local, mas é o que vende. Então nós entendemos que você pode fazer isso na região

urbana, mas não na comunidade rural, porque é lá (na comunidade rural) que vai ser preservada a tradição.

- Então a nossa idéia é trabalhar com duas áreas, uma rural, em que o artesanato é preservado. O cliente

acaba chegando neste trabalho porque ele e muito bom, mas não interfere diretamente nele, e outra, a área

comercial, desenvolvida na cidade em que mantém-se o apelo da tradição. Você pega alguma coisa que

tem um apelo cultural/comercial e faz um processo industrializado, ou semi-industrializado. Por exemplo,

compra-se um forno industrializado, que não necessariamente é o da região e produz isso em grande

quantidade, compra-se um barro, que em geral também não é da região para se dar menos problema.

(Tânia) - O problema é que você acha que muitas pessoas acham que isso é arte ou artesão. Mas isso não

é arte coisa nenhuma. Criou-se alguma coisa a partir de algum valor cultural tradicional. Está errado ou está

certo? Não tem como avaliar isso. Não se pode avaliar isso.

Page 79: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

80

- Se você for considerar o artesanato como uma coisa pura, você poderá considerar isso tudo um lixo e

ninguém pode mais interferir em nada. Até mesmo a apresentação do trabalho tem que ficar por conta do

artesão.

- Se numa comunidade carente de tudo, crianças produzem um objeto que tem potencial comercial, em

tese estas crianças não podem trabalhar, porque são crianças. Mas se fazer um brinquedo por dia resolve

alguma coisa, quem vai julgar? Não cabe ao designer julgar. Depende do ponto de vista. E neste sentido o

trabalho do designer sempre vai ser difícil. Porque você não está indo numa empresa onde as pessoas vão

trabalhar porque querem. Você está indo trabalhar num grupo que tem condições mínimas, nem todos

estão ali porque querem, então, é complicado. O profissional que vai para lá (na comunidade), a instituição

que vai para lá vende para ele (artesão) uma estrutura de que a vida dele vai melhorar. Então o cara não

vai falar não, não obrigado eu não quero.

(Christian) - A idéia é você levar um cara lá e dizer: Olha, eu vou trazer um cara lindo e maravilhoso aqui

que vai te ensinar a fazer objetos lindos e maravilhosos que vão vender um monte numa loja porque eu já

fui lá e vi que vende. Não tem como o artesão dizer não. E ainda tem o seguinte: se ele participa do projeto,

ele ganha transporte grátis, ganha ajuda de custo, lanche, enfim, não tem como recusar. Nesse sentido, a

interferência do designer é muito perigosa, por menor que seja, mas isso é histórico, desde 1500 com a

chegada dos portugueses no Brasil isso acontece, de uma forma diferente, mas acontece.

- A diferença é de que hoje ninguém está mal intencionado, no sentido dos portugueses de querer comprar

e tirar tudo o que for possível do índio. Hoje, a princípio não tem isso, mas a relação é a mesma porque a

gente chega com uma série de informações, a gente conhece o mundo e você está apresentando para ele

que ele desconhece. Muitas lojas ainda nos procuram atrás de um produto, mas as condições que a loja

necessita para comercializar este produto são, ainda, muito incompatíveis com a realidade do artesão.

- É uma necessidade, eles sabem que vendem um produto que custa X, no Brasil custa X, e o mercado vai

pagar X, os problemas entre a loja e o artesão, são em grande parte intermediados pelo designer. Vai

chegar num caminho, estamos caminhando para um meio termo, mas quem vai julgar? O designer? O

lojista? Bem, se você perguntar para o comerciante ele vai te dar uma visão de um cara que tem uma loja

no shopping caro que tem uma sacola que custa 8 reais.

- É um mercado que se abriu muito rápido. E por que isso? Por que a questão do artesanato vem se

expandindo a cada dia? E por que no Brasil?

(Tânia) - Na minha opinião é porque o produto brasileiro precisa de uma identidade, e vem buscando essa

identidade há muito tempo, e não é uma identidade industrial. E o designer? Bem quando eu saí do

Mackenzie, eu tinha uma idéia de que o produto tinha que sair da máquina prontinho, com uma série de

plastiquinhos, uma coisa Philip Stark. Minha formação foi para ser o Philip Stark, o cara que é empregado

de uma grande corporação ou de um escritório que está em todos os lugares e é pago para desenhar

Page 80: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

81

produtos a serem produzidos em grande escala, que em qualquer revista você encontra um produto dele no

mínimo.

- Agora quem será o próximo Philip Stark se a indústria, hoje, copia os desenhos? Porque ela (indústria) vai

pagar para você hoje, pagar royalties, se hoje ela pega e copia um produto. É a realidade hoje. Assim como

o projeto terra tem uma realidade. O Brasil, a indústria, tem a sua realidade. E o designer quando se forma

e se depara com essa realidade de que não serão Philip Stark, sofre um certo impacto, por sua própria

formação.

- No caso de design automobilístico. O desenho de determinada curva pode até ser desenvolvido por um

brasileiro, mas o conceito é de fora. Eu trabalhei um pouco com moda e mudou um pouco minha visão das

coisas. Tem um pouco de preconceito porque o designer era visto como uma coisa inútil e fútil.

- E, na minha época, a moda era vista como o ápice da futilidade. E na verdade a moda, no Brasil, é um

evento muito interessante. É um mercado que cresceu bastante, que se desenvolveu e é uma das

empresas que mais fatura, não sei, enfim, e como na moda tudo é muito rápido, a questão da identidade é

bastante latente, a busca dos estilistas é muito interessante, porque eles tem que se renovar muito, e

sempre, e eles estão sempre procurando uma identidade para eles mesmos.

- Hoje a moda é ter uma customização na roupa. E essa forma de moda, de certo modo, é uma busca de

identidade. Não é a mais perfeita, mas é uma busca de identidade. E isso é muito interessante.

(Christian) - Só que a moda é muito rápida. Corta e costura, no processo de produtos as coisas são mais

longas. Demandam mais tempo.

(Tania) - Mas o processo é muito parecido, você pode sempre analisar o que acontece e como aconteceu,

guardadas as devidas proporções. O designer vai buscar a sua identidade, eu me lembro que eu estudei

em Milão nos anos 80, aonde eu encontrei Andrea Brandi, que é um arquiteto, um estudioso no tema, e ele

me dizia: “eu não entendo vocês brasileiros que vem até aqui para fazer o que a gente faz, vocês deviam vir

até aqui para fazer o que vocês fazem, quem vocês são, que cara vocês tem. Aprendam lá o que eu quero

ensinar para vocês aqui. A identidade das coisas”. Ele tinha um espírito romântico, e trabalhava em cada

aluno a sua própria identidade, que vinha provavelmente de seu próprio país. Eles entendiam que isso ia

diferenciar um design do outro.

(Christian) - Imagina-se que o Brasil é o país da Amazônia e tal, na verdade nós somos mais um país

exótico dentro do cenário europeu. E alguns são melhores e outros piores. E como diferenciá-los. Os

melhores serão aqueles que tem mais estrutura comercial, industrial, de “chegada”. Os asiáticos estão 50

anos antecipados nesta história, na nossa frente, porque eles têm muitos anos de experiência no comércio

na nossa frente com comércio de supérfluos.

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(Christian) - Na verdade não é supérfluo no sentido pejorativo, com as comunidades fazemos qualquer

coisa, o que dá para fazer, tem que ser um produto simples, sem tecnologia, porque não tem, e de rápida

saída e de um custo razoavelmente baixo.

(Tânia) - E por conta disso, nós designers, passamos por uma crise nossa, da intermediação, porque

chegamos em uma comunidade e constatamos que eles (artesãos) não precisam disso tudo. Na verdade

na visão do artesão ele precisa porque eles querem ser iguais às coisas moderninhas que aparecem na

Rede Globo, engraçado, quando mais “no mato” você se enfia, mais parecem as meninas da globo.

(Christian) - Numa cidade de 3 quarteirões todas as pessoas tem celular, num lugar onde gritando nos

comunicamos melhor. Nós, os urbanos, colocamos na cabeça do povo que na vida é essencial um celular.

Então ele precisa vender algo para comprar os supérfluo.

(Tânia) - Sim, porque muitas vezes não é fome. Na Amazônia onde temos mais experiência. Não vi

nenhuma criança desnutrida, não é bem pobreza. Aos nossos olhos parece pobreza, porque moram em

casas de madeira, dormem em redes, enfim, mas parece que a definição de pobreza não é essa. É fome

mesmo, é a falta de coisas básicas. Começamos a ver isso e a nossa relação com o artesão é muito

conflitante. E isso em qualquer lugar, na Amazônia e no interior de São Paulo. Falar de Benedixt, de Gabriel

Monteiro da Silva é um mundo à parte. Barueri, que é o último local onde desenvolvemos um trabalho, o

ponto mais sofisticado é Jaú.

(Christian) - Então quando você fala que através de uma iniciativa se processa uma relação, por exemplo,

uma troca/ transferência, sim, existe, mas somente do artesão para o designer e nunca do designer para o

artesão, porque ele não entende do que você fala. Pois não tem capacidade de entender, tem até o

segundo grau, não tiveram condições.

(Tânia) - Essa é a grande diferença que tem que se conseguir nomear, o que é o artesanato e o que é a

atividade artesanal. E o que aconteceu e porque aconteceu entre o artesanato e a atividade artesanal, e o

que aconteceu para que um fosse modificado até chegar-se no outro. Todas as dificuldades, todos os

problemas que foram enfrentados.

(Tânia) - O artesanato tem que ter origem, tem que ter tradição está sempre, ou na maioria das vezes,

ligado a objetos utilitários, mas não se desconsidera um trabalho artesanal que não seja útil.

(Christian) - Existem três coisas distintas, o artesanato, a atividade artesanal e o design. É o nó (mostra

uma toalha feita de nós) delas (artesãs), com a técnica delas com um material diferente, com uma técnica

aprimorada, para deixar rígido, para fazer uma coisa nova. Nós fazermos um paninho quadrado não é

design, é adaptação para o mercado.

Page 82: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

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(Christian) (comentando sobre as rendeiras) - Elas (artesãs) não são artesãs tradicionais, elas são um

grupo que está se transformando numa associação que é o caminho burocraticamente mais curto e qual a

idéia do SEBRAE? É de que elas venham a se tornar pequenas empresas. Então assim, como nós

entendemos que ela irá realizar um bom negócio? Não é vender no interior, um bom negócio é que uma

BENEDIXT encomendasse delas alguns trabalhos, que elas trabalhassem por encomenda. Então é que

uma empresa grande lhes encomende uma toalha grande, bordada. Ainda é bonito, as pessoas gostam

disso, procura-se uma identidade, existem as rendas do ceará, isso é brasileiro. Então quanto mais se

estuda isso, mais se passa a respeitar, as pessoas gostam disso, o que tentamos fazer é transformar,

adaptar o artesanato em um produto comercial.

