Didática I

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Disciplina Didática I Coordenador da Disciplina Profª. Nidia Maria Barone 4º Edição

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Page 1: Didática I

Disciplina

Didática I

Coordenador da Disciplina

Profª. Nidia Maria Barone

4º Edição

Page 2: Didática I

Copyright © 2010. Todos os direitos reservados desta edição ao Instituto UFC Virtual. Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada por qualquer meio eletrônico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, dos autores.

Créditos desta disciplina

Coordenação

Coordenador UAB Prof. Mauro Pequeno

Coordenador Adjunto UAB Prof. Henrique Pequeno

Coordenador do Curso Profª. Claudete Lima

Coordenador de Tutoria Profª. Pollyanne Bicalho Ribeiro

Coordenador da disciplina Profª. Nidia Maria Barone

Conteúdo

Autor da Disciplina Prof. Paulo Meireles Barguil

Colaborador Profª. Silvany Bastos Santiago

Setor Tecnologias Digitais - STD

Coordenador do Setor Prof. Henrique Sergio Lima Pequeno

Centro de Produção I - (Material Didático)

Gerente: Nídia Maria Barone

Subgerente: Paulo André Lima / José André Loureiro

Transição Didática Dayse Martins Pereira Elen Cristina Bezerra Elicélia Lima Gomes Enoe Cristina Amorim Fátima Silva Souza Hellen Paula Pereira José Adriano Oliveira Karla Colares Kamille de Oliveira Viviane Sá de Lima

Formatação Camilo Cavalcante Cícero Giovany Elília Rocha Emerson Mendes Oliveira Francisco Ribeiro Givanildo Pereira Sued de Deus Programação Andrei Bosco Damis Iuri Garcia Publicação João Ciro Saraiva

Design, Impressão e 3D André Lima Vieira Eduardo Ferreira Gleilson dos Santos Iranilson Pereira Luiz Fernando Soares Marllon Lima Onofre Paiva

Gerentes

Audiovisual: Andréa Pinheiro

Desenvolvimento: Wellington Wagner Sarmento

Suporte: Paulo de Tarso Cavalcante

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Sumário Aula 01: Escola, Sociedade, Trabalho docente e Didática .................................................................... 01 Tópico 01: Introdução à disciplina ......................................................................................................... 01 Tópico 02: Função Social da Escola: Manutenção ou Transformação da Realidade? ........................... 06 Tópico 03: Trabalho Docente: Características, Especificidades e Exigências do Cenário Contemporâneo ........................................................................................................................................... 11 Tópico 04: Didática: aspectos históricos, perspectivas atuais e contribuição para o trabalho docente . 17 Aula 02: O trabalho docente e a Didática ............................................................................................... 22 Tópico 01: As teorias educacionais e contribuições para o trabalho docente ........................................ 22 Tópico 02: Breve revisão de Piaget e Vygostsky ................................................................................... 33 Aula 03: Educação: crise de paradigmas ................................................................................................ 42 Tópico 01: Contextualizando a crise educacional .................................................................................. 42 Tópico 02: (Des)encontros na Escola e na Sala de Aula: Ética, Diálogo e Violência - I ...................... 54 Tópico 03: (Des)encontros na Escola e na Sala de Aula: Ética, Diálogo e Violência - II ..................... 63 Aula 04: Organização do Trabalho Docente .......................................................................................... 75 Tópico 01: Interdisciplinaridade e Transposição Didática ..................................................................... 75 Tópico 02: Inovações Pedagógicas ........................................................................................................ 85 Tópico 03: Planejamento Educacional ................................................................................................... 88 Tópico 04: Elementos de um Plano de Ensino ....................................................................................... 92

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Page 5: Didática I

TÓPICO 01: INTRODUÇÃO À DISCIPLINA

MULTIMÍDIA

Ligue o som do seu computador!

OBS.: Alguns recursos de multimídia utilizados em nossas aulas,

como vídeos legendados e animações, requerem a instalação da versão

mais atualizada do programa Adobe Flash Player©. Para baixar a versão

mais recente do programa Adobe Flash Player, clique aqui! [1]

PALAVRA DA COORDENADORA DA DISCIPLINA DE DIDÁTICA I

VERSÃO TEXTUAL

Olá,

Sou profª Nidia Barone, pedagoga, psicopedagoga, especialista

em educação, mestranda em Tecnologia da Informação e Comunicação

em formação para a EaD, gerente do Centro de Produção do Instituto

UFC Virtual, professora universitária ...

Estou também como professora conteudista de Didática I onde

abordaremos o que vem a ser "Ensinar". Ensinar não é apenas

transmitir conteúdos, executar tarefas, avaliar e aprovar ou reprovar.

Ensinar antes de tudo é dialogar com as infinitas possibilidades do

conhecimento; é abrir mentes, é combater a cegueira da escuridão

mental; é dar razão ao sentido da vida, do ser e do mundo. É repassar

firmeza, autoestima, capacidade, controle, atenção; é conduzir o ser ao

caminho certo da reflexão, da exatidão, da inexatidão, enfim, das

certezas e incertezas que nos conduzem na busca pelo saber.

Queremos também refletir sobre o seu papel enquanto educador.

Ser professor, não é apenas ser um diplomado, o dono do

conhecimento. Ser professor é mais que isso. É ser um mestre da

sabedoria e do transmitir a sabedoria. É dialogar com as múltiplas

possibilidades e dificuldades do ensinar; é ser compreensível,

atencioso e não ter medo de errar ou acertar; é ser um ser humano que

busca entender e ensinar o outro.

Portanto, nossa disciplina de didática, trará algumas questões

importantes sobre ensino, escola, sociedade, conhecimento,

aprendizagem, professor, aluno e planejamento. Indagações que

diariamente acompanham o dia a dia daqueles que se envolvem com a

educação.

Nossa disciplina de Didática para o curso de Licenciatura em

Matemática será dividido em três aulas que têm por objetivo:

• Destacar a função social da escola na sociedade;

DIDÁTICA I

AULA 01: ESCOLA, SOCIEDADE, TRABALHO DOCENTE E DIDÁTICA

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• Compreender o andamento do professor em sala de aula, bem

como saberes e competências;

• Analisar as concepções de ensino e aprendizagem diante das

dificuldades da atual educação brasileira;

• Verificar o papel do professor e do alunado mediante as

concepções de educação no Brasil;

• Compreender a importância do planejamento e da avaliação

escolar durante o processo de ensino e aprendizagem do aluno;

• Investigar os encontros e desencontros entre aluno, professor,

sociedade e violência escolar.

Na primeira aula focaremos a escola, a sociedade, o trabalho

docente e a didática. Nessa unidade, traçaremos definições

importantes sobre a Didática e de sua importância para a prática

docente em sala de aula: a didática como ferramenta do processo de

ensino aprendizagem do professor. Iremos trabalhar a relação aluno -

professor; o processo do ensinar e do aprender; e verificar a função

social da escola. Nosso objetivo é compreender o papel da escola na

sociedade; do professor e sua prática de ensino; da arte de ensinar e de

aprender.

Num segundo momento de nossa disciplina, discutiremos a crise

educacional no Brasil, traçando um olhar sobre a sala de aula, a

estrutura escolar, a realidade social e sua influência na educação, a

violência no ambiente escolar e a relação aluno - professor -

conhecimento - aprendizagem. O objetivo dessa unidade 2 é

compreender o processo de educação no Brasil, bem como verificar os

paradigmas educacionais que estão inseridos no processo de ensino e

aprendizagem do aluno.

Na terceira e última aula, discutiremos a organização do trabalho

docente, as inovações pedagógicas e o processo de planejamento das

aulas, o currículo, a interdisciplinaridade e as renovações do saber.

Nosso objetivo é entender o seguinte: o que ensinar? Como ensinar?

Por que ensinar? Com que ensinar?

Devemos pensar no saber e na forma de repassá-lo. E é por isso

que devemos traçar uma maneira criativa, amistosa e saudável de

educar. Dar aula não é uma tarefa fácil, pois exige muito de nós.

Contudo, só podemos afirmar uma coisa: existe enumeras maneiras de

ensinar invente a sua... !

Sejam todos bem vindos à disciplina de didática!

Forte abraço a todos,

Profª Nidia Barone

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Nesta disciplina, estudaremos sobre a Didática, a qual se constitui

num importante aspecto do trabalho docente, que precisa ser entendido na

complexa relação escola – sociedade.

Para compreender a Didática de forma crítica, convém que o professor,

constantemente, se indague:

• Qual é a função social da escola na atualidade?

• Que saberes e competências eu preciso ter para ser um bom profissional na sociedade contemporânea, caracterizada pela crescente competitividade?

• O que é Didática?

• Quais são as concepções de ensino e de aprendizagem em que acredito?

• Que papéis o professor e o estudante desempenham na relação pedagógica?

• Qual é a importância do planejamento e da avaliação na minha atividade profissional?

• Quais são e como se articulam os elementos constantes de um plano de trabalho?

As respostas para tais questionamentos são variadas e expressam,

dentre outros, valores éticos, cognitivos e políticos.

O exercício da docência pressupõe coragem tanto para formular tais

perguntas (e outras!) quanto para procurar respostas, as quais são sempre

parciais, tendo em vista o caráter dinâmico da vida.

Durante estas aulas, as temáticas acima serão discutidas, permitindo

que vocês, num processo individual e coletivo, (re)construam as crenças que

orientarão a sua prática profisssional.

A DIDÁTICA

Quantas vezes já ouvimos (e falamos): “Fulano não tem didática!” para

expressar a dificuldade desse(a) docente em socializar os conhecimentos aos

seus estudantes? Mas, o que é a Didática? É possível se aprender a ter

Didática? Se sim, o que é necessário?

DIDÁTICA, conforme o Dicionário Aurélio, é:

(CLIQUE AQUI PARA ABRIR)

“[Fem. substantivado de didático.] S. f. 1. A técnica de dirigir e

orientar a aprendizagem; técnica de ensino. 2. O estudo desta

técnica.” (FERREIRA, 1993, p. 587).

De acordo com a definição supra, a Didática é uma técnica (que dirige e

orienta a aprendizagem e de ensino) que pode ser estudada. Não é de se

estranhar, portanto, que, muitas vezes, os estudantes, no início desta

disciplina, tenham a expectativa de apreender tal técnica, que quase se

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Page 8: Didática I

equivaleria a receitas que, se seguidas fielmente, nos proporcionam quitutes

deliciosos.

Desde o século passado, a Educação tem vivido uma crise, a qual

demanda do professor uma compreensão quanto à sua natureza, de modo

que a sua atitude diante dela seja satisfatória.

Postulo que um dos fatores que contribui para este quadro educacional é

de natureza epistemológica, em virtude de o ensino, numa perspectiva

tradicional, ter primazia sobre a aprendizagem. Acredito que, de modo geral,

a preocupação do professor é muito mais com o ensino do que com a

aprendizagem.

As descobertas da neurociência na década recente ratificaram, de forma

incisiva, as teorias de aprendizagem que enfatizam a importância da

atividade do sujeito, da valorização das suas experiências e conhecimentos

prévios, os quais são ponto de partida para os conceitos que se deseja que ela

aprenda.

Tendo em vista que, conforme a definição supra, DIDÁTICA é um

substantivo originado de DIDÁTICO, convém conhecer, também, a definição

deste:

DIDÁTICO, conforme o Dicionário Aurélio, é:

(CLIQUE AQUI PARA ABRIR)

“[Do gr. Didaktikós.] Adj. 1. Relativo ao ensino ou à instrução, ou

próprio deles: problemas didáticos. 2. Próprio para instruir;

destinado a instruir: livro didático. 3. Que torna o ensino eficiente:

Bom professor, recorre em suas aulas a todos os expedientes

didáticos. 4. Típico de quem ensina, de professor, de didata: Tem um

modo didático de se exprimir.” (FERREIRA, 1993, p. 587).

Os problemas de aprendizagem revelam, na grande maioria das vezes,

problemas de ensino (de didática), em virtude de o professor acreditar que o

domínio de conteúdos e de certas técnicas é suficiente para garantir a

aprendizagem dos estudantes.

A volta de um personagem do século XVI ao Brasil

(CLIQUE AQUI PARA ABRIR)

A VOLTA DE UM PERSONAGEM DO SÉCULO XVI AO

BRASIL

(autor desconhecido)

No início do século XXI, o Sr. Teixeira, um grande professor

brasileiro do século XVI, voltou ao Brasil e, chegando a sua cidade,

ficou abismado com o que viu: as casas eram altíssimas e cheias de

janelas; as ruas eram pretas e passavam uma sobre as outras com uma

infinidade de máquinas andando em velocidade; o povo falava muitas

palavras que o Professor Teixeira não conhecia (poluição, telefone,

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Page 9: Didática I

rádio, avião, barato, metrô, cinema, televisão...); e as roupas deixavam

o professor ruborizado.

Tudo havia mudado. Muito surpreso e preocupado, o professor

visitou a cidade inteira e, cada vez menos, compreendia o que estava

acontecendo.

Resolveu, então, visitar uma igreja, mas que susto levou! O Padre

rezava a missa, não em latim, mas em Português e de costa para o

altar; o órgão estava parado e um grupo de cabeludos tocava, nas

guitarras, uma música estranha, ao invés do canto Gregoriano. O

desespero do professor aumentava...

Resolveu, ainda, viajar e visitar algumas famílias. Mas... o que

significava aquilo? Depois do jantar todos se reuniram, durante muitas

horas para ADORAR um aparelho que mostrava imagens e emitia

sons. O Professor Teixeira ficou impressionado com tanta capacidade

de concentração e de adoração!!! Ninguém falava uma palavra diante

do aparelho. Tudo havia mudado completamente e o Professor

Teixeira desanimava cada vez mais ...

Até que resolveu visitar uma escola e percebeu que tudo

continuava da mesma forma que ele havia deixado: as carteiras umas

atrás das outras; o professor falando, falando... e os alunos escutando,

escutando, escutando...

Como entender que a Educação escolar ainda utilize, a despeito das

inúmeras transformações sociais, muitas vezes, práticas pedagógicas que se

revelam, cada vez mais, inadequados? Quais são as consequências da

continuidade dessas rotinas?

No próximo tópico, será analisada a relação escola e sociedade.

DICA

O que é Educação? (Visite a aula online para realizar download deste

arquivo.)

FONTES DAS IMAGENS

1. http://www.adobe.com/products/flashplayer/

Responsável: Professora Nidia Barone

Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

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Page 10: Didática I

TÓPICO 02: FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA: MANUTENÇÃO OU TRANSFORMAÇÃO DA REALIDADE?

REFLEXÃO

A sociedade brasileira se caracteriza, dentre outras coisas, por

profundas e históricas desigualdades, frutos de um processo de exclusão e

segregação social.

- Será que a Educação pública tem algo a ver com isso?

- Será a Educação mais uma expressão do descaso do Estado com as

demandas da grande maioria da população?

- Poderá a Educação contribuir de alguma forma para a

transformação desta situação?

A relação entre Educação e Sociedade pode ser entendida, numa

perspectiva filosófica, de 3 formas distintas:

VERSÃO TEXTUALDO FLASH

i) a Educação é capaz de salvar a Sociedade dos desvios

individuais e grupais que a ameaçam (redenção);

ii) a Educação reproduz a Sociedade, uma vez que os

determinantes econômicos, sociais e políticos impedem que práticas

pedagógicas contrárias ao sistema se desenvolvam (reprodução); e

iii) a Educação viabiliza um projeto social, que pode ser

conservador ou transformador, tendo em vista o caráter histórico da

Sociedade (transformação).

As tendências redentora e transformadora expressam-se,

respectivamente, nas concepções pedagógicas liberal (tradicional, renovada

progressivista, renovada não diretiva e tecnicista) e progressista (libertadora,

libertária e crítico-social dos conteúdos). Essas tendências se diferenciam

quanto ao papel da escola, os conteúdos de ensino, os métodos, o

relacionamento professor-estudante, os pressupostos de aprendizagem e as

manifestações na prática escolar (LIBÂNEO, 1996).

PARADA OBRIGATÓRIA

As Tendências Pedagógicas e a prática escolar. (Visite a aula online

para realizar download deste arquivo.)

DIDÁTICA I

AULA 01: ESCOLA, SOCIEDADE, TRABALHO DOCENTE E DIDÁTICA

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Page 11: Didática I

Paulo Freire (1921-1997)[1]

Acredito que a escola pública é um espaço importante que as classes

trabalhadoras têm para compreender a História do Brasil. Para tanto, elas

precisam ter acesso às informações e saber interpretá-las. Paulo Freire[2]

formulou nos anos 60 um método de alfabetização[3], que sintetiza seu

compromisso com a transformação do mundo, a qual só é possível quando as

pessoas se percebem como sujeitos e não como objetos da História

(Pedagogia da Libertação).

Neste sentido, ele diferenciou a educação bancária, onde o

conhecimento é decorado, fruto da transmissão acrítica dos conteúdos,

“guardado” em gavetas, da educação libertadora/problematizadora, onde o

conhecimento é entendido na sua dimensão histórica, seja no que se refere à

sua construção, seja na sua relevância na realidade dos discentes (que

sempre nos perguntam: “Professor, para que eu vou estudar isto?”),

possibilitando que esses elaborem significado/sentido dos saberes

socializados.

Compartilho, portanto, da opinião de Freire (2009, p. 122-123):

Uma das tarefas essenciais da escola, como centro de produção sistemática de

conhecimento, é trabalhar criticamente a inteligibilidade das coisas e dos fatos e

a sua comunicabilidade. É imprescindível, portanto, que a escola instigue

constantemente a curiosidade do educando em vez de ‘amaciá-la’ ou ‘domesticá-

la’.

MULTIMÍDIA

Filosofia de Paulo Freire I[4].

Filosofia de Paulo Freire II[5].

O professor é um profissional cujo trabalho é ajudar estudantes

(crianças, adolescentes e adultos) no seu processo de crescimento pessoal, o

qual contempla múltiplas dimensões: cognitiva, afetiva, física, social.

Considerando que os estudantes brasileiros vivem num país de seculares

injustiças, é fundamental que o cotidiano escolar (conteúdos, práticas...)

favoreça a compreensão discente quanto aos fatores que perpetuam tal

dinâmica, bem como na instauração de renovadas relações, pautadas em

valores éticos.

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Page 12: Didática I

Fonte[6]

Que profissional/cidadão a escola pública brasileira, que atende 85%

das nossas crianças e adolescentes, deve ajudar a formar? Entender a

sociedade como resultado da ação humana e não de fenômenos naturais

pode aumentar a intensidade do compromisso na transformação daquela? É

possível aprender a ser cidadão na escola?

Edgar Morin (1921-)[7]

Edgar Morin acredita que a Educação, em todos os níveis, precisa

contemplar sete aspectos para atender às demandas do futuro, o que implica

na redefinição de objetivos e práticas dos cotidianos escolares. A seguir, um

breve resumo dos “Sete saberes necessários à Educação do futuro”, na

concepção de Morin:

• Conhecer é interpretar, construir significado, a partir das nossas experiências.

Desta forma, devem-se considerar o erro e a ilusão, uma vez que a realidade se

modifica a todo momento: objetivamente (os acontecimentos) e subjetivamente

(as nossas leituras).

• Conhecer é integrar dimensões variadas (partes) para entender a

(complexidade da) realidade (todo).

• Resgatar a identidade humana, compreendendo-a como uma espécie

organizada em sociedade que habita a Terra, a qual participa de um cosmos

repleto de mistérios (indivíduo-espécie-sociedade). Ao mesmo tempo, somos

homo sapiens, ludens, economicus, mitologicus ...

• Compreender o outro e a si mesmo como indivíduos complexos. O

individualismo é uma ameaça à espécie humana, pois afasta a pessoa dos seus

semelhantes e de si, gerando sérios problemas de natureza emocional, que se

revelam na qualidade dos relacionamentos.

• A incerteza e o inesperado fazem parte da vida, da Ciência. A história da

Humanidade é uma possibilidade e não uma determinação da natureza.

• A Terra precisa ser cuidada para que possamos nela continuar. A ecologia, os

conflitos religiosos e políticos, as demandas (crises) econômicas e a escassez de

alimento e de água revelam que precisamos zelar pela perpetuação da nossa

espécie.

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Page 13: Didática I

• A antropo-ética enfatiza que o Homem tem três aspectos: individual, social e

genético. Ela só pode se manifestar na democracia, ao permitir que os

indivíduos assumam, na medida do possível, a sua responsabilidade social. As

ONG, que funcionam sem se prender à religião e à política, permitem que a

Humanidade desenvolva uma ética atenta aos imensos desafios

contemporâneos.

MULTIMÍDIA

Os sete saberes – Edgar Morin[8].

Defendo, com vigor, que a Escola tem um importante papel na difusão e

na vivência de novos valores humanos. Ela é, portanto, um espaço de

formação, entendida não como um local que adapta, modela as pessoas, de

acordo com interesses estranhos a elas, mas que possibilita que cada artesão-

sujeito descubra a configuração que deseja.

Finalizo este tópico, com mais uma contribuição do maior educador

brasileiro:

(...) se a educação não pode tudo, alguma coisa fundamental a educação

pode. Se a educação não é a chave das transformações sociais, não é também

simplesmente reprodutora da ideologia dominante. O que quero dizer é que

a educação nem é uma força imbatível a serviço da transformação da

sociedade, porque assim eu queira, nem tampouco é a perpetuação do status

quo porque o dominante o decrete. (FREIRE, 2009, p. 112)

O compromisso político demanda uma satisfatória formação técnica, o

que nos remete à seguinte indagação: “Quais são as competências que o

professor precisa ter?”. É o que será abordado na próxima seção.

LEITURA COMPLEMENTAR

Função Social da Escola (Visite a aula online para realizar download

deste arquivo.).

OLHANDO DE PERTO

Ensinar, aprender: leitura do mundo, leitura da palavra (Visite a aula

online para realizar download deste arquivo.).

Os sete saberes necessários à Educação do futuro (Visite a aula online

para realizar download deste arquivo.).

FONTES DAS IMAGENS

1. http://oglobo.globo.com/fotos/2007/05/02/02_MVG_edu_freire.jpg2. http://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Freire

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Page 14: Didática I

3. http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A9todo_Paulo_Freire4. http://www.youtube.com/watch?v=c0qEP5cIp_o5. http://www.youtube.com/watch?v=qxnNKNPeWFM6. http://blogorlandeli.zip.net/images/charge24x11x07.jpg7. http://4.bp.blogspot.com/_NGfADw-06_Q/Rx_RtOhqcTI/AAAAAAAAAHc/f7lNjvtLrVY/s400/falamestre.jpg8. http://www.youtube.com/watch?v=C0RyOmLZ4aE

Responsável: Professora Nidia Barone

Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

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Page 15: Didática I

TÓPICO 03: TRABALHO DOCENTE: CARACTERÍSTICAS, ESPECIFICIDADES E EXIGÊNCIAS DO CENÁRIO CONTEMPORÂNEO

REFLEXÃO

■ O que significa ser professor(a)?

■ Quais são as características desta profissão?

■ Considerando as novas tecnologias de informação e comunicação, que facilitam o acesso à informação, o professor ainda é necessário no processo de aprendizagem dos estudantes?

■ Será que os cursos de formação têm atendido aos novos desafios?

■ Os professores podem atender satisfatoriamente tais crescentes mudanças?

Não existe professor sem estudante e conhecimento. O trabalho docente,

portanto, demanda a presença destes dois componentes (esta temática será

abordada, sob diversos aspectos, reiteradas vezes durante estas aulas).

O ensino é “[...] uma prática social concreta, dinâmica,

multidimensional, interativa, sempre inédita e imprevisível. É um

processo que sofre influências de aspectos econômicos, psicológicos,

técnicos, culturais, éticos, políticos, institucionais, afetivos,

estéticos.” (PASSOS, 2006b, p. 01).

Mas, quais são as características do trabalho docente?

CARACTERÍSTICAS DO TRABALHO DOCENTE (SEGUNDO PASSOS, 2006).

Podemos destacar como uma primeira característica do trabalho

docente o fato de ser um trabalho interativo. O ensino dirige-se a seres

humanos que são ao mesmo tempo seres individuais e sociais.

Segundo Tardif (2002), o objeto do trabalho docente são os seres

humanos que possuem características peculiares. O(A) professor(a)

trabalha com sujeitos que são individuais e heterogêneos, têm

diferentes histórias, ritmos, interesses necessidades e afetividades.

Isso torna as situações de ensino complexas, únicas, imprevisíveis e

incabíveis em generalizações ou esquemas pré-definidos de ação.

Além de individual o objeto do trabalho docente é também social.

