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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GES TÃO SOCIAL , EDUCAÇÃO E DESENVOL VIMENT O DIFERENTES CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE GES TÃO SOCIAL

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GES TÃO SOCIAL , EDUCAÇÃO E DESENVOL VIMENT O

DIFERENTES CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE GES TÃO SOCIAL

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i n t r o d u ç ã o

O IV Simpósio de Socialização da Produção Acadêmica (IVSSPA) de 2015 marca o 8º ano do Programa de Pós-Graduação em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local (PPG-GSEDL), do Centro Universitário UNA, avaliado com o conceito 4 pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), autarquia vinculada ao Ministério da Educação responsável pela avaliação dos cursos de pós-graduação desde 1976.

Ao instituir o Simpósio, o PPG-GSEDL objetivou proporcionar um espaço de debate sobre a produção de conhecimento realizado por meio das pesquisas empreendidas pelos seus docentes e mestrandos, assim como de outros pesquisadores interessados nas temáticas de conhecimento que constituem sua área de concentração – Inovação Social e Desenvolvimento Local - e linhas de pesquisa – Educação e Desenvolvimento Local e Gestão Social e Desenvolvimento Local.

A intenção proposta para esse espaço de debate alcança os seguintes objetivos específicos: (1) discutir e trocar experiências e reflexões sobre o tema em foco; (2) discutir e trocar informações sobre metodologias de pesquisa; (3) aprofundar os debates sobre a pesquisa e a produção de conhecimento.

O público-alvo do Simpósio, além da comunidade interna do Grupo Anima, acolhe docentes de escolas públicas e privadas de todos os graus acadêmicos, estudantes, entidades e organizações da sociedade civil, órgãos da administração direta e indireta em seus diferentes níveis federativos, movimentos sociais, sindicatos patronais e de trabalhadores, associações comunitárias e de bairro, Ministério Público, Defensoria Pública, associações profissionais e demais interessados.

Cada edição anual do Simpósio focaliza uma temática. Os simpósios anteriores privilegiaram os temas relacionados a seguir, segundo as datas de realização:

I SSPA - 2 e 3 de outubro de 2012 - ENSINO NA GRADUAÇÃO E EDUCAÇÃO CONTINUADA;

II SSPA - 24 e 25 de outubro de 2013 - CIDADANIA, PARTICIPAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL; e

III SSPA - 20 e 21 de novembro de 2014 – DESAFIOS DO DESENVOLVIMENTO LOCAL.

O IV SSPA, realizado em 1º e 2 de outubro de 2015, dedicou-se ao tema das Diferentes Concepções e Práticas de Gestão Social. Os trabalhos apresentados nessa edição estão disponíveis nestes Anais.

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O V SSPA e I COLMÉIA – I Colóquio em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local, será realizado em 29 e 30 de setembro de 2016 e focalizará a temática das inovações sociais: INTERPRETAÇÕES E CONTROVÉRSIAS SOBRE INOVAÇÕES SOCIAIS.

Por ocasião do IV SSPA, foi realizada uma mesa redonda para apresentar e problematizar as diferentes concepções e práticas de gestão social e seus desdobramentos. Essa mesa contou com a participação de três importantes pesquisadores da gestão social, quais sejam: o Prof.

Dr. Armindo dos Santos Teodósio (PUC Minas); a Profa. Dra. Marilene Maia (Unisinos); e a Profa. Dra. Wânia Maria de Araújo (UNA).

Os artigos inscritos no IV SSPA, apresentados por seus autores em sessões de comunicação, referiram-se a relatos de pesquisa ou de experiências relacionadas ao tema das concepções e práticas de gestão social. Esses artigos foram submetidos a uma avaliação cega por pares, cuja seleção proporcionou a proposição de oito sessões de comunicação dedicadas a diferentes áreas de aplicação dos objetivos e princípios da gestão social.

Além das sessões de comunicação, o IV SSPA acolheu cinco Grupos de Trabalho (GTs) propostos por professores do Centro Universitário UMA, associados a membros de instituições parceiras. Esses grupos de trabalho proporcionaram a realização de fóruns de debate e foram submetidos a registros em relatórios realizados pelos mestrandos do PPG-GSEDL e a gravação em áudio. A seguir relacionam-se os GTs, seus propositores e os participantes que os dinamizaram, com a apresentação de pautas de debate.

GT1: A Política Nacional de Resíduos Sólidos e suas interfaces com a gestão, proposto pela Profa. Dra. Fernanda Carla Wasner Vasconcelos. Os mestrandos, a seguir, juntamente com a professora propositora, se encarregaram da condução dos trabalhos: mestranda Gabriela Leite Marcondes Schott, mestranda Poliana Machado, mestrando Rafael Alves de Araújo Castilho, mestrando Ari Silva Gobira.

GT2: Gestão social, qualidade de vida, direitos humanos e desenvolvimento local, proposto pelas Profas. Dras. Maria Lúcia Miranda Afonso e Matilde Meire Miranda Cadete. Os mestrandos, ao participarem das dinâmicas do GT, apresentaram temáticas específicas para o debate, desenvolvidas em conjunto com as professoras propositoras do GT e com seus orientadores. Foram elas/es:

1) Alcione Aguiar Souza; Mônica das Graças de Azevedo; Matilde Meire Miranda Cadete (orientadora). Gênero e vulnerabilidade social: questões para a qualidade de vida.

2) Daniela Correa Viana; Cláudio Márcio Magalhães (orientador). Plano Brasil sem Miséria na perspectiva da Qualidade de Vida: Garantia de Direitos Humanos?

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3) Ari Silva Gobira; Vagner Domingues de Souza. Desenvolvimento local e gestão social: a complementaridade da qualidade de vida;

4) Sabino Joaquim de Paula Freitas; Karina Barreto da Silva; Simoni Jacomini de Souza; Adilene Gonçalves Quaresma (orientadora). A contribuição da Educação para a qualidade de vida e o desenvolvimento local;

5) Marcelo Torres De Paula; Maria Lúcia Miranda Afonso (orientadora). Formação de jovens para a participação política e o exercício da cidadania: reflexos na qualidade de vida e no desenvolvimento local

6) Adriano Vilhena Lis da Silva. O potencial dos produtos regionais para impulsionar o desenvolvimento local e a qualidade de vida: o caso do queijo da Serra da Canastra.

7) Guilherme Ricoy Leão; Wânia Maria de Araújo (orientadora). Lixo e qualidade de vida: as condições de trabalho dos coletores de lixo

8) Elizete Matias Barbosa Orozimbo; Maria Lúcia Miranda Afonso (orientadora). Gestão social nas políticas públicas: inter-relação entre desenvolvimento local, qualidade de vida e direitos humanos.

9) Rafael Alves de Araújo Castilho; Fernanda Carla Wasner Vasconcelos (orientadora). Gestão social na Política Nacional de Resíduos Sólidos sob a perspectiva de desenvolvimento local e qualidade de vida.

10) Adimar Fonseca da silva; Adilene Gonçalves Quaresma (orientadora). Uso dos espaços de cultura como recursos didáticos no ensino básico: uma estratégia de educação para qualidade de vida?

11) Jamile Gama; Ediméia Maria Ribeiro de Mello (orientadora). Bordadeiras: qualidade de vida no trabalho.

GT3: Gestão social: avaliação de projetos sociais, proposto pelo Prof. Dr. Breynner Oliveira (UFOP) e pela Profa. Dra. Ediméia Maria Ribeiro de Mello (UNA). O GT contou com a participação, como expositora/es, a/os seguintes pesquisadora/es: Msc. Odnélia Cristina Saraiva Amaral, mestrando Hélcio Martins Borges, mestrando Marcelo Scarpa Rennó e mestrando Pedro Vinicius Macedo Scaldini.

GT4: Algumas relações entre os ramos do poder estatal e a gestão social, proposto pelos Profs. Drs. Frederico de Carvalho Figueiredo (UNA), Marcos Eduardo Carvalho Gonçalves Knupp (UFOP) e Reginaldo Gonçalves Gomes (TRE).

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GT5: Gestão social e serviço social, proposto pelos Profs. Drs. Cristiano Costa de Carvalho, Fabrícia Cristina de Castro Maciel, Maria Fátima Queiroz Ribeiro, Rutinéa Alves Ferreira do Curso de Serviço Social do Centro Universitário UNA.

Comissão Organizadora do IVSSPA

Profa. Dra. Áurea Regina Guimarães Thomazi;

Profa. Dra. Ediméia Maria Ribeiro de Mello (coordenação);

Profa. Dra. Fernanda Carla Wasner Vasconcelos;

Prof. Dr. Frederico de Carvalho Figueiredo;

Profa. Dra. Wânia Maria de Araújo;

Mestrando Sandro Henrique Mourão de Lima;

Secretário da Pós-Graduação Leandro dos Santos Ferreira.

Comissão Científica do IVSSPA

Profa. Dra. Alexandra do Nascimento Passos;

Profa. Dra. Áurea Regina Guimarães Thomazi;

Prof. Dr. Cláudio Márcio Magalhães;

Profa. Dra. Ediméia Maria Ribeiro de Mello;

Profa. Dra. Eloisa Helena Santos;

Profa. Dra. Fernanda Carla Wasner Vasconcelos;

Prof. Dr. Frederico de Carvalho Figueiredo;

Profa. Dra. Lucília Regina de Souza Machado;

Profa. Dra. Maria Lúcia Miranda Afonso;

Profa. Dra. Wânia Maria Araújo.

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Comissão de apoio ao IVSSPA

O IV SSPA contou com a colaboração de mestrandos do PPG em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local, durante sua organização e realização. Foram eles:

Adimar Fonseca da Silva (relatoria);

Alcione Aguiar Souza (relatoria);

Antônio Carlos Caldeira (arte);

Ari Silva Gobira (organização);

Daniela Corrêa Viana (relatoria);

Daniella Kangussu da Cunha (relatoria, organização, secretaria, logística)

Eliana Vieira Turíbio (relatoria);

Elizete Matias Barbosa Orozimbo (relatoria);

Frederico Divino Dias (relatoria, organização, logística);

Gabriel Perona (organização);

Guilherme Ricoy (relatoria);

Jamile Gomes Gama (relatoria);

Marcus Vinícius de Paula (relatoria, organização, momento cultural)

Maria Cláudia da Silva Marques (relatoria);

Mônica das Graças de Azevedo (relatoria);

Pedro Vinícius Macedo Scaldini (relatoria, organização);

Rafael Castilho (relatoria);

Rafael Soares Mariano Costa (relatoria, divulgação por meio da web);

Rafael Vieira (organização);

Renata Canabrava de Oliveira (relatoria, organização, transmissão ao vivo, registro em áudio);

Sabino Joaquim de Paula (relatoria, organização);

Silvia Fernanda Diniz Araujo (relatoria);

Tatiana Soares Correa Machado (relatoria, organização);

Vagner Domingues de Souza (relatoria);

Willekem Feliz da Silva (relatoria).

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Sessões de comunicação

A seguir, relacionam-se as oito subtemáticas abordadas nas sessões de comunicação, assim como os artigos que as compuseram, disponíveis nestes Anais.

Subtema: Gestão Social na Formação e na Qualificação

Corinne Julie Ribeiro Lopes; Lucília Regina de Souza Machado. “Projeto político pedagógico como instância de gestão social da educação”

Frederico Divino Dias; Frederico de Carvalho Figueiredo. “Programa Pão Escola, uma ação estratégica de gestão social intersetorial da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte”

Israel Quirino; Wânia Maria Araújo. “O papel do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Federal de Ouro Preto na construção de um novo paradigma de acesso à Justiça”

Subtema: Gestão Social, Informação e Comunicação

Alpeniano Silva Filho. “Jornalismo comunitário: escola e comunidade democratizando a informação”

Ana Paula Damasceno Torres; Cláudio Márcio Magalhães. “A gestão do conhecimento como ferramenta para televisão universitária”

Richardson Nicola Pontone; Cláudio Márcio Magalhães. “O webdocumentário, o videoativismo e a formação crítica de documentaristas sociais”

Subtema: Gestão Social e Gestão Escolar

Adilene Gonçalves Quaresma. “Educação, gestão social e desenvolvimento local: algumas considerações sobre a experiência do MST na luta pela gestão social da escola”

Gislene Silva Dutra; Vanessa Romualdo Silva. “Participação da comunidade local na adequação do plano decenal municipal de educação de Brumadinho/MG”

Herberton Sabino; Wânia Maria Araújo. “A gestão escolar à luz da gestão estratégica e da gestão social”

Subtema: Gestão Social na Avaliação de Projetos

Marcelo Scarpa Rennó; Ediméia Maria Ribeiro de Mello. “Avaliação de projetos de responsabilidade social corporativa sob a perspectiva da gestão social”

Odnélia Cristina S. Amaral; Ediméia Maria Ribeiro de Mello. “Análise da realidade de um empreendimento social paraense sob a ótica da autossustentabilidade e da gestão social”

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Subtema: Gestão Social e Direitos Humanos

Aline Soares Storch de Araújo; Maria Lúcia Miranda Afonso. “As contribuições da educação em direitos humanos na formação para a cidadania deliberativa: exercício de direitos e deveres na construção da gestão social”

Clever Alves Machado; Ediméia Maria Ribeiro de Mello. “Políticas públicas de promoção da igualdade racial destinadas a enfrentar o racismo e promover ações afirmativas”

Maria Lúcia Miranda Afonso; Roseane Figueiredo Linhares Melquíades. “A participação juvenil nas políticas para a juventude: uma questão de legitimidade?”

Subtema: Gestão Social e Educação

André Felipe de Almeida Xavier; Áurea Regina Guimarães Thomazi. “Gestão da prática docente: o ensino da Matemática na educação superior”

Rafael de Lima Vieira; Lucília Regina de Souza Machado. “A relação de reciprocidade entre a formação/educação crítica e a prática da gestão social”

Subtema: Gestão social e a Participação Urbana

Andressa Carolina do Nascimento Nunes; Frederico de Carvalho Figueiredo. “Participação pública na era das cidades digitais: uma avaliação das principais ferramentas de participação brasileira”

Júlia do Espírito Santo Nunes; Áurea Regina Guimarães Thomazi. “Biblioteca pública e idosos: uma aproximação da gestão social?”

Rovena Nacif Martins; Alexandra Nascimento. “Planejamento urbano e participação popular – pela sociedade e com a sociedade?”

Subtema: Gestão Social, Energia e Meio Ambiente

Cláudio Márcio Magalhães; Eduardo Marques Duarte. “Própolis: projeto polímeros para inclusão social”

Gabriel Moreira Perona; Fernanda Carla Wasner Vasconcelos. “Ocupação e Urbanização da Região Bacia do Córrego Bom Jesus (MG)”

Poliana Gomes Silveira Machado; Fernanda Carla Wasner Vasconcelos. “Práticas de reciclagem de resíduos têxteis, em indústrias de reprocessamento têxtil, no município de Belo Horizonte (MG)”

PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO COMO INSTÂNCIA DE GESTÃO SOCIAL DA EDUCAÇÃO

Corinne Julie Ribeiro Lopes

Lucília Regina de Souza Machado

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s u m á r i o

Projeto político pedagógico como instância de gestão social da educação..............................................................11

Corinne Julie Ribeiro Lopes; Lucília Regina de Souza Machado

Programa Pão Escola, uma ação estratégica de gestão social intersetorial da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte.........................................................................................................................................................25

Frederico Divino Dias; Frederico de Carvalho Figueiredo

O papel do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Federal de Ouro Preto na construção de um novo paradigma de acesso à Justiça..........................................................................................................................33

Israel Quirino; Wânia Maria Araújo

Jornalismo comunitário: escola e comunidade democratizando a informação..............................................50

Alpeniano Silva Filho

A gestão do conhecimento como ferramenta para televisão universitária......................................................60

Ana Paula Damasceno Torres; Cláudio Márcio Magalhães

O webdocumentário, o videoativismo e a formação crítica de documentaristas sociais.................................73

Richardson Nicola Pontone; Cláudio Márcio Magalhães

Educação, gestão social e desenvolvimento local: algumas considerações sobre a experiência do MST na luta pela gestão social da escola.....................................................................................................................................83

Adilene Gonçalves Quaresma

Participação da comunidade local na adequação do plano decenal municipal de educação de Brumadinho/MG........................................................................................................................................................................94

Gislene Silva Dutra; Vanessa Romualdo Silva

A gestão escolar à luz da gestão estratégica e da gestão social.....................................................................104

Herberton Sabino; Wânia Maria Araújo

Avaliação de projetos de responsabilidade social corporativa sob a perspectiva da gestão social............119

Marcelo Scarpa Rennó; Ediméia Maria Ribeiro de Mello

Análise da realidade de um empreendimento social paraense sob a ótica da autossustentabilidade e da gestão social..............................................................................................................................................................133

Odnélia Cristina S. Amaral; Ediméia Maria Ribeiro de Mello

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As contribuições da educação em direitos humanos na formação para a cidadania deliberativa: exercício de direitos e deveres na construção da gestão social........................................................................................................149 Aline Soares Storch de Araújo; Maria Lúcia Miranda Afonso

Políticas públicas de promoção da igualdade racial destinadas a enfrentar o racismo e promover ações afirmativas.....................................................................................................................................................160

Clever Alves Machado; Ediméia Maria Ribeiro de Mello

A participação juvenil nas políticas para a juventude: uma questão de legitimidade?.........................181 Roseane Figueiredo Linhares Melquíades; Maria Lúcia Miranda Afonso

Gestão da prática docente: o ensino da Matemática na educação superior....................................................190

André Felipe de Almeida Xavier; Áurea Regina Guimarães Thomazi

A relação de reciprocidade entre a formação/educação crítica e a prática da gestão social............................203

Rafael de Lima Vieira; Lucília Regina de Souza Machado

Participação pública na era das cidades digitais: uma avaliação das principais ferramentas de participação brasileira.........................................................................................................................................................211 Andressa Carolina do Nascimento Nunes; Frederico de Carvalho Figueiredo

Biblioteca pública e idosos: uma aproximação da gestão social?....................................................................224 Júlia do Espírito Santo Nunes; Áurea Regina Guimarães Thomazi

Planejamento urbano e participação popular – pela sociedade e com a sociedade?..........................................238 Rovena Nacif Martins; Alexandra Nascimento

Própolis: projeto polímeros para inclusão social.............................................................................................248

Cláudio Márcio Magalhães; Eduardo Marques Duarte

Planejamento urbano e participação popular – pela sociedade e com a sociedade?

Gabriel Moreira Perona; Fernanda Carla Wasner Vasconcelos

Ocupação e Urbanização da Região Bacia do Córrego Bom Jesus (MG).................................................257

Gabriel Moreira Perona; Fernanda Carla Wasner Vasconcelos

Práticas de reciclagem de resíduos têxteis, em indústrias de reprocessamento têxtil, no município de Belo Horizonte (MG).............................................................................................................................................273

Poliana Gomes Silveira Machado; Fernanda Carla Wasner Vasconcelos

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Corinne Julie Ribeiro Lopes1

Lucília Regina de Souza Machado2

Resumo

O presente artigo se insere no campo de estudo da gestão social da educação e objetiva discutir a elaboração de projetos político pedagógicos na perspectiva de torná-los instâncias privilegiadas para essa gestão. Essa discussão é realizada visando à formação de dirigentes comunitários do terceiro setor e se apóia em revisão bibliográfica e pesquisa empírica. Considera as origens do uso do projeto político pedagógico como expediente de gestão educacional; os conceitos a ele atribuídos; pressupostos, princípios e fundamentos que informam as necessidades, finalidades e objetivos que lhe dão significado e sentido. Apresenta aspectos teóricos e práticos da construção, execução, acompanhamento, monitoramento e avaliação de projetos político pedagógicos. Recupera aspectos históricos e de desenvolvimento do terceiro setor e conclui que, embora tendo uso predominante na educação formal, o projeto político pedagógico é uma importante ferramenta de gestão social com validade para atividades educacionais em geral, inclusive para o contexto da formação de dirigentes desse setor.

Palavras-chave: Projeto político pedagógico; formação de gestores; dirigentes comunitários; terceiro setor; gestão social.

Introdução

Tradicionalmente, ao se falar em projeto político pedagógico, o espaço educacional a que se remete é o da escola regular. Pois bem, este artigo recupera esse tema para situá-lo no campo da gestão social de práticas formativas voltadas a dirigentes comunitários que atuam em entidades do terceiro setor.

Ao se pensar em projeto político pedagógico é necessário perpassar pelos três conceitos que compõem o termo, quais sejam: projeto, política e pedagogia. Este artigo se inicia, portanto, pela discussão desses componentes. Na sequência, aborda as necessidades, finalidades e objetivos que orientam a construção de projetos político pedagógicos; pressupostos, princípios e fundamentos que lhes dão suporte; processos de sua construção e execução e os de seu acompanhamento, monitoramento e avaliação. Aborda, por outro lado, aspectos da origem e desenvolvimento do terceiro setor e como o recurso à ferramenta do projeto político pedagógico pode se aplicar às atividades formativas nesse setor. Para tanto, apóia-se em revisão de literatura e pesquisa empírica e focaliza aspectos fundamentais da utilização desse instrumento na gestão social de atividades educacionais em geral e, em particular, as afeitas ao contexto comunitário da gestão do terceiro setor.

1 Centro de Defesa da Criança e do Adolescente de Minas Gerais. [email protected] Professora do PPG em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA. [email protected]

PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO COMO INSTÂNCIA DE GESTÃO SOCIAL DA EDUCAÇÃO

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Desenvolvimento

Projeto, política, pedagogia

Entende-se por projeto uma ideia que se apresenta no sentido da realização de algo no futuro. No Brasil, a ideia de projeto pedagógico ganha destaque na década de 1990 com sua introdução na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96) que, em seu artigo 12, inciso I, prevê que “os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, têm a incumbência de elaborar e executar sua proposta pedagógica”. Na prática, isso significa refletir sobre a intencionalidade educativa dos espaços educacionais de forma participativa; dar autonomia e capacidades aos sujeitos sociais de construir sua própria identidade. Segundo Vasconcellos (2000, p.145) trata-se de “uma metodologia de trabalho que possibilita ressignificar a ação de todos os agentes da instituição”, que considera que toda ação e transformação precisam ser contextualizadas, decorrendo daí a necessidade de vincular o projeto à finalidade pedagógica.

A partir dessa reflexão contextualizadora, fica claro não ser possível pensar em um projeto pedagógico sem se falar em projeto político. Toda prática pedagógica exige uma dimensão política. Política no sentido de “compromisso com a formação do cidadão para um tipo de sociedade” (ANDRÉ, 2001, p. 189).

Ao se agregar os conceitos de projeto, pedagogia e política, tem-se o conceito de projeto político pedagógico, que, nos dizeres de Vasconcellos (2000), é sinônimo de projeto educativo e pode ser estendido, como plano global, a outras instituições que não a escola formal.

Pode ser entendido como a sistematização, nunca definitiva, de um processo de Planejamento Participativo, que se aperfeiçoa e se concretiza na caminhada, que define claramente o tipo de ação educativa que se quer realizar. É um instrumento teórico-metodológico para a intervenção e mudança da realidade (VASCONCELLOS, 2000, s-p).

Necessidades, finalidades e objetivos

No contexto educacional, a construção de um projeto político pedagógico é fundamental, à medida que ajuda os diferentes sujeitos que atuam na instituição a visualizar de forma global o planejamento que deve ser seguido para concretizar a intenção de uma prática pedagógica consistente e coesa. Além de indicar as metas e objetivos da instituição, delineia passo-a-passo o caminho a ser perseguido.

Tem valor de articulação da prática, de memória do significado da ação, de elemento de referência para a caminhada. O Projeto Político-Pedagógico envolve também uma construção coletiva de conhecimento. Construído participativamente, é uma tentativa, no âmbito da educação, de resgatar o sentido humano, científico e libertador do planejamento (VASCONCELLOS, 2010, p. 169).

É um instrumento importante para a prática educacional, na medida em que legitima a diversidade e a participação de todos os sujeitos escolares, tornando-os co-responsáveis pelo caminhar da instituição. Contribui

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na formação e educação do “cidadão de hoje para se tornar crítico, reflexivo e criativo, capaz de atuar e ajudar a transformar e melhorar a sociedade da qual faz parte” (MEDEL, 2008, p.2). Não é uma tarefa a mais para a escola, mas uma metodologia de trabalho que facilita a união da teoria com a prática e sistematiza os desejos da comunidade escolar aliada às suas possibilidades.

Com a intenção de evitar a improvisação e promover o processo de diálogo participativo, a construção do projeto político pedagógico é, ao mesmo tempo, um direito e um dever da escola. Direito porque todos podem participar de sua construção influenciando nos rumos da escola. Dever porque é obrigação da escola ofertar uma educação de qualidade e com acessibilidade.

É, ainda, uma possibilidade de resistência à alienação da atividade pedagógica, indo contra uma possível ruptura entre o significado social da atividade docente e o seu sentido para cada professor. Segundo Asbahr (2005, p.117): “Como vemos, são diversos os autores a defenderem o PPP como um importante instrumento de organização da escola, na medida em que pode ampliar a formação docente em serviço e produzir transformações na consciência dos educadores num sentido oposto ao da alienação.”

Segundo Vasconcellos (2000), a relevância de um projeto político pedagógico passa por quatro aspectos fundamentais: rigor e participação, ética, autonomia e seu destaque em relação ao regimento. Por todo o exposto, pode-se afirmar que a finalidade do projeto político pedagógico é de buscar a:

[...] construção da identidade, da organização e da gestão do trabalho de cada instituição educativa. O projeto reconhece e legitima a instituição educativa como histórica e socialmente situada, constituída por sujeitos culturais, que se propõem a desenvolver uma ação educativa a partir de uma unidade de propósitos. Assim, são compartilhados desejos, crenças, valores, concepções, que definem os princípios da ação pedagógica e vão delineando, em um processo de avaliação contínua e marcado pela provisoriedade, suas metas, seus objetivos, suas formas de organização e suas ações (FARIA, 2007, p. 20).

Aliada a essa finalidade, Vasconcellos (2007) elenca outras, como o resgate da intencionalidade da ação, possibilitando a (re)significação do trabalho; se constituir como um instrumento de transformação da realidade; ser um referencial de parceria na caminhada; ajudar a construir a unidade; propiciar a racionalização dos esforços e recursos; ser um canal de participação efetiva; potencializar o grau de realização do trabalho; fortalecer o grupo envolvido e colaborar na formação dos participantes.

A depender do compromisso dos envolvidos e do referencial teórico-metodológico, pode-se afirmar que o objetivo do projeto político pedagógico é, para além de cumprir uma determinação legal, um instrumento de luta; pretende “sistematizar e organizar uma prática em andamento, constituindo-se em material que irá orientar as ações educativas da instituição e possibilitar uma constante avaliação e reformulação do trabalho”. (FARIA, 2007, p.24)

Pressupostos, princípios e fundamentos

De acordo com a LDB, que em seus artigos 13 e 14 fala da importância da participação como um pressuposto para a constituição de um projeto político pedagógico, três grandes outros eixos devem ser contemplados como pressupostos para construção desse instrumento. São eles: o eixo da flexibilidade que, vinculado à autonomia, possibilita que a escola organize seu próprio trabalho pedagógico; o da avaliação, como importante elemento

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de controle do processo de ensino-aprendizagem e o da liberdade, expressado por meio do pluralismo das ideias, concepções pedagógicas e propostas de gestão democrática (MEDEL, 2008, p.2).

Segundo Oliveira (2011), a fim de que o projeto político pedagógico cumpra seu papel privilegiado na escola, seus pressupostos precisam se configurar, sobretudo:

[...] no caráter de processo, de construção-reconstrução permanentes e, assim, seus objetivos e resultados devem ser gradativos, mediatos e flexíveis; na necessidade de ser construído e desenvolvido com a participação da comunidade escolar que conhece sua cultura, seus problemas, suas expectativas, suas necessidades; na explicitação clara das suas metas e das condições objetivas, dadas para sua implementação, tanto no nível infraestrutural, quanto no que se refere aos denominados “recursos humanos”; na definição de uma equipe que coordene sua implementação e desenvolvimento, pois, embora toda a comunidade tenha responsabilidade para com o Projeto, é necessário que haja uma liderança, zelando pela sua execução (OLIVEIRA, 2011, p. 46).

Para Oliveira (2011), os princípios do projeto político pedagógico são: autonomia, qualidade, participação, autoridade, democracia e igualdade. Veiga (2011) também contribui para essa discussão elencando, além dos princípios da qualidade e igualdade, os da gestão democrática, da liberdade e da valorização do magistério.

O processo de construção e execução do projeto político pedagógico

Visto de uma forma ampla, todo projeto político pedagógico precisa ser construído de forma coletiva, levando-se em conta uma metodologia que dê suporte à pedagogia e à epistemologia da ação. Além disso, a construção do projeto político pedagógico passa, necessariamente, por uma reflexão feita sobre os princípios.

Segundo Veiga (2011), são sete os elementos básicos que podem ser apontados como basilares à construção de um projeto político pedagógico: as finalidades da instituição, a estrutura organizacional, o currículo, o tempo escolar, o processo de decisão, as relações de trabalho e a avaliação.

Sistematizando de forma precisa e didática, Oliveira et al (2011) descrevem os itens que devem constar quando da construção de um projeto político pedagógico: folha de rosto do projeto (dados que identificam a instituição); epígrafe; agradecimentos; sumário; genealogia da instituição (sucinta descrição da história da instituição; sua infra-estrutura, “recursos humanos” e materiais); concepção de educação; fins e objetivos; estrutura administrativa; estrutura pedagógico-didática; relacionamento com a comunidade; currículo; processo de avaliação do projeto e referências bibliográficas.

Esses itens e os demais citados por Veiga (que são complementares entre si) também podem ser vistos sob a ótica de três dimensões fundamentais, sendo elas, a ideológico-explicativa (a teoria), a contextual ou situacional (a realidade) e a operacional ou metodológica (a prática).

A fim de que o exposto acima se delineie e atenda às expectativas de construção de um bom projeto político pedagógico, não vale desconhecer o processo do planejamento, que, como lembra Padilha (2002), leva em conta a necessária capacitação dos atores envolvidos nessa construção, a consulta à comunidade por meio de eventos e encontros, a institucionalização da gestão democrática, a lisura nos processos de definição da gestão e a transparência das informações produzidas.

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Feito o planejamento, tendo partido de um diagnóstico, aí sim, são estabelecidas as diretrizes, os objetivos e as metas, elementos a serem considerados quando da construção de um projeto político pedagógico e que, apontados pelos autores acima, também devem ser correlatos aos demais elementos descritos e discriminados.

Tão importante quanto idealizar, planejar e formular, o processo de execução do projeto político pedagógico tem que ser minuciosamente observado e acompanhado. Nesse sentido, a execução de um projeto político pedagógico de qualidade precisa se compor de um marco referencial, diagnóstico e uma programação, e, segundo Veiga (2001, p. 25) deve:

a) nascer da própria realidade, tendo como suporte a explicitação das causas dos problemas e das situações nas quais tais problemas aparecem;

b) ser exequível e prever as condições necessárias ao desenvolvimento e à avaliação;

c) ser uma ação articulada de todos os envolvidos com a realidade da escola,

d) ser construído continuamente, pois como produto, é também processo.

Visto de uma forma mais ampla, todo projeto político pedagógico precisa ser construído levando-se em conta uma metodologia, mesmo que seja diferente da apresentada acima.

O processo de acompanhamento, monitoramento e avaliação do projeto político pedagógico

Como todo processo pedagógico é contínuo e está em constante evolução e desenvolvimento, é fundamental que o projeto político pedagógico passe por acompanhamento e monitoramento de sua execução e de avaliação de todas suas fases, inclusive a execução. O acompanhamento requer ser feito sob a perspectiva de possíveis mudanças e adaptações de forma a promover a criatividade, tarefa destinada a quem o elaborou, ao coletivo que o construiu.

Como metodologia desse acompanhamento e gestão do planejado, Vasconcellos (2007) aponta a necessidade de se fazer reuniões pedagógicas semanais: “Estamos concebendo as reuniões pedagógicas como espaço de reflexão crítica, coletiva e constante sobre a prática de sala de aula e da instituição (bem como de suas interfaces)” (VASCONCELLOS, 2007, p.120).

Além da realização das reuniões semanais e da participação como elementos de acompanhamento do projeto político pedagógico, é necessário também caracterizar a gestão que orientará essa ação. A gestão democrática é um princípio a ser observado quando da construção e implementação de um projeto político pedagógico. Há que se entender, aqui, que isso não significa que não tenha ninguém à frente do processo; é necessário que alguém conduza esse processo, que garanta sua continuidade.

Concomitantemente ao processo de acompanhamento, como parte do mesmo, tem-se o processo de monitoramento, que nada mais é do que uma qualificação do primeiro processo, quando se reflete, com base em dados concretos e em mensurações, sobre como a escola se organiza para colocar em ação seu projeto político pedagógico.

Como uma das características de um projeto é sua temporalidade, ao final do período previsto nesse instrumento, é necessário que se faça uma avaliação geral e sistemática do seu conjunto. “Com o crescimento da autonomia escolar, vai ganhando importância cada vez maior a avaliação da escola no seu conjunto, feita por ela mesma, na medida que está buscando se aperfeiçoar; trata-se de uma espécie de auto-avaliação da escola.” (VASCONCELLOS, 2007, p.47)

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Segundo Marino (2003), é muito importante, também, nesse processo, que haja implicação de todos os envolvidos e clareza do quanto a junção de esforços é importante; que se crie um ambiente de bem-estar e conforto, onde os envolvidos se sintam seguros em se colocar; que seja estimulada a colaboração e a cooperação no grupo; que a linguagem seja nivelada e acessível a todos e que o olhar e a reflexão sejam propulsores de aprendizagem e crescimento contínuos.

Nas palavras de Veiga (2011, p.32), a avaliação é dinâmica e imprime direção às ações dos educadores e dos educandos, pois ela “tem um compromisso mais amplo do que a mera eficiência e eficácia das propostas conservadoras. Portanto, acompanhar e avaliar o projeto político pedagógico é avaliar os resultados da própria organização do trabalho pedagógico.”

Sintetizando, é importante considerar que os processos de acompanhamento, monitoramento e avaliação do projeto político pedagógico culminam, naturalmente, com uma nova programação para os próximos períodos.

Origens históricas e desenvolvimento do terceiro setor

Na literatura social, bem como em vários eventos acadêmicos, o termo terceiro setor aparece com muita evidência. Sobre ele, há vários conceitos e divergências, incluindo as suas origens. Ao fazer uma digressão histórica da evolução social das instituições do terceiro setor no Brasil, Carrion, inspirada pelos escritos de Landim (1998) e Fernandes (1997), traz uma periodização que destaca quatro fases: (i) da colonização até meados do século XX, quando as organizações desse setor que, então nascia, se encontravam todas pautadas pelo voluntarismo e tinham estreita ligação com a Igreja católica; (ii) o segundo momento, que tem início na década de 1930 até meados da década de 1960, quando aquelas obras assistenciais passam a disputar um lugar na estratégia política de governos; (iii) a década de 1970, quando as instituições existentes começam a dialogar, e muitas vezes, se fundem a movimentos sociais; e (iv) o momento atual, que instituído com a promulgação da Constituição Federal (CF) de 1988, introduz diversos conceitos; marca a descentralização dos serviços públicos, com redução de investimentos; e “define o arcabouço filosófico para a elaboração de políticas sociais” (CARRION, 2000, p. 242).

Com o advento da Constituição Federal de 1988, que ancorou o conceito de cidadania, o cenário brasileiro se viu propício à criação de políticas sociais diversas e à emergência de novos atores sociais. Surgiram, assim, marcos legais de importância na década que veio a seguir, a de 1990, tais como a defesa dos direitos da criança e do adolescente por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e dispositivos sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado por meio da Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999.

De forma corolária, o termo terceiro setor aparece no Brasil nessa década3 . Segundo Carrion (2000, p. 238), Thompson (1997, p. 41) propõe pensá-lo como aquele setor que “trata de todas aquelas instituições sem fins lucrativos que, a partir do âmbito privado, perseguem propósitos de interesse público”.

Lee et alii (1997), também citados por Carrion (2000, p. 238) acrescentam que o terceiro setor tem por objetivo “a prestação de serviços ao público (saúde, educação, cultura, direitos civis, proteção do meio ambiente, desenvolvimento do ser humano etc.) antes de competência exclusiva do estado”.

Fazendo um contraponto com as definições anteriormente apresentadas, de que o terceiro setor atua fora do aparato do Estado, Salamon (1998), citado por Carrion (2000, p. 238), destaca a dimensão de complementaridade do seu papel com relação ao do estado:

3 No exterior, esse termo, originalmente, remonta às décadas de 1970 e 1980, a partir de documentos de vários organismos internacionais, teóricos e políticos.

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[...] vai um pouco além e procura caracterizar as atividades que realiza as pessoas estão formando associações, fundações e instituições similares para prestar serviços, defender direitos, promover o desenvolvimento econômico local, impedir a degradação ambiental e procurar realizar inúmeros outros objetivos da sociedade, ainda não atendidos, ou deixados sob a responsabilidade do estado (CARRION, 2000, p.238).

Diante das promessas que tais conceitos anunciam, Falconer (1999) vem pousar sua crítica de que é paradoxal que um setor como esse, tão promissor no que tange às suas possibilidades de atuação e intervenção social, esteja mal preparado para assumir esse papel:

Ouve-se, simultaneamente ao discurso que idealiza o setor, que estas entidades são mal geridas, excessivamente dependentes, amadoras e assistencialistas em sua atuação, e, por vezes, sujeitas a motivações pouco filantrópicas, para não dizer criminosas. Neste momento, configura-se o desafio de gestão do terceiro setor (FALCONER, 1999, p.8).

Embora esse setor tenha se alçado a ter um importante papel na execução e elaboração de políticas sociais no Brasil, ainda está muito aquém quando se discute a gestão das entidades que o compõem.

Esse é um desafio em que pouco se avançou no sentido de tratar a gestão como um emaranhado e complexo sistema de conhecimentos, habilidades e atitudes que deve ser desenvolvido pelos dirigentes comunitários de forma integral. No que toca a gestão do terceiro setor, as tímidas iniciativas que se destinam a apoiar essas entidades situam-se, no ambiente acadêmico, nas escolas e faculdades de Administração. Nessas instituições, o discurso é o de que

[...] identificadas insuficiências na gestão das organizações, saná-las tornou-se um dos alvos prioritários para o fortalecimento do terceiro setor. A profissionalização é o discurso corrente: formar líderes, capacitar em administração e profissionalizar a direção das entidades (FALCONER, 1999, p.9).

Ao se observar as regras a que as organizações do terceiro setor estão submetidas para fins de financiamento e outras participações nos territórios onde atuam, percebe-se que há uma cobrança pela demonstração de uma eficiência em gestão, entendendo-se por isso, o planejamento, a captação e o gerenciamento de recursos e equipes, bem como a eficácia de suas ações, de forma visível e com credibilidade perante o público atendido.

Mendonça (2004b, p.14) conclui um de seus textos sobre o terceiro setor apostando nessa direção. Afirma que a contribuição ao terceiro setor que se faz de forma mais premente e necessária na atualidade passa pela atenção que se deve dar aos processos de qualificação dos profissionais dessa área. Contudo, lembra que as habilidades técnicas e de gestão não podem, nunca, ser desatreladas dos compromissos ideológicos firmados pelos sujeitos sociais nela envolvidos.

Merece aqui ser lembrado o fato de que o ser dirigente de uma entidade do terceiro setor não configura uma profissão, mas exige profissionalismo.

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Não há, no mundo jurídico, regulamentação específica para profissionais que atuam no terceiro setor, aqui incluídos seus dirigentes. Não há uma designação específica para esses profissionais. O que se conseguiu avançar até o presente momento é na construção de um perfil desses profissionais, já mapeado por algumas pesquisas.

Segundo dados da pesquisa de gestão e capacitação organizacional do terceiro setor, realizada em novembro de 2012 pela SITAWI- Finanças do Bem4 , com apoio da IBM, quase a metade dos profissionais desse setor atuam na área de assistência social (24%) e educação (23%) e a maioria é contratada via CLT (44%).

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, que publicaram um estudo sobre as Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos no Brasil - Fasfil, relativo ao ano de 2010, vale ressaltar a predominância das mulheres no setor sem fins lucrativos: elas representam 62,9% do pessoal ocupado assalariado. No que tange a escolaridade desses profissionais, as informações apontam que em torno de 33% dos assalariados pesquisados possuem nível superior. É interessante observar que essa proporção é relativamente a mesma em todas as grandes regiões do país, variando de 30,7% no Norte a 34,2% no Sul. (IBGE, 2010)

Apesar de esse número ser um avanço para a área social, a profissionalização dessas pessoas ainda é um desafio frente às novas questões postas pelo mundo atual, como o redesenho dos ambientes externos e internos dessas organizações, que passam a ter novas demandas e passam a ser vistas sob outra ótica. Neste sentido, Costa (2002, p. 54) considera que:

Um dos fatores determinantes dessa qualificação é que o profissional trabalhe nessa área não apenas pela necessidade de uma atividade remunerada, mas também por opção pessoal e profissional, pois atuar em instituições do denominado terceiro setor, atualmente, tem implicado em ser especialmente treinado para tal.

Essa profissionalização, segundo Campos (2002), pode, inclusive, vir a constituir um projeto da própria instituição, de forma que a formação do quadro profissional seja prioridade e primeiro passo para o sucesso e sustentabilidade institucional do terceiro setor.

Gestão social no terceiro setor

A gestão no terceiro setor, para além do que dizem os livros de Administração e as considerações ditas acima, precisa ser complementada com elementos de uma gestão muito própria a ele, a gestão social.

Por não ser um conceito fechado e estanque, mas em contínua construção, alguns autores vêm refletindo a respeito há alguns anos e trazem contribuições muito importantes à temática.

O primeiro deles vem de um também estudioso do terceiro setor, Tenório, que parte de inquietações com 4 “A SITAWI – que significa desenvolver e florescer em swahili, uma língua do leste da África – surgiu com o objetivo de viabilizar projetos de alto impacto social que encontravam dificuldade de financiamento no setor financeiro tradicional, trazendo o conceito de empréstimo social para o Brasil”. Disponível em: < http://sitawi.org.br/nossa-historia/>. Acesso em 2 nov. 2013. Disponível em: <http://sitawi.org.br/publicacoes/>. Acesso em 2 nov. 2013>

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relação às definições advindas da área da Administração em relação à gestão. Esse autor entende que a Administração, ciência positivista a estudar a gestão com mais especificidade, não consegue, de forma isolada, trabalhar alguns elementos que são típicos da questão social. Dessa forma, Tenório (2008, apud CANÇADO et al, 2013, p.114) acredita que a gestão social vem para, de forma dialógica, estabelecer um processo gerencial “em que a autoridade decisória é compartilhada entre os participantes da ação [...]. O adjetivo social qualificando o substantivo gestão será entendido como o espaço privilegiado de relações sociais no qual todos têm o direito à fala, sem nenhum tipo de coação.”

Polissêmico e interdisciplinar, o conceito de gestão social tem sua história iniciada, segundo Tenório (2011), em referência ao texto de Rovida (1985), a partir das experiências autogestionárias na guerra civil espanhola: a gestão social aqui foi vista como uma democracia proletária de caráter local. Já em 1992, a partir de um seminário na Bolívia, a gestão social passa a ser relacionada com política pública e terceiro setor e, em 1994, por meio de um refinamento que segue até os dias de hoje, a gestão social passa a ser vista como gestão de políticas públicas sociais. Em 1998, passa-se a ter o primeiro texto nacional sobre gestão social; naquela época, em conformidade com o pensamento atual, mais associado com a gestão de políticas sociais, de organizações do terceiro setor, de combate à pobreza e até as de escopo ambiental.

Em produção de 2005, Maia (2005) conceitua gestão social como um “conjunto de processos sociais com potencial viabilizador de desenvolvimento social emancipatório e transformador”

Neste sentido, também, Cançado, Tenório e Pereira (2011) consideram que:

[...] a gestão social pode ser apresentada como a tomada de decisão coletiva, sem coerção, baseada na inteligibilidade da linguagem, na dialogicidade e no entendimento esclarecido como processo, na transparência como pressuposto e na emancipação enquanto fim último.

A partir de alguns elementos que serão vistos a seguir, como condicionantes (características) para a realização da gestão social, Fischer (2002, p.29) nomeia este tipo de gestão como “gestão do desenvolvimento social”.

Tomada de decisão coletiva, participação, inclusão social, dialogicidade e emancipação, esses são os elementos principais que devem estar contidos em toda e qualquer discussão sobre gestão social. São elementos comuns a todos os conceitos trazidos até agora, conforme se viu acima, e que têm implicações para a formação de dirigentes comunitários de entidades do terceiro setor.

No que se refere à tomada de decisão coletiva, tem-se que, entendendo a gestão social como um processo de desenvolvimento social, e haja vista que o Brasil é considerado um país democrático, uma das condições primordiais para o seu desenvolvimento é a promoção de decisões coletivas, daí essa característica ser fundamental ao conceito de gestão social.

A dialogicidade é um elemento constitutivo da tomada de decisão coletiva, na medida em que qualifica esse processo de forma argumentativa e com base no entendimento. Na decisão coletiva, a coerção é estranha ao processo.

Para que a decisão seja mesmo coletiva, ela deve ser livre de coerção

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(TENÓRIO, 2008b) e todos devem ter a liberdade de manifestar o que pensam dialogicamente (FREIRE, 1987; 1996; 2001). Além disso, a tomada de decisão é baseada no entendimento, na argumentação e não na negociação no sentido utilitário do termo. Essa primeira característica (entendimento), justamente por estar baseada em Tenório (2008a; 2008b) aproxima-se da ação comunicativa habermasiana. Essas condições são interdependentes, pois, se a decisão é coletiva efetivamente, a coerção é estranha ao processo e o entendimento (e não a negociação) deve ser seu caminho. Emerge aqui a dialogicidade como uma outra característica da Gestão Social (CANÇADO; PEREIRA; TENÓRIO, 2013, p. 131).

A participação é outra característica fundamental à gestão social. Tendo em vista o necessário processo de tomada de decisão coletiva, esse processo só se efetiva a partir da participação, não somente simbólica (presencial), mas interventora dos sujeitos sociais nela envolvidos.

A participação é um elemento básico da gestão social, pois como ação prática, somente se concretiza se houver a disponibilidade dos sujeitos envolvidos no processo, que devem acreditar e trabalhar para que uma nova e aperfeiçoada prática social seja construída diariamente.

A emancipação, processo de conquista da independência pessoal ou coletiva concretizada por meio de uma participação efetiva, é o objetivo e resultado da gestão social e a inclusão social, sua consequência. Nesse sentido, “O homem se emancipa quando se percebe enquanto indivíduo, com suas potencialidades individuais (forces propes) como motor das forças sociais, por fim, quando se percebe como ser político.” (CANÇADO; PEREIRA; TENÓRIO, 2013, p. 131). É esse ser político que luta e promove a inclusão social.

Importância do projeto político-pedagógico na formação de dirigentes comunitários

Considerando a educação como uma ação de sentido abrangente e contínuo, a formação é um conceito que dela se aproxima por pensar aspectos que pressupõem processos educativos desenvolvidos em diferentes espaços sociais, não apenas escolares. A formação prepara o sujeito em sua integralidade para estar em diferentes contextos que lhe é necessário participar. Permite pensar, para além dos conhecimentos, os comportamentos considerados necessários para o exercício de determinada função, ocupação ou profissão.

Se no contexto escolar a construção de um projeto político pedagógico é fundamental, na medida em que ajuda os diferentes sujeitos que atuam na instituição a visualizar o planejamento que deve ser seguido, na intenção de uma prática pedagógica consistente e coesa, essa importância num contexto de formação do terceiro setor se justifica principalmente pelo seu formato de planejamento sistematizado participativo, no qual o envolvimento das pessoas, alvos desse processo de aprendizagem, é essencial ao processo.

Na construção de um projeto político pedagógico para a formação do terceiro setor há duas categorias de sujeitos envolvidos e duas instituições marcadamente diferentes, mas igualmente importantes. Apesar de trabalharem coletivamente, há uma significativa distinção entre os formadores e os alunos (o lugar da enunciação de cada um deles é diferente); mas é impossível pensar na viabilidade dessa formação se não houver uma implicação por parte dos alunos, diferente da que é exigida pelo contexto de educação escolar. Dentre as finalidades do projeto político pedagógico enunciadas por Faria (2007) e por Vasconcellos (2007), que muito se assemelham ao contexto de que se está discorrendo, vale marcar a possibilidade de ressignificação do trabalho e criação de um referencial de parceria na caminhada, entendendo o projeto político pedagógico, também, como instrumento de transformação da realidade.

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Além das convergências encontradas nas discussões feitas pelas literaturas que tratam desses temas, é importante trazer contribuições de pesquisa realizada no âmbito da dissertação de mestrado de uma das coautoras desse artigo.

Com início no mês de junho de 2014, contando com a participação de seis pesquisadores, e por meio da técnica Delphi, a pesquisa de caráter descritivo buscou conhecer a percepção de especialistas, que atuam em instituições que promovem formações para o terceiro setor sobre os elementos que projetos político-pedagógicos precisam conter de forma a planejar e organizar adequadamente a formação que responda às necessidades da atuação na direção das organizações desse setor.

No emprego dessa técnica, o pesquisador identifica pessoas especialistas em um determinado tema, que podem estar regionalmente distantes, e convida uma a uma à colaboração na busca de respostas sobre questões que ele precisa resolver. As pessoas convidadas não são informadas umas sobre as outras e nem trocam correspondência entre si durante a consulta. Por outro lado, é assegurado o anonimato a todas. A consulta é feita pari passu, preservando igualdade de condições, de modo que todos os participantes sejam tratados da mesma maneira. As questões não são apresentadas de uma vez, mas gradativamente e por processo de construção a partir das respostas que os participantes deram anteriormente. Portanto, trata-se de um questionário construído progressivamente e administrado a distância. As respostas a cada pergunta passam por processo de tratamento e consolidação. Os resultados são socializados e deles emerge a nova pergunta. Os participantes respondem a nova pergunta tendo conhecimento da consolidação das respostas dadas pelo coletivo à questão anterior. São feitas, assim, diversas rodadas até que o pesquisador chegue à conclusão de que já possui os elementos que busca para responder suas dúvidas e elaborar suas conclusões.

Na pesquisa em tela, a consulta realizada contou com a participação de seis especialistas previamente selecionados, e escolhidos segundo os critérios de (i) experiência em processos de formação para atuação no terceiro setor e (ii) atuação na coordenação destes processos formativos, para além de dar aulas.

Ao todo, foram cinco rodadas de perguntas com respectivos retornos, prevendo-se um prazo de uma semana entre uma e outra. A comunicação com os consultados foi realizada única e exclusivamente por meio de correio eletrônico. Os respondentes tiveram o prazo de resposta de cinco dias, respeitando, dessa forma, uma disponibilidade razoável para reflexão, sem comprometer o cronograma da pesquisa.

Para análise dos dados foi utilizada a técnica da análise do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), desenvolvida na década de 90, tendo por precursores Lefrève e Lefrève, que consiste na construção de um discurso síntese a partir de fragmentos de discursos individuais que têm sentidos similares.

Foi resultado da pesquisa a unanimidade entre os entrevistados em afirmar que a capacitação de dirigentes comunitários de entidades do terceiro setor deve ser precedida pela elaboração de um projeto político pedagógico porque esse instrumento orienta e sistematiza essa atividade ao contribuir com seu planejamento.

Ao promover o diálogo e o alinhamento das diretrizes da capacitação às propostas de trabalho da organização, os entrevistados afirmaram que o projeto político pedagógico torna mais claro os objetivos, metodologias e meios a serem empregados na capacitação, bem como os conteúdos e abordagens que considerem as especificidades das instituições e a realidade em que essas atuam.

Além de ser um elemento organizador do processo de capacitação, consideraram que o projeto político pedagógico incentiva a mobilização e o desenvolvimento de uma cultura de constante reflexão e discussão pelas instituições sobre seu trabalho, o que tende a aportar soluções para questões urgentes que emergem do seu trabalho, contribuindo, assim, para a identificação de conteúdos que precisam ser aprimorados visando ao aperfeiçoamento da intervenção dessas instituições no meio social em que estão inseridas.

Visto dessa forma, pode-se afirmar que o projeto político pedagógico pode ser um importante aliado na construção de bases para a formação de dirigentes comunitários de instituições do terceiro setor. A pesquisa realizada trouxe importantes contribuições sobre aspectos a serem considerados na elaboração, acompanhamento, monitoramento e avaliação de projetos político pedagógicos destinados à gestão social da

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formação de dirigentes de entidades do terceiro setor.

Considerações finais

Este artigo foi motivado pela necessidade de pensar no projeto político pedagógico como uma instância de prática social fundamental ao aperfeiçoamento da formação de dirigentes comunitários encarregados da gestão de entidades do terceiro setor. Nesse sentido, foi guiado pela avaliação de que é de fundamental importância promover a formação de perfis de gestores correspondentes às necessidades do desenvolvimento local das comunidades em que atuam; dirigentes comprometidos com a prática da gestão social.

Buscou-se nesse estudo dialogar com o campo teórico da gestão social da educação e discutir as possibilidades que projetos político pedagógicos apresentam de se revelarem como instâncias privilegiadas dessa gestão. Tomada de decisão coletiva, participação, inclusão social, dialogicidade e emancipação são os elementos principais que devem estar contidos em toda e qualquer discussão sobre gestão social e devem pautar a discussão referente ao processo de formulação e ao próprio projeto político pedagógico. Esse diálogo foi realizado com base em revisão bibliográfica e pesquisa empírica visando a subsidiar novos estudos sobre o tema, especialmente os de caráter empírico.

Concluiu-se que o recurso do projeto político pedagógico pode ser entendido como uma importante ferramenta de gestão social para atividades educacionais em geral, inclusive para o contexto da formação de dirigentes do terceiro setor, sendo que, nesse caso, é essencial considerar suas especificidades de educação não-formal.

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PROGRAMA PÃO ESCOLA, UMA AÇÃO ESTRATÉGICA DE GESTÃO SOCIAL INTERSETORIAL DA PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE

Frederico Divino Dias1

Frederico de Carvalho Figueiredo2

Resumo

Tendo em vista a importância dos cursos de qualificação de mão de obra na sociedade atual, este artigo ana-lisa o Programa Pão Escola, da Prefeitura de Belo Horizonte, que oferece cursos de qualificação na área de alimentação. Tendo como cerne central a gestão social e a intersetorialidade, este estudo objetiva apresentar conceitos e fazer posterior associação dos mesmos com a proposta do programa em questão. São explicitados por meio de gráficos, análise da portaria municipal e revisão bibliográfica os dados e conceitos pertinentes para associá-los e avaliar o programa no que se refere à sua ação enquanto gestão social. Observa-se, por fim, que a proposta da Prefeitura de BH não atende plenamente aos conceitos apresentados e não deve apresentar-se como uma proposta de gestão social deste órgão público. Deixa-se, ainda, a proposta de posteriores estudos no mesmo campo, para a realização de novas pesquisas de avaliação da adequação do programa.

Palavras-chave: Gestão Social, Intersetorialidade, Pão Escola, Prefeitura de Belo Horizonte.

Introdução

Discutidos em várias áreas e por vários estudiosos da atualidade, os ideais de gestão e interação tomam espaço cada vez maior e mais importante nos meios acadêmicos. As integrações efetivas disciplinares, setoriais e cul-turais com uma viva troca de experiências, destacam-se como propostas positivas frente às novas respostas exigidas pela sociedade nos mais diversos problemas emergentes. Os diversos olhares sobre o social vêm to-mando importância em um escala de expressivo crescimento. Empresas, grupos sociais, ONG’s, poder público, entre outros segmentos da sociedade buscam apontar para um futuro no qual todas as pessoas terão melhor qualidade de vida e outros benefícios. Parte fundamental para isso, a gestão social vem ganhando grande destaque em diversas pesquisas, estudos e discursos (MAIA, 2005; BOULLOSA; SCHOMMER, 2008; RIZOT-TI; NISHIMURA, 2006, por exemplo).

Busca-se cada vez mais, por parte dos membros da sociedade, novas alternativas, propostas e oportunidades para a melhora das condições de vida (em todos os aspectos) dos cidadãos deste país. Políticas públicas, ações privadas e movimentos da

sociedade civil buscam ofertar melhores meios de formação, de trabalho e de lazer para a melhora da qualidade de vida das comunidades dos grandes centros urbanos e da população como um todo. Segundo Comerlatto et. al. (2007), faz-se necessário, para isso, a entrada de diversos e novos atores para o gerenciamento dos serviços públicos com a partilha de funções através de uma re-significação das relações de poder. A efetividade destes ideais dar-se-á através de novas políticas intersetoriais que garantirão o acesso e a concretização dos direitos sociais da população com consequente melhora de vida e empoderamento.

Propostas apresentadas como: políticas públicas, ONG’s, cursos de qualificação e formação com o caráter de responsabilidade social de diversas empresas, são extremamente valorizadas e bem vistas como ferramentas de enfrentamento às questões sociais atuais (MAIA, 2005). Em resposta às necessidades emergentes, muito se

1 Gastrólogo; Especialista em Gestão Gastronômica e Educação Superior; Mestrando em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local (Centro Universitário UNA/MG). Professor no curso de Gastronomia da Faculdade Promove BH. E-mail: [email protected] Doutor em Gestão Urbana. Professor/pesquisador do Centro Universitário UNA/MG. E-mail: [email protected]

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ouve falar atualmente da Gestão Social que, segundo Gomes et. al. (2008) apud Cançado, Tenório e Pereira (2011), é vista como uma ação articulada de intervenção e transformação do campo social, dos problemas sociais; porém o que se pretende aqui é exatamente apresentar a visão turva que a sociedade, o mercado e o poder público têm, na maioria das vezes, em relação à esta modalidade de Gestão.

Este artigo faz uma análise do Programa Pão Escola da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PBH) que, por meio de cursos na área de alimentação, almeja a qualificação de alunos da Rede Municipal de Ensino (RME) para sua inserção no mercado de trabalho. O Programa é apresentado como ação de gestão social para a população belo-horizontina. Assim, esse estudo analisará a coerência da aplicabilidade deste conceito para o presente programa. Para esse fim, objetiva-se apresentar conceitos da gestão social e da intersetoriali-dade, associando-os com a proposta do programa e verificando sua efetividade. Inicia-se por uma revisão de literatura discutindo os conceitos citados, seguindo pela apresentação da proposta do programa em questão e por último uma avaliação, com base na bibliografia e dados encontrados, sobre a adequação da proposta do programa aos conceitos aqui discutidos.

O artigo tem, também, o propósito de impulsionar novas pesquisas na área de educação da alimentação e gastronomia e suas relações com a gestão social e o desenvolvimento local. Com o grande crescimento desta área atualmente, é importante que a comunidade científica entenda e discuta os programas existentes e ded-ique-se ao desenvolvimento de técnicas e tecnologias adequadas para a formação de novos profissionais e a estimulação de um desenvolvimento pautado nas mais diversas ciências.

Gestão Social

A nomenclatura “gestão social” vem cada dia mais tomando novos espaços, em diversos níveis, dentre eles: o acadêmico, o empresarial e também a sociedade. Diversos são os autores e eventos os quais discutem este tema, que desponta como área de pesquisa tão importante na sociedade atual, constituida por um “conjunto de processos sociais com potencial viabilizador do desenvolvimento societário emancipatório e transforma-dor” (MAIA, 2005, p, 15). Nos estudos de Cançado, Tenório e Pereira (2011), podemos ver várias linhas de pesquisa e abordagem sobre a gestão social e várias tentativas de elaborar um conceito básico para esta linha da gestão.

A noção elementar de gestão social, assimilada por autores como Boullosa e Schommer (2008) e Rizotti e Nishimura (2006), aponta para o caminho de uma nova configuração

das relações entre áreas da administração atual. Trata-se, pois, da constituição de um campo com novas ex-periências que propiciam as novas relações e interações de diferentes atores, cabendo mencionar o Estado, o mercado e a sociedade civil (BOULLOSA e SCHOMMER, 2008).

Para a facilitação do entendimento das práticas vistas atualmente, é de fundamental importância a definição de alguns conceitos básicos que ampliarão os horizontes das diversas áreas da gestão. No que compete ao Estado, apresenta-se fundamentalmente o conceito da gestão pública que, segundo Boullosa e Schommer (2008), é visto como a busca do bem comum que utiliza-se de parâmetros de racionalidade instrumental e técnica fundamentada na lógica racional-burocrática. Vê-se, ainda, que ela é influenciada por elementos do contexto sócio-político-cultural. Apresenta-se também, como fator de extrema importância, o conceito da esfera pública que, “seria o espaço de intermediação entre Estado, sociedade e mercado” (CANÇADO, TENÓRIO e PEREIRA, 2011, p 688). Essa delimitação apresenta-se com fundamental importância como espaço para a conversação e o entendimento entre as partes.

A esfera pública deve identificar, compreender, problematizar e propor as soluções dos problemas da sociedade, a ponto de serem assumidas como políticas públicas pelo contexto parlamentar e executadas pelo aparato administrativo de governo (TENÓRIO, 2008, p. 162).

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Aprofundando os estudos sobre a temática no Brasil, França Filho (2008) observa que o termo em questão tem conquistado uma visibilidade acadêmica e midiática muito grande, o que se torna um grande proble-ma, uma vez que o que não se trata de gestão tradicional “enquadra-se” na gestão social. Tal banalização, até mesmo por parte da literatura, dificulta a conceituação concreta do que deveria ser a prática efetiva da gestão social.

Tenório (2008) aponta uma conceituação que dialoga com os autores já apresentados. Para ele, esta vertente da gestão é vista como um processo dialógico, no qual a autoridade decisória é compartilhada entre os atores de qualquer sistema social. Afirma que o adjetivo social qualifica o substantivo gestão, ou seja, existirá um espaço de relações, no qual todos terão direito à fala sem nenhum tipo de coação.

Outra vertente conceitual, apresentada por Fischer (2002, apud MAIA, 2005), indica o campo da gestão social como um campo de desenvolvimento social. Maia argumenta que este será um “processo social, a partir de múltiplas origens e interesses. Mediados por relações de poder, de conflito e de aprendizagem” (MAIA, 2005, p, 10). A gestão social será definida como orientada para o social (enquanto finalidade) e pelo social (enquan-to processo), norteada pela ética e responsabilidade.

Nos estudos de Singer (1999) vê-se claramente que o autor propõe uma intervenção nas mais variadas áreas da vida social para atender às necessidades da população. Ele argumenta que a prática da gestão dar-se-á através de políticas e práticas sociais articuladas através de organizações populares, governos, universidades entre outros órgãos.

Na mesma lógica de Singer, vemos que Comerlatto et. al. (2007) indica, de acordo com a Carta de Ottawa3, alguns pré-requisitos para a garantia de recursos e condições básicas para a qualidade de vida de uma popu-lação. Os autores apontam a necessidade da “paz, abrigo, educação, alimentação, recursos econômicos, ecos-sistema estável, recursos sustentáveis, justiça social e equidade” (COMERLATTO et. al, 2007, p. 266). Eles argumentam que para alcançar estes objetivos é necessário ir em busca de um sistema de saúde de qualidade e a oferta da capacitação para a população, meio pelo qual se garantirá a igualdade de oportunidades a todas as pessoas.

Os diversos autores aqui citados destacam que para a efetivação da proposta da gestão social enquanto fi-nalidade, o processo gestor deverá ser acompanhado pelo social, como diz Maia (2005). As pontuações dos mesmos vêm, no sentido da utilização das esferas públicas como canal para estes processos decisórios por meio dos conselhos gestores regionais. A gestão das políticas públicas, “ocorre através dos conselhos gestores, que estabelecem um canal aberto de comunicação e decisões entre a população e o poder público” (COMER-LATTO et. al, 2007, p. 266).