(Tânia) (sobre o NIDA) - Tem a proposta de questionar até que ponto o designer pode interferir, em que tipo

de artesão e em qual grupo. Mas saber se está certo ou errado você só descobre ao final do projeto,

quando você reavalia tudo que foi feito. Depende muito do nível de instrução do grupo

(Christian) - A influência do designer começa logo quando ele chega na comunidade pelo carro que você

está, pela roupa que você usa, etc., eles têm a idéia de que o designer é uma pessoa bem sucedida...

(Tânia) (sobre a influência do designer) - Analisar se esta é uma interferência boa ou ruim pode até

depender da ajuda de muitos assistentes sociais

(Christian) - Às vezes a boa intenção do designer não vale de nada, só atrapalha, ele pode estar causando

estragos em longo prazo, porque há a homogeneização do trabalho deles (artesãos), padronização,

significa que daqui a 20, 30 anos todos farão a mesma coisa.

(Tânia) (sobre o artesanato de uma determinada indígena) - Uma senhora indígena em Iguape fazia

panelas de barro artesanais, com formato e desenhos indígenas e a nossa intenção era de fazer testes

misturando a cerâmica dela com cipó e fibras da região, então essa senhora desenvolveu uns pratos, que

acabaram quebrando, pois o forno era somente para fazer panelas (pois era do que ela precisava), os que

sobraram estavam trincados. Mesmo assim nós pegamos o trançado de um outro grupo, porque a idéia era

de juntar dois grupos distintos no mesmo trabalho, e colocamos no prato indígena, mas no final do projeto,

quando fomos escolher com quais grupos trabalharíamos, achei melhor não trabalhar com ela, porque o

trabalho dela já era tão bonito, tão cheio de identidade e cultura que era melhor não interferir. Nós fomos

visitar um museu indígena na região e vimos que aquele trabalho era feito a mais de 500 anos daquele

jeito, então não tinha por que querer mudar, se você começa a mexer, alisar, tirar detalhes, dar importância

pro produto de uma outra forma, já não é mais o produto original, com a carga cultural e identidade.

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ANEXO C – Entrevista com Juliana Bertolini

O sebrae defende uma coisa, de que artesanato é quando o artesão faz todo o processo, ele extrai a

matéria prima da natureza ele viabiliza a matéria para ela ser empregada e ele desenvolve o produto final.

Isso já distingue, já determina alguma coisa do que a gente tem como artesanato por aí e de uns tempos

pra cá a gente deleta, passa a não reconhecer mais dessa forma, tipo comprar peças prontas e pintar,

encher de glíter, enfim, isso já se destaca um pouco e de fato tem uma relação com essas técnicas

ancestrais, coisas que foram adquiridas com a colonização e tal. No Brasil as raízes (vertentes) são muitas,

acho que até mesmo por isso é difícil identificar no design brasileiro exatamente como o artesanato

interfere, até por uma falta de familiarização com os ícones, por exemplo, no México ou qualquer outro país

Latino que tem uma raiz indígena muito forte, de certa forma única, é muito mais claro se perceber tanto no

design gráfico como no design de produto, que as questões de origem estão muito mais enraizadas nas

vidas das pessoas do que aqui.

O eu acho que falta para o artesanato brasileiro, é sair desse nível de tapetinho que a tia comprou na feira

tal, o objeto que viu na lojinha da ONG, enfim... Falta sair desse patamar e gerar uma coisa que você vê

numa loja de design cara, mas de uma forma natural, não como uma peça: olha artesanato... Ele já vem

com um adjetivo mais pejorativo, é frágil, é barato... Em tese essa relação é um pouco cultural...

A segmentação dos ramos do artesanato:

Acredito que o que vem da matéria pronta também pode ser considerado artesanato sim, porque quando a

tiazinha compra lá o novelo e transforma em uma toalha, uma capa de almofada, a maneira como ela faz

aquele ponto do bordado, do crochê, carrega de certa forma essas características culturais. Um ponto que

ela aprendeu com a mãe que aprendeu com a avó... Acho difícil e chato a gente limitar essas definições,

determinar onde começa e onde termina uma e outra atividade. O mais legal disso, que é uma coisa

importante para o design nesse âmbito artesanal, é a relação que o artesão tem com o produto que ele

desenvolve e que o designer muitas vezes perde justamente pela questão oposta que é a indústria. O

artesão tem uma relação quase afetiva em transformar a matéria que é uma relação que o designer

esquece um pouco e que tem muito a aprender com essa visão, por isso é legal ter essas discussões sobre

as possíveis relações entre design e artesanato, acho que de certa forma a troca pode ser recíproca.

O designer pode sim ajudar o artesão, a colocá-lo num nível mais comercial porque essa atividade

realmente carece de visões desse tipo, até por essa relação que ele tem com a peça, de achar que algo

único, como um filho, que ele não consegue fazer outra igual, enfim, ele até consegue, mas se colocar isso

como uma meta, se mostra pra ele como uma visão quase louca.

Tem algumas atividades dentro do design, que apresentam sim esse tipo de relação mais emotiva com a

matéria e com a peça, o Mauricio Azevedo, por exemplo, é um designer que trabalha com madeira e ele

estabelece essa coisa de saber esperar a madeira chegar no momento certo, saber o quanto vais inchar,

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85

etc. Os móveis dele são verdadeiras obras de arte e isso talvez derive dessa entrega no momento da

confecção do produto, da transformação.

Eu acho que dentro do design existe espaço para estabelecer diferentes formas e níveis de interação,

quando se trata de confecção artesanal artística e industrial. O próprio Mauricio Azevedo consegue

estabelecer a produção de alguns itens seus em escala (50 peças, por exemplo). Você pode ter escalas

menores e escalas maiores, você vai ter produtos especiais em escalas menores com preços mais

elevados e você vai ter produtos baratos, feitos de maneira mais fácil, com material de fácil acesso

produzido em escala industrial. O que eu acho que seria interessante era o designer tentar transpor para

essa escala industrial um pouquinho dessa maneira de pensar da escala artesanal, um toquinho a mais que

se perde muito facilmente no âmbito da produção em série.

O design não pode ficar viciado nele mesmo, isso é um erro. Se você for desenhar uma cadeira, ficar

olhando para todas as cadeiras que existem pra se inspirar é um erro. Você pode sim lançar um olhar para

coisas similares, mas tentar buscar referencias que possam ajudar a alcançar aquilo que você deseja

despertar com seu produto. De repente buscar no artesanato uma forma, um trançado pode ser um

caminho. Artesanato é realmente uma fonte grande tanto metodologicamente, como plasticamente, enfim,

tudo.

Acredito que seja possível, o designer buscar essa referencia, pode ser inspirar em determinadas técnicas

enfim, sem nenhum tipo de intervenção. Não vai ser a mesma coisa que intervir na forma como o artesão

faz, e sim dar um diferencial para o seu produto.

Viver do artesanato no Brasil é complicado. Se bem que cada lugar tem uma realidade. O fazer da industria

brasileira tinha muito a aprender com o artesanato e o artesão, até mesmo por essa falta a falta de

elasticidade de pensamento. Você pede pra uma pessoa que costura calçados, fazer uma coisa um

pouquinho diferente, é uma dificuldade enorme, e isso é muitas vezes falta da habilidade prática que é falta

de informação, de formação específica que é um problema que a indústria brasileira em geral sofre. E

quando o cara é muito bom o cara é artista, então essa habilidade prática para esse tipo de campo que é

tão importante para o design é que faz a diferença, seja para uma empresa grande ou para uma empresa

pequena, mas principalmente nas pequenas.

Quando o próprio designer tem essa habilidade prática, essa coisa de por a mão no material, saber

reconhecer e distinguir isso dá uma luz para o design, consegue através de uma habilidade prática

desenvolver um projeto. Manipular material eu acho muito útil, falando dessa relação que a prática tem com

o material, é um processo de desenvolvimento de projeto muito interessante, o designer no sentido de fazer

design tem muito ainda a aprender. Porque quando você pega num projeto que está rabiscando,

descartando e relevando essa ou aquela idéia, então me deixa começar a trançar que quem sabe daí surge

uma grande idéia, a gente pode ter não só na questão visual, estética e formal, mas mesmo na questão

ergonômica, se consegue definir um projeto colocando a mão.

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Eu pessoalmente sou assim, qualquer coisa que eu faça, se eu não pegar, colar, recortar, colocar a mão,

não sai. As se tem que ter esse tipo de relação, mesmo às vezes tendo de entregar o papel, o projeto, acho

indispensável isso.

Pensando na definição de artesanato também como um processo de manualidade, acho que dentro desse

design mais diferenciado, dentro de uma produção pequena, dentro da moda existe sim, efetivamente essa

relação entre o design e o artesanato, agora, pensando em indústria, eu realmente acredito que a indústria

está muito viciada, que ela tem muito que olhar para trás, por uma questão de identidade, tem que fazer

alguma coisa que chame a atenção dos olhos e ela têm uma dificuldade parece que uma regra no jeito de

realizar. Um lance de fazer as coisas sempre da mesma forma, então eu consigo enxergar isso, projetos

muito diferenciados, que produzem em escalas muito pequenas, não é nada muito considerável e acho que

isso tem muito a ver conforme o mundo está estrutura, essa coisa de globalização, enfim...

O Brasil é atrasado em aspectos tecnológicos, e ao invés dos empresários pensarem as coisas de trás para

frente, acham que a coisa é comprar máquina e tentar se equiparar ao mercado produtivo em aspectos de

produção, até os selos de qualidade hoje se voltam muito pra isso, não que não seja necessário, mas se

fizéssemos o caminho inverso, porque a China ta aí, os caras são muito melhores, produzem em

quantidades bem maiores, com mais rapidez, enfim, não adianta buscar espaço no mercado mundial

tentando competir com isso. Se de repente eles tentassem imaginar um mercado com produtos

diferenciados, quem sabe sim em menor escala, falando de alguns segmentos e alguns meios de produção

é claro... Mas acho que o Brasil tem uns vinte anos de diferença em termos tecnológicos, atrasado vinte

anos, de repente fazer um caminho diferente, o caminho que a Itália faz por exemplo.

Uma coisa no artesanato que também se é válido pensar, é a questão da matéria prima, como o artesanato

é um processo lento, você pode utilizar determinadas matérias primas, num processo que não ser rápido

sem causar danos. Isso também diferencia muito o artesanato de um processo onde a demanda de

confecção é rápida. Pode-se se usar a lã de algodão que num momento bruto pode ser feio, mais que o

emprego de algumas técnicas se tona algo mais bonito esteticamente. Para o Brasil está mais fácil a lã de

algodão, o capim, enfim. Não que não tenhamos também acesso a materiais industriais, mas a gente tem

processo aqui, nossos, que com o uso do pensamento do design, podem resultar em coisas muitos

interessantes, mesmo que não seja dentro de um processo industrial, com o uso de tecnologia mais de

ponta. Nisso a gente têm tênis como a Dakota produz, aquele ventilador do Guto Índio da Costa, que foi

descoberto dentro de uma fábrica de fitas cassete... Dá pra fazer, mas mesmo isso tem um pouco a ver

com o artesanato, que é a coisa de olhar um pouco mais para o próprio umbigo, se eu for desse tamanho

eu vou fazer desse jeito, não adianta eu ficar vislumbrando algo que pode sim acontecer mas muito a longo

prazo, como o alcance de tecnologias distantes.