Sua origem de classe e seu gênero o expõem a diferentes influências e

experiências que repercutem em sala da aula provocando diferentes

reações e expectativas no(a) professor(a) e alunos(as). Neste sentido,

Tardif (2002, p. 130) nos alerta que “o objeto do trabalho docente

escapa constantemente ao controle do trabalhador, ou seja, do

professor.”

Outra característica destacada pelo autor é a dimensão afetiva

presente no ensino que pode funcionar como elemento facilitador ou

bloqueador do processo de ensino-aprendizagem.

DIDÁTICA I

AULA 01: ESCOLA, SOCIEDADE, TRABALHO DOCENTE E DIDÁTICA

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Page 16: Didática I

Uma boa parte do trabalho docente é de cunho afetivo, emocional.

Baseia-se em emoções, em afetos, na capacidade não somente de

pensar nos alunos, mas igualmente de perceber e sentir suas emoções,

seus temores, suas alegrias, seus próprios bloqueios afetivos.

(TARDIF, 2002, p. 130)

Segundo o autor citado, pelas peculiaridades do objeto de

trabalho docente a prática pedagógica dos(as) professores(as) consiste

em gerenciar relações sociais, envolve tensões, dilemas, negociações e

estratégias de interação.

Por exemplo, o professor tem que trabalhar com grupos, mas

também tem de se dedicar aos indivíduos; deve dar sua matéria, mas

de acordo com os alunos, que vão assimilá-la de maneira muito

diferente; deve agradar aos alunos mas sem que isso se transforme em

favoritismo; deve motivá-los, sem paparicá-los; deve avaliá-los, sem

excluí-los, etc. Ensinar é, portanto, fazer escolhas constantemente em

plena interação com os alunos. Ora, essas escolhas dependem da

experiência dos professores, de seus conhecimentos, convicções e

crenças, de seu compromisso com o que fazem, de suas representações

a respeito dos alunos e, evidentemente, dos próprios alunos. (TARDIF,

2002, p. 132).

Por ser um trabalho interativo o ensino exige um investimento

pessoal do(a) professor(a) para garantir o envolvimento do(a) aluno(a)

no processo, para despertar seu interesse e participação e para evitar

desvios que possam prejudicar o trabalho. É por esse motivo que

Tardif (2002) afirma que a personalidade do(a) professor(a) é um

componente de seu trabalho, o que ele denomina de trabalho

investido, ou seja, no desempenho de seu trabalho o(a) professor(a)

empenha e investe o que ele(a) é como pessoa.

Aquilo que nos parece ser a característica do trabalho investido ou

vivido é a integração ou absorção da personalidade do trabalhador no

processo de trabalho quotidiano enquanto elemento central que

contribui para a realização desse processo. (...)

Nesse tipo de atividade, a personalidade do trabalhador, suas

emoções, sua afetividade fazem parte integrante do processo de

trabalho: a própria pessoa, com suas qualidades, seus defeitos, sua

sensibilidade, em suma, tudo o que ela é, torna-se, de certa maneira,

um instrumento de trabalho. Nesse sentido ela é um componente

tecnológico das profissões de interação. Essa tecnologia emocional é

representada por posturas físicas, por maneiras de estar com os

alunos. (Tardif, 2002, p. 142).

O autor aponta ainda a dimensão ética do trabalho docente que

envolve questões como relações de poder, juízos de valor, escolhas,

interesses, direitos e privilégios.

A primeira questão ética que o autor levanta diz respeito a um

aspecto já referido anteriormente, ao fato que trabalhando com grupos

12

Page 17: Didática I

o(a) professor(a) não pode deixar de atingir os indivíduos. Segundo

Tardif (2002, p. 146), esse problema nunca é resolvido de maneira

satisfatória do ponto de vista ético, pois “os professores nunca podem

atender às necessidades singulares de todos os alunos assumindo

padrões gerais de uma organização de massa”. Cada professor(a) adota

no seu dia a dia estratégias próprias de atendimento individualizado,

de distribuição da atenção e acompanhamento de seus/suas alunos

(as), estando sempre atento(a) a essa tensão entre o individual e o

coletivo.

Outra questão ética apresentada pelo autor refere-se a forma

como o(a) professor torna o conhecimento a ser trabalhado acessível

ao(à) aluno(a). O(A) professor(a) tem um domínio de conhecimentos

diferente dos(as) alunos(as), a forma como interage com eles(as) ao

trabalhar esse conhecimento envolve um problema ético para o qual

nem sempre dispensamos a devida atenção.

As características apresentadas permitem perceber o grau de

complexidade que envolve o desenvolvimento do trabalho docente, e

compreender porque não se encaixa em saberes estáveis, sistemáticos

e instrumentais, automaticamente aplicados às situações de ensino-

aprendizagem.

Extraído de Passos (2006b).

Quais são os saberes que o professor precisa para desempenhar de

forma satisfatória seu labor?

Diversos pesquisadores têm investigado sobre este assunto e

enfatizando a sua relevância “[...] para a formação, atuação e

desenvolvimento dos professores.” (CUNHA, 2009).

Na sua prática profissional (planejamento, implementação e avaliação),

o professor precisa gerir/administrar a matéria e a sala de aula, ou seja, ele

mobiliza diferentes saberes.

O quadro abaixo apresenta uma síntese das categorias dos saberes

docentes formuladas por alguns dos estudiosos mais conceituados sobre esse

tema:

CATEGORIZAÇÃO DOS “SABERES DOCENTES OU DOS PROFESSORES”

Tardif, Lessard eLahaye(1991)

Pimenta(1999)

Gauthier et al(1998)

Saviani(1996)

Das disciplinas ecurriculares

Do conhecimento

Disciplinares ecurriculares

Específico e didático-curricular

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Page 18: Didática I

Da formaçãoprofissional

Pedagógicos

Das Ciências da Educação, datradição pedagógica e da ação pedagógica

Pedagógico,crítico-contextual e atitudinal

Da experiênciaDaexperiência

experiência

A formulação de Pimenta (1999) congrega em três amplas categorias os

saberes docentes: do conhecimento, pedagógicos e da experiência. A

primeira contempla o saber disciplinar (conteúdo a ser ensinado) e o saber

curricular (seleção e organização do conteúdo). A segunda refere-se às

teorias da Educação, que permitem o entendimento dos processos de ensino

e de aprendizagem. A terceira contempla as representações que orientam

(princípios, crenças ...) a prática docente, as quais estão em permanente

transformação, pois que se alimentam da realidade, enquanto inspiração e

espaço de validação.

PARADA OBRIGATÓRIA

Saberes Necessários à Prática do Professor (Visite a aula online para

realizar download deste arquivo.)

Por entender que o saber da experiência refere-se, muitas vezes, aos

saberes do conhecimento e pedagógico, e que a dimensão subjetiva do

pesquisador é ignorada, proponho a substituição do saber da experiência

pelo saber existencial, que se refere aos sentimentos, valores, crenças e ideais

docentes, os quais o (i)mobilizam na melhoria dos demais saberes.

A transformação da sociedade na contemporaneidade implica na

redefinição da Educação, da escola e do trabalho docente.

Libâneo (1998) defende a importância do professor para auxiliar o

estudante a aprofundar o seu significado da cultura e da ciência.

Considerando este contexto, ele apresenta as seguintes novas atitudes

docentes:

1) Assumir o ensino como mediação: aprendizagem ativa o aluno com a ajuda pedagógica do professor;

2) Modificar a ideia de uma escola e de uma prática pluridisciplinares para uma escola e uma prática interdisciplinares;

3) Conhecer estratégias do ensinar a pensar, ensinar a aprender aaprender;

4) Persistir no empenho de auxiliar os alunos a buscarem uma perspectiva crítica dos conteúdos, a se habituarem a apreender as realidades enfocadas nos conteúdos escolares de forma crítico-reflexiva;

5) Assumir o trabalho de sala de aula como um processo comunicacional e desenvolver capacidade comunicativa;

14

Page 19: Didática I

6) Reconhecer o impacto das novas tecnologias da comunicação e informação na sala de aula(televisão,vídeo games, computador, internet, CD-ROM, etc);

7) Atender à diversidade cultural e respeitar as diferenças no contexto da escola e da sala de aula;

8) Investir na atualização científica, técnica e cultural, como ingredientesdo processo de formação continuada;

9) Integrar no exercício da docência a dimensão afetiva;

10) Desenvolver comportamento ético e saber orientar os alunos em valores e atitudes em relação à vida, ao ambiente, às relações humanas, a si próprios(LIBÂNEO, 1998, p.28-48).

Zabalza (2003) apresenta as seguintes competências docentes, as quais,

no seu entendimento, são imprescindíveis para quem quer atuar na escola do

futuro: empática, comunicativa, cognitiva, didático-disciplinar, institucional,

criativa e cidadã. É possível alguém atender a tudo isto?

Diante de tantas adversidades (salário baixo, excesso de trabalho,

indisciplina e violência na sala, pressão dos superiores na hierarquia, desgate

físico e falta de valorização) e exigências, o docente brasileiro está, cada vez

mais, doente. Este drama tem recebido a atenção de profissionais da

educação e da saúde, uma vez que interfere diretamente na qualidade do

trabalho docente e da sua vida pessoal.

É importante compreender a natureza deste problema, a qual tem

gerado um alto custo social, seja porque, muitas vezes, faltam profissionais

habilitados na sala de aula, seja porque o investimento do poder público na

formação docente é desperdiçado. As políticas públicas precisam, inspiradas

nos diagnósticos emanados das pesquisas sobre essa temática, atuar de

forma vigorosa na reversão do cenário acima relatado, sob pena de

continuarmos a assistir a diminuição da qualidade de vida (pessoal e

profissional) do professor.

PARADA OBRIGATÓRIA

O Estresse docente (Visite a aula online para realizar download deste

arquivo.)

REFLEXÃO

Qual é a contribuição da Didática na compreensão e superação dos

desafios profissionais?

O papel da Didática na Educação (e no trabalho docente) tem se

modificado ao longo da História, sendo assunto do próximo tópico.

LEITURA COMPLEMENTAR

Leia os seguintes artigos, para saber mais sobre o trabalho docente:

15

Page 20: Didática I

CLIQUE AQUI PARA ABRIR

Desafios e possibilidades ao trabalho docente e à sua relação

com a saúde (Visite a aula online para realizar download deste

arquivo.)

Educação, cultura e desporto: concepção e desafios para o

século XXI (Visite a aula online para realizar download deste

arquivo.)

Experiência e competência no ensino (Visite a aula online para

realizar download deste arquivo.)

Formação docente como estratégia de superação do precarizado

trabalho docente (Visite a aula online para realizar download deste

arquivo.)

Globalização e Educação: ideias para um debate (Visite a aula

online para realizar download deste arquivo.)

Perspectivas atuais na Educação (Visite a aula online para

realizar download deste arquivo.)

Saberes docentes ou saberes dos professores? (Visite a aula

online para realizar download deste arquivo.)

Significado e sentido do trabalho docente (Visite a aula online

para realizar download deste arquivo.)

Trabalho docente: características e especificidades (Visite a

aula online para realizar download deste arquivo.)

FONTES DAS IMAGENS

Responsável: Professora Nidia Barone

Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

16

Page 21: Didática I

TÓPICO 04: DIDÁTICA: ASPECTOS HISTÓRICOS, PERSPECTIVAS ATUAIS E CONTRIBUIÇÃO PARA O TRABALHO DOCENTE

A Didática, enquanto área de conhecimento dos cursos de formação

de professores, caracteriza-se pela mudança dos seus objetos e objetivos.

Em 1657, Iohannis Amos Comenius[1] (1592-1670) – João Amos

Comênio, em Português – publicou, em latim, Didactica Magna (Didática

Magna – Tratado da Arte universal de ensinar tudo a todos), tida como a

primeira obra no mundo ocidental voltada aos processos de ensinar e de

aprender, motivo pelo qual é considerado como o pai da Didática Moderna.

A proposta educacional de Comênio – ensinar tudo a todos – afrontava

a concepção escolástica católica, que era voltada à elite e com currículo

restrito, permeado de conteúdos abstratos.

Comênio acreditava no poder da educação para aproximar o Homem a

Deus, tornando-o bom cristão: sábio (erudição), crente (religião) e generoso

(virtude).

No entendimento desse pensador, o cotidiano escolar deveria se inspirar

no ritmo da natureza, contemplando todas as áreas do conhecimento e

valorizando as situações do cotidiano, além de atender às necessidades e aos

interesses de professor e estudantes.

Gravura do próprio Comênio para um

de seus livros de texto: aprender

brincando

Fonte[2]

Por acreditar que tudo o que se deveria saber necessitaria ser ensinado,

Comênio defendia que o professor durante o ensino deveria: i) ser claro e

direto; ii) utilizar aplicações práticas para facilitar o processo de

aprendizagem; iii) enfatizar as origens desse conteúdo; iv) explicar,

inicialmente, os princípios gerais; e v) respeitar o tempo adequado para fazê-

lo.

A Didática Magna contem as características principais da escola

moderna: o entendimento da infância como momento único; a influência da

relação família-escola no desenvolvimento do estudante; a necessidade de

uma metodologia de ensino (tendo ele proposto a instrução simultânea); e o

educador como uma pessoa preparada para tal ofício.

INTRODUÇÃO DA DIDÁTICAMAGNA, DE COMÊNIO

Tratado da Arte Universal de Ensinar Tudo a Todos.

Processo seguro e excelente de instituir, em todas as comunidades

de qualquer Reino cristão, cidades e aldeias, escolas tais que toda a

juventude de um e de outro sexo, sem excetuar ninguém em siveiarte

alguma, possa ser formada nos estudos, educada nos bons costumes,

impregnada de piedade, e, desta maneira, possa ser, nos anos da

puberdade, instruída em tudo o que diz respeito à vida presente e à

futura, com economia de tempo e de fadiga, com agrado e com solidez.

DIDÁTICA I

AULA 01: ESCOLA, SOCIEDADE, TRABALHO DOCENTE E DIDÁTICA

17

Page 22: Didática I

Onde os fundamentos de todas as coisas que se aconselham são

tirados da própria natureza das coisas; a sua verdade é demonstrada

com exemplos paralelos das artes mecânicas; o curso dos estudos é

distribuído por anos, meses, dias e horas; e, enfim, é indicado um

caminho fácil e seguro de pôr estas coisas em prática com bom

resultado.

A proa e a popa da nossa Didática será investigar e descobrir o

método segundo o qual os professores ensinem menos e os estudantes

aprendam mais; nas escolas, haja menos barulho, menos enfado,

menos trabalho inútil, e, ao contrário, haja mais recolhimento, mais

atrativo e mais sólido progresso; na Cristandade, haja menos trevas,

menos confusão, menos dissídios, e mais luz, mais ordem, mais paz e

mais tranqüilidade.

Fonte: Comenius (2001)

A cronologia a seguir apresentada não é consenso entre os estudiosos,

mas permite compreender a trajetória percorrida na estruturação da

Didática no Brasil. Destacam-se, na versão escolhida, quatro momentos:

PRIMEIROMOMENTO

Começa com a sua implantação em 1939, enquanto curso e disciplina,

e termina no começo dos anos 50, ela se caracteriza, inicialmente, pela

dificuldade de se definir e delimitar seu objeto e conteúdo e pela influência

da Escola Nova, que enfatizou conteúdos técnicos e metodológicos.

SEGUNDOMOMENTO

Da década de 50 até meados dos anos 70, a Didática aprofunda a

dimensão técnica-metodológica, priorizando o caráter

normativo/prescritivo, sob o manto da neutralidade científica, e afastando-

se da reflexão quanto aos determinantes e objetivos sócio políticos da

Educação. Oliveira e André (1997, p. 8) caracterizam este momento como

“(...) o da construção da Didática na perspectiva do liberalismo”.

TERCEIROMOMENTO

Situado entre a segunda metade da década 1970 e a primeira metade

da década seguinte, que tem como marco fundante o I Seminário “A

Didática em Questão” (1982), vê brotar críticas e denúncias à Didática

Tecnicista – que mascarava o caráter reprodutivista da escola –

redundando em movimentos antagônicos: negação e reconstrução da área.

No que se refere à última perspectiva, diversos encontros nacionais

propiciaram o aporte teórico e prático necessário para redefini-la, ao

promover o intercâmbio de pesquisas e experiências pedagógicas de

intelectuais e professores.

QUARTOMOMENTO

Inicia-se na segunda metade da década 1980 e chega até a atualidade,

expressa o esforço dos especialistas da área para articular o saber didático

às questões metodológicas, epistemológicas e ideológicas, compreendendo

o ensino como prática social concreta. Neste sentido, o ensino precisa ser

18

Page 23: Didática I

analisado nas suas múltiplas dimensões, evitando os reducionismos das

fases anteriores, o que significa dizer que a Educação deve ser

contextualizada nos seus aspectos sociais, históricos, políticos e culturais,

levando à compreensão dos pressupostos que inspiram as práticas

pedagógicas e articulam teoria e prática.

Este breve relato permite perceber os avanços que ocorreram na área

no que se refere às críticas e aos esforços de superá-las, que se expressa na

reconfiguração da área, atenta às exigências e aos desafios

contemporâneos.

A DIDÁTICA NO CONTEXTO ATUAL

(...) a Didática, como disciplina dos cursos de formação de

professores, propõe-se a contribuir com um ensino comprometido

com sucesso escolar, não pode se restringir a modelos de ação

pedagógica sem interação com a realidade escolar concreta. O

conhecimento crítico dessa realidade deve ser parte integrante da

disciplina, mantendo um constante diálogo com a fundamentação

teórica. Esta, concebida como condição para uma leitura crítica da

realidade concreta das escolas, da prática pedagógica efetivamente

vivenciada e para a construção de alternativas de transformação da

situação pedagógica vigente.

Nesse sentido, Caldeira e Azzi (1997) falam de duas dimensões da

Didática. A explicativa através da qual se busca a compreensão da

realidade pedagógica, e a projetiva através da qual são propostas

novas formas de ação didática. Para agir conseqüentemente, o

professor precisa compreender a prática pedagógica, suas relações

intrínsecas e extrínsecas, contextualizando-a. Mas a compreensão e

explicação da prática pedagógica escolar não se esgotam em si

mesmas, elas oferecem os elementos capazes de subsidiar a

transformação e superar a prática vigente.

O processo de compreensão e explicação da ação pedagógica não

se dá espontaneamente, tendo como referencial apenas a prática, que

revela, mas também oculta, os elementos que levam à superação de

uma compreensão superficial. Nesse ponto, é essencial o papel da

Didática no sentido de propiciar a reflexão e problematização da

prática e de oferecer os elementos conceituais e a fundamentação

teórica que permitem a análise da prática - captando seus

pressupostos teóricos, sua dinâmica, seus determinantes, suas

possibilidades e limites, sua inserção no panorama sócio-político,

cultural e econômico mais abrangente. O confronto teoria e prática

possibilita também a projeção de uma ação pedagógica diferenciada

que supere a existente.

As bases da revisão da Didática são sistematizadas pela

perspectiva denominada Didática Fundamental, que, na concepção de

Candau (1989, p. 21), tem as seguintes implicações:

19

Page 24: Didática I

■ A perspectiva fundamental da Didática assume a multidimensionalidade do processo de ensino-aprendizagem e coloca a articulação das três dimensões, técnica, humana e política, no centro configurador de sua temática.

■ Procura partir da análise da prática pedagógica concreta e de seus determinantes.

■ Contextualiza a prática pedagógica e procura repensar as dimensões técnica e humana, sempre “situando-as”.

■ Analisa as diferentes metodologias explicitando seus pressupostos, o contexto em que foram geradas, a visão de homem, de sociedade, de conhecimento e de educação que veiculam.

■ Elabora a reflexão didática a partir da análise e reflexão sobre experiências concretas, procurando trabalhar continuamente a relação teoria-prática.

Esses princípios nortearam o desenvolvimento da revisão crítica

da Didática, através de estudos, pesquisas, debates e propostas para o

ensino da disciplina, explicitados em encontros da área.

Assim entendida, a Didática pretende dar sua contribuição para a

formação do professor trabalhando uma visão de ensino

contextualizado, perpassado pelas dimensões política, econômica,

cultural, técnica, psicológica e ética, como uma prática social, portanto

imersa num contexto social mais amplo e em interação com outras

práticas.

À Didática cabe então, além da compreensão crítica da realidade,

contribuir para capacitar o professor com conhecimentos e habilidades

para o desempenho consciente de sua prática docente, colaborando

para a construção de uma sociedade mais justa e democrática.

Extraído de Passos (2006a).

A Educação é um fenômeno social que pode ser vivenciado com graus

diferentes de formalidade: formal, não formal e informal (a disciplina

Estrutura, Política e Gestão Educacional aborda esse assunto). As pessoas de

uma sociedade são formadas em processos educativos. A Pedagogia é a

Ciência que busca descrever e compreender a Educação, as teorias e as

práticas educativas, com o intuito de melhorá-las. A Didática, por sua vez, é

uma disciplina pedagógica voltada ao processo de ensino, o que implica

investigar, também, o processo de aprendizagem. A ação educativa

contempla aspectos cognitivos, afetivos, éticos, políticos, dentre outros.

Na próxima aula, estudaremos sobre a crise educacional.

LEITURA COMPLEMENTAR

Didactica Magna (Visite a aula online para realizar download deste

arquivo.).

OLHANDO DE PERTO

O habitus professoral: o objeto dos estudos sobre o ato de ensinar na

sala de aula. (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.)

20

Page 25: Didática I

A Trajetória Histórica da Didática (Visite a aula online para realizar

download deste arquivo.).

ATIVIDADE DE PORTFÓLIO

Leia as orientações insertas neste roteiro (Visite a aula online

para realizar download deste arquivo.). Coloque a sua produção

(Aula1_AP.doc) no seu Portfólio.

FÓRUM

Escolher e comentar, após leitura complementar, um assunto

abordado na aula.

FONTES DAS IMAGENS

1. http://pt.wikipedia.org/wiki/Comenius2. http://3.bp.blogspot.com/-7LDxr4WioEk/T831QrVytdI/AAAAAAAAAXk/465lFPA8qyY/s1600/brincar.jpg

Responsável: Professora Nidia Barone

Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

21

Page 26: Didática I

TÓPICO 01: AS TEORIAS EDUCACIONAIS E CONTRIBUIÇÕES PARA O TRABALHO DOCENTE

REFLEXÃO

É consenso a crise que permeia as escolas, não somente no Brasil, mas

também em todo o mundo. Como deve ser ela entendida? Estaria,

também, o mundo em crise? Afinal, que crise é essa, a perpassar a vida em

quase todos os lugares do mundo, independentemente de nação, cor, sexo,

idade e religião? E o que as escolas podem (se é que podem!) fazer diante

dela?

Nesta aula, discutiremos sobre a crise educacional, dirigindo nosso olhar

para a sala de aula, em especial sobre: as teorias de aprendizagem que

orientam as práticas pedagógicas; a relação professor-conhecimento-

estudante; e os (des)encontros no ambiente escolar, que revelam o quanto a

realidade social o influencia, mas não o determina.

CRISE EDUCACIONAL

Para Hall (1973, p. 289), a crise tem três facetas – racial, urbana e

educativa – as quais por estarem intimamente relacionadas, devem ser

consideradas conjuntamente.

Esse quadro, segundo ele, é causado pelo excessivo desenvolvimento do

Homem, que produziu a dimensão cultural, sendo que a maior parte dela lhe

permanece oculta. Preocupado, o autor indaga por quanto tempo pode o

Homem se permitir ignorar deliberadamente esse aspecto da sua vida.

Na mesma perspectiva, é a opinião de Najmanovich (2001, p. 66):

A crise atual não se caracteriza só pela emergência de novos paradigmas

na ciência ou pela revolução tecnológica permanente. As mudanças em nossa

forma de conceber a relação humano-mundo são o “sistema nervoso central”

das transformações deste final de modernidade.

Alinhando-me a esses pensadores, acredito ser indispensável investigar

os intricados vínculos que o Homem estabelece com o meio-ambiente, ou

seja, entender como ele produz cultura. Creio que essa perspectiva mais

ampla é necessária para que se compreenda a dinâmica ocorrente no espaço

escolar.

E, quanto à crise na Educação? Uma interessante linha de investigação é

se indagar sobre o funcionamento das escolas. Para tanto, exponho duas

descrições:

CLIQUE AQUI PARA SABER MAIS

Como são e tem sido as escolas? Que nos diz a memória? A

imagem: uma casa, várias salas, crianças separadas em grupos

chamadas “turmas”. Nas salas, os professores ensinam saberes. Toca

DIDÁTICA I

AULA 02: O TRABALHO DOCENTE E A DIDÁTICA

22

Page 27: Didática I

uma campainha. Terminou o tempo da aula. Os professores saem.

Outros entram. Começa uma nova aula. Novos saberes são ensinados.