Para o cumprimento das ações propostas às administrações públicas com a finalidade da gestão social, serão necessárias ações concretas que envolvam diferentes áreas e setores de diversos sistemas sociais dos níveis locais e regionais, ou seja, será necessária a criação de ações intersetoriais para a resposta positiva aos anseios apresentados na esfera pública.

Intersetorialidade: redes e conjuntos da vida moderna

Tratando-se das mais diversas áreas, atualmente vê-se claramente a divisão de toda e qualquer ciência em disciplinas, fragmentando-se, assim, o conhecimento, o que gera clausuras epistemológicas. Tais divisões, segundo o pensamento complexo, devem ser superadas para que todos possam ter uma noção da diversidade. De acordo com Inojosa (2001), Edgar Morin, em seus estudos, analisando as questões transdisciplinares no meio acadêmico, apresenta a necessidade da quebra destas clausuras disciplinares e setoriais com o objetivo de criar conhecimentos articulados. Ele nos reforça a ideia de que a vida é tecida em conjunto; não é possível separá-la.

Morin (1999) faz crítica ao pensamento “inter”, à medida que ele apenas confere noção de proximidade sem

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gerar novas articulações entre as disciplinas ou setores. Ele exemplifica a ideia da formação de equipe multi-profissional, na qual o objetivo era a solução de problemas através de vários saberes profissionais, porém, na prática, tais corporações fechadas, resumiram-se a encontros com um mesmo objetivo, mas sem um diálogo devido às suas clausuras.

Em vários autores, dentre os quais destacam-se Inojosa (2001) e Comerlatto et. al. (2007), vê-se a ideia central de que a estrutura governamental, que deveria ter como princípio a participação integrada, a interligação, a formação de redes, é, em sua maioria, competitiva. Eles afirmam ainda que a competitividade é algo evidente quando trata-se, por exemplo, da divisão do orçamento financeiro, pelo qual as entidades irão

brigar pelas verbas provenientes do município, estado ou federação. Trata-se de uma lógica oposta às neces-sidades da sociedade, pois as pessoas “precisam, integradamente, de condições de desenvolvimento social, de condições ambientais e de infraestrutura.” (INOJOSA, 2001, p. 104, grifo nosso).

Comerlatto et. al. (2007) percebe a necessidade do redimensionamente do processo de formular e operacion-alizar estratégias e ações públicas. A necessidade da implantação de modelos mais flexíveis e participativos, nos quais ocorra relações partilhadas entre Estado e sociedade, é cada vez mais emergente. A sociedade atual necessita de uma nova ordem governamental na qual as esferas organizacionais e os sujeitos, através de novas estratégias, ações e relações, criem redes de comunicação e ação para o trabalho intersetorial. Trata-se, por-tanto, da “articulação de saberes e experiências com vistas ao planejamento, para a realização e a avaliação de políticas, programas e projetos, com o objetivo de alcançar resultados sinérgicos em situações complexas.” (INOJOSA, 2001, p. 105)

Através dos apontamentos anteriores, e conforme Kiss, Schraiber, & d’Oliveira (2007), pode-se conceituar intersetorialidade como a associação de ações com objetivos comuns, de diversas instituições (sejam elas estatais, particulares, etc) e a relação entre seus agentes, por meio de canais definidos de comunicação. De-fine-se, portanto, esta estrutura na qual convivem os diversos atores, suas ideias, discursos culturais, mapas cognitivos e relações convergentes, para a integração dos sujeitos, como uma rede intersetorial de ação.

Visto que a intersetorialidade necessita da criação e articulação efetiva de uma rede, Junqueira (1999, apud COMERLATTO et. al. 2007) nos reafirma a importância desta associação. Ele aponta que através dela serão descobertos novos caminhos para a ação de intervenção na realidade social. Os diversos saberes e experiên-cias, articulados através deste conjunto de relações, atuarão eficazmente cumprindo o objetivo estabelecido pela proposta inicial da ação.

Inojosa (2001) afirma ainda que em muitos projetos vê-se a proposta intersetorial como a associação de entidades que estabelecem diálogo apenas nos momentos de formulação e avaliação, o que não pode ser considerado como uma ação integrada de criação de rede. Fala-se de uma perspectiva muita mais ampla, há a necessidade da associação com a troca recíproca entre os atores. Ela nos aponta dois aspectos fundamentais para a formulação, realização e avaliação de tais projetos e/ou políticas e programas: o foco em determinado segmento da população; e a preocupação com os resultados e impactos.

Entende-se, finalmente, que a proposta intersetorial envolve diversos saberes, conhecimentos, estruturas de linguagens, pensamentos ora convergentes, ora divergentes, e comunicação dentro da rede e outras práticas dos atores. É um processo novo de planejar, implantar, acompanhar e avaliar ações, que integradas, verdadei-ramente associadas, cobrará dos sujeitos e instituições um reordenamento de posturas e manifestações. (CO-MERLATTO et. al., 2007). Trata-se, portanto, de um olhar e de um fazer intersetoriais que, traçados pelas necessidades integradas da população, impulsionará novos diálogos e mudanças futuras. (INOJOSA, 2001).

Programa Pão Escola: qualificação e capacitação no universo gastronômico

Jovens na faixa etária de 15 a 24 anos, principalmente das camadas mais populares, são os menos atendidos, tanto no mundo escolar quanto no profissional. A partir de fragilidades dos sistemas educacionais e falta de

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apoio e redes de proteção, existe uma grande parte da população nesta faixa, em estado de vulnerabilidade so-cial. A dificuldade de inserirem-se no mercado de trabalho, o primeiro emprego, o restrito acesso à educação e a inadequada qualificação profissional, são algumas das dificuldades que encontram pelo caminho. Visto isso, é clara a necessidade da criação de políticas públicas que supram tal necessidade dos jovens e futuros tra-balhadores, por meio de programas de qualificação, participação social, além de políticas de proteção social. (BARBOSA & DELUIZ, 2008).

Atualmente, são ofertados muitos cursos de qualificação no mercado de ensino. Dentre os diversos campos existentes destacam-se os treinamentos na área da cozinha, em vários campos de atuação. Alguns destes cur-sos são ofertados na modalidade de qualificação e capacitação na área de alimentação, os quais projetarão mais facilmente as pessoas para o mercado de trabalho. Envolvido neste campo, está o Programa Pão Escola (PPE), programa de governo da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PBH), que “visa à qualificação na área de alimento para estudantes da Rede Municipal de Ensino.” (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2011). Este programa oferece cursos de qualificação na área de alimentos para jovens e adultos que estejam regularmente matriculados nas modalidades de ensino da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e Floração4. Dentro destas duas modalidades encontram-se jovens entre 16-19 anos, através do programa Floração, e adultos das mais diversas idades provenientes do EJA.

Conforme os gráficos abaixo, é visível a grande participação de um público mais jovem. Cerca de 57% dos alunos encontram-se na faixa de 16-30 anos de idade (gráfico 1). Nota-se, ainda, que, por tratar-se de um curso aberto a todos os alunos da Rede Municipal de Ensino (RME), eles são frequentados por alunos provenientes das mais diversas regionais do município de Belo Horizonte (gráfico 2).

Gráfico 1 - Número de alunos por faixa Etária

224

118

52

0

50

100

150

200

250

16 a 30 31 a 45 46 ou mais

Fonte: PBH (2013)

Gráfico 2 - Programa Pão Escola, concluinte por regional

38 4614 8 21

80100

4514

0

50

100

150

ALUNOS

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Fonte: PBH (2013)

O presente programa é normatizado pela Portaria Conjunta SMED/SMASAN/SMATE nº 001/2011, reza a associação de três secretarias para o desenvolvimento efetivo do programa, sendo elas: Sec-retaria Municipal de Educação (SMED), Secretaria Municipal Adjunta de Segurança Alimen-tar e Nutricional (SMASAN) e a Secretaria Municipal Adjunta de Trabalho e Emprego (SMATE).

Tendo como objetivo central a formação da mão-de-obra destes jovens para a sua inserção no mercado de trabalho, o PPE oferta cursos como: “Auxiliar de Panificação, Auxiliar de Confeitaria, Confeitaria Caseira, Auxiliar de Cozinha, Salgados e Pizzas e Processamento Artesanal de Frutas.” (PREFEITURA MUNICI-PAL DE BELO HORIZONTE, 2015). Esses cursos qualificam os alunos e impulsionam sua entrada no mer-cado, uma vez que muitos dos concluintes são indicados para vagas de emprego em empresas parceiras.

Dentro do processo formativo, os alunos têm aulas práticas e teóricas sobre a área específica do curso, além de aulas de conteúdos curriculares da educação básica como, por exemplo, matemática, química, história e outras disciplinas, o que pode ser visto como atribuição da SMED na portaria que regulamenta o programa:

VII. elaborar, imprimir e distribuir a apostila complementar de matemática e de outras áreas do conhecimento que se fizerem necessárias, a fim de que os saberes e conteúdos das disciplinas curriculares da Educação Básica estejam integrados aos conteúdos específicos dos cursos de qualificação (PORTARIA CONJUNTA SMED/SMASAN/SMATE nº001/2011, 2011, p. 1).

Tal projeto surgiu em 2001 e segue até os dias de hoje ofertando os mesmos cursos para a qualificação dos jovens e adultos. Os alunos recebem vale-transporte, todo o material didático do curso, lanche todos os dias e a possibilidade de indicação de seus nomes para vagas de emprego na área do curso. Este projeto conta com a parceria de algumas empresas do setor privado e, em alguns casos, já insere o jovem no mer-cado logo após a conclusão dos cursos no Mercado Popular da Lagoinha (local de realização dos cursos).

Análise do Programa Pão Escola no contexto da Gestão Social e Intersetorialidade

Através dos apontamentos levantados até o momento, a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte cri-ou um programa para qualificar a mão de obra de determinado grupo da sociedade e facilitar a inserção do mesmo no mercado de trabalho. Tal programa conta com uma estrutura normatizada através de uma portaria municipal que tem como objetivo deixar claras as atribuições de cada secretaria envolvida.

Segundo os conceitos de Maia (2005), a gestão das políticas públicas deve ser dirigida em conjun-to através das esferas públicas, usualmente representadas pelos conselhos gestores das autoridades lo-cais, para a efetivação da gestão social enquanto processo e finalidade. Como visto acima, o Pão Esco-la é apresentado como um Programa ofertado pelo município aos jovens da RME sem uma possível participação da sociedade no processo decisório das propostas e programa dos cursos. Vê-se clara-mente que se trata de uma decisão imposta pelo poder público para a aceitação e participação da so-ciedade. Como dito ainda pela própria autora, tais políticas ofertadas deverão se embasar em pro-cessos sociais para potencializar o desenvolvimento emancipatório e transformador da sociedade.

A proposta explicitada de Singer (1999) acerca do atendimento das necessidades da sociedade e a oferta de capacitação à população dita por Comerlatto et. al. (2007) vêm ao encontro da proposta do programa. Os autores expõem e argumentam a real importância da apresentação dos cursos de capacitação (nas mais diversas áreas) para toda a sociedade enquanto meio de qualificação para empoderamento e participação ativa de sua própria vida social. Porém, ainda em suas obras, eles ressaltam a importância da participação ativa da sociedade no processo decisório de tais ferramentas de capacitação ofertadas pelo poder público.

O ideal proposto por Boullosa e Schommer (2008) da interação entre o Poder Público, Sociedade e Mercado

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para apresentar-se como gestão social, vai em direção oposta ao visto na fundamentação do programa. Através da portaria municipal e fontes secundárias apresentadas, o arcabouço do Pão Escola tem a participação de apenas um segmento dos três apontados por Boullosa e Schommer, sendo o Poder Público Municipal, o prop-ositor, o idealizador e executor dos cursos. Pelo material estudado até o momento pode-se afirmar que não é encontrada a participação da sociedade e nem do mercado; porém a invisibilidade do mercado é total na es-sência do programa? Como a PBH pode delimitar esta área tão restrita para a oferta dos cursos de qualificação neste programa? Questionamentos válidos, porém, não tão pertinentes por hora, devem ser analisados fu-turamente. As influências diretas e até mesmo as determinações do mercado perante o programa em questão.

A ação intersetorial conceituada apresenta-se como um fazer em conjunto, um trabalho em parceria, que, através da interação recíproca, preocupa-se essencialmente com dois pontos: - o foco em determinado segmen-to da população; e - a preocupação com os resultados e impactos, como dito por Inojosa (2001). O programa estudado foca em determinado grupo da sociedade belorizontina (alunos matriculados na RME na modali-dade EJA e Floração) visando a sua qualificação e inserção no mercado. Trata-se, ainda, da associação de três órgãos municipais (SMED, SMASAN e SMATE), que segundo a Portaria conjunta SMED/SMASAN/SMATE nº001/2011 (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2011), devem formar e qualificar tal grupoespecífico. Em se tratando da preocupação com os resultados e os impactos gerados nos alunos, é necessária a realização de outros estudos para a avaliação da existência de ferramentas de avaliação e acompanhamento dos alunos formados.

A relação intersetorial aqui evidenciada trata apenas do trabalho interno deste órgão público, a conversação recíproca, sem coação e livre de pressões, como dita por Cançado, Tenório e Pereira (2011), não é evidenciada em nenhum momento dos dados analisados.

Conclusão

Citadas todas as conceituações pertinentes para o determinado trabalho, utilizando as mais diversas biblio-grafias e informações sobre o programa, objeto de estudo, entende-se que a PBH apresentou uma proposta que engloba (ou ao menos apresenta-se com) alguns dos temas que, de acordo com Cançado, Tenório e Perei-ra (2011), têm atraído tanta atenção atualmente da academia científica: a gestão social e a intersetorialidade.

As ações aqui apresentadas visam a qualificação dos alunos para a inserção no mercado de trabalho, e posterior empoderamento social, através de uma política intersetorial, com uma formação na área de al-imentação com um viés interdisciplinar e intercultural. A proposta analisada toma como forma de apre-sentação a gestão social por referencial. A PBH apresenta à sociedade os cursos do Programa Pão Esco-la como uma ação de desenvolvimento social, dando um viés de gestão social para os alunos da RME.

Através dos autores aqui estudados, é possível concluir que o programa em questão intitula-se e apresenta-se como um mecanismo de gestão social porém na realidade não segue os princípios discutidos e não pode ser visto com essa nomenclatura. Poderá tratar-se, o Pão Escola, de uma outra forma de gestão a ser estudada posterior-mente. Como visto na bibliografia, para a existência de uma real gestão social será de fundamental importância, por meio da conversação livre de três pilares da atualidade: a Sociedade, o Mercado e o Estado, as verdadeiras ne-cessidades da população e do mercado serem explanadas e, a partir disso, deverão surgir as políticas públicas para sanar tais necessidades e problemas, sendo que este debate não é visto nos referenciais encontrados do programa.

Devido à metodologia utilizada neste trabalho, a análise exclusiva de documentos e artigos científicos, o presente estudo teve como limitação a ausência de dados provenientes de pesquisa de campo, e os doc-umentos e arquivos do Programa tornaram-se, também, empecílio e fator dificultador para o desen-volvimento deste artigo, uma vez que são poucos os dados disponíveis oficialmente sobre o programa.

A seu modo, este órgão público municipal traz consigo uma proposta desde o ano 2001 que, com base na teoria apresentada, não se enquadra no conceito de gestão social enquanto participação de diversos atores em uma esfera pública e adequa-se parcialmente ao conceito de interação discutido pelo presente trabalho por meio da

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associação entre as três secretarias apresentadas. É válido lembrar que para a conclusão efetiva acerca da imple-mentação e funcionalidade concreta de tal programa em todas as áreas aqui discutidas, caberá um novo estudo com mais argumentações teóricas e uma pesquisa de campo para atestar a teoria na qual baseia-se este trabalho.

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Israel Quirino1

Wania Maria de Araujo2

Resumo

O presente artigo consiste em um relato da pesquisa realizada junto do Núcleo de Prática Jurídica da Univer-sidade Federal de Ouro Preto, com o propósito de identificar as práticas de atendimento jurídico e o modo de agir dos futuros profissionais do Direito diante das demandas jurídicas que são apresentadas aos graduandos em ambiente real de atividade acadêmico-profissional. O objetivo da referida pesquisa visou a identificar a possibilidade de utilização dos meios alternativos de solução de conflitos. Trata-se de uma pesquisa qualitativa que adotou como procedimento metodológico de coleta de dados a análise bibliográfica e documental associa-da à observação participante a aplicação de questionários.

Palavras-chave: Ensino jurídico. Prática jurídica. Judicialização. Justiça alternativa

Introdução

A pesquisa aqui relatada teve como foco analisar a atividade desenvolvida pelo Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Federal de Ouro Preto na promoção do acesso à justiça, valendo-se dos instrumentos legais de desjudicialização e pacificação social. A questão que se objetivava responder é de que forma o Núcleo de Prática Jurídica do Curso de Direito da Universidade Federal de Ouro Preto utiliza dos meios alternativos de solução de conflitos no exercício de suas funções de formação profissional e de promoção do acesso à Justiça.

Estabeleceu-se como objetivo principal analisar a atuação cotidiana dos graduandos e profissionais que atuam no Núcleo de Prática Jurídica e no Centro de Mediação e Cidadania da Universidade Fede-ral de Ouro Preto de maneira a identificar o uso dos meios alternativos de solução de conflitos, tendo em vista o desenvolvimento de intervenção na área de educação com características de inovação social e potencializadora do desenvolvimento local.

1 Mestre em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local pelo Centro Universitário UNA.2 Professora do PPG em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA.

O P A P E L D O N Ú C L E O D E P R Á T I C A J U R Í D I C A D A U N I V E R S I D A D E F E D E R A L D E O U R O P R E T O N A C O N S T R U Ç Ã O D E U M N O V O P A R A D I G M A D E A C E S S O À J U S T I Ç A

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A deficiência na qualidade da prestação jurisdicional no Brasil é consequência da superação do modelo de administração formal da justiça e do acúmulo de demandas que passam, obrigatoriamente, pela análise do Poder Judiciário. Este cenário aponta para a incapacidade do Estado em pacificar a sociedade e promover a realização da cidadania, pela efetivação plena de direitos.

Um novo modelo de gestão da administração da justiça requer profissionais capacitados a manusear os instrumentos da ordem legal instituída, mas que consiga promover a pacificação social operacionalizando meios alternativos de solução de conflitos com protagonismo das pessoas, em detrimento do formalismo do Estado.

Esse novo paradigma que está sendo construído não despreza ou subestima o domínio técnico do conteúdo jurídico positivado ou resultado da regulação estatal, mas prepara o egresso da escola jurídica para ser pro-pulsor das ferramentas de promoção do desenvolvimento humano e social da comunidade onde atua, pelo protagonismo social em defesa dos direitos. Torna-se possível afirmar que a reforma estrutural do Poder Ju-diciário deve começar pela escola, na construção de uma cidadania-ativa e formação de profissionais aptos a colocar o direito a serviço justiça.

Com o propósito de estudar a prática pedagógica que forma esse profissional do futuro, realizou-se uma pesquisa junto do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Federal de Ouro Preto, entre os meses de abril e maio de 2015, cujo objetivo foi entender de que forma aquela unidade de ensino jurídico poderia ser mais efetiva na sua missão tríplice de:

a) formar profissionais do Direito aptos à militância na justiça formal;

b) promover o acesso à justiça e

c) pacificar as partes em conflito, de maneira a criar um ambiente propício ao desenvolvimento local.

O projeto de pesquisa foi submetido à apreciação perante a Banca Examinadora do Programa de Mestra-do em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas daquela unidade, conforme Parecer 988.551 de 17 de março de 2015. Para os trabalhos de campo foram observados os aspectos éticos sobre a pesquisa envolvendo seres humanos de acordo com a Resolução CNS 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 2012).

Quanto aos procedimentos metodológicos, utilizou-se a análise documental associada à observação partici-pante e aplicação de questionários, por se entender que são técnicas de coleta de dados que se complemen-tam em relação ao objeto de pesquisa proposta.

O acesso às dependências do Núcleo de Prática Jurídica e ao Centro de Mediação e Cidadania da Univer-sidade Federal de Ouro Preto foi previamente autorizado pela Coordenação da unidade acadêmica, preser-vando o sigilo das informações relativas a interesses de terceiros, na forma disposta Lei Federal 8.906/94, Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (BRASIL, 1994).

Para a análise dos dados coletados durante a observação e obtidos pelos questionários apresentados, op-

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tou-se pela técnica de análise de conteúdo de Bardin (2011, p. 15) que a define como “um conjunto de ins-trumentos de cunho metodológico em constante aperfeiçoamento, que se aplicam a discursos (conteúdos e continentes) extremamente diversificados”.

Nesta perspectiva os dados coletados foram analisados de modo a possibilitar a compreensão da atividade pedagógica desenvolvida no Núcleo de Prática Jurídica, de modo a estabelecer uma compreensão dos dados coletados, confirmar ou não os pressupostos da pesquisa e/ou responder às questões formuladas, e ampliar o conhecimento sobre o assunto pesquisado, articulando-o ao contexto cultural do qual faz parte (TEIXEIRA, 2003).

O presente artigo se constitui de quatro tópicos, inicando a discussão em torno do Núcleo de Prática Jurídica a partir da descrição de suas atividades e das percepções dos graduandos sobre esta forma de aprendizado. Nos tópicos seguintes se apresentam a metodologia da pesquisa realizada nas dependências do Núcleo de Prática Jurídica da UFOP, e a análise dos resultados colhidos e, por fim, uma visão acerca dos procedimentos quanto à utilização dos métodos alternativos de solução de conflitos, em opção à judicialização das deman-das, adotados pelos estudantes que frequentam as atividades do Núcleo, enquanto prárica de cidadania ativa, empoderamento e gestão social na administração da justiça.

Núcleos de Prática Jurídica: formação além da sala de aula

Em sua concepção pedagógica, os Núcleos de Prática Jurídica (NPJ) são escritórios-modelo de exercício da advocacia, como parte da formação do graduando em Direito, diante de situações do exercício profissional, simuladas ou advindas de demandas da vida real, em apoio à Defensoria Pública.

Como atividade extensionista, o Núcleo de Prática Jurídica presta serviço à comunidade onde se insere já que se transforma em uma importante célula de prestação de assistência judiciária gratuita ao necessitado, contribuindo para melhoria do acesso ao Judiciário e à ordem jurídica justa.

Em sua função educativa, o Núcleo de Prática Jurídica é uma unidade de ensino que tem por propósito con-tribuir na formação de profissionais para atuar no mercado de trabalho e atender às demandas da economia.

No caso da formação do jurista, o exercício profissional só é possível após demonstração de domínio de conteúdo (concursos ou Exame de Ordem), o propósito primeiro da formação acadêmica tem-se voltado, naturalmente, para essa demanda. No mesmo horizonte se situa o exame nacional de desempenho (Enade), conduzindo o foco da prática acadêmica para o êxito nesses certames.

Apurou-se, pelos questionários aplicados aos graduandos, que a ampla maioria tem, no período acadêmico, a primeira fase de preparação para concursos públicos, enquanto reconhecem que o ensino jurídico preocu-pa-se mais com a justiça formal, em um enfoque direcionado às exigências desses certames. A ênfase nas práticas tradicionais da justiça nos cursos de Direito foi reconhecida também pelos professores.

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Contudo, a escola de Direito que se limita a qualificar o profissional para operar o sistema judicial formal e suas ferramentas anacrônicas positivadas na legislação atual contribui para a manutenção de um sistema perverso de perpetuação do litígio, em uma prestação jurisdicional insuficiente pela demora na resposta do Estado (FEITOZA, 2011).

Isso induz que, na formação do jurista, a exemplo da capacitação para o saber fazer (DELORS, 1999), há uma forte tendência ao tecnicismo, em prejuízo da prática humanística de formação da cidadania que pode-ria, em outra análise, propor as mudanças que o Judiciário necessita para ser mais eficiente. É um cenário que carece de mudança, de inovação.

Não se trata, pois, de entender o processo educacional apenas fora da escola, em atividades de extensão, nem mesmo entendê-lo exclusivamente dentro da escola em acúmulo de conteúdos, mas em conformidade com processos amplos de socialização, participação e comprometimento, ou seja, entender a educação como uma prática social de desenvolvimento (ARENDT, 1988, FREIRE, 2002; 2011; MOSÉ, 2013) que pode oferecer mais ao graduando e à sociedade do que conteúdos do saber científico (MORIN, 2011).

Segundo Machado (2009, p.98), “a lei e os tribunais, tradicionalmente, sempre foram tidos como mecanismo de manutenção da ordem, da estabilidade e do funcionamento de sistemas sociais, políticos, econômicos.” É, pois, um lugar para onde convergem os conflitos da sociedade, esperando merecer daí uma palavra que traduza o direito (juris dicção). Razão primeira de os cursos de Direito atentarem para o domínio, por parte do graduando, do sistema jurídico formal. Todavia, não se nega que haja outros caminhos de se encontrar a paz, de se evitar o confronto e conformar a Justiça.

Na prática, convivemos, pois, com a cruel constatação de que a educação se presta à formação para o tra-balho em primeiro plano e, apenas subsidiariamente, na formação da cidadania, no desenvolvimento de consciência voltada para o coletivo, a paz social e o desenvolvimento comunitário. Tal não é diferente na formação do operador do Direito, quando observamos o quão acentuada é a prática tecnicista de sua orien-tação acadêmica (MACHADO, 2009). Para Feitoza (2011, s/p),

O paradigma epistemológico do positivismo-normativista não é mais opção. Precisamos traçar um novo caminho para a educação jurídica que possibilite revolucionar a forma de en-xergar e ensinar o direito. Esse novo caminho deverá ser trilhado, invariavelmente, com pés firmes na realidade concreta do povo brasileiro, e acima disso, do povo latino-americano. O tempo de importar ideologias terminou. Precisamos construir a nossa própria educação jurídica, o nosso próprio direito.

Por esse prisma, salta aos olhos a necessidade de se promover uma revisão do processo de qualificação aca-dêmica do profissional do Direito que emerge de nossas instituições de ensino para que se possa dinamizar a administração da justiça, optando por caminhos de pacificação das relações sociais, sem desprezar o saber científico. O que se observa nos Núcleos de Prática Jurídica abertos a um novo paradigma de acesso à Justi-ça, e que se confirmou pela pesquisa realizada, é o aprendizado em atividade, o saber submetido às situações da vida real e um crescimento, tanto profissional quanto humano do graduando, não se limitando aos ditames do ordenamento formal.

Optando por uma justiça alternativa e menos beligerante, a técnica se alia às inovações da ciência jurídica,

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objetivando a pacificação social. O que se busca, então, é o encontro do equilíbrio entre as partes em conflito, privilegiando o entendimento em detrimento da submissão do caso à intervenção do Estado-juiz por meio da justiça formal.

Ampla maioria dos acadêmicos ouvidos na pesquisa concorda que a utilização dos métodos alternativos de solução de conflitos é uma ferramenta promotora da pacificação social, pois entrega ao cidadão o desfecho da contenda. Não obstante, externam a preocupação com o desconhecimento da prática pelos operadores do Direito e pela população assistida. Tal desconhecimento induz a uma resistência aos métodos alternativos e a ênfase na judicialização.

Entendendo que a busca de solução extrajudicial de conflitos é uma atitude que deve ser tomada pelas partes e pelo profissional que as orienta, o Núcleo de Prática Jurídica da UFOP reconhece que:

A mediação terá êxito mesmo no caso em que não há consenso ou acordo. Se os participan-tes tiveram compreendido melhor a situação um do outro pelo diálogo e tenham vislumbra-do alternativas de solução do problema e da capacidade de exercício da autonomia, já se pode dizer que a mediação teve sucesso, ao contribuir para a efetivação da cidadania e para a integração social (UFOP, 2015, s./p.).

Usa-se, doravante, o termo “desjudicialização” para expressar uma proposta de solução pacífica de litígios sociais que podem ser resolvidos entre as partes, assistidas por profissionais do Direito, por meio de métodos alternativos de solução de conflitos, sem a interferência do Judiciário nos padrões da justiça formal.

Educação, cidadania ativa e formação acadêmica

O artigo 207 da Constituição Brasileira de 1988 dispõe que “as universidades [...] obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. Sedimenta, pois, a atividade de formação superior em três funções básicas, que merecem igualdade em tratamento por parte das instituições de ensino superior, visando, na forma do artigo 205 da mesma Constituição, “ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988).

Conforme Moita; Andrade (2009, p. 269)

[...] se considerados apenas em relações duais, a articulação entre o ensino e a extensão aponta para uma formação que se preocupa com os problemas da sociedade contemporânea, mas carece da pesquisa, responsável pela produção do conhecimento científico. Por sua vez, se associados o ensino e a pesquisa, ganha-se terreno em frentes como a tecnologia, por exemplo, mas se incorre no risco de perder a compreensão ético-político-social conferida quando se pensa no destinatário final desse saber científico (a sociedade). Enfim, quando a (com frequência esquecida) articulação entre extensão e pesquisa exclui o ensino, perde-se a dimensão formativa que dá sentido à universidade.

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O ensino superior enfrenta uma contradição entre a função tradicional da universidade de formar conhe-cimentos exemplares nos âmbitos científicos e humanísticos e o instrumentalismo exigido pelos padrões culturais e econômicos vigentes, que priorizam a formação do homem para o trabalho (SANTOS; ALMEI-DA FILHO, 2008). Mais que isso, as escolas que formam profissionais de Direito têm ainda a dimensão de preparar pessoas que vão atuar na solução dos conflitos sociais dos mais diversos, atuação essa que requer mais do que a formação técnica, a qualificação necessária para se tornar “indispensável à administração da justiça” conforme sentencia o artigo 133 da Constituição Federal.

Nesse particular, a extensão universitária se converte em importante ferramenta pedagógica da formação humanística do graduando, que tem, nessa atividade acadêmica, a oportunidade de protagonizar a sua for-mação técnica, conjugando saberes científicos com a obtenção, pela prática, de competências necessárias à consolidação de sua posição de agente transformador da realidade social.

Não se trata mais de “estender à sociedade o conhecimento acumulado pela Universidade”, mas de produzir, em interação com a sociedade, um conhecimento novo. Um conhecimento que contribua para a superação da desigualdade e da exclusão social e para a construção de uma sociedade mais justa, ética e democrática (BRASIL, 2012).

Segundo Delors (1999, p. 99)

Todo ser humano deve ser preparado, especialmente graças à educação que recebe na ju-ventude, para elaborar pensamentos autônomos e críticos e para formular os seus próprios juízos de valor, de modo a poder decidir, por si mesmo, como agir nas diferentes circuns-tâncias da vida.

A ciência jurídica, pela sua inter-relação com as demais ciências sociais, externa uma interdisciplinaridade inata, exigindo de seu operador saberes e ambientação com áreas diversas do conhecimento, pela capilari-dade das relações humanas e a natureza dos conflitos sociais.

A formação jurídica não é apenas um conjunto de conteúdos sistematizados do ordenamento legal da Nação. O exercício profissional pleiteia a associação de saberes científicos e sociais que somados a habilidades e conhecimento da realidade poderá conferir aos profissionais expertise e capacidade de pacificar a sociedade resolvendo seus conflitos. Trata-se do saber fazer conjugado com o saber ser (DELORS, 1999), com ênfase neste segundo pilar.

O exercício prático-pedagógico nos cursos de Direito ocorre nos Núcleos de Prática Jurídica, mantidos pe-las instituições de ensino, que acumula função extensionista, possibilitando ao graduando o contato com a realidade social ao mesmo tempo em que exercita os saberes acadêmicos.

O Curso de Direito da Universidade Federal de Ouro Preto foi criado em 1994, instalando o Núcleo de Prá-tica Jurídica em 1998, por exigência da legislação da época. A prática dos métodos alternativos de solução de conflitos, no entanto, só se tornou realidade em 2009, quando ao NPJ se somou as iniciativas do Projeto Pacificar, de solução extrajudicial de litígios, em uma proposta mais abrangente de ensino e extensão uni-versitária. O atendimento adequou-se às exigências da Resolução 125/2010 do CNJ, no sentido de capacitar mediadores e conciliadores para o exercício profissional futuro.

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Desde 2009, os docentes e discentes do Núcleo de Assistência Judiciária da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) vêm somando esforços para a instalação do Centro de Mediação e Cidadania da UFOP (CMC). Todo o trabalho tem por finalidade: fornecer o acesso à justiça pelo cidadão de Ouro Preto e cidades vizinhas, não sendo este o acesso à assistência judiciária comum, mas sim a um método de autocomposição através do qual o indivíduo tem a oportunidade de solucionar seus próprios conflitos; além de propiciar a alteração da visão dos docentes e discentes da instituição-sede acerca do papel dos cursos jurídicos para a efetivação da cidadania e do acesso à justiça (UFOP, 2015, s./p.).

A Extensão Universitária (BRASIL, 2012) denota uma prática acadêmica, a ser desenvolvida, “de forma in-dissociável com o Ensino e a Pesquisa, com vistas à promoção e garantia dos valores democráticos, da equi-dade e do desenvolvimento da sociedade em suas dimensões humana, ética, econômica, cultural, social”.

Nesse recorte, sem afastar dos propósitos de formação acadêmica no Núcleo de Prática Jurídica e realçando a sua função extensionista, o Centro de Mediação e Cidadania da UFOP objetiva propor novos procedimen-tos de triagem das demandas e tratamento dado às partes, que serão conduzidas, inicialmente, à tentativa de composição amigável, nos feitos que comportarem tal intervenção, resolvendo as questões em ambiente extrajudicial, sem expor as partes aos custos financeiros, de tempo e emocionais de uma demanda institu-cionalizada.

A estrutura física do Centro de Mediação funciona em parceria com o Núcleo de Assistência Jurídica da UFOP (NAJOP), onde os estagiários do NAJOP e os me-diadores do Centro de Mediação atuam de forma conjunta, fazendo a triagem dos casos. Como a mediação ainda é um procedimento pouco difundido para o homem comum do povo, é natural que este procure o Centro de Mediação com necessidades que extrapolam a competência da mediação em si e mais condizem com a assistên-cia jurídica. Nesses casos, o Centro de Mediação repassa o caso para o NAJOP. Do mesmo modo, quando um demandante procura o NAJOP e o estagiário percebe que o caso pode ser mais facilmente resolvido pela mediação ele transfere o caso para o Centro de Mediação que explica o procedimento para os sujeitos envolvidos (UFOP, 2015. s./p.).

Dos meios alternativos para solução de conflitos, a mediação ainda é uma experiência social extremamente nova, se observarmos que a Lei da Mediação (Lei Federal 13.140) só foi aprovada em 26 de junho de 2015 e ainda aguarda vacatio legis de 180 dias para produzir efeitos. Não obstante, o termo mediação já vem sendo incorporado à prática jurídica como uma técnica de solução negociada do litígio, adotado, inclusive na redação do Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105 de 16 de março de 2015).

A arbitragem, por sua vez, teve regulamentação em 1996 (Lei Federal 9.307 de 23 e setembro de 1996), mas, decorridos quase vinte anos de sua promulgação, ainda é incipiente no mundo jurídico, pelo número acanhado de alcance em comparação às demandas judicializadas.

Segundo Costa (2003, p. 161)

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Embora possa parecer incrível para alguns, a resolução de conflitos é um campo novo para o Direito, o que faz com que os mapas teóricos de que dispomos para lidar com essa questão sejam demasiadamente inseguros. Embora o Direito sempre tenha lidado com conflitos, faz muito pouco tempo que os juristas passaram a entender que esse é um objeto merecedor de reflexões específicas.

Concentrando olhares sobre os meios alternativos de solução de conflitos, a pesquisa investigou o uso efeti-vo de tais ferramentas para pacificação da sociedade, tendo por campo de estudo o Núcleo de Práticas Jurí-dicas da Universidade Federal de Ouro Preto e, a partir de então, construir novos padrões teóricos e práticos para lidar com velhos fenômenos, vistos de forma renovada (COSTA, 2003).

O Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Federal de Ouro Preto (NAJOP) é uma unidade de apren-dizado, onde o acadêmico de Direito cumpre, obrigatoriamente, determinado número de horas-atividade, exigidas pela proposta curricular do curso. Não obstante, projetos de extensão universitária vêm sendo de-senvolvidos pelo Núcleo, em proposições de justiça alternativa e preventiva de conflitos sociais, ampliando o alcance pedagógico e social da unidade.

Entre as atividades desenvolvidas pelo acadêmico na unidade de ensino está o atendimento ao cidadão hipossuficiente, atividade que se reveste de prática extensionista, em apoio à Defensoria Pública, que não se limita às orientações jurídicas e produção de peças processuais ou acompanhamento de feitos perante o Poder Judiciário, mas também se concentra na produção de material informativo e de divulgação de conhe-cimento científico sobre os métodos de solução amigável de conflitos.

Ampliando o alcance da atividade meramente acadêmica da prática jurídica, a Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), desde 2009, por meio de um projeto de extensão acadêmica, criou, junto ao NAJOP, um Centro de Mediação e Cidadania (CMC), onde disponibiliza serviços gratuitos de mediação de impasses jurídicos relacionados às questões de família, vizinhança e herança (UFOP, 2015). É a consolidação de uma nova forma de abordagem dos problemas sociais: a prática da justiça alternativa.

O Centro de Mediação e Cidadania da UFOP funciona na sede do NAJOP, mas também junto a um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) em um bairro periférico da cidade de Ouro Preto, com o pro-pósito de solucionar contendas por métodos autocompositivos ou mediados, sem a interferência do Poder Judiciário.

De acordo com as respostas dadas pelos graduandos ao questionário da pesquisa, pode-se perceber que a prática profissional em situações reais acaba por fomentar a busca do conhecimento, levando o estudante da investir em leituras individuais e aprofundamento em determinados temas. Grande maioria dos acadê-micos ouvidos relata que as atividades extensionistas voltadas à justiça alternativa possibilitam ampliar os horizontes de aprendizado da sala de aula e significam um incentivo a cursar disciplinas optativas, cursos complementares, palestras e oficinas sobre o tema.

A opção por uma Justiça alternativa, que se faz no ambiente social onde o conflito ocorre, sem demandar a intervenção do Estado-juiz, pode ser considerada uma inovação social, pois requer mudança de conceitos e um novo olhar sobre a solução de conflitos, com protagonismo da sociedade.

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Para definir inovação social, toma-se por conceito a proposta de Bignetti (2011. p. 4), segundo o qual ino-vação social é:

[...] o resultado do conhecimento aplicado a necessidades sociais através da participação e da cooperação de todos os atores envolvidos, gerando soluções novas e duradouras para grupos sociais, comunidades ou para a sociedade em geral.

Entender que a inovação deve ser adotada como uma prática social, no ambiente de formação dos juristas nos leva a ponderar que são os acadêmicos de Direito os principais atores sociais envolvidos no desafio de proporcionar uma Justiça mais célere.

O campo de estudo para esta investigação foi delimitado na formação do operador do Direito, com recorte na fase final da vida acadêmica, quando se inicia o seu contato efetivo com a sociedade a que deverá servir, pautando as atividades no Núcleo de Prática Jurídica. Aferiu-se, no entanto, que o Centro de Mediação e Cidadania da Universidade Federal de Ouro Preto oportuniza aos graduandos a prática em sua unidade des-de os primeiros semestres da graduação e não apenas aos graduandos das séries finais, o que propicia aos estudantes o contato com a sociedade no momento em que estuda as disciplinas básicas do curso (formação humanística).

Os graduandos das series finais, com frequência, optam pela operacionalização do sistema formal, já que, por definição legal, nem todos os conflitos sociais podem ser resolvidos através dos meios alternativos e nem sempre as partes envolvidas concordam em participar da solução negociada do conflito.

Segundo Prudente (2012, p. 37)

O desenvolvimento de práticas alternativas de administração de conflitos está inserido nos esforços desenvolvidos nas últimas décadas, tanto pelo Estado quanto pela sociedade civil, de ampliação do acesso à Justiça. Estes esforços estão relacionados ainda aos movimentos de reforma da Justiça, que buscam tornar as alternativas para a gestão de conflitos mais acessíveis, ágeis e efetivas.

No decorrer da investigação, o olhar do pesquisador foi direcionado à prática dos mecanismos alternativos de solução de conflitos, em opção às formas tradicionais de condução das questões interpessoais, destacando o caráter inovador da proposta da Universidade Federal de Ouro Preto na busca da Justiça efetiva.

No dizer de Bignetti (2011, p.6) “[...] esse tipo de inovação procura beneficiar os seres humanos antes de tudo, diferentemente das noções econômicas tradicionais sobre inovação, voltadas fundamentalmente aos benefícios financeiros”. Nesse sentido, inovar, no campo das ciências sociais é abandonar antigos paradig-mas, para proporcionar um novo olhar sobre a relação que se estabelece, de maneira a torná-la democrática, participativa e emancipatória.

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A conciliação, a mediação, judicial ou extrajudicial, e a arbitragem são ferramentas de prática jurídica que estão além do processo judicial instrumentalizado, por não exigirem a presença ou o protagonismo do Esta-do-juiz na solução das contendas propicia o protagonismo das partes na construção de propostas conciliató-rias, capazes de pacificar os ânimos em conflito, e pode se traduzir em uma prática inovadora de solução de litígios e criação de ambiente propício ao desenvolvimento local.

Metodologia da pesquisa

O objetivo da pesquisa restringiu-se a estudar o exercício da atividade jurídico-pedagógica no Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Federal de Ouro Preto e no Centro de Mediação e Cidadania coexistente, tendo por enfoque o uso das ferramentas disponíveis para dirimir contendas sem a necessidade de submeter ao Poder Judiciário a apreciação da questão.

Realizou-se uma pesquisa qualitativa com propósito de analisar a prática cotidiana dos graduandos e profis-sionais que atuam no Núcleo de Prática Jurídica e no Centro de Mediação e Cidadania da UFOP de maneira a identificar o uso dos meios alternativos de solução de conflitos. Para Minayo (2001), a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.

A atividade de coleta de dados envolveu pesquisa bibliográfica e documental da formação do operador de Direito, com leitura das diretrizes nacionais apresentadas pela Resolução CNE/CES N° 9, de 29 de setembro de 2004, da proposta curricular da Universidade Federal de Ouro Preto. Informações contidas em documen-tos oficiais foram correlacionadas com o material de trabalho e informativo produzidos pelo corpo docente e que se reportam às atividades realizadas no NPJ e no Centro de Mediação e Cidadania com enfoque ainda na Resolução 125/2010 do CNJ que dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário.

Objetivou-se delimitar a formação humanística dos profissionais do Direito, analisando os documentos le-gais que comportam as diretrizes nacionais de sua formação acadêmica, de maneira a conceituar os Núcleos de Prática Jurídica como instrumentos pedagógicos e, pelo material de orientação produzido pelo corpo docente à disposição do graduando, pode-se considerar inovadora a proposta do Núcleo de Pratica Jurídica da UFOP como extensão acadêmica e mecanismo de pacificação social pela solução consensual de litígios.

Como técnica de coleta de dados optou-se pela observação participante, pois, segundo Queiroz (2007, p. 278) “na observação participante, tem-se a oportunidade de unir o objeto ao seu contexto, contrapondo- se ao princípio de isolamento no qual fomos formados”.

Ante o entendimento de que, inserido no ambiente, o pesquisador consegue perceber reações, atitudes e com-portamentos que podem ser decisivos à análise dos dados e informações, foi possível constatar que a opção pela não judicialização das contentas é atitude do profissional que primeiro atende o assistido, levando em consideração as possibilidades técnicas e legais de se aplicar a justiça alternativa. Na observação participan-te que se relata, o observador, profissional da área pesquisada, colocou-se no mesmo plano dos observados,

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e inseriu-se no grupo estudado como se fosse um deles, de modo a ter condições de compreender os hábi-tos, atitudes, interesses, relações pessoais e características do funcionamento do grupo (PROENÇA,2008). Por se tratar de uma comunidade acadêmica, a presença de um professor visitante (o pesquisador) não foi entendida como um estranho, mas, sim, mais um colaborador, posto que os frequentes foram prontamente informados da realização da pesquisa e seus propósitos.

Durante as visitas ao ambiente de aprendizado em atividade, o observador tornou-se parte do universo investigado, objetivando o entendimento do contexto das atitudes e decisões corriqueiras tomadas pelos agentes e a percepção dos aspectos simbólicos que permeiam os ambientes acadêmicos de prática jurídica. A técnica de investigação por meio da observação participante permitiu diálogos em condições de igualdade com professores e graduandos, dado ao conhecimento prévio dos envolvidos acerca do objeto pesquisado, o que possibilitou uma interação entre o pesquisador e o meio, propiciando uma visão ampla e objetiva da realidade (VELHO, 1978).

Após o período de realização da observação participante, foi solicitado a alguns graduandos e professores atuantes do Núcleo de Prática Jurídica/UFOP que respondessem a um questionário com questões que obje-tivavam obter a visão daqueles que efetivam a ação sobre a atividade ali desenvolvida, para verificar se se contrapunham à ótica do observador e à visão oficial da Instituição de Ensino obtida por meio dos docu-mentos analisados.

A escolha dos respondentes dos questionários se deu por amostra não probabilística, definida a população pelo grau de envolvimento com o objeto da pesquisa, a juízo do pesquisador e o número de indivíduos a serem entrevistados foi pelo critério da saturação de informações recolhidas. Foi utilizado como critério de inclusão aqueles atores que atuam diretamente no atendimento das demandas jurídicas que são apresentadas na unidade, dispensando os que atuam nos procedimentos administrativos ou que se dedicam a serviços internos não vinculados ao objeto pesquisado.

Ao todo, foram aplicados trinta e cinco questionários, sendo dezesseis aos atuantes no Núcleo de Práti-ca Jurídica (NPJ), doze aos atuantes no Centro de Mediação e Cidadania (CMC) e sete aos professores orientadores e coordenadores da unidade. Ao final o NPJ retornou com nove questionários respondidos; o CMC restituiu onze e o corpo docente correspondeu com quatro, perfazendo um total participante de vinte e quatro contribuições válidas, de maneira a permitir o acesso à visão daqueles que atuam diretamente no ambiente estudado.

Análise de resultados

A grade curricular do curso de Direito da UFOP, especificamente no contingente das disciplinas propedêu-ticas, reserva espaço para a formação humanística (Sociologia, Antropologia, Ética, Filosofia, por exem-plo). Inclui-se, ainda, no contingente de disciplinas optativas, o estudo dos métodos alternativos de solução de conflitos (Arbitragem Juírica), oferecendo oportunidade ao graduando de exercitar tais conhecimentos como prática extensionista no Centro de Mediação e Cidadania desde os primeiros semestres de estudo. Ad-mite-se ainda, na atividade de extensão, o aprofundamento nos conhecimentos específicos sobre os meios de solução pacífica de conflitos em exercícios práticos em casos concretos.

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No que se refere ao ensino dos métodos alternativos, tanto professores quanto acadêmicos ouvidos, em grande maioria, reconhecem a baixa oferta de oportunidade de aprofundamento na grade curricular. Não raro, o tema assume viés de transversalidade, prática extensionista, atividade extracurricular (palestras, se-minários) e resume-se na oferta de uma disciplina optativa, o que, na visão dos entrevidados, é insuficiente.

Nas atividades cotidianas do Núcleo de Prática Jurídica, em exercício real da atividade de assistência há, por parte dos graduandos observados, bem como dos professores orientadores tomada de decisões motivadas por fatores intrínsecos da prática profissional (da advocacia e do magistério jurídico) que às vezes são con-flitivas, devido aos propósitos não explícitos da prática de ensino que é o êxito nos exames que qualificam o futuro profissional do Direito.

Conforme já discutido, a educação superior digladia-se entre as demandas da economia e a formação para a cidadania, não podendo olvidar as primeiras nem desprezar a segunda. Assim, a atenção dos profissionais e dos graduandos frequentes no Núcleo de Prática Jurídica, conforme se pode perceber, objetiva a preparação para o Exame de Ordem e provas em concursos, exercitando a elaboração de peças jurídicas orientados para os procedimentos da justiça formal.

Dezoito, dos vinte estudantes que responderam ao questionário, apresentaram como principal anseio futuro a prestação de concursos públicos, donde se percebe a maior preocupação com o domínio do conteúdo jurí-dico e das técnicas formais. Igualmente, todos os graduandos respondentes que indicaram, como primeira ou segunda opção, a militância na advocacia, foram unânimes em externar a preocupação com o êxito no Exame de Ordem.

Observou-se que o comportamento do graduando diante de um caso concreto atenta-se aos ditames técnicos do exercício profissional, mas também se orienta pela forma de exposição da questão sob análise, e sofre interferência por parte dos diálogos travados com pares no ambiente real onde a prática se realiza, delinean-do um aspecto íntimo de relações que se compreendem pela totalidade do pensamento e não somente pelo resultado objetivo analisado (BRANDÃO, 1981). Não obstante a adoção quase que sistemática da judicia-lização, quando aplicado questionário objetivando entender a prática da justiça alternativa, um grupo sig-nificativo de respondentes asseverou ser a autocomposição a primeira opção ofertada às partes em conflito.

Nesta fase da pesquisa pode-se observar a frequência com que os graduandos recorrem uns aos outros e aos professores orientadores antes de formarem uma concepção do problema. A prática do diálogo entre os profissionais e estudantes do NPJ é uma constante. De acordo com os questionários aplicados, são fatores que desestimulam a opção por formas alternativas o desconhecimento do graduando quanto a prática e a resistência da parte ante a proposta de solução mediada e de protagonizar o desfecho da contenda.

Pela dimensão da pesquisa e pelo objeto delimitado, o enfoque se deu apenas em torno daquelas situações nas quais se delineiam questões de direito que comportam possibilidade de solução pacífica, mediação, ar-bitragem ou autocomposição, ou atuação extrajudicial, excluindo-se desta análise as questões que envolvem direitos indisponíveis ou se reportam à função punitiva do Estado (direito penal) que não são passíveis de desjudicialização, embora tais atendimentos sejam praticados no ambiente estudado.

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No contexto da observação relacionada ao objeto do estudo, o foco se deteve no relacionamento firmado entre o neo-profissional (ou grupo de acadêmicos) e o pretenso assistido, com olhares para a humanização do atendimento advogado-cliente, de modo a dimensionar o grau de confiança que se estabelece. A natureza do diálogo que se trava varia, sendo vertical consultivo, perguntas e respostas, com as quais o neófito in-quire, sonda, questiona, elucidando a narrativa da parte atendida, mas também se estabelece em um plano horizontal dialógico (de troca de informações).

O protagonismo das partes envolvidas é essencial. Quando aponta para a possibilidade ou abertura para propostas de conciliação e mediação ou a tomada de opiniões e estabelecimento de posições tanto pelo neo-profissional assistente quanto pela parte assistida, o feito é direcionado para o Centro de Mediação e Cidadania, com ampla possibilidade de resultar em uma solução pacificadora. Do contrário, seguem-se os procedimentos formais de judicialização, distanciando, a partir de então, do controle da parte envolvida, já que os meandros do mundo jurídico são próprios das pessoas que nele atuam.

Entre os vinte e quatro questionários analisados, vinte e dois dos respondentes reconheceram que os méto-dos alternativos de solução de conflitos pacificam a sociedade e empoderam as partes envolvidas no litígio. Não obstante, todos os respondentes concordam que a utilização dos métodos alternativos só não é mais frequente por falta de divulgação da prática e por haver resistência ou desconfiança das partes envolvidas.

Foram observadas também as relações internas de socialização de conhecimentos e informações no ambien-te acadêmico-profissional, travadas entre os acadêmicos e seus orientadores e supervisores. Percebeu-se que o intuito dessas relações era de dimensionar o alcance do problema recebido e encontrar a solução mais adequada ao postulante e à sociedade por meio do diálogo para troca de informações sobre o caso analisado e o conhecimento técnico pertinente para o seu encaminhamento.

A atuação do NPJ e um novo paradigma de acesso à Justiça

Reformular a tradicional prática judicializante adotada pelos operadores do direito e criar inovação social relevante, tendente a promover desenvolvimento social, pela redefinição de relações e construção de am-bientes mais solidários, propósito este emanado do artigo 3º. da Constituição da República (construir uma sociedade livre, justa e solidária), requer formação de novos atores que possam efetivamente intervir neste campo.

Há algum tempo o Direito vem dedicando alguma atenção aos mecanismos autocompositivos (mediação ou conciliação) como forma de assegurar maior efetividade ao ordenamento jurídico processual (AZEVEDO, 2003; COSTA, 2003), o que mostra uma prática madura, embora não disseminada. Predomina a tendência do direito processual de preocupar-se com o acesso a Justiça, mas passou-se a considerar que o ordenamento jurídico processual possui uma função dúplice: um meio pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direi-tos (heterocomposição) e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado (autocomposição assistida por agentes estatais).

Carvalho (2003, p. 125) externa sua preocupação com a formação do operador do direito e a opção pelo

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dogmatismo do ensino jurídico, destacando a distorção existente entre o ideal de justiça presente na Consti-tuição – que pressupõe protagonismo social e democracia participativa – ao paradigma judicial positivista, que já não atende aos anseios da dinâmica social hodierna:

O estudante de direito, que de alguma forma estará no futuro envolvido na sua aplicação, deve ter, via ensino jurídico, capacidade de percepção desse fenômeno relacionado ao con-teúdo ideológico do direito a ser aplicado, notadamente aos futuros magistrados, a fim de poderem atuar conforme o ideal de justiça estampado na Constituição Federal, superando, inclusive, determinados dogmas que, mesmo contidos na Lei Maior, apresentam-se de for-ma desconexa com relação aos valores eticamente consagrados pela evolução natural da sociedade (CARVALHO, 2003, p. 125).

Ao formar um profissional que vai se tornar “essencial à administração da justiça”, conforme preceitua o artigo 133 da Constituição Federal, não é redundante dizer que se torna essencial desenvolver a sua completude de interpretação da ciência jurídica, dotando-o de conhecimento suficiente para operacionalizar a prestação jurisdicional e pacificar as relações sociais em conflito.

Neste contexto, é necessário entender que os Núcleos de Prática Jurídica são dependências de aprendizado em situações reais ou similares à realidade onde se desenvolvem as atividades de estágio supervisionado, como parte integrante do processo de ensino/aprendizagem da formação jurídica tradicional.

Munido de uma bagagem intelectual técnica e humanitária, o acadêmico que frequenta o Núcleo de Prática Jurídica reúne condições de prestar consultoria jurídica, advocacia preventiva; legalização de pequenos negócios, orientação jurídica de entidades da sociedade civil; consultoria em questões sociais, trabalhista, ambiental e regularização de atividades clandestinas, entre outros feitos próprios do exercício profissional, convertendo-se em importantes centros de apoio ao desenvolvimento local, pela promoção da cidadania e do protagonismo social na resolução dos seus próprios conflitos.

A opção por estender a prática profissional aos métodos alternativos de solução de conflitos atende não so-mente aos ditames da Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça quanto às propostas de concilia-ção pré-processual previstas no novo Código de Processo Civil, mas se transforma em um método inovador de ensino jurídico voltado para a preservação do tecido social, valorização do protagonismo das partes e promotora do desenvolvimento local.

Quando a busca do direito se dá pelos caminhos oficiais do Poder Constituído, tem-se um distanciamento entre o Poder do Estado e o cidadão comum, tornando a cidadania a cada dia mais dependente e fragmen-tada. Isto possibilita o protagonismo das partes na construção da solução para o conflito instalado, tem-se uma valorização da cidadania-ativa, uma prática valiosa de gestão social na administração da justiça, co-locando em evidência não o estado-juiz, mas o cidadão que busca solucionar suas questões de convivência em sociedade.

Considerações Finais

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O Núcleo de Prática Jurídica da Universidade de Ouro Preto, pela forma de atuação observada se tornou, de fato, não um polo formador de advogados, mas um laboratório de formação de operadores do Direito, assim compreendidas as diversas situações da vida profissional e social que exigem o saber jurídico, contribuindo de maneira positiva na solução de conflitos da sociedade e criando uma abordagem diferenciada de acesso à justiça, não apenas pelas vias oficiais de submissão da questões controversas ao Poder Judiciário.

Há, como se percebeu em observação e nas respostas oferecidas pelos alunos pesquisados, visível preocu-pação com a justiça formal (judicialização), exigida nos concursos públicos e no Exame de Ordem. Não obstante, há uma prática pedagógica e profissional voltada à comunidade, expondo o estudante ao contato direto com as questões sociais, oferecendo oportunidade de mediar conflitos, analisar situações pelo aspecto jurídico, mas também pela compreensão do alcance social do exercício profissional e de alteridade, propon-do criar um novo paradigma de acesso à justiça efetiva, à justiça justa.

A atividade extensionista, que se soma à orientação recebida no ensino formal, contribui para crescimento humano e profissional do graduando, em oportunidade de aprendizagem diferenciada, socialização de co-nhecimentos e prática efetiva do saber jurídico voltado à pacificação social, o que se torna um diferencial na formação do graduando.

A prática de ensino adotada pelo NPJ/CMC da UFOP permite ao graduando do curso superior de Direito compreender a dinâmica do fenômeno social e submetê-lo aos regramentos positivados com equidade e parcimônia e não apenas aplicar a lei ao caso concreto e pressupõe o desenvolvimento de uma consciência crítica, potencial de inovação e visão crítica da realidade.

A visão crítica e a formação humanística é que vai orientar o operador do direito na missão de pacificar a sociedade e, de fato, resolver os seus conflitos (OLIVEIRA, 2004), criando cenários favoráveis ao desen-volvimento social pela prática da justiça privada consensual e pacificadora.

Por fim, a extensão universitária, quando voltada à promoção da gestão social na administração da justiça, empodera indivíduos que se tornam protagonistas na solução dos litígios que os envolve e os torna capazes de refletir a própria realidade, construir consensos para a conviência pacífica e a deixarem de ser expectadores da ação do Estado.

Aliam-se, nesse propósito, o protagonismo social e a extensão universitária como prática do ensino envolvido e um novo olhar sobre a atuação do Poder Judiciário em um cenário inovador de promoção da cidadania, garantia de direitos e pacificação da sociedade.

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Alpeniano Silva Filho3

Resumo

Este artigo analisa a interação entre escola e comunidade por meio da inserção de técnicas de jornalismo e comuni-cação comunitária nas atividades de ensino-aprendizagem, tanto no curso de Jornalismo, como em outros cursos de nível superior cujos currículos contemplem disciplinas que trabalhem conteúdos de produção textual e estudos de linguagem, bem como nos ensinos Fundamental e Médio. Aborda as experiências com a comunicação comunitária, desenvolvidas no curso de Licenciatura em Educação do Campo, da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e Escola Família Agrícola Nova Esperança, de Taiobeiras, MG, que adotam a pedagogia da alter-nância, permitindo a interação de seus alunos com as suas comunidades. Analisa também o jornalismo comunitário de acordo com o pensamento de vários autores e sua importância na gestão social e no desenvolvimento local das comunidades nas quais são difundidas suas mensagens. Apresenta resultados dos produtos jornalísticos publicados na comunidade de Vereda Funda, Rio Pardo de Minas, MG.

Palavras-chave: comunidade, escola, comunicação, jornalismo.

Introdução

A relação entre o jornalismo e a sociedade tem sido, ao longo dos anos, objeto de vários estudos teóricos, que buscam, em uma perspectiva crítica, analisar a sua natureza ideológica e suas funções no meio social. França (1998) argumen-ta que a imprensa, embora exerça um papel de propagar a informação, responderia ainda por várias outras funções, como “integração social, função recreativa, função psicoterápica, expressão de opiniões, formação de opinião pública, denúncia, democratização da informação (e da cultura), mobilização e outras” (FRANÇA, 1998, p.35). A autora ob-serva ainda que “no jornalismo, não é a relação emissor/receptor que está em primeiro plano, não é a troca que está em causa, mas a produção da informação de um sentido objetivo do mundo” (FRANÇA, 1998, p.35).

Neste sentido, é relevante destacar que o exercício da profissão de jornalista é uma atividade de natureza so-cial e um dos compromissos fundamentais deste profissional, descrito no Código de Ética dos Jornalistas Bra-sileiros, deve ser a divulgação de fatos e informações de interesse público. No entanto, os compromissos são corrompidos, quando a precariedade do exercício profissional, o interesse particular ou político-partidário domina a cena das redações dos jornais, principalmente nas cidades do interior, como afirma Melo (2004): “a imprensa do interior, em nosso país, distancia-se das aspirações comunitárias, funcionando organicamente como correia de transmissão de projetos ungidos pelos donos do poder local” (MELO, 2004, p.11).

Ausentes nesta correia de transmissão citada por Melo (2004), os atores sociais de uma comunidade ou bair-ro, que têm necessidades específicas que precisam ser resolvidas de acordo com suas especificidades, e com a mediação dos meios de comunicação deixam de ser contemplados na pauta dos jornais, principalmente naqueles que circulam nas cidades do interior do Brasil.

3 Jornalista e professor universitário, Mestre em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local (2012). Centro Universitário UMA. Filiado ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais. [email protected]. [email protected]

J O R N A L I S M O C O M U N I TÁ R I O : E S C O L A E C O M U N I D A D E D E M O C R A T I Z A N D O A I N F O R M A Ç Ã O

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Esta situação-problema foi observada na região do Vale do Jequitinhonha, no relatório do Instituto Cidada-nia, da Fundação Perseu Abramo, em 1996. O documento, intitulado “Uma proposta alternativa para o de-senvolvimento do Vale do Jequitinhonha”, assinado por Luiz Inácio Lula da Silva4, aborda vários problemas estruturais do Vale, inclusive aqueles relacionados à comunicação social.

A imprensa escrita é pouco difundida na região, não apenas pelo alto índice de analfabe-tismo, mas também porque os princ+ipais jornais do país só chegam com um ou dois dias de atraso, e assim, em pouquíssimas cidades. Alguns municípios possuem semanários ou mensários, em geral mantidos com publicidades de prefeituras e câmaras municipais (INS-TITUTO CIDADANIA, 1996, p.13).

Ampliar o espaço destinado às comunidades nestes jornais impressos ou em outros meios de comunicação do interior, e difundir a comunicação comunitária, pode resultar na criação e desenvolvimento de uma Tec-nologia Social de Comunicação. Bava (2004) define Tecnologia Social (TS) como “técnicas e metodologias transformadoras, desenvolvidas na interação com a população, que representam soluções para a inclusão social” (BAVA, 2004, p.106). Ele afirma ainda que “as experiências inovadoras podem ser avaliadas e valo-rizadas tanto pela sua dimensão de processos de construção de novos paradigmas e novos atores sociais” (BAVA, 2004, p.106).

A construção de uma TS de comunicação deve considerar os conceitos de TS e Tecnologia Convencional (TC), estabelecendo de forma clara as diferenças entre uma e outra. Novaes; Dias (2009) afirmam que a TC pode ser definida a partir de um conjunto de características, dentre estas, aquelas relativas a seus efeitos sobre o trabalho. Citando Dagnino (2009), os autores mostram que “a TC é inerentemente poupadora de mão-de-obra, o que pode ser verificado na constante substituição do trabalho humano pelo trabalho mor-to5” (DAGNINO, 2009 apud NOVAES; DIAS, 2009, p.18). Apontam outras características da TC, como o seu caráter convencional segmentado, não permitindo que o produtor exerça controle sobre a produção. Além disso, é alienante, pois suprime a criatividade do produtor direto. Ao contrário, “a tecnologia social incen-tiva o potencial e a criatividade do produtor direto e dos usuários, é capaz de viabilizar economicamente empreendimentos como cooperativas populares, assentamentos de reforma agrária, a agricultura familiar e as pequenas empresas” (NOVAES; DIAS, 2009, p.18).

Em resumo, podemos concluir que, enquanto a tecnologia capitalista convencional é fun-cional para a grande corporação (em especial para as grandes empresas multinacionais), a tecnologia social aponta para a produção coletiva e não mercadológica (NOVAES; DIAS, 2009, p.19).