Acho que através da relação com o material, da metodologia e da maneira de pensar o design é que se

poderá estabelecer uma relação mais efetiva, mais significativa com o artesanato. Eu vejo mais por aí do

que pela estética em si, pela forma, mais pela maneira de como solucionar os problemas da relação que se

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tem com projetos, essa maneira de resolver os projetos, olhando para o umbigo. Uma coisa mais de dentro

para fora. A parte mais relevante é essa.

Acho complicado que o artesanato, culturalmente vire uma coisa como a industria, não vai acontecer, fazer

com que ele se nivele com a industria, em termos de produção e aceitação. Estas barreiras são quase

intransponíveis, por uma questão cultural mesmo. Vamos ficar com o nosso tamanho resolver as coisas que

a gente vai ganhar muito mais.

O pensamento do SEBRAE é geração de renda, tirar o artesanato do hobby, do passatempo e

profissionalizar, um pouco pq eles sentiram que isso era uma maneira de gerar dinheiro, porque ta

chamando a atenção porque está desenvolvendo mercado para isso, só faltava realmente profissionalizar

mesmo.

É super problemático trabalhar com essas comunidades. Você vira meio designer, meio psicólogo,

encontra-se problemas de ordem psicológica; estrutural; familiar, enfim. Se Lida com situações críticas,

porque são pessoas com dificuldades reais, de estar trabalhando com um grupo e a pessoa não vir pq teve

problemas com o marido, pq o filho adoeceu, pq não tinha dinheiro pra vir. Tem que tomar cuidado, pra não

ficar com pena e coisas do tipo, tem que estimular, através do trabalho mesmo. É muita gente carente, as

referências são outras... Você um monta um mostruário, por exemplo, começa a vender de repente chega

na hora do pedido, a pessoa surta, não consegue cumprir prazo, entregar na data... Tem que ter uma

pessoa estruturada lá dentro pra poder orientar.

O papel do design no instante da intervenção deve ser o mais respeitoso possível, sem alterar as técnicas

originais e sabendo colocar para o artesão, o porquê precisa melhorar em algum aspecto. Explicar porque

de repente substituir aquele material por outro, talvez por fragilidade, o outro estava arrebentando, estava

soltando o trançado, tem que provar o porque disso e não daquilo. Ao mesmo saber qual é a hora certa e a

necessidade de intervir desse ou daquele jeito, porque quando se fala de substituição de material é algo

que no projeto final resulta numa diferença gritante na qualidade até mesmo na atração de compra. As

vezes se acha que vai melhorar por um aspecto e não acontece isso. Exemplo: Um cara que fazia um

oratório todo em madeira, inclusive a dobradiça, aí pediram para ele substituir por uma de metal, por de

repente acelerava o processo, acabou descaracterizando absurdamente o trabalho. Isso no meu ver é um

absurdo, uma coisa que para ele fazia parte do processo, que era fácil de fazer foi substituído e acabou

gerando uma perda muito grande de caracteres no final. Tem que ter esse cuidado então.

Saber como se envolver, como você vai estimular, como impor limites e respeito, não colocar distâncias no

relacionamento, não pode se colocar como chefe, como alguém que sabe mais do que ele (o artesão), o

designer tem que colocar que sabe tanto quanto ele só que de coisas diferentes, uma relação de troca

realmente, porque às vezes ele como um prático pode solucionar problemas do projeto que nem o designer

mesmo tem noção.

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Para resumir, precisa de muito bom senso para não desvirtuar formalmente e a relação que o artesão tem

com material. Às vezes, o processo mesmo que demorado, é viável, vale mais manter a relação que o

artesão tem com a peça e alcançar um resultado bom, do que tentar criar uma “linha” de trabalho, no

sentido de um começa aqui na base e outro vai compondo o restante mais à frente e o resultado final não

ser bom. O artesão tem essa coisa de começar e terminar a peça, e às vezes isso é válido, é uma questão

de bom senso mesmo, como as vezes mostrar também o contrário, que isso é uma coisa positiva, que gera

produtividade saber dividir as tarefas... É muito relativo de situação para situação.

Se não houvesse essa necessidade de tornar a coisa vendável, poderia ficar naquele processo antigo, de

feitio individual, mas a partir do momento que a atividade for encarada como uma maneira de ganhar

dinheiro, tem que responder ao mercado de uma determinada forma e daí não tem jeito, tem que adotar

outros parâmetros. Alguns grupos têm dificuldade com criação, tem idéias não vendáveis, do tipo muito

carregada mesmo, (brega), tem que saber argumentar nesse sentido, explicar que não vai vender, que se

for feito de forma de uma forma diferente pode se tornar mais lucrativo. Nesse instante o Designer está

aplicando seus conhecimentos em prol daquela comunidade, daquele grupo.

Quando se fala de um grupo isolado, que apresenta algo bem da terra mesmo, quase indígena, que não

sofreu nenhum outro tipo de intervenção conceitual, uma coisa pura, nesse caso a intervenção deve ser

evitada. Outra coisa é quando se fala de uma técnica mista, que sofreu influencias e alterações ao longo

dos tempos, você pode intervir mais facilmente, dando noções de cor, de tendências... (Caso do crochê, do

amarradinho, fuxico, etc), nesse caso, você depende de uma forma melhor, mais bem vista comercialmente

falando, pq de repente a própria técnica nem é tão interessante assim, então uma injeção de novas

possibilidades pode ajudar, contribuir positivamente.

A relevância desse tipo de estudo é grande, o designer tem a mania de questionar muito, até um pouco

porque o designer é filho não sabe-se bem de quem, uma mistura da arquitetura, com as artes plásticas,

até um pouco do artesanato e fica-se um pouco perdido tentando achar as próprias raízes e uma das

maneiras de inventar o novo é de repente se voltar para as próprias raízes. O que é mais relevante pra mim

é a questão de enxergar o próprio umbigo, fazer o design de uma maneira brasileira, pensando em Brasil

mesmo, tendo os pés no chão, estabelecendo uma relação com o material, mais humana e maneira de

fazer com alguma alma, que se coloque uma diferenciação que salte os olhos, que não se caia na

mesmice, sem deixar que a necessidade de solucionar um problema domine e não permitir que se faça

DESIGN realmente, ou fazer de uma maneira menos relevante. Descobrir maneiras novas para aplicar

mesmo em busca dessa solução de problemas, quando estudado um tema, se pode mesmo descobrir

novos métodos para sugerir, até em termos de metodologia. Olhando por um âmbito acadêmico, acho sim

que falta discussão nesse sentido dentro das universidades e cursos como o Desenho Industrial, mas se

deve olhar pelo lado, que de repente mesmo não levantando esse tipo de questionamento, a universidade

propicia o aluno embasamento para formar opiniões próprias e abordar sozinho essas questões. Saber por

onde começar, como montar um questionário, como buscar informações, como estruturar o pensamento

dessa ou daquela forma, isso é relevante. Essa busca pessoal sempre vai existir e é ela que vai criar um

diferencial para o mercado.

Page 88: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

89

ANEXO D – Entrevista com Eugênio Ruiz

- O quê você considera Artesanato, como define a Atividade Artesanal:

Eu não considero como atividade artesanal, aquele tipo de trabalho desenvolvido com garrafas de PET,

retalhos de costura, etc. No meu conceito, artesanato é uma atividade que está mais voltada para tradição,

aquilo que é passado de geração pra geração dentro de uma comunidade que é tradicional. Pra ficar bem

claro, aquele grupo, aquela comunidade que extrai a matéria prima, que elabora o trançado, monta uma

peça utilitária, faz um pote de barro, esse tipo de atividade a priore está muito mais ligado ao repertório

cultural. Quando se fala de uma atividade de uma ONG urbana, que pega restos de uma tecelagem e

desenvolve uma colcha de retalhos, isso no meu ver não pode ser considerado artesanato, não tem cultura,

não tem referências. Eu considero isso daí “reciclagem”, ou qualquer outra nome que se possa dar, mas

não artesanato, justamente por não se tratar de uma técnica passada para ela.

Quando se fala de projetos industriais que buscam referências em determinados lugares e culturas, como a

NATURA que tem linhas de produtos com base em plantas da Amazônia, etc, isso é o designe, design

procurando o resgate. Mas isso também não é artesanato, aí já é o mercado, fazendo uso de marcas

regionais, do enfoque da tradição, etc.

A partir do momento que existe a produção em série, aí já deixa de ser artesanato, mesmo que seja uma

série de 10, 1000 ou 100000... O cara que faz 10 vasos com base em um molde, já não pode ser

considerado artesão.

Em alguns casos, quando se denomina uma atividade como artesanal, está-se querendo dizer apenas que

aquela atividade é “manual”.

Comercialmente eu considero válida a intervenção do designer numa atividade artesanal, por tratar-se de

um profissional que carrega uma visão de mercado, que acompanha o ciclo de um comércio, é fácil para ele

chegar e definir quais as melhores formas de desenvolver o produto, de fazer com que esse produto se

torne comercializável. Agora até que ponto esse tipo de intervenção é válido para a comunidade que

preserva e carrega as tradições na confecção dos produtos.

Um exemplo claro para definir meu conceito de artesanato, aquilo que é realizado nas aulas de cerâmica

aqui no laboratório, no meu entender isso não tem nada a ver com artesanato, porque se está projetando

uma peça, que inicialmente é modelada manualmente, mas que depois terá uma produção (tiragem)

limitada, que pode ir para uma exposição ou não, que pode ir para uma loja ou não, enfim...

- Existe ou não a possibilidade de haver uma relação direta entre o artesanato e o Design:

Page 89: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

90

Acredito que essa possibilidade exista, se for levada para o cunho comercial, no sentido de você criar as

marcas: Marca Brasil, Marca São Paulo, Marca Tribo X... Mas acredito mais ainda, que as visões entre uma

e outra atividade devem ser diferentes. A definição para designe com base nas publicações “x” e “y” é essa,

a definição para artesanato tomada como a base à opinião das pessoas entrevistadas, é “y” e “z”. Para a

realização do trabalho de vocês, acho que vocês devem partir de uma premissa. Alguém na banca pode

chegar e questionar ou dizer o contrário, mas cabe a vocês reafirmarem que estão partindo com base no

que lhes foi revelado através das entrevistas e da opinião das pessoas ouvidas. E depois, é fazer a co-

relação entre um e outro, seja através de explanações acerca da importância que um tem para o outro, seja

em torno de algo mais específico.

Eu acredito que esse tem está sendo discutido e visto há bastante tempo, no entanto, não existem

publicações nessa área, livros e pesquisas que tratem do assunto. O interessante nessa questão de fusão

dos dois temas, design e artesanato, ou mesmo a interseção dos dois, é ver o quanto isso não deixa o

produto duro, a mão do artesanato, a linguagem do artesanato, os materiais utilizados... Acabam dando um

diferencial ao produto final. Eu acho que as pessoas buscam hoje um produto que tenha uma personalidade

própria e o artesanato pode transmitir essa linguagem, então voltando ao tema, ao questionamento inicial,

acho sim que a possibilidade exista, uma vez que o designer, o profissional, busque referências artesanais

para empregar no processo industrial. Isso sim é cabível no Design, essa sacada do “resgate” já valoriza o

produto.