O que os professores estão fazendo? Estão cumprindo um “programa”.

“Programas” é um cardápio de saberes organizados em seqüência

lógica, estabelecido por uma autoridade superior invisível, que nunca

está com as crianças. Os saberes do cardápio “programa” não são

“respostas” às perguntas que as crianças fazem. Por isso as crianças

não entendem por que têm de aprender o que lhes está sendo

ensinado. (ALVES, 2003, p. 51-52).

No silêncio da sala de aula ecoa a voz do mestre. Alunos calados

escutam e copiam suas palavras. Pausadamente, o professor dita a sua

versão da matéria com o estatuto de verdade absoluta. Alguns dos

alunos permanecem com os olhos fixos no ambiente da sala, mas o

pensamento viaja. Estão espacialmente presentes, mas mentalmente

ausentes, distantes, embalados pelo som constante e monotônico da

preleção. A hora e vez desses alunos nos espaços pedagógicos são

restritas e definidas. Reproduzir nos exercícios, trabalhos e provas o

pensamento do professor que “ensina”. Para esquecê-los depois.

(KENSKI, 2000, p. 136).

Inspirados nestes alertas-denúncias, que sintetizam bem o que (não)

acontece na escola, os educadores não podemos nos limitar a perpetuar

rituais castradores e limitantes das potencialidades humanas, lamentando as

dificuldades que permeiam a nossa atividade laboral. Precisamos avançar no

desvelamento dos valores que orientam nosso exercício profissional, com o

fito de identificar aquelas que, ao contrário do pensamento anterior,

atrapalham a instauração de uma nova dinâmica social, bem como o

desenvolvimento da subjetividade dos agentes pedagógicos envolvidos.

A Educação, independentemente da forma e do conteúdo, tem

conseqüências para todos os que estão nela envolvidos, uma vez que

habilidades diversas são socializadas, seja numa perspectiva de

alienação/negação do sujeito ou numa perspectiva de possibilite a

constituição como indivíduo (ou, ainda, em ambas!), motivo pelo qual ela

jamais é neutra, mas tem sempre uma conotação política, num sentido mais

amplo

Assim, é necessário se alargar a compreensão dos laços entre escola e

sociedade, pois esses são por demais estreitos, havendo entre elas intenso e

rico vínculo de influências e contribuições de toda ordem. A escola, portanto,

não está a salvo das pressões e demandas sociais, de nada valendo, nesse

sentido, os seus muros. Da mesma forma, não é ela uma vítima indefesa, que

nada pode fazer diante dos acontecimentos, embora seu poder de

transformação não seja tão grande quanto muito vezes alguns enunciam ...

Ela deve descobrir o poder que tem no complexo jogo social e aproveitá-lo ao

máximo.

Diante dessa falta de sentido, que atinge tanto o corpo discente quanto o

docente, o desafio atual é, conforme apresento ao longo deste livro,

vislumbrar (e propor) opções propiciadoras de um diálogo entre as

23

Page 28: Didática I

diferentes manifestações culturais, principalmente as dos alunos, que

costumam ser ignoradas pela escola. Para tanto, é necessário que o Homem

investigue a sua relação com a natureza, a qual é mais do que o seu lar; é o

seu útero. Quanto mais o Homem se separa dela, mais ele pode se tornar

consciente de si, sabendo-se um ser histórico, temporal (FONTANELLA,

1995, p. 15).

Porém, ele precisa voltar, ininterruptamente, seu olhar para sua

criadora, sob pena de desperdiçar a chance de aprofundar a sua capacidade

de compreensão, pois somente quando ele se percebe separado da natureza,

ele pode buscar a ligação, a relação, a integração com ela, a qual acontece,

coetaneamente, em dois níveis: dentro e fora de si.

Até quando o Homem continuará a fracionar a sua existência em

categorias estanques?

Urge, pois, a busca de novos fundamentos propiciadoras de uma

Educação que valorize o aluno, os seus conhecimentos, a sua história, os seus

sonhos, a sua avaliação sobre o seu desempenho no cotidiano, não mais

como realidades desunidas e quase sem relação, mas como elementos de um

todo. Para tanto, é indispensável considerar que a questão curricular,

porquanto o cotidiano escolar (onde o prédio é um aspecto material da maior

importância) é consideravelmente influenciado por ela.

A recuperação da subjetividade e a valorização de uma visão integral do

Homem são necessárias para que possa ocorrer uma aprendizagem

significativa:

(...) o único aprendizado que influencia significativamente o

comportamento é o aprendizado autodescoberto, auto-apropriado. (...) Um

conhecimento autodescoberto, essa verdade que foi pessoalmente

apropriada e assimilada à experiência de um modo pessoal, não pode se

comunicar diretamente a outra pessoa. (ROGERS, 1991, p. 254).

Da mesma opinião é Illich (1977, p. 76):

Na realidade, a aprendizagem é a atividade humana menos necessitada

de manipulação por outros. Sua maior parte não é resultado de instrução. É,

antes, resultado de participação aberta em situações significativas. A maioria

das pessoas aprende melhor estando «por dentro»; mas a escola faz com que

identifiquemos nosso crescimento pessoal e cognoscitivo com o refinado

planejamento e manipulação.

A partir da certeza de que “O acontecer é global e simultâneo. Ao passo

que o verbal é sucessivo e linear...” (GAIARSA, s/d, p.13), pugno pela

necessidade de se buscar, com fé e amor, uma Educação que valorize não

mais somente a inteligência linguística e/ou lógico matemática.

Compreendendo que o Homem é organismo extremamente complexo e

misterioso, essa disciplina precisa possibilitar àquele desenvolver também (e

principalmente, digo, diante do excessivo racionalismo) as demais

inteligências – intrapessoal, interpessoal, musical, espacial, corporal-

cinestésica e naturalística – afinal a aprendizagem acontece de modo mais

24

Page 29: Didática I

consistente quando contempla as diversas maneiras como a pessoa apreende

a realidade.

Uma das relevantes contribuições da Teoria das Inteligências Múltiplas,

de Howard Gardner, não é a descoberta de inteligências, conforme a figura

acima, com a ampliação das classificações das pessoas, mas exatamente a

certeza de que o Homem não pode ser reduzido a um rótulo, a uma

habilidade, a uma competência. Infelizmente, a substituição de paradigmas,

de procedimentos, requer mais do que a mera leitura de novos postulados,

uma vez que tais construtos passam por um crivo valorativo, cujas raízes

estão incrustadas no íntimo do ser, alimentando-se de emoções e crenças.

QUADRO SOBRE AS INTELIGÊNCIASMÚLTIPLAS

(CLIQUE AQUI PARA ABRIR)

25

Page 30: Didática I

Como é possível assistir, simultaneamente, a dois grandes

movimentos antagônicos no que se refere à elaboração e à vivência do

conhecimento?

Acredito que a compreensão distinta do papel do erro pela Ciência –

etapa natural do processo do conhecimento – e pela escola – uma erva

daninha, que precisa sempre ser erradicada, por atrapalhar o sucesso das

atividades – oferece boa pista para a forma diferenciada como o cientista, o

educador e o estudante valoram o conhecer, o aprender.

Para o primeiro, a tarefa de conhecer é permeada de mistérios, ilusões,

esperanças, explicações parciais (BACHELARD, 1985, p. 147); para o

segundo, é uma responsabilidade que deve ser executada da forma mais

perfeita possível, numa rotina massacrante, sem espaços para equívocos

e/ou dúvidas, sob pena de ser massacrado pelos estudantes ou pelo seu mito

interno de infalibilidade; para o terceiro, enfim, é uma etapa obrigatória que

precisa ser ultrapassada, mesmo que desprovida de significado para si,

evitando ser ridiculizado pelo professor e/ou seus colegas.

Considerando as recentes descobertas científicas reveladoras do caráter

complexo e dinâmico da formação do conhecimento (MACHADO, 1995, p.

296), torna-se imperativa a busca de práticas educacionais – entendidas

sempre para além das que acontecem na escola – baseadas no diálogo e na

valorização da curiosidade, que recobrem a subjetividade dos autores do

processo de ensino-aprendizagem, propiciando o crescimento e respeito

mútuos, além de favorecer o desenvolvimento da noção de totalidade.

A compreensão do caráter histórico do conhecimento permite que o

sujeito estabeleça com o primeiro uma relação menos tensa e angustiante,

pois ele está cônscio de que a sua missão é interminável: sempre haverá algo

a ser descoberto, refeito e ampliado (BARGUIL, 2000), fazendo com que o

foco da sua atenção saia do produto (ele sabe nunca ser final) e se volte ao

processo, permitindo-se desfrutar do privilégio que é aprender. Nesse

sentido, a Educação deixa de ter um caráter meramente decorativo (no duplo

sentido) e passa a contribuir no processo investigativo e exploratório do

universo, bem como na constituição da subjetividade da pessoa.

A Pedagogia é a reunião de vários campos de conhecimento – Filosofia,

Sociologia, História, Psicologia – dentre outros. Cada um deles, de acordo

com suas especificidades, contribui para a melhoria constante daquela. A

26

Page 31: Didática I

força de cada uma dessas disciplinas é potencializada quando se busca criar

elos entre estas, descobrindo vínculos efetivados ininterruptamente.

O distanciamento entre o mundo do aluno e as práticas escolares

explica, em grande parte, a apatia, o desânimo e a tristeza de aprender

característicos das salas de aula, problemas que não são privilégio do Brasil.

O que pode ser feito para que alunos e professores proclamem, não somente

com palavras, a beleza e o prazer de aprender (ALVES, 1994)? Nesse

contexto de dramaticidade, a discussão sobre o currículo se revela

importante e urgente.

As propostas pedagógicas precisam valorizar a participação do aluno (de

acordo com as suas possibilidades) em todas as etapas do processo

educativo, desde a escolha dos conteúdos a serem estudados (que devem,

sempre que possível, ter relação com a sua vida), passando pela

multiplicidade de recursos, até a forma como a avaliação se efetivará,

objetivando responder àquela antiga (mas sempre atual) indagação dos

alunos sobre a importância de determinados conteúdos para a sua vida.

OBSERVAÇÃO

A META EDUCACIONAL DA TEORIA DE PIAGET, SEGUNDO KAMII (1992). CLIQUE AQUI PARA SABER MAIS.

É o desenvolvimento da autonomia (moral e intelectual), em

oposição à heteronomia. Defendo a ideia de que a autonomia dos

autores pedagógicos seja um princípio da práxis educacional, o que

só é possível com a mudança do ensino centrado no educador, o que

demanda a transformação das relações pedagógicas, nas quais o

ensino desenvolva, cada vez mais, a competência dos educando,

permitindo-lhes assumir a responsabilidade pela sua vida.

O presente é filho do passado, sobre o qual, costumeiramente, pouco se

conhece. Pior do que isso é o fato de que nós, educadores, costumamos

desdenhar da importância que a História tem na clarificação da gênese de

determinada realidade. Não basta, porém, apenas constatar essa negligência,

sendo imperioso diligenciar-se, com perseverança, no sentido de mapear,

embora que de forma insatisfatória e incompleta no início, a disposição das

variáveis que compõem um contexto social.

Mais grave, ainda, é o fato de que, conforme alerta Gonçalves (1994, p.

14-15), na escola o futuro costuma ser privilegiado em detrimento do

presente: “Todo o ensino caracteriza-se por constituir-se numa preparação

para o futuro, esquecendo o momento existencial presente que a criança

vive”. Agindo assim, ela contribui para que a alienação se aprofunde cada vez

mais, tanto pela negação do presente como pelo fato de que o futuro é uma

abstração, que nunca se realiza!

Assim, as dimensões temporais – passado, presente e futuro – são

merecedoras de uma teoria e de uma prática pedagógica que as contemplem

de modo saudável, percebendo e valorizando as ligações entre elas, o que só

27

Page 32: Didática I

acontece quando os agentes pedagógicos problematizam a sua vida. Só

assim, creio, terá sentido se falar e pensar em amanhã ...

Destarte, o objetivo da interpretação deve ser a compreensão e não a

explicação, uma vez que aquela, ao contrário dessa, admite a multiplicidade

de visões. A narração de histórias é uma forma de permitir que cada pessoa

elabore o significado do que ouve, de acordo com as suas experiências,

valores e sonhos. Assim, a polissemia é o tempero permitido (e necessário)

nessa prática (BRUNER, 2001, p. 92).

Da mesma opinião é Doll Jr. (1997, p. 185):

O modo narrativo requer interpretação. Uma boa estória, uma grande estória,

encoraja, desafia o leitor a interpretar, a iniciar um diálogo com o texto. Numa

boa estória existe exatamente a quantidade suficiente de indeterminância para

incitar o leitor ao diálogo.

PARA TANTO, O ALUNO DEVERÁ SER CAPAZ DE:

• analisar e comparar informação;

• produzir conhecimento e expressá-lo de modo variado;

• integrar conhecimento de fontes e disciplinas variadas em narrações;

• elaborar perguntas para fomentar uma pesquisa produtiva;

• expor as suas ideias de maneira rigorosa, criativa e convincente.

AO PROFESSOR CABE A TAREFA DE:

• fomentar essas tarefas do corpo discente;

• no momento avaliativo, estar apto a aceitar uma diversidade de

respostas adequadas;

• entender a avaliação como um processo e não como um veredicto

final.

Essa diversidade cultural, porém, não é aceita pela estrutura social que

privilegia a padronização, a uniformidade de valores, crenças e sonhos de

consumo. Para mascarar os graves conflitos sociais, que nos alertariam para

a urgência da necessidade de se lutar pela transformação das relações de

produção de bens, aqui entendidas no sentido amplo, somos seduzidos por

várias promessas fantasiosas ...

Para Reimer (1983, p. 61-69), as sociedades modernas possuem quatro

mitos – igualdade de oportunidades, liberdade, progresso e eficiência – os

quais tentam impedir que se veja, respectivamente, a desigualdade imposta,

uma vez que as “chances maiores são as de permanecer na base da escada do

que chegar ao topo”; a crescente repressão e dominação, que, na maioria

das vezes, silenciosamente permeia as relações entre o Estado e o cidadão; a

falácia da melhora da qualidade de vida, uma vez que

28

Page 33: Didática I

(...) estamos nos aproximando dos limites de absorção do calor pela

atmosfera e de absorção de poluição pelos oceanos, os limites da capacidade

do planeta de sustentar a população, os limites da paciência dos pobres em

sobrevir às custas das dádivas dos ricos, os limites dos próprios ricos em

suportar as peias impostas por si mesmos ou de agüentar os próprios luxos

que inventaram;

e a problemática humana pode ser resolvida, desde que utilize a solução

adotada nos problemas de produção, por meio de eficiente organização. A

escola, com seus ritos, é utilizada para esconder tais abismos, uma vez que,

enquanto as crianças estiverem ocupadas com diversas atividades, elas não

pensarão neles.

O sistema escolar, para Illich (1977, p. 37-38), repousa, também, sobre a

grande ilusão

(...) de que a maioria do que aprende é resultado de ensino. O ensino, é verdade,

pode contribuir para determinadas espécies de aprendizagem sob certas

circunstâncias. Mas a maioria das pessoas adquire a maior parte de seus

conhecimentos fora da escola; na escola, apenas enquanto esta se tornou, em

alguns países ricos, um lugar de confinamento durante um período sempre

maior de sua vida.

REFLEXÃO

■ Qual é o preço que as novas gerações pagam por esse confinamento?

■ Será que as vantagens superam as desvantagens?

■ É possível a escola desempenhar um papel diverso dessa concepção deescola-prisão?

■ Se sim, o que ela precisa modificar, nos mais variados aspectos (físico, simbólico...)?

■ Será razoável supor que a escola pode ser transformada tendo em vista as determinantes estruturais?

Embora concorde com o pensador austríaco, no que concerne ao papel

desempenhado pela escola na maioria das vezes, acredito, ao contrário dele,

ser possível que ela possa contribuir na elucidação dos engodos culturais,

motivo pelo qual não aceito a sua postulação de que, em virtude das

inúmeras práticas desprovidas de significado para os seus agentes, ela é mais

maléfica do que benéfica, devendo, por isso, ser fechada.

Snyders (1988, p. 23) também admitia que

Há formas de cultura que são adquiridas fora da escola, fora de toda

autoformação metódica e teorizada, que não são o fruto do trabalho do esforço,

nem de nenhum plano: nascem da experiência direta da vida, nós a absorvemos

sem perceber; vamos em direção a elas seguindo a inclinação da curiosidade e

dos desejos; eis o que chamarei de cultura primeira.

29

Page 34: Didática I

Conforme o mesmo autor, a cultura elaborada, que circula (ou que

deveria circular) na escola, permite que os valores da cultura primeira sejam

vividos com plenitude, fomentando, ainda, a reflexão sobre a relação entre

elas, permeada de continuidade e ruptura (SNYDERS, 1988, p. 24).

LETRA DA MÚSICA OUTRO TIJOLO NO MURO (ANOTHER BRICK IN THE WALL –PART 2)

Outro tijolo no muro

Rogers Waters

Nós não precisamos de nenhuma educação

Nós não precisamos de nenhum controle de pensamento

De sarcasmo sombrio na sala de aula

Professores deixem as crianças em paz

Ei, professores, deixem as crianças em paz!

De qualquer maneira, é apenas mais um tijolo no muro

De qualquer maneira, você é apenas mais um tijolo no muro

“Errado, faça de novo!”

“Se você não comer carne, não terá pudim.

Como você espera ter pudim se você ainda não comeu a carne?”

“Você. Sim, você atrás do bicicletário, fique parado garoto!”

Traduzido do original Another Brick in the Wall – Part 2 (http://www.pink-floyd-

lyrics.com/html/another-brick-2-wall.html) por mim.

Afinal, qual é o papel que a escola desempenha e, ainda, pode

desempenhar em virtude das circunstâncias? Se é verdade que a escola

costuma ser utilizada para reproduzir uma cultura, de formatar corpos para a

produção, também é verossímil que ela pode desempenhar um papel

revolucionário, preparando os alunos para lidar com um mundo em

transformação, embora seja necessário se indagar como decidiremos esses

conteúdos e práticas, em virtude da transitoriedade das demandas

(BRUNER, 2001, p. vii).

Essa abertura da escola para a vida não deve ocorrer de modo que ela

perca a sua especificidade, o quinhão que lhe pertence, mas exatamente o

contrário, permitir que ela seja enriquecida. A escola, na opinião de Snyders

(1988, p. 274), corre dois riscos: continuar fechada ou assimilar

acriticamente o mundo. O desafio é conseguir se transformar, remontando às

origens da vida e da especificidade, elaborando uma síntese particular, fonte

de uma alegria original.

Não bastassem todas essas questões filosóficas, a escola é invadida pelos

computadores e outros aparatos tecnológicos, os quais, por proporcionarem

diversas maravilhas, nos fazem, na maioria das vezes, esquecer de indagar

sobre esse acontecimento, o qual, acredito, de modo geral, favorece apenas

uma mudança (superficial) das práticas e do ambiente escolares,

perpetuando sua antiga crença de que a aprendizagem é um ato mecânico,

prescindindo, assim, de motivação, interesse e curiosidade!

30

Page 35: Didática I

Para Benito (2000, p. 43), a tecnologia modifica o universo da

Educação, contemplando não apenas o cenário material onde esta se realiza,

mas, também, a ecologia da aula, as interações dos atores envolvidos no

processo pedagógico, o papel desempenhado pelos professores, os modelos

de comunicação e os mecanismos de avaliação e controle. Essas

transformações, ocorrentes em espaços e tempos convencionais,

proporcionam mudanças das teorias e das práticas didáticas, levando,

provavelmente, a escola a se conectar a um espaço e um tempo em

movimento.

A EDUCAÇÃO, ATUALMENTE, É MARCADA POR TRÊS GRANDES TEMAS, (NAJMANOVICH, 2001, P. 97-98).:

TEMA I)

A compreensão de que ela não se encerra com um diploma, devendo,

portanto, ser permanente. Assim, ela precisa ser entendida juntamente

com formação e capacitação, numa rede de elaboração e socialização

cognitiva.

TEMA II)

Uma nova concepção epistemológica do conhecimento propicia e

fomenta uma revolução na produção, divulgação e avaliação do saber.

TEMA III)

As novas tecnologias de informação e comunicação contribuem para

que as formas utilizadas pela Humanidade para interagir sejam

profundamente modificadas.

Segundo Bruner (2001, p. 25), a mudança no mundo contemporâneo é a

norma, motivo pelo qual, para que a educação desenvolvida na escola seja

eficaz, ela deve possibilitar que os alunos corram riscos, exercitem sua

flexibilidade cultural. Para tanto, ela deve abandonar os ritos impedientes de

os sujeitos ampliarem sua capacidade interpretativa, condição necessária

para se adaptar aos novos tempos.

O que significam, porém, esses “novos tempos”? Quais são as esperanças

e os temores que são trazidos por esses ventos? Para responder a essas

indagações, é necessário voltar um pouco (ou muito ...) no espaço-tempo e

compreender como surgiu e se desenvolveu o “velho tempo” ...

Afinal, a visão crítica sobre o passado possibilita um prisma (e uma

atitude) menos arrogante no presente e mais esperançoso e cuidadoso para o

futuro. Esse é o desafio sempre renovado e atual.

No próximo tópico, será analisada a relação entre as teorias de

aprendizagem e as metodologias de ensino.

OLHANDO DE PERTO

Selecione o material para saber mais sobre:

A Teoria Inteligências múltiplas e suas implicações para a Educação

(clique aqui para abrir)[1]

31

Page 36: Didática I

Mudança de paradigmas (Visite a aula online para realizar download

deste arquivo.)

FONTES DAS IMAGENS

1. http://www.homemdemello.com.br/psicologia/intelmult.html

Responsável: Professora Nidia Barone

Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

32

Page 37: Didática I

TÓPICO 02: BREVE REVISÃO DE PIAGET E VYGOSTSKY

Neste tópico, aprofundaremos o entendimento da relação entre as

teorias de aprendizagem e as práticas educacionais.

Durante séculos, o processo de aprendizagem foi entendido como

consequência “natural” do processo de ensino (daí a expressão processo

ensino-aprendizagem). As revelações da neurociência permitem que os

educadores compreendam melhor como as pessoas aprendem, permitindo-

os repensarem as suas estratégias de ensino.

SOBRE O ENSINO

(CLIQUE AQUI PARA ABRIR)

Fonte[1]

Depois um professor disse, Fala-nos do Ensino.

E ele [o Profeta] respondeu:

Ninguém vos poderá revelar nada que já não esteja meio

adormecido na aurora do vosso conhecimento.

O professor que caminha na sombra do templo, entre os seus

discípulos, não dá a sua sabedoria, mas antes a sua fé e amor.

Se for realmente sábio, não vos convida a entrar na casa da sua

sabedoria, mas antes vos conduz ao limiar do vosso próprio espírito.

O astrônomo pode falar-vos do seu entendimento do espaço, mas

não vos pode dar o seu entendimento.

O músico pode cantar-vos o ritmo do espaço, mas não vos pode

dar o ouvido que faz parar o ritmo, ou a voz que dele faz eco.

E aquele que é versado na ciência dos números, pode falar-vos de

pesos e medidas, mas não pode levar-vos até lá.

Pois a visão de um homem não empresta as suas asas a outro

homem.

DIDÁTICA I

AULA 02: O TRABALHO DOCENTE E A DIDÁTICA

33

Page 38: Didática I

E, mesmo que cada um de vós esteja sozinho no conhecimento de

Deus, também cada um de vós deve estar sozinho no seu

conhecimento de Deus e na sua compreensão da Terra.Fonte: (GIBRAN, 1970, p. 53-54)

Na disciplina Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem na

Adolescência, vocês estudaram sobre as teorias de aprendizagem, motivo

pelo qual faremos, apenas, uma breve revisão sobre as ideias de Piaget e

Vygotsky.

VERSÃO TEXTUAL

A Educação no século XX foi palco de grandes debates,

notadamente a partir das pesquisas de Piaget e Vygotsky, as quais

propiciaram o questionamento do que vinha sendo até então. É

interessante perceber que ambos não eram educadores, motivo pelo

qual suas descobertas devem ser estudadas com muito cuidado, de

modo a evitar que as novas práticas supostamente nelas inspiradas

não as contradigam.

Jean Piaget[2]

Jean Piaget (1896-1980), após concluir o doutorado em Ciências

Naturais, trabalhou com Èdouard Claparède no então recém-inaugurado

Instituto de Ciências Educativas Jean Jacques-Rousseau, aplicando testes de

inteligência para crianças. Embora contar as respostas certas e erradas fosse

tarefa repetitiva, ele buscou compreender os motivos que levavam os

respondentes a escolher determinados itens e não outros.

