DETENÇÃO E PRISÃO DISCIPLINAR CAUTELAR NA POLÍCIA...
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DETENÇÃO E PRISÃO DISCIPLINAR CAUTELAR NA POLÍCIA MILITAR DO PARANÁ
Heitor Paulo Klein Felicio1
Resumo A prisão e a detenção disciplinar militar cautelar no âmbito da PMPR trilham por um caminho infrequente, considerando a decisão de várias autoridades administrativas militares. Umas recebem entendem ser plausível e legal a aplicação destes institutos de restrição da liberdade de militares estaduais cautelarmente, , enquanto outras, mesmo em casos semelhantes, não o fazem. Essa diversidade de interpretações tem gerado insegurança aos militares estaduais e causando uma instabilidade nas relações administrativas disciplinares. Através da análise da legislação e doutrina, procurou-se estabelecer embasamento legal quanto a aplicabilidade dos institutos ante ao sistema jurídico pátrio, a posição que entende-se ser a que mais coaduna com as garantias constitucionais e com a preservação da hierarquia e disciplina militares. Palavras-chave: Prisão, detenção, cautelar, disciplinar, policial militar. Abstract The arrest and detention discipline within the military injunction PMPR tread a path infrequent considering the decision of several military administrative authorities. Receive some consider to be plausible and cool application of these institutes restriction of freedom of state military precaution, while others, even in such cases, do not. This diversity of interpretations has led to insecurity and state military causing instability in relations administrative disciplinary. Through the analysis of legislation and doctrine, sought to establish legal grounds as to the applicability of the institutes before the Brazilian legal system, the position that is meant to be more consistent with constitutional guarantees and the preservation of military discipline and hierarchy. . Key-words: Arrest, detention, injunction, disciplinary military policeman.
1 Aluno do curso de Pós Graduação em Direito Militar Contemporâneo da Universidade Tuiuti do
Paraná. Profissão: Militar Estadual. E-mail: [email protected]
1 INTRODUÇÃO
A existência do direito disciplinar como ramo do direito é contemporâneo,
tangenciando os aspectos penais, processuais e administrativos, transitando nas
premissas constitucionais vigentes, sendo portanto, relevante o estudo do tema
proposto.
Adrede, a possibilidade de no campo administrativo disciplinar, o militar
estadual ser detido ou preso cautelarmente, quando isso for premente para a
preservação da disciplina, bem como em outros casos em que se exige pronta
intervenção, infere sobremaneira na jurídica deste e da administração.
A Constituição de 1988 estabeleceu uma nova realidade jurídica. Deste
marco, insurge uma democracia angular, humanista e garantista dos direitos
fundamentais do ser humano, da qual, em seu artigo 5º, inciso LIV se extrai que
“ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”,
e já no inciso seguinte, estabelece que aos litigantes ser-lhes-á assegurado o
contraditório a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Destarte existindo tais garantias, a própria Constituição cuidou de
excepcioná-las quanto aos militares no mesmo artigo, porém no inciso LXI, o qual
aduz que nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos
em lei, não se faz necessário estar em flagrante delito ou ter ordem escrita e
fundamentada de autoridade judiciária.
Assim, da exegese deste inciso se abstrai, em tese, a possibilidade de
prisão por transgressão militar cautelarmente, sem defesa prévia, ou seja, sem a
existência prévia de um processo regular. Como se pretende examinar no presente
trabalho, esse entendimento nos parece encerrado na normatização
infraconstitucional, que regula a disciplina no âmbito das Forças Armadas
Brasileiras, a qual, especificamente o Regulamento Disciplinar do Exército, é
utilizado pela Polícia Militar do Estado do Paraná, conforme dispõe o Regulamento
Interno e dos Serviços Gerais em seu artigo 4822.
Embora aparente conflito de preceitos, como se pode observar, a matéria
não pode ficar adstrita ao âmbito do Direito Constitucional, mas devemos perquirir
2 Art. 482. Na PMPR terá aplicação o Regulamento Disciplinar próprio ou aquele em vigor no Exército
Brasileiro, com as alterações constantes deste regulamento.
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em outras áreas do conhecimento, como o Direito Administrativo Militar, mais
especificamente.
Ante ao acima explicitado, abrolha o problema quanto à probabilidade ou
não da aplicabilidade de prisão cautelar ao militar, quer federal ou das polícias
militares, quando de transgressão disciplinar militar. Ou seja, pode o superior
hierárquico realizar a prisão cautelarmente, quando tal decisão se fizer necessária
para a preservação da disciplina ou exija imediata intervenção?
Estudar a medida de restrição de liberdade cautelar e ultimar sobre a
admissibilidade e viabilidade defronte normas e princípios constitucionais, é o
escopo do presente trabalho e, para se chegar a bom termo.
Perquirir-se-á sobre as particularidades da atividade policial militar, definindo
transgressões da disciplina militar e crime militar, distinguindo-os, além de definir
prisão provisória e os princípios atinentes a este instituto, analisar as sanções
disciplinares, bem como, examinar se no regime jurídico pátrio, é plausível a
aplicação da detenção e prisão provisória em consequência de transgressão da
disciplina militar, consoante aos princípios constitucionais e administrativos
concernentes.