A respeito de nomenclaturas e definições para esse suposto segmento do design, acredito que deveria ser

algo parecido com “Designer artesão”, que seria o profissional se preocupa em criar na região dele, no

trabalho dele, no lugar lá onde ele foi se implantar para desenvolver o artesanato de uma maneira mais

eficiente para criar renda, criar um mercado de trabalho. Afinal, existe Design de cabeleireiro, design de

moda... Então esse também pode ser o Design Artesão.

- No atual panorama é possível identificar alguma relação entre o design e o Artesanato Brasileiro:

Não consigo enxergar, pode ser uma limitação minha em função de eu ser muito técnico, não consigo ver

uma marca de artesanato brasileiro. Eu consigo ver dentro do país algumas vertentes de artesanato, por

exemplo, que eu vou Bahia eu vejo lá um artesanato Bahiano, se eu vou para Embu eu identifico um

artesanato de lá, se eu for à tribo lá na Amazônia é outro. Mas eu acredito que não existe até aí nenhum

tipo de relacionamento com o design, talvez casos isolados que eu não tenha conhecimento, mais uma vez

pode ser uma limitação minha, porque eu não identifico que essa relação exista nitidamente hoje.

- Através de que iniciativas e processos o design pode ou poderá estabelecer uma relação efetiva com o

artesanato?

A Iniciativa sempre vai ser ou de meios acadêmicos, ou de órgãos governamentais como o SEBRAE,

associações ou de instituições, etc... Até mesmo pelas dificuldades burocráticas que existem por trás disso.

Page 90: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

91

Uma pessoa sozinha, por iniciativa própria não poderia fazer. Se você parte daqui, isso tudo acontece

naturalmente, exemplo, a Universidade pode estabelecer um projeto, enfim, levar um grupo de alunos, um

professor mestre e um doutor para desenvolver uma pesquisa em uma determinada região (EMBÙ) fazer o

levantamento e tentar definir o que é o artesanato do Embu, uma região que criou aquilo, que são craques

em fazer artigos artesanais, então a equipe vai lá, vê, estuda e depois avalia se tem como o Designer

interferir de alguma forma benéfica naquele processo, a fim de melhorar a comercialização e provavelmente

o designer vai mais aprender do que interferir. Primeiro se aprende depois se avalia como se pode melhorar

isso ou aquilo pra, por exemplo, exportar o material EMBU marca Brasil...

- Existe uma real relevância ou interesse por parte dos Designers de quê esse tipo de interação ocorra? Por

que?

Eu vou falar por mim, acho que assim, no meu ver tudo bem, acho que sim, nesse artesanato que tem fins

lucrativos, onde eu vou gerar dinheiro, renda para as pessoas. Com a intenção de prender a pessoa na

região. O designer tem que posicionar como o profissional que vai passar conhecimentos técnicos para o

artesão. Contribuir passando uma visão de mercado. Que outra atividade ou profissão poderia fazer isso

senão o Designer, acho que é o designer mesmo que tem que trabalhar em cima disso.

- É possível perceber esse tipo de intervenção (do Design no meio artesanal) como um fator positivo ou

negativo? Em que aspectos?

Se eu fosse um purista, eu acharia que não deveria interferir. A mesma coisa que fizeram com as tribos

indígenas, que a intervenção da cultura ocidental descaracterizou completamente a cultura dos caras. Em

poucos anos isso acaba desaparecendo por completamente. Acho que o de mais puro que a gente tinha,

desde o próprio produto que ele fazia, isso se perdeu... O homem chegou lá e disse que ele tinha que

mudar isso e aquilo pq os turistas gostavam mais, compravam mais... Portanto se eu fosse um purista

acharia isso o caos, se ela deve acontecer e como acontecer deveria ser de uma forma menos invasiva em

menor escala possível. O que se deve fazer é dar subsídio para o cara para ele ganhar dinheiro, mas não

interferir no sentido faça assim ou faça assado. Pode-se até opinar em melhorias no processo dele, mas

com cuidado. Volto afirmar, mercadologicamente a intervenção é ótima, porque se proporcionam condições

para o artesão, agora naquela definição de artesanato cultural, que carrega referências e raízes, daí eu só

consigo enxergar como algo negativo. Para o designer entrar num lugar desse e desenvolver um trabalho

consciente ele precisa ter muita condição, muita noção de metodologia, ética, antropologia mesmo. Eu por

exemplo, que sou um profissional bem mais técnico, chegaria num lugar desses e em três meses eu

destruiria tudo... A Formação do designer aí é muito importante, uma formação menos técnica, mais

embasada em cultura e história.

Sabendo que nosso país é pobre, que precisa de idéias que colaborem com a melhora do mercado,

aumente as opções de renda e trabalho, acho que a interferência seria muito boa se acontecesse

conscientemente.

Page 91: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

92

– Como criar um diferencial qualitativo ou um diferencial comercial para os produtos artesanais, de formas a

valorizá-los no mercado preservando suas características de origem e diferenças regionais?

Acho que o diferencial seria de o Designer perceber aquele objeto de artesanato, de formas a captar a

essência de quem está produzindo, trazer isso para a industria a carga referencial que ele tem... Buscar um

diferencial comercial, de repente fazer uso de determinada matéria-prima abundante na região, o caso de

Minas Gerais que tem como referencial para artesanato a produção de peças em pedra sabão.

– Você acredita que o estudo desse tema seja relevante?

No nosso país, grande como é em dimensão, de norte a sul percebe-se diferencias culturais e apesar da

Rede Globo, apesar da Televisão e apesar dos grandes centros esses produtos são muito peculiares,

diferenças incríveis. É possível identificar quando um produto é do Sul, quando um produto é do Norte.

Acho de grande relevância sim o estudo, e mais o estudo que tenda a dar ao Brasil uma cara própria. Eu

como designer, estudado, saído de uma Universidade, como posso interagir da forma correta junto aos

grupos artesanais.

Page 92: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

93

ANEXO E – Entrevista com Marcos D’Assunpção

Sobre a relevância do estudo do assunto:

- Ele é relevante? Sim, ele é extremamente relevante. Por quê?

- O artesanato tem uma função social, não só de inclusão social, mas de geração de renda, e no meu caso,

como eu trabalho com artesanato têxtil exclusivamente, é uma coisa muito ligada à moda, muito ligada ao

dia a dia das pessoas, isso é uma coisa constante, vai ser sempre assim, então tem continuidade, não só

para geração de mão de obra, mas para formação de pessoas e alternativas para essas pessoas terem

renda complementar à que elas têm, inclusive no sentido familiar, onde você tem uma pessoa que faz

artesanato têxtil e as pessoas da família que trabalham junto, isso dá integração, então é importante.

- E por que também é importante o designer?

- Porque quando você tem, geralmente mulheres, falo mulheres porque é a minha experiência, porque 90%

das pessoas que fazem artesanato são mulheres. São mulheres da periferia ou de áreas de grandes

metrópoles, que buscam outra alternativa de trabalho, outras alternativas de lazer.

- São mulheres muito focadas no dia a dia, em cuidar dos filhos, do marido, é uma coisa tão fechada e tão

constante que eu acho que elas saem do mundo normal e entram no mundinho delas, muito fechado, e

quando ela ta na periferia ela tem uma relação muito próxima com o que a cerca, mas não é uma relação

tão aberta, uma relação de troca de informações, porque a vizinha dela tem as mesmas limitações que ela.

Então quando elas procuram o artesanato têxtil é, também, uma forma de procurar um outro mundo, um

outro olhar, uma outra maneira de ver as coisas.

- E aí você se depara primeiro com sua situação socioeconômica, não há 100% de comprometimento,

porque tem todo um problema familiar, todo um problema dentro de casa, então quando ela chega, num

primeiro momento é isso que ela está tentando resolver, só que quando ela tem contato com o artesanato,

ele deixa de ser um processo profissionalizante e passa a ser um processo de sensibilização, ela recupera

a auto-estima, passa a gostar do que faz, ela vê cores, descobre que ela pode costurar, é uma descoberta

dela através do artesanato, ela vai crescendo nesse processo, consegue uma série de estabilidades na vida

dela, se relaciona.

- Chega um momento que ela tem que trabalhar com isso, eventualmente ela pode ser uma

empreendedora, chega um momento que aquilo que ela aprendeu até agora, o contato, a sensibilização, já

foi bom para ela, talvez lá não precise mais disso, mas algumas querem sim ir para frente e fazer algo mais

empreendedor, começar a trabalhar sozinha, ou montar uma ONG, que é o nosso caso, que fazem um

grupo de produção para que elas possam ganhar dinheiro. Nesse momento, entra, não só a figura do

designer como a do professor também, no sentido de mostrar para elas alternativas, novas formas de ver

aquele produto, formas de fazer aquele trabalho, mais “mercadológico”, não sei se seria bem

“mercadológico” o termo, mais vendável, mais receptível, que esteja mais em consonância com o que as

pessoas têm fora. Isso tem um problema, porque quando você pega a situação dela, ela tem uma visão de

vizinhança, aquela coisa muito próxima, de periferia, então tudo que ela produzir, que ela vender, vai ter

mais aquela realidade, ela não tem a realidade do mercado fora, então, nesse aspecto, o designer pode

ajudar um pouco.

- Como o designer pode ajudar também?

Page 93: DESIGN E ARTESANATO: Definições, limites e influências

94

- No sentido da relação, quando ele começa a fazer um trabalho acompanhado da artesã, é um trabalho

social também que ele está fazendo, deixa um pouco aquela coisa meio dura do design industrial e passa a

ter uma coisa artesanal, do manual, isso traz uma aproximação da sensibilização através desse processo, e

muitas vezes, as artesãs têm uma relação mais íntima com a professora, com o designer, porque é

resultado disso, ela se sente aceita na hora que você fala: “– Olha, faz esse bordado dessa, ou daquela

forma, você vai ver como vai ficar bonito”, então é alguém que falou alguma coisa boa para ela, ela viu,

gostou, introjetou aquilo para ela, você se torna importante para ela.

- No ponto de vista da ONG, o designer é visto como alguém que abre portas, porque você está em contato

com as pessoas, além de ser uma pessoa com uma visão muito boa para a hora que esse artesanato

passe a ter uma escala “industrial”, uma escala um pouco maior que a artesanal. Esse é um grande cuidado

que a gente tem que ter para não perder as características de artesanato e manualidade. O designer vai

enxergar o que ela faz (artesã), colocar aquilo numa certa forma de produção, mas sem alterar as

características originais.