Portanto, a pesquisa psicogenética iniciada por Piaget objetivava

deslindar a elaboração do conhecimento pelo sujeito, o qual, no seu

entendimento, é um organismo ativo em constante interação com o meio,

que tenciona estabelecer com esse um relação de equilíbrio, utilizando-se,

para tanto, de operações mentais.

SEGUNDO PIAGET (1991), AS ESTRATÉGIAS BÁSICAS SÃO:

A ASSIMILAÇÃO

Esforço do indivíduo para compreender o mundo – físico, cultural, ...

– a partir de suas estruturas cognitivas.

A ACOMODAÇÃO

Mudança que ocorre nas suas estruturas em virtude da complexidade

da realidade.

Considerando que o sujeito está sempre incrementando a sua adaptação

ao ambiente, os esquemas mentais (as estruturas) são transitórios, daí ele

nomear esse processo de equilibração sucessiva: equilíbrio-desequilíbrio-

reequilibração.

O Epistemólogo suíço postula a ideia de que toda pessoa desenvolve

suas estruturas cognitivas de acordo com uma seqüência linear, mediante de

sucessivos estádios:

• sensório-motor,

34

Page 39: Didática I

• pré-operatório,

• operatório concreto e

• operatório formal.

As idades indicadas não são marcos fixos, obedecidos por todos os seres,

mas servem como referência para compreender o desenvolvimento da mente

humana.

O estádio sensório-motor – do nascimento aos dois anos de vida – é

marcado pelas ações sensoriais e motoras, as quais possibilitam intensas

transformações quantitativas e qualitativas na mente.

No início, os reflexos automáticos – sugar, chorar, agarrar ... –

compõem a grande maioria das ações do bebê, as quais lhe permitem, em

seguida, desenvolver os primeiros esquemas sensório-motores, ampliando

exponencialmente as suas possibilidades de exploração e entendimento do

espaço circundante.

Por meio de imitações e situações criadas a partir do faz de conta, ela

torna-se capaz de manipular símbolos. Para Piaget, a maior limitação da

criança nessa fase é o egocentrismo, uma vez que ela é incapaz de imaginar,

de entender a realidade a partir de outro ponto de vista que não seja o seu.

No estádio pré-operatório – dos dois aos sete anos – a criança amplia

e torne mais complexa a sua capacidade de simbolizar, de interpretar.

Estudos posteriores sobre o egocentrismo autorizaram os cientistas a

afirmar que a capacidade de se colocar no lugar do outro não é mera questão

cognitiva, mas possui forte carga emocional. A dificuldade de descentrar, de

reconhecer outras leituras, explicações do mundo, elaboradas por outros

olhos e mentes, não é exclusividade das crianças, uma vez que o grande

desafio é utilizar a flexibilidade das estruturas cognitivas e não simplesmente

tê-las.

Rogers (1991, p. 255) já alertara para o fato de que o diferente, o não eu,

não é uma ameaça à existência das pessoas, mas uma fonte de crescimento,

por isso anota:

Julgo que uma das melhores maneiras, mas das mais difíceis, para mim

de aprender é abandonar minhas defesas, pelo menos temporariamente, e

tentar compreender como é que a outra pessoa encara e sente a sua própria

experiência. (...) uma outra forma de aprender é confessar as minhas

próprias dúvidas, procurar esclarecer os meus enigmas, a fim de

compreender melhor o significado real da minha experiência.

O estádio operatório concreto – dos sete aos catorze anos –

caracteriza-se pela reversibilidade, que a ele enseja visualizar uma ação

mental nos dois sentidos: indo e voltando.

35

Page 40: Didática I

Essa flexibilidade também se manifesta na capacidade da criança de

prestar atenção, quando diante de um problema, em mais de uma

característica (um aspecto, uma dimensão) de um objeto, conforme atestam

os testes de conservação de número, massa e líquido, elaborados por Piaget,

superando o comportamento da fase anterior em que se fixava em apenas

um deles.

HÁ OUTRAS IMPORTANTES CONQUISTAS:

A SERIAÇÃO

Capacidade de classificar objetos, resultado da constituição do

conceito de transitividade, quando objetos são comparados de acordo com

alguma qualidade (tamanho, peso ...)

A INCLUSÃO DE CLASSES

Capacidade de relacionar a parte com o todo, quando ela compreende

que há uma hierarquia entre diferentes categorias, as quais podem ser

agrupadas de inúmeras maneiras.

Quando alcança o estádio operatório formal – dos 14 anos em diante –

o indivíduo é capaz de pensar de forma muito mais versátil e flexível do

que no estádio anterior, como atesta o desenvolvimento da capacidade de

pensar em problemas hipotéticos e ideias, ampliando a manipulação

mental para além do mundo concreto.

Ele, também, começa a empreender uma busca sistemática de

soluções, mediante a consideração de inúmeras possibilidades.

Fonte[3]

O caráter processual do conhecimento é fortemente defendido pela

Teoria Sócio-interacionista, de Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934),

conhecida como histórico-cultural ou sócio-histórica, que enfatiza a

importância do meio social no desenvolvimento das estruturas psicológicas

superiores, uma vez que “(...) o aprendizado humano pressupõe uma

natureza social específica e um processo através do qual as crianças

penetram na vida intelectual daquelas que as cercam”. (VYGOTSKY, 1991,

p. 99). (itálico no original).

Nos princípios do século passado, os psicólogos comportamentalistas

(Pavlov e Watson) afirmavam que o comportamento do Homem

assemelhava-se ao do animal, que funciona num esquema de estímulo-

resposta. Levantando-se contra esses, os gestaltistas (Wertheimer, Kohler,

Koffka e Lewin) defendiam a ideia de que as funções psicológicas superiores

– pensamento, linguagem e comportamento volitivo – não se estruturavam

da mesma forma que as simples, resultado da maturação da base instintiva.

Vygotsky (1991, p. 33), influenciado pelo materialismo dialético de Marx

e Engels, advogava que o contexto social, que é histórico, exerce grande

importância no desenvolvimento das funções superiores humanas:

Desde os primeiros dias do desenvolvimento da criança, suas atividades

adquirem um significado próprio num sistema de comportamento social e,

sendo dirigidas a objetos definidos, são refratadas através do prisma do

36

Page 41: Didática I

O REAL

Revela as funções cognitivas que já amadureceram, caracterizando-o

retrospectivamente.

O PROXIMAL

Revala as funções que ainda não amadureceram que estão em

maturação, caracterizando-o prospectivamente.

ambiente da criança. O caminho do objeto até a criança e desta até o objeto

passa através de outra pessoa. Essa estrutura humana complexa é o produto

de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas ligações

entre história individual e história social.

Para Vygotsky (1991, p. 95/97), cada pessoa tem dois níveis de

desenvolvimento mental:

Metaforicamente, enquanto o primeiro é o fruto, o segundo é a flor do

desenvolvimento mental.

No entendimento desse pesquisador bielo-russo, o desenvolvimento da

fala e da inteligência prática ocorre simultaneamente. Para ele, a linguagem,

durante a vida humana, tem duas funções:

A segunda função (planejar) só ocorre no desenvolvimento humano

após alguns anos do nascimento – e permite duas formas de comunicação

para cada pessoa:

• interpessoal (com o outro) e

• intrapessoal (consigo).

A linguagem, portanto, permite que a noção de espaço seja

(continuamente) refeita, revelando novas dimensões, pois a pessoa “(...)

começa a perceber o mundo não somente através dos olhos, mas também

através da fala” (VYGOTSKY, 1991, p. 36).

O mundo é visto (e compreendido) pelo homem não somente pelas

cores e formas, mas também pelos sentidos e significados (VYGOTSKY,

37

Page 42: Didática I

1991, p. 37), os quais são sempre reelaborados, influenciando na forma

como ele se relaciona com o mundo.

A cultura, que reúne as produções individuais e coletivas, é um conjunto

de signos, os quais permitem o incremento da capacidade do Homem de se

relacionar com o mundo nas suas diversas formas. Muitas vezes, os

profissionais da Educação desconhecemos o fato de que a cultura é um signo,

que para ter sentido para o sujeito precisa ser manipulado, afetiva e

cognitivamente, permitindo, assim, que ele desfrute da beleza e suavidade do

seu cotidiano.

Nessa perspectiva, a natureza não é inerte à ação do ser humano, mas

transforma-se e demanda transformações na forma como o homem se

relaciona consigo mesmo, com o seu semelhante e com o meio ambiente. A

linguagem utilizada por ela para expressar sua mensagem é silenciosa, mas

nem por isso pouco compreensível, conforme atestam os crescentes

desastres naturais em todo o Planeta.

Penso que a não consideração dessa peculiaridade do conhecimento

contribui para que as relações professor-aluno se tornem cada vez mais frias

e distantes, sem que o saber exerça o papel de ponte, de elo entre as pessoas,

mas seja exatamente o oposto, aquilo que afasta, oprime.

SÍNTESE DE ALGUMAS TEORIAS DE APRENDIZAGEM

(CLIQUE AQUI PARA ABRIR)

BEHAVIORISMO – centrada apenas nos “comportamentos

objetivamente observáveis”, negligenciando as atividades mentais. A

aprendizagem é simplesmente definida como a aquisição de um novo

comportamento.

Princípios: habituação, isto é, a diminuição da tendência para

responder aos estímulos que, após uma exposição repetida, se

tornaram familiares; o “condicionamento” é um processo universal de

aprendizagem: condicionamento clássico, condicionamento

instrumental (operante).

Críticas: a) não considera algumas capacidades intelectuais; b)

não explica alguns tipos de aprendizagem; c) não explica alguns dados

conhecidos de adaptação.

CONSTRUTIVISMO – parte do pressuposto de que todos nós

construímos nossa concepção do mundo em que vivemos a partir da

reflexão sobre as próprias experiências. Cada um de nós utiliza

“regras” e “modelos mentais” próprios (que geramos no processo de

reflexão sobre a nossa experiência pessoal), consistindo a

aprendizagem no ajustamento desses “modelos”, “acomodando”,

“adaptando” as novas experiências...

Princípios: 1) a aprendizagem é busca do significado das coisas,

por isso deve começar pelos acontecimentos em que os alunos estão

envolvidos e cujo significado procuram construir...; 2) a construção do

significado requer não só a compreensão da “globalidade” / totalidade,

38

Page 43: Didática I

como das “partes” que a constituem e a integram num “contexto”; 3)

para se poder ensinar bem é necessário conhecer os modelos mentais

que os alunos utilizam e os pressupostos que suportam esses modelos;

4) aprender é construir seu próprio significado e não encontrar as

“respostas certas” dadas por alguém.

A PERSPECTIVA DESENVOLVIMENTISTA DE PIAGET –

o ser humano, no seu desenvolvimento, constrói estruturas cognitivas

sofisticadas – que vão dos reflexos do recém-nascido até às complexas

atividades mentais do. A estrutura cognitiva é um “mapa” mental

interno, um “esquema” ou uma “rede” de conceitos construídos pelo

indivíduo para compreender e responder às experiências dentro do seu

meio envolvente.

Princípios: quatro estágios de desenvolvimento e um conjunto de

processos através dos quais o ser humano progride:

* Sensório-Motor - conceito de permanência do objeto; esquemas

sensório-motores coordenados; imitações até chegar a representações

mentais complexas; * Pré-Operatório - pensamento representativo,

mas carente de operações mentais (ordenação e organização);

* Operações Concretas - conceptualização e criação de “estruturas

lógicas” para a explicação de experiências, sem abstração;

* Operações Formais - raciocínio abstrato, com hipóteses

possíveis e capacidade de pensar cientificamente.

O SÓCIO-INTERACIONISMO DE VYGOSTKY – o

desenvolvimento do indivíduo é resultado de um processo sócio-

histórico, enfatizando o papel da linguagem e da aprendizagem nesse

desenvolvimento. A aquisição de conhecimentos se dá pela

INTERAÇÃO do sujeito com o meio – questão central da teoria.

Destaque para a formação de conceitos, que remetem às relações entre

pensamento e linguagem no processo de construção de significados

pelos indivíduos, ao processo de internalização e ao papel da escola na

transmissão de conhecimento, que é de natureza diferente daqueles

aprendidos na vida cotidiana. A formação das funções psíquicas

superiores é resultado de internalização mediada pela cultura.

Assim, a INTERAÇÃO SOCIAL e o INSTRUMENTO LINGUÍSTICO

são decisivos para o DESENVOLVIMENTO, que tem, pelo menos, dois

níveis: real, já adquirido ou formado, que determina o que o ser

humano é capaz de fazer por si próprio, e potencial, ou seja, a

capacidade de aprender com outra pessoa.

A aprendizagem interage com o desenvolvimento, produzindo

abertura nas zonas de DESENVOLVIMENTO PROXIMAL (distância

entre aquilo que o ser humano faz sozinho e o que é capaz de fazer

com a intervenção/interação de outro; o desenvolvimento cognitivo é

produzido pelo processo de internalização da interação social com

materiais fornecidos pela cultura, num processo que se constrói de

fora para dentro, a partir de uma mediação).

39

Page 44: Didática I

Extraído de Dias (2008).

Os problemas de aprendizagem revelam, na grande maioria das vezes,

problemas de ensino (de didática), em virtude de o professor acreditar que o

domínio de conteúdos e de certas técnicas é suficiente para garantir a

aprendizagem dos estudantes. Nesta concepção, crê-se que o conhecimento

pode ser transmitido.

Conforme vimos, Vygotsky, no início do século passado, diferenciou

signo de significado.:

• enquanto o primeiro é de domínio social (por exemplo, a escrita dos

algarismos) e pode ser socializado,

• o segundo é construído pelos sujeitos, num processo de mediação

social, onde a atividade do sujeito é fundamental.

De modo geral, infelizmente, os educadores ignoram este fato e

continuam a utilizar expressões que explicitam sua compreensão equivocada

sobre o processo de aprendizagem (e, por conseguinte, também do de

ensino) – “passar o conteúdo”, “transmitir a matéria” ... – perpetuando e

aprofundando o fracasso escolar.

Outros teóricos têm contribuido para aclarear a compreensão quando ao

processo de aprendizagem. Oportuno, neste sentido, apresentar, mesmo que

de forma sucinta, a Teoria da Aprendizagem Significativa de Ausubel. (Visite

a aula online para realizar download deste arquivo.)

No próximo tópico, será analisada a relação professor-estudante.

DICA

Quer aprender mais sobre algo?

Carrossel dos Sentidos (Visite a aula online para realizar download

deste arquivo.)

Inserção da Neurobiologia na Educação (Visite a aula online para

realizar download deste arquivo.)

Linguagem e aprendizagem significativa (Visite a aula online para

realizar download deste arquivo.)

PARADA OBRIGATÓRIA

Leia algum desses artigos para aprofundar seus conhecimentos:

Evolução dos conceitos sobre o cérebro e o processo de aprendizagem

(Visite a aula online para realizar download deste arquivo.).

Teoria da aprendizagem significativa segundo Ausubel (Visite a aula

online para realizar download deste arquivo.).

40

Page 45: Didática I

ATIVIDADE DE PORTFÓLIO

Elabore um resumo das principais ideias da aula e poste em seu

portfólio.

FÓRUM

Após leitura e estudo da aula, argumente com seus colegas e tutor

sobre a relação entre as teorias de aprendizagem e as práticas

educacionais.

FONTES DAS IMAGENS

1. http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/60/Method_Paulo_Freire.jpg2. http://1.bp.blogspot.com/-YYH6Yo_baEM/UCOTTCpdN4I/AAAAAAAAhHo/WeRtL7WA0pQ/s1600/JeanPiaget.jpg3. http://1.bp.blogspot.com/-g7Rp7esSZT4/TsWmAtx_GpI/AAAAAAAADV8/jUsSlDPko-c/s400/vygotsky.jpg

Responsável: Professora Nidia Barone

Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

41

Page 46: Didática I

TÓPICO 01: CONTEXTUALIZANDO A CRISE EDUCACIONAL

Neste esforço de compreender a crise educacional, é necessário que

sejam investigadas as relações entre as pessoas, notadamente a relação

professor-estudante.

O Homem é um ser complexo, que tem várias dimensões – física,

emocional, espiritual, cognitiva, ... – as quais precisam ser consideradas.

Neste tópico, enfatizaremos a dimensão cognitiva, que é a mais

facilmente percebida na Educação. No próximo, contemplaremos os aspectos

emocionais e físicos, os quais, infelizmente, na grande maioria das vezes, não

recebem a devida atenção.

ESCOLA E SOFRIMENTO

(CLIQUE AQUI PARA ABRIR)

Rubem Alves

Estou com medo de que as crianças me chamem de mentiroso...

Pois eu disse que o negócio dos professores é ensinar a felicidade.

Acontece que eu não conheço nenhuma criança que concorde com isto.

Se elas já tivessem aprendido as lições da política, me acusariam de

porta voz da classe dominante. Pois, como todos sabem, mas ninguém

tem coragem de dizer, toda escola tem uma classe dominante e uma

classe dominada: a primeira, formada por professores e

administradores, e que detém o monopólio do saber, e a segunda,

formada pelos alunos, que detém o monopólio da ignorância, e que

deve submeter o seu comportamento e o seu pensamento aos seus

superiores, se desejam passar de ano.

Basta contemplar os olhos amedrontados das crianças e os seus

rostos cheios de ansiedade para compreender que a escola lhes traz

sofrimento. O meu palpite é que, se fizer uma pesquisa entre as

crianças e os adolescentes sobre as suas experiências de alegria na

escola, eles terão muito que falar sobre a amizade e o companheirismo

DIDÁTICA I

AULA 03: EDUCAÇÃO: CRISE DE PARADIGMAS

42

Page 47: Didática I

entre eles, mas pouquíssimas serão as referências à alegria de estudar,

compreender e aprender.

A classe dominante argumentará que o testemunho dos alunos

não deve ser levado em consideração. Eles não sabem, ainda… Quem

sabe são os professores e os administradores.

Acontece que as crianças não estão sozinhas neste julgamento. Eu

mesmo só me lembro com alegria de dois professores dos meus

tempos de grupo, ginásio e científico. A primeira, uma gorda e

maternal senhora, professora do curso de admissão, tratava-nos a

todos como filhos. Com ela era como se todos fôssemos uma grande

família. O outro, professor de Literatura, foi a primeira pessoa a me

introduzir nas delícias da leitura. Ele falava sobre os grandes clássicos

com tal amor que deles nunca pude me esquecer. Quanto aos outros, a

minha impressão era a de que nos consideravam como inimigos a

serem confundidos e torturados por um saber cujas finalidade e

utilidade nunca se deram ao trabalho de nos explicar. Compreende-se,

portanto, que entre as nossas maiores alegrias estava a notícia de que

o professor estava doente e não poderia dar a aula. E até mesmo uma

dor de barriga ou um resfriado era motivo de alegria, quando a doença

nos dava uma desculpa aceitável para não ir à escola.

Não me espanto, portanto, que tenha aprendido tão pouco na

escola. O que aprendi foi fora dela e contra ela. Jorge Luís Borges

passou por experiência semelhante. Declarou que estudou a vida

inteira, menos nos anos em que esteve na escola. Era, de fato, difícil

amar as disciplinas representadas por rostos e vozes que não queriam

ser amados.

Esta situação, ao que parece, tem sido a norma, tanto que e assim

que aparece frequentemente relatada na literatura. Romain Rolland

conta a experiência de um aluno:

… afinal de contas, não entender nada já é um hábito. Três quartas partes

do que se diz e do que me fazem escrever na escola: a gramática, ciências,

a moral e mais um terço das palavras que leio, que me ditam, que eu

mesmo emprego – eu não sei o que elas querem dizer. Já observei que em

minhas redações as que eu menos compreendo são as que levam mais

chances de ser classificadas em primeiro lugar.

Mas nem precisaríamos ler Romain Rolland: bastaria ler os textos

que os nossos filhos têm de ler e aprender. Concordo com Paul

Goodmann na sua afirmação de que a maioria dos estudantes nos

colégios e universidades não desejam estar lá. Estão lá porque são

obrigados.

Os métodos clássicos de tortura escolar como a palmatória e a

vara já foram abolidos. Mas poderá haver sofrimento maior para uma

criança ou um adolescente que ser forçado a mover-se numa floresta

43

Page 48: Didática I

O “COMPUTACIONALISMO”

A primeira defende o argumento de que o Homem processa

informações, como se fosse um computador, uma vez que elas estão

dispostas num código linguístico compreensível para aquele. A missão do

professor é fornecer aos alunos dados para que esses executem os

comandos cerebrais pertinentes e possam aprender.

de informações que ele não consegue compreender, e que nenhuma

relação parecem ter com sua vida?

Compreende-se que, com o passar do tempo a inteligência se

encolha por medo e horror diante dos desafios intelectuais., e que o

aluno passe a se considerar como um burro. Quando a verdade é

outra: a sua inteligência foi intimidada pelos professores e, por isto,

ficou paralisada.

Os técnicos em educação desenvolveram métodos de avaliar a

aprendizagem e, a partir dos seus resultados, classificam os alunos.

Mas ninguém jamais pensou em avaliar a alegria dos estudantes –

mesmo porque não há métodos objetivos para tal. Porque a alegria é

uma condição interior, uma experiência de riqueza e de liberdade de

pensamentos e sentimentos. A educação, fascinada pelo conhecimento

do mundo, esqueceu-se de que sua vocação é despertar o potencial

único que jaz adormecido em cada estudante. Daí o paradoxo com que

sempre nos defrontamos: quanto maior o conhecimento, menor a

sabedoria. T. S. Eliot fazia esta terrível pergunta, que deveria ser

motivo de meditação para todos os professores: “Onde está a

sabedoria que perdemos no conhecimento?”

Vai aqui este pedido aos professores, pedido de alguém que sofre

ao ver o rosto aflito das crianças, dos adolescentes: lembrem-se de que

vocês são pastores da alegria, e que a sua responsabilidade primeira é

definida por um rosto que lhes faz um pedido: “Por favor, me ajude a

ser feliz…”.

Fonte: (ALVES, 1994, p. 13-18)

Conforme foi visto no tópico anterior, diversas concepções de

aprendizagem têm desfilado nos palcos escolares nos últimos séculos. Nesta

seção, é reafirmado o fato de que elas expressam uma compreensão de como

o Homem produz e socializa o conhecimento, ou seja, de uma epistemologia.

Essas teorias costumam discordar quanto ao papel que o sujeito e o

objeto desempenham na produção de conhecimento, entendendo aquele

como o que conhece e esse como o que se quer conhecer. Defendo a posição

em que o saber é significativo para cada pessoa e não uma peça decorativa

(no duplo sentido), descartável, uma vez que pode ser rapidamente

substituída por outra que seja mais atraente.

CONFORME BRUNER (2001, P. 15/19), SÃO DUAS AS CONCEPÇÕES SOBRE OFUNCIONAMENTO DA MENTE:

44

Page 49: Didática I

O CULTURALISMO

A segunda explicação evidencia a capacidade que o Homem tem de

simbolizar e interpretar, uma vez que ele pertence a uma comunidade que

produz cultura. Dessa forma, a aprendizagem e o pensamento não são

processos mecânicos, idênticos para todas as pessoas, mas constituem

atividades peculiares, diretamente vinculadas ao desenvolvimento de cada

uma delas num contexto particular, motivo pelo qual os significados de um

mesmo objeto/acontecimento podem (e costumam) ser diversos para

vários indivíduos.

OLHANDO DE PERTO

Enquanto o “computacionalismo” se baseia no processamento de

informações, privilegiando a explicação, o culturalismo defende a

produção de significado, destacando a interpretação.

A visão da mente humana como uma máquina não é nova na História da

Humanidade. Capra (2001, p. 66/68) relata que a ciência cognitiva, no seu

início, defendeu a noção de que a inteligência humana poderia ser entendida

como um processador de informações. Tal atitude, envolta num amplo

entusiasmo de membros da academia e do público em geral, pode ser

comparada com a ideia, lançada no século XVII por Descartes, de que o

funcionamento do corpo humano se assemelhava ao do relógio.

A utilização de termos tipicamente humanos (memória, linguagem, ...)

reforçou a concepção cartesiana de que o Homem é uma máquina, embora

tal crença tenha se revelado recentemente uma falácia, pois a inteligência da

máquina (a “artificial”) é totalmente diversa da humana, uma vez que o:

(...) sistema nervoso humano não processa nenhuma informação (no

sentido de elementos separados que existem já prontos no mundo exterior, a

serem apreendidos pelo sistema cognitivo), mas interage com o meio

ambiente modulando continuamente sua estrutura. Além disso, os

neurocientistas descobriram fortes evidências de que a inteligência humana,

a memória humana e as decisões humanas nunca são completamente

racionais, mas sempre se manifestam coloridas por emoções, como todos

sabemos a partir da experiência. Nosso pensamento é sempre

acompanhando por sensações e por processos somáticos. Mesmo que, com

frequência, tendamos a suprimir estes últimos, sempre pensamos também

como o nosso corpo; e uma vez que os computadores não têm um tal corpo,

problemas verdadeiramente humanos sempre serão estrangeiros à

inteligência deles. (CAPRA, 2001, p. 68).