Indubitavelmente o assunto é deveras ambíguo face à ordem jurídica
vigente.
Adrede, ao optar pelo tema "Detenção e Prisão Disciplinar Cautelar na
Polícia Militar do Estado do Paraná", procurou-se harmonizar o cumprimento da
cominação curricular da especialização latu sensu em Direito Militar Contemporâneo,
que prevê a elaboração de um artigo como condição sine qua non para o arremate
do Curso, e o interesse relacionado a minha experiência profissional, nos mais de
vinte cinco anos de serviço prestado a Sesquicentenária Polícia Militar do Estado
do Paraná, e principalmente, nos último anos, na Corregedoria-Geral, consolidando-
se, desta forma, os conhecimentos jurídicos do aludido curso.
2 A PROFISSÃO POLICIAL MILITAR
Antes de analisarmos o tema proposto, faz-se premente entender esta
profissão, por vezes considerada exercida por heróis e outras por algozes, com o
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objetivo de perceber as particularidades desta vida e a dinâmica única desta
atividade profissional.
Salutar lembrar que com o advento da Emenda Constitucional nº 18, de 5 de
fevereiro de 1998, a qual inseriu no artigo 42 da Constituição Federal os princípios
da hierarquia e disciplina como base da organização das polícias e bombeiros
militares, passou também, à condição de militares dos Estados, do Distrito Federal e
dos Territórios todos os seus integrantes, situação que atribuiu maior
responsabilidade a estes profissionais, especialmente os valores proeminentes
destas Instituições de segurança pública. (VALLA, 2011. p. 55)
A natureza jurídica dos policiais militares é deveras peculiar, em decorrência
da destinação constitucional das Forças de Segurança Pública, os Militares
Estaduais, consoante dispõe o artigo 144 da Constituição Federal3, são Forças
Auxiliares e Reserva do Exército Brasileiro e subordinam-se aos respectivos
Governadores.
Em que pese a Constituição de 1988 ter assegurado aos cidadãos
brasileiros muitos direitos fundamentais, aos militares, federais ou estaduais, negou
alguns destes, pois a condição de “militar” remete a estes exigências peculiares, as
quais não são atribuíveis a qualquer outro profissional. Dentre elas, cabe lembrar, o
risco da própria vida, a sujeição a preceitos rígidos de hierarquia e disciplina, a
proibição de participação em atividades politicas-partidárias, sindicalização e greves,
a restrição de alguns direitos sociais e a submissão a regulamentos disciplinares e
leis penais e processuais próprias.
Neste contexto, a disciplina e a hierarquia são princípios basilares destas
Instituições armadas, alicerces sociais e estruturais, o que nos leva a ponderar o
tema e a realidade das Instituições Militares Estaduais, em face de sua origem e
missão constitucional, as quais corroboram seu valor e distinção no cotidiano da
sociedade, e em havendo transgressão disciplinar, tais atitudes devem ser
aquilatadas e em sendo procedentes, o seu autor precisa ser responsabilizado,
sendo cogente à Administração Castrense a sua atuação como ente sancionador
administrativo.
3 Art. 144. omissis
(...) § 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
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Entretanto, como a responsabilização do infrator é decorrente do devido
processo legal, mas em havendo necessidade, como anteriormente dito, pode a
autoridade administrativa cercear a liberdade do transgressor?
O Poder Constituinte vislumbrou que as peculiaridades especiais da
profissão policial-militar, subordinam o miliciano a severas sanções, tanto no campo
do direito, quanto no campo ético-moral. (VALLA, 2011, p. 55)
Marçal Justen Filho (2008, p. 725) ao escrever sobre o regime jurídico dos
militares, aduz que uma característica fundamental reside na noção rigorosa da
observância da hierarquia e disciplina e a imposição de deveres de sacrifício da
segurança pessoal para a satisfação das necessidades coletivas.
Oportuno é o voto do Ministro do Supremo Tribunal Federal Ayres Brito, no
julgamento do Habeas Corpus nº 94.685/CE, in verbis:
Vê-se, então, que a hierarquia e a disciplina militares não operam como
simples ou meros predicados institucionais das Forças Armadas brasileiras,
mas, isto, sim, como elementos conceituais e vigas basilares de todas elas.
[...] a disciplina importa a permanente disposição de espírito para a
prevalência das leis e regramentos que presidem por modo peculiar a
estruturação e o funcionamento das instituições castrenses. [...]
Fagundes (2003, p. 203) explica que nas Instituições armadas, se faz
necessário a obediência hierárquica, abrolhada de uma superioridade jurídica
cominada pela força do direito, caso contrário, tais instituições seriam formadas por
um bando armado. Assenta o doutrinador que uma Corporação armada, na qual
seus integrantes possam livremente discutir a ordem legal, é um perigo à
tranquilidade pública.
Infere-se ainda nos preceitos de Martins (1996, p. 23-24), que para os
militares, a hierarquia e a disciplina encerram significados distintos do que possuem
para os demais servidores, pois para aqueles é como um código de honra que todos
abraçam e reverenciam de maneira incontestável.