- Tem certas vezes que a intervenção do designer pode ser vista claramente como comercial, o cara que

chega lá e consegue enxergar como o cara do mercado, mas tem muitos casos de free lancer que a gente

recebe, são pessoas independentes que criam algum produto para produzi-lo, isso é legal, muito embora

exista o distanciamento da relação entre o artesão e o designer. Nós já estamos começando a fazer um

trabalho de aproximação, onde o artesão aprende com o designer, mas o designer também aprende muito

com o artesão.

- Às vezes o designer chega na casa de uma artesã e vê algumas coisas julgadas como “fora de moda”,

uma toalhinha de crochê, um tapetinho, um quadrinho bordado e consegue ver aquilo com uma visão de

mercado, mas elas (artesãs) vêem aquilo como algo que faz parte do seu dia a dia apenas, a artesã não vai

mudar essa concepção das coisas, ela vai entender que alguém chegou lá e falou que aquilo poderia ser

rentável, então, essa relação é muito legal, que ela vai vender algo que para ela era normal, vai fazer

sucesso fora e ela vai ficar feliz com isso. Isso é uma coisa muito gratificante para ela, porque a hora que

ela vir esse trabalho exposto ou vendido, ou uma emissora de TV vem fazer uma entrevista com ela, aquilo

consolida uma coisa de capacitação.

- O que também acontece nas grandes ONG’s, nas grandes instituições que trabalham com pessoas

necessitadas, são pessoas que se dedicam, que às vezes dão o tempo de lãs para estarem ali, então o

designer também precisa de dedicação e é uma dedicação um pouco diferente, envolve mais sensibilidade,

de ele enxergar mais o outro, da intangibilidade, da transformação.

- Intangibilidade: da mesma forma que você tem o trabalho, quando você vai a um banco, você está sendo

atendido por um serviço, aquilo é uma coisa intangível, você recebe o trabalho, naquele momento você

reage ao resultado e fica feliz ou não. No trabalho social é mais ou menos assim, quando o designer chega

e começa a fazer aquele trabalho não é em si a peça que ele produziu que é o resultado da transformação,

e sim o processo que aquilo aconteceu, tem que ser encarado como algo intangível e que vai demorar um

tempo para chegar lá, e qual é o resultado?

- É uma pessoa incluída socialmente, mais feliz, com auto-estima, os resultados são mais lentos.

- Industrianato: é o produto sem o conceito de manualidade, de envolvimento, segue uma linha de

produção, o que é o grande problema do artesanato brasileiro, que tem como grande concorrente o

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mercado chinês. O designer, nesse aspecto também é muito importante, porque além dele dar uma nova

audácia, um novo olhar para determinado produto, adequado àquilo que está acontecendo no mercado,

usando a releitura de uma técnica artesanal, produzindo um produto diferenciado, apto a concorrer com o

produto chinês, asiático, porque lá (China), você tem uma mão de obra muito barata e em abundância, aqui

você tem mão de obra também, mas não tão articulada, mas que faz um produto totalmente diferenciado,

porque o diferencial do produto artesanal é o que você vê que é único, mesmo você tendo várias peças,

você vê que o estilo de um ponto para o outro muda, o estilo de compor as cores, etc.

- O processo de intervenção e de influencia tem dois “pés“, um mais objetivo e racional, por que? Porque o

artesanato, por mais simplista que possa ser, hoje ele tem uma visão de qualidade absurdamente levada a

sério, qualquer ONG sabe que qualidade é fundamental, porque a concorrência é muito forte e não existe

diferencial, você não vai ser tratado diferente por ser uma ONG. Os prazos são os mesmos, as formas de

pagamento são as mesmas, então a cobrança de qualidade é enorme. São duas coisas: qualidade e

diferencial de produto, de preferência um diferencial dentro da manualidade.

- Artesanato: é uma coisa única, manualizada, feitas por pessoas uma herança familiar cultural e que seja

uma forma de alternativa de renda, é sempre feito por uma pessoa que tem percepção diferente, uma

cultura própria.

- Artesanato Regional: fica em uma cidadezinha, tem um sujeito que trabalha com bambu.

- Artesanato de Periferia: tem uma herança regional, no caso de São Paulo, principalmente no Nordeste, e

ali fazem e aprendem alguma coisa, ainda não está clara a globalização em função dessas pessoas

envolvidas, como se resgata isso, se é que há algo para se resgatar, ou como trazer esse pessoal para o

mercado de trabalho, como trazê-lo para fazer artesanato, porque essas pessoas vêm mesmo porque

precisam de dinheiro, e é uma alternativa rápida e fácil, aparentemente.

- O ponto em comum entre todas as vertentes de artesanato tem que ser a manualidade, do objeto único.

Sobre o interesse do designer de haver a interação com o artesanato:

- A gente tinha uma designer trabalhando com a gente, parecia ser lindo e maravilhoso, hoje já questiono

um pouco, porque, digo isso baseado apenas nesta minha experiência. Essa pessoa acaba sendo

confundida, no começo, com a pessoa que faz o relacionamento, que faz o comercial.

- Há o interesse também nessas pessoas que já tem uma necessidade de profissional de designer, de que

ela fazer um trabalho, geralmente com arquitetos eles vêm com uma alternativa e pedem para produzir,

interessado no diferencial que é a mão de obra artesanal, ou por uma questão de posicionamento ou

responsabilidade social, ou para valorizar seu produto ou até para uma confecção própria dele.

- O que se está fazendo de novo é aproximar o estudante de designer com este trabalho, um trabalho não

constante, mas específico de tempo em tempo você ter um designer ou trazê-lo para alguma coisa e fazer

daquilo uma forma de trabalho dele, porque tem ali uma mão de obra que pode até ser barata, mas não

pode haver abuso disso. Não tem um conhecimento tão grande por parte dos designers dessa

possibilidade. Outro problema pode ser a visão que o designer tem do artesanato, o designer é muito

imediatista.

- Quando você trabalha numa ONG, você tem que ter comprometimento, não só para ser bom para seu

currículo, mas você vê, até de uma maneira intangível, a gente percebe que aquilo contribui para sua

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formação, sua visão, assim como o designer vai mostrar um outro olhar para a artesã, a artesã com a

realidade dela, mostra qual a realidade que está atrás daquilo, é um processo de auto valorização, que as

pessoas tem que ter capacidade para poder chegar, principalmente profissionais que lidam diretamente

com a sensibilidade (designer, arquitetos, etc), pessoas com um contato mais próximo(moda, psicóloga(o),

assistência social) isso tudo acaba trazendo uma interdisciplinaridade muito forte.

- Acho que a visão do designer está muito fechada ainda, muito focada no produto, você desenvolve um

produto, aquilo empolga, você dá de cara com os opinion leaders, depois seu produto sai do mercado e

você tem que se reciclar, com o artesanato já é diferente, tem algo que fica além do produto, que é a

qualidade de vida daquela pessoa que você ajudou, você pode até colocar no seu currículo, mas com

classe, com categoria, mas é uma outra visão, menos mercantilista, eu diria.

- Na ONG Aldeia do Futuro, nós nos preocupamos com a questão do preço do produto, porque às vezes o

preço é decidido fora, sem a participação da artesã, o que dificulta o processo, porque sem a participação

dela você corre sérios riscos de prazo de entrega e tudo mais. Até na hora de negociar, o cara pede

desconto, se pode ser mais barato, e com a ajuda da artesã isso fica mais fácil, ela sabe quanto seu

trabalho vale.

- A partir de atitudes como essa o espírito empreendedor da artesã pode ser despertado, e se ela um dia

resolver se desligar da ONG para trabalhar sozinha, ótimo, temos mais alguém no mercado, o conceito de

concorrência é muito relativo, já o de ética e exclusividade tem que ser levado a sério, e isso, pela minha

experiência, elas levam, porque não tem sentido eu ter um produto aqui, ela sair e produzir para outro (fair

play).

- Palavras básicas na ONG: transformação social, autonomia e criticidade, elas tem que ter capacidade

para ter criticidade, ela tem que ter um desenvolvimento social que ela possa melhorar a vida dela e que

termina na autonomia, não pode ficar dependente de mais nada para viver.

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ANEXO F – Entrevista com Roberto Mauro dos Santos – SEBRAE

- Como funciona o PROGRAMA SEBRAE-SP DE ARTESANATO

Aquilo que foi visto, lá no show room da outra unidade, os produtos expostos, é resultado de um trabalho

prévio, ali é o ponto final. Antes daquilo houve todo um processo de capacitação com esses grupos. Então

como o SEBRAE trabalha: nós temos um programa que chama ARTE que VALE, e todos os produtos são

etiquetados com um slogan desse programa, cuja proposta é capacitar grupos de artesãos para que eles

consigam chegar ao mercado. Quando eu digo grupo, é um grupo que trabalha com uma mesma técnica,

não se entende por grupo, uma união de 20 ou 30 pessoas onde cada um faz uma coisa diferente uma da

outra. Pra chegar no atacado, é preciso ter algumas pré-condições, precisa-se ter um volume razoável,

qualidade constante e respeito a prazos de entrega, sem isso é impossível entrar no mercado atacadista.

Partindo dessas premissas, identificaram-se justamente as falhas, os motivos pelos quais eles não

conseguiam sair daquela situação, então a partir disso, percebeu-se que a única forma viável de trabalhar

com o artesanato era montando grupos porque daí se ganha volume, tem condições de manter qualidade

constante e consegue cumprir com os prazos de entrega. Então é formado um grupo, a partir da vocação

do próprio município, da própria comunidade, identifica-se uma técnica artesanal, importante dizer que se

filtra tudo aquilo que é artesanato , aquilo que é trabalho manual, dado o momento que essa técnica é

identificada com a ajuda da comunidade, porque em momento nenhum o SEBRAE chega e determinada a

técnica que será desenvolvida, essa identificação é feita com base nas tradições, as vocações, aquilo que

ela dispõe, entra o SEBRAE passando a “atender” esse grupo. Então eles vão passar por 3 fases dentro do

programa de artesanato.

A primeira fase é de informação, de formação do grupo, passa-se para eles uma fita sobre atitude

empreendedora, porque se trabalha com uma dificuldade muito grande que a questão do paternalismo

histórico na área do artesanato. Então eles estão acostumados com a primeira dama, o padre da cidade

passando a mão cabeça, falando que o trabalho é lindinho, isso e aquilo mas essa não é a realidade do

mercado e tenta-se reverter esse quadro.