A TC convencional parece dominar as rotinas de produção nas redações dos jornais. Medina (1978) afirma que “o monopólio da informação representado pelas agências de notícia diminui muito a força do repórter na empresa jornalística de centros de industrialização como os brasileiros” (MEDINA, 1978, p.84). A autora constatou em seus estudos que o percentual de informações coletado das agências de notícias e publica-do nos jornais é maior que as reportagens ou notícias produzidas pelos recursos próprios das redações, “chegando ao ponto de até notícias nacionais virem via agência internacional” (MEDINA, 1978, p.84).4 Lula chefiou a Caravana da Cidadania, promovida pelo Instituto da Cidadania, da Fundação Perseu Abramo, em 1996, cujo objetivo principal, segundo Lula, era “trazer à tona o Brasil dos excluídos, das regiões esquecidas e dos que produzem todas as riquezas, ficando muitas vezes com migalhas delas”.5 “Trabalho Vivo” (Trabalho humano) e “Trabalho Morto” são expressões da teoria marxista, do filó-sofo Karl Marx. Para Marx, o trabalho vivo é o realizado pelo homem. O trabalho morto é aquele que já foi feito pelo homem, mas assumido por um instrumento/ferramenta. “Esses conceitos nos ajudam a pensar no trabalho como mercadoria” (LIMA, 2002, p.8).

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A constatação de Medina é coerente com a característica da TC apontada por Novaes; Dias (2009), ou seja, poupadora de mão-de-obra e aplicada na substituição do “trabalho humano” pelo “trabalho morto”, pois o jornalista, ao replicar um trabalho já produzido e distribuído pelas agências de notícias para veículos de comunicação de todo o mundo, deixa de inovar, criar e exercer sua função primordial no ciclo de produção da notícia.

A participação dos atores sociais

Considerando o conceito de TS e buscando técnicas e metodologias inovadoras em um espaço de interação com a comunidade, é importante destacar que o processo de construção de uma TS de comunicação, que poderia ser adotada pelos jornais impressos do interior ou jornais comunitários, impressos ou online, com a participação dos atores sociais da área de abrangência deste jornal.

Neste modelo, o jornalista deixa de ser um gatekeeper, ou seja, aquele profissional que, segundo Traquina (2005), toma uma decisão numa sequência de decisões próprias, e não coletivas. Traquina explica que, na teoria do gatekeeper, o processo de produção da informação é concebido como uma série de gates, isto é, portões, que não são mais do que áreas de decisão em relação às quais o jornalista (gatekeeper) tem de de-cidir se vai escolher essa notícia ou não. “Se a decisão for positiva, a notícia acaba passando pelo portão, se não for, sua progressão é impedida, o que, na prática, significa a sua “morte” porque significa que a notícia não será publicada, pelo menos nesse órgão de informação” (TRAQUINA, 2005, p.150).

A pouca inserção ou quase exclusão das ações promovidas pelos movimentos sociais, associações e coope-rativas de trabalho, segundo Costa (2002), revela que o interesse público é algo ausente nas linhas edito-riais dos meios de comunicação locais. Ao distinguir opinião pública e opinião da população, o autor consi-dera que a esfera pública é um fórum aberto, com “uma diferenciação funcional rígida entre os porta-vozes de partidos, de grupos organizados, e os meios de comunicação, por um lado, e o público (no sentido de plateia), por outro” (COSTA, 2002, p.18-19). Afirma que os primeiros são, em última instância, os atores da esfera pública, e o público é mero destinatário de mensagens, sem voz pública efetiva. Costa afirma que os movimentos sociais emergiram dentro de um hiato entre atores da esfera pública e o público. Argumenta que parte da população, quando percebe que os temas que lhe interessa não estão recebendo o tratamen-to adequado pelos atores da esfera pública, se organiza na busca de atenção pública para suas questões.

As possibilidades dos movimentos sociais serem bem sucedidos em sua tarefa de arregi-mentar atenção da mídia e do público para os temas que trazem à luz, superando a concor-rência estabelecida pela presença dos demais atores da esfera pública, dependeria, priori-tariamente, conforme tal visão, da habilidade dos movimentos em manipular os recursos comunicativos de que dispõe. Não cabe, portanto, perguntar pelas possibilidades abertas aos movimentos sociais de convencer a sociedade de justeza de seus propósitos, nem, tam-pouco, de se questionar os modelos trazidos pelos movimentos sociais correspondem a reivindicações e “projetos” latentes da sociedade ou padrões de moralidade existentes ou almejados. Trata-se, unicamente, de avaliar a capacidade destes de produzir, seja pela es-petacularização de suas ações, seja através de um trabalho adequado de relações públicas (COSTA, 2002, p.18).

O conceito de esfera pública, segundo Tenório (2005), está ligado ao pressuposto da igualdade de direitos individuais (sociais, políticos e civis) e discussão, sem violência ou qualquer outro tipo de coação, de pro-blemas por meio da autoridade negociada entre os participantes do debate.

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A esfera pública, portanto, é o espaço intersubjetivo, comunicativo, no qual as pessoas tematizam as suas inquietações por meio do entendimento mútuo. A esfera pública consti-tui, essencialmente, uma estrutura comunicacional da ação orientada pelo entendimento e está relacionada com o espaço social gerado no agir comunicativo. Quando existe liberdade comunicativa estamos na presença de um espaço público constituído por intermédio da linguagem. Logo, as estruturas comunicativas da esfera pública devem ser mantidas opera-cionais por uma sociedade de pessoas ativas e democráticas (TENÓRIO, 2005, p.105).

O autor argumenta ainda que “a esfera pública deve identificar, compreender, problematizar e propor as soluções para os dilemas da sociedade, a ponto de essas serem assumidas como políticas públicas pelo contexto parlamentar e executadas pelo aparato administrativo de governo” (TENÓRIO, 2005, p.105).

Assim, o papel da imprensa na construção de um espaço democrático deve ser marcado pela inclusão de setores diversos da sociedade, permitindo-lhes a discussão de seus principais problemas. Na publicação “Orçamento Público, Legislativo e Comunicação – Três eixos estratégicos para incidência nas políticas pú-blicas”, produzida pela ONG Oficina de imagens e rede ANDI, a orientação passada aos setores que atuam pelos direitos da infância é que “uma das importantes contribuições que a imprensa pode oferecer ao processo de consolidação das sociedades democráticas está relacionado à divulgação de informações que, historicamente, sempre estiveram sob controle de um reduzido número de privilegiados” (ANDI, 2005).

A inserção das comunidades e movimentos sociais no processo de comunicação, que resulta na divulgação de fatos por meio dos mais diferentes meios e suportes, pode ser feita por meio da escola, seja no Ensi-no Fundamental ou Médio, e até mesmo na educação superior. O curso de Licenciatura em Educação do Campo, da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), desenvolve algumas ações neste sentido, por meio de oficinas de comunicação comunitária. De forma conjunta, professores e pro-fessoras deste curso buscam, a partir da proposição de atividades inerentes a comunicação comunitária, o desenvolvimento de ações capazes de promover a formação dos estudantes de graduação, a partir do aprimoramento de um conjunto de práticas de leitura e produção de texto contextualizadas e de grande significado social. Estas ações, ao mesmo tempo em que propiciam o aperfeiçoamento da capacidade de leitura e da produção textual, exigem que os envolvidos tenham um olhar reflexivo e crítico sobre o que é divulgado nos meios de comunicação, além de conhecer o processo de produção da notícia.

Neste processo ensino-aprendizagem, a comunicação comunitária possibilita o surgimento do protago-nismo estudantil, que, ao ser difundido entre os atores sociais de uma comunidade, promove atividades de ensino, formação política e desenvolvimento de práticas de leitura e produção de texto. Assim, as ati-vidades voltadas à comunicação comunitária, além de contribuir para a compreensão de como o jornal comunitário pode ganhar a configuração de um mecanismo social de língua/linguagem em funcionamento, pode “fornecer subsídios ao ensino de linguagem” (BONINI, 2011, p. 65) e, por extensão, promover o de-senvolvimento da capacidade discursiva dos estudantes. Isso porque, ao dar visibilidade aos fatos sociais relevantes em uma determinada comunidade, “o jornal constitui um excelente material didático para o ensino da leitura e produção de textos” (SOUZA, 2010, p. 63).

O modelo de ação adotado pelos professores da Licenciatura em Educação do Campo (UFVJM) também foi adotado pela Escola Família Agrícola Nova Esperança, de Taiobeiras, no norte de Minas. As duas escolas praticam a Pedagogia da Alternância6. Em junho de 2015, os alunos da EFA Nova Esperança também parti-ciparam de uma oficina de comunicação comunitária e criaram o jornal mural “O Geraizeiro” para difundir notícias da comunidade de Vereda Funda, do município de Rio Pardo de Minas. Com orientação de profes-sor jornalista, os alunos se envolveram no ciclo da notícia, discutindo com os moradores de Vereda Funda a pauta para a primeira edição de O Geraizeiro. Os assuntos pautados estavam relacionados à precariedade do transporte escolar e nos serviços de saúde, à divulgação da festa junina da comunidade e curiosidades, como o aparecimento de uma luz misteriosa nas noites da chapada.

6 A Pedagogia da Alternância intercala um período de convivência na sala de aula com outro no campo para diminuir a evasão escolar em áreas rurais.

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Depois da apuração dos fatos, o ciclo da notícia se concretizou com a redação, edição e publicação destas notícias no jornal mural O Geraizeiro, instalado no Centro de Formação da comunidade, em Vereda Funda, Rio Pardo de Minas, MG. Ganhou também uma fanpage7 na rede social Facebook, para ampliar a divulga-ção do novo meio de comunicação no ambiente digital.

O Geraizeiro iniciou uma fase de construção de relações importantes entre a comunidade e os alunos da EFA Nova Esperança, amarrado pelos “laços de afetividade” citados por França (1998). Para esta autora, um jornal existe por si mesmo, mas esta existência também é um ponto de passagem da vida de uma socie-dade, e “mais que informar sobre ela, é um dos momentos desse viver”. Em sua análise, França afirma que um jornal, ou qualquer veículo de comunicação, não se sustenta apenas a partir da lógica do poder; “ele se mantém à medida que consegue se alimentar da força (ou da potência) emanada da vida social” (FRANÇA, 1998, p.20).

Jornalismo e vida social

Estes laços de afetividade ficaram evidentes na página do jornal no Facebook, quando pessoas da comu-nidade de Vereda Funda curtiram ou comentaram as publicações (postagens). A mais significativa dessas foi a publicação do longo poema “Minha terra, minha paixão”, de autoria de Luzia Faustina Pereira e José Ro-drigues da Costa, moradores de Vereda Funda. O poema épico conta a saga do povo geraizeiro8, que recon-quistou terras que antes serviam para o plantio de eucaliptos por empresas multinacionais para a fabricação de papel e celulose.

E na década de 70, chegando em nossa região, as multinacionais vindas de longe, longe de mais, e aqui, bem aqui, no meio de nós, o tal progresso implantou. Quebrou o cerrado inteiro e em monocultura se transformou.

Pensando somente no lucro, noutra coisa não pensou, quebrou o cerrado inteiro, e “euca-lipto” plantou. Com adubos químicos e venenos, a água contaminou.

O eucalipto, coitado, culpa, ele não tem, não. Porém, com suas raízes profundas, que aden-traram muito no chão, sugou o lençol freático, deixando sem água a população. O povo que tinha perdido, o cerrado e sua riqueza: o pequi, a mangaba, o coquinho, e toda sua beleza, logo ali já percebeu, tamanha malvadeza (Luzia Faustina Pereira, José Rodrigues da Costa – 2010).

O poema9 recebeu comentário de pessoas de Vereda Funda, como Maria da Conceição Pereira, que o saudou como “bela história de superação e coragem”, e de Jucelene Matos Cascais, considerou que “o povo resgata seus recursos com esforço e deve assim permanecer, vigilante com esses mercenários”.

A proximidade de O Geraizeiro com a vida social de Vereda Funda, noticiando fatos e prestando serviços, pode contribuir para reforçar as identidades. Martín-Barbero (2004) argumenta que as novas tecnologias de

7 Fanpage ou Página de fãs é uma página específica dentro do Facebook direcionada para empresas, marcas ou produtos, associações, sindicatos, autônomos, ou seja, qualquer organização com ou sem fins lu-crativos que desejem interagir com os seus clientes no Facebook.8 Geraizeiro é um termo usado para designar o habitante das áreas que se localizam à margem direita do Rio São Francisco, no Norte de Minas Gerais. O nome vem da denominação “gerais”, ou seja, planaltos, encostas e vales das regiões de cerrados. 9 O poema “Minha terra, minha paixão” está disponível para leitura, na íntegra, na fanpage do jornal O Geraizeiro, na rede social Facebook. (facebook.com/ogeraizeiro)

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comunicação, que possibilitaram o surgimento de uma variedade de meios noticiosos, de entretenimento e interação, criaram uma sociedade mais aberta e interconectada, agilizaram fluxos de informação e as transa-ções internacionais, revolucionaram as condições de produção e de acesso ao saber. Contudo, segundo o au-tor, estas tecnologias, ao mesmo que cumprem estes diferentes papéis, apagam memórias, alteram o sentido do tempo, a percepção do espaço, ameaçam as identidades.

A globalização econômica e tecnológica diminui a importância do territorial des-valorizando os referentes tradicionais da identidade. Contraditória e complementariamente, as culturas locais e regionais se revalorizam exigindo a cada dia maior autodeterminação, direito de participar nas decisões econômicas e políticas, construir suas próprias imagens e contar-nos seus próprios relatos (MARTÍN-BARBERO, 2004, p.357).

Esta ameaça às identidades locais, vista por Martín-Barbero, também é analisada por Dowbor (2009), ao afirmar que o público, ao ler os órgãos de imprensa ou até revistas técnicas, tem a ideia de que tudo está globalizado. Segundo ele, “a globalização é um fato indiscutível, diretamente ligado a transformações tec-nológicas da atualidade e à concentração mundial do poder econômico”. No entanto, Dowbor afirma que nem tudo foi globalizado.

Quando olhamos dinâmicas simples, mas essenciais para a nossa vida, encontramos o es-paço local. Assim, a qualidade de vida no nosso bairro é um problema local, envolvendo o asfaltamento, o sistema de drenagem, as infraestruturas do bairro (DOWBOR, 2009, p.2).

A participação comunitária na produção de notícias e o jornalismo voltado ao interesse público, elementos ausentes no jornalismo de muitas cidades brasileiras, faz valer o Capítulo I do Código de Ética dos Jornalis-tas Brasileiros.

Capítulo I - Do direito à informação

Art. 1º O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros tem como base o direito fundamental do cidadão à informação, que abrange direito de informar, de ser informado e de ter aces-so à informação. Art. 2º Como o acesso à informação de relevante interesse público é um direito fundamental, os jornalistas não podem admitir que ele seja impedido por nenhum tipo de interesse, razão por que:

I - a divulgação da informação precisa e correta é dever dos meios de comunicação e deve ser cumprida independentemente da linha política de seus proprietários e/ou diretores ou da natureza econômica de suas empresas; II - a produção e a divulgação da informação de-vem se pautar pela veracidade dos fatos e ter por finalidade o interesse público; III - a liber-dade de imprensa, direito e pressuposto do exercício do jornalismo, implica compromisso com a responsabilidade social inerente à profissão; IV - a prestação de informações pelas organizações públicas e privadas, incluindo as não-governamentais, deve ser considerada uma obrigação social; V - a obstrução direta ou indireta à livre divulgação da informação, a aplicação de censura e a indução à autocensura são delitos contra a sociedade, devendo ser denunciadas à comissão de ética competente, garantido o sigilo do denunciante.

Ao abrir espaço para alunos e alunas em interação com as comunidades nas edições de um jornal comu-

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nitário, a escola garante a integração dos atores sociais em momentos importantes, como as reuniões de pauta, discutindo problemas que afetam a sua vida cotidiana. Assim, a escola e o jornal, ou outro meio de comunicação, abrem possibilidades para o exercício do direito da liberdade de expressão, dando voz e vez a estes atores sociais. Peruzzo (1998) afirma que a comunicação popular participativa abre muitas possibi-lidades de criação coletiva e educação democrática.

As experiências mostram que a comunicação popular participativa dá seu aporte à edificação de uma cultura e uma educação democrática. Ela ajuda a conhecer, resgatar e valorizar as raízes do povo. Altera as dimensões do comportamento cotidiano. Socializa o direito de expressão e os conhecimentos técnicos. Desmistifica os meios. Promove a criação coletiva. Difunde conteúdos diretamente relacionados à vida local. Dá voz, pela própria voz, a quem era considerada “sem voz”. Como no conjunto da sociedade, uma prática assim caracterizada ainda não predomina nessa área. Mas ela pode vir a configurar-se. Com a expansão dos instrumentos massivos, existe uma tendência de crescimento das rádios e tevês comunitárias, que certamente hão de proporcionar mecanismos de participação mais eficientes (PERUZZO, 1998, p.302).

Esta argumentação de Peruzzo, que sugere um entendimento do jornalismo comunitário feito com e para a comunidade, é bem mais ampla que a formulação da IX Semana de Estudos de Jornalismo, realizada na Universidade de São Paulo, em citada por Melo (2004): “uma imprensa só pode ser considerada comunitá-ria quando se estrutura e funciona como meio de comunicação autêntico de uma comunidade. Isto significa dizer: produzido pela e para a comunidade” (MELO, 2004, p.10).

Tenório (2005) conceitua comunidade como um “agrupamento de pessoas unidas por interesses comuns e que vivem dentro de uma área geográfica determinada (rural ou urbana). Projeto comunitário é um con-junto planejado de atividades que, por meio de um processo participativo, procura atender as demandas da comunidade” (TENÓRIO, 2008, p.11).

Não apenas as rádios e tevês comunitárias, como menciona Peruzzo, mas também os jornais-laboratório dos cursos de Jornalismo, que no âmbito da universidade são instrumentos para a articulação prático-teó-rica de disciplinas, e espaço para a experimentação, devem priorizar o interesse público conforme afirma Beltrão (1965) citado por Lopes (1985).

O jornal-laboratório é o instrumento didático básico, sempre que usado apropriadamente, com um planejamento racional, que se transforma no substituto da prática de treinamento das redações. Permite que o aprendiz de Jornalismo se exercite na capacitação e análise dos problemas de sua comunidade, de seu país e da civilização contemporânea, ao mes-mo tempo em que desperta interesse pela especialização, fazendo-o descobrir qual dos aspectos e atividades da profissão o seduzem mais. Esse processo dá margem ao desen-volvimento de experiências para a renovação dos processos jornalísticos, tanto na redação quanto na parte gráfica, que serão submetidos à apreciação dos orientadores dos veículos de imprensa locais para uma possível adoção em seus meios de informação (BELTRÃO apud LOPES, 1985, p.49).

Isto reforça o propósito de construir uma TS de comunicação aplicável aos jornais-laboratórios e outros meios criados no ambiente escolar, que pode ser adotada por outros meios de comunicação que tenham o interesse de seguir uma linha editorial voltada ao interesse público.

É prudente ressaltar o sentido transformador atribuído ao conceito de Tecnologia Social, adotado pela Rede de Tecnologia Social (RTS): “Tecnologia social são técnicas e metodologias transformadoras, desenvol-

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vidas na interação com a população, que representam soluções para a inclusão social”. (BAVA, 2004, p.106). Bava explica que todo movimento contra-hegemônico, tem um sentido “de baixo para cima”, da sociedade para a esfera da política, do local para o nacional e o global.

Com a revolução tecnológica da informática e dos sistemas de comunicação, as distâncias se encurtam em todos os sentidos, tanto horizontalmente na sociedade, com a conforma-ção de redes e fóruns que elaboram e debatem os novos paradigmas, quanto nas relações entre o local, o nacional e o global. É em razão dessas características atuais que as experiên-cias inovadoras de desenvolvimento de técnicas e metodologias participativas, orientadas para a inclusão social, são portadoras de um potencial transformador que também não estava dado em períodos históricos anteriores (BAVA, 2004, p.104).

É baseado neste pensamento que a construção de uma TS de comunicação incorpora uma metodologia participativa, capaz de permitir a inclusão social e a democratização da informação, conforme afirma Lopes (1985): “não basta, entretanto, definir ou mesmo conhecer a comunidade na qual o jornal vai atuar. Mais importante é desenvolver formas de relacionamento com esta comunidade” (LOPES, 1985, p.56).

A participação das pessoas das comunidades no processo de sugestão de assuntos para pautas é deno-minada por Castilho; Fialho (2009) como “produção colaborativa de notícias”. Este termo, segundo estes autores, surgiu 15 anos depois da experiência inicial da implantação do jornalismo cívico na imprensa es-tadunidense (1995). Com o surgimento dos weblogs, a figura do jornalista cidadão ganhou destaque na imprensa dos Estados Unidos e integrou esse profissional a uma dinâmica de busca, produção e publicação de informações sobre agrupamentos humanos, em áreas urbanas reduzidas, como bairros pouco populosos, ruas e condomínios. Esta produção colaborativa ganha espaço na escola e merece ser difundida no ambiente escolar.

Considerações finais

A participação comunitária, o jornalismo voltado ao interesse público, elementos ausentes no jornalismo impresso e em outros meios de comunicação de muitas cidades brasileiras, podem ser incentivados no am-biente das escolas, nos cursos de Jornalismo, em outros de nível superior e até mesmo no Ensino Médio e Fundamental, por meio dos jornais-laboratório.

Ao estudante de Jornalismo, possibilita um entendimento de que o jornalista deve ser um profissional com-prometido com a sociedade, conforme preconiza o seu Código de Ética Profissional. Aos demais estudantes, contribui para a formação de um senso crítico em relação à atuação dos profissionais de comunicação e aos procedimentos editoriais de cada veículo de comunicação, além de contribuir para o desenvolvimento das atividades de ensino-aprendizagem.

O percurso para atingir este objetivo passa obrigatoriamente pela educação. É nesta linha de pensamento que está inserido o jornal-laboratório, meio de comunicação que permite aos alunos de jornalismo, e futuros jornalistas, exercer na prática os conhecimentos teóricos obtidos na sala de aula. O resul-tado deste exercício também se enquadra nas atividades de extensão das universidades, a partir do momento em que os alunos atuem nas comunidades, na apuração de fatos, redação e edição de notícias, ou compreendendo como se dá este ciclo da notícia.

Valorizando o cotidiano, a cultura e os personagens que fazem a história das comunidades de sua área de abrangência, um jornal pode contribuir de forma mais efetiva para garantir aos atores sociais uma atuação mais destacada na esfera pública.

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A G E S TÃ O D O C O N H E C I M E N T O C O M O F E R R A M E N TA P A R A T E L E V I S Ã O U N I V E R S I TÁ R I A

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Ana Paula Damasceno Torres1

Cláudio Márcio Magalhães2

Resumo:

A TV Universitária brasileira existe há quase 50 anos. Mas só agora começa a amadurecer nos seus processos de gestão. Seu principal gargalo está na sua própria institucionalização, ou seja, ser aceita dentro de sua própria instituição de ensino. Esse trabalho sugere o uso do conceito da Gestão do Conhecimento (GC) e da Espiral do Conhecimento de No-naka e Takeuchi como uma ferramenta de desenvolvimento da televisão universitária, ferramenta essa que privilegia o diálogo, a participação e o trabalho compartilhado, premissas importantes para pensar a Gestão Social. Para isso, se faz uma contextualização da TV universitária e suas principais dificuldades e um estudo conjunto da GC. Como resul-tado, uma proposta que objetiva o desenvolvimento das potencialidades de construção do conhecimento da televisão universitária junto com suas instituições de ensino.

Introdução

A TV Universitária brasileira é uma respeitável senhora de quase 50 anos, mas somente agora parece conseguir resol-ver sua crise de identidade. Por um longo tempo, foi uma criança isolada e com pais déspotas que não lhe permitiram crescer e construir sua autonomia e identidade. Quando pode sair de seus limites domésticos, como um adolescente fez de tudo um pouco e somente agora consegue colher, analisar e aproveitar suas experiências para se (re)construir.

Como uma jovem adulta, a TV universitária, quanto à gestão de sua própria subsistência, ainda tateia entre iniciativas adequadas e outras nem tanto. Esse texto quer apresentar a Gestão do Conhecimento (GC) como uma opção para a adequação das potencialidades, missão e operacionalidades da TV Universitária com a Instituição de Ensino Superior (IES) que a idealizou, operacionalizou, mantem e que nutre expectativas sobre sua atuação e desenvolvimento. Uma vez que o conhecimento é a base das IES e das suas TVs, nada mais natural que sua gestão o auxilie na construção de uma relação sadia entre mãe e filha.

A TV Universitária brasileira

1 Jornalista, professora, especialista em Comunicação e Marketing e em Gestão do Ensino Superior à Distância, mestre em Sistemas de Informação e Gestão do Conhecimento, Coordenadora da TV FADOM/Pitágoras (2005/2008), da TV Anhanguera (2010/2014) e da TV UNI-BH (2015). [email protected] Jornalista, mestre em comunicação social, doutor em educação, fundador, vice-presidente (2000-2008) e presidente (2008-2012) da Associação Brasileira de Televisão Universitária (ABTU). Professor/Orientador do Instituto de Comunicação e Artes e do Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA. [email protected]

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61A TV Universitária de Pernambuco é a primeira televisão universitária a entrar em operação regular, no ano de 1967. Antes, em 1958, outra universidade já produzia programas educativos na TV Educativa da Universidade de Santa Maria (RS) (MILANEZ, 2007). Seria também a primeira de uma série de TVs educativas ligadas às instituições federais, emba-sadas em um programa de educação a distância do governo militar que fracassou.

Embora algumas das novas TVs educativas sejam ligadas às universidades, há pouco do envolvimento institucional e es-sas emissoras passam a ser ligadas a um sistema marginal às redes de TV comerciais. Acabam ligadas a uma das redes estatais, TVE do governo federal ou as emissoras dos governos estaduais, como a TV Cultura de São Paulo, com pouca ou nenhuma produção regional. Com a redemocratização, as TVs educativas viraram moeda de barganha política e, embora algumas instituições de ensino, públicas e privadas, recebam outorgas, ainda assim deve-se mais aos contatos políticos de suas reitorias do que por um projeto educativo.

O cenário muda em 1995, quando, pela Lei n. 8.977, que regula a implantação da TV a cabo no país, em seu artigo 23 obriga as operadoras do serviço de cabo a tornar disponíveis os denominados “Canais Básicos de Utilização Gratuita”, e entre eles estava “um canal universitário, reservado para o uso compartilhado entre as universidades localizadas no município ou municípios da área de prestação do serviço” (BRASIL, 1995).

Livres da burocracia, da escassez de canais de TV aberta e da histórica dependência política do Estado, as instituições de ensino superior viram na TV a cabo sua oportunidade de, finalmente, utilizar da televisão, como já o vinham fazen-do nas rádios e jornais universitários. Assim, se em 1995 havia 20 TVs Universitárias, em 2009 já eram 150, um salto quantitativo de 755% (RAMALHO, 2011).

O crescimento acelerado não aconteceu sem as costumeiras indefinições de personalidade que acometem os jovens em processo de estirão. Havia um hiato entre a produção de conteúdo e de conhecimento da TV Universitária e a aca-demia, uma vez que o veículo televisão, no Brasil, até a década de 1970, recebia a resistência de acadêmicos que não viam na televisão um meio de educação nem possibilidade de produção de conteúdo educacional. Segundo Porcello (2002), esse é um dos problemas por ela enfrentados.

[...] televisão e universidade nunca antes se encontraram em um projeto dessa natureza, pois há apenas três décadas, nos anos 70, a televisão sequer era estudada pela universidade. Não seria exagero dizer que a universidade desprezava a TV. A evolução tecnológica modificou esse panorama (PORCELLO, 2002, p. 89).

Há, ainda, grande dificuldade de compreensão do conceito de Televisão Universitária. Alguns acreditam que os canais universitários são apenas laboratórios das universidades, extensões dos departamentos de graduação de comunicação social, local de produção estudantil orientada por docentes e que visam apenas à capacitação profissional de alunos para o mercado de trabalho. Outros defendem a ideia de uma TV feita para os estudantes e voltada exclusivamente para suprir os interesses desse público (PORCELLO, 2002). Uma terceira visão, geralmente ligada aos departamentos de marketing das IES, olha para a TV universitária como mais um veículo de propaganda institucional, como sua página na internet ou seu folder publicitário.

Para a Associação Brasileira de Televisão Universitária (ABTU), criada em 2000 como a única entidade representativa do setor e que agrega mais de 40 IES,

a Televisão Universitária é aquela produzida no âmbito das IES ou por sua orientação, em qualquer sistema técnico ou em qualquer canal de difusão, independente da natureza de sua propriedade. Uma televisão feita com a participação de estudantes, professores e fun-cionários; com programação eclética e diversificada, sem restrições ao entretenimento, salvo aquelas impostas pela qualidade estética e a boa ética. Uma televisão voltada para todo o público interessado em cultura, informação e vida universitária, no qual prioritariamente se inclui, é certo, o próprio público acadêmico e aquele que gravita no seu entorno: familiares, fornecedores, vestibulandos, gestores públicos da educação, etc. (PEIXOTO, PRIOLLI, 2004, p.5).

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62Como se vê, trata-se muito mais da gestão da produção e emissão audiovisual do conhecimento das IES – com o seu ensino, a sua extensão e a sua pesquisa – do que de uma tradicional administração de grade de programação para a exibição em aparelhos de TV. Neste sentido é que se trata de um conceito de “televisão universitária” e não de TVs universitárias, quando essas últimas se referem às empresas emissoras de programação audiovisual regular, em com-petição com as demais TVs, emissoras comerciais e estatais.

No entanto, o que se sabe é que a gestão operacional específica da TV Universitária, esse órgão que administra a televi-são universitária como conceituada acima, também acontece de forma diversa. Algumas televisões são administradas pelas reitorias e pró-reitorias, outras pelas assessorias de comunicação ou de imprensa e há muitos casos em que o curso de comunicação social é o responsável pela gestão. Mas, de forma quase uniforme (97%), o financiamento de-pende de recursos orçamentários da instituição de ensino, onde 14% tem algum tipo de apoio externo, mas que não alcança 10% de sua manutenção (RAMALHO, 2011). Portanto, não há dúvidas que a conta é paga pela reitoria, ao final.

Portanto, ao longo da história recente das TVs Universitárias, o grande gargalo é ela se vender institucionalmente dentro de sua própria escola, fazendo jus ao dinheiro investido. A solução passa por ela se mostrar importante para a instituição. Para isso é preciso responder às seguintes questões: por que minha universidade precisaria de uma televi-são universitária? O que uma TV Universitária pode oferecer para a IES? Há algo que a instituição nem desconfia que precisa e pode ganhar com sua televisão universitária e, ainda assim, ela o pode oferecer? Ou seja, não é a reitoria que tem de ter uma ideia maravilhosa para a TV e sim a TV é que tem de ter uma ideia maravilhosa para a reitoria. Só espernear não resolve, porque a reitoria tem um monte de gente esperneando em volta por seus departamentos e projetos. É importante fazer, mostrar e medir.

Há, atualmente, TVs Universitárias que se destacam no cenário nacional, que conseguem exibir boa programação, aproximar a comunidade acadêmica do projeto e receber apoio financeiro e institucional compatíveis. Essas TVs são diferenciadas, pois entenderam o conceito e o caminho. Após 20 anos da implantação da Lei da TV a cabo, o amadu-recimento dos processos de gestão das emissoras criou três grupos de projetos de televisão universitária. O primeiro e mais tradicional é daqueles que sobrevivem em estado precário, dependendo de um ou dois professores abnegados, com estudantes idem, na periferia institucional da IES, nenhum orçamento e com produções resultantes do empenho e visão pessoal desta pequena equipe. O segundo grupo é daqueles que, mesmo ainda mantendo o tradicional núcleo de heróis altruístas, já conseguem chamar a atenção da cúpula da instituição e, entre um pires e outro, conseguem alavancar alguns projetos de monta, com orçamento definido para esse específico fim. Essas TVs, embora emplaquem um projeto ou outro, também vivem com uma faca no pescoço, pois dependem excessivamente dos contextos políti-cos e financeiros das suas IES e, uma mudança de chefia ou um corte de orçamento – algo bastante comum nas escolas brasileiras –, eles são facilmente sacrificados.

Mas, se esses dois grupos eram os únicos existentes até poucos anos, há algum tempo uma elite de TVs Universitárias tem se destacado. Conseguiram se ligar diretamente a um projeto institucional de geração de conhecimento daquela instituição de ensino. E o que se vê em sua programação? Em grande parte, a gestão do conhecimento produzido pela universidade. O que às vezes incomoda é que parte deste conhecimento possa parecer vestido de propaganda insti-tucional. Mas, além do fato desta informação também ser parte do conhecimento gerado por aquela IES, é um preço pequeno para a consolidação da TV, abrindo orçamento estável para as demais produções e projetos de televisão universitária.

As TVs Universitárias deveriam ser como as assessorias jurídicas das IES. Ela tem de estar de tal maneira enfronhada dentro da instituição que não pode nem passar pela cabeça das pessoas a não existência dela. É possível imaginar uma escola sem o departamento jurídico? É possível imaginar que o departamento jurídico, ao ter de entregar um parecer, uma petição, precisará contar com o apoio abnegado dos seus advogados, que dependerão do estagiário? Alguém deverá entregar essa petição, porque essa é uma obrigação daquele departamento. E isso ocorrerá se a gestão estiver institucionalizada. A programação de uma televisão universitária deveria ocorrer da mesma maneira.

A Gestão do Conhecimento como ferramenta para a televisão universitária

Como fazer isso? É aqui que entra a Gestão do Conhecimento e a Espiral do Conhecimento. Mobilizando as pessoas, mobiliza-se a instituição. A socialização deve ser da IES e não apenas de um grupo que, tendo o importante papel de protagonista e gestor, abre seus canais para a instituição, em mão dupla. As pessoas têm de sentir que ajudaram a fazer aquela programação. A pauta poderá vir de fora para dentro, dos departamentos para a televisão universitária. Um espiral não restrito à TV Universitária e, sim, levada à instituição como um todo. Quanto mais você ampliar essa espiral

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63mais vai fazer com que a TV, em vez de sobrepor isso, ela esteja engajada no processo e a informação circule.

Neste sentido, surge uma importante ferramenta de Gestão da Informação e Gestão do Conhecimento (GC), uma opor-tunidade de apresentar novas perspectivas. A utilização da GC nas organizações ainda é prática nova em organizações públicas e privadas no Brasil. No entanto, estas temáticas vêm sendo debatidas de forma crescente em estudos em todo o mundo, com objetivo de buscar compreender, propor e melhorar a realidade organizacional por meio de uma proposta de gestão.

O termo Gestão do Conhecimento (GC) surgiu na academia com os trabalhos de Nonaka, em 1991. Para Nonaka e Takeuchi (1997), a organização não pode criar conhecimento por si mesma, razão pela qual depende da iniciativa dos indivíduos e da interação que ocorre dentro do grupo. De acordo com Davenport e Prusak (1998), a Gestão do Co-nhecimento é um conjunto de processos que governa a criação, disseminação e utilização do conhecimento para atingir plenamente os objetivos da organização.

Na visão de Nakano e Fleury (2005), a GC deve ser analisada a partir da divisão do conhecimento organizacional em duas perspectivas: a primeira vê o conhecimento como um insumo, que embora intangível e complexo, é passível de ser armazenado, combinado e reutilizado. Nesta perspectiva, a GC organizacional é a administração eficaz das ativida-des relativas à aquisição ou criação, a utilização e a manutenção de um ativo intangível. Na segunda visão, o conheci-mento organizacional não é apenas um bem intangível a ser mantido e utilizado, ele é o próprio processo de criação e é o resultado da interação entre as pessoas.

Na década de 1980, organizações e pessoas começam a vivenciar o papel da Gestão do Conhecimento no ambiente organizacional e nos mercados. O conhecimento, para Drucker (1997), é um recurso muito importante e que não se submete às barreiras geográficas. O conhecimento está nas pessoas e, por seu intermédio, nas organizações.

Toffler (1980) argumenta que a informação e a comunicação, assim como o conhecimento e a educação, é a chave para a passagem de um mundo subdesenvolvido para um mundo desenvolvido. Para Terra (2000) e Evers (2002), os principais indicadores de uma Sociedade do Conhecimento são os investimentos em infraes-trutura de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), educação continuada, valorização e capacitação dos recursos humanos (capital intelectual das organizações) e investimentos em Ciência, Tecnologia e Inova-ção (CT&I), assim como em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), para possibilitar uma posição competitiva em nível mundial.

Segundo Neves (1992), na chamada era da informação as empresas enxergaram que somente a gestão eficaz das suas informações poderia auxiliá-las na tomada de decisões alinhadas à estratégia organizacional, razão pela qual têm realizado elevados investimentos para a implantação de sistemas de informação.

Para Choo (2003), a informação deve ser utilizada pelas organizações para dar sentido às mudanças do am-biente externo, para gerar novos conhecimentos por meio do aprendizado e para tomar decisões importantes. De acordo com Davenport e Prusak (1998), apesar da importância da informação para as organizações, poucos sabem o que fazer ou o que precisam saber; existe pouca informação acessível sobre funcionários, clientes e até mesmo sobre os próprios produtos e serviços. Os autores entendem a implantação da gestão da informação em uma organização como um processo composto por um conjunto estruturado de atividades que incluem o modo como a empresa obtém, distribui e utiliza a informação e o conhecimento.

Nonaka (2008) afirma que em uma economia em que a única certeza é a incerteza, a fonte certa de vantagem competitiva é o conhecimento. Quando os mercados se transformam, as tecnologias proliferam, os competi-dores multiplicam-se e os produtos tornam-se obsoletos quase do dia para a noite, as empresas bem-sucedidas são as que criam consistentemente novos conhecimentos, disseminam-no amplamente pela organização e o incorporam rapidamente em novas tecnologias e produtos.

Drummond (2011) chama atenção para o fato de que o conhecimento é uma fonte de poder dos indivíduos e por isso ele tende a não querer compartilhá-lo, mas que “cada organização tem de fazer seu recorte, dizendo o que é chamado de conhecimento naquele ambiente, para criar a tão necessária linguagem comum”. À instituição cabe, no entanto, oferecer condições e estabelecer processos que ajudem as pessoas a superar as barreiras.

As Instituições do Ensino Superior são organizações do conhecimento e seus pesquisadores são os trabalhadores do conhecimento que lidam com a produção, os serviços e bens, o ensino, a pesquisa e a extensão. Para inovarem e leva-

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64rem as pesquisas ao mercado, as IES podem utilizar as TVs Universitárias de forma a auxiliarem os gestores a aumentar o poder competitivo dessas organizações.

A Espiral do Conhecimento de Nonaka e Takeuchi

Nonaka e Takeuchi (2003) apresentam sua teoria sobre a criação do conhecimento, tendo em mente as duas dimensões – epistemológica e ontológica – da criação do conhecimento. O núcleo da criação dessa teoria está na descrição do surgimento da espiral. Esta espiral surge quando a interação entre conhecimento tácito e conhecimento explícito eleva-se dinamicamente de um nível ontológico inferior até níveis mais altos.

No que diz respeito à dimensão antológica, de acordo com Nonaka e Takeuchi (1997), em termos restritivos, o conhecimento somente é criado por meio dos indivíduos.

Uma organização não pode criar conhecimento sem indivíduos. A organização apoia os indivíduos criativos ou lhes proporciona contextos para a criação do conhecimento. A criação do conhecimento organizacional, pois, deve ser conhecimento criado pelos indivíduos, cristalizando- como parte da rede de conhecimento da organização (NONAKA; TAKEUCHI, 1997, p. 65).

No que diz respeito à dimensão epistemológica, conforme Nonaka e Takeuchi (1997), Michael Polanyi (1966) faz a distinção entre o conhecimento tácito e o conhecimento explícito, afirmando que o conhecimento tácito é pessoal, específico ao contexto e, dessa forma, difícil de ser formulado e comunicado. Quanto ao conhecimento explícito ou codificado, este se refere ao conhecimento transmissível em linguagem formal e sistemática.

O conhecimento tácito na cognição humana pode corresponder ao argumento central da psicologia Gestalt, a qual afirma ser a percepção determinada em termos da forma na qual é integrada no padrão geral ou gestalt. Porém, em-bora esta teoria ressalte que todas as imagens são intrinsecamente integradas, é observado que os seres humanos adquirem conhecimentos criando e organizando de forma ativa suas próprias experiências. Com isso, o conhecimento que pode ser expresso em palavras e números representa apenas a ponta do iceberg do conjunto de conhecimentos como um todo. Ou seja, pode-se saber mais do que se pode dizer.

A criação de conhecimento dentro de uma organização se dá seguindo quatro padrões básicos, como mostram Nonaka e Takeuchi (1997), na sua espiral do conhecimento:

· De tácito para tácito: Um indivíduo partilha seu conhecimento tácito diretamente.

· De explícito para tácito: Um indivíduo combina porções separadas de conhecimento explícito para formar um todo novo.

· De tácito para explícito: Ao passo que o indivíduo consegue explicitar o seu conhecimento tácito, transforman-do o conhecimento que ele obteve através de observação, imitação ou simples coleta, ele possibilita que este conhecimento seja compartilhado por todo o resto da equipe durante o desenvolvimento de projetos, o que aumenta as chances da base de conhecimentos ser ampliada.

· De explícito para tácito: na medida em que o conhecimento explícito é compartilhado por toda a organização, outros colaboradores podem começar a interiorizá-lo, utiliza o conhecimento para ampliar, expandir e recon-figurar seu próprio conhecimento tácito.

Conforme Nonaka e Takeuchi (1997), a socialização é um processo de compartilhamento de experiências no qual, a partir daí, a criação do conhecimento tácito, como modelos mentais ou habilidades técnicas compartilhadas.

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Um indivíduo pode adquirir conhecimento tácito diretamente de outros, sem usar a linguagem. Os aprendizes trabalham com seus mestres e aprendem sua arte não através da linguagem, mas sim através da observação, imitação e prática. No contexto dos negócios, o treinamento práti-co utiliza basicamente o mesmo princípio. (NONAKA; TAKEUCHI, 1997, p. 69).

No que diz respeito à externalização, de acordo com Nonaka e Takeuchi (1997), trata-se de uma técnica de articulação do conhecimento tácito em conceitos explícitos. É um processo de criação do conhecimento per-feito, na medida em que o conhecimento tácito se torna explícito, na forma de metáforas, analogias, conceitos, hipóteses ou modelos.

Quando tentamos conceitualizar uma imagem, a expressamos basicamente através da lingua-gem – a escrita é uma forma de converter o conhecimento tácito em conhecimento articulável (EMIG, 1983). Entretanto, as expressões muitas vezes são inadequadas, inconsistentes e in-suficientes. Essas discrepâncias e lacunas entre as imagens e expressões, contudo, ajudam a promover a “reflexão” e interação entre os indivíduos (NONAKA; TAKEUCHI, 1997, p. 71).

A combinação, segundo Nonaka e Takeuchi (1997), é um processo de sistematização de conceitos em um sistema de conhecimento. Esse modo de conversão do conhecimento abrange a combinação de conjuntos dife-rentes de conhecimento explícito. Os indivíduos trocam e combinam conhecimentos por meio de documentos, reuniões, conversas ao telefone ou redes de comunicação computadorizadas.

A reconfiguração das informações existentes através da classificação, do acréscimo, da com-binação e da categorização do conhecimento explícito (como o realizado em banco de dados de computadores) pode levar a novos conhecimentos. A criação do conhecimento realizada através da educação e do treinamento formal nas escolas normalmente assume essa forma. O ensino ministrado em um curso de pós-graduação em administração é um exemplo (NO-NAKA; TAKEUCHI, 1997, p. 75).

No que tange à internalização, Nonaka e Takeuchi (1997) afirmam que se trata de um processo de incorporação do conhecimento explícito no conhecimento tácito. É intensamente relacionada ao “aprender fazendo”. Quando são in-ternalizadas nas bases do conhecimento tácito dos indivíduos sob a forma de modelos mentais ou know-how técnico compartilhado, as experiências por meio da socialização, externalização e combinação tornam-se ativos valiosos. “Para viabilizar a criação do conhecimento organizacional, o conhecimento tácito acumulado precisa ser socializado com os outros, membros da organização, iniciando assim uma nova espiral de criação do conhecimento” (NONAKA; TAKEUCHI, 1997, p. 77).

Roteiro para Elaboração de Conteúdo de Programação para TV Universitária à Luz da Espiral do Conhecimento de Nonaka e Takeuchi

A proposta parte da premissa de que se reinventar é um dos grandes desafios da televisão universitária, buscar cami-nhos para se manter financeiramente, preservando sua independência editorial, mas se entendendo como geradora de conhecimento institucional e de disseminadora do conhecimento, tanto para o público externo como para a comu-nidade acadêmica. Acredita-se que este cenário pode ser auxiliado pela utilização das práticas de GC na construção

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66de projetos nas TVs Universitárias, apresentando as possibilidades de produção e de inovação do conteúdo, buscando apoio na Espiral do Conhecimento de Nonaka e Takeuchi.

A proposta aponta, inicialmente, para a necessidade de utilização de toda a base de conhecimento da IES para a cons-trução de uma visão compartilhada de ação e de um diálogo próximo e sincero com os mantenedores, a fim de iden-tificar os objetivos da IES para a produção da televisão universitária, assim como a destinação de investimento para a realização do projeto. É essencial que todos tenham a visão do todo.

Reflexões Acerca da Elaboração do Conteúdo

Em sua teoria da criação do conhecimento organizacional, Nonaka e Takeuchi (1997) classificam o conhecimento em explícito (formal e sistêmico, expresso em palavras e números) e tácito (algo pessoal e enraizado nos indivíduos, do-tado de emoções, valores, ideais e de aspectos cognitivos, difíceis de processar e transmitir). Os autores alertam para o desafio de trabalhadores modernos de compartilhar informações, em transformar os conhecimentos tácitos em explícitos.

Nas produções das TVs Universitárias esta é uma prática cotidiana. O compartilhamento de informações e a troca de experiências são vistos em toda reunião de pauta, momento em que as ideias são apresentadas verbalmente e há uma sinergia entre o conhecimento tácito e o explícito, criando novos conhecimentos por meio da conversão do tácito em explícito.

É importante que a TV Universitária entenda que ela é o espelho da instituição como um todo, universalmente, e que deve se abrir para departamentos, para os cursos diversos oferecidos pela instituição, estreitar o diálogo com a comu-nidade docente e discente, com o corpo diretivo, com os funcionários e com a comunidade do entorno. Sua produção deve ser holística, valorizar a diversidade, respeitando e abraçando as diferenças.

Nas TVs Universitárias, informação e conhecimento são imprescindíveis desde o processo inicial da Espiral do Conhecimento, que é a socialização. A criação do conhecimento organizacional é a chave para o modo como as empresas japonesas inovam. Elas são mestres no fomento à inovação contínua, incremental e em espiral.

São quatro os modos de conversão – socialização, externalização, combinação e internalização. As interações entre esses modos produzem uma espiral quando se introduz o tempo como terceira dimensão. Nessa perspectiva, as TVs Universitárias aparecem na construção do campo do conhecimento, na medida em que compartilham a informação com os diversos públicos, que internalizam seu interesse, seus objetivos e missão e que informam o seu ponto de par-tida e de chegada, os valores com os quais irá trabalhar e o público que vai abarcar em seu projeto.

A combinação dos resultados aponta para o processo de geração de novo conhecimento através da união de vários conhecimentos explícitos. Após socializar e apontar para a direção em que pretende seguir, as TVs Universitárias com-binam as informações, desejos e aspirações de seus pares na instituição com sua missão de informar, de entreter e de educar, gerando, nessa linha, um novo conhecimento através da união de vários conhecimentos explícitos.

No processo de internalização, o conhecimento está relacionado à assimilação do conhecimento explicitado pelo indi-víduo, o que vai gerar um novo conhecimento interno e assim sucessivamente. Isso acontece rotineiramente no dia a dia da TV Universitária, que se abre para o diálogo com todos os campos e setores das IES, que entende seu papel como disseminadora de cultura e de conhecimento universal, de propagadora de boas práticas e de educação.

A Prática da Espiral do Conhecimento em TV Universitária

Nas TVs Universitárias, a análise, a elaboração e a produção de conteúdo tem início com a socialização da equipe de trabalho composta por alunos, professores, técnicos e gestores da TV. É importante que todos participem dessa socia-lização e que ela seja frequente.

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67Na prática, essa socialização está nas reuniões de pauta, nas reuniões de definição do formato e do conteúdo da pro-gramação, nas reuniões com gestores, na aproximação com os professores e alunos, na interlocução com funcionários e com a comunidade do entorno. Refletir sobre os projetos, sugerir e trocar reflexões e opiniões a respeito de como ele deve ser formatado é muito importante.

Quando o grupo é chamado para construir junto, o projeto ganha em conteúdo, mas o ganho com esse compartilha-mento é muito maior quando a equipe sente que pertence ao projeto, que pode colaborar e fazer a diferença, que ela é parte da construção de ideias e formatos. Uma vez que acontece a socialização, há a externalização do conhecimento que muitas vezes é tácito, como, por exemplo, os problemas que envolvem uma produção, as soluções encontradas por determinados grupos e a contribuição com o conteúdo de todo projeto.

A etapa seguinte é a combinação. Aqui os programas são definidos, a comunidade acadêmica (composta por alunos, professores, gestores e funcionários) alinhou os objetivos e a estrutura técnica ao conhecimento, a informação passou a conhecimento universal e todo o processo tem um novo início a cada encontro. É a externalização e o início de um novo ciclo.

A dimensão ontológica de Nonaka e Takeuchi (1997) mostra que o conhecimento criado individualmente é transforma-do em conhecimento em nível de grupo e em nível da organização. Esses níveis não são independentes entre si, mas interagem mutuamente, e, quando o tempo é introduzido como terceira dimensão, forma-se uma segunda espiral. “O processo de transformação dentro dessas duas espirais do conhecimento é a chave para a compreensão de nossa teoria” (NONAKA; TAKEUCHI, 1997, p. 103).

A Importância da Missão da IES na Construção do Projeto

Um dos aspectos mais importantes e que orienta o exercício de uma liderança compartilhada é a missão, a visão e os valores de uma empresa. A missão apresenta as propostas da empresa, o que a organização se propõe a fazer e para quem. Uma vez apresentada ao grupo da TV Universitária, os indivíduos poderão construir a missão da TV, alinhada à missão da instituição. Adotar a missão da IES a qual a TV está ligada é um ótimo caminho.

Cobra (1992) defende que a missão deve ser estabelecida em algumas crenças que são base da filosofia gerencial de tal forma que permitam a perpetuação de seu negócio. Nesta proposta, a TV Universitária será apresentada com a missão informar, entreter, educar e compartilhar. Informar bem, porque é o princípio de um jornalismo ético. Entreter, uma vez que essa é a inspiração da cultura da televisão e educar, que é o DNA das TVs Universitárias. Compartilhar no sentido de trocar, convergir, dividir as ideias para somar em conteúdo.

Visão

Quando estiver refletindo sobre a construção da nova programação, o grupo deve ter bem definido qual é a visão da IES, pois ela vai ajudar a nortear o caminho a ser percorrido pela TV Universitária. A visão é a descrição do desejo da empresa para o futuro, das aspirações da organização. No entanto, a visão precisa ser visível e real, sugerindo resulta-dos tangíveis. Neste projeto, apresenta-se como visão da TV Universitária a transformação do público pela educação a partir de práticas inovadoras e do respeito à diversidade e às pessoas.

Valores

Os valores são os princípios, as crenças que direcionam as atitudes das pessoas no exercício de suas atividades e na busca de seus objetivos. Os valores facilitam a participação das pessoas na articulação da visão e da missão e ajudam os funcionários a colaborarem com o projeto. Em grande parte das empresas eles são tão importantes que são inego-ciáveis. Nesta proposta, os valores inegociáveis serão o diálogo, o respeito e a integridade.

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Público-alvo

Definir o público significa definir a linha de programação, o conteúdo a ser trabalhado, o formato da programação e o design. Nas TVs Universitárias essa definição muitas vezes é difícil, pois no canal universitário não há medição de audiência, como acontece nas emissoras de canal aberto. A internet tem ajudado as universitárias neste quesito, uma vez que fornece formulários de acesso e a indicação da localização e perfil do telespectador.

Se de um lado não há como definir o público-alvo a partir de pesquisas, sabe-se que este público está presente na instituição e é quem ajuda a colocar a TV no ar, que participa das produções direta ou indiretamente. Essa proposta delineia o público-alvo de uma TV Universitária composto por alunos, professores, funcionários, comunidade do en-torno e gestores.

Conceito do Projeto

Essa proposta apresenta a inovação como conceito norteador do projeto de TV Universitária, inovando a partir da dis-seminação do conhecimento e do compartilhamento de informações socializadas nas instituições.

Figura 1 – Conceito norteador do projeto

É importante, ainda, buscar a convergência com diversos setores, acompanhando o avanço das tecnologias e gerando conteúdo de qualidade informativa e técnica, tendo em mente o papel do design e da imagem para o resultado de produções para o veículo televisão.

“Design” do Projeto

É importante avaliar a importância do design gráfico sobre o desempenho de um projeto de TV Universitária, a fim de determinar o que a instituição pode ganhar com ele. As empresas têm utilizado o design como instrumento de introduções de diferenciações nos produtos e para se destacarem no mercado, perante os seus concorrentes. O design é a melhoria dos aspectos visuais do produto, é o meio de adicionar valor aos projetos, levando à conquista de novos

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69mercados.

Em inglês, a palavra design funciona como substantivo e também como verbo. Na situação de verbo – to design – significa, entre outras coisas, ‘tramar algo’, ‘simular’, ‘projetar’, ‘esque-matizar’, ‘configurar’, ‘proceder de modo estratégico (FLUSSER, 2007, p. 181).

Nas TVs Universitárias não é diferente. O design é visto no conceito do projeto, na elaboração das vinhetas que vão ao ar, nas pílulas informativas e de entretenimento e nos cenários. Não há um conceito definido através do design da programação das TVs Universitárias. Pode ir das inspirações nas tradicionais TVS comercias ou apresentado inovações na área e demonstrado preocupação na elaboração de seu conteúdo gráfico.

Ao socializar com o grupo da TV Universitária com objetivo de produzir conteúdo, de debater os rumos de um projeto, um dos passos importantes é procurar identificar se há um profissional ou mesmo estagiário com talento em finaliza-ção de edição e preocupado com inovação. Todo o conteúdo de produção gráfica vai começar com a ideia, passar pela informação, pela construção do projeto de programa e será apresentado à comunidade a partir design produzido.

Para essa proposta, sugere-se um design ancorado em inovação, um projeto gráfico leve, que acompanhe as tendên-cias do mercado visual, com inserção de recursos em 3D, em arte gráfica e fotográfica. Busca-se a simplicidade e as boas ideias.

Cenários

O cenário acompanha a arte e a finalização das vinhetas dos programas ou vice-versa. No entanto, é um oneroso recur-so para as produções de TV. Uma TV Universitária geralmente possui um baixo orçamento, pois a esmagadora maioria depende da mantenedora. É necessário, no entanto, que haja criatividade e a busca pelos melhores orçamentos para sua produção e por boas ideias. Sua produção pode ser simples e criativa, como tem sido feita nas TVs Universitárias com menos recursos, ou pode significar um verdadeiro rombo no orçamento anual de uma emissora. Há, ainda, os ce-nários virtuais, realizados com o corte no cromakey, que é uma técnica que permite processar as imagens eliminando o fundo de uma imagem para isolar os personagens ou objetos.

Muitos gestores de tevês de instituições de ensino fazem parcerias com os núcleos de produção de conteúdo para con-seguir produzir cenários mais elaborados e com qualidade visual. Sabe-se que o cenário é a roupagem de um programa de televisão. Ele estabelece o primeiro contato visual de um telespectador e pode enriquecer ou empobrecer uma produção. Não que supere o conteúdo. Esse, sim, é o mais importante recurso de uma produção televisiva.

Conteúdo

O conteúdo exibido na programação deve retratar os projetos desenvolvidos na universidade, espelha o conteúdo desenvolvido em sala de aula e a comunidade acadêmica e do entorno dessas instituições. Nesse sentido, acredita-se que o sucesso e a qualidade das propostas apresentadas neste projeto serão diretamente proporcionais ao conteúdo produzido por cada instituição de ensino. Ressalta-se, aqui, que a formação cultural e acadêmica dos gestores das TVs Universitárias é outro ponto que deve ser entendido como resultado das produções.

A elaboração do conteúdo deve ser apresentada após uma intensa análise dos objetivos, dos valores, crenças e missão da instituição. No entanto, esse conteúdo é resultado também do conhecimento do gestor da TV Universitária, pois é dele a missão de socializar, propor novos formatos e incentivar ideias inovadoras, as quais podem espelhar a proposta da IES.

Em uma TV Universitária, um bom caminho para o início da sugestão de programação é o levantamento de conteúdo a partir da socialização entre todos os colaboradores da TV. Nesta etapa discutem-se o conteúdo que deve ser trabalha-

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do, o perfil da instituição de ensino, a estrutura física e de pessoas que há à disposição do projeto, layouts de vinhetas, cenários, da produção audiovisual. O alinhamento de conteúdo e estrutura faz com que haja uma grande economia de tempo e auxilia na criação de sinergia entre a equipe.

Os jovens são maioria entre o público interno de uma IES. Muitos deles vêm de outras cidades e se reúnem em repú-blicas do entorno da instituição com outros jovens na mesma condição. Nas IES que oferecem o curso de Comunicação Social, uma boa indicação é aproveitar o conhecimento de alunos e professores e investir em programas jornalísticos e documentais. Nessa perspectiva, nascem programas que oferecem liberdade de produção a alunos com talento para documentar, para a produção audiovisual e ainda para os que desejam aprofundar em reportagens jornalísticas. Iden-tificar esses talentos e dar voz a eles levará ao nascimento de muitos formatos.

O investimento em uma TV Universitária é muito alto. Necessita-se de equipamentos, estúdios, pessoal técnico e es-pecializado, sede, estrutura de serviços gerais, carro, manutenção de equipamentos audiovisual e outros. O retorno é institucional, mas ele pode ser melhorado com uma parceria entre o canal e o marketing, entre o canal e os cursos oferecidos pela IES. Nessa linha, propõe-se programas que visem a atrair o futuro aluno para a IES, de forma que ele participe do formato durante as gravações, que ele repercuta a visita nas redes sociais e entre amigos.

O conteúdo produzido por uma TV Universitária é o espelho da produção do conhecimento de uma IES perante a co-munidade. Para que isso aconteça, é necessária a participação de alunos, professores, funcionários e da comunidade do entorno. Essa participação coletiva pode acontecer com a produção de conteúdo que levem esse público para as telas, para que ele se sinta integrante do projeto. O programa com professores e com a comunidade acadêmica visa levar o docente para o estúdio, num formato diferenciado, com pautas que não trabalhem somente o currículo do pro-fessor e sim que o humanize, que mostre seus valores e crenças, suas ideias, suas aspirações, que abram espaço para que esse professor seja apresentado como indivíduos com suas virtudes e aspirações.

A proposta de programação de uma TV Universitária deve levar em conta os cursos que compõem a grade da IES, o per-fil do corpo docente e discente, a capacidade dos colaboradores da TV e os objetivos estratégicos da IES. No entanto, é necessária uma aproximação com o acadêmico, com os setores administrativos e um diálogo próximo com todos eles.

Apresentação aos Gestores

É chegada a hora de apresentar o projeto aos gestores da IES, de alinhar com eles as sugestões e de ouvir os pontos de vista, de assegurar que o projeto terá apoio e de rediscutir o que for necessário, com atenção às demandas externali-zadas pela gestão da IES.

Durante a apresentação é importante informar aos gestores o conceito do conteúdo apresentado para cada formato e o investimento que será destinado à realização do projeto. Uma proposta alinhada com missão, com os valores e objetivos da instituição ganha força. Há, ainda, a necessidade de apresentação do retorno do investimento, seja ele em imagem, em agregação de valor, aproximação com a comunidade ou mesmo monetário.

Saber ouvir é mais importante do que saber falar, pois entender os realinhamentos de conteúdo e de investimento fará toda a diferença na execução de seu projeto. Importante salientar que o briefing anterior à elaboração da proposta deve ser realizado com os gestores antes mesmo de se pensar em discutir o projeto com a comunidade acadêmica.

Considerações Finais

O objetivo principal deste texto foi mostrar a contribuição de práticas de Gestão do Conhecimento em televi-sões universitárias. Foi possível mostrar o seu papel na produção e disseminação da informação e do conhe-cimento e apresentar o crescimento e os desafios dessa mídia, que passa por um momento de reflexão tanto em relação à produção de conteúdo quanto à sua sobrevivência. A Gestão do Conhecimento é um processo articulado capaz de incrementar a habilidade dos gestores, se apresentando como uma ferramenta importante no processo de disseminação do conhecimento à comunidade acadêmica e foi possível apresentar uma pro-

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71posta de elaboração e de programação de uma TV Universitária à luz da Espiral do Conhecimento de Nonaka e Takeuchi.

No entanto, há diversas possibilidades de pesquisas futuras a respeito da abordagem sobre Gestão do Conheci-mento e Televisão Universitária. A temática, no entanto, pode ser aprofundada em pesquisas futuras. Há muito que ser feito.

A TV Universitária caminha para ser mais uma televisão neste negócio multifacetado. Ao invés de quatro ou cinco emissoras, nós vamos ter dez, vinte que as pessoas irão ver com regularidade. Teremos uma divisão mui-to grande e a TV Universitária poderá ser uma dessas ofertas de televisão, suprindo, inclusive, uma demanda por produção local. Esse é um diferencial importante: a programação local voltada para o conhecimento. O local e o conhecimento são dois produtos vendáveis e importantes para as pessoas.

Não serão muitas as TVs Universitárias que vão conseguir ser assistidas da maneira como se gostaria que elas fossem. Mas, aquelas que conseguirem suplantar suas crises de identidade e fizerem às pazes com suas origens e instituições, poderão exercer um importante papel para a sociedade e na sua comunidade acadêmica. E, para o público, não importará o lugar da produção para quem está assistindo. O importante é que seja uma televisão do conhecimento.

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Richardson Nicola Pontone1

Cláudio Márcio Magalhães2

Resumo

Há uma crescente abordagem epistemológica em torno do ativismo, em especial no que se refere às suas novas estratégias no uso das tecnologias de informação e comunicação (TIC). Com o questionamento sobre a democracia representativa, um movimento antes hierarquizado, torna-se horizontal. Surge o webdocumentário e o videoativismo. Paralelamente, já há tempo a influência dos meios de comunicação na aprendizagem tem motivado o estudo das interfaces entre comunicação e educação. Esse trabalho quer contribuir no entendimento dos aspectos sociais do webdocumentário e o papel da escola como formadora de conhecimento sobre representação de grupos sociais, a função do educador como artífice em processos colaborativos e os elementos presentes no documentário, e a escola local, articulada com os movimentos sociais, na formação crítica de documentaristas sociais.

Palavras-chave: Ativismo, Educação, Documentário, TIC, Comunicação

Introdução

Somos todos navegantes à procura de um lugar seguro, onde as contradições do mundo nos provoquem a reflexão e a constante busca do esclarecimento. A ideia de percurso e da necessidade de representar e mudar o mundo, ao nosso redor, nos inspira a pertinentes observações. Neste caso, à luz da das teorias da comunicação, e a pesquisa do gênero documentário, percebemos na comunicação dos movimentos populares algo a ser discutido como as formas existentes de exibição e propagação da informação produzida pelos movimentos sociais de caráter popular. Há também outras questões a serem levantadas: como é a distribuição e a representação da sociedade através do audiovisual nos movimentos populares e de que maneira a escola local pode contribuir para esta produção audiovisual independente.