Inclusive, ao estudarmos o Direito Penal Militar, vemos que esta norma tem
por escopo a proteção do Estado, em seguida a autoridade, a disciplina e o serviço
militar e por derradeiro, a vida, contrariamente dispõe a norma repressiva destinada
aos cidadãos comuns, que primeiramente protege a vida.
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Notoriamente, outra distinção importante é o compromisso de honra
prestado por ocasião do ingresso na Corporação. O artigo 47, da Lei estadual n.°
1.943/54 - Código da Polícia Militar, in verbis:
Art. 47 - Compromisso é o ato pelo qual o militar presta juramento solene de
subordinação às leis e aos seus deveres.
Art. 48 - Perante o Comandante Geral, prestará compromisso o militar que
ingressar no oficialato, jurando desempenhar com honra, lealdade e
sacrifício de sua própria vida, as obrigações do seu posto, na defesa da
Pátria, do Estado, da Constituição e das Leis.
Art. 49 - Os elementos que se alistarem na Corporação, prestarão
solenemente o seguinte compromisso:
Alistando-me soldado na Polícia Militar do Estado, prometo regular
minha conduta pelos preceitos da moral, respeitar os meus superiores
hierárquicos, tratar com afeto os meus companheiros de armas e com
bondade aos que venham a ser meus subordinados; cumprir rigorosamente
as ordens das autoridades competentes e votar-me inteiramente ao serviço
do Estado e de minha Pátria, cuja honra, integridade e instituições,
defenderei com o sacrifício da própria vida.
Neste compromisso o miliciano aceita conscientemente as obrigações e
deveres militares, manifestando sua disposição em bem cumpri-los.
Wilson Odirley Valla (2011, p. 29) afirma que em decorrência destas
obrigações, a atividade policial militar “[...] está inserida num atuar deontológico
permeado por princípios particulares e próprios, todos fundamentados na hierarquia,
na disciplina e no dever militar.”
Por derradeiro, conforme se vislumbra acima, o militar estadual, em certas
liberdades e direitos, experimenta verdadeira capitis diminutio, plenamente
justificáveis em decorrência da atividade a que exerce, que exige do cidadão militar
estadual o sacrifício da própria vida em favor da coletividade.
3 A TRANSGRESSÃO E A PUNIÇÃO DISCIPLINAR MILITAR
No âmbito do Direito Administrativo Militar, se houver a violação do dever
inerente à função, ter-se-á uma transgressão disciplinar e, logicamente, em
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decorrência desta, há imperiosa necessidade da concretização de ato
responsabilizador do seu autor, com vistas á manutenção da ordem intra corporis.
Neste sentido, o Regulamento Disciplinar do Exército, em seu artigo 8º,
afirma que a disciplina é a “[...] rigorosa observância e o acatamento integral das
leis, regulamentos, normas e disposições, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento
do dever por parte de todos e de cada um dos componentes do organismo militar.”
3.1 TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR
A transgressão é a desobediência, o descumprimento, a infração, a violação
ou a postergação de uma conduta previamente estabelecida (AURÉLIO, 1999) e a
subsunção a esta ações implica ao miliciano a “transgressão disciplinar”.
O Regulamento Disciplinar do Exército, em seu artigo 14, conceitua
transgressão disciplinar como "[...] toda ação praticada pelo militar contrária aos
preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e
às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples [...]" e no
seu artigo 15 aduz que são transgressões “[...] todas as ações especificadas no
anexo I desse regulamento".
Este rol de transgressões pode-se afirmar, é exemplificativo, o qual
apresenta 113 itens, inclusive pela inteligência do item número 9, senão vejamos:
9. Deixar de cumprir prescrições expressamente estabelecidas no Estatuto
dos Militares ou em outras leis e regulamentos, desde que não haja
tipificação como crime ou contravenção penal, cuja violação afete os
preceitos da hierarquia e disciplina, a ética militar, a honra pessoal, o
pundonor militar ou o decoro da classe;
Portanto, é imperativo entender o que é transgressão para se estruturar de
maneira clara, as condutas transgressionais, para que sejam compreendidas de
imediato por seus destinatários.
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3.2 PUNIÇÃO DISCIPLINAR
Com a prática de transgressão pelo administrado, nasce para o Estado
sancionador o poder/dever de punir o transgressor. Valla (2011, p. 182) diz que a
decorrência natural do descumprimento de uma obrigação ou dever, nasce a
responsabilidade pessoal do infrator.
Isto é o disposto na Lei 1943/54 - Código da PMPR:
Art. 109 - A inobservância, falta de exação ou negligência no cumprimento
dos deveres especificados em lei e regulamentos, acarreta responsabilidade
funcional, pecuniária, disciplinar ou penal, consoante a legislação em vigor.
Assim, identificada a transgressão à disciplina militar, fica seu transgressor
sujeito à sanção correspondente a ser aplicada pela Administração Castrense.
Adrede, o ato punitivo é o que insere uma sanção cominada pela
administração em desfavor daquele administrado que infringiu lei ou regulamento e
tem por objetivo a punição e coibição de comportamentos irregulares, quer por
aquele que a praticou bem como, pelos demais servidores. (MEIRELLES, 2002, p.