A segunda fase é a de formação, que compreende capacitação comportamental, técnica, gerencial e de

Design. A capacitação comportamental são cursos dados no intuito de reverter dois quadros, aprender a

trabalhar em grupos, porque por motivos históricos a atitude deles é individualista, eles não sabem trabalhar

em grupo, eles querem fazer sozinhos, ganhar sozinhas e o mercado como é extremamente competitivo,

pois o artesanato concorre diretamente com produtos do R$ 1,99, com os produtos industrializados e com

os importados (China), a concorrência é severa, então tenta-se imbuir a idéia de que em grupo eles terão

mais força, mais capacidade e fôlego para conseguir encarar essa competição. Ainda dentro da

capacitação comportamental, passam ainda por um curso que chama SABER EMPREENDER, que é para

estimular o empreendedorismo nessas pessoas, justamente porque o comportamento delas é acomodado,

de ficar esperando que as coisas aconteçam por si só. Passado isso entra a fase da oficina técnica de

reparo, em 99% dos casos principalmente na região sul e sudeste, o artesanato é inversamente

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proporcional ao desenvolvimento da região, quanto mais desenvolvida a região é, menos artesanato ela

tem, por isso que tem tanto artesanato no nordeste e tão pouco no sul e no sudeste. Isso acontece porque

com o processo industrial, os artesãos começaram a ter dificuldades com relação a competição, com o

tempo e com o desenvolvimento das regiões onde eles estavam localizados, eles começaram a não ganhar

mais dinheiro com aquilo, então se larga a sua atividade original que é fazer cestos, por exemplo, e vai para

a agricultura, para o comércio, para a industria e foi isso exatamente que aconteceu no Estado de São

Paulo. Então esses 99% do que é feito é trabalho manual e não artesanal, e cada um faz uma coisa

diferente da outra raramente se chega numa cidade e se encontra um grupo já formado que trabalhe com a

mesma técnica artesanal, daí contrata-se um mestre artesão por um perídio determinado normalmente em

torno de 60 horas, que saiba trabalhar com uma técnica específica e o objetivo é nivelar a produção, não é

ensinar, não é o papel do SEBRAE e também não se tem tempo para isso, porque ensinar uma técnica leva

muito tempo. O que se propõe é que sejam escolhidas pessoas que já tenham uma certa familiaridade com

aquela atividade, por exemplo: um cara que mexe com biscuit, que mexe com retoque, ele mexe com barro,

porque ele trabalha com modelagem, então é importante que as pessoas escolhidas pra fazer parte dos

grupos tenham essa familiaridade.Feito isso, eles vão passar por capacitação gerencial, especificamente

desenvolvida para público analfabeto ou semi-analfabeto, porque 90% deles são de zona rural, vivem em

condições precárias etc. Adaptamos então os cursos que já existiam no SEBRAE de marketing, de

formação de preço, fluxo de caixa e qualidade total para esse público. Contratamos um desenhista,

pegamos todos esses conceitos e desenhamos, o facilitador que vai aplicar esses cursos, vai para a sala de

aula, com todo esse conteúdo ilustrado, essas informações são desenvolvidas então em cima dessas

ilustrações e nunca em cima de textos corridos. A linguagem também foi adaptada, por exemplo: Marketing

virou – conhecendo melhor o mercado de artesanato; Formação de preço e fluxo de caixa virou – Como

controlar entrada e saída de dinheiro e como fazer preço e Qualidade total virou – Qualidade para o

artesão. É o mesmo curso que qualquer executivo faz aqui, só que adaptado para a linguagem que eles

conseguem entender.

Aí entra-se na última fase da capacitação que é a oficina com os designers, cujo objetivo é ampliar a linha

de produtos do grupo ou mesmo fornecer visão de tendências, porque esses grupos normalmente, não tem

informação, eles estão distantes dos grandes centros e os produtos se mostram inadequados para o

mercado, as vezes a técnica é muito bonita, o trançado é maravilhoso, mas eles fazem chapéus e o

mercado não consome chapéu (um exemplo). O papel do designer dentro da proposta do SEBRAE não é

chegar lá com os desenhos prontos embaixo do braço como acontece com o papel do designer na

indústria, ele vai para lá sem nada e a partir do saber do grupo ele vai construir novos produtos, vai sair do

chapéu e chegar no jogo americano, numa mesa de centro, numa cortina enfim. O papel do designer então

é basicamente transportar aquelas técnicas para produtos comercializáveis no mercado principalmente

metropolitano, porque o objetivo é chegar nos grandes pólos comerciais (São Paulo, Rio de Janeiro, etc).

O que o Designer não está autorizado a fazer em hipótese alguma é alterar a técnica, por exemplo: Trança

estrela, mas está passando a Novela A Lua me Disse então vamos tranças luas. Não isso não pode, a

técnica tem que ser preservada. O que tem valor no artesanato, não é apenas o objeto em si, mas é a

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representação iconográfica, histórica, cultural e social que a envolve, por trás de cada uma dessas técnicas

existe um histórico, características desenvolvidas naquela região e daquela forma, por isso o papel desse

profissional acaba sendo diferente do que ele tem para a indústria.

Assim que eles acabarem esse processo de capacitação, vão desenvolver um mostruário, enviar para a

gente e esse mostruário vai para toda e qualquer ação comercial que o SEBRAE promova, incluindo o

Centro do Empreendedor, ele é uma das formas e a gente participa de feiras para atacadistas

principalmente. Há dois anos atrás a gente participou da Gift Fair, inscrevemos vários grupos nossos no

concurso interno deles de design, e um dos nossos grupos foi premiado, que é a do trançado ESTRELA.

Essa é a proposta desse programa.

Espera-se que depois de toda essa capacitação que é oferecida a ele (o grupo de artesanato) depois de um

certo período ainda não determinado porque tudo é muito experimental ainda, com a intensificação da

atividade comercial esse grupo tenha uma carteira de clientes, quando ele tiver seus próprios canais de

distribuição, a intenção é que o programa de artesanato deixe então de atender esse grupo. Ele sairia então

lá daquele espaço do show room, não participaria mais de feiras e exposições, porque então o nosso papel

estaria cumprido. Basicamente é isso, espera-se que depois de algum tempo eles consigam andar pelas

próprias pernas, acredita-se nisso, porque a oficina com designers que é realizada com eles é justamente

para instrumentá-los, não é para fazer por eles, há uma diferença muito grande quando se chega e

determina o que será feito e quando se chega e ensina a desenvolver, um trabalho em conjunto. Tanto que

a autoria das peças não é dos designers e sim dos grupos. Com o aprendizado da oficina tudo isso é

trabalhado, a necessidade da inovação, de acompanhar as tendências etc e etc. O que se percebe pela

experiência é que ao longo do tempo eles apresentam muita dificuldade de criar, de inovar e isso para nós

ainda é um ponto de interrogação, até que ponto isso é benéfico de insistir de repente na oficina de design.

Dentro de 6 meses esses produtos tem que ser renovados, senão não se consegue mais atrair os lojistas

se eles não criarem, a gente vai ter que contar mais uma vez com uma oficina de design, só que de outro

lado o que acontece? Quando se propõe a oficina para o grupo, de maneira inconsciente não verbal, está-

se dizendo para ele que eles não tem capacidade de criação, vocês não conseguem criar sozinho, e esse

público é particularmente fragilizado, imagina que são semi-analfabetos, que não tem recursos, que trocam

produtos por um quilo de arroz e por aí vai. Reforçar isso neles, mesmo que você não diga, não importa,

mas de certa forma eles estão entendendo isso, e a única coisa que eles achavam que tinham como

diferencial era a suposta capacidade criativa, então se insiste reiteradamente nas oficinas é como se você

estivesse negando a eles a única coisa que acreditava ter valor que é a capacidade de criar, gera um

instrumento na verdade que vira uma muleta, ele pode começar a achar que então para criar, se o design

não participar com ele não vai conseguir. Isso é um processo então de experiência mesmo, é para mim

existe um ponto de interrogação, não sei até que limite isso ajuda, até que limite isso atrapalha, porque não

quero que o grupo se torne dependente, justamente eu quero que ele seja capaz de se virar.

Essa proposta prévia é justamente a de tentar abrira cabeça desse artesão, essa postura acomodada dele

é um problema muito sério. O SEBRAE tem ótimas intenções, mas isso acontece não só com os artesãos,

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isso acontece com os agricultores, com os micro-empresários, com todo mundo, não precisa ser analfabeto

para ter esse tipo de comportamento. Antes eu achava que era um problema dessa área em especial, mas

depois conversando com colegas eu percebi que não, que é comum. Na cabeça de boa parte do micro-

empresariado Brasileiro, eles acham que uma vez inovado não precisa fazer mais nada, uma vez criado o

produto o cliente vai comprar para sempre, pra eles essas coisas não são claras. Se você chegar em

qualquer cidade do interior e perguntar para o artesão qual o seu maior problema, ele vai responder que o

maior problema dele pe que na cidade não tem nenhuma feirinha na cidade e isso não é verdade, porque a

feirinha que ele gostaria que existisse na cidade dele, se a cidade não for turística quem circula nessas

cidades são os munícipes e eu até brinco, perguntando: Quantos liquidificadores você tem na sua casa?

Um só, então quando o munícipe passa na feirinha e compra o produto, quando ele vai comprar de novo?

Quando quebrar. Esse mercado é um mercado viciado, vai vender uma vez e não vender mais, ele não

consegue associar que o produto não tem diferencial algum, que o produto que ele confecciona é pano de

prato que é um produto banalíssimo, etc, etc. É como se a comercialização fosse realmente o problema e

não é, o problema é o próprio objeto, a falta de profissionalismo etc, etc, essa visão é a gente que tem e a

gente tenta passar todas essas coisas para ele, ou melhor, dizendo essas coisas são passadas, mas uma

outra coisa que acontece é que por mais que se bata nessas questões, são coisas passadas antes de deles

chegue no mercado, então o aproveitamento disso é baixo, porque até aí ele estava acostumado a

trabalhar de forma individual, no varejo, com aquele produtinho meia-boca. Então daquilo que foi passado

para ele, efetivamente, quando for ter necessidade de empregar, já passou, ele já fez o curso.

Normalmente a atitude parte do artesão, eles ficam sabendo do programa e procuram uma unidade do

SEBRAE mais próxima (total de 30 unidades no estado de São Paulo). Acontece de partir do prefeito, de

alguém da comunidade, enfim.

Na cabeça das pessoas o ambiente urbano é feio, então eu não vou trabalhar com ambiente urbano, então

o que eu vou fazer, vou copiar o motivo rural ou motivos marítimos, o legal ta lá, o legal não está aqui,

quando se olha uma imagem da janela de um prédio, o que caracteriza São Paulo? O perfil dos prédios, e

quantos trabalhos podem ser vistos que retratem o perfil dos prédios de São Paulo? E esse é o ícone mais

forte que existe para o Estado de São Paulo, não interessa se você esteja no campo ou se você esteja no

litoral, quando se fala do estado de São Paulo um ícone que vem automaticamente é a Avenida Paulista,

ela não significativa do estado inteiro, mas é ela que é pega como referência. Olha para o espaço urbano

dessa forma, só que existem outras formas de interpretar isso, não é bater uma foto, não precisa desenhar

um Treme-Treme, não precisar bordar um Treme-Treme, pode-se interpretar esse tema, e isso não é

utilizado. A questão de trabalhar com resíduos, ainda é pouco explorada, o que se tem é um pouco de

marchetaria, que é chamada de marchetaria compacta, ela é feita com restos de madeira, vão se colando

pedaços de madeira, aquilo vira um bloco e depois aí se fatia os blocos e faz o resto, é diferente da

marchetaria italiana que é uma outra proposta. Tirando isso usa-se um pouco papel marché, porque se tem

uma quantidade de papel monstruosa e é pouquíssimo utilizado. Enfim, não se pensa muito na questão de

aproveitamento do resíduo e quando as vezes ele é reaproveitado, aparecem alguns problemas. O PET

(garrafas PET), por exemplo, porque para reaproveitar às vezes é difícil, se for para utilitário que a pessoa

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use na casa, ela tem nojo porque ele é reciclado aí a pessoa não usa, então precisa ser realmente produto

que não seja para uso com contato, funciona para bolsa, para algumas coisas, mas o desenho é muito

pobre, o desenho normalmente das peças é muito limitado. Então tem muita coisa que pode ser feita,

realizada de maneira original, mas é pouco utilizada até por um outro motivo, porque o que vai acontecer,

com o processo de industrialização, os ícones e referências foram varridos literalmente do mapa, aí

começaram a aparecer as tais “revistinhas” de artesanato (entre aspas) que são revistinhas de reprodução

de trabalho manual, que ensina a pintar morangos, aí o que acontece? Se a Ana Maria Braga diz na teve

que isso é tudo e que você vai ganhar rios de dinheiro pintando morangos em panos de prato, quem mora

lá nos confins da roça, que vê o programa, que acha a Ana Maria Braga TUDO, acredita então que pintar

pano de prato é tudo, se ela (Ana Maria Braga) está dizendo que vai dar dinheiro, a pessoa vai comprar as

tintas e pintar os panos de prato. Essas pessoas não tem a dimensão que muita gente assiste o mesmo

programa, então em vários lugares começa-se a pintar aquele pano de prato com aquele morango pintado.