Também, na atual configuração social e cultural, em que as imagens e os meios técnicos estão cada vez mais presentes nas práticas sociais, o campo de estudo da comunicação volta-se para a investigação das interações comunicacionais. Esta abordagem enfatiza a participação dos sujeitos como interlocutores do processo comunicativo. Portanto, não estamos interessados em abordagens que privilegiam apenas as dimensões produtivas ou de recepção. Hoje é necessária uma investigação que compreenda a complexidade dos processos que se apresentam para a comunicação social, tanto no âmbito da produção como da recepção. Nossa abordagem busca investigar o potencial e os desdobramentos da interação comunicacional que um modelo de narrativa interativa com o uso do audiovisual pode propor. Neste sentido abordaremos o 1 Mestre em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA. Professor do Instituto de Comunicação e Artes do Centro Universitário UNA. [email protected] 2 Doutor em Educação e Mestre em Comunicação Social, professor e orientador do Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local e do Instituto de Comunicação e Artes do Centro Universitário UNA. [email protected]

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O W E B D O C U M E N TÁ R I O , O V I D E O A T I V I S M O E A F O R M A Ç Ã O C R Í T I C A D E D O C U M E N TA R I S TA S S O C I A I S

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webdocumentário como um processo midiático fortemente marcado pela interlocução, em que os sujeitos são postos em relação dialógica com autores e obras, coparticipando da produção de sentido.

Nesta concepção seria idealmente o sistema de comunicação que convida o espectador a explorar e a produzir possibilidades de construção de uma narrativa espacial e/ou temporal em um ambiente digital composto por sequências de imagens em movimento.

Primeiramente, apresentaremos nossa abordagem sobre as chamadas novas tecnologias e como o webdocumentário pode ser entendido neste contexto. Em seguida, a caracterização dos meios digitais, conforme Manovich (2003) e Murray (2003), nos serve tanto para definirmos como para analisarmos modelos distintos. Nossa análise busca diferenciar os modelos em sua dimensão comunicativa, evidenciada pela coparticipação dos sujeitos na produção de sentido. Esta distinção nos leva ao Hypercafe, modelo proposto por Sawhney (1996) onde uma proposta estética sistematiza possibilidades de interação com a obra. Entretanto o papel dos sujeitos, produtores e receptores, neste modelo, será problematizado pelas investigações de Janet Murray (2003) e Vicente Gosciola (2003). Tais autores trazem a discussão para além da relação interativa dos sujeitos com a obra e nos ajudam a verificar a complexidade da autoria nos processos comunicativos interativos.

Buscaremos não apenas compreender as possibilidades técnicas da interação com imagens digitais, mas também compreender a qualidade desta mediação e como tal experiência pode fazer transparecer a lógica deste processo comunicativo no contexto social em que vivemos e viabilizar novas formas de estruturação dos produtos distribuídos em meios digitais. Neste modelo, onde os sujeitos ocupam lugar central no processo comunicativo em ambientes hipermidiáticos de natureza interativa, as tecnologias e o desenvolvimento dos processos técnicos refletem ideologias e formas de estruturação de uma lógica social. Portanto, como nos apresenta Manovich (2003), trata-se de uma maneira de ver, relacionar e dialogar com o mundo por meio de práticas que constituem a forma cultural do nosso tempo.

Novas Tecnologias – Novas Linguagens

As chamadas novas tecnologias não serão aqui abordadas a partir apenas de uma caracterização tecnológica, visto que o que as tornam relevantes para nosso estudo não é o fato de inaugurarem interatividade ou manipulação dos conteúdos. A novidade é o rompimento com a positividade de uma ordem tradicional tida como imutável e identificada como a estrutura objetiva do mundo, na direção de uma lógica que contesta os valores clássicos de acabado e definitivo, mais aberta e indefinida, onde o enunciado não determina simetricamente as significações. Estas tecnologias não inauguram, mas viabilizam a experimentação da pluralidade de significados que convivem num só significante. Manifestam um comportamento fundamentado numa lógica cultural que emerge na sociedade contemporânea.

Então só faz sentido falarmos em novas tecnologias a partir de suas estruturas para compreendermos tanto como propõem a inserção dos sujeitos no processo comunicativo e os desdobramentos desta configuração. Nesta perspectiva entendemos o sentido como resultado de um processo e não mais como algo dado que deve ser compreendido por um sujeito posicionado como espectador.

O webdocumentário vai ao encontro a esta caracterização dos processos comunicativos contemporâneos. Identificar suas características constituintes nos ajuda a compreender o que demandam dos sujeitos nesta proposta de relação interlocutiva, que constitui sua dimensão comunicativa.

O webdocumentário

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Ele pode ser definido como uma forma de estruturação de conteúdos audiovisuais em ambientes digitais, articulando imagens técnicas com a linguagem da hipermídia e viabilizando uma nova forma de estruturação discursiva. O webdocumentário tem um funcionamento muito próximo ao hipertexto. Porém, diferente de uma página da Web, que apresenta vários links simultaneamente no mesmo espaço, as oportunidades de associação aparecem e desaparecem à medida que as sequências de vídeo são reproduzidas. O link assume uma nova dimensão dentro do espaço do vídeo, a temporal. As sequências de vídeo são reproduzidas continuamente enquanto o usuário realiza escolhas que direcionam o desenvolvimento do fluxo audiovisual.

Em uma primeira aplicação a obra explora o relacionamento entre sequências de vídeo de forma simplesmente hierárquica. Este modelo é chamado de detalhamento por demanda. Durante a exploração da obra, usuário pode selecionar conteúdos que oferecem detalhamento sobre algum objeto ou tema apresentado em vídeo principal.

A digitalização das imagens e das formas de produção e distribuição nos permite hoje construir este tipo de produto audiovisual, em que mais de um fluxo lógico de narrativa podem ser experimentados.

Meio Digitais

O webdocumentário, como um meio expressivo inserido em ambiente digital, apresenta algumas características que incidem sobre suas possibilidades estéticas. Lev Manovich (2003) e Janet Murray (2003) apresentam conceitos para pensarmos como este universo é integrado aos meios digitais.

Lev Manovich (2003) enumera características básicas das novas mídias que se aplicam ao filme ao mesmo tempo em que moldam suas possibilidades comunicativas. Manovich considera que a partir da representação numérica, viabilizada pelo procedimento de digitalização, não só novos processos são inaugurados como os existentes são redefinidos. De fato, a digitalização tornou o produto audiovisual possível pela construção algorítmica de imagens, que só então se tornam programáveis, permitindo a construção de um sistema de navegação. O aspecto modular garante sua composição por partes, rompendo com a ideia de objeto inteiro que só poderia ser manipulado e compreendido em uma forma única, além de explicitar como diferentes formas de articulação estruturais podem se manifestar. A automação torna-se a chave para o diálogo entre usuário e o sistema de navegação que aciona comportamentos, pré-estabelecidos por algoritmos, a partir da interação dos sujeitos.

Assim podemos ilustrar muito facilmente como estas três características, digitalização, modularidade e automação, tornam-se presentes e constituintes da estrutura do webdocumentário. Entretanto, há ainda duas outras características que Manovich aponta como determinantes dos meios digitais, a variabilidade e a transcodificação.

Segundo Manovich (2003), um objeto das novas mídias não é algo fixo, mas que pode potencialmente existir em infinitas versões. Esta variabilidade é consequência direta da codificação numérica e da estruturação modular. O armazenamento digital das sequências audiovisuais torna possível a construção de diversos arranjos estruturais pela atuação sobre o sistema. Assim, a lógica da nova mídia corresponde a uma produção por demanda, onde uma versão customizada surge em resposta a uma ação de um usuário neste sistema. A variabilidade permite a manifestação de diversas narrativas pelas escolhas que o espectador realiza durante sua navegação.

O principio da transcodificação diz respeito, como foi referido anteriormente, à maneira como as formas de estruturação dos discursos podem traduzir formas culturais e vice-versa. Manovich defende que são reflexivas a lógica dos softwares e a lógica cultural.

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Neste pano de fundo, circunscrevermos um modelo que evidencia a multiplicidade de sentidos onde os sujeitos, explicitamente, coparticipam da significação, tanto pela denotação que atribuem aos elementos individuais, como por sua efetiva ação sobre os conteúdos e formas discursivas. Este processo representa uma lógica menos determinista a favor da ambiguidade e da indeterminação que acompanham e moldam formas de cultura contemporâneas. Contraditoriamente, este modelo de não tem sido explorado pelos meios de comunicação e distribuição de conteúdos digitais, que ainda ensaiam uma relação mais interativa com os espectadores.

Justamente nestas possibilidades de inserção e ação que os estudos de Janet Murray (2003) ampliam o potencial deste contexto, visto que as propriedades essenciais dos ambientes digitais, segundo esta autora, caracterizam dimensões interativa e imersiva. A dimensão interativa refere-se às possibilidades de ação dos sujeitos sobre os textos e estruturas discursivas, enquanto a dimensão imersiva, ilustra as formas de inserção destes sujeitos nos processos.

Segundo Murray (2003), na dimensão interativa os ambientes são procedimentais e participativos, enquanto que na dimensão imersiva apresentam-se espaciais e enciclopédicos. O caráter procedimental pode ser entendido como o motor de uma montagem de sentido dinâmica. Os procedimentos codificam as regras que possibilitam a ação, são materializados pelas formas de oportunidades de link. O cerne do processo comunicativo manifesta-se na ação do participante, denominado interator, que se aventura pelas regras que permitem sua atuação sobre a narrativa. O webdocumentário representa espaços exploráveis por onde o interator pode deslocar-se pela dimensão espacial e temporal, explorando uma rede de associações entre sequências audiovisuais. O caráter enciclopédico pode ser considerado a dimensão mais promissora para criação de narrativas pois oferece a possibilidade de multiperspectivas e entrecruzamentos por onde os sujeitos podem construir um percurso próprio.

Descrição e Narrativa no webdocumentário

O foco de nossa investigação está no potencial do webdocumentário como estrutura aberta e inclusiva que permite a construção de um fluxo lógico durante processo interação. Não nos interessam os modelos e estudos que privilegiam somente o potencial descritivo e sim os que enfatizam as múltiplas possibilidades de narrativas distintas. Os modelos que investem no potencial descritivo geralmente, trabalham com o detalhamento de uma narrativa principal. Assim, não viabilizam mudanças de ênfase a partir das escolhas realizadas pelos interatores, e sim um reforço ou explicação de um foco central. Nestes modelos ainda há a presença de uma lógica unívoca, em que todos os conteúdos, independente da forma ou a quantidade de relações que estabelecem, corroboram e convergem para um entendimento preferencial de uma narrativa dominante, variando apenas os percursos.

Esta exploração do caráter enciclopédico, feita pelos modelos de detalhamento-por-demanda, não explora a coexistência de multiperspectivas sobre uma temática central. Por isso, estes modelos têm servido aos propósitos educacionais e de treinamentos, em que processos e conteúdos devem ser compreendido de uma forma unívoca.

O videoativismo

Ultimamente, inúmeras investigações são feitas sobre ativismo. O que antes conhecíamos como militância, hoje, com a degenerescência da democracia representativa, o que era organizado em partidos e sindicatos, se transformou em movimento autônomo. Uma ordem horizontal, não hierarquizada, surge. A cultura do

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faça-você-mesmo está tomando novas formas. O que antes seria da ordem dos interesses individuais está para o fazer coletivo. Surge então o videoativismo. Uma forma de registro não convencional, que emerge em meados dos anos 1990 muito influenciado pela geração de realizadores das décadas de 1970 e 1980. Em junho de 2014, a população pôde perceber mais fortemente através das redes sociais os inúmeros registros, compartilhados e distribuídos.

Nosso mundo, nossa dimensão, encontra-se fortemente atrelado aos meios de comunicação. Thompson (1995, p.285) destaca que, na contemporaneidade, “o conhecimento que nós temos dos fatos que acontecem além do nosso meio social imediato é, em grande parte, derivado de nossa recepção das formas simbólicas mediadas pela mídia”. Assim, percebemos a esfera dos meios de comunicação como o espaço público midiático, que confere visibilidade aos acontecimentos sociais. Aparecer neste espaço significa, na atualidade, aparecer na esfera pública, inserir-se no campo do que é visível e compartilhado socialmente.

Os projetos de comunicação comunitária surgem da percepção, pelos grupos e entidades da sociedade civil, da necessidade de conquistar possibilidades de visibilidade no espaço público midiático. Nestes projetos, as mídias são percebidas não só como espaços de visibilidade pública, mas também – e principalmente – como espaços para ocupação e debate públicos. A proposta é a efetivação da garantia do direito à livre expressão. Assim, a comunidade envolvida é convidada a produzir mensagens através dos meios de comunicação.

As iniciativas em curso hoje no Brasil dão ênfase à ideia de mobilizar pessoas e grupos através da mídia. Santoro (1989, p. 38) demonstra que uma animação social e cultural utiliza os meios eletrônicos para pôr em movimento uma vila, um bairro ou mesmo um grupo. Isso implica, de uma parte, na vontade de colocar as pessoas em relação umas com as outras; de outra, em ajudá-las a descobrir, a exprimir, a discutir e resolver problemas que elas encontram” (SANTORO,1989, p.38). Mais uma vez, através das manifestações de junho de 2014 no Brasil, percebemos toda esta movimentação.

Entender o meio

Para a formulação e criação em um meio comunitário o grupo envolvido tem que conhecer os processos, ou seja, o discurso do veículo em questão. Sendo assim, o início de uma experiência de comunicação comunitária geralmente é marcado por atividades elaboradas por uma equipe de comunicadores e educadores, que realiza, junto ao grupo, exercícios de criação ao longo dos quais são apresentados os elementos que constituem a linguagem e o processo de produção na mídia.

Neste momento, é possível o uso dos clichês. Trata-se, porém, de um momento muito rico. É na experimentação que podemos problematizá-los. O termo clichê nos remete à produção mecânica em série e também é um sinônimo de lugar-comum. Segundo Ferreira (1993, p.46), é um “modelo já estabelecido para requerer, declarar, executar, resolver, alguma coisa com palavras precisas e determinadas”.

O discurso marcado na comunicação de massa é feito por fórmulas e modelos que precisam ser percebidos, compreendidos e discutidos. A superação do clichê só se faz possível quando a discussão ganha complexidade e os participantes começam a buscar novas possibilidades para expressar-se e a construir novas linguagens.

No sentido de ousar a inventar novas linguagens, podemos partir para uma perspectiva experimental, reinventado assim a linguagem da mídia extrapolando os discursos convencionais. Por outro lado, pode ter um outro sentido, o de provar o gosto de produzir a informação. Ao degustar a mídia, a comunidade entende seus mecanismos e sua estrutura.

É neste momento que percebemos a colaboração da escola e a posição do educador neste processo. Podemos ir um pouco mais além ao elaborar o conteúdo e as vivências das disciplinas do ensino fundamental e médio para exemplificar uma série de questões que estão em nosso cotidiano. O professor de determinada disciplina

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pode estimular seus alunos na produção de trabalhos audiovisuais e relacionar com outras disciplinas e, consequentemente, ao seu meio social. Neste aspecto, há uma grande possibilidade de trazer os fundamentos de interdisciplinaridade para a escola e a prática no meio social em consonância com o tempo histórico que vivemos.

A partir destes elementos é possível agregar o jovem na perspectiva do empoderamento. A adolescência como uma etapa de transição para a autonomia é um momento de buscas pessoais que podem constituir oportunidades. A metodologia de educação para a comunicação, neste caso para a produção de narrativas audiovisuais, o documentário, mostra que é possível construir uma educação para valores, centrada no cuidado consigo mesmo e com o outro. Essa construção parte da busca dos jovens pela autonomia e do diálogo entre pares como oportunidade. Para que estes jovens sejam também atores do seu próprio processo educativo, é necessário ter o olhar centrado na importância do envolvimento da escola na comunidade. Percebemos também que esta é uma grande possibilidade para reduzir o índice de evasão escolar.

O diálogo entre os campos da educação e da comunicação não é exatamente novo. Paulo Freire (2011) considerava, por exemplo, os dois processos semelhantes. Para ele, comunicar era uma atribuição básica do educar. O educar seria, então, uma comunicação específica. Freire afirmava que o verdadeiro objetivo da educação é transformar o mundo. Aprender a ler é aprender a entender o mundo, isto é, ter acesso aos tesouros de toda a literatura, a todo conhecimento produzido e registrado de forma escrita. E aprender a escrever significa mudar esse mundo, isto é, imprimir nele sua própria experiência, seu ponto de vista, sua opinião. Uma vez comunicada esta palavra, o mundo já não é mais aquele de alguns instantes atrás: sua ação já agiu sobre ele, já o mudou.

Mídia processo

Este jovem, amparado por estes elementos trabalhados na escola, pode levar para a sua comunidade o que Daniel Brazil (1992, p.14) conceitua como mídia processo: “determinada comunidade ou grupo utiliza forma sistemática o vídeo como elemento de integração [...] em uma produção em geral coletiva, que busca atender seus interesses”. Todo o processo de criação é coletivo. A escolha dos temas, a linguagem abordada tem tanta ou mais importância que os produtos realizados. Na criação coletiva, o grupo precisa apropriar-se da tecnologia e definir o que mostrar/dizer e como mostrar/dizer. Ao longo do processo são criados espaços, tanto em escolas como em outros ambientes comunitários, onde é possível descobrir e trabalhar coletivamente as questões dispersas no cotidiano, redimensionando o olhar sobre tais questões. Esse processo, tão importante quanto o produto final, torna possível o surgimento de novas identidades e de novas perspectivas de ação política individual e coletiva.

A prática e a teoria trabalham de forma integrada nesses processos. Neste sentido, o processo de produção tem, portanto, um papel formativo da maior importância. O produto final não é o objetivo maior. O objetivo maior é experimentar coletivamente. A comunidade descobre a linguagem, os aspectos técnicos, as negociações entre os atores na medida em que cria a sua própria mídia. Enfim, o termo mídia processo diz respeito a esta metodologia de produção midiática que tem como fundamento a experimentação coletiva.

Odeia a mídia? Seja a mídia.

Ao ocupar as praças, associações e centros culturais, logo após a veiculação dos programas, chega o debate. Os assuntos tratados são discutidos pelo coletivo. Assim, os produtores podem ter um retorno da mensagem diretamente com o público.

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Durante a produção de uma obra audiovisual, os assuntos tratados são discutidos pelo coletivo. Há uma forma diferenciada de gestão na construção, neste caso, do documentário. Assim, os produtores podem ter um retorno da mensagem diretamente com o público. Podemos dizer que existe uma interatividade. Neste aspecto, há uma grande diferença da prática dos meios de comunicação de massa. É um grupo restrito de pessoas que estão produzindo. É uma forma de distribuição de conteúdo, uma alternativa à televisão presente em nossas salas, tanto as domésticas como as da escola.

Outro aspecto importante a ser destacado é que um dos princípios norteadores dos meios comunitários e educacionais é a constituição de conselhos gestores, com representação de diversos segmentos, para a definição de diretrizes e a avaliação das produções. No processo de ocupar o espaço da mídia numa perspectiva autoral, os grupos envolvidos nas iniciativas de comunicação comunitária tornam-se sujeitos ativos na cena midiática.

Na Grécia antiga, o termo cidadania consiste no direito de participar dos processos coletivos de decisão dos destinos da cidade. A cidadania não está ligada somente ao “direito de ter direitos” ou à questão básica do acesso a uma vida digna. O termo cidadão deriva-se da palavra latina civita que significa cidade e que tem como correlato o grego politikos – aquele que vive na cidade.

O documentarista social

Vivemos em tempos mediados e midiatizados. Com as novas relações de trabalho, surge então, uma nova divisão. Qual o tempo necessário para a crítica e o esclarecimento? Qual o papel dos meios e das práticas comunicacionais? Qual a função da escola na formação deste cidadão audiovisual? Estamos reduzidos a uma mídia corporativa e reducionista onde tudo é espetáculo. É a barbárie pela barbárie ou o caos pelo espetáculo. Em nossas salas convivemos com estas corporações, em um jogo sensacionalista, como, por exemplo, a cobertura da tragédia de Santa Maria/RS, em janeiro de 2013, onde 240 jovens morreram em um incêndio de uma casa noturna, e o esvaziamento da crítica ao colocar no lugar comum as manifestações sociais e o vandalismo.

Na Primavera de 1968, na França, Jean–Luc Godard acenou para um cinema de ruptura. O mundo estava em mudanças. Era um período de Guerra Fria onde as instituições de ensino estavam sofrendo uma forte pressão para mudanças em seus projetos. Em razão disso, os estudantes franceses se rebelaram e criaram um embate, propuseram uma ruptura ao sistema de ensino instalado por Charles De Gaulle, influenciado pela política norte americana. No Brasil, influenciado por estas rupturas, surge o Cinema Novo onde se destacavam, entre outros, Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos, além do Cinema Marginal, representado por Carlos Reichenbach, Rogério Sganzerla e Paulo César Peréio. Os ventos da contracultura provocaram a necessidade de exercer o exercício das rupturas.

O processo de produção de vídeo sofreu uma forte influência destas ações, sobretudo, na cobertura de manifestações. Com o advento do vídeo digital e de novos processos de produção e pós-produção, surge o que denominamos de documentarista social. Os limites do documentarista e ativista se misturam, perdendo-se os limites entre o ativista que está gravando e o ativista que está participando da manifestação.

O videoativismo e documentarista social crítico surgem neste momento como sujeitos históricos, ao registrar o conceito de justiça social. Através do registro de imagens é possível proporcionar o debate, construir uma rede de relações contrárias às políticas públicas comandadas por uma minoria. Neste contexto, a formação se faz necessária para estimular a comunidade, promovendo a capacitação e o desenvolvimento de grupos excluídos do acesso da produção e acesso à informação contribuindo para a democratização do conhecimento. A organização autônoma e horizontal na produção de documentários tem grande possibilidade de expressar a vontade dos movimentos sociais de caráter popular.

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O documentarista social tem um papel fundamental na ajuda a estes movimentos, produzindo documentários que eles necessitam em sua organização e/ou formação dos grupos a produzirem sua própria comunicação. Nos final do século XX temos uma explosão na produção de documentários com ênfase nos acontecimentos sociais em virtude das novas tecnologias informação e comunicação: câmeras digitais, smartphones, tablets e a Internet - neste caso, meio essencial na distribuição e organização das redes.

Segundo Arlindo Machado em Made in Brazil - Três Décadas do Vídeo Brasileiro.

Para se avaliar corretamente a contribuição do vídeo para uma leitura crítica do Brasil seria necessário identificar a natureza do olhar diferenciado que ele lança sobre o país e sobre seu povo. As diversas gerações de videastas rejeitaram qualquer tipo de representação totalizadora, deixando patente nas obras as suas próprias dúvidas e parcialidades de sua intervenção, ao mesmo tempo em que se interrogavam sobre os limites de seu gesto enunciador e sobre sua capacidade de conhecer realmente o outro. Com o vídeo, aquele que aponta suas câmeras para o outro não se encontra mais necessariamente numa posição privilegiada como produtor de sentidos, não está mais autorizado a dizer toda a verdade sobre o representado, nem está apto a dar uma coerência impossível à cultura enfocada. Os próprios realizadores não se encontram mais ausentes do “texto” audiovisual, nem se escondem atrás das câmeras, de modo a sugerir uma pretensa naturalidade (MACHADO, 2003, p. 35).

Em alguns momentos históricos, o documentário brasileiro, herdeiro político de uma longa tradição do populismo, trata de forma paternalista dos problemas sociais brasileiros, tem dificuldades em dar a palavra a estes. A multidão é representada como uma massa amorfa, sem vontade própria e sem capacidade de produzir um discurso crítico, isto é, quando também não é retratada como algo exótico, neste caso, na ficção, temos uma forte influência da estética do filme publicitário, como o filme Cidade de Deus, de Fernando Meirelles. Estes mesmos excluídos, detectados às vezes equivocadamente, agora, com o documentarista social crítico, ganham novas formas de representação, começam a ser retratados com saberes, vontades e capacidade de formular hipóteses sobre sua própria situação. O documentário, agora, não entendido apenas como um gênero do audiovisual.

Para além da exibição: a distribuição

Pensando para além de nossas escolas, praças, associações, sindicatos, cineclubes, ou seja, possíveis lugares presenciais de exibição e debate da produção, temos outro meio para deixar disponível para outras pessoas ou coletivos distribuírem entre si: a Internet.

A distribuição no audiovisual sempre foi um problema, as salas de cinema e as distribuidoras de filmes até bem pouco tempo atrás (quando começamos a ter grandes bilheterias de filmes independentes e de baixo orçamento, com contexto político) não tinham nenhum interesse em representar, exibir ou comercializá-los. É difícil ainda hoje tornar públicas as informações de que certas obras existem e como adquiri-los. Mesmo que muitos desses vídeos tenham excelente qualidade, técnica e conteúdo, podendo ter significativo efeito sobre o debate público se fossem vistos por grandes audiências, ainda há um penhasco que divide a produção e a difusão desses trabalhos. John Downing em Mídia Radical, argumenta

É possível também que as audiências não tenham preparo cultural para envolver-se com

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os assuntos tratados nos vídeos, já que não são apresentados no estilo sensacional que elas foram treinadas a valorizar. Isso também limita o impacto dos vídeos. É justo dizer que grande parte do enorme potencial criativo na cultura do filme e do vídeo ainda está por realizar-se (...) outra questão importante, que pode afetar os diversos tipos de projetos de vídeo de maneiras diferentes, é o tema da distribuição. Pode ser que o desenvolvimento de cabos de larguras de banda cada vez maiores para utilização na Internet traga, com o passar do tempo, alguma solução técnica para esse problema. (DOWNING, 2002, p.234).

No texto, o autor, há mais de uma década, fala da importância da velocidade de conexão na web. Hoje sabemos que já é possível se conectar de qualquer lugar usando um smartphone. Podemos deixar, como exemplo, o surgimento de grupos como o Mídia Ninja nas coberturas das manifestações no Brasil em junho de 2014. De posse de um smartphone e conexão web, o documentarista social pôde compartilhar as imagens das manifestações. Estas imagens não estavam restritas a uma localidade - estavam sendo transmitidas para todo o mundo. É uma quebra de paradigma. São novas possibilidades de meios e formas de distribuição acessível a muitos indivíduos sem que para isso precisemos de uma concessão pública. O fato do usuário poder escolher a forma e como assistir e identificar o melhor canal é muito significativo e cria assim um repositório de vídeos independentes, acessíveis a qualquer hora em qualquer lugar, proporcionando um meio dinâmico de organização e solidariedade popular.

Os ativistas funcionam como documentaristas sociais, mediando as notícias e a análise de fatos atuais e de movimentos sociais, mas através das redes virtuais o próprio movimento tem a oportunidade de se expressar diretamente, publicando além de vídeos, relatos, áudio e denúncias. Cada vez mais os ativistas lutam para proteger os direitos humanos e as liberdades civis, diminuindo os limites entre os ativistas populares dos produtores de mídia.

Conclusão

Há mais de uma década, com o surgimento e a evolução das ferramentas que facilitavam a produção e manutenção de artigos postados em ordem cronológica, o usuário da Internet vem tendo cada vez mais acesso ao processo de construção e publicação de conteúdo na rede. Estas ferramentas fizeram a ponte para que eles saíssem da condição passiva de receptores de informação para a condição de produtores ativos de conteúdo. Esta nova realidade deu força à rede e introduziu o conceito de web 2.0 ao mundo digital onde cada agente se torna um artífice do novo processo de troca e compartilhamento de informação em uma plataforma compartilhada e multiuso. O faça você mesmo toma nova força na web e uma imensidão de processos, documentos, arquivos, imagens, áudios começam a serem criados e compartilhados em todos os lugares. É importante lembrar que essa realidade não veio de maneira isolada ou individualista: ela só tem tamanha força por estar baseada na cultura colaborativa. O usuário da rede é sujeito essencial nessa transformação.

A rede como conhecemos não é nova, ela existe há séculos. As redes presenciais trazem consigo o preceito da organização de pessoas, entidades ou empresas. Neste caso, temos os movimentos sociais. Seus preceitos nascem neste mesmo ambiente e seguem a mesma estrutura, o mesmo processo, e de uma forma mais ampla, coletiva, colaborativa e veloz.

As novas Tecnologias de Informação e Comunicação constituem parte essencial da metodologia de formação dos jovens em sala de aula. O trabalho com adolescentes preocupa-se não apenas com o domínio da tecnologia, mas com a oportunidade de refletir sobre suas realidades e de agir, enquanto cidadãos exercendo seus direitos, empreendendo ações de transformação da sociedade em que vivem.

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Acreditamos que o primeiro passo é ouvir o jovem, numa discussão baseada em seus legítimos interesses. Esse é um processo de aprendizado que não se faz em salas de aula, neste modelo que temos, com lições tradicionais. Nesta nova proposta, o conhecimento é criado coletivamente: um processo no qual todos contribuem com seus saberes específicos. Ao final do processo, é possível que os jovens que dele participaram se reconheçam como co-autores das descobertas feitas.

O uso das novas TIC está intimamente relacionado com esse modo de agir. Os participantes adquirem a capacidade de usar novas ferramentas e novos instrumentos para dizer sua própria palavra, fazer valer seus direitos, argumentar por justiça e por mudanças benéficas para todos.

É possível, com essa metodologia, afetar profundamente a estrutura da escola, sua maneira de ser e de se organizar. É possível que os jovens, por meio de oficinas técnicas de produção de documentários, experimentem diferentes formas de uso dessas linguagens no cotidiano escolar como mais um meio de troca de informação, de expressão de ideias, de sistematização de aprendizados e de produção coletiva de conhecimento.

Além da parceria com a escola e da adesão dos professores, o foco de todas as ações do possível projeto é o ambiente da escola e as relações que a compõem. Assim, os documentários produzidos e realizados pelos jovens envolvem toda a comunidade escolar e seu entorno, a comunidade.

Por outro lado, encontramos uma escola que, embora carregada dos anseios sociais e desejos eminentemente próximos ao ativismo, não fomenta e forma sujeitos capazes de serem os catalisadores deste movimento. Essas características, muitas das vezes, se encontram nos docentes, mas sem a instrumentalização necessária para torná-los artífices e mestres desta produção libertária. Embora tudo o que foi dito neste artigo seja eminentemente educativo e formador da cidadania, pouco se vê na formação dos professores e na sua atuação em sala de aula.

A formação crítica de documentaristas sociais poderia abrir as portas para um fazer próximo do ser, e que levasse a vocação orgânica de uma comunidade às pequenas telas do convívio cotidiano daquelas pessoas, como TVs, DVDs, projetores, exibições em eventos comunitários ou mesmo no envio de vídeos por SMS ou compartilhado nas redes sociais, tornando os atores daqueles processos em personagens de sua própria história.

Referências

BRAZIL, Daniel. Vídeo: uso e função. In: Boletim Vídeo Popular, da Associação Brasileira de Vídeo Popular, nº 15. São Paulo: ABVP, 1992.

DOWNING, John D. H.; Mídia Radical: rebeldia nas comunicações e movimentos sociais. São Paulo, Editora Senac, 2002.

FERREIRA, Sandra Lúcia. Introduzindo a noção de interdisciplinaridade. In: FAZENDA, Ivani Catarina Alves et al.(Org.). Práticas interdisciplinaridades na escola. 2 ed. São Paulo, Cortez, 1993, p.33-35.

FREIRE, Paulo, GUIMARÃES, Paulo. Educar com a Mídia – Novos diálogos sobre educação. São Paulo: Paz e Terra, 2011.

GOSCIOLA, Vicente. Roteiro para as novas mídias: do game à TV interativa.São Paulo: Ed. Senac São Paulo, 2003.

MACHADO, Arlindo; Made in Brasil: três décadas do vídeo brasileiro. São Paulo, Itaú Cultural, 2003.

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E D U C A Ç Ã O , G E S TÃ O S O C I A L E D E S E N V O LV I M E N T O L O C A L : A L G U M A S C O N S I D E R A Ç Õ E S S O B R E A E X P E R I Ê N C I A D O M S T N A L U TA P E L A G E S TÃ O S O C I A L D A E S C O L A

Adilene Gonçalves Quaresma1

Resumo

O texto apresenta a análise sobre a relação entre educação-desenvolvimento local e gestão social da escola na expe-riência do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST em Minas Gerais. Resulta de pesquisa realizada no Doutorado2 no período de 2009 a 2011 e compreendeu uma abordagem qualitativa, com entrevistas, aplicação de questionários e observação de atividades desenvolvidas nas escolas pesquisadas e no assentamento em geral. A análise realizada leva a concluir que existe uma concepção de gestão da escola do Movimento, apoiada numa perspectiva de gestão “a favor do social” que entra em choque com o modelo gerencial do Estado.

Palavras-chave: Educação. Desenvolvimento Local. Gestão Social. MST.

Introdução

Segundo Neto et al (2012), para melhor compreender os processos sociais que perpassam a luta pela reforma agrária, faz-se necessário inseri-la no conjunto da articulação dos elementos conjunturais e estruturais que envolvem a questão. É, nesse sentido, que a discussão sobre a Educação do Campo, como bandeira de luta articulada à luta pela terra, é apresentada nesse texto. A luta por educação para os trabalhadores do campo tem como elemento constituinte, também, a política de educação para o país, que apoiada na dualidade estrutural da sociedade e na submissão do campo à cidade, deixou à margem da escola os filhos dos trabalhadores do campo. Tal realidade apresenta possibilidades de mudança a partir do movimento iniciado na década de 1990, tendo à frente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST.

É como resultado dessa luta que a educação do campo, como a educação em geral, configura-se como direito e como política pública do Estado brasileiro também para os trabalhadores do campo. Como política pública e como necessidade social a ser concretizada, insere-se no contexto de conflitos/consensos Estado-Sociedade Civil, que decorre do modelo flexível de produção. Esse contexto de conflitos/consensos compreende diversos atores e concepções diferenciadas em relação à educação do campo. O MST tem sido um dos movimentos sociais do campo que tem se posicionado criticamente em relação às orientações e práticas oficiais para a educação do campo.

Este texto tem por referência pesquisa realizada no Doutorado, concluído em fevereiro de 2011, no Programa

1 Professora do PPG em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA.2 Projeto aprovado pelo Conselho de Ética na Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais – COEP/UFMG, sob o número 035/09 em 19.08.2009 e pelo Colegiado do Programa de Pós-graduação Conhe-cimento e Inclusão Social da Faculdade de Educação da UFMG, em 30.09.2008.

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de pós-graduação em educação Conhecimento e Inclusão Social da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, cujo objetivo foi analisar a pedagogia da relação trabalho-educação no Projeto Político-Pedagógico do MST em escolas de assentamento em Minas Gerais. Os sujeitos da pesquisa com-preenderam professores, alunos e lideranças assentadas. Os alunos e professores que responderam aos ques-tionários e participaram das entrevistas são do Ensino Fundamental e do 1º e 2º segmentos da Educação de Jovens e Adultos.

O objetivo do texto é discutir como o MST estabelece a relação entre educação-desenvolvimento local e ges-tão social da escola, apesar do contexto do modelo gerencial implementado pelo poder público. As questões são apresentadas em dois tópicos: base teórica, na qual são abordados conceitos e questões sobre a gestão da educação no novo modelo gerencial do Estado Brasileiro no contexto do conflito/consenso Estado-So-ciedade Civil e o desenvolvimento local e a gestão social como conceitos que compreendem perspectivas e projetos de sociedade diferentes; e o tópico resultados e discussão, no qual são apresentadas a análise e a discussão da experiência do MST.

Base teórica

As políticas públicas para a educação brasileira integram-se ao processo de reformas educacionais imposto pelo novo modelo de produção flexível. Em substituição ao taylorismo/fordismo, a produção flexível com-preende, em linhas gerais, segundo Carvalho (2009, p.1141citando SENNETT, 2000), três aspectos estrutu-rais e organizacionais na moderna forma de flexibilidade dos processos de trabalho: a especialização flexível da produção, a reinvenção descontínua das instituições e a concentração do poder sem centralização. Esses três aspectos vão promover mudanças significativas no Estado e na sua forma de gerenciar suas atividades, sendo que, para Carvalho (2009, p. 1145):

Nessa reforma, na perspectiva de seus proponentes, o Estado deve responder com maior rapidez e eficiência às constantes mutações do mercado global e às demandas sociais, exercer um papel mais decisivo na reestruturação produtiva e diversificar as fontes de financiamento. Vê-se na reforma a possibilidade de se flexibilizar a ação estatal e de se liberar a economia, conduzindo-a a um novo ciclo de crescimento eco-nômico e, ao mesmo tempo, proporcionar ao Estado maior governabilidade. Em face disso, o problema da eficácia administrativa torna-se questão central nos debates e nas reformas políticas dos anos de 1990, em meio aos quais o novo modelo de gestão pública que se apresenta é o gerencial.

A linha mestra nessa nova fase é a diminuição das suas funções, adotando a privatização, a terceirização e a “publicização”, que compreende a transferência para o setor público não-estatal de funções antes prestadas pelo setor estatal; a diminuição da regulação do mercado; e o aumento da governabilidade do Estado, que se sustenta na existência de instituições políticas que garantem a intermediação de interesses, legitimando os governos e aperfeiçoando a democracia, abrindo espaço para o controle social ou a democracia direta (PEREIRA,1997 apud CARVALHO, 2009).

Carvalho (2009) apresenta 16 estratégias do modelo gerencial adotado pelo Estado e diz que, com esse modelo gerencial, o Estado de investidor passa a ser o mantenedor, assumindo a função de regulador e faci-litador da iniciativa privada, o que exime sua responsabilidade direta de produzir e fornecer bens ou servi-ços. Passa de executor direto para árbitro, consistindo sua intervenção em redistribuir ou realocar recursos, introduzir regras para orientar as relações entre os prestadores públicos e privados, em avaliar previamente

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necessidades e recursos disponíveis, em definir antecipadamente metas e posteriormente monitorar sua rea-lização, separando a função de governar e a de executar.

Esse modelo gerencial é utilizado na gestão das políticas públicas em geral e da educação, tendo em vista adequá-la ao novo modo de produção flexível. Sendo assim, a gestão educacional passa a ser evidenciada, pois esta configura-se como uma estratégia de sustentação da reforma, fundamental para o sucesso da apren-dizagem e a melhoria da qualidade da educação, adequando-a às novas exigências do capital (ARAÚJO; CASTRO, 2011).

Outro aspecto a ser considerado é que, além de orientar a educação para a adequação da força de trabalho ao modelo flexível de produção, segundo Oliveira (2009, p.25), “a educação é dirigida à formação de força de trabalho e concomitantemente a escola atua como agência de assistência social.” É em meio a essa duplici-dade de funções que os embates, conflitos e consensos têm sido construídos ou não.

Nesse sentido, diversas questões se colocam, por exemplo: qual é o resultado desse modelo gerencial para a Educação do Campo? Como no interior da sociedade e da escola essas políticas se configuram? Que são as dificuldades e avanços possíveis? Qual é o modelo de educação do campo que tem prevalecido? Qual o poder de ação dos movimentos sociais na gestão dessa educação? O que tem sido possível construir nesse espaço de disputa no se constitui a educação pública?

Quanto ao entendimento contemporâneo de sociedade civil, a ideia básica é de que esta (como em Gramsci) distingue-se das esferas do Estado e da economia, buscando assim evitar o liberalismo, no qual a integração social concentra-se no mercado; e o estatismo, que coloca a sociedade civil subsumida no Estado (como nos países socialistas). O que não quer dizer que “distinção” significa separação, ou seja, a sociedade civil não está “apartada” do Estado.

Para Nogueira (2003), a sociedade civil é considerada um espaço no qual são elaborados e viabiliza-dos projetos globais de sociedade, articulam-se capacidades de direção ético-política e disputa-se o poder de dominação. Porém, tomando por referência a política neoliberal, apoiada no modelo flexível de produção e na realidade da sociedade brasileira a partir de 1990, verifica-se um processo de ruptura da sociedade civil com o Estado, contrário, a princípio, à tese gramsciana de que a sociedade civil constitui-se como “parte orgânica do Estado”. Assim, segundo Nogueira (2003), as correntes mais recentes tendem a tratar a

Sociedade civil como uma instância separada do Estado e da economia, um reino à parte, potencialmente criativo e contestador, visto ora como base operacional de iniciativas e movimentos não comprometidos com as instituições políticas e as orga-nizações de classe, ora como espaço articulado pelas dinâmicas da “esfera pública” e da “ação comunicativa” (HABERMAS, 1997a e 1997b; NOGUEIRA, 2003, p.2).

Mas o conceito gramsciano de sociedade civil não é hegemônico hoje. Em diálogo com Gramsci e apresentando novos elementos para classificar as tendências de abordagem da sociedade civil atualmente existentes, Nogueira (2003) apresenta dois conceitos distintos: Sociedade Civil Liberista e Sociedade Civil Social.

A Sociedade Civil Liberista compreende o mercado no comando, em que a luta social faz-se em termos de competição e privadamente, sem interferência pública ou estatal. A sua relação com o Estado é de eventuais alianças ou combinações. Nessa concepção, a “sociedade civil” é vista como um “setor público não-estatal”, palco de organizações que são “públicas”, porque estão voltadas para o interesse geral; mas que são “não-estatais”, porque estão soltas do aparelho de Estado. A disputa nessa sociedade não é pela hegemo-nia, mas por atuação em busca de vantagens ou por extração de maiores dividendos para si.

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A concepção de sociedade civil que Nogueira (2003, p.6) classifica como liberista é representada pelo chamado “Terceiro Setor”, composto por “um vasto conjunto de organizações sociais voltadas para o atendimento de necessidades e carências de certos segmentos da população e unido por uma mesma le-gislação reguladora”. Em termos de polarização e contraposição ao Estado, nessa noção de sociedade civil liberista, a sociedade civil limita-se a “ferir”, “cutucar” os governos em alguns pontos, mas não o suficiente para desestruturá-los, pois é, muitas vezes, manipulada por eles. Para Nogueira (2003):

Em sua configuração de típico-ideal, essa sociedade civil produz incentivos basi-camente competitivos: re-fragmentação, fechamento corporativo dos interesses, despolitização. Nela tendem a se articular movimentos direcionados para valorizar interesses particulares, atender demandas, fiscalizar governos, desconstruir e desres-ponsabilizar o Estado, enfraquecer ou desativar dispositivos de regulação (NOGUEI-RA, 2003, p.7).

A concepção de Sociedade Civil Social, por sua vez, situa-se além da sociedade política, do Estado e do mercado. Compreende políticas étnicas, religiosas, culturais, de gênero e processa-se em movimentação permanente, com autonomia e luta por aquisição de direitos e contestação ao sistema.

A sociedade civil sustenta-se, assim, sobre uma concepção dicotômica: nela estariam o universalismo, a ética, o diálogo, ao passo que no político estariam o particularis-mo, a força, a corrupção. Sua teoria trabalha com um construto formal de um modelo carregado de preferências valorativas, a partir dos quais se julga a integridade moral e a estatura política dos atores. Nessa concepção, portanto, a sociedade civil é um es-paço situado além da sociedade política, do Estado e do mercado. Um espaço de onde se busca extrair dos governos, elementos para restringir o mercado e liberar energias societais autônomas. Nele, age-se para contestar o poder e o sistema, mas não para articular capacidades de direção ético-política ou fundar novos Estados (NOGUEI-RA, 2003, p.8).

Na sociedade civil social, existiria um espaço maior para questionamento e contestação do Estado e do mercado, ao contrário da sociedade civil liberista, que funciona como substituta do Estado naquilo que este não faz e em articulação com o mercado.

Mesmo com algumas diferenças, a sociedade civil liberista e a sociedade civil social sustentam-se sobre uma valorização da sociedade civil em si, ou seja, uma esfera própria, autônoma diante do Estado, a ele oposta; uma instância homogênea e integrada por intenções comuns, que se comporiam espontaneamen-te. Porém, para Nogueira (2003), passa-se uma ideia de sociedade civil vazia de tensões, disputas e contra-dições, que “luta”, mas não está atravessada por lutas, por exemplo, “luta de classes”, não se estruturando como campo de ações para organizar hegemonias. O que se verifica, portanto, é uma sociedade civil dispersa em suas ações, despolitizada em suas lutas, com raras exceções, e sem poder de intervenção tanto no Estado como no mercado. O campo de lutas estaria assim composto: Estado x mercado x sociedade civil (liberista e social).

É no contexto do surgimento do “Terceiro Setor” ou “Sociedade Civil Liberista”, segundo Nogueira (2003)3, 3 É importante esclarecer que, tendo em vista, os conceitos de Sociedade Civil Liberista e Sociedade Civil Social, bem como a identificação do “Terceiro Setor” com Sociedade Civil Liberista, de acordo com Nogueira (2003), desfaz-se a ideia de que Sociedade Civil e Terceiro Setor são sinônimos, conforme aponta Maia (2005).

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que a gestão do social no desenvolvimento do capital chega ao Brasil na década de1990, trazendo também a perspectiva do desenvolvimento local. Segundo Dreher (2012), a gestão social ganhou visibilidade nos últimos anos e segundo Maia (2005):

A gestão do social no desenvolvimento do capital é introduzida especialmente através do denominado terceiro setor, que chega ao Brasil e demais países da América Latina na década de 1990, por influência americana e europeia (LANDIM, 1999). Apesar das diferenças destas origens, o terceiro setor acaba constituindo-se, no nosso país, em “espaço” de disseminação dos valores e práticas neoliberais (MONTAÑO, 2002) desenvolvidas junto às organizações sociais da sociedade civil, ampliadas com a pre-sença de fundações e empresas filantrópicas advindas do campo do mercado (MAIA, 2005, p. 3).

E, segundo Tomasetto, Lima e Shikida (2009):

A abordagem do desenvolvimento local ganhou destaque nas últimas décadas frente aos desafios impostos pela nova dinâmica econômica, ou seja, reestruturação produ-tiva, em que propostas administradas pelos governos locais e regionais procuram as-segurar o desenvolvimento econômico de cidades e regiões (TOMASETTO; LIMA; SHIKIDA, 2009, p.24).

Assim, os dois conceitos, na sua origem e em articulação, compreendem a promoção do desenvolvimento da localidade a partir da interação dos diversos atores sociais que se constituem nesse espaço, considerando as potencialidades locais, no qual a gestão é compartilhada e democratizada, mas subsumida aos interesses do capital.

Para Castilho; Arenhardt e Le Bourlegadt (2009), outro caminho é possível:

O desenvolvimento local parte da perspectiva da valorização humana como sujeito de seu próprio desenvolvimento. A práxis do desenvolvimento pode ser entendida como o exercício para uma ação mais efetiva que envolve o indivíduo por meio da práxis comunitária na qual se encontra face a face com a comunidade. Assim, o indivíduo como ser social que pertence a uma classe ou grupo social, tem um espaço em que pode se exprimir, argumentar, criticar, denunciar, dialogar, exigir, reivindicar e trans-formar a sua realidade (CASTILHO; ARENHARDT; LE BOURLEGADT, 2009, p. 160).

Ou seja, para esses autores a dimensão da classe ou grupo social, da práxis e da transformação social inte-gram o desenvolvimento local.

Porém, conforme já apresentado anteriormente, a presença do Terceiro Setor deve-se à diminuição da pre-sença do Estado nas políticas públicas, bem como ao modelo gerencial adotado. Nesse sentido, segundo Maia (2005, p. 5), “justificamos a nominação de “gestão contra o social”, aos processos de gestão no campo social, implementados a partir dos valores e propósitos do capital”, uma vez que essa gestão social faz-se no sentido do desenvolvimento do capital e no contexto da desresponsabilização do Estado pelas políticas

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sociais, o que se configura é uma gestão contrária aos interesses sociais. Mas o que seria então uma gestão social a favor dos interesses sociais?

Tomando por referência Maia (2005), a partir do Quadro: Gestão Social em Construção, elaborado com base na análise de conceitos de gestão social de diferentes autores e em uma categorização que compreende aspectos como: valores, propósitos, focos, locos, agentes e metodologia, apresenta-se, a seguir, o que se apreende em relação à proposta de educação para o MST, indicando que aspectos esta compreende no sen-tido de preparação para o desenvolvimento local a partir da gestão social da educação.

Sendo assim, na análise de Maia (2005), tem-se o seguinte: os valores fundantes são democracia e cidadania; os propósitos são 3: aqueles voltados às ações (gerenciais, sociais políticas), aqueles voltados aos processos sociais (conjunto de ações, desenvolvimento social) e aqueles voltados para o desenvolvimento social (afir-mação, transformação); quanto ao foco, são: administração, economia, ciências políticas e sociais; quanto ao locos: organizações, tanto do Estado, quanto do mercado e da sociedade Civil; os agentes: estão nas diversas instâncias do Estado, do mercado e da sociedade civil; em relação à metodologia, o processo social.

Nesse sentido, estabelecendo relação com o que Maia (2005) apresenta sobre o que seriam os aspectos da gestão social e do desenvolvimento local “a favor do social”, no caso do MST, considera-se que os princí-pios filosóficos e pedagógicos do seu projeto de educação, apresentados no Dossiê MST Escola: Documen-tos e Estudos 1990-2001, convergem para a gestão social e o desenvolvimento local “a favor do social”. Quanto aos princípios filosóficos, são eles: 1) Educação para a transformação social, assumindo o caráter político do processo educativo que se vincula organicamente aos processos sociais para além da conquista da terra, visando à transformação da sociedade atual e à construção de uma sociedade com justiça social, democrática e apoiada em valores humanistas e socialistas; 2) Educação para o trabalho e cooperação, con-siderando a cooperação como elemento estratégico para uma educação que vise a novas relações sociais e a uma organização coletiva do trabalho; 3) Educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana, compreendendo o caráter omnilateral do homem e, consequentemente, da sua educação que deve integrar todas as esferas da vida humana, como, por exemplo: a organizativa, a formação político-ideológica, a tec-no-profissional, a formação do caráter e dos valores, a cultura e estética e a formação afetiva; 4)Educação com/para valores humanistas, considerando os valores que colocam no centro do processo de transformação a pessoa humana e sua liberdade; 5)Educação como processo permanente de formação e transformação hu-mana, ou seja, como um processo constante e contínuo na vida do homem.

Quanto aos princípios pedagógicos, que convergem para a preparação dos sujeitos tendo em vista a “gestão e o desenvolvimento local a favor do social”, dos 13 apresentados, considera-se os seguintes: 9) Gestão democrática; 10) Auto-organização dos/das estudantes; 11) Criação de coletivos pedagógicos e formação permanente dos educadores/educadoras. Também corrobora nesse processo a constituição, em cada assenta-mento, de coletivos compreendidos em associações dos assentados que devem participar da gestão da escola e a tentativa de concretizar o princípio gramsciano orientador da formação dos trabalhadores sem terra no MST de que a educação além de propiciar a formação de seres humanos com condições de controlar quem dirige, deve promover a formação de dirigentes (GRAMSCI, 1968).

Sendo assim, no que tange aos propósitos, os do MST são ações sociais públicas. Os processos sociais são um conjunto de ações que visam ao desenvolvimento social, compreendido na perspectiva da afirmação dos sujeitos para a transformação, uma vez que, segundo Nogueira (2003), o MST está inserido no que esse autor denomina de “Sociedade Civil Social”; quanto ao foco do MST, pode-se dizer que atua tendo em vista todos os focos apontados por Maia (2005); quanto ao locos e agentes, constitui-se como organização social da sociedade civil, cujos agentes são todos os militantes, sem distinção hierárquica; quanto às funções ou graus de escolaridade e quanto à metodologia, também compreende o processo social na perspectiva indica-da por Souza (2004 apud MAIA, 2005, p.15), ou seja:

O processo que se expressa através da conscientização, organização e capacitação

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contínua e crescente da população ante a sua realidade social concreta. Como tal é um processo que se desenvolve a partir do confronto de interesses presentes nesta realidade e cujo objetivo é a sua ampliação enquanto processo social.

É, portanto, a partir desses princípios filosóficos e pedagógicos que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST compreende que a educação é importante no processo de luta pela Reforma Agrária e defende a escola pública estatal, porém com gestão social dos aspectos administrativos e pedagógicos, pois acredita que só assim é possível construir uma escola de e para os trabalhadores do campo que capacite para a participação no processo social, conforme indicado acima por Souza (2004 apud MAIA, 2005).

O modelo de gestão e de desenvolvimento local defendido pelo MST opõe-se ao modelo gerencial estatal e orienta-se no sentido da gestão social da educação para o desenvolvimento local “a favor do social”. Para o MST, transformar a realidade tem um sentido de transformação social para a qual a educação tem papel fundamental e articula-se à luta pela terra no cotidiano dos acampamentos e assentamentos.

Resultados e Discussão

O estudo compreendeu abordagem qualitativa com pesquisa bibliográfica, documental e de campo. A pes-quisa de campo, realizada em 2009, foi dividida em duas etapas. A primeira objetivou analisar a compreen-são dos professores e alunos sobre o processo de execução do Projeto Político-Pedagógico e a segunda a compreensão que estes tinham sobre o trabalho, a relação trabalho-educação e como era a prática educativa para estabelecer a relação entre trabalho e educação.

Para a coleta dos dados, foram aplicados 118 (cento e dezoito) questionários, com 19 (dezenove) questões fechadas para alunos e 21 (vinte e um) questionários para professores, com 35 (trinta e cinco) questões aber-tas e fechadas. Foram realizadas, também, 22 (vinte e duas) entrevistas com professores, diretores, alunos e lideranças dos assentamentos, sendo analisados e utilizados trechos de 12 (doze) entrevistas e observações em atividades de sala e do assentamento em geral. Os alunos, professores e diretores pertencem a três es-colas de Ensino Fundamental, com turmas do 1º ao 9º ano e do 1º e 2º segmento de Educação de Jovens e Adultos/EJA, das regiões do Vale do Rio Doce e Mucuri/Jequitinhonha, em Minas Gerais. A discussão apre-sentada no texto deriva da análise da problemática/categoria empírica, a gestão social da escola, que emerge durante a pesquisa de campo como questão que dificulta o desenvolvimento do trabalho como princípio filosófico-pedagógico no projeto pedagógico do MST nas escolas pesquisadas.

O MST, apesar de reivindicar do Estado a construção de escolas nos assentamentos, não reconhece a escola oferecida pelo poder público como uma escola que atende aos interesses dos trabalhadores do campo. Além do conteúdo da escola não ser favorável aos trabalhadores do campo, a gestão gerencial também é ques-tionada pelos militantes do Movimento. Esta foi, portanto, a primeira dificuldade percebida nas entrevistas durante a pesquisa, ou seja, segundo uma professora assentada:

Na verdade, conseguir, pra gente foi uma vitória conseguir legalizar a escola dentro desse padrão social aí, oficial e por outro lado a gente, na verdade [...]perdeu um pouco enquanto educador, enquanto direção da escola, [...] perdeu um pouco da iden-tidade da própria história, de quem realmente construiu a escola, se foi o Estado ou se foram os Sem Terra do assentamento. E aí a gente perdeu um pouco essa autonomia também de brigar com a superintendência, de bater mesmo contra o Estado no sentido de construção desse projeto. [...]. E aí, no caso, nós tivemos uma vitória, mas ao mes-mo tempo uma vitória de construir uma escola pelo MST, uma história de muita luta,

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de muita conquista mesmo, a gente conseguiu a escola e que hoje, [...] ela se encontra na situação de ser do estado e ser mantida pelo estado, pelo ao menos teoricamente por que quando a gente vai para a prática a gente percebe que a escola, os próprios educadores aqui têm essa consciência de que a escola ela é realmente, foi realmente construída pelos assentados, pelo movimento Sem Terra, mas teoricamente ela se adapta a outros padrões (Professora do 2º ano do Ensino Fundamental) 4.

A primeira questão que a professora levanta diz respeito ao processo de luta/construção da escola pelo Mo-vimento x o processo de financiamento/gestão da escola pelo Estado. Se, em um primeiro momento, como bandeira do MST, construir escolas nos assentamentos e obrigar o Estado5 a financiá-las e geri-las constitui-se na concretização do direito garantido em lei para os trabalhadores do campo, em um segundo momento, a questão que se coloca é “de quem é a escola” no que se refere ao Projeto Político-Pedagógico que se im-plementa, ou seja, a quem concretamente a escola atende? O que se ensina? Como se ensina? Quem toma as decisões? Quem participa das decisões? A escola deve atender os direitos e necessidades dos trabalhadores do campo, da Sociedade Civil ou do Estado? Mas o Estado não representa os direitos da Sociedade Civil? Qual é a relação Estado- Sociedade Civil e Movimentos Sociais do campo no que diz respeito às discussões sobre a educação? Qual é o papel de cada ator social na condução e concretização da educação do campo? Se a gestão praticada pelo Estado é uma gestão gerencial, como se contrapor a esse modelo? Outra questão é o poder que o Estado opera, uma vez que é ele que paga, ou seja:

Tá, mas e aí, como é que a gente vai seguir a linha do MST sendo que quem paga a gente é o Estado? Quem dá as regras ali é o Estado? Se nós vamos para a linha do MST, nós somos demitidos, então como é que fica isso? E aí vem a questão dos vários pacotes, a escola, ela já vem com um padrão, com um cronograma do que ensinar para os alunos. Hoje você vê de 1ª a 4ª e de 5ª a 8ª já tem o quê que é para discutir, para dar na sala de aula, o 7 de setembro por exemplo. Então, assim a gente não tem essa questão da abertura para discutir, para dialogar até mesmo pela própria rejeição dos próprios funcionários: “Tá nós vamos seguir isso aqui, mas e depois? Se nós não seguirmos isso que o Estado deliberou nesse projeto? Então, é muito complicado (Professora do 2º ano do Ensino Fundamental).

A menção à fala dos educadores: “Tá, mas e aí, como é que a gente vai seguir a linha do MST sendo que quem paga a gente é o Estado?” leva às seguintes questões: o poder de controlar político, administrativo e pedagogicamente do Estado mantém-se com base no fato de ser ele quem paga ou outros elementos in-terferem nesse processo? Mas o dinheiro que o Estado utiliza para pagar é dos contribuintes! O fato de ter o controle financeiro e administrativo não dá poder total, em se tratando da escola pública, ao Estado. A Constituição Federal de 1988 e posteriormente a LDBEN 9394/966 garantem a autonomia das escolas na gestão administrativa, financeira e pedagógica, mas não existe autonomia total do Estado e nem autono-mia total da escola, uma vez que existem leis com regulações sobre o assunto. Como construir então uma gestão escolar que avance no sentido de ampliar a participação da comunidade, mas fazendo a integração da comunidade com os princípios do MST e do Estado? Qual a legitimidade do Estado hoje para gerir fi-nanceiramente, administrativamente e pedagogicamente a escola garantindo-lhe um sentido público e não

4 Entrevista concedida à pesquisadora no dia 04 de setembro de 2009. 5 Utiliza-se o termo Estado em referência à instituição/poder representado pelos governos em âmbito municipal, estadual ou federal. Importante, também, fazer aqui referência ao debate atual sobre a relação Estado/sociedade civil, bem como à discussão atual sobre os conceitos de Estado, Sociedade Civil, Público e Privado. Nesse sentido ver: COSTA (1994); FONSECA (2006); LAUREANO (2007); NOGUEIRA(2003); RAMOS (2005); SOARES (2000) e SEMERARO (1999).6 Ver Paro (1997)

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apenas estatal e promovendo o desenvolvimento local social? A comunidade tem condições de concretizar uma gestão comunitária que melhore a qualidade da escola e, consequentemente, do assentamento e da comunidade? Os professores têm clareza sobre que projeto de sociedade e de educação querem ou estão concretizando? Qual a contribuição do modelo gerencial praticado para o desenvolvimento local e social? Vê-se logo que os interesses dos atores sociais não são convergentes e harmônicos. Como construir gestão social e desenvolvimento local nesse contexto?

Outro problema é em relação ao currículo e à concepção de educação e de ser humano a ser formado. Se-gundo outra educadora:

Eu vejo como uma das grandes dificuldades, a cobrança do Estado nesta questão da globalização, da globalidade, é descritores para lá é descritores para cá e a gente acaba tendo necessidade de agarrar muito nesse, nisso do menino ter que ler escrever, interpretar e para trabalhar dentro desse contexto mais integrador, às vezes, a gente vê a necessidade de trabalhar com eles, mesmo de forma muito mais dialogada, de forma muito mais de reflexão e que levaria um tempo muito maior, entendeu? Do que assim, eles também não estão desgarrados de tudo que a sociedade vive e às vezes a gente vê uma dificuldade muito grande das crianças de separar isso, na mesma hora que ela já deu uma ideia para a gente que ela já tem uma concepção da própria identi-dade dela de Sem Terrinha e tal, às vezes, parece uma coisa muito consolidada, mas a gente vê que isso precisa ser muito mais cultivado, que não é uma questão que já está definida [...] e aí eu penso que é um trabalho mais lento e a gente tem uma cobrança de resultados, não do resultado humano, mas um resultado de aprendizagem mesmo, de conteúdo e em um tempo curto e aí eu vivo uma situação assim, que a gente tem que começar do começo mesmo para conseguir ter um avanço maior, aí eu acho que isso é uma dificuldade e outra está na concepção mesmo, em um todo, nem todos os edu-cadores compreendem o que é a instituição, qual que é o poder da escola, para muitos isso se resume no ler e escrever e não que a escola é um espaço de formar sujeitos também, escola, família e eu acho que falta isso por parte de muitos educadores den-tro desta escola (Educadora do 4º e 5º ano do Ensino Fundamental)7.

A dificuldade apontada pela educadora remete ao conflito entre o Projeto Político-Pedagógico do MST e do Estado, principalmente em relação ao currículo. Ela critica o fato de as Diretrizes Curriculares da Secretaria de Estado da Educação orientarem-se em torno do domínio de capacidades, a partir dos Descritores, que não se apoiam em uma concepção de Formação Humana Integrada, que objetiva, também, uma formação política e cidadã, não se limitando à aquisição de capacidades. Nesse processo educativo, que não integra as diversas dimensões da formação humana, o currículo fica desarticulado e parece não se atingir nem uma coi-sa nem outra, ou seja, nem aquisição de capacidades, nem formação humana. A forma como o poder público apresenta e cobra o desenvolvimento do Projeto Político-Pedagógico, bem como da proposta curricular e metodológica, enfim a organização do trabalho pedagógico da escola como um todo, apresenta obstáculos para a articulação com os princípios filosóficos e pedagógicos da educação do MST.

É esse processo que o MST vem tentando construir e é por isso que disputa, no interior da escola estatal pública, a construção do seu Projeto Político-Pedagógico. Segundo Araújo e Castro (2011, p. 92):

As estratégias para nova gestão pública inauguram através do empoderamento, da responsabilização e da descentralização, um (neo) taylorismo (ABRUCIO, 1997; DE ROSSI, 2004), a partir do momento em que distribui tarefas e delega poder de decisão em níveis inferiores da escala organizacional. No caso da escola, aos próprios agentes

7 Entrevista concedida à pesquisadora no dia 11 de setembro de 2009.

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do processo de trabalho, e não somente aos supervisores do tempo e da produtividade, como acontecia no modelo de produção taylorista/fordista. Nessa acepção, as pessoas passam a ser responsáveis diretamente por suas decisões no interior da escola, pelo seu sucesso ou pelo seu fracasso.