Rememorando as salas de aula que frequentei, seja como aluno, ou na

qualidade de professor, e revejo as cenas de práticas pedagógicas nelas

vivenciadas, percebo o quanto essa distinção nas crenças dos agentes

envolvidos quanto ao funcionamento da mente (processamento de

informações e produção de significado) implica momentos e sentimentos

antagônicos...

Piaget também pesquisou o desenvolvimento moral da criança e

concluiu que o julgamento moral expressa a consciência que a criança tem do

45

Page 50: Didática I

mundo social. Dessa forma, as experiências por ela vivenciadas permitem

avançar nos estádios descritos por ele:

VERSÃO TEXTUAL

i. Pré-moral (desconhecimento de regras);

ii. Moralidade heterônoma (os deveres e os valores são seguidos

fielmente);

iii. Semi-autonomia (início da relativização de ordens e de regras);

e

iv. Moralidade autônoma (baseada na reciprocidade).

A importância dessa concepção de moralidade infantil é a recusa de

entendê-la como um processo maturacional, pois enaltece as interações que

o sujeito estabelece com o meio ambiente. A excessiva valorização das

consequências das ações é, progressivamente, substituída pelas intenções

dos sujeitos, as quais passam a ser entendidas dentro de um sistema

valorativo, possibilitando que as regras e as exigências sociais sejam

relativizadas, hajam vistas as especificidades individuais, num interminável

diálogo.

A partir dessas contribuições piagetianas, os papéis do aluno e do

professor transformam-se radicalmente: para elaborar o conhecimento,

aquele deve confrontar os seus saberes com a realidade, considerar as

informações dos colegas, de modo a formular explicações mais consistentes.

Agindo assim, ele abandonará a enfadonha tarefa de guardar (por pouco

tempo) conteúdos amorfos e assumirá, cada vez mais, a responsabilidade

pela sua vida, que congrega bem mais do que a área cognitiva, num processo

interminável de equilibração.

Nessa perspectiva, o professor tem grande influência na dinâmica da

sala, nas interações, motivo pelo qual ele deve abandonar a atitude de

conferencista, de divulgador de um conhecimento que só ele detém, e

propor problemas e desafios aos seus pupilos.

Para que isso ocorra, ele precisa investigar o contexto social em que o

alunado vive, permitindo que esse atinja níveis mais complexos de

entendimento da dinâmica social, permeada que é, no caso do Brasil, por

inúmeras contradições e injustiças, as quais não são acontecimentos

naturais, mas acontecimentos históricos, sendo passíveis de transformação.

De um modo geral, os estudos de Piaget permitiram melhor

compreensão do universo infantil, das suas capacidades, limitações e

necessidades. Pesquisas posteriores relevam que as suas ideias quanto à

capacidade de realização das crianças pré-escolares e ao egocentrismo não

são totalmente verdadeiras. Isso não tira o mérito do esforço empreendido

por ele, mas mostram a transitoriedade do conhecimento, que se torna cada

vez mais depurado, com a formulação de mais teorias (acomodação).

46

Page 51: Didática I

PARA DOLL JR. (1997, P. 80), OS ESTUDOS DE JEAN PIAGET SÃO:

(CLIQUE AQUI PARA ABRIR)

A alternativa de explicação para o desenvolvimento humano em

substituição à Física newtoniana, uma vez que o modelo aberto, por

ele apresentado, privilegia as relações que os seres humanos

estabelecem como o seu meio, enaltecendo a noção de que o valor que

as partes têm só pode ser entendido no sistema como um todo, e não

mediante o isolamento entre aquelas.

Suas investigações, forjadas numa perspectiva da Biologia,

objetivavam desvendar a interação das pressões que o meio ambiente

situa sobre o organismo e a reação por este apresentada a essas

pressões. Rejeitou a explicação lamarckiana (as respostas formuladas

pelos indivíduos às pressões do meio ambiente são herdadas) e a

darwiniana (que entendia as pressões ambientais como suscitando

respostas aleatórias, com a sobrevivência do mais adaptado), pois,

para ele, a primeira era mecanicista e a segunda não tinha objetivo.

Segundo Doll Jr. (1997, p. 96/97), a epistemologia proposta por

Piaget é o “terceiro caminho”, que privilegia a “interação entre o

organismo e seu meio ambiente” ressaltando “a maneira pela qual o

organismo busca ativamente responder ao meio ambiente e ao mesmo

tempo resiste a qualquer pressão para mudar seus próprios padrões”.

O equilíbrio nunca é plenamente alcançado, haja vista que os

estímulos do meio levam o organismo a reformular as suas estruturas.

Porém, “o meio ambiente não molda o organismo; os organismos

moldam a si mesmos”, não sendo, dessa forma, passivos, como se

costumava pensar, mas dotados de uma capacidade de reagir

positivamente às pressões ambientais.

Antes de finalizar essa reflexão sobre as contribuições do construtivismo

para a Educação, saliento a discussão que ele fomentou sobre o erro,

notadamente no ambiente escolar, o qual só se revela como tal quando o

sujeito é capaz de confrontar o seu conhecimento com o de outras pessoas,

seja de forma verbal ou escrita. Assim, ele é uma etapa natural na elaboração

do conhecimento, não devendo ser motivo de culpa, vergonha ou complexo

de inferioridade.

Conforme o referencial piagetiano, o erro pode ser compreendido como

construtivo ((indica uma complexificação nas estruturas mentais do

sujeito).) e como não construtivo ((revela que não houve mudança nas

estruturas mentais do sujeito).) . Essa diferença na natureza do erro

demanda atitudes distintas do professor, motivo pelo qual devem ser

refutadas atitudes demasiadamente permissivas em relação aos erros

cometidos pelos alunos, notadamente quando esses forem do tipo não

construtivo.

Creio que as novas gerações têm o direito de desfrutar momentos de

aprendizagem inspirados numa nova lógica de saber, dando-lhes a

oportunidade de experimentar, descobrir, errar, melhorar e aprender com os

47

Page 52: Didática I

próprios equívocos, incrementando a autoimagem e a autoestima. A

degustação de todas as formas de conhecimento permitirá que elas

compreendam que o saber é histórico, pois que resulta da jornada da

Humanidade na Terra, sendo, portanto, passível de transformação, de

melhoria.

Os postulados sócio-interacionistas ratificam o fato de que, para que a

realidade educacional seja transformada, as práticas pedagógicas precisam

considerar os processos intra e interpessoal que caracterizam a significação

do saber, a qual nunca se encerra, haja vista que:

VERSÃO TEXTUAL

“É na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a

educação como processo permanente. Mulheres e homens se tornaram

educáveis na medida que se reconheceram inacabados” (FREIRE,

1997, p. 64).

Os atos de aprender e ensinar, portanto, são atividades que caracterizam

o existir humano, não sendo exclusividade do ambiente escolar, uma vez que

ele é apenas um dos locais onde isso é possível de acontecer. O que deveria

ser peculiar desse espaço é a possibilidade de que os sujeitos estabelecessem

vínculos muito mais intensos, permitindo que aqueles, por meio de uma

compreensão do mundo mais intensa (pois fruto de um processo

deliberado), fossem preparados para participar mais ativamente do mundo.

A escola precisa, portanto, considerar o cotidiano, as experiências dos

seus sujeitos, professor e alunos, de modo que o saber os ajude a decifrar as

complexas ligações entre os acontecimentos. Esse desafio, embora seja

coletivo, precisa ser vivenciado pelas pessoas, de per se, pois ela necessita

decifrar, interpretar o mundo.

A experiência implica a capacidade de aprender a partir da própria

vivência. Experienciar é aprender; significa atuar sobre o dado e criar a

partir dele. O dado não pode ser conhecido em sua essência. O que pode ser

conhecido é uma realidade que é constructo da experiência, uma criação de

sentimento e pensamento. (TUAN, 1983, p. 10).

Diante do exposto, é necessário que as relações entre os agentes

pedagógicos sejam pautadas no respeito mútuo, condição indispensável para

se estabelecer um diálogo, que substitua o monólogo que, acredito, impera

na grande maioria das salas de aula.

Nessa perspectiva, a oitiva é tão importante quanto a fala, devendo

aquela preceder essa, sob pena de se produzir um monólogo estéril,

inócuo.

O ato de ensinar anda de mãos dadas com o de aprender, aquele não

está na frente desse, não o precede, mas se alimentam mutuamente. Essa

também é a opinião de Freire (1997, p. 128): “Somente quem escuta paciente

e criticamente o outro, fala com ele, mesmo que, em certas condições, precise

48

Page 53: Didática I

de falar a ele. O que jamais faz quem aprende a escutar para poder falar com

é falar impositivamente”.

Reconheço que a ausência do diálogo não é privilégio da escola, mas

nela os resultados são ainda mais catastróficos, considerando que a

mensagem subliminarmente difundida é a de que o conhecimento é algo

inútil e chato, que não tem nenhuma relação com a vida, com a realidade,

seja a dos alunos, seja a dos professores; mas, será que é possível sonhar com

algo distinto?

Vislumbro um cenário em que professor e alunos assumam os papéis de

flor e abelha, onde o conhecimento é o mel, tal como imaginado por Gibran

(1970, p. 69):

(...) o prazer da flor é entregar o mel à abelha. Pois, para a abelha, uma flor é

uma fonte de vida. E para a flor, uma abelha é mensageira de amor. E para

ambas, a abelha e a flor, dar e receber o prazer é uma necessidade e um êxtase.

Kenski (2000, p. 137) ressalta o fato de que, numa prática apoiada nos

ideais de Vygotsky, “o poder da fala do professor é substituído pela interação,

pela troca de conhecimentos e pela colaboração grupal a fim de se garantir a

aprendizagem”, fortalecendo, dessa forma, o diálogo e as trocas de

informações. Assim, na perspectiva do sócio-interacionismo, “As

aprendizagens, o desenvolvimento do pensamento lógico e científico,

realizam-se através da interação comunicativa, o que possibilita a construção

social do conhecimento”.

OLHANDO DE PERTO

Para se compreender a natureza das críticas ordinariamente

enunciadas sobre o construtivismo, é necessário esclarecer que ele não é

uma teoria educacional, como muitos estão habituados a pensar e

propagar, mas uma teoria do conhecimento.

Acredito que a grande dificuldade de se entender o potencial

transformador do ideário construtivista reside no fato de que ele propõe uma

forma radicalmente diferente de se explicar como o Homem aprende.

As pessoas que buscam receitas para ensinar, que podem ser seguidas

por qualquer indivíduo e em qualquer contexto social, acreditam que a

mente é um processador de informações, motivo pelo qual o conhecimento

pode e deve ser transmitido, de forma clara e precisa, pelo professor aos

alunos.

Ora, não bastasse o fato de que o construtivismo não é uma pedagogia,

pois afigura-se como uma epistemologia, ele fomenta o desenvolvimento de

uma teoria da aprendizagem (e do ensino) que valoriza a interpretação, a

produção de significados, o que só se efetiva quando o sujeito confronta a sua

realidade (social, emocional, cognitiva, ...) com a produção cultural a que

tem acesso por via das mais variadas formas.

49

Page 54: Didática I

O construtivismo, portanto, é um golpe no “computacionalismo”, que

acredita no poder do professor de explicar, e uma aposta no culturalismo,

que crê na capacidade do aluno de produzir sentido.

Não somente no Brasil, mas também no mundo, de um modo geral, a

teoria do conhecimento que predomina nas salas de aula e dos professores,

bem como nos gabinetes dos diretores e dos gestores, é o

“computacionalismo”, expresso no intento de massificar, de produzir em

série, de apresentar a solução para a maior quantidade de pessoas possível. É

por isso que a crença de que o construtivismo seria a solução da Educação no

contexto nacional se revelou um grande fiasco.

A culpa, todavia, não está na explicação apresentada pela teoria

construtivista, mas no nefasto uso e na distorção que dela fizeram,

objetivando atingir objetivos distintos, e até mesmo contraditórios, dos que

ela formula. Da mesma forma, o responsável por esse fracasso não é o

professor, que seria incapaz de compreender e pôr em prática os seus

fundamentos, mas de uma proposta educacional que acredita que ele tem o

poder de sozinho resolver todos os problemas, de naturezas diversas, que

afligem os seus alunos.

O culturalismo demanda uma organização do trabalho escolar bastante

diversa da que costuma caracterizar o cotidiano no Brasil. A autonomia do

professor e do aluno não deve ser entendida como um isolamento do sujeito

da sua realidade, mas exatamente o contrário. Somente um indivíduo que

experimenta o prazer de descobrir(-se) pode contribuir e facilitar para que

outras pessoas também tenham o privilégio de o desfrutarem.

Individualidade não é sinônimo de individualismo, uma vez que a

vocação ontológica do Homem é se encontrar (e perder-se) no e com o outro,

numa perspectiva de união e não de isolamento. A relação do professor com

o aluno é apenas uma das possibilidades de encontro que toda pessoa tem

com seu ambiente (social/cultural e natural), o qual foi poeticamente

descrita por Freire (1997, p. 151/152) assim:

Estar disponível é estar sensível aos chamamentos que nos chegam, aos

sinais mais diversos que nos apelam, ao canto do pássaro, à chuva que cai ou

que se anuncia na nuvem escura, ao riso manso da inocência, à cara

carrancuda da desaprovação, aos braços que se abrem para acolher ou ao

corpo que se fecha na recusa. É na minha disponibilidade permanente à vida

a que me entrego de corpo inteiro, pensar crítico, emoção, curiosidade,

desejo, que vou aprendendo a ser eu mesmo em minha relação com o

contrário de mim. E quanto mais me dou à experiência de lidar sem medo,

sem preconceito, com as diferenças, tanto melhor me conheço e construo

meu perfil.

O professor, portanto, deve viver a sua autonomia (entendida por mim

como sempre inconclusa, merecedora, assim, de cuidado e dedicação

ininterruptos) para que ele proponha atividades que contribuam e favoreçam

o desenvolvimento da autonomia pelo corpo discente. Para tanto, é

necessário que o ambiente e o material pedagógicos sejam ricos e diversos,

possibilitando a exploração, pelos sujeitos, de opções, com incremento da

50

Page 55: Didática I

respectiva flexibilidade, respeitando a diversidade que caracteriza o mundo,

com a formulação de explicações que contemplem a complexidade da

dinâmica da vida, e rejeitando aquelas que, deliberadamente ou não, a

negam.

O construtivismo, como teoria do conhecimento, favorece o desabrochar

de uma ética nas relações humanas pautada na igualdade e na diversidade,

as quais não podem ser entendidas como antagônicas, mas complementares.

Afinal, a igualdade reside no fato de que se trata de seres humanos, enquanto

a diversidade de cada qual ressalta a peculiaridade do que cada um viveu,

vive e viverá.

Professor e alunos não são, portanto, oponentes, mas companheiros de

uma mesma aventura, cada um procurando desempenhar seu papel da

melhor forma possível, confiando e acreditando na lealdade de que está ao

seu lado (ou na sua frente... ou, ainda, atrás!). O fato de a autoria da

aprendizagem ser individual, em virtude de a constituição de signos ser feita

por pessoa, não significa, de forma alguma, que ela é desligada das relações

sociais.

Considerando a reflexão desenvolvida sobre o construtivismo, se é

verdade que o professor não pode ensinar, em virtude da singularidade da

forma com que o Homem aprende, isso não significa que ele não tem um

papel de destaque na sala de aula. Muito pelo contrário! Sua importância é

ainda mais enaltecida: ele é convidado a assumir a individualidade, a expor

sua sensibilidade, a estabelecer vínculos afetivos com os seus alunos, sendo a

cultura e o conhecimento pretextos para que isso ocorra.

O erro do aluno, nesse cenário, não é visto como catástrofe, uma vez que

ele nos lembra haver sempre algo a ser aprendido, requerendo que o

professor, com a sua gama de conhecimento e sensibilidade, o interprete e

formule oportunidades e desafios para o estudante, continuamente,

reelaborar a sua resposta.

Acredito que tal atitude não deve ocorrer apenas quando acontecer um

erro. Tendo em vista a crescente quantidade de saberes e a impossibilidade

de dominá-la, mesmo que precariamente, como devem ser a Educação, o

ensino-aprendizagem e a relação professor-aluno?

Diante de tantas informações, não há como se absorver, intuir um

conhecimento geral, um saber daquilo que o ser humano supostamente

deveria estar ciente. Não me iludo mais com isso. A única forma de se criar

um conhecimento geral, um conhecimento inteiro, é dentro de cada pessoa, e

só essa pessoa sabe quais são as informações necessárias para que ela mesma

seja inteira. Isso não significa isolamento. Continuaremos nos influenciando

uns aos outros, permanecemos inspirando uns aos outros, porém não

devemos querer o controle sobre o outro, mas apenas deixar disponíveis para

o outro as informações que temos, e que o outro siga o próprio caminho.

(LOUREIRO JR, 1996, p. 44).

À luz das reflexões apresentadas, destaca-se o fato de que o Homem é

um ser que necessita do encontro para se realizar como tal, não significando

isso que os desentendimentos, as contradições sejam uma negação do

51

Page 56: Didática I

processo. Enquanto há vida, ele está aprendendo, ampliando a sua

capacidade de interpretar, de criar significados do mundo. O ponto de

chegada nunca é definitivo, constitui-se apenas numa temporária escala para

outras viagens, descobertas e aventuras. O desconhecido está sempre à sua

frente, instigando-o a prosseguir, a avançar, demandando que cada pessoa

seja movida pela fé, pela esperança e não pela certeza, a qual se revela inócua

e incompatível com a dinâmica da natureza.

A excessiva valorização da Ciência fez com que se acreditasse que o

conhecimento permite o controle do mundo. Essa pretensão é motivo de

muito sofrimento e de empobrecimento para o Homem, pois grandes são as

suas frustrações (quando ele percebe, na maioria das vezes, que algo não saiu

como ele desejava e queria que acontecesse) e pequenas e efêmeras são as

suas alegrias (porque ele não está apto a dançar ao ritmo da melodia do

universo e de se deliciar com os seus mistérios).

A não permanência não é a exceção, ela é a regra da vida. Essa verdade

requer que o Homem assuma o seu caráter finito e incompleto, o que não é

nenhum demérito, nem motivo de sofrimento, mas a condição necessária

para sempre crescer, aprender e usufruir das maravilhas que irrompem, a

todo o momento, ao seu redor e no seu interior. Para desenvolver o seu Eu,

cada indivíduo precisa do outro, do não eu, para formar um par e deslizar

nos palcos do Planeta azul.

Postulo a ideia de que a escola possibilite às pessoas aprenderem a

valorizar o outro, a se alegrarem com o encontro, que sempre permite

aprender algo. Afinal, descobrir a cultura ou o outro é, de certa forma,

desvendar a si mesmo.

A relação pessoal de homem para homem – no diálogo, no respeito e

consideração, na confiança e no amor – não é mais, em sentido próprio, uma

relação de sujeito e objeto, mas uma relação de sujeito para sujeito, de eu e

tu. Daí que resultam estruturas e categorias completamente diferentes das

que se encontram num esquema rígido de sujeito e objeto, dado que não se

antepõe a mim uma coisa objetivamente apreensível e disponível, mas uma

essência pessoal da mesma qualidade e mesmo valor que eu, que se abre ou

se fecha livremente e que só posso ‘compreender’ na aceitação cheia de fé e

confiança de sua livre autoabertura. (CORETH, 1973, p. 99).

Acredito que as ideias de Moreno e a concepção de conhecimento na

Teoria de Santiago (Visite a aula online para realizar download deste

arquivo.) enriquecem e aprofundam os estudos sobre a construção do

conhecimento, motivo pelo qual os professores devem conhecê-la.

A escola, conforme as considerações aqui delineadas, constitui-se num

espaço de encontros entre pessoas com valores, crenças, sonhos e

experiências diferentes. É importante que professores e estudantes

aprendam a conviver com a diversidade, uma vez que a sociedade é ainda

mais plural.

É sobre isto que estudaremos nos próximos dois tópicos.

52

Page 57: Didática I

DICA

“Ser” aluno: o segredo de “ser” professor (Visite a aula online para

realizar download deste arquivo.).

PARADA OBRIGATÓRIA

O processo ensino-aprendizagem e o papel do professor como gestor

do pensar (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.).

FONTES DAS IMAGENS

Responsável: Professora Nidia Barone

Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

53

Page 58: Didática I

TÓPICO 02: (DES)ENCONTROS NA ESCOLA E NA SALA DE AULA: ÉTICA, DIÁLOGO E VIOLÊNCIA - I

A crise educacional tem um componente afetivo, que se explicita nos

crescentes conflitos entre os agentes pedagógicos, que têm como

característica comum a falta de respeito.

• Por que será que as pessoas se agridem cada vez mais?

• O que é necessário para se estabelecer o diálogo?

• A escola pode fazer algo para diminuir a violência?

REFLEXÃO

A crise educacional tem um componente afetivo, que se explicita nos

crescentes conflitos entre os agentes pedagógicos, que têm como

característica comum a falta de respeito. Por que será que as pessoas se

agridem cada vez mais? O que é necessário para se estabelecer o diálogo?

A escola pode fazer algo para diminuir a violência?

NA ESCOLA, CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

(CLIQUE AQUI PARA ABRIR)

Fonte[1]

Democrata é Dona Amarílis, professora na escola pública de uma

rua que não vou contar, e mesmo nome de Dona Amarílis é inventado,

mas o caso aconteceu.

Ela se virou para os alunos, no começo da aula, e falou assim:

― Hoje eu preciso que vocês resolvam uma coisa muito

importante. Pode ser?

DIDÁTICA I

AULA 03: EDUCAÇÃO: CRISE DE PARADIGMAS

54

Page 59: Didática I

― Pode – a garotada respondeu em coro.

― Muito bem. Será uma espécie de plebiscito. A palavra é

complicada, mas a coisa é simples. Cada um dá sua opinião, a gente

soma as opiniões e a maioria é que decide. Na hora de dar opinião, não

falem todos de uma vez só, porque senão vai ser muito difícil eu saber

o que é que cada um pensa. Está bem?

― Está – respondeu o coro, interessadíssimo.

― Ótimo. Então, vamos ao assunto. Surgiu um movimento para as

professoras poderem usar calça comprida nas escolas. O governo disse

que deixa, a diretora também, mas no meu caso eu não quero decidir

por mim. O que se faz na sala deve ser de acordo com os alunos. Para

todos ficarem satisfeitos e um não dizer que não gostou. Assim, não

tem problema. Bem, vou começar pelo Renato Carlos. Renato Carlos,

você acha que sua professora deve ou não usar calça comprida na

escola?

― Acho que não deve – respondeu, baixando os olhos.

― Por quê?

― Porque é melhor não usar.

― E por que é melhor não usar?

― Porque minissaia é muito mais bacana.

― Perfeito. Um voto contra. Marilena, me faz um favor, anote aí

no seu caderno os votos contra. E você, Leonardo, por obséquio, anote

os votos a favor, se houver. Agora quem vai responder á Inesita.

― Claro que deve, professora. Lá fora a senhora usa, por que vai

deixar de usar aqui dentro?

― Mas aqui dentro é outro lugar.

― É a mesma coisa. A senhora tem uma roxo-cardeal que eu vi

outro dia na rua, aquela é barbara.

― Um a favor. E você, Aparecida?

― Posso ser sincera, professora.

― Pode, não. Deve

― Eu, se fosse a senhora, não usava.

― Por quê?

― O quadril, sabe? Fica meio saliente...

― Obrigada, Aparecida. Você anotou, Marilena? Agora você,

Edmundo.

55

Page 60: Didática I

― Eu acho que Aparecida não tem razão, professora. A senhora

fica muito bacana de calça comprida. O seu quadril é certinho.

― Meu quadril não está em votação, Edmundo. A calça, sim. Você

é contra ou a favor da calça?

― A favor 100%.

― Você, Peter?

― Para mim, tanto faz.

― Não tem preferência?

― Sei lá. Negócio de mulher eu não me meto, professora. ― Uma

abstenção. Mônica, você fica encarregada de tomar nota dos votos

iguais ao do Peter: nem contra, nem a favor, antes pelo contrário.

Assim, iam todos votando, como se escolhessem o Presidente da

República, tarefa que talvez – quem sabe? – no futuro sejam

chamados a desempenhar. Com a maior circunspeção. A vez de

Rinalda.

― Ah, cada uma na sua.