Nesse instante a referência local começa a ser secundária, ela fica aos gostos da moda, se a moda é

peixinho, então todos vamos pintar peixinho, se a moda é florzinha, vamos todos pintar florzinha. O Olhar

do urbano para o urbano as vezes é difícil, mas no interior isso também acontece, porque não se olha para

a vegetação local, não se olha para a arquitetura, não se olha para nada, ele só vê na verdade o ipisis líteris

e aquilo que é mais fácil, então é flor peixe, vaquinha, moranguinho.

Essa característica de valorizar sempre o distante, é um problema, isso acontece por causa do processo de

formação. Precisa ler “A formação e sentido do Brasil”. Na Europa não é assim, se isso fosse uma

característica “humana”, não se teria uma Suíça, por exemplo, que fala vários tipos de língua dentro de um

espaço que é menor que um bairro da cidade de São Paulo, não se teria o valor da própria cultura que

existe e é intrínseco no continente europeu. Todos os países de lá tem uma identidade muito forte,

arquitetônica, artesanal, gastronômica, falar para um deles que não sei o que lá é melhor que o deles... Eles

voam no pescoço de quem fala isso. Então essa não é uma característica humana não, está ligado ao

processo de formação histórica do país. Tirou-se todas as referências, se disse para o povo o tempo todo

ao longo dos tempos, que tudo o que eles faziam era ruim, então as pessoas perderam essas referências e

passaram a acreditar nisso realmente, então se torna legal o que vem de fora, é o Mickey, é aquilo que a

TV mostra. Então esse processo de desvalorização de todo e qualquer tipo de saber que viesse do povo fez

com que realmente eles acreditassem ao longo do tempo que tudo o que é feito por eles não tem valor.

Uma situação surreal: Fomos fazer uma palestra sobre o nosso programa numa cidade perto de

Araraquara, e quando chegamos na cidade a secretária de Cultura do município tinha reunido os artesãos

num galpão e eu comecei a palestra perguntando: Gente, qual é a cultura de vocês? O que tem a cara de

vocês, da cidade de vocês? Aí a secretária da cultura me interrompeu e falou: - Mas aqui só tem caboclo,

aqui não tem cultura. Isso é o exato reflexo do que pensa a nossa população. Se a secretária da cultura que

foi para a escola, estudou e que é uma referência na cidade diz que aquelas pessoas não têm cultura, elas

vão acreditar que tudo o que elas fazem não é bacana, então bacana passa a ser aquilo que está no livro,

está na escola, está nas pessoas que estudaram, que está na TV. Então se perde as referências

completamente. Então, se eu ficar repetindo pra você a mesma coisa, vai chegar uma hora que você vai

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acreditar e isso aconteceu. A gente tem uma população cordata, que concorda com tudo o que os outros

dizem, que valoriza tudo o que vem de fora, então esse tipo de situação é muito elucidador de tudo o que

se está falando aqui.

A primeira vez que fomos fazer uma exposição com o objetivo de formar opinião sobre o artesanato

Paulista, por várias questões isso nos levou ao casarão do Museu casa das rosas ali na Avenida Paulista,

então a minha área de marketing marcou uma reunião e eu fui conversar com a curadora do Museu, e

quando chegamos lá, nos apresentamos e ela perguntou: E aí o que vocês querem? E eu falei – Bom, eu

coordeno o programa de artesanato no estado de São Paulo e a gente queria fazer uma exposição por esse

e aquele motivo, a primeira reação dela foi: - Ah, essa coisa de hippie aqui no Museu eu não quero. Então,

se essas pessoas ainda estão imbuídas dessa mentalidade imagina o que acontece com a população pobre

e desinformada. Essa é a exata informação que algumas pessoas tem a respeito do artesanato. Aos

pouquinhos, com muita dificuldade isso está mudando, com base em cima de muito trabalho, muita

discussão. Torna-se difícil porque é um processo de formação de opinião e ele é lento, já se evolui muito se

for analisar hoje artesanato já é um pouco mais valorizado, mas não tanto quanto é necessário.

O artesanato Paulista em particular, não é muito conhecido, ele ainda é uma incógnita. Muita gente nunca

ouviu falar do trançado Estrela, da cerâmica preta de Iguape e que a origem dessa cerâmica é de tradição

indígena que isso não é exclusividade do Espírito Santo, que São Paulo já foi um pólo produtor dessas

peças muito importante no Brasil, as pessoas ignoram essas informações. É tudo muito novidade e a gente

está formando opinião, aprendendo e disseminando essas informações.

- O papel da Universidade

Eu acho que o maior papel da Universidade é justamente o de limpar essa sujeira toda, esse processo de

preconceito histórico, de segregação e de desvalorização. Isso se torna um problema que é nefasto não só

do ponto de vista da produção artesanal, isso tem um efeito devastador na auto-estima das pessoas, de

toda uma população.

O primeiro curso que nós aplicamos, que era piloto por ser a primeira vez que estávamos fazendo aquilo

num grupo formado por pessoas simples, até algumas analfabetas. Então estávamos em um salão no meio

do BNH na zona rural de Iguape, que foi o primeiro grupo que nós atendemos, aí quando acabaram-se os

cursos e todo curso tem uma avaliação dos participantes no final, pedimos então para aquelas pessoas

avaliarem o que tinham aprendido, sentido com o curso. De umas 30 pessoas, umas 15 apenas sabiam

escrever e escreviam para as outras, diria que uns 90% colocaram como observação na avaliação, que

estavam emocionadas com o respeito com que elas tinham sido tratadas. Sabe o que isso significa? Que

normalmente essas pessoas não são respeitadas. Quer dizer, é a pessoa, o individuo que não é respeitado,

ela é tratada como um pano de chão, um nada, ela é “pobre” e ponto. Então, a faculdade tem um papel

fundamental para levantar esse debate, de ensinar a dar valor para a nossas coisas, de ensinar a ajudar a

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construir uma identidade própria Brasileira, Paulistana, valores de uma sociedade tão perdida, tão

achacada, tão desvalorizada a ponto das pessoas não olharem mais para a sua realidade.

Com a proposta que a gente tem de agora atender também artesão isolados, onde cada um faz uma

coisinha, umas das coisas que é fundamental no trabalho deles é de retomar as próprias referências, é

resgatar o que o avô fazia, é olhar o azulejo da igreja, é o perfil da igreja da cidade dele, é o tijolo da

calçada, da fruta que tem lá, do doce que tem lá, e por aí vai. Então precisa-se fazer um trabalho de

resgatar esses valores e isso não é fácil, isso não é um trabalho que não só o SEBRAE deveria fazer,

outras instituições deveriam estar junto nessa empreitada de disseminação dessas informações

importantes. A Itália hoje é referência no Design não é à toa, é justamente porque ela aprendeu que o seu

processo industrial seria valorizado pela diferenciação do artesanal. A gente não precisa buscar de fora,

uma vez eu fiquei indignado com um trabalho do SEBRAE, havia a intenção de criar um programa que não

avançou, chamava A CARA BRASILEIRA e que era um amplo debate com pensadores e formadores de

opinião para justamente tentar definir qual era a “cara brasileira” e uma das pessoas convidadas era um

Italiano, o Domenico de Mazi, eu pensei, puxa, precisa trazer um Italiano pra discutir Brasilidade? Absurdo

isso, está se afirmando mais uma vez que a gente não tem antropólogo, a gente não tem sociólogo, a gente

não tem pensador aqui e que precisa trazer de fora? Então o papel da faculdade é fundamental, não só na

questão do artesanato, mas na questão do resgate da auto-estima da população Brasileira.

Eu visitei algo em torno de 200 municípios no estado de São Paulo e a situação é sempre a mesma, a

gente chega perguntando, o que eles tem deles, da cultura deles e partir daquela palestra aonde a

secretária da cultura falou aquele absurdo, eu sempre falo: Cultura não é só aquilo que está nos livros,

aquilo que está na faculdade, cultura é o jeito que a gente reza, é o jeito que a gente come, é o jeito que a

gente se veste, são as plantas que a gente conhece, então tudo isso é cultura. Vimos necessidade de

esclarecer isso em cada nova palestra. Sabe, sushi é cultura, mas arroz com feijão também é... Não existe

melhor não existe pior. Está tramitando no congresso nacional, uma lei de regulamentação da atividade

artesanal, porque ela ainda não é regulamentada. Então, eu fiz duras críticas, o projeto em si estava

razoavelmente bem escrito, mas lá estava mais uma vez escrito assim: “do artesanato tradicional”, aí eu

rasguei o verbo de novo, disse: Acho que o termo deveria ser retirado porque parte do principio que o

conceito de tradição é muito cristalizado, como algo que não muda e isso significa o seguinte basicamente,

que a mulher faz o trabalho acocorada e depois fica corcunda, tem que deixar, que a inalação daquele

negócio lá da fibra faz mal deixa morrer de tuberculose, porque não pode mudar. O Museu ele tem um

papel fundamental que é salva guarda, se você quer ver o produto como ele era nos primórdios, o papel do

museu é esse, guardar nossa memória. Mas daí você exigir do Mestre Vitalino e dos descendentes do

Mestre Vitalino que a vida inteira eles façam cangaceiros é absurdo. Onde tem hoje em dia cangaceiro no

Brasil??? É uma maldição? Vocês imaginam a vida de vocês, alguém dizer vocês vão ter que desenhar e

moda a vida inteira um elemento que não faz parte da vida de vocês para o resto da vida??? É demais não

é? Então a cultura não é um elemento cristalizado, é um elemento em constante evolução, ela muda, ela se

altera, ela evolui e ao museu cabe o papel de guardar isso e às pessoas cabe o papel de viverem a sua

própria cultura, como ela é e não como se gostaria que fosse, até porque o discurso hoje do intelectual é