190 e 191)
O ato punitivo, enquanto ato administrativo, deve possuir alguns requisitos,
que para Di Pietro (2008, p. 186), embora não haja uniformidade, é a presunção de
legitimidade ou veracidade, a imperatividade, a executoriedade e a
autoexecutoriedade, que nas palavras da doutrinadora, são “[...] verdadeiras
prerrogativas do poder público, dentre as muitas que o colocam em posição de
supremacia sobre o particular [...].”
Já para Meirelles (2002, p. 146 e 147) os requisitos para a existência do ato
administrativo será a competência, a finalidade, a forma, o motivo e o objeto, sem os
quais, não se aperfeiçoa o ato, consequentemente, não terá eficácia para produzir
efeitos válidos.
No âmbito disciplinar militar, este ato, segundo afirma o Supremo Tribunal
Federal, deve ser aplicado por superior hierárquico, este deve ter o poder disciplinar,
o ato deve ser ligado à função e a pena ser susceptível de aplicação, senão
vejamos:
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[...] nas transgressões disciplinares não cabia "habeas corpus", não impedia
que se examinasse, nele, a ocorrência dos quatro pressupostos de
legalidade dessas transgressões (a hierarquia, o poder disciplinar, o ato ligado a função e a pena susceptível de ser aplicada disciplinarmente), [...] (HC 70648, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado
em 09/11/1993, DJ 04-03-1994 PP-03289 EMENT VOL-01735-01 PP-
00110)
Por conseguinte, para que o ato disciplinar tenha validade, se faz
imprescindível preencher os requisitos inerentes ao ato administrativo.
4. PRISÃO E DETENÇÃO CAUTELAR EM FACE DE TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR MILITAR
Conforme acima comentado, a Constituição da República, no inciso LXI do
artigo 5º, dispõe que para alguém ser preso, há necessidade de estar em flagrante
delito ou por ordem de autoridade judiciária, exceto nos casos de transgressão
disciplinar militar ou por crimes propriamente militares.
Pela dicção do referido inciso, depreende ser aplicável o artigo 184 do
Código de Processo Penal Militar quanto ao cerceamento da liberdade de militar,
sem que esteja este, em flagrante ou se tenha ordem de autoridade judiciária.
De outra sorte, a própria Lei Maior aduz que para haver privação de
liberdade, é preciso que anteceda o devido processo legal, quer na esfera judicial ou
administrativa, sendo assegurado aos acusados, a ampla defesa e o contraditório,
com os meios e recursos inerentes (Art. 5º, LIV e LVI, CF/88), condição que
obstaculizaria a possibilidade de realizar o cerceamento de liberdade cautelarmente
na esfera disciplinar, antes que se encerre o devido processo.
O devido processo legal não é tão somente a observância do rito processual,
mas possui abrangência maior, advindas dos princípios Constitucionais da ampla 4 Art. 18. Independentemente de flagrante delito, o indiciado poderá ficar detido, durante as
investigações policiais, até trinta dias, comunicando-se a detenção à autoridade judiciária
competente. Esse prazo poderá ser prorrogado, por mais vinte dias, pelo comandante da Região,
Distrito Naval ou Zona Aérea, mediante solicitação fundamentada do encarregado do inquérito e por
via hierárquica.
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defesa e do contraditório, da paridade das partes, do duplo grau de jurisdição, do
juiz natural e da imparcialidade deste, da presunção de inocência, somente a título
de exemplo.
Quanto à ampla defesa, é a garantia que o acusado tem de ver asseguradas
as condições que lhe permitam juntar ao processo todas as provas e elementos que
julgar pertinentes ao esclarecimento dos fatos. Insere-se na ampla defesa o
contraditório, eis que todo ato acurado pela acusação, na esfera administrativa
representada pela Administração, impingirá igual direito à defesa, que poderá opor-
se ou apresentar versão diversa sobre a mesma prova.
Parte dos doutrinadores entende que a existência de disposição normativa
que porventura limite o devido processo legal e seus corolários do contraditório e da
ampla defesa caracteriza a verdade sabida e que, portanto jazeria eivada pela
inconstitucionalidade.
Álvaro Lazzarini (2000, p. 16), entende que a verdade sabida está
erradicada de nosso ordenamento jurídico, in verbis:
Predomina, hoje, o entendimento, entre os estudiosos do poder disciplinar,
de estar vedado a aplicação de sanção disciplinar pela ‘verdade sabida’,
diante da norma constitucional do art. 5.º, inciso LV, da Constituição da
República que assegura e exige que, nos processos administrativos, ao
acusado em geral seja deferido o contraditório e a ampla defesa, com os
meios e recursos a ela inerentes, com o que se desnaturou, por completo, a
"verdade sabida".
Contudo, não é demais advertir que o Supremo Tribunal Federal tem se
manifestado, reiteradamente no sentido de que as garantias de direitos individuais
não são absolutas, mas sim, relativas, a depender do momento em que se choca
com outros interesses superiores do Estado. Nenhum direito constitucional é
absoluto, pois tem que conviver com os demais. Nesse sentido:
Os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto. Não há, no
sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de
caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou
exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam,
ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de
medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que
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respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto
constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que
estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa -
permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de
um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a
assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou
garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com
desrespeito aos direitos e garantias de terceiros. (MS n.° 23.452, Rel. Min.