Ou seja, a gestão gerencial pública praticada é contra o social e a transferência de algumas responsabilidades do Estado para a sociedade civil não se fez acompanhar de uma destinação de recursos suficientes e de apoio técnico administrativo e pedagógico que permita criar escolas autônomas e efetivas (ARAUJO; CASTRO, 2011). Ainda, segundo Araujo e Castro (2011 citando CABRAL NETO; CASTRO, 2007), esse novo modelo de gestão subtrai o sentido político dos termos autonomia, descentralização e participação, ou seja, esses termos são valorizados, mas no âmbito dos interesses de um Estado que reforma e administra o capital. Já segundo Oliveira (2009):

Dessa maneira, a ação pública implementada de forma descentralizada, envolvendo diferentes atores da sociedade civil, pode levar a uma complexificação do processo de execução que, em última instância, pode significar a perda de garantia de critérios de formas de gestão que sejam de fato públicos, no sentido que expressem os interesses mais amplos e se constituam como um bem comum. A ação pública, à medida que é descentralizada para o nível local e envolve atores de fora do Estado na sua conse-cução, pode se traduzir em particularismo e resultar em que seja ela mesma cada vez menos estatal e cada vez menos pública (OLIVEIRA, 2009, p. 29).

Mas qual seria o outro caminho, se a opção do governo federal foram as reformas e não as mudanças estru-turais ou, como diz Cunha (2009), adotou-se o “presidencialismo de coalizão”? Considerando a diversidade de atores e de demandas em torno da educação atualmente, ainda é pertinente que o Estado sozinho faça a gestão administrativa e pedagógica da escola? Será que ao mesmo não bastaria o financiamento, deixando para a sociedade a gestão administrativa e pedagógica? O risco do particularismo existe, mas a ditadura disfarçada em governança e regulação social do novo modelo gerencial estatal que atende aos interesses do modelo de acumulação flexível não é pior? Será que essa multiplicidade de atores e projetos em disputa não abre caminho para que a escola seja menos estatal e mais pública? Será que nesse exercício de construção, envolvendo atores diversos, mesmo com conflitos/consensos, não sobrarão dividendos para aqueles que atuam no campo da sociedade civil social e da “gestão e desenvolvimento local a favor do social” como acu-mulação de forças para uma ruptura mais significativa com a perspectiva de desenvolvimento local e gestão social “contra o social” do modelo de acumulação flexível?

Considerações Finais

No cenário atual os movimentos da sociedade civil seja Liberista ou Social têm se dado no sentido de ocupar os espaços vazios do Estado Gerencial e exigir mais verbas, por exemplo, em relação à educação, como tem sido pleiteado no Plano Nacional de Educação. Mas é urgente, também, construir um movimento que avance no sentido da gestão social para o desenvolvimento local a “favor do social”. O MST, em sua experiência educacional, vem tentando essa construção, apesar das dificuldades. A principal dificuldade é operar essa construção no interior da escola estatal, que em vários contextos não é pública e faz uma gestão contra o social.

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Tendo em vista a complexidade dessa construção e relação, foram apresentadas problematizações que pro-curam trazer novas questões em torno da gestão da educação, da gestão social e do desenvolvimento local. Mas, mesmo no conflito/consenso Estado-Sociedade Civil, há possibilidades de reconstruções e construções de práxis que operem a favor de desenvolvimento local com gestão social a “favor do social”.

Os princípios filosóficos e pedagógicos apontados acima e as dificuldades apresentadas nos trechos das entrevistas mostram que o MST vem construindo uma perspectiva de gestão da escola e da educação que objetiva o desenvolvimento local e social com gestão democrática e coletiva, ainda que no contexto dos conflitos/consensos Estado-sociedade civil.

Referências

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P A R T I C I P A Ç Ã O D A C O M U N I D A D E L O C A L N A A D E Q U A Ç Ã O D O P L A N O D E C E N A L M U N I C I P A L D E E D U C A Ç Ã O D E B R U M A D I N H O / M G

Gislene Silva Dutra1

Vanessa Romualdo Silva2

Resumo

O Plano Nacional de Educação para o decênio 2014-2024, Lei 13005/2014, determina que os municípios deverão elaborar ou adequar seus planos municipais de educação, em consonância com as diretrizes, metas e estratégias do Plano Nacional de Educação, no prazo de um ano, contado a partir da sua publicação. O município de Brumadinho/MG já possuía Plano Decenal Municipal de Educação (PDME) e, por isso, deu-se início ao processo de adequação do plano vigente, em consonância com as diretrizes, metas e estratégias do PNE. O estudo teve como objetivo analisar o processo participativo da experiência de adequação do PDME de Brumadinho/MG (2015). Para tanto, foi realizada uma investigação qualitativa de cunho exploratório, que se efetivou por meio de uma pesquisa documental a partir da análise do memorial do Plano Decenal Municipal de Educação de Brumadinho (2015) e da Lei Municipal Nº 2145 de 17 de abril de 2015, que dispõe sobre o Plano Decenal Municipal de Educação de Brumadinho, e uma pesquisa bibliográfica sobre os conceitos que fundamentam a pesquisa: gestão social, participação e desenvolvimento local. Os resultados mostraram que a participação popular na gestão de políticas públicas é uma estratégia possível, desde que existam condições favoráveis a esta participação: mobilização dos atores, garantia de informação sobre o processo vivenciado, definição de arranjos que possibilitem espaços para discussão (em que cada indivíduo tenha o direito de falar e de ser ouvido) na tomada de decisões coletivas.

Palavras-chave: Gestão Social. Participação. Desenvolvimento Local.

Introdução

A Constituição Federal de 1988 determina que, compete aos Estados e Municípios, articuladamente, im-plantar e implementar seus Planos Decenais de Educação (PDE), e desdobramentos, de acordo com suas especificidades e características regionais e locais.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação determina, no artigo 9º, que cabe à União a elaboração do Plano em colaboração com os Estados, Distrito Federal e Municípios. O Plano Nacional de Educação, para o decênio 2014-2024, foi aprovado em 25 de junho de 2014 pela Lei Federal Nº 13005, determinando que os municí-pios deverão elaborar ou adequar seus planos municipais de educação, em consonância com as diretrizes, metas e estratégias do Plano Nacional de Educação, no prazo de um ano, contado a partir da sua publicação.

O município de Brumadinho/MG já possuía Plano Decenal Municipal de Educação (PDME) e, por isso, deu-se início ao processo de adequação do plano vigente, em consonância com as diretrizes, metas e estra-tégias do PNE.

1 Mestranda em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local no Centro Universitário UNA.2 Funcionária da Secretaria Municipal de Educação de Brumadinho.

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A escolha pela experiência relatada neste artigo se justifica pela percepção de características de gestão social no processo de adequação do Plano Decenal do Município de Brumadinho/MG (2015).

O objetivo deste artigo é analisar o processo participativo da experiência de adequação do PDME de Bruma-dinho/MG (2015), a qual será alcançada por meio dos seguintes objetivos específicos:

· Discutir a importância da participação popular na construção de políticas públicas.

· Conhecer o processo de adequação do PDME de Brumadinho/MG.

· Apresentar os mecanismos de acompanhamento e avaliação do PDME no município de Brumadi-nho/MG.

Apresenta-se uma investigação qualitativa de cunho exploratório, que se efetivou por meio de uma pesqui-sa documental a partir da análise do memorial do Plano Decenal Municipal de Educação de Brumadinho (2015) e da Lei Municipal Nº 2145 de 17 de abril de 2015, que dispõe sobre o Plano Decenal Municipal de Educação de Brumadinho, ancorada na pesquisa bibliográfica sobre os conceitos que fundamentam a pes-quisa: gestão social, participação e desenvolvimento local.

Inicialmente, é feita uma revisão de literatura sobre a participação popular na gestão de políticas públicas. Em seguida, analisa-se a experiência de adequação do PDME de Brumadinho/MG à luz da gestão social. A partir dessa abordagem é feita uma análise dos mecanismos de monitoramento e avaliação do PDME. E, finalmente, são apresentadas as considerações.

Participação Popular nas Políticas Públicas

A Constituição de 1988 apresenta a participação como o elemento central da democratização do Estado e estimula a participação popular na tomada de decisões sobre as políticas públicas.

Jacobi (2000, p. 12) destaca que,

Na década de 1980 a participação cidadã se torna instrumento para um potencial aprofun-damento da democracia (...) tem início um processo de descentralização que impulsiona mudanças na dinâmica de participação (...) em nível local, evidenciando a necessidade de arranjos institucionais que estimulem, desde a esfera estatal, a criação de canais de comuni-cação com a sociedade e permitindo que de alguma forma se amplie a esfera de engajamento dos cidadãos.

Para fins deste artigo, entende-se que políticas públicas são estratégias que orientam a ação do poder público nas questões sociais, econômicas, políticas, culturais e ambientais, como o conjunto das decisões e ações relativas à alocação de bens e recursos públicos. Tendo como finalidade intervir em problemas públicos ou em benefício de toda a sociedade. E que as gestões dessas políticas ocorrem por meio de mecanismos de participação da sociedade na formulação, execução e controle das mesmas (TEIXEIRA, 2002).

Os anos 90 constituíram o marco da institucionalização da consulta da “sociedade civil organizada3” nos processos de formulação de políticas públicas locais e que “fazer participar os cidadãos e as organizações 3 A sociedade civil compõe-se de movimentos, organizações e asso-ciações (...) o núcleo da sociedade civil forma uma espécie de associação institucionalizada, os discursos capazes de solucionar problemas, transformando-os em questões de interesse geral no quadro das esferas públicas (HABERMAS, 1997, p.99).

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da sociedade civil (OSC) no processo de formulação de políticas públicas foi transformado em modelo da gestão pública local contemporânea” (MILANI, 2008, p. 554).

Segundo Tenório (2005, p. 103), “a sociedade civil é apontada como um setor relevante na construção da esfera pública democrática, na medida em que está apoiada no mundo da vida e, portanto, apresenta com maior proximidade com os problemas e demandas dos cidadãos”.

A participação popular é entendida por Bava (1994, p.9), citado por Dias (2007), como uma “intervenção periódica, refletida e constante nas definições e nas decisões das políticas públicas” pode ser entendida como um processo político concreto que se produz na dinâmica da sociedade, mediante a intervenção cotidiana e consciente de cidadãos individualmente considerados ou organizados em grupos ou associações, com vistas à elaboração, a implementação ou à fiscalização das atividades do poder público (DIAS, 2007).

A participação popular numa perspectiva de uma gestão democrática, na formulação de políticas públicas pode ser associada ao conceito de gestão social expresso por Tenório (1998, p. 126) como “um gerencia-mento mais participativo, dialógico, no qual o processo decisório é exercido por meio de diferentes sujeitos sociais, através de uma ação dialógica que se desenvolve a partir dos pressupostos do agir comunicativo”.

Rocha e Santos (2010, p. 76) caracterizam o modelo de gestão social:

(...) pela construção coletiva de regras, normas e instrumentos de gestão, inovação de me-todologias que privilegiam o diálogo, a participação, decisões compartilhadas, horizontal-mente hierárquica, com valorização de diferentes saberes em ação.

A partir da compreensão de que o modelo de gestão social tem por finalidade a emancipação do sujeito através de vivências participativas. É possível considerar que tal modelo propicia condições dos envolvidos atuarem como agentes de desenvolvimento local, que para Fragoso (2005) trata-se de uma possibilidade da população poder expressar uma ideia de futuro num território visto como um espaço sem fronteiras concre-tizando ações que possam ajudar na reconstrução desse futuro.

É importante destacar que o conceito de desenvolvimento local não está relacionado apenas às dimensões econômicas, e sim, na perspectiva de desenvolvimento social que visa à satisfação de um conjunto de requi-sitos de bem-estar e qualidade de vida (DUTRA; AFONSO, 2015).

Dowbor (2008) reitera que o desenvolvimento local é uma alternativa à centralização de processos decisó-rios, com maior capacidade de governança e controle social do desenvolvimento.

Considerando a participação na perspectiva da gestão social com a finalidade de desenvolvimento local, foi possível perceber algumas características desse modelo no processo de adequação do Plano Decenal Muni-cipal de Educação de Brumadinho/MG que será abordado no próximo item.

Descrição da Experiência de Adequação do Plano Decenal Municipal de Educação de Brumadinho/MG

Organização do processo de adequação do PDME

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O município de Brumadinho/MG elaborou seu primeiro Plano Decenal Municipal de Educação (PDME) em 2005 e, por isso, iniciou-se o processo de adequação do plano vigente, em consonância com as diretrizes, metas e estratégias do PNE (2014).

No processo de adequação do PDME o Fórum Municipal de Educação, instituído no município em 2010, foi reconhecido como representante da Sociedade Civil, tendo a função de realizar um amplo debate para qualificar a proposta de adequação do plano municipal.

De acordo com a portaria GAB/SME nº03/2014 foi nomeada a Equipe Técnica de Adequação do PDME, tendo como funções: analisar dados e informações sobre a oferta e a demanda educacional no território do município, analisar a consistência das metas e estratégias, avaliar os investimentos necessários para cada meta e a coerência do conjunto das metas e sua vinculação com as metas e nacionais.

Elaboração da Análise Situacional

Para adequação do PDME fez-se necessário conhecer a realidade local, compreendendo as relações do mu-nicípio de Brumadinho com as regiões próximas numa perspectiva de território como: “espaço no qual os poderes públicos das diferentes esferas de governo devem se articular para a garantia do direito do cidadão, tendo por eixo um padrão de qualidade socialmente referenciado” (BRASIL, 2014, p. 10).

A equipe técnica de adequação do PDME direcionou os trabalhos de coleta de dados para construção da análise situacional do município. Essa coleta contou com busca de dados em sites oficiais do PNE4 e a soli-citação de dados às instituições, departamentos e secretarias que atuavam nos setores econômicos, sociais, culturais e educacionais do município de Brumadinho/MG.

A partir do retorno das intuições, departamentos e secretarias, a Equipe Técnica organizou os dados da análise situacional de acordo com os seguintes tópicos: identificação do município, infraestrutura, aspecto populacional, aspectos socioeconômicos, aspectos culturais e aspectos educacionais.

A análise situacional do município foi concluída e entregue às instituições e lideranças da sociedade civil organizada para seu estudo e revisão. A equipe Técnica repassou aos dirigentes escolares uma cópia digita-lizada da Análise Situacional, das metas e estratégias do PNE (2014) e metas e estratégias (em andamento e não alcançadas) do PDME (2005) para que fossem discutidas com a comunidade escolar, conselho escolar e lideranças locais. Tais cópias também foram entregues nas diversas instituições e segmentos da sociedade civil organizada (de acordo com o memorial do PDME - 2015 - o documento foi entregue em 52 institui-ções).

A Equipe técnica solicitou às instituições e lideranças da sociedade civil organizada para atualizar, suprimir e acrescentar informações aos dados existentes na Análise Situacional e que sugerissem estratégias para alcançar as metas propostas pelo PNE considerando: os dados da análise situacional, as metas e estratégias do PNE (2014) e as metas e estratégias não atingidas pelo PDME (2005).

As atualizações realizadas foram encaminhadas para a Equipe Técnica de Adequação do PDME que organi-zou as sugestões recebidas relacionando-as com as metas do PNE e separando-as em eixos temáticos.

Câmaras Técnicas

4 www.observatoriodopne.org.brhttp://pne.mec.gov.brwww.qedu.org.br

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A partir das atualizações propostas pela Sociedade Civil Organizada, a Equipe Técnica de Adequação do PDME organizou câmaras técnicas coordenadas por profissionais de renome nas áreas referentes aos seguin-tes eixos temáticos: Financiamento, Gestão Democrática, Valorização dos Profissionais, Ensino Superior, Educação Especial, Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Educação de Jovens e Adultos e Diversidade, Educação Profissional e Educação a Distância. Cada coordenador compôs sua câmara por profissionais ligados ao seu eixo temático (entre 3 a 5 pessoas).

As Câmaras Técnicas foram criadas para analisar e adequar as metas e estratégias sugeridas pelas institui-ções e lideranças da sociedade civil, em consonância com as metas do PNE.

Após as adequações propostas pelas Câmaras, a Equipe Técnica de Adequação do PDME organizou o corpo de metas e estratégias para apresentação na VI Conferência de Adequação do PDME. A proposta de texto base foi encaminhada previamente para a apreciação das instituições e lideranças da sociedade civil, visan-do a uma participação informada e consciente definida por Tenório (2005, p. 172) como “aquela em que o envolvido possui compreensão sobre o processo que está vivenciando”.

Conferência do Plano Decenal Municipal de Educação (PDME)

O processo vivenciado na adequação do PDME no município de Brumadinho/MG pode ser associado ao conceito de cidadania deliberativa de Tenório (2005, p.103) que expressa um processo em que “a legitimida-de das decisões políticas deve ter origem em processos de discussão, orientados pelos princípios da inclusão, do pluralismo, da igualdade participativa, da autonomia e do bem comum”.

Neste contexto, é preciso considerar que “uma pessoa que é capaz de pensar sua experiência, ela é capaz de produzir conhecimento (TENÓRIO, 1990).” Assim, todos os atores sociais podem contribuir para a constru-ção do conhecimento e políticas coerentes com a necessidade local.

A conferência é aqui entendida como um mecanismo de participação da sociedade. Considerando que:

Participar é fazer política e esta depende das relações de poder percebidas. Participar é uma prática social na qual interlocutores detêm conhecimentos que, apesar de diferentes, devem ser integrados. O conhecimento não pertence somente a quem passou pelo processo formal, ele é inerente a todo ser humano. Participar é repensar o seu saber em confronto com outros saberes. Participar é fazer “com” e não “para” (TENÓRIO, 1990, p. 163).

A VI Conferência do Plano Decenal Municipal de Educação PDME foi realizada contando com a participa-ção dos representantes das instituições e da sociedade civil, considerando não apenas técnicos da educação, mas todos os atores sociais5 que contribuem para a construção de uma política educacional local participati-va e de qualidade. Tendo em vista que:

Numa relação social que se pretenda participativa, os conhecimentos devem ser convergen-tes. O saber de quem estudou deve ser usado para apoio às discussões, mas não como orien-tador primeiro na decisão. Numa relação coletiva o poder se dilui entre os participantes, já que o conhecimento e a informação são compartilhados, não existindo “donos da verdade”.

5 Atores sociais são aqui entendidos: representantes da sociedade civil organizada, instituições educa-cionais privadas e públicas, membros da comunidade escolar e local.

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Dessa forma, conhecimentos, mesmo que diferentes, devem ser integrados (TENÓRIO, 1990, p. 163).

A conferência foi organizada em dois momentos, sendo que no turno da manhã foi realizado o estudo das metas e estratégias e no turno da tarde a validação das mesmas por meio do voto.

Os conferencistas se inscreveram para participar das discussões referentes aos seguintes eixos temáticos: Financiamento, Gestão Democrática, Valorização dos Profissionais, Ensino Superior, Educação Especial, Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Educação de Jovens e Adultos e Diversidade, Edu-cação Profissional e Educação a Distância. A discussão das metas e estratégias foi conduzida pelos coorde-nadores das câmaras técnicas juntamente com os conferencistas inscritos em cada eixo temático, sugerindo modificações (acréscimo, supressão e novas estratégias) para serem apresentadas por um relator, seleciona-do pelo grupo, em plenária para a sua apreciação e votação.

O processo decisório baseou-se no diálogo e na argumentação dos participantes da conferência a partir das modificações sugeridas nas metas e estratégias do PDME propostas pelos participantes dos eixos temáticos. Esse processo culminou na validação do corpo de metas e estratégias por meio do voto.

O processo realizado na conferência traz características da concepção de tomada de decisão expressa por Tenório, Cançado e Pereira (2011), a qual tem a finalidade de emancipação dos sujeitos, a partir de uma ação coletiva, participativa e dialógica, em que os protagonistas fossem todos aqueles que participassem do processo decisório.

Dowbor (2007) reitera que é no plano local que a participação se expressa de forma mais concreta e que, por isso, é importante se pensar numa visão de educação emancipatória que assegure aos atores instrumentos de intervenção sobre sua realidade (DOWBOR, 2007).

Texto base e projeto de lei

O texto base aprovado na Conferência foi revisado pela Equipe Técnica de Adequação do PDME e entregue ao executivo para apreciação e elaboração do Projeto de Lei a ser encaminhado ao legislativo.

Durante a apreciação do executivo, foram realizadas reuniões com a Equipe Técnica de adequação do PDME, a presidente da Comissão de Acompanhamento e a equipe do Jurídico da Prefeitura para elaboração do projeto de lei, garantindo assim uma tramitação democrática e participativa.

Brumadinho foi o sétimo município mineiro a sancionar a lei6 do Plano Decenal Municipal de Educação cumprindo o prazo estipulado pelo Plano Nacional de Educação.

Partindo do pressuposto de que a participação “é um processo em constante vir-a-ser que, em sua essência, trata da autopromoção e de uma conquista processual (...) não existe uma participação suficiente nem aca-bada (DEMO, 1993 citado em TENÓRIO, 2005, p. 113).”

O processo participativo vivenciado na adequação do PDME deve-se estender para além da aprovação da Lei, a partir da criação de instrumentos que favoreçam a constante mobilização e participação popular de forma que seja garantida a apropriação pelos indivíduos do direito de reconstrução de sua realidade local.

Reconhecendo a importância da contínua participação popular na implementação e monitoramento das po-líticas educacionais, o texto base do PDME de Brumadinho (2015) prevê mecanismos de acompanhamento e avaliação das ações e dos resultados alcançados pelo Plano, considerando a participação da sociedade, representantes dos poderes judiciário, executivo e legislativo, bem como dos funcionários que compõem o 6 Lei Municipal N° 2145 de 17 de abril de 2015.

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quadro da educação pública e privada e outras secretarias municipais. Tais mecanismos serão apresentados no próximo item.

Mecanismos de Acompanhamento e avaliação do PDME7

O texto base do PDME de Brumadinho (2015) garante os seguintes mecanismos de acompanhamento e avaliação do Plano: Conferência bienal, Simpósio bienal, Comissão de Acompanhamento e Avaliação do PDME, enquetes bienais, elaboração do informativo semestral do PDME, descritos a seguir.

Conferência bienal

A cada dois anos é realizada uma Conferência que conta com a participação de representantes dos poderes judiciário, executivo e legislativo, bem como dos funcionários que compõem o quadro da educação pública e privada, outras secretarias municipais e a sociedade civil.

A conferência tem por objetivo apresentar as metas e estratégias cumpridas, não alcançadas e em andamento e destina-se também à adequação do PDME através da supressão, modificação e criação de novas metas e estratégias para o Plano.

Simpósio bienal

Bienalmente, alternando com a Conferência, é realizado o Simpósio Municipal de Educação com temáticas pertinentes à melhoria da educação do município. Nesse momento, a “Comissão de Acompanha-mento e Avaliação do Plano Decenal Municipal de Educação (PDME) de Brumadinho” presta informações sobre as metas e estratégias, alcançadas ou não, para a comunidade local. No Simpósio também acontece aeleição da Comissão de Acompanhamento e Avaliação do PDME.

Constituição da Comissão de Acompanhamento e Avaliação do PDME

Desde 2005, está formada uma “Comissão de Acompanhamento e Avaliação do Plano Decenal Municipal de Educação (PDME) de Brumadinho constituída pelo presidente, vice-presidente, secretário, subsecretario, relator, sub-relator, promotor de eventos e subpromotor de eventos, através de eleição pública, em Simpósio, com direito a candidatura através de chapas, com mandato de dois anos.

Em 2015, a Comissão foi integrada ao Fórum Municipal de Educação e tem por finalidade acompanhar e avaliar o prosseguimento e execução das metas previstas no PDME e as circunstâncias em que as mesmas serão implementadas no percurso de desenvolvimento do plano.

O cargo de presidência da comissão é ocupado por profissional do quadro efetivo da educação municipal,

7 Informações coletadas no Plano Decenal Municipal de Educação de Brumadinho/MG (2015/2025).

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sendo este dispensado de outras atividades profissionais no período de seu exercício.

Enquetes bienais

A “Comissão de Acompanhamento e Avaliação do Plano Decenal Municipal de Educação (PDME) de Bru-madinho”, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação, organiza uma enquete com o objetivo de colher informações sobre a percepção da população sobre educação municipal. Tais dados são apresentados e discutidos no Simpósio Municipal de Educação de Brumadinho.

Elaboração do informativo semestral do PDME

A “Comissão de Acompanhamento e Avaliação do Plano Decenal Municipal de Educação (PDME) de Bru-madinho”, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação, organiza um informativo semestral no intuito de divulgar as ações da educação municipal. O informativo é encaminhado para representantes dos poderes judiciário, executivo e legislativo, bem como funcionários que compõem o quadro da educação pública e privada e outras secretarias municipais.

Com o informativo semestral, a população é constantemente comunicada sobre as ações desenvolvidas pela educação. E para exercer uma cidadania ativa é preciso buscar uma atuação consciente através da formação de pessoas que possam participar de iniciativas capazes de transmudar o seu entorno, visando ao desenvol-vimento local (DOWBOR, 2007).

A participação precisa ser considerada como um aspecto importante para a formação de agentes transformadores da realidade social. Vale considerar que essa participação não é automática ou espontânea, mas, depende de diversos fatores (DUTRA; AFONSO, 2015, p. 224).

Por meio dos diversos mecanismos de monitoramento e avaliação permanente do Plano, a sociedade par-ticipa e monitora as ações, políticas e programas, além, de acompanhar as metas e as estratégias indicando ajustes a serem feitos e medidas a serem tomadas.

Considerações finais

Com a pesquisa, foi possível constatar que a participação popular na gestão de políticas públicas é uma estratégia possível, mas que precisa de condições favoráveis a esta participação: mobilização dos atores garantia de informação sobre o processo vivenciado, definição de arranjos que possibilitem espaços para discussão (em que cada indivíduo tenha o direito de falar e de ser ouvido) na tomada de decisões coletivas.

A experiência analisada neste trabalho mostra que o processo de adequação do PDME de Brumadinho/MG contou com condições favoráveis para a participação (direta e representativa) de atores locais das diversas instâncias sociais em todas as suas etapas: mobilização inicial para adequação do Plano, nomeação de co-missões representativas, construção coletiva da análise situacional, das metas e estratégias do Plano, valida-ção das mesmas por meio de Conferência e a elaboração do projeto de lei, garantindo, assim, uma tramitação

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democrática e participativa.

A garantia dos mecanismos de monitoramento e avaliação é um aspecto importante a ser considerado no processo relatado, pois propicia atuação efetiva e permanente dos atores locais que conhecem a realidade educacional de seu território, seus limites institucionais e suas potencialidades de articulação. Portanto, são capazes de transformar seu entorno, considerando que uma transformação social requer o aproveitamento do conhecimento dos atores locais como instrumento para desenvolvimento local.

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A G E S TÃ O E S C O L A R À L U Z D A G E S TÃ O E S T R A T É G I C A E D A G E S TÃ O S O C I A L

Herberton Sabino1

Wânia Maria Araújo2

Resumo

O objetivo deste artigo é contribuir para a discussão e para a avaliação da Gestão Escolar das Escolas públicas a partir da análise de dois modelos de gestão: a Gestão Estratégica, concepção típica do gerencialismo; e a Gestão Social. Para isso, primeiro buscamos olhar as definições feitas nas legislações vigentes - Constituição, LDB e PNE – a respeito da Gestão Escolar, depois, procedemos a um mapeamento das principais característi-cas da Gestão Estratégica e da Gestão Social. Por fim, comparamos a Gestão Escolar em ambos os modelos a partir de três aspectos: a participação da comunidade Escolar na gestão, a concepção de eficiência, eficácia e efetividade presente em cada modelo e o atendimento, em cada modelo, da atuação da Escola para a constru-ção da democratização local. Por fim, em suas conclusões, este trabalho propõe uma série de questões a serem analisadas no momento da Gestão Escolar.

Palavras-chave: Gestão Escolar. Gestão Social. Gestão Estratégica.

Introdução: Gestão Escolar, contribuindo para escolhas conscientes

Este estudo tem como proposta analisar a educação, em especial a Gestão Escolar, por meio da avaliação de dois modelos: a Gestão Estratégica e a Gestão Social. Nesse sentido, parece prudente, já de início, resgatarmos o mito grego do “Leito de Procrusto”. Segundo a mitologia, Procrusto era um bandido que vivia na serra de Eleusis e que capturava os viajantes que na estrada nas imediações de sua casa passavam. Ele decidia quem poderia continuar ou não o caminho, deitando-os em uma cama. Se o indivíduo não coubesse na exata medida de seu leito, ele esticava-o ou cortava-lhe as pernas.

Esse mito chama atenção para a imposição de modelos, de padrões e para a intolerância em relação ao dis-tinto, ao diferente. Posturas que impedem o aprendizado. Por isso, mesmo ao tratar nessa análise de modelos de gestão, a ideia foi não a de assumir uma postura de preconceito ou de estigmatização em relação à Gestão Estratégica ou à Gestão Social. Não se creditou a um modelo o “pecado original”, nem ao outro a capacidade da “redenção”. Isso, entretanto, não impediu de, ao final desse artigo, formularmos propostas e assumirmos nossa escolha pela Gestão Social como melhor modelo de gestão a ser adotado para a gestão democrática das Escolas públicas.

1 Mestre do PPG em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA. pintahistó[email protected] 2 Professora do PPG em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA.

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Para pensarmos a educação e os modelos propostos de Gestão Escolar, é necessária a inserção de um contex-to, que, em nosso caso, parte do processo de redemocratização brasileira dos anos de 1980. A Constituição de 1988, a chamada “Constituição Cidadã”, consagrou a educação como o grande instrumento para a conso-lidação da democracia no Brasil, ao mesmo tempo em que resgatou o princípio básico da cidadania – a par-ticipação popular –, identificando a pólis, o município, como o espaço primeiro e principal para o exercício da cidadania. Coerentemente, os constituintes previram uma autonomia para os municípios, em especial para a organização dos sistemas de ensino (Art. 211 da Constituição Federal de 1988). Essa postura, por sua vez, foi reforçada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB/96).

Nesse momento, foram estabelecidos parâmetros fundamentais a serem observados por todos, com o objetivo de garantir a construção de uma unidade nacional, não uma uniformidade. Cada localidade pode criar um Sistema Municipal de Educação, um Plano Municipal de Educação e um Conselho Municipal de Educação que, ao mesmo tempo em que contemplem as diretrizes previstas na Carta Magna, na LDB e no PNE/2014 (Plano Nacional de Educação), sejam resultados da pluralidade das vozes sociais das comunidades. Dessa maneira, seria possível assegurar que a educação cumprisse o seu papel principal: ser um instrumento para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva.

Nesse contexto e nessa perspectiva, a Escola ganha especial importância, na medida em que deve se cons-tituir como protagonista no esforço de mobilização das comunidades. Por ser um espaço eminentemente público e plural, a Escola constitui o locus para a gênese da autêntica experiência democrática a partir das comunidades. Nesse sentido, a Gestão Escolar, dita em outros momentos como mera ação burocrática, ganha centralidade, amplitude e, consequentemente, a discussão acerca do tema adquire importância maior que em qualquer outro momento. A experiência de 22 anos como professor e gestor escolar possibilitou perceber a necessidade de que estudos pudessem amparar essa empreitada, isto é, a de gerir uma Escola.

A priori, o termo gestão significa, segundo o dicionário Houaiss, “ato ou efeito de gerir”. O dicionário propõe também, como termos equivalentes, “administração” e “gerência”, além de registrar a etimologia de origem latina do vocábulo: gestĭo,ōnis, isto é, “ação de administrar”. Há, ainda, uma interessante e eloquente relação de sinonímia apresentada: direção. Convém observar que, no “bom português” e também na teoria da ad-ministração, quem administra, administra algo ou alguém. Assim, ao termo gestão, soma-se o complemento “o quê?”, que pode implicar gestão de empresas, gestão de pessoas ou gestão colegiada, gestão estratégica etc.. Portanto, como definição formal de Gestão Escolar teríamos: ação de administrar uma unidade Escolar, gerindo seus recursos físicos, financeiros e humanos com o objetivo de viabilizar a execução do projeto pe-dagógico e o cumprimento das metas públicas estabelecidas.

Na LDB/96, Art. 12, Incisos I a VII, estão as principais delegações que se referem à gestão escolar:

Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e a do seu sistema de ensino, terão a incumbência de:

I - elaborar e executar sua proposta pedagógica;[...]

VI - articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola [...] (BRASIL, 1996)

Entretanto, ao conceito, diria, frio de Gestão Escolar, a sociedade brasileira, por meio de seus representan-tes legais, acrescentou, à legislação concernente ao tema, o adjetivo democrática. Assim determinando de maneira clara o como? deveria ser feita. É exatamente na adjetivação do como? que se instauram as grandes

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diferenças. Como afirma Gadotti (2014, p.1),

a gestão democrática não é só um princípio pedagógico. É também um preceito cons-titucional. O parágrafo único do artigo primeiro da Constituição Federal de 1988 estabelece como cláusula pétrea que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”, consagrando uma nova ordem jurídica e política no país com base em dois pilares: a democracia representativa e a democracia participativa (direta), entendendo a participação social e popular como princípio inerente à democracia. Em seu artigo 206, quando a Constituição Federal estabelece os “princípios do ensino”, inclui, entre eles, no Inciso VI, a “gestão demo-crática do ensino público” [...].

A Lei de Diretrizes e Base promulgada em 1996 no Título II, Dos Princípios e Fins da Educação Nacional, artigo 3º foi reafirmado no inciso VIII o caráter democrático da gestão.

No Plano Nacional de Educação (PNE), referência fundamental para a organização e definição de metas e estratégias para o ensino no Brasil para o período 2014 – 2024, também, foi adotada a expressão: Gestão Democrática. Também no PNE, o termo democrático prevê o incentivo à ampla participação de toda a comu-nidade Escolar, a descentralização e a autonomia das unidades Escolares e incluiu a observância de critérios técnicos de mérito e de desempenho.

Art. 2o São diretrizes do PNE:

VI – promoção do princípio da gestão democrática da educação pública;

[...]

ANEXO

METAS E ESTRATÉGIAS

Meta 19: assegurar condições, no prazo de 2 (dois) anos, para a efetivação da gestão democrática da educação, associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à consulta pública à comunidade Escolar, no âmbito das Escolas públicas, prevendo recursos e apoio técnico da União para tanto (BRASIL, 2014).

A primeira Conferência Nacional de Educação (CONAE) concluiu que

a gestão democrática dos sistemas de ensino e das instituições educativas constitui uma das dimensões que possibilitam o acesso à educação de qualidade como direito universal. A gestão democrática como princípio da educação nacional sintoniza-se com a luta pela qualidade da educação (CONAE, 2011 apud GADOTTI, 2014, p.2).

Portanto, pela compreensão da leitura da legislação anterior, é possível concluir e afirmar que a Escola é o

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“local” privilegiado para a construção da sociedade democrática, o que significa menos identificá-la como espaço físico e mais como espaço social e político. Pensar a Escola nos exige identificar e reconhecer os di-versos atores sociais e políticos envolvidos no universo escolar: Estado, diretores, professores, pais, alunos, entidades de mercado (empresas prestadoras de serviço ou até mesmo o mercado de trabalho em sentido lato, que lança seu olhar sobre a mão de obra preparada pela Escola). Além de pensar essa Escola como um conceito, é preciso pensar a gestão dessa Escola nos limites de sua realidade. Assim, gerir a Escola significa exercer, além da gestão pedagógica, a gestão de recursos humanos, do uso e da manutenção da infraestrutura, dos recursos orçamentários etc. Entretanto, não se deve perder de vista que a Gestão Escolar é, acima de tudo, uma ação política e que essa gestão necessariamente deve ser feita baseada em preceitos científicos, administrativos e ideológicos conhecidos, assumidos e publicizados.

Por tudo isso, pensar a Gestão Pública, mais especificamente a Gestão Escolar, implica pensar modelos de gestão que deem conta da complexidade do espaço escolar, uma vez que a Gestão Escolar não se dá no vazio das ideias. Concepções e modelos de gestão, de alguma maneira, balizam essa prática. Portanto, pensar a Gestão Escolar exige pensar modelos de gestão.

No século XXI, duas concepções político-administrativas têm predominado nos embates políticos e discus-sões acadêmicas: a Gestão Estratégica e a Gestão Social. Esse confronto, como não podia deixar de ser, es-tendeu-se para o campo da Educação e Gestão Escolar. O ponto nevrálgico desse debate foi engendrado pela definição da prevista democracia e a sua implementação.

As correntes estratégica e societal distinguem-se na fundamentação teórica e nas práticas empreendidas, bem como no campo epistemológico e político, e mais, distanciaram-se historicamente por terem sido, destacada-mente no Brasil, sustentadas por classes e grupos sociais e políticos oponentes. Para Tenório (2004), a Gestão Estratégica e a Gestão Social são mais que divergentes, são antitéticas. O modelo de gestão que se mostrou predominante nas duas últimas décadas foi a Gestão Estratégica, expressão do chamado “gerencialismo”, que estendeu concepções gerenciais privadas para o setor público, inclusive para a Gestão Escolar.

A Gestão Social apresentou-se como modelo alternativo e anti-hegemônico.

As implementações das políticas públicas no Brasil nos últimos vinte e cinco anos contemplaram as discus-sões acerca da vertente estratégica e societal, com o claro predomínio da primeira. Em quaisquer dos âmbitos administrativos, do federal ao municipal, essa escolha foi determinante para a definição das políticas públicas referentes a temas de extrema importância para a sociedade, a saber, saúde, transporte, urbanização, seguran-ça e educação.

A partir da década de 1990, muitas foram as experiências de implementação da Gestão Estratégica no Brasil, destacadamente no setor privado, de onde é originária, e de forma já significativa no setor público. Nos três âmbitos da administração pública, conseguimos coletar exemplos. Vale registrar as reformas realizadas no governo de Fernando Henrique Cardoso pelo então ministro da Administração Federal e Reforma do Esta-do, Bresser Pereira e o chamado “choque de gestão” efetuado pela administração de Aécio Neves em Minas Gerais nos anos 2000.

A Gestão Social surge como alternativa à Gestão Estratégica e ganha expressão também na última década

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do século XX, afirmada pelos movimentos sociais, organizações não governamentais e alguns partidos de esquerda, como uma alternativa à Gestão Estratégica, por considerá-la mais democrática. Muitos foram os projetos que se basearam nos princípios dessa forma de gestão, ao mesmo tempo em que contribuíam para a construção de seu arcabouço teórico e prático. Destaque para as experiências do Orçamento Participativo na administração de Olívio Dutra em Porto Alegre (1989-1992) e Patrus Ananias em Belo Horizonte (1992-1996), ambos eleitos pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Nitidamente se percebe também a presença da concepção Societária na Política Nacional de Participação Social – PNPS - decretada pelo governo de Dilma Roussef em maio de 2014 e barrado pelo Congresso em outubro do mesmo ano.

Como se percebe, o pensar sobre esses dois modelos de gestão impõe em grande medida um olhar sobre a história do Brasil pelo menos a partir da redemocratização dos anos 1980, com atenção às divergências e aos embates políticos e ideológicos que marcaram esse período e impõe, acima de tudo, uma análise criteriosa e científica dessas duas vertentes.

O desejo de melhor conhecer ambos os modelos de gestão, de avaliar suas contribuições, de registrar suas experiências é o que motiva esse estudo. Mas o que em particular o justifica é o desejo de apreender as impli-cações desses dois modelos no sistema de ensino, em especial na Gestão Escolar. Assim, a questão que move este estudo é principalmente a seguinte: quais as diferenças e semelhanças entre a Gestão Escolar baseada na Gestão Estratégica e na Gestão Escolar fundada na Gestão Social? O esforço para gerar subsídios para essa resposta nos obriga a procedermos a uma caracterização e análise das duas concepções. Entretanto, ao tratarmos da Gestão Estratégica e da Gestão Social, não pretendemos fazer um estudo do Estado da Arte, mas explorarmos a literatura sobre os temas para apresentarmos a origem histórica dessas concepções de gestão pública e sistematizarmos um conceito de ambas, elencando suas principais características e fundamentações epistemológicas.

Metodologia

Tendo como referência os critérios de classificação sugeridos por Antônio Carlos Gil (2010), definimos este estudo em relação à natureza como aplicada; segundo o tipo, bibliográfica e documental, com finalidade ex-ploratória – descritiva e abordagem essencialmente qualitativa.

Apesar de não se constituir um estudo do estado da arte, esta pesquisa demanda uma expressiva pesquisa bibliográfica que possibilite uma primeira definição de Gestão Escolar e um mapeamento de estudos acerca da Gestão Estratégica e da Gestão Social. Para isso, foram consultados livros, dissertações e artigos e os do-cumentos oficiais: legislação e manuais técnicos governamentais.

Este trabalho não visa a refutar teorias apenas, mas verificá-las e apresentá-las com a expressa intenção de colaborar para o aumento da familiaridade com o tema. Acreditamos que, dessa forma, contribuiremos com as comunidades Escolares em seus processos de decisão. Daí a natureza aplicada da pesquisa.

Gestão Estratégica e Gestão Social: conceito, história e paradigma epistemológico.

Para que se possa analisar a Gestão Escolar na perspectiva da Gestão Estratégica e da Gestão Social faz-se necessário primeiro apresentarmos, mesmo que de forma sucinta – como cabe a natureza desse artigo – o conceito, um breve histórico e os paradigmas epistemológicos que fundamentam cada um dos modelos de

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gestão. Por avaliarmos que didaticamente seria mais esclarecedor, optamos por expor o conceito, a contex-tualização e os paradigmas epistemológicos das duas correntes de gestão em forma de quadros comparativos.

Quadro 1 – Quadro comparativo entre as Gestões Estratégica e Social

Gestão estratégica Gestão socialDesenvolvida a partir dos anos 1950 com os estudos de Peter Drucker que apresentou as bases do planejamento estratégico:

·gestão caracterizada por criterioso planejamento com definição clara de diretrizes, objetivos, metas, nor-mas, ações e indicadores de controle e avaliação dos resultados a serem alcançados.

·Rigorosa metodologia de controle e acompanhamento sintetizada na má-xima: “o que não pode ser medido não pode ser gerido”;

·Descentralização funcional incorpo-rando a prática da delegação;

· Valorização do conceito de eficiên-cia e eficácia, na administração pú-blica acresce-se o de efetividade.

·Empoderamento na administração pública de um corpo técnico-buro-crático.

Nos anos de 1970, diante da crise da socialdemocracia, da falência do Es-tado de Bem-estar social, a Gestão estratégica foi apresentada como al-ternativa às concepções intervencio-nistas keynesianas e à burocratização. Ganhou maior expressão acadêmica e política com a criação do movimento “reinventando o governo” que de-fendeu a aplicação dos preceitos do gerencialismo proveniente do setor privado para o setor público. O geren-cialismo, como base de política públi-ca, foi base das políticas neoliberais e teve seu auge nos governos de Mar-gareth Thatcher (1979-1990) na Ingla-terra e de Ronald Reagan (1981-1989) nos EUA.

A Gestão Estratégica se ex-pandiu na América Latina e,

Desenvolvida nos movimentos sociais reformistas e revolu-cionários da década de 1960 que se mobilizavam em torno da defesa das mudanças estruturais na América Latina.

A Gestão Social se caracteriza pela:

·Valorização da ampla participação dos diversos atores so-ciais;

·A coletividade com poder deliberativo, decisório;

·Relações pautadas pela dialogicidade, busca do entendi-mento e transparência;

·Valorização da localidade como território do fazer a demo-cratização econômica, social e política;

·Prática política pautada pela busca do entendimento

·Defesa do desenvolvimento social e político transformador-emancipacionista; muitas vezes contra-hegemônico.

Reprimidos com a implantação das Ditaduras civis-militares em países como Brasil, Argentina, Chile, Paraguai, os movimentos sociais e partidos políti-cos de esquerda, identificados com os princípios da Gestão Social, se rearticularam em meados dos anos 1980 no contexto da redemocratização em defesa de direitos considerados essenciais, como a posse da terra, a habitação e a universalização de direitos, como comprova a expressiva atuação no período do Movimento Sem Terra, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, do Movimento Sem Teto, das Comunidades Eclesiais de Base por meio das Pastorais da terra, da criança, da mulher, além do Movimento Negro, indigenista, feminista, LGBT, entre muitos outros. Os movimentos sociais e partidos identificados com a Gestão Social atuaram na Assembleia Constituinte na tentativa de institu-cionalizar práticas e políticas públicas identificadas com essa concepção. Nos anos de 1990, cresceu no meio acadêmico com a abertura dos primeiros cursos e realização de congressos como o Programa de Es-tudos em Gestão Social da Escola Brasileira de Ad-ministração Pública e de Empresas (PEGS/EBAPE/FGV). E o Encontro Nacional de Pesquisadores em Gestão Social – ENAPEGS. Nessa mesma década, políticas públicas baseadas na Gestão Social foram implantadas por administrações municipais e esta-

Fonte: desenvolvido com base em Paula (2005); Cançado; Pereira; Tenório (2011, 2013).

A análise dos paradigmas epistemológicos que fundamentam a Gestão Estratégica e a Gestão Social nos per-mite perceber o conceito de ciência inerente a cada modelo e a relação entre o conhecimento e a sociedade que

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o produz. Isso nos capacita a pensar o papel social da ciência e a fazermos escolhas mais conscientes.

Quadro 2 Referenciais Epistemológicos da GE e da GS

Gestão Estratégica Gestão Social

Baseia-se no Paradigma Funcionalista-objetivis-ta e seu correspondente o Estruturalista-Radi-cal, derivados do princípio filosófico racionalista utilitário.

Para o Paradigma Funcionalista as teorias orga-nizacionais e, por conseguinte, suas metodolo-gias se estruturariam em quatro concepções:

1. Concepção sistêmica e sincrônica – a estru-tura organizacional a partir uma hierarquia funcional instaura estruturas coordenadas de gestão;

2. concepção teleológica – a ação se faz a partir da definição de diretrizes e objetivos previa-mente definidos e todas as ações coordenadas visam alcançar esse resultado que deve ser conhecido e partilhado por todos os membros da administração;

3. concepção a-histórica da organização – as análises são voltadas exclusivamente ao pre-sente, visando manter o controle e acompa-nhamento das metas de evolução a partir dos indicadores;

4. concepção integradora e não-conflitual – pressupõe o conhecimento, aceitação con-sensual e alinhamento com os da organiza-ção.

Portanto, o paradigma funcionalista valoriza a estabilidade, a integração, a coordenação fun-cional e o consenso.

O Paradigma Funcionalista se notabiliza pela va-lorização do poder, da ordem, da regulação e do controle hierárquico, pelo predomínio do prag-matismo na determinação das ações tendo em vista os resultados almejados, comportamento típico de um racionalismo utilitário.

Os funcionalistas acreditam serem as organiza-ções “objetos tangíveis, concretos e objetivos”.

Baseia-se no Paradigma Crítico-subjetivista, e seu correspondente, o Humanismo-Radical.

Para o Paradigma Crítico-subjetivista as teorias organizacionais e, por conseguinte, suas metodo-logias se estruturariam em seis concepções:

1. Concepção sociológica da organização – as relações internas, gestores, professores, alunos e as relações da organização com o externo, seja ele, o poder público, o empresariado estão imbricados com as questões ideológicas, as re-lações de poder.

2. Concepção histórica da organização – o foco, nesse caso, se volta para o contexto sócio-his-tórico no qual as relações sociais se dão; as re-lações e processos das organizações só podem ser compreendidas a partir da análise histórica.

3. Concepção dialética da organização – enten-dem o conflito, as crises e contradições como inerente as relações, inclusive organizacionais.

4. Concepção desmistificadora da organização – recusa os discursos integradores e motiva-dores, reconhecendo as contradições, confli-tospróprios das relações políticas, inclusive de trabalho reconhece o potencial transformador desses embates.

5. Concepção acionalista‘ da organização – o en-tendimento das organizações como resultado da práxis humana;

6. Concepção emancipadora da organização – visa a humanização das relações organizacio-nais e das relações de poder existentes nestas. O paradigma crítico assume um compromisso de promover a transformação emancipacionis-ta do indivíduo e da sociedade. Portanto, inten-ciona romper com estruturas de dominação e opressão, assumindo um projeto libertário.

O Paradigma Crítico valoriza a ideia de conflito e entende as organizações como processos resul-

Fonte: desenvolvido com base em Leão Lyrio et.al (2014); Campos, Paulo et al (2014); Cançado; Pereira; Tenório (2011, 2013).

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A Gestão Escolar na perspectiva da Gestão Estratégica e da Gestão Social: questões para auxiliar na avaliação.

A partir dessa reflexão sobre Gestão Estratégica e Gestão Social, refletimos, nesse momento, sobre a Gestão Escolar, principal objetivo desse trabalho. Vale ressaltar que o que mais se pretende é suscitar dúvidas e levantar perguntas ao invés de apresentar respostas. Portanto, após essa caminhada, a questão central é aqui retomada: quais as diferenças e semelhanças entre a Gestão Escolar baseada na Gestão Estratégica e na Ges-tão Escolar fundada na Gestão Social?

Para proceder a essa avaliação comparativa, é necessário definirmos alguns itens comuns a serem analisa-dos. Por considerarmos que são os de maior relevância, optamos por avaliar os seguintes aspectos da Gestão Escolar Democrática: participação, eficiência, eficácia e efetividade da gestão e a atuação da Escola para a construção da democratização local: qualificação/legitimação da Escola como espaço fomentador da demo-cratização local.

Participação

Ao analisar a participação, o que se levará em conta é como cada modelo de gestão entende esse conceito. As questões são basicamente as seguintes: quais atores sociais os modelos julgam que devem participar? Qual seria a relação entre eles? Qual o grau de empoderamento de cada ator?

Para iniciar a análise, é importante começar por considerar o que a LDB/96, em seus artigos 14 e 15, estabe-lece a respeito da participação:

Art. 14 – Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:

I. participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola;

II. participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equiva-lentes.

Art. 15 – Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de edu-cação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e admi-nistrativa e de gestão financeira, observadas as normas de direito financeiro público (BRASIL, 1996).

Duas questões precisam aqui ser destacadas em relação a esses artigos: primeiro, a participação da comu-nidade escolar é apresentada como uma determinação, por ser vista como condição necessária à gestão

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democrática. O segundo item é que a LDB não estabelece diretrizes em relação à participação de todos os envolvidos na vida escolar. Portanto, apenas aponta para o óbvio, mas não se aprofunda na definição do grau de participação, na discussão acerca do empoderamento da comunidade ou sobre a centralização ou descen-tralização do poder deliberativo-decisório. Assim, a LDB, ao não delinear o entendimento acerca da partici-pação, também não favoreceu a definição do conceito de autonomia, ficando ambos em aberto. Feitas essas considerações, é preciso buscar registrar como esses aspectos são compreendidos pela Gestão Estratégica e pela Gestão social.

A Gestão Estratégica, de forma geral, prevê a participação dos diversos atores e reconhece a necessidade dessa participação para o êxito da gestão. Essa participação dar-se-ia dentro de uma estrutura verticalizada, hierarquizada e restringir-se-ia a alguns momentos do processo de gestão, ou seja, a participação da comu-nidade Escolar local se subordinaria à estrutura gerencial estabelecida a partir do Estado gerente. Portanto, a autonomia seria sempre relativa, e a relação de subordinação permaneceria. Isso se justificaria pela neces-sidade de padronização de objetivos e por se avaliar como indispensável o controle e a avaliação de desem-penho de todo o processo. Dessa forma, estaria assegurada a eficiência e a eficácia da política pública na acepção da Gestão Estratégica.

Na Gestão Estratégica, inclusive quando aplicada ao setor público - e pensamos aqui a gestão escolar públi-ca, a definição das diretrizes (Missão, valores, visão e ações estratégicas) – há participação da comunidade, que deve ser convidada a se envolver na elaboração do Projeto Pedagógico da Escola. A condução desse processo será de responsabilidade do diretor da Escola. Porém, o diretor é escolhido e investido no cargo pelo Estado, portanto, sem participação da comunidade, este não necessariamente é por ela percebido com repre-sentatividade e legitimidade para o exercício da função. Assim, o diretor pode ser visto como componente de um corpo técnico e representativo do Estado.

Para melhor pensar a questão da Participação na Gestão Escolar, vale a pena ler as atribuições previstas ao diretor na rede pública estadual de Minas Gerais, publicadas no chamado Guia do Diretor Escolar. Esse é um documento oficial do governo de Aécio Neves, cuja gestão se notabilizou pela incorporação dos princípios do gerencialismo estratégico.

Uma gestão democrática requer a participação da comunidade Escolar nos processos que se evoluem em permanente formulação e em implementação coletiva de metas, objetivos, estratégias e procedimentos da escola, quer sejam a respeito dos aspectos pedagógicos, quer sejam relativos à gestão administrativa, dos recursos humanos e financeiros. Portanto, Diretor, é necessário que a gestão escolar seja compartilhada, coletiva, participativa, democrática e que todos juntos - diretor, pais, comunidade, professores, alunos, funcionários – busquem caminhos, soluções para os entraves e consigam realizar o sonho coletivo: “todos os alunos aprendendo” (MINAS GE-RAIS, 2008, p. 12).

Entre as atribuições do diretor, está previsto:

- estimular a participação dos colegiados e das instituições escolares, valorizando a gestão participativa fortalecendo o vínculo com a comunidade local e estabelecendo parcerias que promovam enriquecimento do trabalho da escola e da comunidade em que ela se insere;

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- compreender os condicionamentos políticos e sociais para promover maior integra-ção com a comunidade (MINAS GERAIS, 2008, p. 14).

É importante ler o texto a partir de suas ausências. Gera estranhamento o fato de em uma metodologia de gestão, em que a máxima diz que “o que não é medido, não pode ser gerenciado”, não existir previsão no documento ou em leis ou resoluções públicas, nenhuma medição efetiva da participação da comunidade nas Escolas e nem vinculação, como estímulo, dessa participação a repasse de recursos e investimentos, como ocorre em relação aos resultados nas avaliações externas. Outro fator que merece ressalva é o fato de as fer-ramentas e os critérios de avaliação serem exclusivamente padronizados externamente. Isso pode funcionar como instrumento de indução de comportamento desejado ou até coerção, se atrelado a repasse de recursos, a reconhecimento e premiação por mérito e produtividade, como sugere a concepção gerencialista.

A participação da comunidade é exaustivamente sugerida, e a criação de órgãos colegiados, previstos. No entanto, esses órgãos podem tender à burocratização, já que não são exigidas ou previstas no calendário Es-colar ações para a efetiva participação da comunidade.

Importante registrar que pela Gestão Estratégica não será concedida aos órgãos colegiados ou às assembleias o poder decisório e a responsabilidade pelas decisões. Esse poder permanece ainda em grande medida cen-tralizado no corpo técnico. Assim, apesar de prever a participação dos vários atores sociais formadores da comunidade Escolar, estes não são empoderados. Vale registrar que as Escolas têm de incorporar a busca por objetivos e metas definidas externamente pelo governo em vigência. Essas metas podem seguir parâmetros internacionais, nacionais ou estaduais que passam, por bem ou por mal, a balizar de forma determinante a Gestão Escolar baseada na Gestão Estratégica.

A Gestão Estratégica defende a participação de todos os interessados na Gestão Escolar: representantes do poder público local, ONGs, empresários, representantes religiosos, professores, pais, alunos. Reconhece-se a existência de interesses diversos e defende-se a negociação entre as partes. Portanto, o diálogo é compreen-dido na Gestão Estratégica como uma forma de gerar um consenso e, assim, se anularem os conflitos.

Na Gestão Social, a participação, inclusive na Gestão Escolar, ganha outra dimensão e amplitude. A Gestão Social defende a participação de todos os atores sociais componentes da comunidade, assim como a Gestão Estratégica. No entanto, essa participação deve ocorrer em uma estrutura horizontalizada, com plena vo-calização dos participantes, inclusive com cuidados para evitar a sobreposição de um grupo ao outro, seja pelo poder econômico, seja pelo conhecimento técnico, por exemplo. As representações colegiadas, órgãos ou assembleias, devem ter soberania e poder decisório. Portanto, ocorre o empoderamento da comunidade local na gestão da Escola. Nesse sentido, o poder local, como comunidade, sobrepõe-se à autoridade pública institucionalizada, indiferente do âmbito.

A Gestão Escolar, baseada na Gestão Social, não exclui o estabelecimento de objetivos, metas e avaliações de desempenho, apenas não a assumem em uma perspectiva funcionalista. Diretrizes e avaliações seriam local-mente estabelecidas e as avaliações externas submetidas ao crivo da comunidade. Tal processo é percebido como meio de gerar comprometimento da comunidade, e não necessariamente recusa.

Diferentemente da Gestão Estratégica, a Gestão Social compreende a relação entre os diversos atores, como a busca de entendimento, e não como uma negociação. Dessa maneira, o consenso não anula conflitos, que, no caso, são percebidos como inerentes às relações democráticas.

Eficiência, Eficácia e Efetividade

Pensar eficiência e eficácia significa explicitar o significado desses dois conceitos nas duas concepções, a partir das seguintes perguntas: por quais critérios se definiria o quanto se foi eficiente ou eficaz? Quem defi-niria esses critérios?

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Na Gestão Estratégica, não é possível pensar esses conceitos dissociados da ideia de diretrizes, objetivos e metas. Segundo Chiavenato (2007), eficiência se define pelo como fazer, pelo método, o melhor modo para se realizar algo com a utilização racional dos recursos. Já eficácia é definida pelo alcance efetivo dos objetivos propostos. Efetividade passa pela avaliação da “real necessidade” de determinada ação, tendo em vista o expresso objetivo da política pública.

Na Gestão Estratégica esses três conceitos, eficácia, eficiência e efetividade, estão atrelados à ideia de re-sultados e, portanto, subordinados à missão, à visão, às diretrizes, às metas e às ações. No setor privado, os objetivos gerais e específicos são estabelecidos pelos donos ou acionistas, já, no setor público, ele é definido pelo poder público. A questão é quem é o poder público.

No gerencialismo, poder público confunde-se com poder estatal, no caso técnico, qualificado. Por assim ser, o Estado brasileiro, por meio de um corpo tecnocrata preparado, define – em seus diversos níveis, união, federação ou município – metas a serem cumpridas e avalia se foram alcançadas.

Portanto, na Gestão Escolar baseada na Gestão Estratégica, o estabelecimento das metas, o controle e a ava-liação são predominantemente feitas pelo poder estatal externo à unidade Escolar. Essas metas, na prática, acabam por determinar as estruturas das Escolas e o funcionamento desses espaços. A Gestão Estratégica prevê a participação da comunidade na elaboração do Projeto Político Pedagógico da Escola, em sua ad-ministração e na definição de objetivos e de metas. No entanto, afirma-se a primazia do corpo técnico e a implantação pelo Estado de metodologias e ferramentas de gestão, as quais são apresentadas como meio de se assegurar eficácia, eficiência e efetividade. A ênfase na intervenção técnica, no planejamento estratégico pautado por objetivos, metas e resultados, tríade que expressa o Racionalismo Utilitarista que a ampara, fica evidente na citação abaixo, extraída do Manual do Diretor da Rede Pública Estadual de MG:

Dar foco à Gestão Pedagógica é a exigência primordial da Escola que queremos hoje: tempo de avaliação externa, de constatação do desempenho do aluno e da Escola, de definição e de pactuação de metas, de Plano de Intervenção Pedagógica, de padrões básicos de ensino e de aprendizagem (MINAS GERAIS, 2008, p. 15).

A Gestão Estratégica colabora com as Escolas, à medida que moderniza a administração por meio da capa-citação de gestores, criação de ferramentas de acompanhamento de processos e avaliações de desempenho. A Gestão Estratégica, com destaque, o BSC, permite um permanente controle e avaliação dos processos internos das Escolas com o fim de assegurar o efetivo cumprimento de seu Projeto Político Pedagógico e o alcance das metas públicas. As ferramentas da Gestão Estratégica possibilitam, quando bem empregadas, a ampliação do sistema de informações, maior transparência e a possibilidade de maior fiscalização por parte da comunidade Escolar dos gastos e resultados, portanto, da eficiência, eficácia e efetividade da Gestão Es-colar.

Na Gestão Social, os conceitos de eficácia, eficiência e efetividade se assemelham. Entretanto, a primeira e grande diferença se encontra em quem determina qual ação ou política pública deve ser executada e como deverá sê-la, quais os aspectos a serem avaliados e de que forma deverão ser avaliados. A Gestão Social defende veementemente o empoderamento da coletividade, da comunidade local. Portanto, a comunidade local é que, de maneira ativa e mais autônoma, estabeleceria a definição de objetivos, metas e critérios de avaliação. Isso não significa ignorar metas e avaliações externas definidas por órgãos governamentais, mas

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submetê-los ao crivo e à legitimidade do poder local.

Tendo em vista essas considerações, a Gestão Escolar, baseada na Gestão Social, terá os critérios de eficiên-cia, eficácia e efetividade definidos pela comunidade Escolar. E isso somente ocorrerá com a ampla partici-pação e com a vocalização dos diversos atores sociais envolvidos no processo educacional.

Uma ponderação importante é em relação a metodologias e a ferramentas de gestão de processos e avalia-ção. A Gestão social não se opõe a priori a tecnologias de gestão, apenas rechaçam ferramentas que trazem incutidas a lógica Funcionalista. Portanto, a Gestão Escolar baseada na Gestão Social comporta avaliações de processos e resultados.

Atuação da Escola para a construção da democratização local: qualificação/legitimação da Escola como espaço fomentador da democratização local.

No aspecto atuação da Escola para a construção da democratização local: qualificação/legitimação da Escola como espaço fomentador da democratização local, o que se busca perceber é como cada modalidade de ges-tão favorece o papel da Escola como espaço público, criador e disseminador da democracia na comunidade.

A Escola, quando pensada pelos preceitos do gerencialismo, tem basicamente, como função social, o fim de oferecer um ensino de qualidade para seus alunos. O foco da Escola seria o indivíduo, não sua comunidade diretamente. A Escola, na concepção gerencialista, deve prever, em seu Projeto Político Pedagógico, o com-prometimento com a formação de valores democráticos e organizar ações efetivas para isso. Deve também ser construída como um espaço aberto à participação e à presença da comunidade Escolar. Inclusive, isso seria fator favorável ao êxito da Gestão Escolar.

A Gestão Social pensa a Escola não apenas como um espaço público, mas como um espaço comunitário e coletivo. O foco seria a comunidade. Nesse sentido, a Escola teria como função social colaborar com a co-munidade local, por meio da educação, para que esta consiga se desenvolver e se transformar. A Escola, na concepção da Gestão Social, tem seu papel superdimensionado na construção da cidadania nas localidades, assim a gestão Escolar ganha um sentido muito mais amplo que a administração burocrática ou pedagógica. Ela tende a assumir seu viés político e passa a ser percebida por alguns autores, como Dowbor (2007), como instrumento para fomentar a Gestão Social das políticas públicas.

A educação não pode se limitar a constituir para cada aluno um tipo de estoque básico de conhecimentos. As pessoas que convivem num território têm de passar a conhecer os problemas comuns, as alternativas, os potenciais. A Escola passa, assim, a ser uma articuladora entre as necessidades do desenvolvimento local e os conheci-mentos correspondentes. Não se trata de uma diferenciação discriminadora, do tipo “Escola pobre para pobres”: trata-se de uma educação mais emancipadora na medida em que assegura à nova geração os instrumentos de intervenção sobre a realidade que é a sua (DOWBOR, 2007, p. 80).

Portanto, entendido dessa forma, para que ocorra um efetivo Desenvolvimento Local, algumas ações mos-tram-se imprescindíveis: o debate e a definição pela comunidade do que ela entende como desenvolvimento, a criação de uma cultura participativa que amplie o capital social, o estabelecimento consensual de objetivos

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claros a serem alcançados, a transformação desses objetivos também em políticas públicas, a criação pelos atores sociais envolvidos de indicadores quantitativos e qualitativos capazes de medir e avaliar a eficácia das ações empreendidas. Observem que todas essas ações têm a educação como meio, o que reforça o papel catalizador e formador da Escola.

Assim, concluímos que, para a Gestão Social, o Desenvolvimento Local decorre e fomenta, como processo e resultado, uma educação participativa e autonomista. Dessa forma, impõe-se a demanda de se redimensionar o papel e atuação da Escola, a fim de superar sua função hegemônica, reguladora, conservadora, e assumir um papel transformador e democratizante.

