Desverniz de Michelle Braz

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Diagramação final do livro Desverniz, sobre o Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão, por Michelle Braz. Trecho: 3-27

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Desverniz

Michelle Braz

Em todas as escalas musicaisOp. 15

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Concepção, reportagem e textoMichelle Braz

DiagramaçãoAna Paula Campos

Sarah Moralejo

IlustraçãoRenato Caetano de Jesus

CapaBruno Zago

Assessor de ProduçãoBruno Wan-Dick

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Aos meus avós: Geraldo Moreira,

Joana Moreira e Ana Antunes

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...os jornais noticiam tudo, menos uma coisa tão banal de que ninguém se lembra:

a vida...

“Os Jornais” - Rubem Braga

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Sumário

Notas da Autora

Prelúdio

O Festival

Ensaio de orquestra

Auditório Cláudio Santoro

Master Class

Instrumento

Escalas

Quiálteras

Contratempo

O Público

News Concert: the method

Diapasão

O bom ladrão

Perguntas de uma repórter (clandestina)

Agradecimentos

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15

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31

43

61

75

85

95

105

Ponto de Diminuição 53

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155

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Notas da autora

Em julho de 2008, quando iniciei a pesquisa no Festival de In-verno de Campos do Jordão, recordo a explicação sobre o projeto para o então diretor pedagógico do evento, Arcádio Minczuk:

— O livro não será diário de bordo! Eu procuro uma refle-xão lapidada por fatos, uma essência, a significância social da música.

Desde aquele julho, Desverniz me perseguiu por 17 meses. No período do Festival, procurei ir além da rotina de entre-

vistadora: EU, aquele que pergunta; TU, só responde. Fui vira-dora de página de um bolsista de piano, descobri as mil peculia-ridades de cada instrumento, dormi numa capa de contrabaixo acústico, participei de inúmeras pizzas, fogueiras, barzinhos e, para alguns, fui uma “espécie” de cúmplice, confidente ou até um “muro das lamentações”:

— Repórter! Você tem que colocar no livro que a comida é... – recordo-me de um bolsista sugerindo as abordagens do livro.

Como Desverniz não corresponde a um diário, o livro per-mite a leitura de maneira aleatória, com exceção ao primeiro e último capítulo. Assim, você pode ir ao sumário e pensar:

— Quiálteras! Mas o que é isso? Vou começar com esse ca-pítulo...

Além disso, por se tratar de um livro com temática musical,

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procurei mesclar o discurso textual com símbolos da partitura. Embora de universos distintos, música e texto apresentam inú-meras conexões: o respeito à pausa, à sonoridade, à repetição de trechos, etc. Como disse para mim um bolsista de viola:

— Nós contamos as mesmas histórias! Só que de maneiras diferentes.

Todos os símbolos musicais foram intencionais e comple-mentam o discurso textual. Cabe ao leitor selecionar se quer encarar tais símbolos como ornamentos ou parte integrante da leitura.

Dessa maneira, disponibilizo aqui o significado dos símbo-los utilizados:

Pausa: corresponde à ausência do som

Contratempo: deslocamento do acento musical

Ponto de diminuição: reduz o tempo da nota

Ponto de aumento: expande o tempo da nota

Fermata: expande a duração da nota

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Quiálteras: notas que não obedecem ao tempo normal do compasso

Símbolo que remete à repetição a partir de outro trecho musical

Pentagrama: linhas onde se escreve a par-titura

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Prelúdio

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Moderato da sinceridade ♫

♫ Em italiano, a palavra moderato significa “moderadamente”. Na música, moderato corresponde a um andamento mediano - entre um tempo rápido e um lento.

Essa coisa aqui precisa de desprendimento, mesmo que momentâneo.

Esqueça a amada imortal de Beethoven e, sobretudo, sua surdez. Esqueça a esquizofrenia de Schumann, a tuberculose de Chopin, a cegueira de Bach, as crises de asma de Vivaldi, a unha encravada de Villa-Lobos.

Esqueça também a homossexualidade de Tchaikovsky, o temperamento contestador de Debussy, os talentos culinários de Rossini, o perfeccionismo de Mahler, a rebeldia de Paganini, a fortuna de Mendelssohn, o misticismo de Scriabin.

Não falarei da valsa de Strauss, nem do bolero de Ravel, nem do dodecafonismo de Schoenberg, nem da Carmen de Bi-zet...

Não discorrerei sobre possibilidades: as ideias nazistas de Wagner, as amantes de Liszt, a rivalidade entre Salieri e Mozart, o amor platônico entre Brahms e Clara Schumann, a síndrome de Marfan em Rachmaninoff.

Nenhum mito, jornada do herói, doença terminal, crítica musical, curiosidade e/ou mexerico histórico.

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Essa coisa aqui foi composta no presente do indicativo.Música, Brasil, século XXI. Eu precisava de uma matéria-

prima, um espaço/tempo, aquilo que os pesquisadores cha-mam de corpus – senhora robusta de temperamento intrigante.

Entretanto, nesse mundo em que “a comunicação morre por excesso de comunicação”♪. Ah! Tudo já foi dito, explicado, industrializado, midiatizado em nobres verborragias...