Celso de Mello, DJ 12/05/00).
Nas palavras de Assis (2008, p. 158) para aplicação destes institutos
cautelares, previamente se faz necessário a ocorrência de transgressão disciplinar
de natureza grave, a necessidade de preservação da disciplina e do decoro, a
exigência de pronta intervenção para se evitar mal maior, bem como, se quem
estiver realização a constrição da liberdade for subordinado, agir em nome da
autoridade superior à do infrator e a comunicação posterior do ato.
4.1 PRISÃO E DETENÇÃO CAUTELAR
Na dicção de Guilherme de Souza Nucci (2013, p. 258) a prisão cautelar é
uma constrição à liberdade do acusado, por razões de necessidade, respeitado o
estabelecido em lei, possuindo quatro pressupostos, a saber: a natureza da infração,
a probabilidade de condenação (fumus boni juris), o perigo na demora (periculmin
mora) e o controle jurisdicional prévio.
Para Rangel (2004, p.581) é medida restritiva de liberdade que recai sobre o
acusado antes da sentença definitiva. Entretanto, no entender do doutrinador, esta
prisão não pode ser entendida com um pré-reconhecimento da culpa, pois a
decretação do instituto deve ser visto considerando-se a periculosidade e não a
culpabilidade do acusado.
A prisão cautelar tem por objetivo tutelar um bem jurídico com o fito de se
evitar as consequências do periculum in mora e garantir ulterior execução da pena
exarada na sentença e obrigatoriamente, deve assentar-se num juízo de
probabilidade e deve ser decretada quando existam indícios que o cumprimento da
sentença possa ser frustrado em razão do comportamento do acusado.
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Leciona Antônio Scarance (2007, p. 328) que para não haver ofensa ao
princípio da inocência do acusado, a prisão cautelar não pode significar antecipação
de pena e precisa ser abalizada nos pressupostos do fumus comissi delicti, a fumaça
do bom direito que se verifica com a existência do crime e da autoria e no periculum
libertatis, ou seja, o perigo de o acusado permanecer solto e impedir a correta
solução do caso ou a aplicação da sanção punitiva.
A validade deste instituto tem por escopo a observância do princípio
constitucional da inocência, o qual em hipótese alguma tem o desiderato de afastar
esta espécie de prisão, a qual continua sendo reconhecida pela jurisprudência
pátria, de forma pacífica, não obstante a presunção juris tantum de não culpabilidade
dos acusados.
A Corte Suprema Brasileira, ao apreciar matéria correlata, assim firmou
entendimento nos seus julgados:
[...] Impõe-se advertir, no entanto, que a prisão cautelar - que não se
confunde com a prisão penal (carcer ad poenam) - não objetiva infligir
punição à pessoa que sofre a sua decretação. Não traduz, a prisão cautelar,
em face da estrita finalidade a que se destina, qualquer idéia de sanção.
Constitui, ao contrário, instrumento destinado a atuar "em benefício da
atividade desenvolvida no processo penal" (BASILEU GARCIA,
"Comentários ao Código de Processo Penal", vol. III/7, item n. 1, 1945,
Forense). (HC 80719 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em
23/03/2001, publicado em DJ 29/03/2001 P-00008)
[...] A PRISÃO PREVENTIVA CONSTITUI MEDIDA CAUTELAR DE
NATUREZA EXCEPCIONAL. [...] somente devendo ser decretada em
situações de absoluta necessidade [...] impõe - além da satisfação dos
pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência
material do crime e indício suficiente de autoria) - que se evidenciem, com
fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da
imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da
liberdade do indiciado ou do réu. [...] A prisão preventiva não pode - e não
deve - ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição
antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema
jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da
liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com
condenações sem defesa prévia. A prisão preventiva - que não deve ser
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confundida com a prisão penal - não objetiva infligir punição àquele que
sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal. [...] O princípio constitucional da não-
culpabilidade, em nosso sistema jurídico, consagra uma regra de tratamento
que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao
suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já
houvessem sido condenados definitivamente por sentença do Poder
Judiciário. (HC 80719, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda
Turma, julgado em 26/06/2001, DJ 28-09-2001 PP-00037 EMENT VOL-
02045-01 PP-00143) (grifo nosso)
No âmbito penal castrense, o código processual (CPPM) comtempla as
modalidades de prisão em flagrante (art. 243), a prisão preventiva (art. 254) e a
detenção do indiciado durante o Inquérito Policial Militar (art. 18), sendo esta última
modalidade exclusivamente para os crimes propriamente militares.
Cumpre salientar que a Constituição Federal defere tratamento especial aos
crimes militares bem como às transgressões disciplinares militares, excepcionando-
as quanto ao tratamento que deve ser dispensado, em razão da identidade destes
institutos. Neste pormenor, prevalece a regra de direito ubi eadem ratio ibi eadem
legis dispositio, ou seja, onde existe a mesma razão, aí se aplica o mesmo
dispositivo legal.
Desta forma, não se pode olvidar a existência de analogia entre o Direito
Administrativo Disciplinar Militar e o Direito Penal e Processual Militar, vez que os
princípios norteadores deste último aplicam-se subsidiariamente ao primeiro.