Autores referências para a Educação e para a Gestão social, como Paulo Freire (1979), Boaventura de Souza Santos (1989) e Edgar Morin (2005), partilham a visão da Escola como um “locus” privilegiado para ações transformadoras e emancipatórias da comunidade em que se encontram. Portanto, a Escola não se limitaria a ser um local, nem um espaço do ensino, mas sim um espaço de educação e cidadania.

Considerações finais

Este trabalho se preocupou em apresentar um conceito de Gestão Escolar e de convidar seu leitor – leitor este entendido como a comunidade escolar como um todo – a pensar sobre dois dos modelos de gestão: a Gestão Estratégica e a Gestão Social. Para isso, fizemos um mapeamento das principais características da Gestão estratégica e da Gestão Social. Vale destacar que este texto não se ateve às críticas feitas reciprocamente, não por não serem pertinentes ou necessárias, apenas por não ser esse o objetivo do trabalho. O outro motivo é que não desejamos influenciar os gestores com conclusões dos autores, mas, sim, suscitar dúvidas, questio-namentos acerca de suas próprias práticas e das teorias e concepções que as sustentam.

Alguns questionamentos que devem ser feitos para um posicionamento consciente dos gestores: qual modelo de gestão melhor atende às determinações legais - constituição e LDB/96? Qual modelo favorece a democra-tização prevista legalmente e em grande medida desejada? Como a comunidade Escolar em que a Escola se insere entende o conceito de eficácia, eficiência e efetividade? Quais os benefícios e problemas decorrentes da escolha pelo modelo de Gestão Estratégica ou pela Gestão Social? Qual a melhor forma de implementar o modelo de Gestão Estratégica na gestão Escolar das Escolas públicas? Qual a melhor forma de implementar o modelo de Gestão Social na gestão das Escolas públicas? Qual a possibilidade de se conciliarem elementos dos dois modelos? Quais os limites e as possibilidades da adaptação de conceitos, metodologias e ferramen-tas originárias da Gestão Estratégica para a Gestão Social, em especial para a gestão das Escolas públicas? Quais os limites e as possibilidades da adaptação de conceitos, metodologias e ferramentas originárias da Gestão Social para a Gestão Estratégica, em especial para a gestão das Escolas públicas?

Fica aqui o apontamento para a necessidade de continuidade desse estudo em direção a apreender opiniões dos membros das comunidades Escolares acerca dessas questões. Destacaria a importância de ouvirmos os gestores Escolares, que, até por ofício, têm de lidar com essas questões. Esse novo estudo pode trazer à tona as experiências desses gestores e enriquecer a descrição desses modelos e contribuir com a análise e com a crítica a ambos. Suas respostas podem mostrar os limites na prática de um modelo ou outro e, quem sabe, acenar para novos caminhos.

Referências

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AVA L I A Ç Ã O D E P R O J E T O S D E R E S P O N S A B I L I D A D E S O C I A L C O R P O R A T I VA S O B A P E R S P E C T I VA D A G E S TÃ O S O C I A L

Marcelo Scarpa Rennó1

Ediméia Maria Ribeiro de Mello2

Resumo

Este artigo sintetiza a pesquisa bibliográfica realizada para a fundamentação teórica do entendimento dos processos avaliativos de projetos de responsabilidade social corporativa (RSC) e para uma reflexão das metodologias adotadas, sob a ótica da gestão social. Desse esforço de pesquisa, percebeu-se, nas avaliações normalmente desenvolvidas desses projetos, que a prioridade na definição de indicadores é focada nas necessidades internas das empresas promotoras dos projetos, em detrimento de outros meios sistematizados de avaliação capazes de aferir resultados na promoção do desenvolvimento local e da sustentabilidade dos processos desencadeados pelos projetos. A pesquisa desencadeou as seguintes questões que permeiam o desenvolvimento do artigo: o que seria a sustentabilidade desses processos desencadeados? Como avaliar a sustentabilidade destes projetos de RSC em sua capacidade de promover desenvolvimento local? Que indicadores seriam ideais para esse fim? Entende-se aqui que a sustentabilidade dessas inciativas está diretamente associada à afinidade metodológica dos projetos com a gestão social. Sendo assim, propõe-se a aferição de seus impactos em aspectos qualitativos e que traduzam valores intangíveis locais, tais como a formação de capital social, a participação e o protagonismo comunitário na condução dos projetos e seus desdobramentos. Essas são as bases a serem privilegiadas como foco dos processos avaliativos.

Palavras-chave: Gestão Social. Capital Social. Responsabilidade Social Corporativa. Avaliação de Projetos Sociais. Desenvolvimento Local.

Introdução

Este artigo sintetiza a pesquisa bibliográfica realizada para a fundamentação teórica do entendimento dos processos avaliativos de projetos de responsabilidade social corporativa (RSC) e para uma reflexão das metodologias adotadas, sob a ótica da gestão social. Atualmente, percebe-se que projetos de responsabilidade social corporativa (RSC) são propostas que fazem parte do escopo das ações de muitas empresas, e juntamente com os programas de relacionamento comunitário, inerentes às atividades de comunicação empresarial dos dias de hoje, e o atendimento de premissas legais, buscam traduzir o compromisso corporativo para com o ambiente de atuação onde estão inseridas. Além disto, destaca-se no desenvolvimento de projetos de RSC um conjunto amplo de metodologias orientadas para avaliar as empresas em termos de sustentabilidade, considerando a necessidade de enquadramento das atividades empresariais nessa perspectiva, em especial, com o desenvolvimento socioambiental das localidades onde atuam.

De uma forma geral, o que se percebe na estrutura metodológica das avaliações é que é priorizado o uso de 1 Aluno do Programa de Pós-graduação em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local. [email protected] Professora do Programa de Pós-graduação em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local. [email protected]

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indicadores mais relacionados às demandas internas das empresas, vinculados, especialmente, à prestação de contas e ao cumprimento de obrigações legais e outras exigências de mercado, em detrimento de resultados efetivos na promoção do desenvolvimento local e da sustentabilidade dos processos desencadeados. A partir dessas considerações, entende-se como necessária a reflexão sobre processos avaliativos de RSC: Como avaliar a sustentabilidade de projetos de RSC de empresas em termos do desdobramento sustentável de suas propostas? Como transformar essas iniciativas em processos dialogados e apropriados pelas comunidades, ao invés de ações isoladas, desarticuladas, fechadas em si mesmas e que pouco contribuem para o bem do desenvolvimento local?

Sugere-se neste artigo a ideia de que a sustentabilidade desses projetos é fundamentada por princípios da gestão social, tais como a intersetorialidade, a participação, o empoderamento e o protagonismo comunitário na condução dos processos, e que, a partir de referências metodológicas associadas à gestão social, poderiam ser pensados, além de indicadores convencionais de resultados econômicos e de viabilidade econômica, outros para a avaliação da gestão social dos processos desencadeados.

Responsabilidade social corporativa (RSC)

No campo acadêmico, a intensidade de discussões sobre RSC é cada vez maior, sobretudo, no que se refere ao propósito do desenvolvimento de projetos desta natureza por empresas nas localidades onde atuam. A partir de uma breve leitura histórica sobre as discussões sobre RSC, o termo foi apresentado inicialmente por Bowen no livro “Social Responsibilities of the Businessmen” de 1953 (BASSEN; JASTRAM; MEYER, 2005 apud THEUER, 2013), apontando a necessidade de se estabelecer no mundo empresarial a preocupação com questões sociais, mesmo que isso estivesse baseado na perspectiva filantrópica e até mesmo de cunho religioso a partir de valores como “solidariedade” e “compaixão” das empresas para com as comunidades nas áreas de influência.

Já no início da década de 1970, Friedman (1970) e seus seguidores da escola econômica neoclássica defenderam a ideia de RSC em que as questões sociais são de cunho exclusivamente estatal e que as empresas teriam como única responsabilidade a geração de lucro para assegurar os ganhos dos acionistas, cumprindo, assim, a sua função social ao gerar, além dos impostos, a oferta dos bens demandados pela sociedade (THEUER, 2013).

No fim da década de 1970, Carroll (1979) retoma a linha de pensamento filantrópico de RSC, propondo que as empresas possuem quatro premissas para sua atuação. A primeira seria a premissa econômica de que a principal função das empresas é a geração de lucro; a segunda seria a premissa legal, pelo fato de as empresas estarem inseridas na sociedade, e, portanto, a necessidade de enquadramento delas nos códigos e normas instituídos; a terceira seria a premissa ética, que diz respeito a códigos relacionais implícitos que não estão, necessariamente, descritos na forma da lei; e a quarta e última premissa, a discricionária, que reforça a postura de compromisso social voluntário das empresas com o ambiente em que estão inseridas.

Na década de 1980, a agenda de discussões globais sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento trouxe novas perspectivas conceituais, ao incluir outras responsabilidades às empresas para com a sustentabilidade e com qualidade de vida das comunidades onde estão inseridas (THEUER, 2013). Desde então, novas discussões começaram a relacionar a RSC com o conceito de desenvolvimento sustentável (VASCONCELOS; ALVES; PESQUEUX, 2012). Um exemplo desta orientação é a definição do Instituto Ethos de Empresas e de Responsabilidade Empresarial, que descreve a RSC como

[...] a forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais compatíveis com o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para as gerações futuras, respeitando

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a diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais (INSTITUTO ETHOS DE EMPRESAS E RESPONSABILIDADE SOCIAL, 2013, p.16).

RSC e o paradigma da gestão social

Na organização de projetos de desenvolvimento e na construção de alternativas socioeconômicas locais, a complexidade da realidade local deve estar priorizada na contextualização dessas ações. Tais questões são percebidas estando ou não vinculadas à iniciativas de RSC de empresas. O conjunto social de uma determinada localidade se expressa pela interdependência, interação e a inter-retroatividade dos seus diversos setores e o todo e vice-versa (MORIN, 2010).

Esse entendimento da complexidade no desenvolvimento local está relacionado com o reconhecimento de que a articulação dos diversos setores na composição de uma proposta integrada e intersetorial de desenvolvimento local é algo necessário. “A vida em sociedade é a expressão do axioma de que a vida está tecida em conjunto. As necessidades e expectativas das pessoas e dos grupos sociais referentes à qualidade de vida são integradas” (INOJOSA, 2001, p.103, grifo da autora).

Porém, percebe-se que o desenvolvimento de ações sociais pelas empresas muitas vezes está inserido em uma perspectiva unilateral, abdicando o diálogo intersetorial e o entendimento integrado, legitimado e alinhado dos processos. Todos esses sendo entendidos aqui como prerrogativas para a apropriação das iniciativas pelas comunidades beneficiadas pelos projetos para promoção do desenvolvimento local.

Neste sentido, acredita-se que a emancipação comunitária para a condução do desenvolvimento local seja um dos principais desafios para a sustentabilidade nos processos. Cattani e Ferrarini (2010) destacam a sustentabilidade como critério de políticas emancipatórias de programas sociais, sendo essa entendida como “a necessidade de aquisição de condições de autonomia da população ao término do programa, permitindo-lhe prescindir dos recursos materiais e técnicos” (CATTANI; FERRARINI, 2010, p. 166).

Nesta perspectiva, a sustentabilidade das ações e projetos de RSC “anda de mãos dadas” com a capacidade dos grupos sociais beneficiados se apropriarem dos processos, de forma a se estabelecerem como protagonistas e condutores das ações em prol do desenvolvimento local. Desta maneira, as ações de RSC seriam afinadas com o paradigma da gestão social. Segundo Tenório (2005), a gestão social pode ser definida como:

[...] processo gerencial dialógico onde a autoridade decisória é compartilhada entre os participantes da ação. O adjetivo social qualificando o substantivo gestão é percebido como o espaço privilegiado de relações sociais onde todos têm o direito à fala, sem nenhum tipo de coação (TENÓRIO, 2005, p. 102).

Percebe-se aí que o foco conceitual não é restrito ao “lócus” de atuação gerencial, mas também ao modo e às características do processo de gestão estabelecidos.

Já Dowbor (2008) considera “gestão social” dentro de uma perspectiva gerencial e entende que as relações de poder em escala e hierarquização das tomadas de decisão devam se estabelecer pela ótica da descentralização, do maior poder às localidades e da participação popular. Porém, esta ideia de gestão social, segundo Dowbor, ainda não possui uma referência organizacional definida ou elaborada. Sob a ótica da gestão convencional das áreas produtivas, existem várias correntes e produções teóricas consolidadas como o taylorismo, o fordismo, o toyotismo, entre outros, o que já não se observa no campo de discussões da gestão social (DOWBOR, 1999).

França Filho (2008), assim como Dowbor (1999) e Tenório (2006), considera a gestão social tanto como

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uma finalidade – busca de soluções e atendimento às necessidades e demandas sociais e coletivas, quanto como uma modalidade organizacional específica de gestão, na qual a participação social é determinante no contexto das ações operacionais, administrativas e gerenciais de um projeto específico.

Para Lück (2011), a participação é entendida sob a ótica do envolvimento, da mobilização e organização coletiva consciente dos indivíduos em uma “unidade social comum”, onde estes “[...] assumem seu poder de influência na determinação da dinâmica desta unidade” (LÜCK, 2011, p.29). A autora também destaca a existência de níveis de participação social distintos, a partir da abrangência e do poder de influência exercido. São eles:

· Nível 1: estar presente em encontros, reuniões, eventos;

· Nível 2: opinar sobre o assunto, mas a participação se restringe a verbalizar ideias e opiniões, não traduzidas em avanços efetivos para o entendimento e a tomada de decisões;

· Nível 3: escolher representantes e atuar em conjunto com esses na articulação de ideias e propostas para tomada de decisões;

· Nível 4: participar efetivamente da tomada de decisões;

· Nível 5: envolver e se comprometer de forma dinâmica em todos os aspectos do processo social - engajamento.

Esses níveis de participação podem ser associados aos estágios de evolução da gestão social em determinado processo, conforme Figura 1, onde se apresenta uma adaptação dos trabalhos de Lück (2011):

Figura 1: Níveis de participação e avanço na gestão social

Considerando que essa participação se realiza no nível comunitário e de uma localidade específica, há de se levar em conta, também, a perspectiva de governança territorial do conceito de gestão social, entendendo essa governança como sendo o conjunto de relações de poder estabelecidas entre atores públicos, semipúblicos, sociais e empresariais, por meio de arranjos institucionais e/ou organizacionais em um determinado espaço (DALLABRIDA, 2014).

Neste sentido, Fischer (2012) apresenta outra dimensão teórica conceitual de gestão social, destacando a territorialidade e as relações de convergência e de articulação entre instituições como fatores implícitos e inerentes ao processo de gestão social.

[...] gestão social, como condição essencial, não é a gestão de processos descontextualizados, mas sim ancorados territorialmente, como uma forma de representação de poderes locais articulada em interorganizações, que são instituições de convergência que produzem e recriam ações, projetos e programas [...] (FISCHER, 2012, p. 114).

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Mas como promover a gestão social e a sustentabilidade dos processos desencadeados pelos projetos de RSC com vistas ao desenvolvimento local? Como saber se as comunidades beneficiadas estão preparadas para a condução desses processos? Como preparar as comunidades beneficiadas para gerirem os processos desencadeados pela RSC de forma autônoma?

Diante desses questionamentos, faz-se valer a ideia de que nos projetos de RSC sejam consideradas as carências comunitárias a partir do olhar da própria comunidade afetada, e que seja promovido um esforço em favor do reconhecimento, da organização e/ou da promoção do capital social das localidades, síntese do recurso estratégico para transformá-las em protagonistas do seu próprio desenvolvimento, ou desenvolvimento endógeno.

Segundo Pase (2007), Pierre Bourdieu foi um dos pioneiros na conceituação de capital social ao considerar nesta ideia elementos que transcendem aos aspectos econômicos e incorporar outras perspectivas intangíveis, as quais, no seu entendimento, viabilizam recursos de ordem econômica. Pela concepção de Bourdieu (1980), capital social é definido como “[...] conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de conhecimento e reconhecimento [...]” (BOURDIEU, 1980, p. 2, tradução nossa).

Capital social é, ainda, um conceito em formação, com diferentes abordagens sobre a sua construção, utilidade, aferição e formas de ser fomentado (FERREIRA, PESSÔA, 2012).

Já Putnam (2006) associa capital social às “características da organização social como confiança, normas e sistemas, que contribuem para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando ações coordenadas” (PUTNAM, 2006, p. 177). Altos “estoques” de capital social decorrem, segundo Putnam (2006), do engajamento cívico de uma comunidade, o que se reflete de forma direta na capacidade de desenvolvimento e também na capacidade de auto governança local.

Coleman (1990) explica capital social sob uma perspectiva funcional, enquanto um recurso à disposição do desenvolvimento endógeno:

[...] capital social não é apenas uma única entidade, mas também uma variedade de diferentes entidades que possuem duas características em comum: Todas consistem de alguns aspectos de uma estrutura social e elas facilitam ações dos indivíduos que pertencem a esta estrutura (COLEMAN, 1990, p. 302, tradução nossa).

Reforça-se, a partir do conceito de Coleman (1990), a ideia de que, quanto mais “capital social” uma comunidade dispõe, maior a possibilidade de construção, desenvolvimento e controle social das ações de interesse coletivo em uma estrutura social comum.

Da mesma forma, Nahapiet e Ghoshal (1998) reconhecem o conceito capital social sob a ótica de recursos “[...] reais e potenciais incorporados, derivados e disponibilizados pela rede de relacionamentos estabelecida por um indivíduo ou uma unidade social” (NAHAPIET e GHOSHAL, 1998, p.243-244, tradução nossa). Estes autores ainda classificam capital social a partir de três dimensões, quais sejam:

· A dimensão estrutural: constituída pela análise de relações entre os atores de um grupo social; a caracterização da rede dessas relações em termos de densidade, conectividade e hierarquia; e a avaliação funcional da rede (se ela está sendo “usada” com o objetivo preposto ou para outra finalidade).

· A dimensão relacional: focada na perspectiva de aspectos comportamentais dos indivíduos que afetam o estabelecimento de suas relações sociais.

· A dimensão cognitiva: focada na análise de aspectos que viabilizam a convergência de visões,

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interpretações como códigos de linguagem e narrativas compartilhados.

Outra abordagem conceitual para capital social é proposta nos trabalhos do Banco Mundial (2014), que considera o termo como o conjunto de instituições, relações e normas que define a qualidade e a quantidade de interações sociais de uma comunidade específica. De acordo com a referida instituição, o capital social de uma localidade interfere diretamente no êxito de projetos de desenvolvimento comunitário.

Em relação à avaliação e mensuração do capital social de uma comunidade, percebe-se também uma ampla variedade de propostas metodológicas com essas finalidades. Ressalte-se, no entanto, que o grande número de iniciativas, bem como os diversos contextos nos quais as propostas são desenvolvidas inviabilizam o estabelecimento de um paradigma metodológico único a ser adotado como referência específica para avaliação e mensuração de capital social. Mesmo assim, destacam-se aqui trabalhos que visam a avaliação do capital social de comunidades, tais como: o Índice de Comunidade Cívica (ICC) de Putnam (2006) e a metodologia do Banco Mundial, o Questionário Integrado para Medir Capital Social (QI-MCS), desenvolvido por Grootaert et al (2003).

Diante das definições apresentadas, sintetiza-se um entendimento de capital social de uma comunidade como sendo uma “entidade”, ou “bem social”, e, também, um “valor” atribuído às relações sociais fundadas em perspectivas econômicas, socioculturais (normas, tradições, confiança), funcionais e políticas, que traduzem a capacidade de organização e mobilização social de um grupo social em torno de questões de interesse coletivo e, portanto, de realização da gestão social para o desenvolvimento local.

Propõe-se neste sentido que o reconhecimento, a organização e/ou a promoção de capital social de uma comunidade não deve ser considerado apenas um “valor” ou um “bem” de uma localidade, que pode contribuir ou viabilizar um projeto social, mas, também, deve ser visto sob a perspectiva da gestão social, como uma finalidade em si dos projetos sociais atuantes em um território específico.

Considera-se, assim, que, nos processos avaliativos dos projetos de RSC, indicadores relacionados à mensuração do capital social presente na comunidade alvo dos projetos podem se constituir em meios estratégicos para a avaliação da capacidade de gestão social da comunidade e, portanto, da sustentabilidade dos processos desencadeados pelos projetos, capazes, então, de contribuírem para o desenvolvimento local.

Desenvolvimento Local

A discussão sobre o conceito de desenvolvimento local é palco de muitas controvérsias no mundo acadêmico, seja na perspectiva do entendimento do que seja desenvolvimento e suas adjetivações (territorial, sustentável, local, participativo, entre outros), seja na perspectiva metodológica ou de processos para sua caracterização (MARTINS; VAZ; CALDAS, 2010).

Para Santos e Rodríguez-Garavito (2004), o desenvolvimento local é fruto do fortalecimento das estruturas da sociedade civil, transformadas em agentes econômicos e políticos de uma localidade. A ideia é: quanto maior a força econômica dessas estruturas, maior a capacidade de interferência direta delas no campo político, com a possibilidade de desencadear um processo local, em contraposição à lógica de exclusão socioeconômica e política da ordem global.

Os autores relacionam as discussões e experiências de desenvolvimento local e de outros movimentos sociais a esforços para o “renascimento do ativismo por uma globalização contra hegemônica [e com a busca de] formas de organização socioeconômica baseadas na igualdade, solidariedade, e também na proteção ambiental” (SANTOS e RODRIGUEZ-GARAVITO, 2004, p.2-3).

Outros autores buscam uma análise conceitual mais “objetiva” do termo, sobretudo no que concerne ao

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“local”. Dowbor (2008) remete à ideia de que pensar desenvolvimento local é criar alternativas locais à lógica centralizadora de processos decisórios, própria da realidade brasileira, por definição distante das realidades locais. Ampliar o poder no “[...] espaço local permite uma democratização das decisões, na medida em que o cidadão pode intervir com muito mais clareza e facilidade em assuntos da sua própria vizinhança, e dos quais tem conhecimento direto” (DOWBOR, 2008, p.11).

Além disso, uma análise afim a essa visão de Dowbor (2008), presente, também, nos trabalhos de Fischer (2002), se refere à maior possibilidade local de parcerias e arranjos entre indivíduos, grupos e coletividades, mediadas por redes e interorganizações, cujas estruturas de poder e de inserção produtiva passam a ser mais coletivizadas e horizontalizadas. Segundo Muls (2008), essas redes, ou formas intermediárias de coordenação das relações sociais, têm emergido como promotoras do desenvolvimento local. Nesse caso, as redes seriam, ao mesmo tempo, estratégias e condições para o desenvolvimento local.

As redes são a expressão das formas de ajustamento entre as restrições extraterritoriais e as reações territoriais e, nesse sentido, a própria condição para o desenvolvimento local. A densidade dessas redes é que vai indicar o potencial de uma trajetória endógena de desenvolvimento local (MULS, 2008, p.11).

Dentro da mesma perspectiva da formação de redes e da intersetorialidade, com base no conceito desenvolvido por Inojosa (2001), Milani (2003) afirma que o desenvolvimento local está associado ao “conjunto de atividades culturais, econômicas, políticas e sociais – vistas sob a ótica intersetorial e transescalar – que participam de um projeto de transformação consciente da realidade local” (MILANI, 2003, p.1).

A partir das propostas conceituais apresentadas percebe-se o desenvolvimento local como resultante de processos locais autônomos e democráticos de gestão política e de inserção produtiva, decorrentes do fortalecimento do capital social e dos arranjos em rede entre sociedade civil, empresas e poder público, no nível local, na busca de alternativas organizacionais à lógica da ordem socioeconômica global hegemônica, que restringem, inclusive, os poderes políticos centrais.

Infere-se neste contexto que a RSC, especialmente sob a perspectiva da gestão social, traduz-se em campo de discussões e de processos de atuação não-estatais sobre a esfera pública e que confere, a partir da intersetorialidade, a possibilidade do estabelecimento de processos “reais” de desenvolvimento local.

Processos avaliativos de projetos sociais e de RSC

Furtado e Laperrière (2012) ressaltam que o interesse nas discussões sobre avaliação de projetos sociais no Brasil aumentou a partir da ampliação dos direitos civis pela Constituição de 1988. Além disso, os autores destacam o processo de “ONGização” da gestão dos projetos sociais, decorrente, também, da exigência dos financiadores dos projetos (dentre os quais as empresas privadas), com respeito à implantação de sistemas de avaliação desses projetos. Mesmo assim, a cultura avaliativa na sociedade brasileira ainda é incipiente (FURTADO; LAPERRIÈRE, 2012). Esse fato, associado a uma carência de delimitações conceituais mais precisas relativas à gestão social dos projetos e à contribuição deles para a formação de capital social local, reforçam a proposição de discussões desses conceitos no sentido de uma construção teórica que contribua efetivamente para o desenvolvimento local.

A ausência de precisão conceitual sobre o que seria avaliação de projetos sociais, segundo Costa e Castanhar (2003), não está vinculada ao conceito que se propõe de avaliação propriamente dito, mas sim aos vários critérios e modelos necessários para que se proceda à análise e aferição de resultados desses projetos. Neste sentido, a concordância parcial do conceito consiste no entendimento de que “avaliação” é uma forma de mensurar o desempenho, cujo objetivo é possibilitar e orientar os processos de tomada de decisão quanto à continuidade, necessidade de correções ou mesmo suspensão de uma determinada ação, política, programa ou projeto (COSTA; CASTANHAR, 2003).

Além disso, percebe-se no entendimento de Cohen e Franco (2011) que o objetivo da avaliação de projetos

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sociais, em síntese, considera a inserção de dois critérios básicos que aparentemente englobam o conjunto de “perspectivas” relacionadas a um processo de análise e aferição de resultados. Estes conceitos são o de eficácia e eficiência, definidos com a contribuição de Buvinich (1999). O primeiro refere-se à verificação do alcance dos objetivos propostos, entendido como: em que medida os recursos, atividades e produtos dos projetos estão realizando os efeitos diretos almejados, em um determinado período de tempo, independentemente dos custos implicados. Já o conceito de eficiência refere-se ao uso dos recursos para o alcance dos resultados, propondo a meta de menor relação custo/benefício dos processos (BUVINICH, 1999).

Além dos critérios de Cohen e Franco (2011), Buvinich (1999) propõe, ainda, a efetividade, entre outros critérios que podem vir a ser utilizados na avaliação de projetos sociais. Segundo o autor, esse critério vem ao encontro da necessidade de medir os impactos tanto diretos, quanto indiretos dos projetos em termos socioculturais, ambientais, técnicos, econômicos e institucionais, no contexto territorial onde se implementam os projetos. Portanto, entende-se esse critério como sendo outra referência básica de avaliação na perspectiva da gestão social e do desenvolvimento local.

Uma quarta preocupação atribuída à ideia de avaliação, destacada na análise processual e final de projetos sociais, é a pertinência do processo avaliativo desses projetos. Neste caso, entende-se a avaliação da pertinência como a análise da correspondência do modelo e da proposta de avaliação com os objetivos dos projetos sociais (COHEN; FRANCO, 2011).

No caso de projetos de RSC, a pertinência do processo avaliativo ganha maior prioridade, em função de que um dos “pontos-chave” dos questionamentos sobre processos avaliativos adotados nos projetos de RSC está relacionado à credibilidade da avaliação. Especialmente, nesse caso, se considerarmos a falta de instrumentos ou indicadores que possam aferir, sobretudo, a capacidade e a efetividade dos grupos locais em se estabelecerem como protagonistas dos processos (COELHO; GONÇALVES, 2007; 2011). Tais questões podem constituir fator inibidor de continuidade dos investimentos por parte das empresas e, por consequência direta, o comprometimento da sequência dos projetos.

Do ponto de vista empresarial, percebe-se que a medição e a avaliação dos projetos de RSC são práticas comuns, devido ao fluxo de investimentos realizados pelas próprias empresas, as quais buscam mapear o retorno obtido com os mesmos. Porém, ressalta-se no debate a limitação dos processos avaliativos desses projetos e a mensuração de seus resultados efetivos, mesmo com a adoção de procedimentos quanti-qualitativos da economicidade e de seus impactos (CABRAL, 2011).

Fischer et al (2003) atestam que essas dificuldades estão relacionadas “[...] as diferentes culturas organizacionais, linguagens e formas de trabalho das organizações de setores distintos” (FISCHER et al, 2003, p. 2). Além disto, as autoras destacam outros desafios associados à composição de objetivos, estratégias e também aos valores atribuídos às questões postas pelos projetos, gerando maiores dificuldades na organização de indicadores de resultados e de monitoramento dos projetos.

Cabral (2011) ainda aponta a insuficiência das metodologias de avaliação de projetos sociais vinculada à limitação das adaptações de técnicas, tanto da área privada, quanto da área pública, considerando que na área privada os indicadores estão mais voltados para aspectos da economicidade dos projetos. Já na área pública, os indicadores tendem a ser mais genéricos, portanto, incompatíveis com a especificidade das escalas territoriais e temporais dos projetos.

No caso da RSC, percebe-se atualmente uma preocupação em caracterizar os processos avaliativos dos projetos a partir de referenciais metodológicos que estabelecem, dentro de uma perspectiva mercadológica, uma corrente global de avaliação da sustentabilidade das empresas. São metodologias criadas por instituições não governamentais de caráter filantrópico, mas também de fundos de investimento privados e organismos do mercado financeiro que vêm exigindo maiores informações das empresas em relação à sustentabilidade (VINTRÓ; COMAJUNCOSA, 2010). Dentre essas instituições, destacam-se notoriamente na realidade brasileira o uso da metodologia GRI (Global Reporting Initiative) e a do Instituto Ethos de Responsabilidade Social.

De fato, em função do levantamento realizado dos indicadores das instituições analisadas, não se percebe objetivamente a avaliação qualitativa dos processos de RSC em relação ao entendimento sobre gestão social

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adotado neste trabalho. A grande importância dada às avaliações quantitativas desconsidera os ganhos qualitativos das iniciativas. Por exemplo, a representatividade, o montante dos valores investidos e o número de iniciativas não informam sobre a participação e o protagonismo da população, assim como sobre o desenvolvimento de capital social local.

Por outro lado, observa-se uma diferença considerável, em termos de avaliação de intervenções, entre os conceitos fato e valor. A apuração dos fatos, muito frequentemente, não permite captar os aspectos qualitativos indispensáveis para a sustentabilidade das ações de RSC, valorada na capacidade da própria comunidade assumir o processo desencadeado e fazê-lo evoluir favoravelmente ao seu desenvolvimento.

De forma geral, acredita-se que indicadores quantitativos, apesar de importantes para a avaliação da viabilidade econômica dos processos, não expressam, a priori, o alcance dos resultados dos projetos em relação aos objetivos de promover o desenvolvimento local. Isto reforça a necessidade de se ampliar a discussão sobre como avaliar os projetos de forma a permitir a mensuração de seus efeitos e de seus resultados, sobretudo com a identificação de indicadores mais específicos e com forte caráter qualitativo. Nesse caso, entende-se que os indicadores que proporcionariam a sua melhor aferição seriam aqueles que avaliassem a presença dos conceitos afinados com a gestão social, tais como: protagonismo e participação comunitária, empoderamento, intersetorialidade, além da formação de capital social local e do fortalecimento das redes de apoio.

Na busca literária por trabalhos que abordassem as categorias “indicadores de gestão social” e “responsabilidade social de empresas”, encontrou-se apenas um trabalho organizado por Rangel e Saíz (2011). O referencial metodológico utilizado para a proposição dos indicadores por esses autores considerou aspectos associados ao capital social das comunidades, a partir dos trabalhos de Putnam. Neste sentido, eles estabeleceram quatro categorias específicas de avaliação: (1) confiança; (2) apoio (parcerias); (3) interesse; e (4) participação social.

Destaca-se nesse trabalho, que, apesar de o nome dado de “indicadores de gestão social”, não se percebe a preocupação de se avaliar um programa ou projeto específico de RSC de empresas e a sua respectiva gestão social, mas, sim, uma tentativa de se avaliar o “capital social” da empresa sob análise, em comparação com outras instituições locais.

Encontraram-se, também, outras discussões metodológicas de avaliação de projetos de RSC de empresas, a partir de olhares que extrapolam o ponto de vista do mercado, em alguns estudos, como os de Coelho e Gonçalves (2007; 2011) e de Macke e Carrion (2006).

Coelho e Gonçalves (2007; 2011) estabeleceram uma proposta de avaliação de projetos de RSC sob a ótica das comunidades envolvidas, considerando uma perspectiva quanti-qualitativa de análise dos processos e de resultados. Percebe-se nessa proposta a existência de elementos característicos da gestão social, tais como a participação e o interesse comunitário nos projetos. Porém, esses aspectos são tratados dentro de uma perspectiva de processo e não de resultados ou objetivos dos projetos desenvolvidos, não caracterizando necessariamente avanços locais na gestão social dos projetos.

Já Macke e Carrion (2006) apresentaram uma proposta metodológica de avaliação de projetos de RSC pela mensuração do capital social e das redes de compromisso social, entendendo esses como elementos fundamentais para a gestão social e o desenvolvimento local. A proposta considera a organização da avaliação de projetos sociais a partir de indicadores de capital social, segundo três dimensões propostas por Nahapiet e Ghoshal (1998): as dimensões relacional, estrutural e a cognitiva. Nesse sentido, a formação de capital social não é entendida apenas como uma necessidade processual, mas, sim, uma finalidade a ser pretendida nos projetos. Entretanto, observa-se que não são definidos, a priori, indicadores de gestão social que permitam aferir objetivamente, de acordo com as premissas desse trabalho, isto é, a sustentabilidade das ações desencadeadas pelos projetos.

Mesmo não sendo metodologias específicas para avaliação da gestão social de projetos de RSC, ressalta-se aqui a existência de metodologias de valoração de capital social comunitário, que, no entendimento deste estudo, fornecem subsídios técnicos para a construção de propostas afins com a ideia de avaliação da sustentabilidade de projetos pela ótica da gestão social: o Índice de Comunidade Cívica (ICC) de Putnam (2006) e o Questionário Integrado para Medir Capital Social (QI-MCS), do Banco Mundial. (GROOTAERT

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et al., 2003).

O ICC foi organizado a partir dos estudos de Putnam sobre a organização sociopolítica italiana e as diferenças qualitativas observadas entre o padrão percebido entre regiões centrais e do Norte italiano, comparadas com as regiões do Sul em termos de mobilização e engajamento cívico. Putnam considerou, no contexto italiano, quatro variáveis fundamentais para a composição do ICC regional: (1) a existência do voto preferencial; (2) a leitura de jornais; (3) a participação em associações desportivas ou culturais; e (4) o comparecimento a referendos.

A partir desses elementos, Putnam (2006) identificou as regiões mais cívicas e as regiões menos cívicas da Itália, principalmente pela observação da qualificação da participação política. Porém, apesar do êxito, do reconhecimento e da pertinência do ICC, como as variáveis abordam aspectos socioculturais bastante específicos ao contexto italiano, considerou-se esta referência metodológica incapaz de ser replicada em outros contextos, a partir das mesmas variáveis utilizadas por Putnam. Todavia, a metodologia evidencia a possibilidade de se estabelecer, em outras localidades, parâmetros locais específicos para que se possa medir o capital social de uma comunidade.

Já a metodologia QI-MCS do Banco Mundial objetiva disponibilizar um conjunto de questões essenciais, do tipo survey, para a geração de dados quantitativos sobre várias dimensões do capital social. A metodologia foi referenciada por diversos estudos, além de ter sido testada em localidades da Nigéria e Albânia. O questionário foi organizado em seis blocos temáticos com o total de 95 questões, avaliando desde a participação dos indivíduos em organizações sociais, redes de relacionamento e status de confiança em relação aos demais membros da comunidade, passando pelas formas de trabalho estabelecidas em conjunto e os meios para obtenção de informações, até a avaliação da estratificação social e da gestão de conflitos locais.

Conclusão

Esta reflexão de diversos referenciais teóricos contribuiu para ampliar a compreensão do modo de tornar uma atividade avaliativa mais efetiva no sentido de promover a sustentabilidade dos projetos de RSC e o desenvolvimento local das comunidades alvo desses projetos.

Esse referencial metodológico refletido será alvo de análise, juntamente com o desenvolvimento de uma pesquisa de campo, para proposição técnica e subsídio de novos elementos metodológicos para um possível modelo de indicadores de sustentabilidade de projetos de RSC, com potencial de contribuir para o desenvolvimento local.

Associa-se a sustentabilidade dos projetos sociais à perspectiva da gestão social, o que estabelece o comprometimento dos projetos não apenas com as demandas internas das empresas, de resultados econômicos e de exclusivo cumprimento de obrigações legais, mas, também, de resultados efetivos na promoção do desenvolvimento local.

Por fim, ressalta-se que este esforço de pesquisa se insere no propósito de ampliar as discussões sobre práticas e concepções de gestão social no contexto da avaliação de projetos sociais, no caso específico, de projetos de RSC. Porém, entende-se que tais discussões possam ser pertinentes em outros contextos de projetos sociais, sobretudo pela associação proposta entre gestão social e sustentabilidade de processos sociais.

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A N Á L I S E D E U M E M P R E E N D I M E N T O S O C I A L P A R A E N S E S O B A O T I C A D A A U T O S S U S T E N TA B I L I D A D E E D A G E S TÃ O S O C I A L

Odnélia Cristina S. de Amaral1

Ediméia Maria Ribeiro de Mello2

Resumo

Este artigo retrata um empreendimento social paraense denominado Associação Agroextrativista, com o intuito de compreender sua dinâmica, sob as perspectivas do tempo de amadurecimento, para inferir o seu tempo social, e do processo de gestão, por meio do delineamento de suas fases de execução até a autossustentabilidade. É um dos resultados de uma pesquisa exploratória-descritiva de viés qualitativo desenvolvida no segundo semestre de 2014, tendo sido submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário UNA e obedecido a todos os procedimentos da Resolução 466/2012. A pesquisa realizou entrevistas individuais com os gestores do empreendimento paraense e com os representantes da instituição apoiadora, denominada de forma codificada Fundação Social. Realizou, também, grupos focais com os membros do empreendimento social. O conhecimento adquirido com a pesquisa forneceu elementos orientadores para a inferência do tempo social do empreendimento social e a confirmação da necessidade de um monitoramento de sua evolução, sensível a esse tempo, para trilhar o caminho da autogestão e alcançar condições de autossustentabilidade. A pesquisa demonstrou, ainda, a presença de práticas afins com os princípios da gestão social e sustentadas na satisfação proporcionada pelo empreendimento aos seus membros, decorrentes de melhorias na qualidade de vida.

Palavras-chave: Tempo Social; Autogestão; Autossustentabilidade; Empreendimento Social; Gestão Social.

Introdução

A experiência vivenciada pela autora Amaral, ao longo de sua vida profissional, em instituições privadas apoiadoras de empreendimentos sociais geradores de renda, possibilitou conhecer a urgência dos investidores e apoiadores externos de que os empreendimentos sociais se tornem autossustentáveis, impondo a eles um prazo relativamente muito curto para o alcance dessa meta.

Percebe-se, nessa expectativa, a influência da gestão capitalista das empresas financiadoras e apoiadoras, ao fundar em sua experiência empresarial o estabelecimento de um cronograma, centrado em um tempo cronológico determinado e curto para a realização e alcance da autossustentabilidade do empreendimento social.

Esses empreendimentos sociais, em geral, decorrem de formações coletivas e são contemplados por programas de geração de renda destinados a grupos, muito frequentemente, heterogêneos de pessoas, constituídos de forma

1 Assistente Social e Mestre em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local no Centro Universitário UNA. Avenida João Pinheiro, 515, Funcionários. CEP: 30130-180. Belo Horizonte. E-mail: [email protected] Professora Dra. do Programa de Pós-graduação em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento local no Centro Universitário UNA. Avenida João Pinheiro, 515, Funcionários. CEP: 30130-180. Belo Horizonte. E-mail: [email protected].

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aleatória em comunidades pobres, reunindo, portanto, componentes dotados de diferentes entendimentos de negócios e formações educacionais, a serem transformados em empreendedores, no contexto de um coletivo produtivo.

Essas peculiaridades dos negócios coletivos em formação, empreendimentos sociais típicos, implicam na necessidade de um tempo de maturação relativo às carências diversificadas dos membros do coletivo, denominado nesse artigo de tempo social, qual seja: o tempo das pessoas, não cronológico ou empresarial, mas o tempo conhecido como “kairos”, palavra grega antiga, cujo significado define o “momento oportuno”, “certo” ou “supremo” e, segundo a mitologia grega, pode estar presente dentro do tempo fisico, determinado por “chronos”.

Os gregos antigos tinham duas palavras para designar o tempo: chronos e kairos. O primeiro refere-se ao tempo cronológico, ou sequencial, enquanto o último é um momento indeterminado no tempo em que algo especial acontece. Pode-se afirmar, de forma bastante simplificada, que chronos é o tempo humano, portanto, medido e descrito contemporaneamente em unidades de anos, dias, horas e suas divisões. Já kairos seria o tempo divino, o tempo vivido, subjetivo, que não é passível de medições (KUSTER, 2013, p.148).

Assim, “kairos” é o tempo das pessoas, diferente do tempo das metas rígidas. Afina-se, então, ao tempo social demandado para se preparar e emancipar pessoas carentes de capacidades diversas para empreender, haja vista suas qualificações e condições educacionais, culturais e pessoais destituídas das características empreendedoras. Essas pessoas necessitam serem preparadas e perceber a importância das complementaridades no coletivo, assim como de aprenderem a desempenhar papéis em processos autogestionários para a realização de um processo decisório que as levem a alcançar a autossustentabilidade de seus negócios.

Para fins de compreender a dinâmica dos empreendimentos sociais e o significado do tempo social, assim como conhecer sua gestão peculiar, realizou-se uma pesquisa focada no tempo de evolução de empreendimentos sociais. Buscou-se observar, na trajetória já percorrida por eles, o amadurecimento dos associados, dos gestores, bem como dos processos de gestão e de organização até a autossustentabilidade.

Esta pesquisa, realizada no segundo semestre de 2014 (agosto a novembro), circunscreveu-se ao cenário de desafios e conquistas da sustentabilidade dos empreendimentos sociais de geração de renda localizados nos estados do Pará e em Minas Gerais, detendo-se esse artigo no empreendimento social paraense constituído pela Associação Agroextrativista (codificado para fins de preservação da confidencialidade), considerado, entre os abordados, como o mais avançado no caminho para a autossustentabilidade.

Esse ensaio apresenta a seguinte estrutura: primeiramente, retrata a lógica da Associação Agroextrativista paraense acompanhada da descrição e da analise da dinâmica vivenciada por ela. Posteriormente, apresenta o empreendimento social, segundo as visões de seus associados, dirigentes e da instituição apoiadora e levanta a satisfação alcançada por seus membros, com reflexos em suas qualidades de vida. Por último, realiza uma análise e reflexões finais do empreendimento social sob a ótica da gestão social.

A trajetória e a dinâmica social da Associação Agroextrativista

A Associação Agroextrativista, constituída, principalmente, por colhedores da castanha foi fundada em 19 de abril de 2001 no meio rural em uma comunidade ribeirinha no oeste do estado do Pará. Desde então, atua como uma associação representativa de cinco comunidades vizinhas. No momento de realização da

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pesquisa, havia mais uma comunidade pleiteando tornar-se membro da Associação.

Sob o formato legal de Associação, é uma entidade civil sem fins lucrativos, sem vinculação partidária, cujos objetivos são: a melhoria das condições de vida dos seus associados; a autonomia da prática extrativista; a manutenção e defesa dos direitos e interesses coletivos e individuais dos sócios, inclusive em questões judiciais ou administrativas e a defesa da instituição democrática da sociedade.

Em 2010, houve uma retificação no Estatuto da Associação para a diminuição do número de cargos da diretoria, cujo mandato é renovado a cada dois anos, estando prevista a realização de nova eleição, ainda, em 2015. Até a realização da pesquisa, a Associação contava com 34 membros associados.

O presidente da Associação em 2014 declarou estar cumprindo o seu terceiro mandato e, desde a fundação da Associação, ter ocupado cargos na diretoria. Segundo ele, “é, na verdade, eu, desde a primeira diretoria, eu tive alguma função, eu fui secretário de 2001 até 2006. Iniciei como sócio fundador e sempre com função na diretoria” (presidente da Associação).

Vale ressaltar a existência de uma restrição legal para eleição dos membros a cargos diretivos: estes somente tornam-se elegíveis para cargos na Associação quando já são sócios há, pelo menos, três anos e têm um envolvimento direto com as atividades. Ou seja, há uma exigência de comprometimento comprovado para exercer algum cargo na entidade.

Observou-se, no momento da pesquisa, o forte sentimento de pertencimento e a doação à causa como atitudes comuns e coletivas nesse empreendimento. Citam-se, a seguir, palavras do presidente, que revelam que a constituição da Associação foi motivada por um problema comum aos associados, qual seja: a exploração pelo atravessador da castanha3.

Na verdade, o que me trouxe fazer parte da Associação, justamente foi, na época, era a opressão por parte dos patrões [exploração do atravessador da castanha]. Não era possível ter um retorno satisfatório no final da safra, sempre tinha um saldo devedor nos cadernos dos patrões. Isso foi o que me motivou na busca de sair um dia dessa situação (Diretor tesoureiro da Associação Agroextrativista).

Depois de uma longa experiência com outras parcerias e, em especial, com o apoio recebido da fundação apoiadora – Fundação Social –, a partir de 2008/2009, o empreendimento pôde acessar políticas públicas de crédito como o Desenvolvimento Regional Sustentável4 (DRS) junto ao Banco do Brasil, com a capacitação em boas práticas no manejo da castanha. Isso possibilitou recursos para o custeio das despesas e compras de equipamentos. Assim, com a superação da dependência do patrão, o empreendimento passou a auferir ganhos diretos da comercialização da castanha e a gerir seus custos de giro e investimentos.

Esse amadurecimento organizacional na forma coletiva, motivado por uma causa comum, fez o empreendimento buscar a sua autonomia em relação a uma dependência econômica exploratória, no contexto da autogestão e do reconhecimento dos parceiros, em especial da Fundação Social, aproveitando as oportunidades de capacitação e o acesso a informações relevantes e a créditos.

3 O atravessador é conhecido por patrão, pessoa que oferece o recurso financeiro, materiais de consumo e equipamentos, para possibilitar aos castanheiros adentrarem na floresta e colher a castanha. Ao entregar a castanha os castanheiros ficavam sujeitos ao preço de pagamento do atravessador para a força de trabalho, num valor muito baixo o que os tornava dependentes e endividados.4 O DRS é uma estratégia negocial de desenvolvimento e de promoção de atividades produtivas, proporcionada pelo Banco do Brasil aos extrativistas para a garantia de um produto economicamente viável, socialmente justo, ambientalmente correto.

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[...] eles conseguiram responder de uma forma mais rápida, acho que pela necessidade que era mais eminente de conquistar a sua independência, eles eram refém do chamado sistema tradicional de aviamento da produção, onde a produção não pertence a eles, pertence a quem financia que predefine um preço, eles conseguiram romper com isso a partir do momento que eles implantaram as boas práticas, acessaram o conhecimento dos padrões de boas práticas da Embrapa pela via da incubadora, eles vivenciaram a experiência do desenvolvimento organizacional participativo, das capacitações sobre politicas para o setor extrativista na Amazônia, participaram do projeto SAF (Sistema Agro florestal), desenvolvendo uma alternativa de produção agrícola na entre safra da castanha, eles já acessam credito por mais de 7 anos do Banco do Brasil através do DRS, e [...] eles mantêm índice zero de inadimplência (Coordenador da Fundação Social).

O conceito de produção associada e educação emancipadora de Tiriba (2008) propõe a educação de homens e mulheres trabalhadores por meio de “[...] rearticular os saberes sobre a vida em sociedade, apropriando-se do processo de trabalho em sua totalidade” (TIRIBA, 2008, p.72). Entende-se que a autora defende a importância da (re) significação da educação para o empreendedorismo5, ao contrário da exercitada em muitos dos casos sob a ótica do capital, na direção de promover a formação integral do trabalhador, em especial, nas “organizações econômicas de iniciativas populares”, de modo a que seus associados venham, de fato, a se tornar “protagonistas dos processos de produção da vida social, ensaiando uma cultura do trabalho calcada numa racionalidade econômico-social distinta da lógica do capital” (TIRIBA, 2008, p. 74).

Constatou-se, na pesquisa de campo realizada com os associados e com direção da Associação, o exercício do protagonismo dos trabalhadores no processo de produção, ao exercitar a autogestão com transparência, por meio de prática de reuniões e tomadas de decisões coletivas.

Eles têm um nível de empoderamento, capacidade de tomar decisões colegiadas, decisões coletivas com uma preocupação, com visão mais de futuro, menos imediatista, que acho que em parte tem a ver com o grau de necessidade e o perfil dessa comunidade, com a complexidade do negocio e a forma como as estratégias responderam exatamente no ponto da quebra da dependência deles ao sistema de aviamento e também pelo projeto da incubadora, da qualidade de seus serviços estarem mais amadurecimentos (Coordenador de operações da Fundação Social).

Além disso, a Associação está em dia com seus registros legais e impostos pagos, conta com uma boa organização de arquivamento documental e com a realização de registro em atas das reuniões extraordinárias e ordinárias, tanto da diretoria quanto dos associados.

Desde 2012, a Associação apresenta aos associados relatórios organizados da diretoria para o controle da produção, do pagamento e do repasse de valor a cada associado.

Quanto à remuneração dos associados essa é proporcional à produção retirada de cada colocação (área da floresta destinada à colheita) de castanha. Cada membro possui sua área, recebida dos seus antepassados.

Em relação à castanha a gente trabalha com nossas colocações, as colocações que tem

5 Educação para o empreendedorismo quando se estimula a “gestão do próprio negocio” e/ou a “tornar-se patrão de si mesmo” (TIRIBA, 2008, p. 73).

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uma produção maior, aí a remuneração varia de acordo com a produção. Por exemplo, tem extrativista que consegue produzir até 80 hectolitros, [...] outros não conseguem coletar nem 20 hectolitros porque a colocação dele é pequena, aí varia essa remuneração, não chega a satisfazer todos. Tem colocações que abrigam sete extrativistas, outras abrigam duas, três, é de acordo com a produção. [...]Por exemplo, a colocação que era do meu pai, por peso da idade, agora eu continuo lá, e assim sucessivamente (Diretor presidente da Associação Agroextrativista).

Antes da colheita, a Associação verifica o melhor preço para a venda da castanha e negocia os melhores preços com os fornecedores dos equipamentos necessários para subir aos castanhais.

Segundo o presidente da Associação, “[...] só junta o produto de todo mundo na hora de vender, mas aí cada qual tem a sua quantia. Na hora que vem o pagamento cada um sabe a sua quantia”. No auge da produção, a média do rendimento com a castanha já chegou a ser equivalente a 1 salário mínimo (SM) por associado. Atualmente, os associados vêm agregando aos seus rendimentos ganhos com a agricultura, pecuária e pesca, o que já chegou a render mais de 1 SM por associado. No processo organizativo produtivo, na entressafra da castanha, a Associação trabalha, em conjunto com a Fundação e outros parceiros, para diversificar a produção. Para esse fim, investe na agricultura familiar e em outras culturas, como o mel, segmento produtivo em crescimento na região.

Hoje nós já não temos só a castanha, já temos cultivo da agricultura também, temos a produção de farinha da mandioca e temos também a abóbora, o mamão, a macaxeira. Já aderimos também outros produtos da castanha como o biscoito, a paçoca. Nesse período de festa de aniversário do município, a gente faz, também, para exposição, os bombons, o doce da castanha (Diretor presidente da Associação Agroextrativista).

Para a formação de um fundo reserva, é recolhida uma mensalidade no valor de R$ 4,00 reais e são realizadas atividades diversas.

Nós temos uma mensalidade, inclusive nos vamos até agora tentar aumentar, de quatro reais por mês, de cada sócio. A gente faz eventos dentro da Associação para ganhar recursos. Por exemplo, a gente faz o festival da castanha, a renda é para Associação, do que a gente vendeu no evento. Esse movimento de vendas com a participação na Feira de Arte e Cultura do município também é para a Associação, a gente às vezes faz bingo, torneios (Diretor presidente da Associação Agroextrativista).

Na época da realização da pesquisa, a diretoria aguardava o resultado de um projeto elaborado com a colaboração de parceiros. Esse projeto foi apresentado ao Fundo DEMA6, cujo pleito era o financiamento a fundo perdido para implantar uma cozinha do biscoito da castanha. O projeto foi orçado em R$36 mil reais. Se aprovado, será instituída uma nova linha de produção na Associação.

Outro investimento, também, estava em articulação com o Banco do Brasil para obter financiamento para uma casa de farinha mecanizada. Segundo os dizeres do presidente da Associação, “[...] o gerente já esteve aqui [na

6 O FUNDO DEMA é um fundo fiduciário criado em 2003, que financia projetos coletivos dos “Povos da Floresta – povos indígenas, quilombolas, comunidades extrativistas, ribeirinhas e da agricultura familiar”, que visem à valorização socioambiental dessas populações (retirado do site fundodema.org.br).

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comunidade], já foi olhar a roça e está disposto a financiar a casa de farinha mecanizada para nós também”.

Na oportunidade, foram perguntados sobre como procediam para formalizar a comercialização enquanto Associação. Informaram que emitem nota fiscal avulsa, com prazo de uma semana, no posto da Secretaria da Fazenda (SEFA) do município. No caso do biscoito da castanha, a Associação paga 17% de imposto, valor considerado elevado, mas os produtos agrícolas e a castanha “in natura” são isentos.

Esse empreendimento social sustenta sua coesão no objetivo comum aos seus membros. Assim, eles refletem um intenso sentimento coletivo, fortalecedor da condução do negócio. Os fatos comentados ratificam a sua escolha como um empreendimento social em estágio avançado em direção à autossustentabilidade.

O Empreendimento Social Agroextrativista, segundo a visão de seus associados e de sua diretoria

As entrevistas com os representantes da diretoria, para identificar a visão do negócio, incluíram o presidente e o tesoureiro da Associação. O primeiro é sócio fundador e faz parte da diretoria desde o primeiro mandato. O segundo chegou posteriormente e já compõe a diretoria por dois mandatos.

Destacou-se, na visão da direção, a importância do coletivo que traz elementos importantes para o processo de formação do empreendimento.

Vimos que o coletivo seria melhor para a gente chegar a um objetivo, que seria melhora de vida, a gente buscar um melhor para os nossos produtos e consegui informações, parcerias, credito no banco que, no individual, a gente não consegue, foram esses fatores que fez eu me associar e chegar a direção, também, acho que foi o empenho na Associação, no decorrer do tempo os associados puderam depositar confiança em mim e me colocaram na direção também. Acho que o coletivo não pode faltar, é importante o compromisso e a participação de todo mundo, porque só um é meio difícil caminhar (Diretor tesoureiro da Associação Agroextrativista).

A visão da direção do empreendimento sobre a formação do coletivo é refletida nos membros da Associação, demonstrando a coesão do coletivo, decorrente da perseguição de interesses semelhantes, fundada no bem-estar individual, que segundo Cançado, Pereira e Tenório (2013, p. 140), “ao defender os interesses coletivos, em ultima instância, o indivíduo defende seus próprios interesses”.

Além disso, a Associação mostrou uma dinâmica permanente de diálogo com transparência, utilizando as reuniões para aproximar e situar a todos nos processos decisórios.

A gente reúne na presença de todos. Depende da necessidade, porque a gente tem mesmo como regra, uma reunião por mês, mas se houver necessidade a gente tem até quatro, cinco. E, por exemplo, quando a gente esta buscando negócios e tem duas empresas que querem comprar a nossa produção, que estão com a proposta igual, aí a gente reúne, por exemplo, e decide. Eu nunca decidi sozinho (Diretor presidente da Associação Agroextrativista).

Esse formato dialógico constante e a transparência nas informações chamaram a atenção de outros membros de comunidades próximas, que manifestaram interesse em filiar-se à Associação.

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O que faz permanecer, o que eu vejo é a transparência, por exemplo, é uma coisa que eu ouço nas reuniões, é que se eu vendo minha produção a cem reais, um exemplo, um hectolitro de castanha, todos os associados vendem também a cem reais. Isso é que faz estar permanecendo. Muitas outras associações aqui na região, já foram instituídas, mas nunca vingou por conta disso, só o presidente ou algum diretor se davam bem. Tanto é que eu citei em outro momento, que esta havendo membros de outra Associação se agrupar a nós (Diretor presidente da Associação Agroextrativista).

A aproximação com a Fundação Social apoiadora aconteceu por volta de 2005/2006, por intermédio de um negociador de castanha da região, cliente da Associação. Segundo a direção da Associação, a Fundação contribuiu muito para o seu crescimento e para melhoria do processo produtivo, oferecendo o conhecimento e as orientações para acessar a recursos e a financiamentos, bem como, para o desenvolvimento da agricultura como alternativa de renda na entressafra da castanha.

Digo para você que é fundamental a participação da Fundação com o acompanhamento técnico, porque quando nós não tínhamos acompanhamento técnico na área [de plantio], nós só produzíamos mandioca. Hoje a gente consegue produzir milho, abóbora, arroz, mamão, macaxeira e agora vamos plantar feijão. Por exemplo, o mel que vendemos na feira do município, foram os técnicos da Fundação que nos instruiu, trouxeram as caixas, nós temos equipamentos hoje para tudo isso. A castanha, ela [Fundação] nos deu a capacitação das boas práticas foi para o controle de qualidade, para questão do comercio, do mercado, nos deixou a vontade para procurar o caminho melhor (Diretor presidente da Associação Agroextrativista).

Para se conhecer a visão dos associados, orientada ao empreendimento, foi implementada a técnica grupo focal, com a participação de doze associados, entre fundadores e outros participantes efetivos na Associação. Seus depoimentos sobre a Associação Agroextrativista demonstraram uma visão de futuro amadurecida do negócio, pois relataram que conseguiam se sustentar da floresta e gerar renda, precisando apenas ajustar alguns pontos, entre os quais: garantir maior número de membros para diversificação de frentes de produção e trabalho.

Os associados demonstraram compromisso com o negócio e um grau de amadurecimento essencial para atingir, de fato, a autossustentabilidade. De forma geral, destacaram que os parceiros favoreceram o avanço do empreendimento, ao contribuírem com o aprendizado e a apresentação da Associação para o acesso a recursos à disposição para investimentos e a técnicas de manejo desconhecidas, proporcionando ganhos para a Associação. Eles citaram:

A gente encontrou facilidade com os parceiros, por exemplo, o DRS foi a Fundação e a Prefeitura que apertaram o gerente do Banco do Brasil. Mas quando éramos somente nós, isolados, não encontramos facilidades[...]. Também temos os SAF’s [sistema agroflorestais] estamos plantando açaí, tem um mercado já em ação e eu já tenho 200 pés de açaí plantado e estão desenvolvendo bem. E eu estou bastante animado [...] a questão do comercio hoje a gente não tem dificuldade e também através dos parceiros a gente já tem mais facilidade. Somos livres para buscar o comprador que nós queremos, a empresa que a gente quiser negociar, a gente define. Isso veio depois do DRS a partir de 2007 quando começamos a ter acesso ao credito. Aí todo mundo passou a comprar a sua rabeta [canoa com motor], a adquirir a sua própria canoa, alguns animais cargueiros (Sócio participante do grupo focal).

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Quanto às dificuldades, mencionaram, como principais, a falta de infraestrutura na comunidade e a escassez de mão de obra, conforme o relato abaixo:

As dificuldades que enfrentamos ainda é a falta de estrutura para determinadas situações. Por exemplo, estamos aí com um cilindro do secador de castanha, temos proposta de mercado para produção beneficiada, mas não temos energia, ainda falta estrutura, porque a matéria prima temos. E aí, já teríamos beneficiamento da castanha, do cacau, da própria andiroba, para a produção do biscoito a castanha seria secada lá, pois ainda faz no processo manual. Um grande problema é mão de obra, gente tem pouco, pois produto tem na floresta, mas não tem ninguém para ir buscar (Sócio participante do grupo focal).

A Linha do Tempo Social7, elaborada junto com os participantes do grupo focal, indicou o acontecimento da primeira intervenção da Fundação Social depois da constituição da Associação. Nessa ocasião, essa já contava cerca de seis anos de existência. Segundo um técnico da empresa do grupo mantenedor e comerciante de castanha, que conhecia a Associação anteriormente à intervenção da Fundação, seu apoio proporcionou um grande progresso para o empreendimento, principalmente, no fortalecimento da cadeia da castanha, no processo de qualidade da castanha e na emancipação dos extrativistas do ciclo de dependência do patrão.

Se a gente for mensurar, essa comunidade trabalha com o extrativismo a mais de 100 anos, dentro desses anos [de apoio da fundação] a gente já avançou mais do que esses anos todos. Esse para mim é um diferencial. Se fizer um comparativo com a estrutura de produção antes da comunidade e que hoje possui, com numero de animais de tração, barcos para transportar o produto, a rabeta para transportar dentro do igarapé, a estrutura de barracões, a castanha deles tem uma aceitação com um preço diferenciado, e que tem zero por cento de corte [100% aproveitamento], enquanto outras comunidades estão produzindo castanha com vinte cinco a trinta por cento de corte (Técnico da Fundação Social).

No grupo focal os sócios destacaram que o processo de formação do coletivo deu segurança para a decisão de formação legal da entidade.

A gente acreditou que na formação coletiva ia dar certo! Há tempo atrás a gente tentou o individual e não conseguiu fazer nada e vimos que junto seria mais fácil consegui as coisas e se não for hoje em grupo a gente não conseguia, facilitou muito pra gente; o credito a gente tinha, mas aumentou, o mercado, hoje tem mais ainda, e não temos preocupação de vender o nosso produto e vimos o que é melhor para todos (Sócio participante do grupo focal).

Destacou-se, ainda, na Linha do Tempo Social a importância das parcerias estabelecidas. No início do empreendimento foram citadas a Prefeitura Local, a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará (EMATER/PA) e, em especial, a Fundação Social, que passou a ter uma atuação intensa a partir de 2008. A Fundação contribuiu para o acesso ao Banco do Brasil, agente financeiro que possibilitou

7 A ferramenta Linha do Tempo Social, apresentou aos participantes fases e eventos pré-estabelecidos de um empreendimento social, desenvolvidos a partir do referencial teórico e da experiência com empreendimentos sociais.

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o acesso a créditos e trouxe outros parceiros internacionais, como a Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ/ GmbH), instituição alemã de apoio a projetos na Amazônia; nacionais, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária da Amazônia Oriental (Embrapa-PA) e estaduais, como o Instituto de Desenvolvimento Florestal do Estado do Pará (IDEFLOR).

Parceiros permanentes aqui é a prefeitura, a Fundação que investe na gente, a Emater com a questão da DAP e o Banco do Brasil que é nosso agente financeiro e que depois que a gente conseguiu credito eles não deixaram mais a gente. Tem umas outras instituições por aí que foram conveniadas com a Fundação que foi a GIZ, Ideflor, Embrapa, que a Fundação trouxe (Sócio participante do grupo focal).

Ao final da reconstrução da Linha do Tempo Social, os participantes do empreendimento expuseram, com respeito à fase – ponto de equilíbrio –, que acreditavam o ter ultrapassado, quando começaram a diversificar os seus produtos, evento apontado por eles como muito importante para o coletivo. Os participantes destacaram, ainda, a intervenção da Fundação no fomento ao fortalecimento da agricultura familiar, introduzindo produtos de interesse das prefeituras (merenda escolar), bem como, o estimulo à apicultura e desenvolvimento de Sistemas Agroflorestais (SAFs), com o plantio de frutíferas. Todas essas iniciativas proporcionaram o aumento da renda familiar, antes limitada à colheita da castanha.