― Na sua, como?

― Eu na minha, a senhora na sua, cada um na dele, entende?

― Explique melhor.

― Negócio seguinte. Se a senhora quer vir de pantalona, venha.

Eu quero vir de midi, de máxi, de short, venho. Uniforme é papo

furado.

― Você foi além da pergunta, Rinalda. Então é a favor?

― Evidente. Cada um curtindo à vontade.

― Legal! – exclamou Jorgito – Uniforme está superado,

professora. A senhora vem de calça comprida, e a gente aparecemos de

qualquer jeito.

― Não pode – refutou Gilberto – vira bagunça. Lá em casa,

ninguém, anda de pijama ou de camisa aberta na sala. A gente tem de

respeitar o uniforme.

Respeita, não respeita, a discussão esquentou, Dona Amarílis

pedia ordem, ordem, assim não é possível, mas os grupos haviam se

extremado, falavam todos ao mesmo tempo, ninguém se fazia ouvir,

pelo que, com quatro votos a favor da calça comprida, dois contra, e

um tanto-faz, e antes que fosse decretada por maioria absoluta a

abolição do uniforme escolar, a professora achou prudente declarar

encerrado o plebiscitio, e passou à lição de História do Brasil.,

56

Page 61: Didática I

Fonte: (SABINO, 2002, p. 54-57)

REFLEXÃO

Diariamente, ouvimos (e falamos) sobre a falta de ética.

• Mas, o que é ética?

• Como se aprende?

• É possível ensiná-la?

Diariamente, ouvimos (e falamos) sobre a falta de ética. Mas, o que é

ética? Como se aprende? É possível ensiná-la?

MULTIMÍDIA

Assista ao vídeo do filósofo Mario Sérgio Cortella no programa do Jô

Soares sobre "O que é ética e moral?".

http://www.youtube.com/v/LK91Ut7jJIM

Ética, conforme o Dicionário Aurélio, é: (clique aqui para abrir)

“[Fem. substantivado do adj. ético.] S. f. 1. Estudo dos juízos de

apreciação referentes à conduta humana suscetível de qualificação do

ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada

sociedade, seja de modo absoluto.” (FERREIRA, 1993, p. 733).

De acordo com a definição supra, a Ética contempla o julgamento do

comportamento do Homem, à luz de determinados valores, dentre os quais

se destaca o respeito (e o cuidado) pela vida.

• O que revela este descaso por ela?

• Por que é difícil (e necessário) dialogar, principalmente na seara

educacional?

Socializo a seguinte reflexão de Barguil (2006, p. 166-167):

(...) a forma como me relaciono com o outro está em sintonia com a

forma como me relaciono comigo. Todo educador precisa aprender a olhar

para dentro de si, perceber o que se passa no seu interior, acolhendo,

também, o não-eu, tanto aquilo que já vive como o que ainda não veio à tona.

Essa abertura se exerce também quando ele abraça o aluno, com os seus

saberes, peculiaridades e limitações. Cônscio das incompletudes que

permeiam o seu viver, o educador desenvolverá atividades entremeadas de

um sentimento de humildade diante do universo, que se apresenta como

eterno desconhecido.

57

Page 62: Didática I

Ele, portanto, precisa ter uma relação com o saber compatível com

aquela que deseja que seus alunos tenham consigo mesmos e com os outros:

“Como professor não me é possível ajudar o educando a superar sua

ignorância se não supero permanentemente a minha. Não posso ensinar o

que não sei”. (FREIRE, 1997: 107). Viva o diálogo! (Itálico no original)

A despeito de objetivar a compreensão da realidade escolar, postulo o

argumento de que essas considerações possam (e devam) ser ampliadas para

um contexto mais amplo, que congregue a sociedade como um todo, pois em

ambos é sintomática a negação do direito de individuação.

Pensar sobre o homem é difícil também, porque sendo o homem, ao

mesmo tempo, sujeito e objeto da reflexão, essa tarefa significa um desvelar

do nosso próprio ser, uma compreensão das nossas crenças e uma busca de

desmistificação de ideologias que, ao longo de nossa vida, sedimentaram-se

em nossa forma de ver e pensar o mundo. (GONÇALVES, 1994, p. 74).

O Homem se caracteriza por um movimento ambíguo, do qual

dificilmente ele se apercebe. Por um lado, ele intenta descobrir, ser diferente,

inovar, aventurando-se no desconhecimento; de outra parte, ele quer sentir-

se seguro, ter certezas, sem ameaças do inesperado.

A convivência do Homem com seus semelhantes possibilita tanto a

identificação como a diferenciação, ou, pelo menos, deveria ser assim, uma

vez que aquele não é mero reflexo da realidade, pois, constantemente,

interpreta-a, valora-a e cria significados, ou seja, (re)elabora a sua

subjetividade.

REFLEXÃO

Há, entretanto, uma tentativa incessante de festejar e privilegiar o

ideal de homem-modelo.

• A quem interessa a padronização?

• O que leva as pessoas a não se diferenciarem umas das outras e

passarem a pensar, a almejar as mesmas coisas?

• Qual é o preço que elas pagam por essa negação de si mesmas?

Atualmente, é fácil perceber que a padronização é um dos pilares do

capitalismo, que instituiu a produção em série, tomando o lugar da

manufatura, do artesanato, que se baseavam na peculiaridade de cada peça

produzida.

A escola, na maior parte das vezes, organiza as suas práticas baseadas

num estudante-modelo, tanto como ponto de partida como de chegada, as

quais requerem, também, um professor-padrão. Agindo assim, ela elimina

qualquer possibilidade de os agentes pedagógicos (estudantes e professores)

se perceberem como sujeitos singulares, particulares, distintos de todos os

outros, de conceberem, continuamente, a auto-percepção e a auto estima.

58

Page 63: Didática I

Acredito que toda pessoa tem o direito inalienável de desenvolver a

sua subjetividade, entendida não como algo estático, mas como um

universo em movimento e expansão.

Para tanto, ela precisará desenvolver uma intensa relação com o meio

ambiente, a qual permitirá que ela descubra (conheça) o que aprecia e o que

rejeita, vislumbrando novos horizontes e despertando porções interiores

adormecidas.

Para que isso ocorra, o indivíduo deve estar em sintonia com os seus

afetos, as suas emoções, sob pena de viver como um autômato, que executa,

mas não sente, que faz, mas não avalia, sendo incapaz de identificar as

situações que lhe são prazerosas ou não e, posteriormente, de escolher o que

gostaria de viver.

Para reaver a subjetividade e favorecer o processo de individuação, a

Educação deve ensejar situações em que o sujeito, superando a sua visão

quantificadora, fragmentadora, valorize as suas emoções, o seu corpo,

superando a oposição destes em relação à mente e à razão (FONTANELLA,

1995, p. 10), e desenvolvendo uma compreensão holística, que perceba as

sutis relações entre as partes e o todo e se renda à impossibilidade de medir

as belezas da vida, não capturáveis aos formalismos numéricos.

Para Gonçalves (1994), a corporalidade, que contempla tudo aquilo que

diz respeito ao indivíduo, costuma ser ignorada e reprimida na escola, o que

enseja sua recuperação, de forma a contemplar tanto o educando como o

educador.

Fonte[2]

Foucault (2002) analisou, com detalhes, como o corpo foi tratado na

História. No início, o controle sobre ele era exercido com o uso da força.

Posteriormente, entraram em cena a coerção e a disciplina, que objetivavam

a fabricação de corpos submissos, dóceis.

Para atingir os objetivos estabelecidos, o espaço escolar foi projetado

para possibilitar que o professor pudesse controlar os seus estudantes,

verificando se eles estavam se comportando conforme o esperado. É por isso

que, além de ensinar, a escola passou a ser uma máquina de “(...) vigiar, de

hierarquizar, de recompensar”. (FOUCAULT, 2002, p. 126).

Desde os primórdios, o Homem, para conhecer o seu ambiente,

movimenta-se com o seu corpo no espaço, fazendo indagações,

vislumbrando possibilidades, avaliando resultados, buscando opções,

alargando, continuamente, seus horizontes, numa graciosa dança existencial,

ao som de uma música cuja melodia expressa a convicção de que há sempre

algo novo (BARGUIL, 2000). Privá-lo disso é, sem dúvida, negar-lhe o

direito de aprender, de transcender. A imposição de um espaço e de um

tempo tem como finalidade a submissão do sujeito.

59

Page 64: Didática I

Ao longo da História, ele tem utilizado as suas habilidade físicas,

cognitivas e emocionais de modo diverso. Nas sociedades pré-industriais, o

corpo tinha grande importância na identidade pessoal bem como para o

funcionamento da sociedade, uma vez que a força, destreza e agilidade eram

importantes em torneios, em competições, na guerra e na política

(GONÇALVES, 1994, p. 18).

Com a produção capitalista, o Homem inaugurou relações diferentes

com a natureza, modificando o seu corpo, bem como distanciando-se do

produto (externo e interno) do seu trabalho, uma vez que foram dissociadas

as suas forças corporal e espiritual (GONÇALVES, 1994, p. 22).

Embora o cerceamento dos corpos, dos movimentos, das emoções, seja

ainda a realidade da grande maioria das nossas escolas, muito me anima

saber que os rituais escolares são processos históricos, como tais, passíveis

de mudança, de transformação. Para McLaren (1992, p. 354), embora os

ritos sejam estabelecidos pela instituição escolar e adotados pelos

professores, eles são intensamente questionados pelos estudantes, que

utilizam os seus corpos e as suas falas para expressar a sua insatisfação.

Esse desagrado em relação ao instituído, com a disciplina, com o

controle dos corpos, das mentes e dos corações não é mais aceito como o era

no passado recente. A globalização, ao tentar impor a uniformização de

costumes, povos e línguas, possibilitou ao Homem valorizar as suas

diferenças e lutar pelo direito de permanecer com a sua singularidade,

originando mais conflito do que se esperava (ROCHA, 2000, p. 142).

No entendimento de Illich (1977, p. 77), a escola, ao instituir a

aprendizagem em matérias, fragmentando o conhecimento, forma “(...)

dentro do estudante um currículo feito desses blocos pré-fabricados”. Essa

cisão do estudante é acompanhada pela negação da subjetividade, uma vez

que a avaliação normalmente efetuada é centrada no professor, retirando

daquele a possibilidade de olhar para si, de assumir a responsabilidade pela

sua vida e reforçando um padrão de subserviência à opinião, ao controle de

outrem, negando o desenvolvimento da individualidade e aprofundando a

alienação.

Ao se pôr sobre alguém sentidos já prontos, não houve processos de

experimentação e criação de sentidos que, no próprio ato de irem se fazendo

obra vão se configurando. Na doação ou no estabelecimento de sentidos (ou

nem isso) há uma mecânica que simula o utilitarismo fabril dominantes. A

arte na educação vai sucumbindo ao medo de produzir e experienciar

sentidos, ensaiaram-se obras (LINHARES, 2003, p. 240).

Bruner (2001, p. 44) assinala que a humanidade organiza e administra o

conhecimento do mundo de duas formas:

O pensamento lógico cientifico(que a permite tratar de coisas) e

O pensamento narrativo (que a habilia lidar com pessoas e condições).

60

Page 65: Didática I

Para ele, é inaceitável o fato de que a maioria das escolas não valorize as

artes da narrativa (canto, drama, ficção, teatro etc.), compreendendo-as

apenas como uma decoração, uma vez que o Homem sempre utiliza o

discurso narrativo para contar histórias. Isso se torna ainda mais grave,

diante da afirmação de psicanalistas de que a neurose “é um reflexo de uma

história insuficiente, incompleta ou imprópria que um indivíduo tem de si

mesmo”. (BRUNER, 2001, p. 44).

A valorização da sensibilidade e da arte na escola, portanto, não é

apenas um enfeite, mas uma necessidade vital que é, há muito tempo,

negada aos sujeitos pedagógicos. O espaço da estética não pode ser de

responsabilidade apenas de uma pessoa, em um momento e em um lugar

determinados, mas deve inspirar o projeto político-pedagógico da escola, sob

pena de falsear a transformação que pretende promover. Isso não quer dizer

que a presença de um profissional habilitado seja dispensável, muito pelo

contrário.

Considerando a aridez da formação de quase todos os nossos

professores, ele é necessário para que esse projeto se efetive e avance com a

colaboração da comunidade escolar. Na opinião de Matos (2002, p. 18),

ensinar é pensar com o outro, é ter esperanças coletivas. Diante da

constatação de que o mundo moderno privilegia o isolamento, promove o

distanciamento (físico, afetivo e cognitivo) entre as pessoas, esse autor

defende a ideia de que a arte, por expressar o inenarrável, contribui na

importante aprendizagem de se colocar no lugar do outro:

Também no domínio estético, o estudante tem progressos a realizar: que

as obras das quais ele é o autor tornem-se cada vez mais suas, respondam às

preocupações de ordem e que a visão do belo esteja cada vez mais aí

presente; que sua própria iniciativa se separe, que saia do banal, de seu banal

e a seu modo, para se estabelecer em um nível mais alto da emoção estética.

E paralelamente para as obras admiradas por ele. (SNYDERS, 1988, p. 253).

Somente dialogando, é possível ao sujeito compreender o outro e a si

mesmo, o que ocorre de forma simultânea. Esse aprendizado é inesgotável,

uma vez que ambos estão em constante mudança. A identificação de novos

elementos está ligada à criatividade, capacidade de interpretar de forma

distinta a situação renovada, agindo de maneira que leve em conta as

transformações ocorridas, não se limitando, portanto, à repetição do que foi

feito, o que demanda contínua flexibilidade.

A urgência do estudo da corporalidade reside no fato de que, com

exceção da Psicomotricidade e disciplinas correlatas voltadas à Educação

Infantil, não há na Educação um cuidado com o corpo, o que, acredito,

diminui sobremaneira as possibilidades de verdadeira transformação da

escola e de suas práticas.

Conceber a corporalidade integrada na unidade do homem significa

resgatar o sentido do sensível e do corpóreo na vida humana. A práxis

humana se efetiva porque o homem é um ser corpóreo, que possui

61

Page 66: Didática I

necessidades materiais e espirituais. Sua relação com o mundo não é

simplesmente a relação de uma consciência que o pensa o mundo, sem

deixar-se tocar, mas é a relação de um ser engajado no mundo – que tem

emoções, que ama, que odeia, que tem fome, que tem dor, que vive a solidão,

a amizade, o desprezo etc. –, enfim, de um ser que sente, solo sobre o qual o

pensamento se edifica. Da práxis humana e dos modos dela decorrentes de

coexistência entre os homens criam-se formações ideológicas, que

impregnam sua maneira de ser. Assim, podemos compreender as formas

alienadas de o homem sentir e pensar, no mundo contemporâneo, são como

que penetradas pelo tecido econômico que se tornou, no sistema capitalista,

o prisma do qual as coisas mundanas fundam seu sentido. Essas formas

estão in“corpo”radas em seu ser e encerram todas as distorções e os tipos de

alienação que o homem contemporâneo, que se manifestam tanto nas

relações inter-humanas, nas relações com a natureza e com a cultura, como

nas formas de o homem lidar com sua corporalidade. (GONÇALVES, 1994, p.

176-177).

Outro indício da negação da subjetividade é a crescente violência

escolar. Embora esse fenômeno seja muito complexo, e contemple

acontecimentos que são sociais e invadem o espaço acadêmico, como é o caso

das drogas e das gangues, é inegável que a violência simbólica, verbal e

institucional, a que são submetidos professores e estudantes, está cada vez

mais intensa.

Continuaremos esta temática no tópico seguinte.

DICA

Ensinar a alegria (clique aqui para abrir) (Visite a aula online para

realizar download deste arquivo.).

FONTES DAS IMAGENS

1. http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/60/Method_Paulo_Freire.jpg2. http://api.ning.com/files/UASxAS1LaIMbdC3v4*P*3qK-7h4vyURZmwIv5kKfqNs_/Foucault.jpg

Responsável: Professora Nidia Barone

Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

62

Page 67: Didática I

TÓPICO 03: (DES)ENCONTROS NA ESCOLA E NA SALA DE AULA: ÉTICA, DIÁLOGO E VIOLÊNCIA - II

No Brasil, é assustadora a quantidade de matérias nos diversos meios de

comunicação que relatam fatos de violência que acontecem na escola:

“Ameaças e agressões dos alunos contra professores, violência sexual entre

alunos e alunas, uso de armas, consumo de drogas, roubos, furtos e assaltos,

violência contra o patrimônio” (ABRAMOVAY E RUA, 2004, p. 22). Ressalto

que esses acontecimentos não são privilégio do contexto nacional, mas estão

globalizados.

A escola pública tem se surpreendido como o fato de ser subitamente

assaltada por uma população crescente de gangue de subúrbio. Os

educadores não parecem distinguir simples agrupamentos da rapaziada de

grupos já com funcionamento mais ostensivo, que utilizam violência.

(LINHARES, 2003, p. 147).

A UNESCO, no Brasil, promove, desde 1997, inúmeras pesquisas sobre

temas diversos – juventude, violência e cidadania – com o objetivo de

contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas que possam,

efetivamente, resolver os diversos problemas que atingem essa parcela da

nossa população:

• exclusão social,

• mercado de trabalho,

• família,

• educação,

• participação social .... (ABRAMOVAY E RUA, 2004, p. 32).

Na opinião de Debarbieux (apud ABRAMOVAY, 2003, p. 18-19), a

violência no cotidiano das escolas está associada a três dimensões:

• degradação do ambiente escolar;

• violência que entra na escola, pela ação das gangues, das drogas;

• componente interno da escola.

DIDÁTICA I

AULA 03: EDUCAÇÃO: CRISE DE PARADIGMAS

63

Page 68: Didática I

PRIMEIRA FORMA

Intervenção física de um indivíduo ou grupo contra a integridade de

outro(s) ou de grupo(s) e também contra si mesmo”.

SEGUNDA FORMA

Violência simbólica (abuso do poder, baseado no consentimento que

se estabelece e se impõe mediante o uso de símbolos de autoridade); verbal

e institucional (marginalização, discriminação e práticas de assujeitamento

utilizadas por instituições diversas que instrumentalizam estratégias de

poder)”.

A PARTIR DE UMA PESQUISA REALIZADA, EM 2001, EM QUATORZECAPITAIS BRASILEIRAS, ABRAMOVAY (2003, P. 73-74) PROPÕE QUE AVIOLÊNCIA SEJA ENTENDIDA DE DUAS FORMAS:

Tardif,Lessard e Lahaye(1991)

Pimenta(1999)

Gauthier et al(1998)

Saviani(1996)

das disciplinas ecurriculares

do conhecimento

disciplinares ecurriculares

específico e didático-curricular

da formaçãoprofissional

pedagógicos

das Ciências da Educação, datradição pedagógica e da ação pedagógica

pedagógico,crítico-contextual e atitudinal

da experiênciadaexperiência

experienciais

Para uma análise mais apropriada da violência no ambiente escolar, é

necessário, portanto, perceber-se que eles têm origens diversas, motivo pelo

qual ela deve ser entendida a partir de várias perspectivas. Inicialmente, é de

fácil constatação o fato de que a violência está presente em toda a nossa

sociedade, não sendo um privilégio da escola.

A insatisfação é sentida tanto pelos jovens como pelos membros do

corpo técnico-pedagógico. Há mútuas críticas e acusações e a escola aparece,

ao mesmo tempo, como causa, consequência e espelho dos problemas aos

quais, muitas vezes, não consegue responder e cuja solução não se encontra

ao seu alcance. (ABRAMOVAY, 2004, p. 93-94).

Isso, porém, não significa que ela nada pode fazer a respeito, como se

estivesse à mercê dos acontecimentos. É necessário identificar as práticas

escolares que, por meio de amplo e profundo processo de segregação,

fomenta, silenciosamente, a violência nos (e dos) agentes pedagógicos.

Acredito que a tristeza, a apatia e a indiferença que muitos daqueles sentem

nas nossas escolas revelam uma insatisfação com o que nelas vivem.

Conforme Abramovay (2003, p. 78), a relação professor-aluno, o

centro do processo educacional, está bastante deteriorada, desgastada, não

somente na escola pública!

64

Page 69: Didática I

Os jovens da pesquisa reclamaram que os professores estão afastados da

sua cultura, os seus códigos culturais não são compreendidos, eles não são

escutados, eles são etiquetados, fazendo com que sintam haver um “(...)

enorme buraco que os separa dos adultos”. Por sua vez, os professores e os

membros do corpo-técnico se ressentem com a falta de respeito, ameaças e

humilhações proferidas pelo corpo discente. Dessa forma, é fácil entender a

razão pela qual as relações de confiança são quase inexistentes e por que é

tão difícil haver diálogo.

(...) [O] conhecimento do outro não quer dizer apenas que é o outro que

o possui mas que meu conhecimento comporta dentro dele esse olhar do

outro e, também, que o outro possui saber e essa relação que eu estabeleço

sempre envolve a dimensão desiderativa, além da cognitiva. Na Escola, onde

o sujeito epistêmico se relaciona com seus pares e com o educador, a

socialidade vai sendo esculpida nos corpos. É nessa instituição o lugar onde

se passa o saber sistematizado e, nela, um sujeito se constrói com a mediação

do outro que é o grupo (no sentido lato). Nesse lugar de passagem do

conhecimento (porque o conhecimento é algo que migra) também vai-se

esculpindo nos sujeitos a vestidura da socialidade com seus silêncios,

conflitos, lacunas, palavras, ritos. Na escola, ao operarmos com os aspectos

lógicos e lingüísticos, da linguagem e do número, costumamos excluir da

cena todo um campo de expressão que não envolve apenas esse modo de

estruturação do pensamento. (LINHARES, 2003, p. 205).

OBSERVAÇÃO

Embora a escola seja, presumidamente, o local privilegiado do

conhecimento na sociedade, parece que ele não é usufruído pelas pessoas

que a freqüentam. Esta constatação revela um profundo desconhecimento

do outro, da sua realidade, da sua necessidade, dos seus sentimentos,

expresso na falta de cuidado, de atenção.

Diversos estudos constatam o fato de que a cultura dos educandos não é

devidamente considerada pela escola, que a rejeita sistematicamente, seja

ignorando-a, seja desqualificando-a. A conseqüência dessa atitude

pedagógica é, como relatei há pouco, a impossibilidade dos alunos

constituírem a sua subjetividade, com a reinterpretação da sua cultura. Até

quando ela permanecerá surda, estática e insensível a tais denúncias?

Existe nas escolas uma multiplicidade de vozes, de corpos e

movimentos. Movimentos e corpos que se apresentam de forma diferenciada

nas posturas de professores e alunos. Sem precisar dizer, é possível saber que

pela “fala” do corpo a identidade de seu dono e a sua posição no contexto

educativo: os que “ensinam” e os que “aprendem”. Estes últimos, crianças e

jovens em geral, possuem hábitos, atitudes e comportamentos que revelam

um nova cultura, em muitos casos ignorada (em alguns casos, rejeitada) pela

escola. (KENSKI, 2000, p. 126).

Observei, então, em um movimento de construção teórica que foi se

urdindo aos poucos, que a expulsão da cultura do educando, em suas formas

expressivas, poéticas e o trabalho com esta forma de conhecer que é a arte, se

65

Page 70: Didática I

fazia às expensas da mutilação de dimensões vitais. O modo como as classes

populares se situavam socialmente no mundo do trabalho e a forma de a

escola pública funcionar como agenciadora de mão de obra, fazia com que a

cultura escolar fosse uma cultura do sacrifício. Já que para as classes

populares trabalho é sacrifício, a escola funcionaria como um treinamento

para a sujeição. (LINHARES, 2003, p. 27).

REFLEXÃO

“De que forma desenvolver uma experiência educativa que estabeleça

a relação direta com o mundo real, com o trabalho, seus fins e

conseqüências para o homem, a sociedade humana e a natureza?”.

(SOARES, 2000, p. 53).

Para confrontar essa alienação, dentre outras coisas, é necessária uma

nova compreensão da relação entre as partes e o todo, que, superando a

visão mecanicista, reducionista, atomística, que enfatiza as partes, privilegie

o todo, o organismo, a ecologia, instaurando, dessa forma, uma perspectiva

holística, sistêmica, expressa no “pensamento sistêmico” (CAPRA, 2001, p.

33).

Outro aspecto que pode contribuir para essa transformação é que a ideia

de ordem estabelecida pela Física não newtoniana chegue à escola,

permitindo que as relações entre professores e alunos mudem

drasticamente, as quais “(...) exemplificarão menos o professor instruído que

informa os alunos não-instruídos, e mais um grupo de indivíduos

interagindo juntos na mútua exploração de questões relevantes” (DOLL JR,

1997, p. 37).