4.2 PRISÃO E DETENÇÃO CAUTELAR DISCIPLINAR
Os princípios da hierarquia e da disciplina são fundamentais à esfera penal
militar, constituindo autênticos bens jurídicos a preservar, significando uma
modalidade garantidora da ordem pública, podendo ser a causa da decretação da
prisão preventiva. (NUCCI, 2013, p. 267)
Nesta seara de terreno movediço, deveras conturbador é a aplicação dos
institutos de prisão ou detenção cautelar disciplinar, na esfera militar, eis que embora
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acostados aos regulamentos disciplinares das Forças Armadas nacionais, se
sopesados à nova ordem Jurídica constitucional, suscita discussões acaloradas
entre os operadores do direito.
Dos artigos 12 e 35 do Regulamento Disciplinar do Exército depreende-se:
Art. 12. Todo militar que tiver conhecimento de fato contrário à disciplina,
deverá participá-lo ao seu chefe imediato, por escrito.
[...]
§ 2º Quando, para preservação da disciplina e do decoro da Instituição, a ocorrência exigir pronta intervenção, mesmo sem possuir ascendência
funcional sobre o transgressor, a autoridade militar de maior antiguidade
que presenciar ou tiver conhecimento do fato deverá tomar providências imediatas e enérgicas, inclusive prendê-lo "em nome da autoridade
competente", dando ciência a esta, pelo meio mais rápido, da ocorrência e
das providências em seu nome tomadas. (grifo nosso)
§ 3º No caso de prisão, como pronta intervenção para preservar a disciplina e o decoro da Instituição, a autoridade competente em cujo
nome for efetuada é aquela à qual está disciplinarmente subordinado o
transgressor. (grifo nosso)
Art. 35. O julgamento e a aplicação da punição disciplinar devem ser feitos
com justiça, serenidade e imparcialidade, para que o punido fique
consciente e convicto de que ela se inspira no cumprimento exclusivo do
dever, na preservação da disciplina e que tem em vista o benefício
educativo do punido e da coletividade.
[...]
§ 3º O militar poderá ser preso disciplinarmente, por prazo que não ultrapasse setenta e duas horas, se necessário para a preservação do decoro da classe ou houver necessidade de pronta intervenção. (grifo
nosso)
No mesmo sentido o Regulamento Disciplinar da Marinha (RDMar - Decreto
nº 88.545, de 26 de julho de 1983):
Art. 41 - O superior deverá também dar voz de prisão imediata ao
contraventor e fazê-lo recolher-se à sua Organização Militar quando a
contravenção ou suas circunstâncias assim o exigirem, a bem da ordem
pública, da disciplina ou da regularidade do serviço. (grifo nosso)
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O Regulamento Disciplinar da Aeronáutica, em seu artigo 34 (Decreto nº
76.322, de 22 de setembro de 1975 - RDAER) prevê que nenhuma punição será
imposta sem ser ouvido o transgressor e sem estarem os fatos devidamente
apurados. Entretanto, no mesmo artigo está previsto que:
Art. 34 - omissis
[...]
2 – [...] No caso de embriaguez, porém, poderá ficar desde logo, preso ou detido, em benefício da própria segurança, da disciplina e da manutenção da ordem. (grifo nosso)
Adrede, em que pese a previsão nos regulamentos disciplinares, há entre os
doutrinadores, àqueles que se insurgem contra esta possibilidade, dos quais cita-se
CUNHA (2004, p. 30), o qual afirma que :
Se se determina a prisão do militar, por que a ocorrência exige pronta
intervenção para preservar a disciplina e o decoro, e em sede de processo a
posteriori perante a autoridade competente justifica a falta não se terá mais
como livrá-lo do dano sofrido.
De outro lado, Santana (2006, p. 35), ao explanar sobre o inciso LXI, do
artigo 5º da Lei Maior, a fim de defender a legitimidade das prisões cautelares
disciplinares, leciona que:
[...] quando o assunto for o exercício do poder disciplinar em corporações
militares e a apuração de delitos de natureza militar própria, entenderam
os constituintes pátrios que a questão merecia maior cuidado,
independentemente do fato de que, para a aplicação de qualquer sanção
disciplinar, o único meio possível é o processo disciplinar onde sejam
assegurados ao infrator a mais ampla defesa e o contraditório, garantias essas, entretanto, que comportam exceções quando o fato exige ação imediata da autoridade, não sendo por isso absolutas, e nem poderiam
ser, exceto se se tratar a ressalva constitucional de norma sem sentido, fato
inaceitável em qualquer Estado que se diga legal e democrático de direito.