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algo meio assim: Eu gosto de uma coisa assim bem rústica, bem mal acabada que fica assim com cara de

artesanato. Com cara de artesanato porque quem morre de fome é o artesão e não ele. E olha que

interessante não é? E isso acontece, não papo furado. No debate que realizamos no Museu da Casa

Brasileira, uma mulher estava indignada, aviltada, porque o SEBRAE tinha enviado um convite para a esse

debate, que uma caixinha que tinha uma peça do trançado estrela encaixada como se fosse uma jóia e ela

dizendo que produto tinha vindo muito amarrado, oprimindo a rusticidade original da peça. E sabe quem

está falando ali? A pessoa que usa aquilo na casa dela, porque acha bacana, na moda, alternativo, mas

está pouco ligando se o artesão que fez aquilo vai comer ou não? Então esse tipo de pessoa não quer que

evolua, porque aquilo é um mero elemento decorativo da casa dela. Então mais uma vez se mostra aí o

nosso papel, nós não somos os novos formadores de opinião? Não somos nós amanhã ou depois que

vamos desempenhar esse papel? Quem é o designer que se não conhece o artesanato vai conseguir

projetar o móvel com trançado estrela? Qual o designer que vai usar a Taboa como um diferencial da sua

peça? Se ele nunca ouviu falar de Taboa, não poderá usar, ele não sabe o que é. Acho que esse papel

cabe sim a Universidade, a promoção do debate, a promoção de enxergar o artesanato como um novo

nicho, não só em si próprio, hoje estamos passando por processos muito interessantes. Temos um trabalho

hoje com o Morumbi Fashion, a faculdade Santa Marcelina e os grupos de artesãos, com a orientação do

Walter Rodrigues foram escolhidos os estilistas e estão desenvolvendo peças de moda a partir da

inspiração do artesanato Paulista. Agora como esses alunos iriam buscar essas referências se eles

desconhecessem o artesanato? Como eles saberiam que haveria possibilidade de desenvolver esse

trabalho sem conhecimento? Não tem como desenvolver e poder diferenciar, esses designers continuariam

achando que o bacana é buscar referências na Itália, na França. Estamos fazendo um novo trabalho que

será lançado ainda que é Jóias do Artesanato Paulista, que é a mesma proposta, a indústria de jóias com

os grupos de artesãos e designers de renome que irão lançar coleções de jóias inspiradas no artesanato

Paulista.

O Designe pode então desempenhar dois papéis distintos no âmbito do artesanato são dois ângulos

diferentes, um que é a atuação direta com o grupo no intuito de ampliar aquela linha de saber fazer, de

produção sem descaracterizar, ajudando a comunidade a se tornar sustentável, não transformação o design

numa muleta, mas sim num elemento de inovação que o grupo aprenda, que sozinho depois inova, dando

dicas: Olha vocês podem usar essas sementes, essas plantinhas, vocês podem usar os azulejos lá da

catedral, etc, etc e depois eles continuem a buscar essas referências na própria localidade. Dizer que o jogo

americano segue um padrão de tamanho específico que se não seguir isso, o mercado não absorve o

produto, a loja não compra, mas tudo isso tem uma lógica, em suma esse papel de mostrar como o

mercado funciona, as referências os padrões, como o processo criativo funciona, como se pode diferenciar

e inovar sem descaracterizar. E tem também o lado de o designer trabalhar buscando as referências do

artesanato para melhorar os processos industriais que tem muito a prender ainda com o artesanato e

passar a ter produtos que tenham geo-referências. Uma coisa de olhar para a peça e saber que aquela

peça foi feita em algum lugar, e não que ela pode ter sido produzida na Suécia, na África ou então na

Austrália, é enxergar um diferencial no produto, ampliar as possibilidades da industria.

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- Os limites e responsabilidades do Designer frente a uma demanda de intervenção no segmento artesanal

Primeiro o respeito ao saber fazer do grupo, quem domina a técnica, o saber é o grupo, o artesão, não o

designer, conseqüentemente a autoria dessas peças é do grupo e não do designer, ter ética no trabalho.

Porque já temos situações de designers que desenvolvem trabalhos com alguns grupos, vestem a máscara

de responsável socialmente, fazem uso da mão de obra baratinha e depois vendem as peças com a marca

deles bem mais caro em lojas de renome. Ética no trabalho vale para qualquer um, não só para o designer.

A princípio, o único elemento que não pode ser alterado no momento da intervenção é a técnica, mas isso

depende um pouco da história de uma técnica, se tradicionalmente se faz aquilo com determinado material,

é possível trazer um elemento novo, usar um novo material e dar um novo acabamento, desde que aquilo

não perca sua identidade, que aquilo não se torne um produto que tenha cara de produto industrializado,

então se olha para o produto e não se consegue distinguir se foi feito artesanalmente ou se é

industrializado.

Na unidade do show room, só vende atacado, lá se tira os pedidos e estes pedidos são repassados para o

grupo, não acontece venda, legalmente o SEBRAE não pode vender nada, tira-se o pedido, passa-se para

o grupo e acompanha-se o feitio. Toda a transação de negócio é feita diretamente pelo comprador e pelo

grupo. Os preços também são todos determinados por eles (o grupo) eles recebem orientação através dos

treinamentos para determinar os preços, pra saber que no atacado o preço é menor, que eles não podem

competir com o lojista, então se vende o produto por R$ 30, 00, por exemplo, diretamente para o comprador

e por R$ 20,00 para o lojista não pode vender o mesmo preço senão vai concorrer diretamente com o

distribuidor. Existe também um mito na área que é um exagero, por exemplo, de que o artesão gasta um

real pra fazer o produto e a peça é vendida a R$ 10, 00, existe uma parte de verdade nisso e existe uma

parte de mentira, primeiro existe um atravessador que é de fato predatório, a pessoa vai até a comunidade,

arrocha o máximo possível a margem do grupo e daí vende ao máximo que ele consegue na cidade que

acaba tendo um lucro muito alto, no entanto, isso também gerou um mito na cabeça dos artesãos de achar

que ele é ruim, e isso não acontece. O acontece é o seguinte, quando ele fala que gastou um real, é porque

ele não considerou nesse custo, o tempo que ele gastou, a matéria prima, a complexidade da técnica

empregada, essas coisas, na verdade é que ele não soube calcular os preços, mas depois que ele passou

pelos cursos de capacitação se ele disser para o lojista que ele gastou R$ 5, 00, é porque o produto vale R$

5,00. Se o lojista vai vender essa peça a R$ 25, 00, é porque ele tem uma série de outros custos levados

em conta, porque ele tem custo de aluguel, condomínio, energia, encargo dos funcionários, tudo isso

embutido naquela margem dele. E, além disso, não cabe ao artesão discutir se aquela margem é alta ou

não, porque uma vez que ele tenha calculado a margem dele corretamente, ele está ganhando o que é

justo pelo trabalho e ponto. Não julgar se o preço do lojista é caro ou não é caro, passa a ser um problema

do lojista. Os nossos artesãos não podem se dar ao luxo de dizer que cobrou baratinho, se cobrou

baratinho foi porque quis, porque aprender a calcular o preço certo eles aprenderam.

Hoje são atendidos pelo SEBRAE 75 grupos espalhados no estado inteiro de São Paulo, trabalham com as

mais diversas técnicas, cerâmica, madeira, fibras, semente. Etc, etc. O programa de artesanato existe em

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todos os estados da federação, só que a forma de atuação varia de estado para estado. Aqui em São Paulo

nós só trabalhamos com grupos e para capacitá-los para o atacado, mas tem estados que trabalha com

artesão individuais, enfim, outras formas de atuação. Em média são 15 pessoas por grupo, o ideal para

começar um projeto é de no mínimo 15 a 18 pessoas, mas sempre começamos com mais porque ao longo

do caminho vão ocorrendo desistências.

Na verdade, hoje ainda não é praticada a confecção em série dentro dos grupos e isso se torna um gargalo

ainda. Apesar da vontade que se tem de que os grupos se tornem auto-sustentáveis, eles ainda tem uma

mentalidade de artesão, aquela de começar e terminar a sua própria peça. O atravessador benigno,

infelizmente o atravessador às vezes é um mal necessário. Porque o artesão não dá conta de fazer,

prospectar mercado, negociar, etc, a gente dá os instrumentos na intenção de que eles se tornem

capacitados pra fazer tudo isso, mas é muito difícil precisa uma pouco de vocação, de falar ao telefone, de

negociar diretamente com os lojistas, enfim. Então essa coisa de divisão de tarefas dentro do grupo fica

mais a critério do grupo mesmo, a gente dá palestras para tentar mostrar a importância de ter alguém

responsável pela qualidade, pelos contatos, etc. A prática tem nos mostrado a necessidade ou de ter a

figura do atravessador benigno, que pague um preço justo e que distribua esses produtos, ou a figura de

um gestor local que tenha a visão de mercado e que oriente o trabalho do grupo, há uma necessidade

ainda de ter uma figura externa ao grupo, que os ajude pelo menos durante um período de curto médio

prazo para orientá-los até que eles ganhem experiência suficiente para tocar o negócio na sua plenitude. É

complicado porque se está ensinando essas técnicas para pessoas que não tem um nível considerável de

instrução, então como se colocar um artesão logo de cara pra negociar venda de produtos com um

comprador da TOK & STOK, por exemplo? Assim se entende que é preciso maturidade comercial e isso é

um fator que eles só vão adquirir com a experiência.

A C&C comprou de muitos grupos nossos já, e uma vez o grupo de panelas pretas de Iguape, elas já

forneciam para esse cliente, e você imagina a logística de entrega de uma empresa como essa, então eles

abriram uma série de precedentes de adaptações para receber produtos vindo dos artesãos, os produtos

não vem embalados iguais, as peças não conferem, enfim, uma séria de adaptações mesmo para poder

trabalhar com essas linhas de produtos. Dado um momento a C&C fez um pedido de R$ 6.000,00, imagina

o que é um pedido de r$ 6.000,00 para uma comunidade rural, é dinheiro demais para eles. Aí eles

aprontaram todos o pedido, embalaram tudo direitinho e na hora de despachar essas peças pelo

transportador, elas inverteram as notas fiscais, metade dos produtos era para ser entregue em uma loja e a

outra metade em outra unidade deles. Acontece que chegou na hora da entrega, as notas fiscais não

bateram no sistema do cliente e foi tudo devolvido. Sabe, não era nenhuma novidade para eles, pois eles já

forneciam para esse cliente, pergunta hoje se antes de mandar uma entrega não conferem as notas ficais

500 vezes. Esse erro não acontece mais, garanto, isso se chama aprendizado e experiência. Na prática.

Quando se mexe no bolso (porque teve de pagar o transporte de volta, teve perda de peças no transporte,

etc) obrigatoriamente as pessoas sentem necessidade de aprender.

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REFERÊNCIAS

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COUTO, Rita Maria de Souza; e Oliveira, Alfredo Jefferson de (org.) – Formas do design:

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