Profícuas também são as investigações sobre a satisfação que os alunos

têm com o (ou no) prédio escolar. Loureiro (1999, p. 69-70) relata que as

crianças das escolas pública e particular “têm diferentes formas de estruturar

sua satisfação com o prédio escolar – o foco central para os dois grupos é a

experiência direta com a sala de aula”. Para as primeiras, porém, a

disponibilidade de biblioteca e quadra de esporte é valorizada, enquanto que,

para as outras, a satisfação depende da qualidade do ensino ministrado.

As imagens falam por si mesmas. A “escola-jaula” está aí a nos lembrar a

necessidade de superar a escola que priva da liberdade, que adestra por

meios de castigo e, mais ainda, que produz o “tédio e a revolta” própria aos

animais enjaulados: por um lado, a “escola-açougue”, este lugar que

destrincha, que divide, que esquartela, que tortura física e mentalmente,

precisa ser superado por uma escola que tenha como função social a

produção da unidade e da homogeneidade. Nesse ambiente, a diferenciação,

base da hierarquia educativa, é fruto da ação dos próprios sujeitos – as

crianças –, observados e conduzidos pelo professor, que, é bom observar,

também incorporou outras funções e qualificações na nova ordem escolar: a

de psicólogo e a de analista. (FARIA FILHO, 2000, p. 79).

A violência simbólica na (e da) escola, portanto, se manifesta no seu

distanciamento em relação à realidade, permeada de contradições. Para

romper esse isolamento, essa atitude de dar as costas aos conflitos e às

66

Page 71: Didática I

demandas crescentes (atingíveis?), é preciso desenvolver uma Educação

transformadora, crítica, que não tem medo de enfrentar os desafios de quem

luta por uma sociedade mais justa, verdadeira e livre (GONÇALVES, 1994, p.

124).

Essa também é a opinião de França (1994, p. 67), pois, diante do

divórcio entre a vida e a universidade, denunciada pelos alunos, advoga a

noção de que os valores educacionais devem ser repensados. Por isso, ela

postula a noção de que a escola seja utilizada como “um território da

contradição, onde pode surgir uma contra-corrente, uma contra-ideologia,

ou qualquer outra variação semântica”, permitindo-nos formular, assim,

uma perspectiva de mudança (FRANÇA, 1994, p. 99).

Ao longo da sua existência, a escola desenvolve, em virtudes de

motivações diversas (políticas, religiosas, epistemológicas), as quais devem

ser entendidas de forma contextualizada e numa perspectiva relacional,

práticas que objetiva(va)m o disciplinamento, o controle, do corpo.

Rocha (2000) elaborou cuidadosa e detalhada pesquisa sobre as

formas de como o exercício do controle, da vigilância na escola se

transformou. Embora as estratégias, os meios, tenham se atualizado, a

intenção permaneceu a mesma: “disciplinar, manter, aprisionar,

anestesiar, acalentar, educar” (ROCHA, 2000, p. 144).

Essa mudança dos meios, que se tornaram, pelo menos no discurso,

mais doces, justos, científicos, humanos e fraternos, vislumbravam, na

verdade, ser “mais econômicos, mais produtivos, mais abrangentes, menos

violentos (entendendo-se sempre violência como força, coação física)”. Para

tanto, o aparato tecnológico é indispensável (ROCHA, 2000, p. 144-145).

A pesquisadora gaúcha propõe que a escola exerce três tipos de

vigilância: “REPRESSORA, DISCIPLINADORA E TECNOLÓGICA” (Itálico no

original). Embora, para formular tais conceitos, ela tenha se inspirado nas

escolas que pesquisou, a autora declara que essa reflexão precisa ser

ampliada para o cenário social mais amplo, considerando que “outros locais

públicos e privados de convivência social” têm sido contemplados com

medidas que visam ao controle (ROCHA, 2000, p. 145-146).

No início da escolarização de massa, dadas as peculiaridades das

primeiras escolas – ligadas ao clero, com rígidas regras e hierarquias a serem

seguidas –, mas também o perfil do aluno a que se destinavam – poucos e

nobres homens que deveriam aprender como melhor governar outros

homens e que, portanto, deveriam saber exercer o controle de si e dos outros

para obter de todos o máximo proveito possível (sem discórdias nem

insatisfações) – tínhamos um tipo de vigilância repressora: coativa,

coercitiva, que usava a força física para impedir, impor limites, regrar,

regular, normalizar. (ROCHA, 2000a, p. 145) (Itálico no original).

O crescimento e a diversidade da clientela, a ampliação das instâncias

responsáveis pela Educação e as novas organizações socioeconômicas e

culturais contribuíram para a mudança no padrão de vigilância exercido, que

67

Page 72: Didática I

passou a ser menos direta: “disciplinadora (que disciplina por

‘convencimento’, explicando, argumentando, assujeitando o outro através do

saber socialmente aceito, pois ir à escola dizem ser um bem universal a que

todos têm direito)”. (ROCHA, 2000, p. 145) (Itálico no original).

Recentemente, temos “a vigilância tecnológica (que disciplina por

‘impedimento’, que impede sem violentar, através de meios invisíveis, de alta

tecnologia, ampla cobertura, grande velocidade e acumulação de

informações)”. (ROCHA, 2000, p. 145) (Itálico no original).

A vigilância, seja ela qual for, transforma a perspectiva que o Homem

tem do espaço, pois seu acesso e uso são limitados, controlados, com a

formatação de quadrículos físicos ou imaginários. A escola, também, tem seu

espaço transformado, porque:

(...) quanto mais organizado, distribuído, delimitado, previsto, quanto

melhor determinadas suas ocupações e funções, menor será o exercício do

controle externo, arbitrário, totalitário, único e unilateral. (ROCHA, 2000,

p. 146).

Por isso, ela assevera que a tipologia do espaço escolar reflete uma

forma de exercício de vigilância:

As escolas que necessitam de controles mais ostensivos constroem

determinados espaços físicos (fechados, fortemente hierárquicos, complexos,

delimitados). As escolas que ensinam seus alunos a ocuparem os espaços que

lhes são permitidos, que lhes ensinam a tomar as melhores decisões, a viver

com sabedoria, justiça, paz, fraternidade, igualdade, democracia (e todos os

demais valores universais tão constantemente inculcados nesta e por esta

sociedade) geralmente constroem espaços físicos onde os próprios alunos

sabem o quê e quando fazer. As escolas que exercem o controle de forma

anônima (identificável ou não), constroem seus espaços prevendo este tipo

de vigilância, dispondo instrumentos tecnológicos em locais estratégicos,

dispondo móveis, utensílios, paredes, muros e cercas de outras maneiras.

(ROCHA, 2000, p. 146).

Conforme vimos durante esta aula, a crise educacional é complexa e

requer que o professor esteja atento a inúmeros aspectos, embora, em sua

grande maioria, ele pouco possa fazer.

PARADA OBRIGATÓRIA

Refletir coletivamente sobre a realidade é uma contribuição

importante que os profissionais da Educação devem empreender com

afinco, possibilitando que as novas gerações tenham um olhar mais crítico

sobre a sociedade.

LETRA DA MÚSICA ESTUDO ERRADO

Estudo errado

1Gabriel O Pensador

68

Page 73: Didática I

Eu tô aqui Pra quê?

Será que é pra aprender?

Ou será que é pra aceitar, me acomodar e obedecer?

Tô tentando passar de ano pro meu pai não me bater

Sem recreio de saco cheio porque eu não fiz o dever

A professora já tá de marcação porque sempre me pega

Disfarçando espiando colando toda prova dos colegas

E ela esfrega na minha cara um zero bem redondo

E quando chega o boletim lá em casa eu me escondo

Eu quero jogar botão, vídeo-game, bola de gude

Mas meus pais só querem que eu "vá pra aula!" e "estude!"

Então dessa vez eu vou estudar até decorar cumpádi

Pra me dar bem e minha mãe deixar ficar acordado até mais tarde

Ou quem sabe aumentar minha mesada

Pra eu comprar mais revistinha (do Cascão?)

Não. De mulher pelada

A diversão é limitada e o meu pai não tem tempo pra nada

E a entrada no cinema é censurada (vai pra casa pirralhada!)

A rua é perigosa então eu vejo televisão

(Tá lá mais um corpo estendido no chão)

Na hora do jornal eu desligo porque eu nem sei nem o que é

inflação

- Ué não te ensinaram?

- Não. A maioria das matérias que eles dão eu acho inútil

Em vão, pouco interessantes, eu fico pu..

(Vai pro colégio!!)

Então eu fui relendo tudo até a prova começar

Voltei louco pra contar:

Manhê! Tirei um dez na prova

Me dei bem tirei um cem e eu quero ver quem me reprova

Decorei toda lição

69

Page 74: Didática I

Não errei nenhuma questão

Não aprendi nada de bom

Mas tirei dez (boa filhão!)

Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci

Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi

Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci

Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi

Decoreba: esse é o método de ensino

Eles me tratam como ameba e assim eu num raciocino

Não aprendo as causas e conseqüências só decoro os fatos

Desse jeito até história fica chato

Mas os velhos me disseram que o "porque" é o segredo

Então quando eu num entendo nada, eu levanto o dedo

Porque eu quero usar a mente pra ficar inteligente

Eu sei que ainda num sou gente grande, mas eu já sou gente

E sei que o estudo é uma coisa boa

O problema é que sem motivação a gente enjoa

O sistema bota um monte de abobrinha no programa

Mas pra aprender a ser um ingonorante (...)

Ah, um ignorante, por mim eu nem saía da minha cama (Ah,

deixa eu dormir)

Eu gosto dos professores e eu preciso de um mestre

Mas eu prefiro que eles me ensinem alguma coisa que preste

- O que é corrupção? Pra que serve um deputado?

Não me diga que o Brasil foi descoberto por acaso!

Ou que a minhoca é hermafrodita

Ou sobre a tênia solitária.

Não me faça decorar as capitanias hereditárias!! (...)

Vamos fugir dessa jaula!

"Hoje eu tô feliz" (matou o presidente?)

Não. A aula

Matei a aula porque num dava

70

Page 75: Didática I

Eu não agüentava mais

E fui escutar o Pensador escondido dos meus pais

Mas se eles fossem da minha idade eles entenderiam

(Esse num é o valor que um aluno merecia!)

Íííh... Sujô (Hein?)

O inspetor!

(Acabou a farra, já pra sala do coordenador!)

Achei que ia ser suspenso mas era só pra conversar

E me disseram que a escola era meu segundo lar

E é verdade, eu aprendo muita coisa realmente

Faço amigos, conheço gente, mas não quero estudar pra sempre!

Então eu vou passar de ano

Não tenho outra saída

Mas o ideal é que a escola me prepare pra vida

Discutindo e ensinando os problemas atuais

E não me dando as mesmas aulas que eles deram pros meus pais

Com matérias das quais eles não lembram mais nada

E quando eu tiro dez é sempre a mesma palhaçada

Refrão

Encarem as crianças com mais seriedade

Pois na escola é onde formamos nossa personalidade

Vocês tratam a educação como um negócio onde a ganância a

exploração e a indiferença são sócios

Quem devia lucrar só é prejudicado

Assim cês vão criar uma geração de revoltados

Tá tudo errado e eu já tou de saco cheio

Agora me dá minha bola e deixa eu ir embora pro recreio...GABRIEL O PENSADOR. Estudo errado. Intérprete: Gabriel O Pensador. AINDA É SÓ O

COMEÇO. Chaos/Sony Music. 1995. Faixa 06.

DICA

Violência escolar (Visite a aula online para realizar download deste

arquivo.).

71

Page 76: Didática I

ATIVIDADE DE PORTFÓLIO

Relatar duas experiências escolares com um texto (no máximo 15

linhas) e postar em seu portfólio.

FÓRUM

Tomando como referência o que foi abordado nesta aula, discuta com

os colegas o tema: “crise educacional”.

REFERÊNCIAS

ABRAMOVAY, Miriam (Org.). ESCOLA E VIOLÊNCIA. 2. ed.

Brasília: UNESCO, UCB, 2003.

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SEMPRE SONHEI SEM IMAGINAR QUE PUDESSE EXISTIR. 5. ed.

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Tradução Juvenal Hahne Júnior. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo

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ou oportunidade de crescimento pessoal? In: PASCUAL, Jesus

Garcia; DIAS, Ana Maria Iorio (Orgs.). CONSTRUTIVISMO E

EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA. Fortaleza: Brasil Tropical, 2006. p.

145-173.

______. HÁ SEMPRE ALGO NOVO! – Algumas considerações

filosóficas e psicológicas sobre a avaliação educacional. Fortaleza:

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BENITO, Agustín Escolano. TIEMPOS Y ESPACIOS PARA LA

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Marcos A. G. Domingues. Porto Alegre: ArtMed, 2001.

CAPRA, Fritjof. A TEIA DA VIDA: uma nova compreensão

científica dos sistemas vivos. Tradução Newton Roberval

Eichemberg. 5. ed. São Paulo: Cultrix, 2001.

CORETH, Emerich. QUESTÕES FUNDAMENTAIS DE

HERMENÊUTICA. Tradução Carlos Lopes de Matos. São Paulo:

EPU, 1973.

DIAS, Ana Maria Iorio. CONCEPÇÕES DE ENSINO E

APRENDIZAGEM. Fortaleza. 2008. Notas de aula.

72

Page 77: Didática I

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moderna. Tradução Maria Adriana Veríssimo Veronese. Porto

Alegre: Artes Médicas, 1997.

FARIA FILHO, Luciano Mendes de. DOS PARDIEIROS AOS

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República. Passo Fundo: Universidade de Passo Fundo, 2000.

FONTANELLA, Francisco Cock. O CORPO NO LIMIAR DA

SUBJETIVIDADE. Piracicaba: Editora Unimep, 1995.

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prisões. Tradução: Raquel Ramalhete. 25. ed. Petrópolis: Vozes,

2002.

FRANÇA, Lilian Cristina Monteiro. CAOS – ESPAÇO –

EDUCAÇÃO. São Paulo: Annablume, 1994.

FREIRE, Paulo. PEDAGOGIA DA AUTONOMIA: saberes

necessários à prática educativa. 35. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

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GAIARSA, José Ângelo. O ESPELHO MÁGICO: um fenômeno

social chamado corpo e alma. 12. ed. São Paulo: Summus, s/d.

GIBRAN, Gibran Khalil. O PROFETA. Tradução: Mansour

Challita. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970.

GONÇALVES, Maria Augusta Salin. SENTIR, PENSAR, AGIR –

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HALL, Edward T. LA DIMENSION OCULTA – enfoque

antropológico del uso del espacio. Traducción Joaquin Hernandez

Orozco. Madrid: Instituto de Estudios de Administración Local,

1973.

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Mathilde Endlich Orth. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1977.

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In: KAMII, Constance; JOSEPH, Linda Leslie. ARITMÉTICA: novas

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Campinas: Papirus, 1992. p. 71-80.

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LINHARES, Ângela Maria Bessa. O TORTUOSO E DOCE

CAMINHO DA SENSIBILIDADE: um estudo sobre Arte e Educação.

2. ed. Ijuí: Editora Unijuí, 2003.

73

Page 78: Didática I

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Paulo.

LOUREIRO JR., Eduardo. UMA COISA LEVA A OUTRA. 1996.

Dissertação (Mestrado em Educação). UFC, Fortaleza.

MACHADO, Nilson José. EPISTEMOLOGIA E DIDÁTICA. São

Paulo: Cortez, 1995.

SNYDERS, Georges. A ALEGRIA NA ESCOLA. Tradução Bertha

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1988.

SOARES, Suely Galli. ARQUITETURA DA IDENTIDADE: sobre

educação, ensino e aprendizagem. São Paulo: Cortez, 2000.

FONTES DAS IMAGENS

Responsável: Professora Nidia Barone

Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

74

Page 79: Didática I

TÓPICO 01: INTERDISCIPLINARIDADE E TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA

Nesta aula, refletiremos sobre a organização do trabalho docente,

contemplando os seguintes aspectos: interdisciplinaridade, transposição

didática, inovações pedagógicas e planejamento.

INTERDISCIPLINARIDADE

REFLEXÃO

A missão da escola é ensinar. Essa tarefa, todavia, não é uma receita

que possa ser aplicada igualmente em quaisquer tempo e espaço. Para que

ela alcance o seu intento, é necessário que os profissionais que nela

laboram se indaguem:

“O que ensinar?”,

“Como ensinar?”,

“Por que ensinar?”,

“Com que ensinar?”.

Embora essas perguntas façam parte de uma tarefa epistemológica

global, esforço-me para responder à primeira delas, que contempla o

currículo (Entendido como o conjunto de saberes e valores que são

socializados, mediante várias atividades, ao corpo discente.) .

A crítica dos conteúdos lecionados revela-se cada vez mais premente,

haja vista que eles não são naturais, mas que contemplam uma visão de

Homem, de sociedade, de natureza, de cultura, ensejando (ou não!) o

desenvolvimento da individuação dos atores pedagógicos em prejuízo da sua

alienação. É como afirma Costa (1999, p. 38): “O currículo escolar é um dos

mecanismos que compõem o caminho que nos torna o que somos.”.

O surgimento das primeiras instituições de ensino atende a uma

necessidade de socializar uma série de conhecimentos (currículo) que não

eram disponíveis na convivência. Esses saberes eram escolhidos pela

autoridade que detinha o poder.

A atual formatação do currículo foi forjada no final do século XVI e

início do século XVII, motivo pelo qual, para entendê-lo, é preciso “resgatar

práticas esquecidas, documentos obscuros, discursos já silenciados”, com o

fito de compreender os seus pressupostos ao longo do tempo (VEIGA-NETO,

1999, p. 101).

No Ocidente, durante séculos, a Igreja Católica teve a primazia na

divulgação da explicação e finalidade da vida, influenciando o nosso presente

e futuro, livrando uma parcela significativa da humanidade da angústia da

incerteza. Esse poder eclesial foi tremendamente abalado com as descobertas

e explicações de Galileu, as quais possibilitaram uma mudança na concepção

de mundo, transferindo para a Ciência o poder antes usufruído pela Igreja.

DIDÁTICA I

AULA 04: ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE

75

Page 80: Didática I

Não se pode, todavia, concluir que houve uma libertação do Homem,

porquanto o que, efetivamente, ocorreu foi uma mera mudança de seara (da

eclesial para a científica), pois ele continuou à mercê das verdades

divulgadas por outrem.

Para Galileu, o mundo é um livro aberto... escrito em linguagem

geométrica, ou seja, somente aquilo que pode ser reduzido à formula, à

expressão aritmética, à quantificação, é conhecimento. O que não se

enquadra nessas determinações não é digno de adentrar o prestigioso

império da razão:

O programa de Galileu oferece-nos um mundo morto: extinguem-se a

visão, o som, o sabor, o tato e o olfato, e junto com eles vão-se também as

sensibilidades estética e ética, os valores, a qualidade, a alma, a consciência,

o espírito. A experiência como tal é expulsa do domínio do discurso

científico. É improvável que algo tenha mudado mais o mundo nos últimos

quatrocentos anos do que o audacioso programa de Galileu. Tivemos de

destruir o mundo em teoria antes que pudéssemos destruí-lo na prática. (R.

D. LAING apud CAPRA, 2001, p. 34).

A falta dos sentidos na interpretação (e degustação) do mundo pelo

Homem explica a falta de sentido que o atormenta, a despeito dos inúmeros

avanços que o cercam, mas que não acalentam as suas ânsias (talvez, até as

tornem mais profundas!).

Ainda sob essa manta galileana, desenvolveu-se a crença de que o

conhecimento (produção e socialização) e o cientista são neutros, pois o que

distingue uma pessoa das demais é exatamente aquilo que é desprezado: os

valores, as crenças, os sentimentos e o compromisso social.

* os valores,

* as crenças,

* os sentimentos,

* o compromisso social.

Isso não é tudo! Para conhecer o mundo, Descartes criou o método do

pensamento analítico, que defende a quebra dos fenômenos complexos em

pedaços pequenos, de modo que as propriedades das partes expliquem o

comportamento do todo. Para ele, a natureza tinha dois domínios

independentes: a mente, e a matéria.

E mais, o universo material é uma máquina, que para ser compreendida

precisa ser analisada em suas diminutas partes (CAPRA, 2001, p. 34-35).

76

Page 81: Didática I

Na década de 1980, ocorreu interessante debate sobre a disciplinaridade

do currículo, uma vez que ela não permitia a compreensão total de um

fenômeno, mas apenas de uma parte do todo. Ora, isso não é um acidente,

um desvio, mas o fruto mais legítimo da Ciência Moderna, que fraciona a

realidade, sob a promessa de melhor entendê-la.

(...) as disciplinas científicas são constituídas por discursos

especializados e delimitam um determinado território diretamente associado

aos mecanismos institucionais da comunidade científica em seu processo de

produção do conhecimento. Nesse sentido, as disciplinas têm seu próprio

campo intelectual de textos, práticas, regras de ingresso, exames, títulos para

o exercício profissional, bem como de distribuição de prêmios e sanções

(BERNSTEIN, 1998). É por intermédio de um mecanismo disciplinar que as

ciências se organizam coletivamente, definem espaços de poder, de alocação

de recursos e de reprodução dos métodos e princípios de construção do

conhecimento. (LOPES, 2000, p. 156).

A adoção, por parte da escola, dessa visão mecanicista e mensurada da

realidade foi levada às últimas consequências, com a adoção de currículos

que reservavam ao professor a missão de conduzir o estudante a alcançar a

aprendizagem esperada, de acordo com um roteiro (objetivos e

planejamento) elaborado por aquele, privilegiando a linearidade: uma tarefa

depois da outra, sem lacunas e vazios.

No currículo disciplinar tudo pode ser controlado: o que o estudante

aprende, como aprende, com que velocidade o processo acontece e assim por

diante. Tudo pode ser avaliado: o desempenho do estudante, a

‘produtividade’ do professor, a eficácia dos materiais didáticos etc. Da

mesma forma, todo o processo pode ser metrificado e o desempenho do

estudante traduzido numa nota, às vezes com requintes de fragmentação,

incorporados no número de casas decimais. (GALLO, 2000, p. 169).

Conhecer, nessa perspectiva, é simplesmente descobrir um mundo

preexistente, determinado, expresso num sistema fechado, mediante o uso

da razão, e não criar uma interpretação pessoal, com os sentimentos e as

experiências, de uma realidade em constante mudança, indeterminado,

representado por um sistema aberto (DOLL JR., 1997, p. 48). Essa lógica é

maximizada com os princípios formulados por Tyler:

i) Que propósitos educacionais as escolas devem tentar atingir?;

77

Page 82: Didática I

ii) Que experiências educacionais podem ser proporcionadas para tornar mais provável que esses propósitos sejam atingidos?;

iii) Como essas experiências educacionais podem ser efetivamente organizadas?;

iv) Como podemos determinar se esses propósitos estão sendo atingidos?

(DOLL JR., 1997, p. 68)

Para atingir os objetivos almejados, as experiências devem ser

cuidadosamente selecionadas e organizadas, assim como a avaliação que

verifica se aqueles foram contemplados. Dessa forma, os objetivos estão

presentes em todo o processo e não somente no início (DOLL JR., 1997, p.

69).

O método analítico, sobre o qual se desenvolve a disciplinaridade, teve

os primeiros abalos quando algumas verdades científicas começaram a ser

desmontadas. Na Física, a estabilidade do universo é substituída por noções

como indeterminação, incerteza e relatividade, as quais caracterizam a vida.

Sobre a disciplinaridade, Crema (1993, p. 132) declara que:

(...) o reducionismo e a insuficiência desse enfoque suscitaram inteligentes

alternativas reparadoras, como as abordagens multi, pluri e interdisciplinar.

Como os termos indicam, entretanto, sempre ainda na órbita disciplinar: uma

produtiva e ampliada dialogicidade entre os muitos discursos e enfoques do

mesmo racionalismo científico.

A interdisciplinaridade, do ponto de vista epistemológico, “aponta

para a possibilidade de produção de saberes em grupos formados por

especialistas de diferentes áreas”, enquanto que, na seara pedagógica, ela

“indica um trabalho de equipe, no qual docentes de diferentes áreas

planejam ações conjuntas sobre um determinado assunto”. (GALLO,

2000, p. 173).

No âmbito educacional, essas opções oferecem a esperança de que os

atores pedagógicos (professores e estudantes) consigam, enfim, estabelecer

as relações entre as diversas áreas do conhecimento, dificuldade essa que

não é peculiar do corpo discente, uma vez que o próprio corpo docente

padece da mesma incapacidade.

Na opinião de Crema (1993, p. 132), a transdisciplinaridade possibilita

que sentem, lado a lado, na mesa do conhecimento, cientistas e poetas,

técnicos e filósofos, racionalistas e místicos, permitindo o nascimento não

somente de uma nova concepção de conhecimento, mas também de

conhecedor.