Mas de quais exceções se fala? Lógico que das detenções cautelares de indiciados investigados por crimes militares próprios e das detenções prévias de transgressores da disciplina militar, quando imprescindível sua manutenção nas dependências do quartel até uma avaliação
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pessoal e preliminar do seu comandante de conduta sua contrária aos regulamentos disciplinares. (grifos no original)
Ainda, a prisão provisória processual não retira do acusado a garantia do
devido processo legal e seus corolários, como a ampla defesa e o contraditório,
tampouco se consubstancia na verdade sabida, nem fere o princípio da inocência,
esculpido na Carta Magna, conforme retro demonstrado. Mas, a prisão ou a
detenção cautelar administrativa militar tem por objetivo proteger, como medida
cautelar que é, os princípios basilares das Instituições armadas, a hierarquia e a
disciplina, portanto, devem estes institutos terem o mesmo tratamento depreendido à
esfera penal processual militar, uma vez que as razões são iguais, prevalecendo a
disposição correspondente, na forma citada. Lembrando que a adoção destas
medidas restritivas de liberdade não tem o intendo de punir o militar, mas somente
fazer cessar um fato que por sua magnitude, exige pronta intervenção da autoridade
castrense para evitar mal maior.
Jorge Cesar de Assis (2008, p. 158) entende como possível a aplicação
dessa modalidade de prisão administrativa militar de natureza cautelar, apontando
duas razões:
A primeira, segundo a qual a medida cautelar encontra amparo
constitucional, exatamente no artigo 5º, LXI, que excepciona da exigência
do estado de flagrância e da ordem escrita e fundamentada da autoridade
judiciária competente, os casos de transgressão disciplinar ou crime
propriamente militar, definidos em lei.
A segunda, porque a medida se insere dentro do poder disciplinar que é
comum às instituições militares e, do dever de ofício que as autoridades
militares que presenciam ou tomam conhecimento de infração disciplinar de
natureza grave tem, de intervir prontamente e de forma enérgica.
A propósito, a autorização constitucional para que o administrador castrense
ou quem esteja investido de autoridade, possa realizar a detenção ou a prisão de
militar que em decorrência da prática de transgressão disciplinar, coloque em perigo
a Instituição ou os princípios basilares destas, está perfeitamente amoldado ao
ordenamento jurídico pátrio, embora alguns operadores do direito ainda não
alcancem este entendimento. Tal autorização de cerceamento da liberdade dos
militares, sem que haja autorização judicial para tal, está afeto à atividade que
16
desenvolvem, inclusive, em análise rasa, aparentemente a aplicação do instituto
repressivo cautelar macula outros princípios constitucionais, motivo da inquietação
levantada e objeto de estudo.
5 CONCLUSÃO
“É a existência dessa moral paralela na Administração Pública um problema
crucial de nossa época, por deixar sem qualquer sanção atos que, embora legais,
atentam contra o senso comum de honestidade e de justiça.” (DI PIETRO, 2008, p.
75)
Todos os atos humanos são juridicamente relevantes, porquanto
exteriorizam a vontade de seu agente. Nas palavras de Di Pietro (2008, p. 64), o
Direito deixou de ser apenas instrumento de garantia dos direitos do indivíduo e
passou a ser visto como meio para consecução da justiça social, do bem comum, do
bem-estar coletivo.
O regime jurídico brasileiro é corroborado por um conjunto de instrumentos
de cunho hermenêutico. São as regras de interpretação e aplicação do ordenamento
jurídico, as quais permitem dirimir as contradições e ampliar a harmonia entre as
normas. Estas técnicas são usualmente denominadas de princípios. (JUSTEN
FILHO, 2008, p. 73)
Consoante ficou assentado na pesquisa, os direitos e garantias
constitucionais individuais não são incondicionais, pois convivem com os outros
princípios de mesma magnitude, além dos direitos inerentes aos demais indivíduos
da mesma sociedade. Assim, a detenção ou a prisão cautelar administrativa militar,
conquanto medida restritiva de liberdade individual, é abrigada pela própria
Constituição Federal, pois insere um interesse maior, o funcionamento eficaz das
Instituições Castrenses, ao obstruir, de forma definitiva ação ou omissão que
conspurquem a hierarquia ou a disciplina.
Há que se vislumbrar que a atividade exercida pelos policiais militares possui
características especiais, vicissitudes que os diferenciam dos demais profissionais,
exigindo-lhes comportamento além do que se considera mediano. Esta faceta exige
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sacrifícios, inclusive a própria vida, o que é mais do que um simples risco da
atividade profissional, tudo com o proposito de bem servir àqueles que dependem do
Estado como garantidor da paz social.
A despeito de modus vivendi próprio, o militar estadual subsumi seu
comportamento aos princípios gerais do direito administrativo. As transgressões
disciplinares estão estampadas em regulamentos, os quais estão em sintonia com o
sistema jurídico pátrio.
Ao agir em desconformidade com o estabelecido nos regulamentos,
praticando um ato contrário à disciplina, à administração castrense surge o
direto/dever de apurar o fato e, se for o caso, punir o acusado. Para tal, o ato
disciplinar sancionador precisa ter sido emanado de autoridade competente, ter a
forma prescrita em lei, a finalidade de atingir o interesse público, o qual só é atingido
pela eficiência do serviço prestado, além do caráter reeducador da sanção aplicada.
As medidas acauteladoras em estudo, prisão e detenção cautelar disciplinar
militar, estão previstas no Regulamento Disciplinar do Exército, e, ante ao acima
exposto, provado está a necessidade de sua utilização, adequando-se aos princípios
constitucionais e às normas infraconstitucionais vigentes, quando essa constrição da
liberdade for imperativo à preservação da disciplina e nos casos que exijam pronta
intervenção.