Então fevereiro, março e abril é a época que eles começam a entrar nos castanhais, ou seja, eles passam três meses só envolvidos com a castanha. E aí sobram oito meses. Nesses oito meses, eles não faziam nada. Ou seja, eles não tinham outra renda, não tinham outra opção. [...] E aí foi onde, conversando com eles, chegamos à conclusão de que eles precisavam de uma forma de agregar e trazer mais renda para eles. E foi onde a gente entrou com essa parte de mecanização, todo o trabalho técnico: calagem, adubação, controle de insetos (Técnico da Fundação Social).

Desse modo, os participantes do grupo focal posicionaram o empreendimento mais próximo do que distante do alcance da autossustentabilidade, estimando em cerca de 70 a 80% a parte já percorrida da trajetória para a autossustentabilidade.

Dentro desse cenário, é possível afirmar que esse empreendimento social, realmente, apresentou, por ocasião da pesquisa, um estágio avançado em direção à autossustentabilidade. Pode-se concluir isso da construção de sua história, da visão de sua diretoria e da atuação de seus associados. Trata-se de um amadurecimento com vivência de autogestão, sendo necessário pouco tempo para que tenha de fato uma base sólida e fortalecida na autossustentabilidade.

Incentivados a falar sobre o futuro do empreendimento, os participantes apresentaram perspectivas positivas e expuseram as ações necessárias ao crescimento, referentes a alguns ajustes internos, tais como: ampliação de pessoal e da frente de trabalho dentro da Associação, bem como acesso a fundos para construir a estrutura necessária para a ampliação. Com a diversificação de produção para além da castanha, a Associação ampliou suas possibilidades de inclusão em programas de políticas públicas de incentivo ao desenvolvimento no meio rural, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF).

Com respeito à diversificação produtiva, mediante a uma política interna de segmentação de mercado frente à oportunidade representada por interesses identificados em comercialização de outros produtos da floresta, tais

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como, a andiroba, o pracaxi, entre outros, visualizaram a possibilidade de aprofundamento de uma economia de escopo fortalecedora da posição de mercado da Associação.

A pretensão de segmentação de mercado é um indicador de maturidade na gestão, o que permite contribuir para o avanço acelerado na direção da autossustentabilidade.

Em 2012 (setembro) começamos a fornecer produtos para a merenda escolar, castanha e derivados, foi para a secretaria municipal da educação e inicia agora em setembro, novamente, e vamos fornecer pelo PNAE. Nós estamos com o mercado aberto, têm interessados, mas está faltando matéria humana pra ir coletar (Sócio participante do grupo focal).

No caso a andiroba ela não passa muito tempo, dar na mesma época da castanha, e quando a gente termina a castanha e já acabou o tempo dela. Por exemplo, temos mercado para andiroba, muru-muru, tucumã, pracaxi, veio gente que quer (Sócio participante do grupo focal).

Visão da Fundação Social sobre a Associação Agroextrativista

A Fundação passou a investir nesse empreendimento depois de ele já estar formado e atuante. Segundo a concepção do apoiador, esse é um empreendimento considerado amadurecido e de gestão independente, dotado de autossuficiência e autonomia. O empreendimento respondeu rapidamente ao apoio e ao investimento e passou a usufruir de um crédito, juntamente com outra associação apoiada pela Fundação, de R$700 mil reais, com zero de inadimplência.

É uma Associação que já produz e já comercializa, eles mesmos como empresários, a sua produção. A Fundação procurava novos mercados tentando escoar as mercadorias deles. Eles participam de oficinas, capacitações, já aprenderam. Ela é uma Associação que a gente falava que era a cereja do bolo da Fundação. A produção e a forma dela que é uma associação familiar, composta em sua maioria de família (Técnico da Fundação Social).

De 2008 até o momento da pesquisa, o apoiador garantiu apoio técnico com respeito a: capacitação em boas praticas da castanha; acesso ao crédito (por meio do programa DRS do Banco do Brasil); articulação para venda da produção; captação de recursos; capacitação dos filhos para a sucessão dos pais; articulação de parcerias com o Banco da Amazônia com a Embrapa (para a obtenção de mudas) e com a assistência técnica rural (para o fomento de agricultura familiar). Além de apoio financeiro, na forma de doação de adubo para a preparação de área de plantio.

Na verdade, em 2008, foi quando começaram os projetos, mas anterior a isso já havia apoio, mas não tão direto como a partir de 2008. Teve um investimento com relação a boas práticas, inclusive foram muitos investimentos. Outro investimento foi umas máquinas também desfibra curauá, que também estão lá. Outro investimento, que eu creio que é um dos principais agora, que foram as áreas mecanizadas, 10 hectares de área, em parceria com a Prefeitura e Embrapa, onde a Prefeitura entrou com a mecanização, a Embrapa entrou com a tecnologia, com a certificação e a Fundação entrou com a assistência técnica, os insumos de produção, como o calcário, fertilizantes e alguns defensivos, uns defensivos naturais para pragas. Essas áreas são destinadas à implantação de SAF. [...] E tendo uma produtividade maior através dessa tecnologia. Depois desses quatro anos a gente entra com as plantas frutíferas e as plantas

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florestais (Técnico da Fundação Social).

A Fundação Social identificou como sinal de amadurecimento dos membros a saída do empreendimento do ciclo de dependência do atravessador, proporcionada pelas boas práticas de manejo da castanha e pelo acesso ao credito rural para financiar a colheita. Mesmo com essas melhorias, perceberam que o empreendimento precisava avançar mais e garantir, por meio dos recursos florestais e de outras atividades, a diversificação de produção, para ocupar o período da entressafra da castanha, incluindo assim outros produtos agrícolas que agregassem valor à produção original.

Apesar do grau de amadurecimento atingido pelo empreendimento, o apoiador manifestou a preocupação com respeito a ameaças ao êxito alcançado, entre as quais, a perda da população jovem, que, habitualmente, continua os estudos na cidade e tem pouco interesse pelas práticas rurais desenvolvidas pelas gerações mais velhas. A maioria dos membros da Associação já se encontra em idade de intermediaria a avançada e precisa, daqui a um tempo, vir a ser substituída pelos mais jovens.

A gente vê que não há a presença muito de jovens. O mais novo lá deve ter vinte e cinco anos. Então, a preocupação é dessa continuidade, dessas pessoas que estão lá. Daqui a cinco anos tem pessoas lá que vão estar com 65 e já não tem mais aquela mesma vontade, aquela mesma força. Quando vai chegando à idade, mesmo que você queira não consegue mais (Técnico da Fundação Social).

Os extrativistas ratificam essa ameaça: “[...] está melhorando as estruturas e os preços do extrativismo que a gente faz, mas já me sinto cansado, mas o que penso que eu puder fazer eu vou segurar, pois da juventude não espero tanto” (Sócio participante do grupo focal).

Quanto à autossustentabilidade, declararam que esse estágio já foi alcançado.

Ela se autossustenta. Os números dela falam por si. Hoje o acompanhamento da Fundação é mais técnico e ele não é constante não, ele é bem pontual. Então ela para mim ela já saiu desse processo, ela se autossustenta. Ela sente uma dificuldade ou outra, recorre ao parceiro para orientação, mas eu acho que já está fora desse processo de vinculação” (Técnico da Fundação Social).

De uma forma geral, a Fundação Social paraense identificou que os principais gargalos no empreendimento social estão relacionados a questões de gestão e de mercado. Diante desse fato, faz-se importante um monitoramento técnico das ações e atividades para correção de rumos e ajustes.

O problema de todas as associações e cooperativas na região se chama gestão. Porque já é uma mão de obra experiente que sabe o que fazer na prática, mas não sabe gerir. Por isso, hoje, o maior gargalo se chama gestão. Tentar inserir novas pessoas nas instituições, pessoas com perfil de gestão seria importante [...]. Se não tiver mercado é frustrante. Para eles é. Porque eles produzem, e se não tiver mercado a mercadoria fica estocada ou estraga. [...] se não tiver monitoramento, se não tiver controle das receitas e dos custos, é a fase em que geralmente as instituições fecham. Quando a instituição realmente se autossustenta é quando já tem o domínio para gerir sua própria instituição (Técnico da Fundação Social).

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A Associação Agroextrativista mesmo que apresente problemas e necessidades de ajustes, alcançou uma quase independência, ao superar fases relevantes e aproximar-se da autossustentabilidade.

Associação Agroextrativista e as praticas de gestão social em empreendimento social

Nesse item se destacam as categorias escolhidas para demonstrar o desenvolvimento de um empreendimento social, envolto em um tempo social e fruto da gestão social, para alcançar a autossustentabilidade.

No quadro abaixo, foram destacadas as principais inferências dessa organização a partir de uma análise comparativa, exercitando o aprendizado para a autossustentabilidade, proporcionado pelo conhecimento das experiências vivenciadas, a partir da concepção de gestão social.

Categoria Inferencias comparadas Correlação gestão social autossustentablidade

Coletivo do empreendimento

Formalização legal; coletividade familiar; unidos por objetivo comum; presença de coesão entre membros.

Coletivo solidário, dialógico e coeso. Entretanto, é ainda necessário alcançar um tipo de governança mais horizontal.

Organização e divisão do trabalho (estrutura)

Estatuto; há divisão de trabalho/ mas não é suficiente para a oferta da floresta; estruturas individuais e coletivas para coletar castanha.

Autogestão, estrutura organizacional horizontal e definição democrática das funções de acordo com os conhecimentos, habilidades, atitudes do associado e mediante participação dele nas definições.

Remuneração e distribuição das sobras

Existência de fundo coletivo (contribuição e eventos); remuneração por produção; media com alta produção: mais de 1 SM/ associado.

Definição democrática e participativa, de acordo com o comprometimento com a organização em trabalho.

Treinamento e aprendizagem da dinâmica do negocio

Valorização do aprendizado; realização de várias capacitações em técnica e gestão; direcionamento para diversificação da produção.

Organização de aprendizagem para o processo de aperfeiçoamento.

Planejamento, direção e controle

Consolidação do negocio; empreendimento incubado; gestão do negócio; orientação para a demanda do mercado local e visão maior da demanda.

Processo em avanço para governança.

Captação de recursos

Participação em concorrência para financiamento de projetos (cozinha para biscoito, casa de farinha mecanizada); financiamento do investimento e capital de giro; acesso a políticas públicas (DRS Banco do Brasil, PRONAF, PNAE).

Acesso às políticas publicas de credito; captação de projeto a fundo públicos e privados e busca de parcerias.

Participação no processo decisório

Participação ativa dos sócios; processo decisório coletivo; diálogo permanente e transparente nas reuniões; direção participativa.

Indícios de pratica de autogestão e está bem próximo da independência do apoiador.

Pratica da transparência juntos aos associados.

Autonomia e visão de pertencimento

Autogestionários; visão de donos do negocio; visão de pertencimento.

Construção de identidade coletiva e empoderamento.

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Diversificação e inovação de produto (qualidade)

Atingiram qualidade no produto principal; inserção de outros produtos para comercialização como agricultura e derivados e derivados da castanha.

Busca de caminhos de inovação para crescimento coletivo.

Distribuição do produto (logística, comercialização, marca e mercado)

Marca reconhecida na região; negócio incentivado/ mas ainda pagam impostos altos para os derivados agroindustriais (17%).

Publicização do seu trabalho com articulação entre politica publica e privado e entre social e econômico.

Melhoria na qualidade de vida dos associados

Credito na praça; renda satisfatória; aquisição de bens e moveis; realização profissional.

Mudança e transformação social no individuo e no coletivo com articulação entre o social e econômico; direitos de cidadania.

Quadro: Associação Agroextrativista sob viés da Gestão Social

Constatou-se que o empreendimento social pesquisado se encontra em estágio avançado na direção da autossustentabilidade. Os depoimentos demonstraram a visão técnica da Fundação Social apoiadora, comprometida com o desenvolvimento das etapas do trabalho, o que promoveu um diferencial importante para a solidez da Associação Agroextrativista e para trilhar o caminho para a autossustentabilidade.

A etapa de formação do coletivo, fundamental para a constituição do empreendimento, é tratada pela Associação com grande importância, pois se sabe que as circunstâncias identificadas, que envolvem os empreendimentos, refletem as muitas dificuldades vivenciadas por eles, que ora os afastam, ora os aproximam do caminho da sustentabilidade.

Segundo Martins, Vaz e Caldas (2010), em seus estudos sobre experiências que envolvem a produção, a acumulação e a distribuição de renda gerada e gerida socialmente para o desenvolvimento local no Brasil, um dos elementos de sucesso identificados na Associação Agroextrativista foi a demonstração da possibilidade de mudar de vida por meio do trabalho coletivo e despendendo o tempo necessário para superar as fragilidades pré-existentes.

Outro elemento de sucesso de experiência é o tempo de execução de cada uma das etapas. Não se tratou de um tempo subordinado à lógica do capital, nem à lógica política ou institucional [cronológico], mas de um tempo próprio da comunidade e de sua população, ou seja, de longo prazo (MARTINS, VAZ e CALDAS, 2010, p. 575).

Assim, os sujeitos mobilizados na formação deste tipo de empreendimento necessitam de uma formação centrada na emancipação e na autonomia do indivíduo e no processo de gestão, assim como, para a atuação em associação de formato solidário que possibilite a inter-compensação das fragilidades individuais no coletivo.

Para tal, é necessário à preparação das pessoas para a autogestão, que caracteriza a gestão social, o que segundo Maia (2005) é:

Um conjunto de processo sociais com potencial viabilizador do desenvolvimento societário, emancipatório e transformador e é fundada nos valores, praticas e formação da democracia e da cidadania [...] com efetiva participação dos cidadãos historicamente excluídos dos processos de distribuição das riquezas e do poder (MAIA, 2005, p. 15 a 16).

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De acordo com TIRIBA (2008), a autogestão garante a “autonomia e autodeterminação na gestão do trabalho e em todas as instancias das relações sociais” (TIRIBA, 2008, p.83), ou seja, o associado passa a ser “senhor de si mesmo” e do seu trabalho e torna-se um sujeito atuante e participativo em seu empreendimento.

Nessa perspectiva o associado torna-se um sujeito emancipado, ou seja, a emancipação ocorre “[...] quando a lei maior é o bem comum, objetivo e universalizante” (CATTANI, 2003, p.130). Para Cattani (2003) o conceito de emancipação social vincula-se à autonomia. Nesse sentido, os indivíduos possuem a liberdade, pautada no coletivo e na solidariedade, e a independência, pautada na consciência libertadora e na conquista. Portanto,

Ao se libertar, escapando da manipulação, o ser humano pode passar a ter mais claro para si que ele vive em comunidade, as questões referentes à solidariedade e sustentabilidade podem se tornar óbvias, de certa forma (CANÇADO; PEREIRA; TENÓRIO, 2013, p.167).

A autogestão, compreendida aqui, está de acordo com a proposição de Singer (2013, p.4), os “empreendimentos econômicos que praticam a autogestão, [...] aplicam a democracia em sua gestão”. Segundo Singer (2008, p. 290), na autogestão os associados são “proprietários de tudo o que é produzido, mas também os prejuízos são deles”.

Os depoimentos dos entrevistados, seja da Associação Agroextrativista, seja da Fundação Social, revelaram nas práticas adotadas a presença de princípios típicos da gestão social e praticas de autogestão, influenciando as atividades dos associados. O esforço na formação de um coletivo coeso e orientado para uma meta comum – a independência do “patrão” – gerou uma produção associada autogestionária democrática, dotada de um processo de aprendizado permanente e de valorização dos saberes regionais. Dessa forma, comprometida com a formação integral do trabalhador, conforme ensina Tiriba (2008). Por outro lado, o incentivo às parcerias e à pratica de troca de informações permanente entre os associados, num processo dialógico participativo com transparência, contribuiu para o empoderamento, com autonomia e tendência firme para a autossustentabilidade.

Percebeu-se, na pesquisa, que a direção do empreendimento social retratado é pautada na autogestão, promove a autonomia e emancipa os sócios, para que, de fato, se alcance a sustentabilidade do empreendimento. Para esse fim, recomenda-se no exercício de apoio aos empreendimentos sociais, sejam considerados os seguintes aspectos:

· Empreendimentos coletivos sociais são instrumentos de geração de renda e de transformação social, desde que promovam a emancipação de seus associados.

· A emancipação dos associados de um empreendimento social depende da implementação da gestão social, seja no apoio, seja na gestão do empreendimento. Assim, são características indispensáveis na concretização de um empreendimento social: a autogestão, por meio da participação dos associados no processo decisório, tanto no produtivo quanto no sócio organizacional, na detenção dos meios de produção e da força de trabalho; o investimento permanente no sentido do coletivo e da responsabilidade conjunta pelo negócio; a administração dialógica e democrática; o aprendizado permanente do processo autogestionário de gestão, de habilidades gerenciais e técnicas e de sua inserção mercadológica, em favor da inovação contínua e da produção de conhecimento sobre o negócio.

· Existe um Tempo Social próprio a cada empreendimento, referente ao tempor de maturação e preparação do empreendimento para a autossustentabilidade. Esse é determinado em função do conjunto de fatores e do contexto que envolve os associados, bem como, da natureza do empreendimento, sua

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situação geográfica, social e econômica e da condição individual dos associados.

· Os empreendimentos são dotados de diversos níveis de complexidade, que, também, influenciam seu Tempo Social. Esses níveis decorrem da localização – logística de acesso aos fornecedores e ao mercado –, do nível de instrução das pessoas – grau de escolaridade inicial –, do nível de preparação das pessoas para a gestão e para o pensamento empreendedor, do nível de conhecimento para uma preparação com qualidade do produto e do tipo de produto.

· A instituição apoiadora tem participação relevante no desenvolvimento desses empreendimentos e deve se comprometer no alcance da autossustentabilidade do empreendimento, evitando a imposição de um tempo cronológico rígido de alcance de metas objetivas. Essa instituição deve compreender que tornar empreendimentos sociais sustentáveis e capazes de mudar a realidade dos sujeitos envolvidos é um grande desafio. Esse desafio demanda uma lógica de prazos e de tempo condicionada às carências dos sujeitos para o alcance da maturação dos processos. Vencer esse desafio implica no entendimento da existência de um Tempo Social a ser respeitado.

Por fim, é necessário ter sempre em vista, na formação de um empreendimento social, o processo de formação de base, alicerçada nos valores solidários e de cooperação, na autogestão e no empoderamento dos associados como “donos do negócio”. Esse é um aspecto prioritário, que, ao nível individual, o associado sinta a sua importância no processo. E, ao nível coletivo, constate a sua corresponsabilidade frente ao empreendimento. Além disso, é preciso promover e estabelecer articulação em rede com outros empreendimentos sociais, de acordo com os requisitos dos investimentos “centrados em aspectos sociopolíticos e técnicos e [nas] interações com o mercado” (DIAS; SOUZA, 2012, p. 18), buscando sustentar a inovação em arranjos locais, sem deixar perder a essência da cooperação e da gestão social dentro de uma cadeia de valor para uma economia social.

Referências

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DIAS, T. F., SOUZA, W. J de. Gestão Social em empreendimentos Econômicos Solidários: o caso da Associação dos Produtores e Produtoras Rurais da Feira Agroecológica de Mossoró – APROFAM, Mossoró-RN. Anais... VI Encontro Nacional de Pesquisadores em Gestão Social, 2012, p.1-20.

KUSTER, Eliana. O grande carrossel urbano de Jacques Tati: a transição para uma modernidade urbana construída através dos filmes Mon Oncle e Playtime IN: Revista do Programa de Pós-Graduação em Estudos Contemporâneos das Artes - Poiésis - Universidade Federal Fluminense, v. 1, n. 21-22 (edição especial), jul.-dez. 2013.

MAIA, Marilene. Gestão Social – Reconhecendo e construindo referenciais. Revista Virtual Textos & Contextos, n. 4, dez. 2005. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/fass/ojs/index.php/fass/issue/view/89>. Acesso em: 10 abr. 2015.

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SINGER, Paul. Relaciones entre sociedad y Estado en la economía solidaria. Iconos. Revista de Ciencias

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_________, Paul. Globalização e Desemprego: Diagnostico e alternativas. 8ª edição, São Paulo, Editora contexto, 2012.

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A S C O N T R I B U I Ç Õ E S D A E D U C A Ç Ã O E M D I R E I T O S H U M A N O S N A F O R M A Ç Ã O P A R A A C I D A D A N I A D E L I B E R A T I VA : E X E R C Í C I O D E D I R E I T O S E D E V E R E S N A C O N S T R U Ç Ã O D A G E S TÃ O S O C I A L

Aline Soares Storch de Araújo1

Maria Lúcia Miranda Afonso2

Resumo

Este artigo consiste em uma reflexão teórica acerca das possíveis contribuições da Educação em Direitos Humanos como facilitadora dos processos de formação para a cidadania deliberativa, base da gestão social. A Educação em Di-reitos Humanos, visando a contribuir para a edificação de uma sociedade alicerçada nos princípios éticos da justiça, da liberdade, da solidariedade e do respeito às diferenças, trabalha na construção de uma cultura de direitos humanos, apreendida e vivenciada na perspectiva da cidadania ativa. Portanto, pode contribuir diretamente para processos de gestão social, à medida que busca preparar os sujeitos para exercerem seus direitos e deveres, para a participação social ativa e autônoma e para a tomada de decisões coletivas – premissas da cidadania deliberativa. Para isso, a partir da revisão de literatura, o presente trabalho apresenta reflexões a partir de uma discussão sobre os Direitos Humanos e a Educação em Direitos Humanos, além dos conceitos de gestão social e cidadania deliberativa, com base nas ideias de Fernando Guilherme Tenório.

Palavras-chave: Educação em Direitos Humanos. Cidadania deliberativa. Gestão social.

Introdução

O conceito de cidadania apresentado por Tenório (2007) vincula-se à noção de soberania popular. Para o autor, ser cidadão implica ser protagonista, ou seja, atuar através do diálogo e do interesse comum e não do indivi-dual. A prática da cidadania consiste no reconhecimento da importância da efetiva participação dos sujeitos nos espaços decisórios, onde as decisões são tomadas a partir do entendimento mútuo.

Para chegar ao conceito de cidadania, Tenório (2007) resgata um percurso histórico-conceitual que vai desde o século VIII AC, demonstrando a relevância da posição em defesa das relações igualitárias, em favor dos des-possuídos, e que enfatizava a solidariedade e pregava contra a fome e a exclusão; chegando até a modernidade, quando os fundamentos foram fortemente influenciados pela Revolução Francesa, em que o direito deixa de ter uma origem divina ou ser um favor da Igreja e passa a pertencer aos sujeitos, considerando-se o ser humano como portador de direitos inalienáveis. Segundo Benevides (in CARVALHO, 2004), atualmente, o conceito de cidadania é vinculado à ideia de direitos e deveres estabelecidos pela ordem jurídica de um determinado Estado, em sua maioria coincidentes e filiados à mesma experiência histórica dos direitos humanos, porém,

1 Pedagoga, Especialista em Educação Especial Inclusiva, Mestranda em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA. [email protected] Psicóloga, Mestre e Doutora em Educação. Pós-doutora em Psicologia Social. Professora do Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA. [email protected]

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menos amplos e abrangentes.

Considerando a historicidade desses direitos, pode-se afirmar que a definição de direitos humanos aponta para uma pluralidade de significados. Entre estes, destaca-se a chamada concepção contemporânea de direi-tos humanos, introduzida com a Declaração Universal de 1948 e reiterada pela Declaração de Direitos Huma-nos de Viena, de 1993. Tal concepção é fruto de um movimento extremamente recente de internacionalização dos direitos humanos, surgido como resposta à intolerância étnica e racial verificada no final dos anos 1930 e ao longo dos anos 1940, principalmente na Europa. O holocausto, os campos de concentração e a morte de milhares de seres humanos que se opunham à marcha dos regimes autoritários europeus constituem alguns exemplos das atrocidades e horrores que o mundo vinha vivenciando. Segundo essa concepção, os direitos humanos (DH) são compostos pelo conjunto dos direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais, que apresentam como principais características a universalidade, a naturalidade, a historicidade, a indivisibilida-de e a interdependência (PIOVESAN, 2004).

Os DH são intrínsecos à condição de pessoa, que é o requisito único para a titularidade de direitos; dizem res-peito à dignidade da natureza humana, existem antes de qualquer lei e não precisam estar nela especificados para sua efetivação. São naturais e universais, pois a condição de pessoa é o requisito único para a titularidade de direitos, que estão acima das fronteiras geopolíticas. Referem-se à pessoa humana na sua universalidade, sem qualquer distinção de etnia, nacionalidade, sexo, classe social, nível de instrução, religião, opinião po-lítica, orientação sexual ou de qualquer tipo de julgamento moral. São históricos, pois mudam ao longo do tempo num mesmo país e são reconhecidos de forma diferente em países distintos. São indivisíveis e interde-pendentes, pois não podem ser fracionados; nem considerados cumpridos, se separados (PIOVESAN, 2004).

Os direitos humanos incluem o direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, o direito ao trabalho e à educação, entre muitos outros. Em suma, são fundados sobre o respeito pela dignidade de cada pessoa. Histórica e socialmente construídos, os DH dizem respeito a um processo em constante elaboração, ampliando o reconhecimento de direitos face às transformações ocorridas nos diferentes contextos sociais, históricos e políticos (BRASIL, 2012). É nesse cenário que se desenha o esforço de reconstrução dos direitos humanos como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional contemporânea.

Candau (2007) enfatiza a importância do cuidado com os conceitos no campo dos direitos humanos, carac-terizado por uma forte polissemia. Essa autora destaca dois enfoques principais. O primeiro é marcado pela ideologia neoliberal, que visa a melhorias à sociedade sem seu questionamento nem transformação do mo-delo vigente. Enfatiza os direitos humanos em relação aos direitos individuais, civis e políticos, estes vistos como a participação nas eleições, ou seja, a reafirmação da democracia representativa3 e o distanciamento da prática política cotidiana. Em relação à educação, tem por objetivo formar sujeitos economicamente úteis e politicamente dóceis.

Já o segundo enfoque é marcado por um questionamento da organização social e por uma perspectiva dialéti-ca. Este visa a empoderar os sujeitos e transformar o modelo social vigente. A ênfase fica nos direitos sociais e econômicos, para que os civis e políticos sejam viáveis, valorizando uma participação ativa dos cidadãos e a construção da democracia no cotidiano. No plano educacional, privilegia a interdisciplinaridade para a promoção de uma visão crítica sobre a construção do conhecimento (CANDAU, 2007).

Sendo assim, constituindo os princípios fundadores de uma sociedade moderna, os DH têm se convertido em formas de luta contra as situações de desigualdades de acesso aos bens materiais e imateriais, às discrimina-ções praticadas sobre as diversidades socioculturais e, de modo geral, às opressões vinculadas ao controle do 3 Tenório (2007) sugere que a passagem de uma democracia representativa para uma democracia de-liberativa é fundamental para os processos de gestão social. Na primeira, a representativa, os sujeitos com-preendem que sua participação está vinculada unicamente ao ato de votar, delegando aos seus representantes a responsabilidades de governança; assim, pouca coisa ou nada poderia ser feito para mudar a paisagem política. Na segunda forma de democracia, a deliberativa, é reconhecida a participação da sociedade como parte da deliberação política. A sociedade civil capta os ecos dos problemas sociais que podem ser públicos para que esses se transformem em interesse na agenda governamental.

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poder por minorias sociais (BRASIL, 2011).

Enquanto intimamente relacionados com a garantia do princípio da dignidade humana, os DH dependem da consolidação do cidadão enquanto participante ativo das transformações sociais. A formação desse cidadão ativo se concretiza através da educação, entendida como uma das mediações fundamentais tanto para o aces-so ao legado histórico dos direitos humanos quanto para compreensão de que a cultura dos direitos humanos é um dos alicerces para a mudança social (BRASIL, 2012).

A partir daí, pode-se correlacionar a cidadania e os direitos humanos. Os direitos de cidadania (DC) podem ser entendidos como aqueles inscritos na Constituição Federal e demais preceitos do ordenamento jurídico. Para que os DC se tornem efetivos, o Estado deve garanti-los por meio de políticas públicas e outras formas de ação na sociedade. Dessa forma, os DH ganham materialidade com os DC e a própria visão de cidadania se expande e fortalece a partir da discussão sobre os DH (SCHIEFER in AFONSO; ABADE, 2013).

Na presente reflexão, compreende-se cidadania nos termos da filósofa Hanna Arendt (citada por LAFER, 1997), como o direito a ter direitos. Nessa direção, acrescenta-se que é o direito de pertencer a uma comu-nidade política que possibilita, por sua vez, a definição e o acesso aos direitos humanos (LAFER, 1997, p. 58). Ampliando o conceito, busca-se associá-lo, aqui, seguindo FADUL (2014), à proposta de Demo (1995), que diferencia a cidadania emancipatória da cidadania tutelada e da cidadania assistida. Para Demo (1995), na cidadania emancipatória, é reconhecido o “direito a ter direitos” e se atribui ao Estado a responsabilidade pela promoção e garantia desses direitos. A cidadania emancipatória é relacionada à capacidade de participar de forma consciente e crítica de uma sociedade onde esses direitos tenham materialidade. Como sugeriu Te-nório (2007), a cidadania não se restringe à participação no horizonte de uma democracia representativa, mas se estende às ações, dimensões e meios de participação necessários em uma democracia deliberativa. A partir dessas definições, torna-se plausível associar as ações em EDH e a formação para a cidadania.

De fato, como argumenta Candau (2012), a educação em direitos humanos (EDH) é comprometida com a formação de sujeitos de direito e com a reafirmação da democracia, da justiça e do reconhecimento da diver-sidade, com os valores da tolerância, da solidariedade e da justiça social, com a sustentabilidade, a inclusão e a pluralidade. Por isso, apresenta-se como um caminho para a cidadania deliberativa, à medida que busca formar um cidadão (ã) que, por meio do exercício de seus direitos e deveres e da participação social ativa e autônoma, seja capaz de decidir sobre seus interesses sem perder de vista o bem comum. Assim, a gestão social, processo baseado na cidadania deliberativa, que tem a solidariedade como motivação (MAIA, 2005; FRANÇA FILHO, 2008) e a emancipação do homem como resultado (TENÓRIO, 2008a), consequentemen-te também poderá ser facilitada pela EDH.

Diante do exposto, a partir da revisão de literatura, este trabalho visa a analisar o papel da EDH como facili-tadora dos processos de cidadania deliberativa, base da gestão social. Para isso, a primeira parte do texto trata da EDH, seus conceitos, sua importância no processo de formação cidadã e o papel da escola nesse processo. A segunda parte trata da cidadania deliberativa e da gestão social, com base nos conceitos de Tenório (2007). Nas considerações finais, são apresentadas as relações entre os conceitos estudados.

A educação em direitos humanos

Vivemos hoje em uma sociedade na qual se coloca o ideário de uma vida digna e uma ordem social pautada em valores como a justiça, a igualdade, a equidade e a participação coletiva na vida pública e política. Esses valores estão presentes e são a base da Declaração Universal dos Direitos Humanos, fruto de um pacto con-solidado em 1948, no âmbito da Organização das Nações Unidas, e hoje assumido pelos países democráticos como uma referência de ética e de valores socialmente desejáveis.

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Em seus trinta artigos, os princípios presentes na Declaração Universal dos Direitos Humanos situam-se na confluência democrática entre os direitos e liberdades individuais e os deveres para com a comunidade em que se vive. Como demonstração de sua força ética, nas últimas décadas, inúmeros outros documentos vêm sendo elaborados e acordados em todo o mundo, na busca por garantir esses direitos. Todos eles expressam preocupação com a necessidade de difusão e disseminação do conhecimento dos direitos humanos. Para isso, tratam da educação em direitos humanos (EDH), que pode ser definida como um conjunto de atividades de educação, de capacitação e de difusão de informação, fundamental para a criação de uma cultura universal de direitos humanos (UNESCO, 2006).

A finalidade maior da EDH, portanto, é a de atuar na formação da pessoa em todas as suas dimensões, a fim de contribuir com o desenvolvimento de sua condição de cidadão, ativo na luta por seus direitos, no cumpri-mento de seus deveres e na fomentação de sua humanidade. Dessa forma, esse cidadão pode tornar-se capaz de atuar frente às injustiças e desigualdades, reconhecendo-se como sujeito autônomo e reconhecendo os outros com iguais direitos, dentro dos preceitos de diversidade e tolerância, valorizando assim a convivência harmoniosa, o respeito mútuo e a solidariedade (TAVARES, 2007).

De acordo com o Plano de Ação do Programa Mundial para Educação em Direitos Humanos - PMEDH (UNESCO, 2006), uma educação integral em DH não somente proporciona conhecimentos sobre os direitos humanos e os mecanismos para protegê-los, mas, além disso, transmite as aptidões necessárias para refletir, promover, defender e aplicá-los na vida cotidiana. Para isso, deve-se partir de temáticas significativas do ponto de vista da cidadania, propiciando condições para que os sujeitos desenvolvam sua capacidade dialó-gica, tomem consciência de seus próprios sentimentos e emoções e desenvolvam a capacidade autônoma de tomada de decisão em situações conflitantes do ponto de vista ético/moral.

No Brasil, o Programa Nacional de Direitos Humanos (em suas três versões), o Comitê Nacional de EDH, o Plano Nacional de EDH (PNEDH) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação em Direitos Hu-manos (DCNEDH) constituem os órgãos, documentos e políticas que formam o embrião do sistema nacional de EDH. O PNEDH se destaca enquanto política pública em dois sentidos principais: primeiro, consolidando uma proposta de um projeto de sociedade baseada nos princípios da democracia, cidadania e justiça social; segundo, reforçando um instrumento de construção de uma cultura de direitos humanos, entendida como um processo a ser apreendido e vivenciado na perspectiva da cidadania ativa. As DCNEDH apontam como objetivo central da EDH a formação para a vida e para a convivência, no exercício cotidiano dos DH como forma de vida e de organização social, política, econômica e cultural, e recomenda que esse objetivo oriente os sistemas de ensino e suas instituições no se refere ao planejamento e ao desenvolvimento de ações de EDH. Esses instrumentos são a resposta do Brasil a compromissos internacionais assumidos pela efetivação da EDH em nosso país (ROCHA, 2013).

Embora a EDH venha ganhando espaço no cenário educacional brasileiro e avanços possam ser verificados em relação ao reconhecimento de direitos nos marcos legais, ainda hoje se pode constatar a dificuldade de consolidação de uma cultura social de direitos humanos, devido aos preconceitos presentes numa sociedade marcada por privilégios, desigualdades, discriminações e desrespeitos. Neste cenário, a EDH tem sua impor-tância reafirmada, à medida que pode começar a mudar as percepções sociais radicais, discriminatórias e vio-lentas, na maioria das vezes, legitimadoras das violações de direitos humanos. E, a partir de então, reconstruir as crenças e valores sociais fundamentados no respeito ao ser humano e em conformidade com os preceitos democráticos e as regras do Estado Democrático de Direito4 (TAVARES, 2007).

Entretanto, para a construção dessa formação através da EDH, é preciso desenvolver uma prática pedagógica coerente e articulada com seus valores, que, segundo Nascimento (2000, p.121), ofereça “a possibilidade de aprofundar a consciência de sua própria dignidade, a capacidade de reconhecer o outro, de vivenciar a soli-dariedade, a partilha, a igualdade na diferença e a liberdade”. Este tipo de prática pedagógica deve promover 4 O Estado Democrático de Direito significa a exigência de reger-se pelo Direito e por normas demo-cráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direi-tos e garantias fundamentais, proclamado no caput do artigo 1º da Constituição Federal de 1988 (MORAES, 2007). O Estado Democrático envolve necessariamente a soberania popular e, conforme expõe Silva (2007, p. 66), ‘impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa pública”.

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o empoderamento individual e coletivo, com o objetivo de ampliar os espaços de poder e a participação de todos, em especial, dos grupos sociais excluídos e vulneráveis. De acordo com Candau (2012, p. 717):

Na sociedade brasileira, a impunidade, as múltiplas formas de violência, a desigualdade so-cial, a corrupção, as discriminações e a fragilidade da efetivação dos direitos juridicamente afirmados constituem uma realidade cotidiana. Ao mesmo tempo, também é possível detec-tar neste cenário a progressiva afirmação de uma nova sensibilidade social, ética, política e cultural em relação aos direitos humanos. Nesta perspectiva, cresce a convicção de que não basta construir um arcabouço jurídico cada vez mais amplo em relação aos direitos humanos. Se eles não forem internalizados no imaginário social, nas mentalidades individuais e coleti-vas, de modo sistemático e consistente, não construiremos uma cultura dos direitos humanos na nossa sociedade. E, neste horizonte, os processos educacionais são fundamentais.

Visando contribuir para a transformação da realidade social, é importante que a EDH ocorra nos mais diver-sos âmbitos da vida social, levando em consideração o seu significado e a sua práxis. Para Afonso e Abade (2008, p. 9), “projetos de educação em DH podem ser desenvolvidos em escolas, em abrigos, em empresas, em penitenciárias, em comunidades abertas, em movimentos sociais, em projetos de saúde mental, entre outros”.

Mesmo sabendo que a escola não é o único lugar onde os conhecimentos sobre os DH são construídos, reco-nhece-se que é nela onde eles são apresentados de modo mais sistemático. Além disso, muitas vezes a escola constitui-se na única oportunidade de os sujeitos construírem atitudes, saberes, comportamentos e compro-missos que levem ao exercício da cidadania (ZLUHAN; RAITZ, 2014). Ao desempenhar essa importante função social, a escola pode ser compreendida, de acordo com o PNEDH (BRASIL, 2006, p. 23), como “um espaço social privilegiado onde se definem a ação institucional pedagógica e a prática e vivência dos direitos humanos”.

Assim, a implantação da EDH “como um processo sistemático e multidimensional que orienta a formação do sujeito de direitos” (BRASIL, 2006, p. 17) pressupõe mudanças significativas no processo educacional atual, inclusive com a inclusão de conteúdos e metodologias fundados nos DH e na EDH na formação de professores, tida como um dos maiores desafios que obstaculizam a concretização da EDH nos sistemas de ensino (BRASIL, 2011).

Além disso, os objetivos e as práticas educativas precisam ser coerentes com os valores e princípios da educação em direitos humanos, que devem estar presentes na elaboração do projeto político-pedagógico, na organização curricular, no modelo de gestão e avaliação, na produção de materiais didático-pedagógicos e na formação inicial e continuada dos profissionais da educação (BRASIL, 2011). Além disso, a promoção da cultura dos direitos humanos deve acontecer nos diversos níveis, etapas e modalidades de ensino.

Duarte (2013), com base nos estudos de Vygotsky, afirma que, a partir da ampliação do capital cultural dos alunos, a escola provoca a sofisticação das formas de compreensão dos sujeitos sobre a sociedade e sobre si mesmos, possibilitando a transformação qualitativa da sua consciência e, com ela, de suas formas de atuação. Assim, a EDH na escola, baseada nos princípios da democracia, cidadania e justiça social, pode formar ci-dadãos que efetivamente exerçam seus direitos e deveres, orientados “pelos princípios da inclusão, do plura-lismo, da igualdade participativa, da autonomia e do bem comum” (TENÓRIO, 2005, p. 105), fundamentais para a cidadania deliberativa, base dos processos de gestão social.

Cidadania deliberativa: base da gestão social

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A Gestão Social é considerada por vários autores (DOWBOR, 2013; FISCHER, 2002; FISCHER e MELO, 2006; FRANÇA FILHO, 2008; PINHO, 2010) como um campo de conhecimento científico em processo de construção. Contudo, entre os principais teóricos da área há concordância sobre as principais características desse processo de gestão: dialogicidade, transparência e comunicação livre em busca de consensos.

Neste texto, adotaremos o conceito de Tenório (2005), que entende a gestão social como o processo geren-cial dialógico no qual a autoridade decisória é compartilhada entre os participantes da ação (ação que pode ocorrer em qualquer tipo de sistema social – público, privado ou de organizações não-governamentais). É uma forma de gestão que valoriza a concordância, em que o outro deve ser incluído e que tem a solida-riedade como motivação. Além disso, a gestão social caracteriza-se pelo seu caráter coletivo, enquanto a gestão estratégica, pelo caráter individual, ou seja, baseado no monólogo e no indivíduo. Esta, já que atua determinada pelo mercado, tem o lucro como motivo e prima pela competição, em que o outro, o concorren-te, deve ser excluído (TENÓRIO, 2005).

Tenório (2005) se baseia nas ideias de Jürgen Habermas e justifica a escolha deste referencial teórico, dentre outros motivos, por tratar-se de um projeto teórico social que focaliza a importância da esfera pública (es-paço público) como o locus privilegiado de emancipação social e de democratização das relações sociais. Assim, com forte influência das ideias habermasianas, dentre elas da Teoria da Ação Comunicativa5, Tenório (2008a; 2008b) aponta algumas características temáticas da gestão social. A primeira delas é a tomada de decisão coletiva, livre de coerção, em que todos têm liberdade de manifestar o que pensam. Esta é baseada no entendimento, na argumentação e não na negociação no sentido utilitário do termo, pois, se a decisão é coletiva efetivamente, a coerção é estranha ao processo e o entendimento (e não a negociação) deve ser seu caminho. Embora se perceba a necessidade de aprofundar o que seria uma comunicação sem coerção, as di-ficuldades não invalidam a questão. Pelo contrário, torna-se crucial avançar na compreensão de todas as for-mas de coerção e de resistência envolvidas no processo comunicativo, em especial na esfera social e política.

Outra característica da gestão social é a transparência, pois, se o processo decisório passa pelo entendimen-to, pela utilização da linguagem e comunicação entre as pessoas, as informações devem estar disponíveis e ser inteligíveis a todos. Sendo assim, o segredo e a assimetria de informações não podem fazer parte deste processo (TENÓRIO, 2008a; 2008b). Aqui, mais uma vez é importante acrescentar que a proposta dialógica não perde a legitimidade diante das dificuldades, porém deve-se enfrentar tais dificuldades, identificá-las, compreendê-las e combatê-las no interior das condições mesmas de organização do diálogo na sociedade.

Por fim, temos a emancipação como o próprio resultado da gestão social enquanto processo baseado na ci-dadania deliberativa, que consiste em estabelecer um espaço comunicativo onde os sujeitos se sentem livres para negociar seus interesses, já que os limites éticos e a pluralidade de ideias são respeitados, e as decisões estarão sempre pautadas no bem-comum (TENÓRIO, 2007). A validade do pressuposto vem acompanhada da necessidade de se compreender os percalços, os conflitos, as diferenças e as demais dificuldades existen-tes para a pactuação do que seria o bem-comum nos grupos sociais.

Segundo Habermas, a cidadania deliberativa constitui-se em uma nova forma de articulação que questiona a prerrogativa unilateral de ação política do poder administrativo – do Estado ou do capital. A perspectiva é que a cidadania deliberativa contribua, por intermédio da esfera pública, para que se escape das “barreiras de classe”, para que se liberte das “cadeias milenárias” da estratificação e exploração social e para que se desenvolva plenamente “o potencial de um pluralismo cultural” atuante “conforme a sua própria lógica”, potencial que, “sem dúvida alguma, é tão rico em conflitos e gerador de significado e sentido” (HABER-MAS, 1998, p.385).

5 Segundo Vizeu (2005), a Teoria da Ação Comunicativa de Habermas pressupõe crítica e fundamen-tação a partir: 1) da verdade proposicional (o que eu falo e faço é racional porque é baseado em uma verdade factual); 2) da sinceridade (quando expresso minha subjetividade estou sendo sincero e, por isso, verdadei-ro); 3) da retidão (quando o que faço ou falo pressupõe fundamentação moral); e 4) da inteligibilidade (o que faço e falo somente pode ser criticado e passível de fundamentação se meu discurso for compreensível ao ouvinte).

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Sendo assim, a cidadania deliberativa é uma cidadania ativa, relacionada com a presença constante da socie-dade civil nas discussões na esfera pública, interagindo com a economia e com o Estado. Nesse sentido, a esfera pública “deve identificar, compreender, problematizar e propor soluções aos problemas da sociedade, a ponto de estes serem assumidos como políticas públicas e executados pelo aparato administrativo de go-verno” (TENÓRIO, 2007, p. 55). Na perspectiva da interação entre a sociedade civil, o Estado e o mercado no âmbito da esfera pública, o exercício da cidadania deliberativa apresenta-se como um caminho viável na tentativa de superar as limitações da cidadania representativa.

A participação de diferentes atores na busca por soluções para as demandas sociais, econômicas, culturais, ambientais, entre outras, nos diversos territórios, possibilita o exercício da cidadania deliberativa, que, nos termos de Habermas (1995), legitima decisões políticas “a partir de ações que valorizem os processos de discussão, orientados pelos princípios da inclusão, do pluralismo, da igualdade participativa, da autonomia e do bem comum” (TENÓRIO et al., 2008c, p.9). Essa argumentação contrasta-se com o conceito de cida-dão na perspectiva liberal, que é definido em função dos “direitos subjetivos que eles têm diante do Estado e dos demais cidadãos [...] em prol de seus interesses privados dentro dos limites estabelecidos pelas leis” (HABERMAS, 1995, p.40). Já sob o conceito republicano, o cidadão não é aquele que usa a liberdade só para desempenho como pessoa privada, mas tem na participação uma prática cotidiana “cujo exercício é o que permite aos cidadãos se converterem no que querem ser: atores políticos responsáveis de uma comunidade de pessoas livres e iguais”, já que se espera dos cidadãos “muito mais do que meramente se orientarem por seus interesses privados” (HABERMAS, 1995, p.41).

Tenório (2007) afirma que a cidadania deliberativa é produto de um encontro intersubjetivo onde as relações são empáticas, o que implica que todas as partes envolvidas sejam beneficiadas com uma ação. Esse tipo de iniciativa produz relações estáveis, fortalecimento dos laços sociais e proporciona que as pessoas trabalhem juntas na resolução de problemas. Nesse caso, é importante compreender tanto o processo social do encontro e do diálogo quanto os seus resultados para a emancipação da sociedade.

A apropriação pelos indivíduos do direito de construção democrática do seu próprio destino, (TENÓRIO, 2005) por meio da mudança de cidadão passivo para ativo, ou cidadão deliberativo, deve acontecer nos es-paços de aprendizagem, principalmente na escola, através da criação de canais de participação e organização que fomentem o exercício efetivo da cidadania e a tomada de decisões coletivas.

Considerações finais

Atualmente pensar em gestão social significa preocupar-se com as novas formas participativas e de repre-sentação política e o novo potencial de comunicação (DOWBOR, 1999). Tal como descreveu Tenório (2009, p. 2), a gestão social refere-se a: “(...) uma gestão ampliada na qual o processo decisório seria vinculante ao diálogo consciente, procedimental, por meio dos diferentes atores da sociedade, sob a perspectiva de sujeitos em ação”.

A participação, premissa para a cidadania deliberativa e para a gestão social, deve acontecer sem qualquer forma de imposição, com base em uma consciência crítica e num agir coletivo. Para isso, torna-se necessária a construção de uma nova cultura que supere a lógica da educação tradicional adaptada ao processo tecnicista e à lógica competitiva, onde as pessoas são ensinadas a agir como indivíduos, separados, isolados, destina-dos a tratar com rivalidade os que estão próximos. Para superar essa quebra do princípio do bem-comum e a prevalência dos interesses individuais sobre os coletivos, são necessárias intervenções para promover uma espiral em direção à compreensão e ação ética, ausentes de abuso e preconceito. Além disso, é necessário também enfrentar e quebrar os padrões de hostilidade, fragmentação e a ausência de consciência que muitas vezes caracterizam as nossas sociedades e relações (McCOWAN, 2015).

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A cidadania pressupõe que os sujeitos estejam em relação, ou seja, implicados numa mutualidade, num senti-mento de pertencimento baseado no respeito e na solidariedade. A formação para essa cidadania pode ocorrer por meio da EDH, vista como um instrumento para a realização e efetivação dos direitos humanos, frutos da busca pelo reconhecimento, realização e universalização da dignidade humana.

Para McCowan (2015), os DH expressam um conceito dinâmico que implica, por um lado, a preservação das liberdades e do outro um impulso em direção à justiça. Equipados com os princípios dos direitos humanos e um conhecimento das lutas envolvidas em sua conquista, cidadãos de todas as idades podem debater o que precisa ser mantido e o que é preciso mudar. O debate, portanto, possibilita uma ação mais eficaz contra os abusos dos direitos humanos, através de um trabalho realizado em conjunto e não individualmente. No en-tanto, há outro papel para o debate, e que constitui o seu valor intrínseco: a formação para a deliberação. Os direitos humanos são formados e mantidos através da própria discussão pública, e a deliberação é uma instan-ciação dos direitos humanos.

Diante do exposto, podemos afirmar que a formação de sujeitos para o exercício da cidadania deliberativa depende da criação de uma cultura de respeito aos direitos humanos; e a escola serve como um espaço para desenvolver as habilidades, conhecimentos e disposições necessárias para isso. Mas esta é apenas uma manei-ra de ver o processo educativo. Espaços educativos não são apenas locais de preparação para a sociedade em geral, mas são arenas da sociedade em seu próprio direito. Desta forma, os direitos humanos são, na verdade, construídos e se expressam nas deliberações e experiências mais amplas na escola (McCOWAN, 2015).

Para isso, faz-se necessária a construção de ambientes educativos, especialmente escolares, em que preva-leçam relações éticas, que favoreçam a escuta, a cooperação, a solidariedade, a negociação de conflitos e a valorização da diversidade. Assim, de acordo com Sacavino (2000, p.46-47), a EDH na escola pode fomentar as capacidades dos atores e direcioná-las ao desencadeamento de processos de democratização e de transfor-mação, através do incentivo a uma participação ativa e crítica, ou seja, da prática da cidadania deliberativa.

Sabemos tratar-se de questões complexas, atravessadas por tensões e desafios (CANDAU, 2008). Questões que exigem pesquisas e reflexões sobre o modo como hoje, em geral, concebemos nossas práticas educativas e sociais, como entendemos os direitos humanos e seu papel na mudança social, e os desafios na construção da gestão social. Para referir-se à complexidade e às dificuldades para uma ressignificação dos direitos humanos, Boaventura Sousa Santos (2006, p. 470, citado por CANDAU, 2008, p. 55) diz:

Este projeto pode parecer bastante utópico. É, certamente, tão utópico quanto o respeito uni-versal pela dignidade humana. E nem por isso este último deixa de ser uma exigência ética séria. Como disse Sartre, antes de concretizada, uma ideia apresenta uma estranha semelhança com a utopia. Nos tempos que correm, o importante é não reduzir a realidade apenas ao que existe.

Sendo assim, se o grande desafio é construir condições para que a cidadania passiva venha a se constituir em cidadania ativa e deliberativa, a EDH, que envolve, para os sujeitos, tanto a capacidade para defender e exer-cer os próprios direitos, como para respeitar e agir em prol dos direitos dos outros, apresenta-se como um dos meios para que possamos deslanchar processos de gestão social mais bem sucedidos, colaborando para fazer acontecer transformações sociais alinhadas com os direitos humanos e a cidadania.

Referências

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P O L Í T I C A S P Ú B L I C A S D E P R O M O Ç Ã O D A I G U A L D A D E R A C I A L D E S T I N A D A S A E N F R E N TA R O R A C I S M O E A P R O M O V E R A Ç Õ E S A F I R M A T I VA S

Clever Alves Machado1

Ediméia Maria Ribeiro de Mello 2

Resumo

Este artigo pretende analisar o processo de implementação da política federal de promoção da igualdade racial, com ênfase na população negra, destinada a enfrentar o racismo e promover ações afirmativas em mu-nicípios onde existem comunidades quilombolas. Pretende, também, sistematizar os dispositivos legais que tratam da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial e analisar os aspectos da operacionalização da política que influenciam, ou não, em seu êxito. O artigo mostra a baixa adesão dos municípios mineiros à polí-tica, pois de 219 comunidades quilombolas certificadas junto à Fundação Palmares, em Minas Gerais, apenas as localizadas em 4 municípios se habilitaram a aderir ao Sinapir. O resultado da análise demonstra que muito embora a legislação privilegie uma gestão democrática, essa prescinde de princípios indispensáveis à gestão social para ser qualificada como tal.

Palavras Chave: Gestão Social, Desenvolvimento Local, Igualdade Racial, Políticas Públicas.

Apresentação

O escopo deste artigo é a pesquisa na literatura e em documentos oficiais de indicadores de como tem sido a implantação e a gestão da Política de Promoção da Igualdade Racial no Brasil, objetivando conhecer o histó-rico de construção da política, a legislação que a apoia, os procedimentos necessários para sua implementação 1 Graduado em Pedagogia pela Universidade de Uberaba, Pós-graduado MBA Gestão de Projetos pela Universidade Anhanguera, Pós-graduado Especialização em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça, Pós-graduado Especialização em Direitos Humanos pelo Centro Universitário Claretiano, Pós-graduado Es-pecialização Inteligência de Estado e Inteligência de Segurança Pública, pela Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais, Pós-graduando Especialização Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais, Mestrando Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local, pelo Centro Universitário Una.2 Graduada em Ciências Econômicas pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1978), mestrado em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia (2001) e doutorado em Geografia/Organiza-ção do Espaço pelo Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais (2010). Atua também em cursos de graduação do Centro Universitário UNA. Tem experiência na área de Economia e Geografia, com ênfase em Economia Regional e Desenvolvimento Local, atuando principalmente nos seguintes temas: economia solidária, assentamento rural do MST, gestão do terceiro setor, pesquisa de mercado, cooperativis-mo e agroindústria familiar.

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e o impacto das ações desta política nas comunidades quilombolas. O levantamento dessas informações subsidiará a análise da política com base na gestão social e em sua capacidade de contribuir para o desen-volvimento local.

Portanto, o objeto de estudo é investigar os entraves à expansão da implementação da política de igualdade racial junto às comunidades quilombolas. Esta pesquisa se interessa, também, pela situação das comunidades quilombolas mineiras, frente às políticas públicas desenvolvidas pelo Governo de Minas para garantir a elas o acesso à justiça social, referente aos direitos fundamentais previstos na Constituição tais como: educação, saúde, segurança pública, meio ambiente, esporte, lazer, cultura e a titulação da territorialidade do espaço ocupado por elas. Sendo esta responsabilidade, compartilhada pelos três níveis de Governo: o Federal, o Estadual e o Municipal.

O Governo Federal, por meio da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SE-PPIR/PR, de assessoramento imediato ao Presidente da República, cuja finalidade é formular, coordenar e articular políticas e diretrizes para a promoção da igualdade racial, e da proteção dos direitos de indivíduos e grupos étnicos, com ênfase na população negra, afetada por discriminação racial e demais formas de into-lerância (BRASIL, 2003).

Com respeito ao Governo de Minas por meio da Subsecretaria de Promoção da Igualdade Racial, órgão su-bordinado à Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania (criado por meio da Lei Estadual nº 21693/2015 e regulamentado pelo Decreto Estadual nº 46783/2015) tem o papel de estabe-lecer parceria com os municípios onde existem comunidades quilombolas, para promover o acesso à justiça, e garantir os direitos fundamentais dos quilombolas (MINAS GERAIS, 2015).

Por sua vez, os governos municipais podem instituir no âmbito municipal a política de igualdade racial, por meio da criação de um organismo para esse fim e o respectivo conselho, para enfrentar o racismo e garantir a participação democrática, a gestão social e o desenvolvimento local com cidadania.

História do surgimento da Política de Promoção da Igualdade Racial

Compreender a origem da Política de Promoção da Igualdade Racial é basilar para que se perceba os desdo-bramentos, a trajetória e as perspectivas desse instrumento estratégico de enfrentamento ao racismo.

As injustiças sociais brasileiras incidem sobremaneira na população negra e têm o racismo como fator es-truturante. Em pleno século XXI, o tratamento dispensado aos negros é desigual e desfavorável a eles. Essa situação é perceptível no acesso aos bens e serviços ofertados pelas instituições públicas e privadas. No mercado de trabalho, aos negros são sempre destinadas as funções mais subalternas; na formação da família, o envolvimento entre um(a) branco(a) e um(a) negro(a) ainda não é bem aceito pela sociedade brasileira. A cor da pele ainda é um fator determinante na sociedade brasileira (CICONELLO, 2008).

O tema “racismo” é amiúde excluído nos debates e deixado em segundo plano, devido a ser considerado de cunho social e não étnico racial. A sociedade brasileira encara o racismo como proveniente da desigualdade econômica. Contudo, dados oficiais apontam que o racismo está presente no cotidiano dos diversos grupos sociais negros, indígenas, ciganos, judeus e outros (CDH, 2005, p. 5).

No final da década de 1970, surgiu o Movimento Negro Unificado, para denunciar o racismo praticado con-tra a população negra brasileira, bem como, para demandar do poder público a inserção da questão racial na agenda política de governo. Esse movimento,

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[...] não apenas denuncia a imagem negativa do negro na sociedade brasileira – des-de os livros escolares à mídia em geral –, como assume e enaltece a história de seus ancestrais, resgatando uma nova base da qual deve emergir uma identidade do negro, sujeito de sua história e de sua cultura (IPEA, 2009, p. 25).

A resposta efetiva às demandas do movimento negro somente se dá a partir da Constituição de 1988, que instituiu a criminalização do racismo; o reconhecimento do direito das comunidades quilombolas à territo-rialidade; e criou a Fundação Cultural Palmares, conforme a Lei nº 7.7688/1988, assinada pelo, então, presi-dente José Sarney (BRASIL, 1988).

O movimento negro “Marcha Zumbi de Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida”, em come-moração ao tricentenário da morte de Zumbi dos Palmares, entregou ao, então, presidente Fernando Henri-que Cardoso o “Programa de Superação do Racismo e da Desigualdade Racial”, resultando na criação, por meio de decreto presidencial, do Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra (GTI), composto por membros da sociedade civil ligados ao Movimento Negro e por representantes dos mi-nistérios e secretarias vinculados à presidência da República, para desenvolver políticas para a valorização da população negra (LIMA, 2010, p. 78-81).

Ainda, nesse governo foram lançados os Programas Nacionais de Direitos Humanos (PNDH I e II), com o compromisso de realizar estratégias de combate às desigualdades raciais por meio de políticas específicas para a população negra (LIMA, 2010, p. 78-81).

Em 2001, na África do Sul, a delegação brasileira foi a maior na “Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial e a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância”. E, no final do Governo FHC, foi lançado o “Programa Nacional de Ações Afirmativas” sob a coordenação da Secretaria de Estado dos Direi-tos Humanos do Ministério da Justiça (LIMA, 2010, p. 78-81).

Em 21 de março de 2003, o Presidente Lula criou a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualda-de Racial, por meio da Lei 10.678/2003. Por meio do Decreto 4.886/2003, instituiu a Política de Promoção da Igualdade Racial para reduzir as desigualdades raciais no Brasil, com ênfase na população negra, median-te a realização de ações exequíveis a longo, médio e curto prazo, com reconhecimento das demandas mais imediatas, bem como das áreas de atuação prioritárias (BRASIL, 2003).

Essa política tem como princípios a transversalidade, a descentralização e a gestão democrática. É regida pelas seguintes diretrizes: fortalecimento institucional, incorporação da questão racial no âmbito da ação go-vernamental, consolidação de formas democráticas de gestão das políticas de promoção da igualdade racial, melhoria da qualidade de vida da população negra e inserção da questão racial na agenda internacional do governo brasileiro (BRASIL, 2003).

De acordo com os artigos 1º e 2º do Decreto Federal nº 8.136/2013, que regulamenta o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR), vinculado ao poder executivo federal, esse sistema constitui, organiza e articula a implementação do conjunto de políticas e serviços destinado a superar as desigualdades raciais existentes no país, permitindo, descentralizadamente, tornar efetivas as políticas públicas para o en-frentamento ao racismo e para a promoção da igualdade racial no País (BRASIL, 2013).

É importante destacar que o SINAPIR comanda a consecução da Lei 12.288/2010, cabendo aos outros entes federados (estaduais, distritais e municipais) se habilitarem para aderir ao Sistema. Isso significa que não se incentivam medidas simplesmente locais que não estejam relacionadas com os princípios, objetivos e metas do SINAPIR e da própria Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial fundamentada na lei comen-tada (CALIL, 2011, p. 287).

Por sua vez, a função precípua do SINAPIR é organizar e promover políticas de igualdade racial, compreen-didas como conjunto de diretrizes, ações e práticas a serem observadas na atuação do poder público e nas

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relações entre o Estado e a sociedade. Cada ente federado tem suas competências e responsabilidades frente ao Sistema.

Tal aspecto, á evidência, não retira a competência dos outros entes da Federação para atuarem, de forma local ou regional, no combate á desigualdade racial, partindo-se da premissa de que deverão respeitar os comandos legais contidos na legislação es-pecífica federal, ou seja, atuarão mediante adesão (com incentivo na implementação, nos termos do artigo 48, inciso III) ou de forma complementar (CALIL, 2011, p. 287).

A ação de cada parte integrante deverá observar a finalidade comum e garantir a participação da socieda-de civil e da iniciativa privada na formulação, implementação, monitoramento e avaliação da Política de Igualdade Racial, em todas as esferas de governo, conforme previsto no parágrafo 2º do artigo 47 da Lei 12.288/2010. (BRASIL, 2010). A participação da sociedade civil deve estar em consonância com um dos princípios delineados no anexo do Decreto 4.886/2003 – gestão democrática (BRASIL, 2003). Uma das questões que se coloca é: a ideia de gestão democrática foi suficiente para acolher a gestão social?

A função do Estado é a promoção do bem-estar da sociedade, e, para isso, torna-se necessário desenvolver ações e atuar transversalmente em distintas áreas, conforme dispõe o artigo 6º da Constituição Federal de 1.988: “[...] são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segu-rança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 1.988).

Para atingir resultados nas diversas áreas e promover o bem-estar da sociedade, os governos se utilizam das políticas públicas. Porém, estas precisam ser formuladas pela sociedade civil, conforme prevê o inciso II do artigo 204 da Constituição Federal: “[...] participação da população, por meio de organizações representati-vas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis” (BRASIL, 1.988).

Gestão Social da Política de Promoção da Igualdade Racial

As novas práticas de gestão das políticas públicas desencadearam no Brasil a criação de espaços institu-cionais de relacionamento entre Estado e sociedade civil, na forma dos conselhos e os fóruns. Entre eles, o Conselho de Promoção da Igualdade Racial tem por atribuição propor e avaliar/monitorar os programas e as políticas públicas, bem como fiscalizar a sua execução (FREITAS, FREITAS e DIAS, 2012, p. 1202). Esta forma de gestar, equipada com instrumentos participativos, se aproxima da gestão social, que se plenamente incorporada, constituir-se-ia em importante ferramenta para a transformação social e o desenvolvimento local.

Segundo Iizuka, Dias e Aguerres (2011, p. 750) “Gestão social é uma dimensão humana do próprio desen-volvimento que envolve o empresário, o pesquisador e o ativista dos movimentos sociais”. Ainda, segundo Fischer, Melo, Carvalho et al (2006, p. 796)

A gestão adjetivada como social orienta-se para a mudança e pela mudança, seja de microunidades organizacionais, seja de organizações com alto grau de hibridização, como são as interorganizações atuantes em espaços territoriais micro ou macro esca-lares. Múltiplas formas de poder são exercidas em diferentes escalas, na construção

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paradoxal e controvertida de utopias traduzidas em programas, projetos e ações de desenvolvimento que ocorrem em espaços territoriais e virtuais.

Ao contrário da gestão tecnoburocrática, monológica, a gestão social, é participativa, dialógica, ou seja, a to-mada de decisão é exercida por meio de diferentes atores sociais, que agem com racionalidade comunicativa, expõem suas demandas e prioridades até que haja um acordo (TENÓRIO, 1.998, p. 16)

Além disso, a gestão social tem como finalidade “[...] proporcionar condições à emancipação dos indivíduos, baseando-se na democracia deliberativa, na formação da consciência crítica de seres humanos dotados de razão” (CANÇADO, 2013, p. 107).