Ou quase tudo? Foi acreditando no “quase tudo” que essa coisa existe. Para resumir o processo, eu recorro ao queísmo (os puristas

que me desculpem!): a pianista frustrada que virou estudante de jornalismo que queria escrever um livro esdrúxulo que en-controu uma meia dúzia de pessoas que acreditaram no seu projeto.

E onde estava a senhora robusta? Ela estava próxima: Festival Internacional de Inverno de

Campos do Jordão. Senhora de vários parentes: patrocinadores, co-patrocina-

dores, políticos, apoiadores culturais, apoiadores institucio-nais, produtores, artistas, imprensa, críticos musicais... Mas os “parentes” já eram famosos, ou pelo menos conhecidos, fontes oficiais acostumadas a discursos.

Eu queria o não dito, o anonimato musical: aquela “massa” de aproximadamente 150 músicos chamada bolsista.

— O que você é?

♪ SFEZ, Lucien. A comunicação. Tradução Marcos Marcionilo. São Paulo: Martins, 2007. p. 28.

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— Eu sou bolsista! No guia de programação do Festival, bolsista se resume a

uma tríade remissiva: instrumento, nome e país. Quiçá, uma matéria no jornal para confirmar a excelência do evento.

E foi assim, sem muita burocracia e/ou formalismo, que obtive “livre acesso” às atividades do Festival de Inverno nos anos de 2008 e 2009. Aqui, o verbo to be aceita apenas uma mo-dalidade: eu estava no Festival, mas eu não era um dos mem-bros.

Aqui, o “estar sem ser” não foi tão ruim: essa peculiar con-dição permitiu as conversas, a espontaneidade e até a cumpli-cidade com “os” bolsistas e tantos outros anônimos de Campos do Jordão.

Mas eu fui repórter?— Por mediação e não finalidade. Isto é, não tive aquela

urgência em veicular reportagens para a senhora imprensa. Eu fui repórter se você aceita a postura de que este pode ir

além de “registrar fatos”: repórter pode compartilhar, rir, cho-rar, sentir e identificar-se.

Caso não concorde, talvez eu possa me definir como “bol-sista-repórter”:

Naipe – não identificado. Instrumento – cadernos de anotações vermelhos e qualquer

caneta ou lápis. Nome – M. B. S. País – Brasil. Por um “quase tudo” essa coisa aqui existe. Por acreditar

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numa transposição: retiramos a preposição sobre e escrevemos com – com música, com músicos, com pessoas.

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O Festival

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Andante dos cenários ♪

Muitos são as expressões que rondam o Festival de Inverno de Campos do Jordão: “o mais importante festival de música erudita da América Latina”, “o responsável por algumas gera-ções de músicos do país”, “local de apresentação de ídolos aos jovens bolsistas”, “grande oportunidade de aprendizado”.

Mas entre o real e o parecer real, inúmeras transposições musicais ocorrem...

Preventório Santa Clara. Tuberculose. Prevenção. Por muitas décadas, Campos do Jordão foi apenas destino

de pessoas enfermas. Em minha primeira corrida pela cidade, o taxista Mariano sentenciou:

— Hoje é bonito dizer que se mora em Campos do Jordão! Cidade cara, turística. Mas uns 30 anos atrás, quando dizia que morava aqui, existia aquele olhar estranho como quem pergun-ta: “você é tuberculoso?”

O principal local de estudo dos bolsistas é um antigo pre-ventório para crianças órfãs de pais tuberculosos. Atualmente,

♪ O movimento do Andante corresponde ao andar humano, a velocidade mediana.

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pertence à Sociedade de Cardiologia, sendo que a produção do Festival aluga o espaço.

Preventório. Local labiríntico em que qualquer espaço se transforma em

sala de estudo. Banheiros se tornam locais disputadíssimos, já que muitos professores aconselham tocar em frente ao espelho para se observar a postura. Sempre existe algum contrabaixista embaixo de uma escada. E o gramado da entrada torna-se local acirrado em dias ensolarados.

Preventório é a mini-cidade do festival. Lugar para as refei-ções (almoço e jantar), momentos da sesta no gramado, o xerox, a sala de informática e até um “futebolzinho”descompromissado.

Local para buscar aquele “cafezinho” na copa administrati-va lá pelo fim da tarde.

— Mas seja discreta! – aconselha-me um dos professores do festival.

Preventório. Babel de sons, línguas e gestos. Em apenas dez passos, você pode encontrar um professor

alemão que ministra aulas em inglês, outro professor holandês que entende “alguma coisa” do português. Para ter uma identi-dade com os alunos brasileiros, muitos professores estrangeiros aprendem a indicar os dedos da mão:

— (sotaque de gringo) Pri-mei-ro de-do... Se-gun-do de-do... Ter-cei-ro dedo... Quar-to de-do...

Preventório. Árduo local de pesquisa: tantas aulas, ensaios, conversas... Tudo acontecia ao mesmo tempo! E um dia andan-do pelos corredores com meu caderninho em mãos, o professor