Adverte-se que a utilização de tais medidas deve revestir-se de
excepcionalidade e em circunstâncias de extraordinária urgência e necessidade e,
devendo, nas palavras de Scarance (2007, p. 328) apresentar o fumus comissi delicti
e o periculum libertatis, pressupostos indispensáveis à decretação da prisão ou
detenção cautelar.
Justen Filho (2008, p. 863) diz que é inquestionável o poder/dever da
administração na promoção da responsabilização do infrator ante a existência de
uma irregularidade.
O que é válido deixar patente, nas palavras de Egberto Maia Luz (1994, p.
55), é que a responsabilidade por qualquer atividade que abarque a pessoa jurídica
do Estado, deve estar perfeitamente assinalada para abalizar o campo da integral
responsabilidade pessoal do agente que praticou tal ato.
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Precisamente por não poder dispor do interesse público, surge a importância
do exame deste instituto, a prisão ou detenção cautelar disciplinar. Neste diapasão,
a disciplina é tomada como expressão sinônima do comportamento, o qual genérico
e extenso dilui-se na conceituação mais rígida que se almeja apor.
Manifesto que a conduta singular do militar está subsumida a uma disciplina
que, se não é cominada por uma obrigação de fazer, o é por uma obrigação de não
fazer, quando isto está devidamente previsto, quer na consignação de faltas, quanto
no detalhamento dos deveres. Prepondera sobre a lista de atos puníveis,
concretamente, a instância moral administrativa devendo estar, não de forma atípica,
mas de imputação impecavelmente delineada para que não se configure abuso de
poder ou cerceamento de direito de defesa, o qual é assegurado pela Constituição.
A esfera da competência do militar, segundo Egberto Maia Luz (1994, p. 55)
está afeta aos rígidos princípios da hierarquia e da disciplina, sendo, portanto,
natural à obediência aos preceitos constitucionais e legais que regem todos os
militares, quer da ativa como os da reserva remunerada.
O Direito Administrativo Disciplinar ostenta caráter relevante para, de um
lado cominar a autoridade moral do Estado e, de outro, não convergir para qualquer
pecha de arbitrariedade, punindo o infrator sem o resguardo dos fundamentais
princípios constitucionais aplicáveis ao caso.
Pode-se assim afirmar, que para a administração castrense a referência de
aplicabilidade e fundamento da norma é a moral, sendo o fato típico um
complemento, gerando a tipicidade e a cominação legal, sendo absolutamente
ortodoxa a antijuridicidade, a qual se fundamenta na moral, a qual por sua vez,
advém da sociedade organizada.
Não se pode olvidar que a atividade policial militar exige disciplina elevada
para que se assegure a proficuidade da missão constitucional de segurança pública.
Desta forma, a administração não somente pode, mas tem o dever da apurar
qualquer irregularidade resultante o exercício da função pública.
Então como corolário absolutamente concludente, verifica-se que da
essência do direito de acoimar, procede à concretização da pena, a qual, porém,
não pode ser despótica nem extrapolada ou distinta da infração perpetrada pelo
acusado.
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A disciplina militar, como alhures dito, existe na justa proporção de senso de
responsabilidade e não é imódica a afirmação de que o Direito Administrativo
Disciplinar Militar abrange os mais heterogêneos, genéricos, objetivos e subjetivos
interesses do Estado da Sociedade.
O senso de responsabilidade, de acordo com Egberto Maia Luz (1994, p.
68), certamente suprimiria toda a aplicação prática do Direito Administrativo
Disciplinar.
A propósito, sopesadas as garantias constitucionais, as quais sempre serão
observadas e aplicadas pelas Organizações Policiais Militares, não olvidemos que o
cerceamento da liberdade de um transgressor tem impacto substancial em toda
corporação que tem o dever constitucional de garantia da ordem democrática.
Nesta toada, a disciplina e a hierarquia militares não operam como meros ou
simples predicados institucionais das forças de segurança, mas como conceituais
vigas basilares, dada a compostura jurídica destas. Significa que hierarquia implica
em superposição de autoridade, onde as mais graduadas comandam as de menor
graduação, que por imposição legal, devem obediência àquelas. A disciplina importa
a disposição permanente á obediência das leis e regulamentos.
Tal exegese desencadeará na concepção e prática de uma vida exemplar,
onde o compromisso de prestação de serviço e obediência às autoridades e
legislação projetam a normalidade, a regularidade, a colocação das coisas em seus
devidos lugares e a estabilidade jurídica.
Entretanto, a aceitação dos institutos citados, não implica na perda do senso
crítico quanto aos reclamos humanos mais elementares, como a liberdade. É de
conhecimento público que o indivíduo ao ingressar em uma Corporação Militar,
mesmo que estadual, o faz ciente que, independentemente de convicção filosófica,
política ou crença religiosa, passa a ter umas consciência cívica maior e
responsabilidade e deveres além dos exigidos para o cidadão comum, como uma
disciplina rígida, modo de um regime jurídico timbrado pelos encarecidos princípios
da hierarquia e da disciplina, sem os quais inexistiriam as instituições militares,
quiçá, as grandes empresas civis.
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