Penso que, apesar das ótimas intenções, em sua grande maioria, as

propostas inter/multi/transdisciplinar fracassaram. A causa principal é que

78

Page 83: Didática I

elas requerem dos profissionais uma abertura ao desconhecido, num esforço

que vai além da questão teórica, mas que contempla os afetos, bem como a

diversidade das linguagens empreendidas. Para tanto, eles precisam de uma

formação radicalmente distinta da que lhes foi oferecida.

Outra causa é que elas não convidaram para essa festa epistemológica a

Arte, a Filosofia e a Religião, mas somente os rebentos da Ciência –

Matemática, Física, Química, Biologia e História – perpetuando, dessa

forma, o distanciamento entre razão e emoção, mente e corpo. A

disciplinaridade, portanto, só pode ser superada por uma concepção de

conhecimento que congregue todas as modalidades de saber e promova

animada roda e não institui uma fila indiana.

A concepção clássica tomava a separação radical sujeito-objeto como

uma verdade inquestionável e não como uma perspectiva particular, entre

muitas outras possíveis. O conhecimento humano poderia chegar a abarcar

tudo, podiam chegar a ser estabelecidas teorias completas sobre o mundo.

Contudo, hoje nos damos conta de que ao expulsar o qualitativo e privilegiar

exclusivamente o quantificável; ao mecanizar o cosmo e separar o corpo e a

alma do homem; ficaram de fora do mundo da ciência a emoção e a beleza, a

ética e a estética, a cor e a dor, o espírito e a fé, a arte e a filosofia, o corpo

emocional e o mundo subjetivo. O sujeito da objetividade não podia dar

conta de si mesmo, porque não se via, era um homem desencarnado. Essa

dicotomia radical entre arte e ciência, razão e emoção, corpo e alma, atingiu

fortemente o desenvolvimento das ciências humanas: como fazer ciência dos

sujeitos sem considerar a subjetividade? Como descrever o qualitativo a

partir do quantitativo? O homem que acreditava ter domesticado o

universo, se havia perdido a si mesmo. (NAJMANOVICH, 2001, p. 83-84).

(Itálico no original).

A recuperação da corporalidade do sujeito demanda novas teorias e

práticas pedagógicas, as quais devem valorizar aspectos que foram

historicamente desprezados (emoção, intuição, solidariedade, ...), bem como

diminuir a importância de outros que até aqui receberam todas as honras

(razão, competição, ....). Alinho-me a Doll Jr. (1997, p. 22): “Um currículo

criativo e transformativo precisa combinar o cientifico com o estético.”

Para que um currículo seja transformador, o conhecimento deve ser

visto não como um prédio, uma acumulação, mas feito uma rede, que

modifica continuamente as suas estruturas, bem como as relações entre elas,

num processo auto-organizativo (DOLL JR., 1997, p. 83-84). Assim, a

linearidade é substituída pela não linearidade, a qual se revela bem mais

próxima da dinâmica da vida do que aquela.

Um currículo nessa nova perspectiva deve privilegiar:

79

Page 84: Didática I

A RIQUEZA

A riqueza consiste no fato de que cada saber tem seu contexto,

conceitos e vocabulários próprios. A multiplicidade de linguagens

desenvolve essa riqueza ao se dedicar à interpretação de metáforas, mitos e

narrativas.

A RECURSÃO

A recursão revela que um final não é absoluto, pois pode ser, sempre,

um ponto de partida para descobertas. Cada atividade – trabalho, teste,

diário de campo – não pode ser desvinculada, desligada de um processo

maior de conhecimento.

AS RELAÇÕES

As relações devem ser entendidas numa perspectiva pedagógica e

cultural, que são complementares. Na primeira, por instituírem práticas

que possibilitam a troca, a parceira entre os atores envolvidos. Na segunda,

por se referirem àquelas manifestações cosmológicas, não contempladas

pelo currículo.

O RIGOR

O rigor evita que o currículo “caia ou num ‘relativismo extravagante’

ou num solipsismo sentimental”. Indica a busca intencional de diferentes

alternativas, relações e conexões.

(DOLL JR., 1997, p. 193-199).

Dewey defendia o argumento de que a escola deveria ser uma

comunidade crítica e apoiadora. Para que ela se transforme nesse ideal, é

necessário que os objetivos educacionais sejam desenvolvidos num processo

que valorize as experiências, as criações e as inovações e se afaste da

concepção de Tyler, que se baseia na execução de um planejamento

construído por uma pessoa sem levar em conta as peculiaridades dos

estudantes e numa avaliação que contempla a quantificação (DOLL JR.,

1997, p. 69).

As teorias críticas do currículo possibilitaram que as experiências, os

valores e os conhecimentos dos atores pedagógicos sejam contemplados, não

como verdades que devem ser veneradas, mas como matéria-prima do

trabalho acadêmico a ser desenvolvido no ambiente escolar.

No Brasil, isso é ainda mais necessário, haja vista a diversidade

sociocultural do nosso País, revelando-se um absurdo todas as propostas de

unificação cultural. Como devem ser entendidos os Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCN)? Embora os seus autores declarem que eles não devem ser

lidos como uma prescrição, mas como um guia, que fornece várias

informações, transferindo ao leitor o direito de escolher o que lhe aprouver,

Lopes (1999) entende que os PCN revelam o desejo de homogeneizar a

cultura nacional, esconder os seus contrastes, que revelam uma sociedade

profundamente injusta.

Essa diversidade social é contemplada pela emergência dos Estudos

Culturais, que ressaltando as diferenças culturais, de gênero, raça, cor, sexo

80

Page 85: Didática I

etc., postulam currículos que as valorizem e não as ignorem e tentem sufocá-

las (BERTICELLI, 1999, p. 173).

Os Estudos Culturais têm muito a contribuir na formulação de um

currículo que respeita as diferenças dos sujeitos, contribuindo para o seu

desenvolvimento e não para a sua submissão (intelectual, social e cultural):

Desde a última década, começamos a desenvolver uma consciência

cósmica e inter-relacional. O desafio deste reconhecimento é duplo: por um

lado, respeitar o caráter local das nossas percepções e, por outro, perceber

que as nossas perspectiva locais estão integradas numa matriz cultural,

ecológica e cósmica muito mais ampla. O nosso progresso e a nossa

existência – como indivíduos, como comunidades, como uma raça, como

uma espécie, como uma forma de vida – dependem da nossa capacidade de

criar uma harmonia complementar entre essas duas perspectivas. (DOLL

JR., 1997, p. 199).

OBSERVAÇÃO

Diversos pesquisadores entendem que atrás do currículo anunciado,

divulgado, há outro, implícito, “oculto”. Enquanto o primeiro contempla

as disciplinas e os programas explicitados, o segundo refere-se ao que,

embora não propagado, está presente no ambiente escolar – valores,

crenças, espaços, tempos ... – influenciando e participando

significativamente do processo de ensino-aprendizagem.

O desenvolvimento pessoal ocorre em duas dimensões – individual e

social – as quais, embora sejam singulares, devem ser compreendidas na

intensa dinâmica que as vincula: por um lado, o indivíduo precisa percorrer

uma singular estrada para desabrochar suas aptidões tipicamente humanas

e, por outro, é somente na convivência com seus semelhantes e com a

natureza que aquela jornada se realiza (VYGOTSKY, 1991).

O meio-ambiente, porém, não é somente a base física da existência

humana, uma vez que cada pessoa está constantemente elaborando

significados daquele, num intenso processo de organização, classificação,

descrição e disciplinamento, que ocorre dentro e fora dos tempos e espaços

escolares:

O controle físico e corporal exercido através do currículo e seus

dispositivos espaço-temporais nos ensinam gestos, movimentos, posições

possíveis, formas de nos dirigirmos e nos relacionarmos aos/com os outros,

lugares de pertencimento, regras de sociabilidade. (ROCHA, 2000, p. 23).

O espaço escolar é um currículo “oculto” que contribui para que os

estudantes não sejam vistos como sujeitos, isolando-os intelectual e

afetivamente, mas como objetos de (e para o) consumo, desprovidos de

subjetividade, de paixão, dotados apenas do desejo de ter mercadorias.

Antes de finalizar, expresso a minha convicção de que todas essas ideias

só se efetivarão se o Homem mudar a forma como percebe e se relaciona com

o meio ambiente. O método científico fomentou a ilusão de que a natureza

81

Page 86: Didática I

pode ser entendida e controlada pela humanidade, pois ela seria apenas mais

um objeto que se renderia aos poderes do sujeito.

Essa Ecologia antropocêntrica, porém, precisa, urgentemente, ser

substituída por uma ecocêntrica, pois o Homem tem profundo vínculo com o

meio ambiente, o qual influencia, de forma significativa, o seu bem-estar

(físico, psíquico, emocional).

LETRA DA MÚSICA NOVOS HORIZONTES

Fonte[1]

Novos horizontes

Humberto Gessinger

Corpos em movimento, universo em expansão

O apartamento que era tão pequeno não acaba mais

Vamos dar um tempo, não sei quem deu a sugestão

Aquele sentimento que era passageiro não acaba mais

Quero explodir as grades e voar

Não tenho pra onde ir, mas não quero ficar

Novos horizontes, se não for isto, o que será?

Quem constrói a ponte não conhece o lado de lá

Suspender a queda livre, libertar

O que não tem fim sempre acaba assim...

O saber científico/acadêmico para ser ensinado aos estudantes precisa

ser transformado num objeto do saber escolar.

Esta adaptação foi chamada de Chevallard de TRANSPOSIÇÃO

DIDÁTICA, que contempla três diferentes tipos de saber:

SÁBIO

Produzido pelos cientistas e intelectuais.

A ENSINAR

Conteúdo científico nos livros e materiais didáticos.

82

Page 87: Didática I

ENSINADO

Apresentado na sala de aula.

Percebe-se, portanto, que na transposição didática há uma intensa

preocupação com a articulação entre epistemologia e pedagogia.

O professor, inicialmente, seleciona um conteúdo, que contempla vários

conceitos, os quais têm importância variada, merecendo, por isso, graus de

atenção diferenciada. O tempo é organizado para permitir a socialização,

com recursos múltiplos, dos temas escolhidos.

Percebe-se, portanto, que a disciplina escolar não é a cópia do

conhecimento científico, tanto em virtude das modificações necessárias para

a sua compreensão pelos estudantes, como por considerar os recursos

didáticos utilizados para propiciar a aprendizagem.

A transposição didática será tanto mais eficaz quanto melhor o professor

conseguir articular os saberes que vimos na aula anterior:

Conhecimento (disciplina ecurrículo):

Pedagógico: Experiência:

Domínio do conteúdo, seleção dos seus principais conceitos, relação dele com outras áreas e a contextualização.

Escolha de estratégias erecursos didáticos que permitam aos estudantes, em diversas situações, construírem significado do conteúdo;

Reflexão sobre as suas práticas bem como as de seus pares.

O professor para melhorar a transposição didática precisa, ao longo da

sua prática, melhorar nos três campos acima descritos, o que demanda uma

atitude permanente de humildade e avaliação, ao admitir a sua

incompletude, que se expressa, inexoravelmente, na sua práxis.

PARADA OBRIGATÓRIA

Física Moderna e a transposição didática

http://www.if.ufrgs.br/public/ensino/vol10/n3/v10_n3_a5.html[2]

Reflexões sobre a transposição didática da Lei de Coulumb (Visite a

aula online para realizar download deste arquivo.)

OLHANDO DE PERTO

Aprendizagem de conteúdos por meio da transposição didática (Visite

a aula online para realizar download deste arquivo.)

Transposição Didática, Interdisciplinaridade e Contextualização

(Visite a aula online para realizar download deste arquivo.)

83

Page 88: Didática I

Um novo tipo de conhecimento - transdisciplinaridade (Visite a aula

online para realizar download deste arquivo.)

Usos e abusos do conceito de transposição didática (Visite a aula

online para realizar download deste arquivo.)

FONTES DAS IMAGENS

1. http://tbn2.google.com/images?q=tbn:ieRGU0pWI4anZM:http://br.geocities.com/euosou/liberdade02.jpg2. http://www.if.ufrgs.br/public/ensino/vol10/n3/v10_n3_a5.html

Responsável: Professora Nidia Barone

Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

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Page 89: Didática I

TÓPICO 02: INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS

A crise educacional, que foi assunto da aula passada, demanda

alternativas para a sua superação.

• Qual é a importância das inovações pedagógicas?

• Que critérios o professor deve observar para adotá-las?

Na nossa vida, a rotina/repetição tem um caráter estruturador, pois

permite ao Homem viver com um nível mínimo de incerteza, a qual é fonte

de insegurança. Por outro lado, ele também tem a necessidade de

desenvolver sua capacidade criativa, a qual é indispensável para superar

limitações e desafios do cotidiano, ou seja, ser um profissional cidadão, capaz

de agir de forma interativa e responsável na sociedade.

Os processos de ensino e de aprendizagem de um conteúdo, por

envolverem pessoas, são sempre diferentes, peculiares. Desta forma, o

professor sempre pode ter algo para melhorar na sua prática –seja no

material escolhido, que está relacionado à metodologia, seja nos objetivos,

que se vinculam aos seus valores e crenças, seja nos procedimentos

avaliativos – de modo a incrementar a aprendizagem dos estudantes.

Conforme o Dicionário Aurélio, inovar é: “[Do lat. innovare.] V. t. d. 1.

Tornar novo; renovar. 2. Introduzir novidade em.” (FERREIRA, 1993, p.

948).

Novo, inovar, renovar e novidade:

Como relacioná-los com o conhecimento?

O estudante para aprender precisa compreender a nova informação com

sua estrutura cognitiva, ou seja, dar significado. Cabe ao professor escolher

estratégias/recursos que possibilitem ao corpo discente, caracterizado pela

diversidade, estabelecer as conexões necessárias do conteúdo – a novidade –

com as experiências prévias, sob pena dele ser esquecido, por não ter

relevância para a sua vida.

A cada aula, o professor tem a oportunidade de verificar em que

intensidade as suas escolhas – metodologia, recursos didáticos, atividades –

foram adequadas e, se for o caso, pensar sobre o que precisa ser

incrementado/inovado para torná-las mais eficientes.

DIDÁTICA I

AULA 04: ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE

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Page 90: Didática I

Tendo em vista que a definição de inovar remete a renovar, continuemos

nossa pesquisa na obra supra:

PARA FERREIRA (1993, P. 1485) RENOVAR É: [DO LAT. RENOVARE.] V.T.D.

1. Tornar novo; dar aspecto ou feição de novo a; mudar ou

modificar para melhor: “se não tens força, nem originalidade para

renovar um assunto gasto, melhor é que te cales e te

retires” (Machado de Assis, História sem Data, pp. 4-5). 2. Substituir

por novo, por coisa nova. 3. Recomeçar, reinicar, restaurar: Os

agressores renovaram a luta. 4. Dizer ou fazer de novo; repetir: O

suplicante renovou os apelos. 5. Consertar, reformar, corrigir,

melhorar em todos os aspectos ou praticamente em todos: Os sábios

renascentistas renovaram a ciência medieval. 6. Fazer novamente;

refazer: renovar um contrato; uma promissória. 7. Excitar de novo;

tornar a excitar. 8. Consertar, reparar; reformar: Mandou renovar o

motor do carro. 9. Pôr novamente em vigor; restaurar, restabelecer:

renovar um regulamento esquecido. 10. Dar novo brilho a. 11. Dar

novas forças a: O sol renova a vegetação. 12. Trazer de novo a

lembrança; relembrar: Renovava com saudade os seus tempos de

criança. T. d. e. i. 13. Fazer de novo; repetir; reiterar: Renovarei o

pedido às autoridades. Int. 14. Deitar novos rebentos ou renovos;

brotar: As plantas renovam na primavera. 15. Surgir de novo; vir

novamente; reaparecer, restabelecer-se, renovar-se: Com a falta de

providências sanitárias, a epidemia renovou. 16. Sobrevir; suceder-

se; renovar-se: Os ataques inimigos renovam a cada dia. P. 17.

Rejuvenescer, juvenescer, revigorar-se: Renovou-se com a medicação

geriátrica. 18. Aparecer de novo; repetir-se: Observações

astronômicas prevêem que a aparição do cometa renovar-se-á em 80

anos.” (FERREIRA, 1993, p. 1485).

Do extrato acima, renova-se algo quando este é transformado,

modificado, restaurado, repetido, ... O professor, para propor e implementar

inovações pedagógicas, precisa:

• refletir sobre os processos de ensino e de aprendizagem;

• experimentar/experienciar/propor práticas múltiplas;

• avaliar a sua práxis, contemplando o seu planejamento, a sua

implementação e os resultados.

REFLEXÃO

Mais importante do que inovar é o professor saber o que quer atingir

com tal mudança, ou seja, os objetivos, a intenção.

• Baseado em que informações o professor implementa uma novidade

no seu trabalho?

• Posteriormente, como saber se a inovação foi positiva?

86

Page 91: Didática I

O trabalho docente, portanto, possibilita e requer do professor uma

constante reflexão sobre a sua práxis, que contempla o planejamento, a

implementação e a avaliação.

Isto será analisado mais detalhadamente na próxima seção, bem como

na próxima aula.

PARADA OBRIGATÓRIA

Basta implementar inovações nos sistemas educativos? (Visite a aula

online para realizar download deste arquivo.)

FONTES DAS IMAGENS

Responsável: Professora Nidia Barone

Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

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Page 92: Didática I

TÓPICO 03: PLANEJAMENTO EDUCACIONAL

Por que um profissional precisa planejar a sua prática? Qual é a

importância do planejamento para atividade docente?

PLANEJAMENTO, conforme o Dicionário Aurélio, é: “S. m. 1. Ato ou

efeito de planejar. 2. Trabalho de preparação para qualquer

empreendimento, segundo roteiro e métodos determinados; planificação:

o planejamento de um livro, de uma comemoração. 3. Bras. Elaboração,

por etapas, com bases técnicas (especialmente no campo sócio-

econômico), de planos e programas com objetivos definidos; planificação.

(FERREIRA, 1993, p. 1342).

Afinal, o que é planejar?

PLANEJAR, conforme o Dicionário Aurélio, é: “V. t. d. 1. Fazer o plano

ou planta de; projetar, traçar: Um bom arquiteto planejará o edifício. 2.

Fazer o planejamento de; elaborar um plano ou roteiro de; programar,

planificar: planejar um roubo. 3. Fazer tenção ou resolução de; tencionar,

projetar: ‘Mesmo antes do dia nascer, levantara-se, planejando uma

vistoria aos serviços’ (Nélson de Faria, Cabeça-Torta, p.

135).” (FERREIRA, 1993, p. 1342).

O PLANEJAMENTO

O planejamento, na maioria das vezes, é visto como mais uma

exigência burocrática, um documento a ser arquivado, que só é

elaborado para se desobrigar dessa cobrança, e não porque se perceba

necessidade ou algum sentido em realizar. As reflexões a seguir

DIDÁTICA I

AULA 04: ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE

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Page 93: Didática I

buscam superar essa compreensão de planejamento, percebê-lo como

uma atividade inerente à ação docente e ir além de uma perspectiva

meramente formal e burocrática que o limita ao preenchimento de

formulários e ao atendimento de exigências administrativas.

O planejamento é a previsão, a projeção de uma prática. Contribui

para guiar, orientar uma ação em busca de resultados. No caso do

ensino, planejar envolve decidir sobre o quê e o como ensinar, com

base nas concepções do por quê e do para quê ensinar. Não são,

portanto, decisões meramente técnicas, uma vez que envolvem

escolhas, interesses e fundamentam-se em valores.

Para além do desobrigar-se de uma exigência burocrática,

planejar é refletir sobre a prática pedagógica, para adequá-la a seu

contexto, solucionar problemas que se apresentam, superar

dificuldades, enfim para aperfeiçoar a ação docente. Ao planejar o

professor torna-se protagonista de sua ação, negando-se a ser simples

executor de esquemas elaborados por outrem. Mesmo partindo de

propostas pensadas longe do espaço de sua sala de aula, o professor

pode tomá-las como objeto de reflexão, avaliando-as, ressignificando-

as, redirecionando-as, apropriando-se crítica e criativamente delas,

imprimindo-lhes o significado desejado.

Planejar é dar sentido à ação, é questionar sobre a importância

das práticas pedagógicas, do conteúdo ensinado, das exigências feitas

ao aluno, do tipo de avaliação empregado, das atividades propostas. É

perguntar-se: qual o significado de cada um desses elementos na

formação do meu aluno? Somente a partir dessa concepção de

planejamento é possível evitar uma ação docente fundada na

reprodução de rotinas descontextualizadas e desmotivantes. A

reflexão, a problematização e o questionamento do significado da ação

desenvolvida permitem sua dinamização e renovação de acordo com a

realidade para qual se destina.

É através do planejamento que é possível encontrar caminhos

para a efetivação dos princípios pedagógicos assumidos. O

planejamento é a mediação entre aquilo que pensamos teoricamente

ser a educação e o ensino, e a realidade concreta, como nos lembra

Luckesi (1992, p. 168): “Para planejar torna-se necessário ter

presentes todos os princípios pedagógicos a serem operacionalizados,

de tal forma que sejam dimensionados para que se efetivem na

realidade educativa”.

O planejamento deve ser flexível, contínuo e participativo. A

flexibilidade deve ser uma característica inerente ao planejamento do

ensino, pois trata-se de prática social, interativa, imprevisível. Traçar

princípios norteadores para a ação não significa que seja possível

prevê-la em todos os seus detalhes. Não se trata, portanto, de uma

camisa de força, um esquema rígido de ação, mas um roteiro flexível

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Page 94: Didática I

de orientação para a ação. É como um mapa que orienta a viagem, mas

não representa a totalidade da viagem.

Como prática social, o ensino apresenta sempre situações que não

se repetem, portanto previsões rígidas não se encaixam nessa

realidade. Estamos sempre lidando com a contingência, com o

inesperado. Isso exige uma constante revisão, adaptação,

contextualização do foi previsto inicialmente. Planejar é, pois, uma

atividade contínua que percorre todo o processo, e não apenas

realizada no início para não ser mais retomada.

Dar ao planejamento uma perspectiva participativa garante que a

ação a ser vivenciada, não seja esteja centrada na concepção de uma

única pessoa ou de um grupo específico, valorizando apenas sua

percepção da realidade, discriminando e excluindo outras leituras

possíveis. Os alunos dão constantes evidências de sua percepção sobre

o desenvolvimento do ensino aprendizagem, assim como outros

sujeitos como: pais, outros professores, comunidade, demais

profissionais da escola, pedagogos podem oferecer importantes

elementos a serem considerados durante o planejamento.

Do exposto, concluímos que, o planejamento numa perspectiva

crítica, mais do que uma previsão técnica de objetivos, conteúdo,

metodologia e avaliação, implica numa tomada de posição sobre a

educação e o ensino, para, a partir de então, organizar a ação no

sentido pretendido. Planejar é refletir sobre a ação docente,

compreendê-la em seus determinantes, limites e possibilidades, e

propor, com base nessa compreensão as possibilidades de construção

de uma prática em constante superação.

Extraído de Passos (2006).

O planejamento educacional, portanto, pressupõe que o docente tenha

uma disposição permanente para refletir sobre a prática, no sentido de

avaliar em que medida os elementos constantes do plano foram satisfatórios

e o que precisa ser modificado/melhorado. Convém, portanto, que ele seja

um professor reflexivo, conforme defendem inúmeros estudiosos (Schön,

Nóvoa, dentre outros).

No próximo tópico, estudaremos sobre os diferentes tipos de plano de

ensino, bem como os seus elementos constituintes.

DICA

Professor reflexivo: da alienação da técnica à autonomia da crítica

(Visite a aula online para realizar download deste arquivo.)

Planejar é antecipar ações para atingir certos objetivos[1]

O Planejamento deve ser reflexível[2]

Vamos estudar juntos? [3]

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Page 95: Didática I

PARADA OBRIGATÓRIA

Planejamento de ensino: peculiaridades significativas (Visite a aula

online para realizar download deste arquivo.)

OLHANDO DE PERTO

O professor pesquisador e reflexivo (Visite a aula online para realizar

download deste arquivo.)

FONTES DAS IMAGENS

1. http://revistaescola.abril.com.br/planejamento-e-avaliacao/planejamento/planejar-objetivos-427809.shtml2. http://revistaescola.abril.com.br/planejamento-e-avaliacao/planejamento/planejamento-flexivel-427866.shtml3. http://revistaescola.abril.com.br/planejamento-e-avaliacao/interacoes/vamos-estudar-juntos-424793.shtml

Responsável: Professora Nidia Barone

Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

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