Para construir o conceito de “Gestão Social” Tenório analisou os seguintes pares de palavras: “estado-so-ciedade” e “capital-trabalho”, invertendo-as em sua ordem para “sociedade-Estado” e “trabalho-capital”, desta forma, ressaltando a importância da sociedade e do trabalho como protagonistas dessas relações. Para ampliar a discussão, Tenório inseriu o par de palavras sociedade-mercado, onde a sociedade deve ser prota-gonista no processo de interação com o mercado (CANÇADO, 2013, p. 112).

Cançado (2013) corrobora com Tenório, ao propor que a cidadania deliberativa precisa intermediar a relação entre esses pares de palavras, para o autor:

[...] a cidadania deliberativa significa em linhas gerais, a legitimidade das decisões dever ter origem em processos de discussão orientados pelos princípios da inclusão, do pluralismo, da igualdade participativa, da autonomia e do bem comum [. Dessa forma,] faz jus à multiplicidade de formas de comunicação e une os cidadãos em torno de um autoentendimento ético (CANÇADO, 2013, p. 112).

Sob esse aspecto a esfera pública tem o papel de intermediador entre Estado, sociedade e mercado, e a ci-dadania deliberativa se realiza no processo participativo de diálogo abalizado necessariamente no entendi-mento (e não no convencimento ou negociação) entre as partes. Assim, “[...] o procedimento da prática da cidadania deliberativa na Esfera Pública é a participação” (CANÇADO, 2013, p. 112). Ou seja, se inicia com a participação que deve evoluir para uma participação engajada e deliberativa.

O potencial transformador da gestão social precisa ser abalizado na superação da percepção individual de mundo. Isso, por meio de “um acordo alcançado por meio da discussão crítica, da apreciação intersubjetiva” (CANÇADO, 2013, p. 113). É com o diálogo e a participação das pessoas que se alcançarão os objetivos sociais, sendo, o desafio, obter interação baseada na solidariedade entre Estado, sociedade e mercado.

Portanto, a boa governança local é o centro da gestão social e, para seu eficaz funcionamento, torna-se ne-cessária a existência de espaços de participação democrática e deliberativa dos cidadãos, sendo preciso, pro-porcionar condições para essa participação, levando-se em conta que o conflito de interesses é componente complementar do ideário democrático, ou seja, as decisões são descentralizadas pelo Estado, que continua conduzindo o processo democrático, harmonizando eficiência com o aperfeiçoamento da democracia para a efetiva participação do cidadão (CANÇADO, 2013).

Cançado (2013) assinala duas características da Gestão Social, sendo: o processo é cognitivo, “[...] a apren-dizagem individual está ligada à aprendizagem coletiva”. A outra é o foco, não se concentra nas “[...] partes, mas sim na interação entre as partes, sim na interação entre finalidades, definindo o caráter identitário meta-interacional das experiências” (CANÇADO, 2013, p. 118).

Desta forma, podemos traduzir gestão social como sendo uma prática inovadora na criação de políticas pú-

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blicas em que o cidadão é coautor. Assim, o cidadão assume seu papel como protagonista no cenário político.

Nos incisos I a IV do artigo 4º do Decreto Federal nº 8.136/2013, que aprova o regulamento do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir), instituído pela Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010, estão elencados os princípios orientadores da Política, quais sejam: desconcentração, que consiste no com-partilhamento, entre os órgãos e entidades da administração púbica federal, das responsabilidades pela exe-cução e pelo monitoramento das políticas setoriais de igualdade racial; descentralização, que se realiza na definição de competências e responsabilidades dos Estados, Distrito Federal e Municípios, de modo a per-mitir que as políticas de igualdade racial atendam às necessidades da população; gestão democrática, que envolve a participação da sociedade civil na proposição, acompanhamento e realização de iniciativas, por meio dos conselhos e das conferências de Promoção da Igualdade Racial; e estímulo à adoção de medidas que favoreçam a promoção da igualdade racial pelos Poderes Legislativo e Judiciário, Ministério Público, Defensorias Públicas e iniciativa privada.

Esses princípios aproximam-se da gestão social, especialmente, no que tange ao papel exercido pelos con-selhos e pelas conferências. Entretanto, é preciso qualificar a atuação dessas instituições, segundo o poder exercido frente à Política, se apenas propositivos ou, se mais influentes, deliberativos. E, se acolhem as re-presentações das comunidades quilombolas e com que grau de participação.

Portanto “quanto maiores forem os canais de diálogo, colaboração, harmonização das ações e apoio da socie-dade civil”, (SEPPIR, 2003, p. 9) mais se garantirá êxito da política de igualdade racial. De fato, espera-se que as instituições da sociedade civil assumam o protagonismo na formulação, implementação e monitora-mento da referida política e não atuem apenas como simples interlocutores de demandas sociais. Mas, não se percebem, institucionalidades mais próximas às comunidades, do que os conselhos, que contribuam para o processo decisório de implementação da Política.

As organizações da sociedade civil podem contribuir para a “[“...] ampliação da consciência popular sobre a importância das ações afirmativas, de modo a criar uma sólida base de apoio social” (SEPPIR, 2003, p. 9). Para isso é necessário assumirem a tarefa de colocar em ação os instrumentos de gestão democrática. Um deles é o Conselho de Promoção da Igualdade Racial, em âmbitos nacional, estadual e municipal, composto por representantes governamentais e da sociedade civil. O conselho nacional, não deliberativo, é espaço de diálogo para definição das prioridades e rumos da política.

Não bastam a lei e o “status” que configuram o regime político como democrático. Para garantir a cidadania ativa é preciso diminuir as desigualdades e incentivar a educação política da população. Tal aprendizado se dá, principalmente, com a participação qualificada nos diversos espaços sociais (SCHENATO, 2013, p. 143).

Ações Governamentais de enfrentamento ao racismo em Minas Gerais

Em Minas Gerais, a inserção da temática racial na agenda das políticas públicas de âmbito estadual acon-teceu no Governo Newton Cardoso, com a criação do Conselho Estadual de Participação e Integração da Comunidade Negra (CCN/MG), por meio do Decreto nº 28.071/1988, para desenvolver estudos relativos à condição da comunidade negra e propor medidas para a defesa de seus direitos, a eliminação das discrimi-nações que a atingem e a sua plena inserção na vida sócio econômica, política e cultural do estado. (MINAS GERAIS, 1988, p. 1). Esse decreto foi, posteriormente, alterado pelo Decreto nº 30578/1989 (MINAS GE-RAIS 1989, p. 1).

Durante a I Conferência de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, em 2005, após amplo debate, o CCN/MG encaminhou proposta de projeto de Lei ao Governo do Estado de Minas Gerais para a criação do Con-selho Estadual exigido, paritário e com dotação de recursos financeiros para financiar as ações da Política de Promoção da Igualdade Racial. Importante destacar que a edição da lei foi precedida de debate, com en-

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volvimento do próprio CCN, conforme o Ofício CCN/169, de 18/10/2007, subscrito pelo, então, presidente do Conselho. Essa proposição se concretizou em março de 2008, com a criação do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial, mediante Projeto de lei nº 2.177/2008 (DIÁRIO DO LEGISLATIVO, 2008), transformado em Lei de nº 18.251, em julho de 2009 (MINAS GERAIS, 2009, p. 1). Os quilombolas têm assento nesse Conselho e são representados pela Associação dos Quilombos de Bom Despacho da Comuni-dade Carrapatos de Tabatinga.

Em 2011, o governo mineiro criou a Coordenadoria Especial de Políticas Pró-Igualdade Racial (CEPIR), órgão subordinado à Subsecretaria de Direitos Humanos da Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvi-mento Social, por Lei Delegada de nº 180/2011 (SEDESE, 2011, p. 1). A reforma administrativa apresentada pelo Governo de Pimentel, a Coordenadoria foi substituída pela Subsecretaria de Promoção da Igualdade Racial, subordinada à Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania (MINAS GERAIS, 2015).

De acordo com dados oficiais os investimentos orçamentários previstos nas leis orçamentárias, de 2003 a 2014, foram da ordem de R$ 297 milhões de reais, para a execução de programas, projetos e ações destina-dos à população indígena e quilombola pelo Governo de Minas Gerais. Esses recursos foram distribuídos entre as diversas secretarias, tendo sido aplicados R$ 266 milhões de reais. Esses recursos foram destinados à estruturação da atenção primária à saúde nas aldeias indígenas, e comunidades quilombolas; construção reforma e melhoria de moradias para indígenas e quilombolas; desenvolvimento sustentável da agricultura familiar; adoção de medidas visando o ingresso na universidade e a diplomação de Afro-Descendentes; geração trabalho e renda por meio do fortalecimento de empreendimentos coletivos da economia popular solidária; apoio para a execução das atividades técnicas de identificação, discriminação e regularização de áreas ocupadas por comunidades quilombolas e indígenas, e realização de diagnóstico socioeconômico de comunidades quilombolas; desenvolvimento de ações para a obtenção de certidões de registro civil e de documentação civil básica, para populações quilombolas e indígenas. Não incluído nesse valor, de 2012 a 2013, a Secretaria de Estado de Cultura despendeu R$ 19 milhões de reais em ações afirmativas e valoriza-tivas da cultura negra (CONEPIR, 2014).

O Núcleo de Atendimento a Vítimas de Crimes Raciais e Intolerância (NAVCRADI) da Polícia Civil minei-ra, criado no ano de 2014, é outro arranjo institucional para o fortalecimento da política de igualdade racial. Seu objetivo é atender demandas configuradas como crimes raciais e de intolerância, além de ser importante instrumento de monitoramento dos casos registrados em outras delegacias (PCMG, 2013). O NAVICRADI oferece atendimentos jurídico, psicológico e social por meio da prestação de serviços de instituições parcei-ras, além da realização de perícia e exames específicos, pelo Instituto de Criminalística e Instituto Médico Legal (PCMG, 2013).

Legislação antirracismo

A capacidade de intervenção dos movimentos sociais negro em denunciar o racismo resultou na criação de leis e decretos por parte do governo brasileiro. O Quadro 1, anexo, sintetiza as legislações nacional e estadual de enfretamento ao racismo. Percebe-se, na evolução histórica da legislação antirracismo brasileira, até o final dos anos 80, uma era punitiva, contudo o uso da força repressiva no enfrentamento da discriminação racial mostrou ser ineficaz (IPEA, 2009).

Os anos 1990 foram pródigos em mostrar as limitações do tratamento do preconceito e da discriminação pela legislação punitiva, seja em face dos “efeitos presentes da discriminação passada” ou dos efeitos perversos do processo de banalização de prá-ticas discriminatórias dissimuladas e cotidianas e do racismo institucional, de caráter

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impessoal e indireto (IPEA, 2009, p. 109).

Em decorrência dos desdobramentos da III Conferência Mundial contra Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, em Durban (2001), o Brasil passa a adotar novas inciativas para comba-ter o racismo e reduzir as desigualdades raciais, são elas: programa de “bolsas-prêmio para a diplomacia”, em favor de estudantes negros, no Ministério das Relações Exteriores, e no ano de 2002 o Governo Federal publica o Decreto nº 4.228, que institui, no âmbito da Administração Pública federal, o Programa Nacional de Ações Afirmativas. Porém, essas ações foram adotadas em fins de governo e não chegaram a ser concre-tizadas (IPEA, 2009).

As ações afirmativas ganham destaque no governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que institui a Po-lítica de Promoção da Igualdade Racial e cria a Secretária Nacional com status de ministério para coordenar ações desta política. Além disso, logo no início o presidente sanciona a Lei nº 10.639/2003 que altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”.

Desde então, o Brasil inicia uma nova era de legislação de enfrentamento ao racismo, por meio de ações afirmativas, punitivas e valorizativas. Essas ações são estratégias para acelerar o processo de diminuição das desigualdades e combater o racismo individual, bem como os mecanismos institucionais que reproduzem tratamentos diferenciados, ou seja, racismo institucional (IPEA, 2009).

As ações afirmativas são políticas focalizadas destinadas a beneficiar pessoas pertencentes a grupos vítimas da exclusão social, econômica e cultural. Essas medidas objetivam enfrentar o racismo e os crimes de intole-rância religiosa, entre outros. A intenção é garantir o protagonismo desses grupos no processo de decisório, quanto ao acesso à educação, saúde, emprego, bens materiais, redes de proteção social e/ou no reconheci-mento cultural.

Com respeito à questão racial, o inciso VI, parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 12.288/2010 – Estatuto da Igualdade Racial – considera como ações afirmativas, os programas e medidas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades (BRASIL, 2010).

No caso específico das ações afirmativas destinadas às comunidades quilombolas pode-se citar o Programa Brasil Quilombola, lançado em 2004, e desdobrado na criação da Agenda Social Quilombola pelo Decreto 6261/2007, cujo objetivo é a consolidação das políticas de Estado para as áreas quilombolas, agrupadas nas ações de: acesso a terra; infraestrutura e qualidade de vida; inclusão produtiva e desenvolvimento local; di-reitos e cidadania (BRASIL, 2013).

Quilombolas em Minas Gerais

Minas Gerais é o terceiro estado com maior número de comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares (219), órgão vinculado ao Ministério da Cultura, logo a seguir do estado da Bahia (612) e do Maranhão (467) (FCP, 2014).

A história da formação dos quilombos em Minas Gerais inicia-se a partir do século XVIII, como forma de reação contra o regime escravocrata, tendo grande participação na dinâmica social mineira, contestando assim afirmativa de existência de relações harmoniosas entre senhores e escravos na sociedade brasileira colonial. Entre 1710 a 1798, foram descobertos e destruídos 160 quilombos na região das Minas Gerais (OLIVEIRA, 2007, p. 2).

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O território mineiro, com suas matas fechadas e serras, atraía negros fugitivos dos duros castigos durante todo o período da escravatura. Como estratégia de luta, eles buscavam locais de difícil acesso, para dificultar a perseguição e captura. Martins (2008) informa...

A análise do mapa do Campo Grande dá a entender que Campo Grande seria uma região onde existia uma federação ou confederação de quilombos, cuja capital se chamava Quilombo do Ambrósio. Correspondência de 1756 menciona “As notícias que temos de se haverem confederado os negros aquilombados”. [Essa] mais uma confirmação da existência de uma confederação (MARTINS, 2008, p. 784).

Os quilombos eram espaços onde os negros escravizados se abrigavam e resistiam ao sistema colonial escra-vocrata. Desde a fundação do Brasil República, esses espaços exerceram seu papel de defesa e resistência, o que garantiu ao grupo autonomia e sobrevivência.

Historicamente, contudo, pode-se dizer que os quilombos até muito recentemente não receberam nenhuma espécie de tratamento específico por parte do Estado. Isso veio a acontecer com o advento da Constituição Federal de 1988, onde os direitos dos “remanescentes de quilombos”, com destaque à territorialidade, foram reconhecidos pela primeira vez.

Tal direito é previsto no artigo nº 68 do Ato das Disposições Constitucionais Tran-sitórias da Constituição Federal de 1988, sob o enunciado: Aos remanescentes das comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a pro-priedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos (SCHMITT, TURATTI e CARVALHO, 2002, p.1).

Schmitt, Turatti e Carvalho (2002) amplificam e atualizam a definição tradicional do termo quilombo de modo a abarcar o grande número de grupos, que compartilham uma mesma identidade social e étnica e que reclamam o direito de posse oficial de suas terras, em virtude de ocupação antiga e submissão a práticas de resistência, conservação e reprodução da cultura do lugar.

Já, o termo quilombola envolve uma identidade comum às comunidades rurais negras e “[…] passa a sig-nificar uma complexa arma nesta batalha desigual pela sobrevivência material e simbólica” (SCHMITT, TURATTI e CARVALHO, 2002, p.5).

O termo “quilombo” teve seu conceito estendido para toda área ocupada por comunidades remanescentes dos antigos quilombos (BRASIL, 1988), mas, foi, em 2003, que, praticamente, os critérios para a sua efetiva-ção, por meio de garantia constitucional, ganharam corpo. De acordo com o artigo 2º de Decreto 4.887/2003:

Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetó-ria histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.

§ 1o Para os fins deste Decreto, a caracterização dos remanescentes das comunidades dos quilombos será atestada mediante auto definição da própria comunidade.

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§ 2o São terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural.

§ 3o Para a medição e demarcação das terras, serão levados em consideração critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sendo facultado à comunidade interessada apresentar as peças técnicas para a instrução procedimental (BRASIL, 2003).

O parágrafo 1º do artigo 2º do Decreto 4.887/20033 determina a auto definição como critério para o reconhe-cimento de uma comunidade quilombola, por meio da emissão da certidão. Para isso, a comunidade deve seguir o seguinte procedimento, como remanescente de quilombo: realizar reunião convocada para a auto definição, elaborar ata dessa reunião, que deverá ser aprovada pela maioria dos moradores, acompanhada de lista de presença devidamente assinada.

Essa documentação, juntamente com fotos, documentos, estudos, reportagens, que atestem a história do grupo e suas manifestações culturais e o relato sintético da história da comunidade deve ser enviada para a Fundação Cultural Palmares.

Com respeito à delimitação do território, esse é função do espaço necessário para a reprodução física, social, econômica e cultural da comunidade envolvida, incluindo não só a área destinada à moradia, mas também aquela reservada ao plantio, à caça, à pesca e ao manejo agroflorestal (BRASIL, 2003).

Não há obrigatoriedade de a comunidade comprovar que ela é descendente de escravos fugidos, nem de que tem a posse histórica sobre o território (da abolição da escravatura, em 1888, até a Constituição Federal, em 1988) conforme ressaltado no parágrafo 3º:

[...] serão levados em consideração critérios de territorialidade indicados pelos rema-nescentes das comunidades dos quilombos, sendo facultado à comunidade interes-sada apresentar as peças técnicas para a instrução procedimental serão levados em consideração critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das comuni-dades dos quilombos, sendo facultado à comunidade interessada apresentar as peças técnicas para a instrução procedimental.

A Fundação Cultural Palmares (vinculada ao Ministério da Cultura) é responsável pelos procedimentos admi-nistrativos de certificação destas comunidades com o escopo de lhes atribuir legalidade para os procedimen-tos da titulação do território quilombola bem como a implantação de políticas públicas, tais como o Programa Brasil Quilombola. Ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) cabem os procedimentos necessários à titulação do território quilombola, conforme dispõe o artigo 3º do Decreto 4.887/2003.

Os territórios onde vivem os quilombolas significam mais que simples espaços geográficos. Pois a terra além de garantir a subsistência do grupo, tem importância histórica e cultural, por ser o local onde acontecem as transmissões dos valores éticos e morais, dos conhecimentos definidos pelas manifestações, pelas tradições e pelo respeito à ancestralidade.

De acordo com os representantes da Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais existem 520 comunidades quilombolas pré-identificadas no Estado. Entretanto, dados da Fundação Cultural Palmares, apontam que dessas apenas 219 foram certificadas até agosto de 2014. O Mapa 1, a seguir, mostra a sua dis-

3 O Decreto 4.887/03 é baseado na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais.

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tribuição geográfica, em Minas Gerais.

Mapa 1 Municípios com comunidades quilombolas identificados

Fonte: Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva - CEDEFES. Projeto Quilombos Gerais. Disponível em: http://www.cedefes.org.br. Acesso em: 25 out. 2014.

O processo de obtenção da titulação das terras quilombolas é moroso e expõem as lideranças comunitárias a ameaças de morte. Em virtude desse risco, as lideranças têm sido assistidas pelo Programa de Proteção dos Defensores de Direitos Humanos da Subsecretaria de Direitos Humanos da SEDESE.

Uma das poucas comunidades quilombolas a receber a titulação da terra em Minas foi a de Porto Corís, no município de Leme do Prado, no vale do Jequitinhonha. Mesmo assim, a comunidade perdeu seu território histórico para dar lugar a uma barragem, sendo transferida para a Fazenda Mandassaia, no mesmo município (CEDEFES, 2008). Muito embora a titulação não tenha assegurada a permanência da comunidade em seu lu-gar de origem, condição necessária para a preservação do estoque cultural preservado no espaço, a titulação garantiu o direito a outra terra, sem, entretanto, evitar os traumas da transferência da população impactada.

Dentre as 219 comunidades quilombolas certificadas, em Minas Gerais, somente as localizadas nos muni-cípios Barbacena, Belo Horizonte, Contagem e Itabira, implantaram a Política de Promoção da Igualdade Racial, em conformidade com a Lei nº 12.288/2010 e se habilitaram a aderir ao Sinapir (CEPIR, 2014).

Segundo os técnicos da CEPIR, foram realizadas 27 reuniões de trabalho para suporte e apoio a estes muni-cípios, objetivando auxiliá-los na criação do Conselho e Coordenadoria de Igualdade Racial. Participaram dessas reuniões o Poder Público (executivo e legislativo municipal) e lideranças das comunidades quilom-bolas. Nessas reuniões, os representantes do poder público apresentavam as seguintes dificuldades para criar órgão e conselho: lei de responsabilidade fiscal que impedia criar nova estrutura na administração, bem como contratar funcionários; baixa arrecadação de impostos; existência de muitos conselhos e baixa partici-pação, coma representação nos diversos conselhos das mesmas pessoas.

Diante dessa situação os municípios mineiros não têm acessado os recursos do Programa Brasil Quilom-bola, que garante, aos quilombolas, o acesso à terra, ações de saúde e educação, construção de moradias, eletrificação, recuperação ambiental, pleno atendimento às famílias pelos programas sociais, como o “Bolsa Família”, e de medidas de preservação e promoção das manifestações culturais quilombolas, assim como, incentivos ao desenvolvimento local. A baixa adesão dos municípios mineiros, onde se encontram comuni-dades quilombolas (4 dentre 96 certificados) priva a maioria das comunidades dos benefícios proporciona-

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dos pelo Programa.

Desenvolvimento local nos quilombos e o Programa Brasil Quilombola

João Antônio de Paula (2014) em palestra intitulada “Desafios do desenvolvimento”, proferida no III Simpó-sio de Socialização da Produção Acadêmica realizado pelo Centro Universitário UNA, no dia 20 de novembro de 2014, mencionou diversos significados, em português e em outras línguas, para a palavra desenvolvimento. Nesse exercício, chamou a atenção a palavra espanhola: “desarrollo”, traduzida por tirar a rolha, ação que pode ser entendida como o deixar manifestar forças transformadoras produtoras de desenvolvimento.

Ao revelar as transformações que conduziram a formação econômica, social e capitalista no Brasil, o profes-sor afirmou que os grandes processos históricos são marcados pela incompletude (informação verbal)4. Citou, como exemplos, a Independência, que não significou de fato a prevalência dos interesses do povo brasileiro. Também mencionou a Abolição da Escravidão como sendo nossa única grande revolução social, um processo inconcluso, pois libertou os negros da escravidão, mas os manteve marginalizados, excluídos dos direitos so-ciais básicos, e, como resultado, hoje, a população negra lidera o ranking da pobreza.

Fez referência à Reforma Agrária que até hoje não foi processada. Para Paula (2014) a “República” ao invés de garantir a equidade e o desenvolvimento, tem servido como instrumento para concentração de renda, riqueza, e poder junto à elite brasileira. De acordo com Paula (2014), para efetivar o desenvolvimento é preciso garan-tir distribuição de renda e riqueza, mediante acesso da população brasileira à educação de qualidade, saúde, saneamento, qualificação e treinamento, para isso são necessárias reformas estruturais (Informação verbal)5.

Por sua vez, Machado (2014)6 conceituou desenvolvimento como: passagem de um estado a outro, desdobra-mento, elaboração, processo complexo de mudanças e transformações. Ao contrapor-se ao neoliberalismo, tem o poder de ampliar direitos sociais conquistados e potencializar a emancipação social.

O resultado, evidentemente, é a nossa prosaica qualidade de vida, numa visão susten-tável. A imagem da qualidade de vida nos remete a um bairro agradável, com razoável prosperidade, saúde, riqueza cultural, equidade e segurança: grande parte destas coisas se organiza localmente, e ter uma economia gerida por resultados implica que estes resultados sejam em grande parte determinados pelas comunidades criativas e diferen-ciadas que temos, e não necessariamente reproduzindo de cima uma macdonaldização generalizada (DOWBOR, 2006, p. 4).

De acordo com Machado (2014) o desenvolvimento pode ser realizado “no local, para o local, e do local”, levando-se em conta que a noção de local é difusa e polissêmica, surgindo em determinadas situações “como lugar (território, região e área dispostos e ordenados materialmente); como espaço (cenário, ambiente, situa-ção e práticas sociais singulares); ou as duas concepções dependendo do tipo de problema ou ação que se quer

4 Palestra proferida pelo Professor João Antônio de Paula no III Simpósio de Socialização da Produção Acadêmica no dia 20 de novembro de 2014 (UNA), informações anotadas por Clever Alves Machado.5 Palestra proferida pelo Professor João Antônio de Paula no III Simpósio de Socialização da Produ-ção Acadêmica no dia 20 de novembro de 2014 (UNA), informações anotadas por Clever Alves Machado. 6 Palestra proferida pela Professora Lucília Machado no III Simpósio de Socialização da Produção Acadêmica no dia 21 de novembro de 2014 (UNA), informações anotadas por Clever Alves Machado.

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praticar” (MACHADO, 2014).7

Importante destacar que desenvolvimento não é apenas crescimento econômico. Desenvolvimento pode e deve ser considerado como um processo que possibilite a expansão das capacidades individuais. Desenvolvi-mento tem a ver com liberdade individual, e sua expansão ao garantir ao cidadão o direito de ser protagonista do processo de desenvolvimento e não apenas beneficiário dessa ação (MACHADO, 2014; PAULA, 2014; SEN, 2010)

A expansão das liberdades é vista, por essa abordagem, como o principal fim e o principal meio do desenvolvimento. O desenvolvimento consiste na eliminação de pri-vações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exer-cer ponderadamente sua condição de agente. A eliminação de privações de liberdades substanciais, argumenta-se aqui, é constitutiva do desenvolvimento‖ (SEN, 2010, p.9).

O Projeto Politica Nacional de Apoio ao Desenvolvimento Local (INSTITUTO CIDADANIA, 2006) reco-mendava intensa transformação da abordagem, ou seja, trocar a pergunta “o que o governo pode fazer por nós?” para “como o governo pode apoiar o que estamos empreendendo?”.

Do ponto de vista das diversas instâncias de governo, das instituições públicas ou privadas de apoio, da própria academia, trata-se de entender que, somando-se às ini-ciativas que a comunidade assimila como suas, a produtividade dos esforços aumenta, maximizando resultados (INSTITUTO CIDADANIA, 2006, p.12).

Dowbor (2006) assinala a necessidade de reconciliar a democracia política e a democracia econômica, para isso é preciso associar desenvolvimento local com o conceito de cultura do desenvolvimento, pois, “o ou-tro mundo possível vai exigir também uma ciência econômica mais aberta, que incorpore estas dimensões” (DOWBOR, 2006). Para isto é preciso...

[...] resgatar o potencial econômico da gestão local não envolve apenas eficiência de gestão empresarial e pública, envolve também colocar uma parte maior da economia na escala onde as pessoas têm sobre ela um controle maior, resgatando assim o contro-le sobre as suas próprias vidas. Uma economia que passa a pertencer ao cidadão abre mais espaço para uma política que pertença ao cidadão (DOWBOR, 2006, p. 4).

Considerações finais

O número de comunidades quilombolas existentes em Minas Gerais é um número incerto. Afirma-se 520 comunidades conhecidas, mas, este número pode alcançar as 700 unidades. Esta pesquisa apontou 223 comu-nidades quilombolas certificadas, situadas em 96 municípios de Minas Gerais.

7 Palestra proferida pela Professora Lucília Machado no III Simpósio de Socialização da Produção Acadêmica no dia 21 de novembro de 2014 (UNA), informações anotadas por Clever Alves Machado.

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Essa certificação as qualifica para obter os benefícios proporcionados pelo Programa Brasil Quilombola, quais sejam: possibilidade de obter a titularidade da terra, acesso prioritário aos programas sociais de habita-ção, saúde, saneamento, esporte, cultura, a linhas de financiamento para o desenvolvimento local.

Contudo, além dessa certificação, o poder público municipal deve estar habilitado, mediante adesão ao SI-NAPIR, para captar os recursos do Programa e concretizar os benefícios junto às comunidades. Apenas os municípios de Belo Horizonte, Contagem e Itabira criaram órgãos e conselhos destinados à questão racial e se habilitaram a aderir ao SINAPIR, ou seja, tornaram-se prioritários, frente aos recursos do Programa Brasil Quilombola.

Observa-se que a gestão da Politica de Promoção da Igualdade tem ocorrido no âmbito das esferas federal e estadual, não condizendo à realidade dos municípios, devido à dificuldade para a concretização da política de promoção da igualdade racial nas comunidades. Essas dificuldades são atribuídas, principalmente, aos seguintes fatores: (a) falta de autonomia financeira, administrativa e política dos órgãos de promoção da igualdade racial; (b) gestão desarticulada na implementação da política, em virtude da inexistência do poder de intervenção junto aos demais setores (agricultura, educação, habitação, saúde, transporte e obras, esporte), dificultando desenvolver ações transversais na implementação da política de igualdade racial; (c) desconti-nuidade das ações a cada mudança de governo; (d) dificuldade em estabelecer prioridades em um cenário de demandas acumuladas há séculos; (e) baixa representatividade dos quilombolas nos espaços de poder; e (f) desinteresse político por parte dos poderes públicos municipais. Esses fatores corroboram a ideia de ausência de gestão social na implementação da política.

Por outro lado, do ponto de vista da gestão social, a hipótese do prevalecimento de conhecimento e confiança, inexistência de mobilização espontânea e poder de reinvindicação dos quilombolas, articulação política entre outros aspectos a serem identificados, são fatores relevantes para o sucesso na implementação da política. Acredita-se que um de fato a Política não é gerida de acordo com a gestão social, pois estão ausentes, em suas definições, princípios afins com ela no que tange ao envolvimento das comunidades quilombolas, tais como: participação deliberativa e protagonismo comunitário, empoderamento, dialogicidade e organização coletiva legítima.

Considerando-se que a efetividade da Política vai se reduzindo à medida da aproximação dos territórios das comunidades quilombolas, supõe-se que sua falha resida em sua gestão pouco fiel à gestão social, tendo em vista o pequeno número de municípios aderidos ao Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial.

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ANEXO

Legislação nacional e estadual de enfrentamento ao racismo

Lei ou Decreto ConsideraçõesDecreto-Lei nº 2.848/1940, do Código Penal.

O § 3º do artigo 140 do Código Penal tipifica como crime racial a conduta de injúria racial. A injúria é crime contra a honra que consiste em ofender um sujeito, pronunciando contra a vítima palavras que atentam contra sua dig-nidade, quando esta ofensa estiver relacio-nada com elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem, o crime de injúria faz jus a uma penalidade mais grave, tornan-do-se qualificado, sendo prevista uma pena de um a três anos de reclusão, justamente com o objetivo de coibir este tipo de conduta.

Lei nº 1.390/ 1951

Inclui entre as contravenções penais a prá-tica de atos resultantes de preconceitos de raça ou de cor. Também conhecida como Lei Afonso Arinos foi a primeira lei após a Lei Áu-rea – responsável pela abolição da escravi-dão no Brasil em 13 de maio de 1888, a con-denar a prática do racismo.

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Lei nº 2.889/ 1.956

O artigo 1º profere: “quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional étnico, racial ou religioso” por morte, lesão grave ou outro tipo de violência, está sujeito à penalidade igual à atribuída para o homicí-dio qualificado, ou lesão corporal qualificada.

Lei nº 5.250/ 1.967

Regula a liberdade de manifestação do pen-samento e de informação. O artigo 14 tipifica como crime a propaganda de preconceitos de raça ou de classe, cominando pena de Detenção, de 1 a 4 anos.

Lei nº 7.437/ 1.985

Inclui entre as contravenções penais a prática de atos resultantes de preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil.Dá nova re-dação à Lei Afonso Arinos,Lei nº 1.390/1951.

Cons t i tu ição Federal. Arti- go 5º, incisos XLI e XLII

Consideram a prática do racismo crime ina-fiançável, imprescritível e sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.

Cons t i tu ição Federal. Arti-go 1º, inciso III

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é um valor essencial nos países livres.

Cons t i tu ição Federal. Artigo 3º, inciso IV

É um dos objetivos principais da República combater o preconceito e a discriminação.

Cons t i tu ição Federal. Artigo 4º, inciso VIII

Reafirma o compromisso da República de combater o racismo em todas as suas mani-festações.

Cons t i tu ição Federal. Artigo 68 dos Atos de D i s p o s i ç õ e s Constitucionais Transitórias

Resgata a propriedade das populações qui-lombolas, incumbindo ao Estado Brasileiro o seu reconhecimento. Ao garantir o direito à territorialidade o Estado e a sociedade bra-sileira atenuam e eliminam de forma eficaz e positiva as consequências negativas do racismo para os remanescentes de quilom-bolas.

Lei Federal nº 7.77l6/1.989

Legislação penal infraconstitucional tipifica atos e condutas consideradas crime resultan-tes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Lei nº 9.455/ 1.997

Define os crimes de tortura e dá outras pro-vidências. O artigo 1º, I, “c”, pronuncia que “Constitui crime de tortura: constranger al-guém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental, em razão de discriminação racial ou religiosa”. A pena para este crime é de reclu-são, de 2 a 8 anos.

Lei Federal nº 9.459/1997

Altera os artigos. 1º e 20 da Lei nº 7.716/1989. Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor Acrescenta parágrafo ao art. 140 do Decreto-lei nº 2.848/1940.

Decreto Federal nº 4.228/02

Institui, no âmbito da Administração Pública Federal, o Programa Nacional de Ações Afir-mativas e dá outras providências.

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Lei Federal nº 10639/03 altera a lei nº 9394/96

Estabelece as diretrizes e bases da educa-ção nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da te-mática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Esta ação valorizati-va tem por meta combater estereótipos ne-gativos, historicamente construídos e conso-lidados na forma de preconceitos e racismo. Seu objetivo é reconhecer e valorizar a plu-ralidade étnica que marca a sociedade brasi-leira e valorizar a comunidade afro-brasileira, destacando tanto seu papel histórico como sua contribuição contemporânea à constru-ção nacional.

Decreto Federal nº 4.886/2003

Institui a política de promoção da igualdade racial.

Decreto Federal nº 4.887/2003

Regulamenta o procedimento para identifi-cação, reconhecimento, delimitação, demar-cação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos qui-lombos. Afirmam direitos aos quilombolas, potencializa ações no plano político-orga-nizativo das comunidades.No plano político institucional cria órgãos e núcleos ligados à questão quilombola. As demandas quilombo-las ganharam espaços e visibilidade em ór-gãos já existentes.

Decreto Federal nº 6.261, de 20 de novembro de 2007.

Dispõe sobre a gestão integrada para o de-senvolvimento da Agenda Social Quilombola no âmbito do Programa Brasil Quilombola, e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6261.htm>. Acesso em: 12 agosto 2014.

Lei Federal Nº 11.645/2008al-tera a Lei no 9.394/1996, mo-dificada pela Lei no 10.639/ 2003

Estabelece as diretrizes e bases da educação nacio-nal e inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Conteúdo programá-tico: diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, estudo da his-tória da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na for-mação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e polí-tica, pertinentes à história do Brasil. Os conteú-dos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em espe-cial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.” Amplia a ação valorizativa aos indígenas e aos afro-descendentes, ao comba-ter os estereótipos negativos, historicamente cons-truídos e consolidados na forma de preconceitos e racismo.

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Decreto Federal Nº 6.872/2009

Aprova o Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PLANAPIR).

Lei nº 12.288/ 2010

Institui o Estatuto da Igualdade Racial

Lei Federal nº 12.519/2011

Institui o Dia Nacional de Zumbi e da Cons-ciência Negra.

Lei Federal nº 12.711/2012

Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providên-cias.

Decreto nº 8.136/2013

Aprova o regulamento do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir), instituído pela Lei nº12.288, de 20 de julho de 2010.

Portaria de Nº 8/2014

Aprova os procedimentos para adesão e as modalidades de gestão previstas no Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR).

Decreto nº 28.071/1988.

Cria o conselho de participação e integração da comunidade negra (CCN).

Decreto nº 30578/1989

Dá nova redação e altera dispositivos do decreto nº 28.071/1988.Criação do Conselho de Participação e Integração da Comunidade Negra, e dá outras providências.

Lei Estadual nº 18251/2009

Cria o Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial e dá outras providências.

Decreto Estadual 45156/ 2009

Regulamenta a Lei nº 18.251, de 7 de Julho de 2009, criando o Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial e dá outras providências.

Lei Delegada 180/2011

Cria na estrutura da Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social/ Subse-cretaria de Direitos Humanos a Coordenado-ria Especial de Políticas Pró-Igualdade Racial (CEPIR)

Lei Estadual nº 21147/2014

Institui a política estadual de povos e comuni-dades tradicionais.

Lei Estadual nº 21152/2014

Estabelece diretrizes e objetivos para a for-mulação e a implementação da política esta-dual de combate às discriminações racial e étnica.

Lei Estadual nº 21693/2015

Altera a Lei Delegada nº 179, de 1º de janeiro de 2011, que dispõe sobre a organização bá-sica e a estrutura da Administração Pública do Poder Executivo do Estado, e a Lei Delegada nº 180, de 20 de janeiro de 2011, que dispõe sobre a estrutura orgânica da Administração Pública do Poder Executivo do Estado de Mi-nas Gerais, e dá outras providências.

Decreto Estadual nº 46783/2015

Define a estrutura orgânica dos órgãos do Poder Executivo Estadual que menciona e da outras providências.

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A P A R T I C I P A Ç Ã O J U V E N I L N A S P O L Í T I C A S P A R A A J U V E N T U D E : U M A Q U E S TÃ O D E L E G I T I M I D A D E ?

Roseane Figueiredo Linhares Melquiades1

Maria Lúcia Miranda Afonso2

Resumo

Este artigo se propõe a discutir a perspectiva da participação juvenil, considerando a população jovem como sujeitos de direitos. Trata-se de uma revisão de literatura com ênfase no conceito de participação, políticas públicas para a juventude, uma breve discussão sobre quem são esses sujeitos e a participação dentro do pro-cesso de avaliação nos moldes propostos pela gestão social. A partir dessa revisão pretende-se problematizar a questão da legitimidade da participação da política pública para a juventude.

Palavras-Chave: Participação Juvenil; Políticas Públicas; Gestão Social

Introdução

Sancionado em 2013, o Estatuto da Juventude é um instrumento jurídico que legitima a população jovem como sujeitos de direitos e reconhece a importância da sua participação na elaboração, na implementação e na avaliação das políticas públicas. O rol de direitos compreendidos pelo estatuto é objeto de estudo deste artigo, que reafirma a impor-tância dos programas voltados para a juventude serem acompanhados com avaliações constantes que escutem esses su-jeitos e contribuam com a consolidação dessa política ainda nova. No Brasil, quando falamos de projetos voltados para a juventude é notória a falta de escuta dos envolvidos para saber se de fato o que se propõe está sendo efetivado ou, ainda, se as propostas em questão interessam ao público alvo (adolescentes/jovens), além do pouco incentivo à participação juvenil, ainda que ela seja garantida pela legislação atual. Como garantir então, a participação de jovens nas políticas públicas desenvolvidas para a juventude?

Dentro desta conjuntura, esse artigo tem como objetivo discutir a importância da participação juvenil no contex-to das políticas públicas desenvolvidas para essa população. Para tanto, trazemos uma revisão bibliográfica relacionada à temática que será apresentada para embasar essa discussão.

De acordo com o Censo Demográfico de 2010 (IBGE, 2010), existe no Brasil uma população de 10.399.484 adolescentes com idade de 15 a 17 anos, sendo 4.283.720 moradores da região sudeste. Na idade de 20 a 24 anos, há um total de 13.454.058 jovens, sendo 5.800.848 residentes na região sudeste (IBGE, 2010). Comparando-se esses dados com aqueles do Censo de 2002, percebe-se um aumento significativo da população jovem/adolescente, que naquela épo-ca somava um total de 16.141.515 pessoas entre 15 e 24 anos (IBGE, 2002). O aumento do número de jovens no nosso país traz um grande desafio, principalmente no que tange à garantia de direitos. De acordo com Boghossiane e Minayo

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA. [email protected] Professora do Programa de Pós-Graduação em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA. [email protected]

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(2009), estamos aqui falando não somente de um peso numérico na população, mas em especial de um aumento da juventude empobrecida, com relações de trabalho muitas vezes precárias, o que gera uma preocupação de organismos multilaterais e do governo, abrindo mais fortemente o campo para a discussão da implementação de políticas públicas redistributivas orientadas às camadas mais fragilizadas da população. Ainda, segundo as autoras, “desenvolve-se cada vez mais a noção de que a legitimação das políticas e dos espaços de garantia de direitos depende da adesão dos jovens de diferentes segmentos sociais e da qualidade de sua participação” (BOGHOSSIANE; MINAYO, 2009, p. 412).

Atualmente, no Brasil, além do Estatuto da Criança e do Adolescente, essa parcela da população tem no Estatu-to da Juventude, promulgado em 2013, outro dispositivo legal que visa a assegurar a efetivação de seus direitos. O Es-tatuto da Juventude preconiza, entre seus princípios, no Artigo 2º, Inciso II, a “valorização e promoção da participação social e política, de forma direta e por meio de suas representações” (BRASIL, 2013). Porém, a participação juvenil ainda é pouco incentivada na sociedade, sendo uma novidade até mesmo para esse público.

O aumento da população jovem e o processo de afirmação desse público como sujeitos de direitos tem deman-dado a construção de políticas públicas que de fato entendam e atendam as demandas da juventude, que sejam capazes de dar voz e proporcionar uma participação efetiva e o empoderamento em todos os espaços a eles destinados.

Entretanto, esse princípio da participação deve acompanhar a elaboração, a implementação e a avaliação das políticas públicas voltadas para adolescentes e jovens. Isso nos leva a problematizar a necessidade de criação de me-todologias que proporcionem a participação juvenil capaz de interferir na política pública e nas questões vivenciadas por esses sujeitos.

Mas quem é essa juventude? Que política pública é essa destinada a esse público? Como de fato garantiremos essa participação cidadã? Qual a importância do processo avaliativo nessa garantia?

Adolescência/Juventude

Quando falamos de juventude, estamos nos referindo a um recorte da faixa etária que, hoje, pela legislação vigente, vai de 15 a 29 anos. Entretanto, uma parte da população nessa faixa etária, os adolescentes (faixa etária de 12 a 18 anos), já encontravam, no Estatuto da Criança e do Adolescente, um marco legal que balizava a discussão de seus direitos.

Segundo Carrano e Dayrell (2014), o começo da juventude, o que chamamos hoje de adolescência, é uma fase marcada por transformações biológicas, psicológicas e de inserção social. As mudanças psicológicas que se produzem nesse período, e que têm por correlato diversas mudanças corporais, levam a uma nova relação com os pais e com o mundo. Nesse momento, é necessário que o adolescente possa elaborar os seus lutos pelo corpo da criança, pela iden-tidade infantil e pela relação com os pais na infância (BUENO, 1998, p. 38).

Segundo Ávila (2005), um dos conceitos trazidos por Erik Erikson (1976) para explicar o momento de incerte-za das mudanças na adolescência é a “crise de identidade”. É na adolescência que a identidade psicossocial vai ganhar consistência.

Ampliando os conceitos da psicologia, Abramo (2005) entende que a vivência da juventude passa a adquirir sentido em si mesma e não mais somente como uma preparação, uma passagem para a vida adulta. Corroborando esta idéia, Carrano e Dayrell (2014) dizem que é comum a produção da imagem da juventude como transição, como este jovem que virá a ser um adulto e, comumente, ao pensar assim, muitos adultos passam a destituí-lo de suas identidades vividas no presente e focam na projeção do futuro. “A juventude constitui um momento determinado, mas que não se reduz a uma passagem” (CARRANO; DAYREL, 2014, p. 112).

De acordo com Mayorga (2013, p. 345), quando estudamos sobre juventudes é necessário “compreender fenô-menos psicológicos como a soma ou a média das manifestações psicológicas de muitos indivíduos”, abarcando o seu contexto e campo social, sem desconhecer sua atuação como sujeito jovem.

Nessa direção, é preciso expandir o olhar sobre a juventude, evitando homogeneizações indevidas, ou seja, partindo das diferenças vividas pelos jovens em seus contextos sociais. Se é preciso considerar a fase da adolescência

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e da juventude no desenvolvimento humano, também é importante compreender que os adolescentes e os jovens vivem as particularidades de seus contextos sociais e condições de existência. Nesse paradoxo, devemos também dizer que nos deparamos com adolescentes e adolescências, jovens e juventudes, no plural, na pluralidade das suas experiências em sociedade.

Outra característica comum a esta juventude é a necessidade da sociabilidade que, de acordo com Carrano e Dayrell (2014, p.118), “parece responder às suas necessidades de comunicação, de solidariedade, de democracia, de autonomia, de trocas afetivas e, principalmente, de identidade”.

A construção psicossocial dessa identidade do sujeito jovem passa pela associação aos seus pares, provoca-da, por exemplo, segundo Mayorga (2011), por incômodos relativos ao sentimento de injustiça ou pela vontade da construção da vida comum.

Sendo assim, a construção de identidade dos sujeitos jovens pode ser marcada pelos processos de parti-cipação cidadã juvenil, pois, ao participar efetivamente, o sujeito é levado a questionar injustiças e desigualdades sociais. Mayorga (2011) vai nomear esse questionamento de virada analítica. “Essa virada analítica é característica do pensamento crítico e muitos jovens vivem isso em contextos sociais diversificados. Tal virada certamente ganha força quando se dá de forma coletiva, compartilhada com outras pessoas” (MAYORGA, 2011, p. 32). Assim, o jovem que se engaja socialmente tem “no engajamento social, um locus privilegiado de transformação contínua de si e do mundo” (MAYORGA, 2011, p. 32).

Participação juvenil nas Políticas Públicas para a juventude: pressuposto de cidadania na sociedade democrática

Segundo Macêdo (2010), a partir da década de 1990, inicia-se um processo de organização para uma cons-trução de uma política direcionada à juventude.

Em um documento produzido pelo Conselho Nacional da Juventude em conjunto com a Secretaria Nacional da Juventude, são apontados os marcos dessa organização, incluindo a Semana Nacional da Juventude, realizada em 1993 e o “I Encontro Nacional de Técnicos em Juventude” realizado pela Fundação Movimento Universitário de Desenvolvimento Econômico e Social (Mudes), em 1995. Em 1997, no âmbito do governo federal, criou-se uma as-sessoria específica de juventude vinculada ao gabinete do Ministério da Educação. Em 1998, foi realizado o I Festival Nacional de Juventude, em Brasília, promovido pelo governo do Distrito Federal, entre outras propostas executadas. Entretanto, existe o reconhecimento (BRASIL, 2010) de que algumas propostas tenham sido de caráter de controle ou para o efeito compensatório de problemas, e não foram configuradas como políticas públicas, mas como ações promovidas pela sociedade civil e governo.

No ano de 2003, constituiu-se a primeira Comissão Especial de Políticas Públicas de Juventude na Câmara Federal (CEJUVENT), que, entre outras ações, elaborou documentos que serviriam de base para marcos legais como o Estatuto da Juventude. Pode-se considerar que a política pública para a juventude no Brasil foi implementada com a criação da Secretaria Nacional da Juventude (SNJ), em 2004, vinculada à Secretaria Geral da Presidência da Repú-blica e responsável direta pela formulação, acompanhamento e articulação dessa política pública. Em 2005, foi criado o Conselho Nacional de Juventude (CONJUVE) que tem, além do papel de formular e propor diretrizes voltadas à política pública da juventude, a função de fiscalizar, devendo “cobrar” do poder executivo a execução da política. Os dois órgãos são, portanto, importantes e fundamentais para se pensar e consolidar políticas para a juventude no Brasil.

Neste item, reconhecemos a importância desta fase de desenvolvimento e das influências locais e sociais que vão compondo as juventudes, que merecem a nosso ver um olhar diferenciado e políticas públicas específicas:

Nesta perspectiva, falar em políticas públicas de juventude é falar em desenvolvimento integral, considerando as várias dimensões da vida social. Aqui, vale lembrar que é im-possível desenhar e desenvolver uma política pública de juventude de corte transversal que não esteja baseada em conhecimentos sistemáticos e atualizados sobre as realidades

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juvenis - condições de vida, valores, comportamentos e expectativas - e de suas tendências de mudanças (BRASIL, 2014, p. 55).

Nos últimos documentos produzidos pelo CONJUVE e pela SNJ, considerar o jovem na sua totalidade é a recomendação sugerida ao se criar qualquer política pública para a juventude.

Outro avanço nas políticas para esse público é o Estatuto da Juventude, sancionado em 2013, após um proces-so que se inicia com a criação da Secretaria Nacional e do Conselho Nacional da Juventude:

Apesar dos avanços legais na esfera da garantia de direitos para adolescentes (12 a 18 anos) e jovens (15 a 29 anos) e da criação de instituições governamentais para o desenvolvimento de políticas a eles destinadas instauradas nas últimas décadas, é preciso reconhecer que ainda há muito que se fazer no campo das políticas públicas voltadas para esse grupo. De toda forma, o Brasil possui uma legislação avançada e protetiva para adolescentes e jovens. Citamos o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto da Juventude. (CARRANO; DAYRELL, 2014, p.105).

De acordo como o SNJ “o Estatuto da Juventude, fruto de quase dez anos de lutas e discussões do movimen-to juvenil”, aponta que os direitos sociais já previstos nas demais legislações, “sejam aprofundados para atender às necessidades específicas dos jovens, respeitando suas trajetórias e diversidades”, e inova assegurando novos direitos, “como o direito à participação social, ao território, à livre orientação sexual e à sustentabilidade” (BRASIL, 2014, p. 7).

A participação social passa então a ser direito da juventude no Brasil e ganha destaque desde os artigos ini-ciais. Já no seu artigo 2º, o Estatuto da Juventude aborda a questão da promoção da autonomia e emancipação juvenil, explicando no seu parágrafo único que essa emancipação se refere à “trajetória de inclusão, liberdade e participação do jovem na vida em sociedade” (BRASIL, 2012. Art. 2º, parágrafo único). Mas de que tipo de participação se está falando?

Um conceito importante que devemos estudar antes de adentrar na discussão específica da participação ju-venil, ou participação social (como os autores que discutem a juventude tem usado), é da Participação Política ou Participação Cidadã.

Participação um conceito a ser estudado

De acordo com Bobbio et al (1998), a terminologia Participação Política é usada para designar uma variada série de atividades que vão desde o voto à participação em uma reunião, à difusão de informações políticas. Para o autor, o substantivo e o adjetivo que compõem a expressão se prestam a interpretações diversas, “já que se pode parti-cipar, ou tomar parte nalguma coisa, de modo bem diferente, desde a condição de simples espectador mais ou menos marginal à de protagonista de destaque” (BOBBIO et al, 1998, p.4).

Para Ugarte (in COELHO; NOBRE, 2004), a noção de participação cidadã está fortemente determinada pela teoria da democracia. Desta forma, a democracia evoca a ideia de autogoverno e implica na liberdade positiva, isto é, a faculdade dos indivíduos de participarem na tomada das decisões que lhes dizem respeito. A democracia só é real se garantidos os direitos políticos (o de participação incluído) e os direitos e liberdade fundamentais. Além disso, só é possível o exercício da participação livre se garantidos os direitos sociais básicos, como à educação e à subsistência, pois a democracia é liberal e social ao mesmo tempo. O sujeito sustenta a liberdade quando tem o mínimo necessário para articular suas idéias, podendo responder aos problemas que a realidade impõe.

Quando falamos de sujeitos informados, vigilantes das coisas públicas, cidadão atento aos principais pro-

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blemas, capaz de escolher entre as diversas alternativas apresentadas pelas forças políticas e interessado em formas diretas ou indiretas de participação, segundo Bobbio et al (1998) estamos nos referindo ao que seria um “ideal demo-crático”.

Segundo Luchmann (2006), a concepção participativa da democracia está pautada na ampla participação dos cidadãos nos assuntos de interesse coletivo. Para o autor, as principais características da democracia participativa são: a) o resgate da ideia de soberania popular, decisões emergindo do coletivo; b) espaços públicos enquanto formadores de opiniões e da vontade; c) “o reconhecimento do pluralismo cultural, das desigualdades sociais e da complexidade social”; d) a criação de espaços públicos deliberativos e; e) a importância do formato e da dinâmica institucional (LU-CHMANN, 2006, p. 19).

Participação como elemento fundamental da cidadania para os jovens

A concepção participativa da democracia coaduna com a proposta de participação juvenil trazida pelas políti-cas públicas para a juventude. Luchmann (2006, p. 18), citando Pateman (1992), diz que

[…] a participação é educativa e promove, através de um processo de capacitação e cons-cientização (individual e coletiva), o desenvolvimento da cidadania, cujo exercício se confi-gura como requisito central na ruptura como o ciclo de subordinação e de injustiças sociais.

Para Carrano e Dayrell (2014), a participação remete à ideia de adesão das pessoas em agrupamentos produ-zidos nas variadas dimensões de organização da sociedade e “é por sua própria natureza, uma experiência educativa e formativa” (CARRANO; DAYRELL, 2014, p. 121).

No contexto de uma participação educativa (e não somente neste, como também de um sujeito cidadão com direito à participação), podemos voltar à discussão da participação juvenil no contexto da vigilância e defesa de direi-tos. Pela experiência participativa, os jovens podem vivenciar os processos de construção de pautas, projetos e ações coletivas, além da vivência de valores como a solidariedade e práticas de democracia, permitindo o aprendizado da alteridade, além da experimentação das habilidades discursivas, a oportunidade da convivência, do respeito às dife-renças e à liderança, vivenciados em processos participativos e decisórios (CARRANO; DAYRELL, 2014). Nesse sentido:

Os motivos que levam os jovens a se envolverem em ações sociais e políticas, coletivas e cidadãs são variados. Destacamos que nesse processo de envolvimento para a participação nem sempre os jovens possuem consciência absoluta acerca dos motivos que os levam a participar em tantos espaços: comunidade, escola, grêmios estudantis, grupos e movimentos culturais, redes de comunicação e Internet, ativida-des audiovisuais, grupos esportivos etc. Isso porque o engajamento para a participa-ção é um processo contínuo e não linear, processual e inacabado, no qual os sujeitos históricos se constroem e reconstroem a cada instante (MAYORGA, 2011, p. 32).

No entanto, aqui, lembramos que a participação hoje é um direito adquirido e preconizado pela política públi-ca para a juventude, no Brasil, mesmo que ainda seja um desafio posto pelas diferentes políticas que trabalham com esse público. De acordo com o SNJ:

[...] atualmente, a participação da juventude é considerada um eixo estruturante no desenho

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das políticas sociais, devido à difusão do paradigma do jovem como sujeito de direito. Não mais objeto de tutela ou apenas beneficiário das ações do Estado, mas sim parceiro na for-mulação e implementação das políticas que lhe diz e lhe deve respeito. Porém, avançar da afirmação deste princípio democrático ao ato efetivo de participação da juventude, em todas as etapas das políticas em curso, constitui, ainda, um desafio (BRASIL, 2014, p. 99).

Para Diógenes (2009, p. 276), “as formas de participação política têm trilhado passos no campo da construção do que se poderia denominar de cultura política de juventude, fora de espaços partidários e das instâncias formais de participação política”. Para garantir então a participação juvenil da geração atual é necessário, segundo Cassab (2009, p. 210):

Denunciar o silêncio que os emudece e desqualifica, produzir alternativas de reconheci-mento, por meio do enriquecimento das narrativas da experiência concreta desta geração, reconhecer as possibilidades de sua efetiva participação social através do dissenso que os qualifica como interlocutores válidos, reconhecendo sua condição de sujeitos e cidadãos, são os caminhos da política. Através da ação política.

Para se pensar a participação juvenil é indispensável pressupor que as modificações nas formas e conteúdo da participação são motivadas pelas novas configurações sociais e políticas no Brasil, que interferem nas motivações e condições objetivas que podem favorecer ou inibir os processos de participação, hoje direito fundamental da popula-ção jovem no Brasil.

Estudar participação juvenil é discutir esse direito fundamental, conjugado ao acesso a todos os outros direi-tos. Os processos participativos tendem a ser inclusivos e poderão inserir de fato, o jovem na sociedade, desde que as políticas públicas, de saúde, educação, assistência, trabalho, dentre outras, garantam os direitos básicos dessa faixa etária é estejam abertas aos processos de participação.

Hoje, a juventude no Brasil é retratada, principalmente pela mídia, como um grave problema social, associada ao uso abusivo de droga e à violência. Se pobre e negro, a estigmatização social é ainda mais perversa, sem considerar que estes jovens são ainda mais vítimas das mais variadas violências sociais (BATISTA, 2009).

De acordo com Nogueira (2011), impulsionar a participação dos jovens é um dos requisitos contrários à perpetuação da exclusão social. Pelo protagonismo pode-se oferecer chances de reconstrução da experiência pessoal, com práticas positivas de participação, “num posicionamento contrário à privação de capacidades e focadas em ações participativas de cooperação e de autogestão” (NOGUEIRA, 2011, P. 110).

Ora, vale ressaltar aqui que quando falamos da importância da participação, não estamos delegando ao jovem que vivencia esse processo a resolução de todos os problemas sociais que marcam hoje a juventude no Brasil. Silva (2010) nos alerta sobre os riscos do discurso que coloca o jovem no lugar do protagonista, que, independentemente do seu nível social e suas dificuldades, seria “capaz de superar as adversidades, resistir às pressões, modificar o seu entorno, adaptar-se constantemente às exigências do mundo atual”, o que nem sempre se faz realidade (SILVA, 2010, p. 16).

Participação e Avaliação da Política Pública

Mas como avaliar se essa participação está de fato acontecendo dentro da Política Pública? De acordo com Furtado (2001), podemos optar, dentro do campo da avaliação, por uma abordagem que se centra em todos os atores envolvidos no processo, diferentemente das avaliações clássicas comumente utilizadas na avaliação de projetos e programas, sem priorizar os valores e pontos de vista dos envolvidos, garantindo a participação. O ideal seria uma avaliação que

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[…] apresente uma real preocupação com a utilização dos resultados do proces-so investigativo e que se utilize de métodos voltados para o estudo do fenômeno in situ, lançando mão de instrumentos provenientes da etnografia, antropologia e sociologia, nos parece mais apropriado para a superação de algumas questões da avaliação clássica […] (FURTADO,2001, p. 170).

Ou seja, nesse momento de avaliação dos programas desenvolvidos para a juventude, se faz necessário escutar, além dos técnicos e gestores envolvidos, seu público alvo, garantindo desde esse momento a parti-cipação juvenil.

Participando da avaliação da política, o jovem pode indicar para os gestores caminhos reais para o desenvol-vimento de programas que atendam às suas demandas e, consequentemente, promovam a sua participação nas diversas instâncias envolvidas, processo esse que implica numa gestão não somente pública, mas, sim, numa gestão social.

De acordo com Tenório (1998), Gestão Social é aquela gestão que possui um gerenciamento participativo, com predomínio do diálogo e na qual a tomada de decisão é feita pelos diferentes sujeitos sociais envolvi-dos. Segundo o autor, para haver gestão social é imprescindível igualdade política e decisória. A gestão so-cial, segundo Cançado, Tenório e Pereira (2001), aparece como um conceito novo e ainda muito abrangente. Porém, de acordo com Maia (2005), pode-se encontrar similaridades nas principais concepções de estudio-sos desta área, sendo que democracia e cidadania surgem como conceitos fundamentais da gestão social.

Com afirma Maia (2005), a gestão social pode ser compreendida como um conjunto de processos sociais com potencial viabilizador do desenvolvimento societário emancipatório e transformador. É fundada nos va-lores, práticas e formação da democracia e da cidadania, em vista do enfrentamento às expressões da questão social, da garantia dos direitos humanos universais e da afirmação dos interesses e espaços públicos como padrões de uma nova civilidade (MAIA, 2005, p. 15-16). Nessa visão, a Gestão Social está intimamente ligada aos processos de participação e protagonismo.

Considerações finais

Como vimos, a política para a juventude no Brasil é relativamente nova, assim como o reconhecimento do jovem como sujeito de direito, e ainda está em processo de legitimação e reconhecimento na sociedade. Nesse sentido o Estatuto da Juventude, recentemente promulgado, torna-se um importante instrumento para essa população.

A partir das novas diretrizes e instrumentos legais, a partir da Secretaria e do Conselho Nacional da Ju-ventude, é fundamental respeitar a diversidade de juventudes que temos, hoje, no Brasil e trazer os jovens para a discussão do planejamento, implementação e acompanhamento dos programas e projetos para eles desenvolvidos, buscando a sua participação efetiva. Caso contrário não será cumprido o desafio maior, que é garantir, na sua pluralidade e no seu jeito de ser, a inclusão do sujeito para quem aquele programa é desti-nado, nas suas práticas cotidianas.

A participação juvenil poderá sair de um discurso vazio para ser uma realidade de fato se construirmos es-paços de diálogo e democráticos, que contemplem a participação cidadã e o respeito aos diferentes sujeitos jovens.

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G E S TÃ O D A P R Á T I C A D O C E N T E : O E N S I N O D A M A T E M Á T I C A N A E D U C A Ç Ã O S U P E R I O R

André Felipe de Almeida Xavier1

Áurea Regina Guimarães Thomazi2

Resumo

Diante do alto número de reprovações nas disciplinas de Matemática nas Instituições de Ensino Superior e da dificul-dade historicamente apresentada pelos alunos, faz-se necessário um estudo aprofundado da prática docente dessa disci-plina, identificando os aspectos preponderantes, segundo a ótica do próprio aluno, que contribuem para uma boa gestão da prática docente. É importante levar em conta a importância de práticas inovadoras para o desenvolvimento dessa disciplina, assim como analisa-las a partir de um olhar filosófico, indo além da prática repetitiva e abordando diversas formas questionadoras de pensar e fazer. Esta abordagem filosófica permite ao aluno questionar os problemas relativos à sua prática acadêmica e profissional. Escutar o que os alunos vislumbram de um bom professor de Matemática no ensino superior é importante, pois demonstra que não basta somente dominar o conteúdo ministrado, é necessário estar atento a diversos aspectos que contribuem para uma docência mais próxima de uma gestão social.

Palavras-chave: Ensino da Matemática. Avaliação. Prática Docente.

Introdução

O cenário da educação pública no Brasil, segundo Fonseca (2006), é de qualidade duvidosa. Isso acontece porque os currículos são engessados e conteudistas. Esse cenário se reflete diretamente no ensino da Matemática. Romanowski (2008) e Freire (2002) dizem que o conhecimento deve ser construído em conjunto, em vez de ser pré-transmitido, e com o objetivo de desenvolver o aluno nas dimensões humana, cultural, científica e tecnológica. Além desses aspectos, para o desenvolvimento discente, o professor deve estar atento à utilização de inovações nesse processo de aprendizagem. Segundo Carbonell (2002), o desenvolvimento da inovação acontece quando o professor exerce sua prática com paixão e compromisso pela docência, com o objetivo de construir uma relação mais estreita entre o ele, o conteúdo e seu aluno.

É um grande risco categorizar a Matemática como ciência, pois esta está em constante transformação, não somente fazendo contas e demonstrando teoremas, mas como uma ferramenta que envolve diversos outros conhecimentos. Se-gundo Silva (2007), a Matemática é uma fonte inesgotável de saberes, requerendo assim um contexto filosófico para sua abordagem, a filosofia Matemática, cujo objetivo é colher essas questões. A filosofia na Matemática é importante para manter viva a busca pela realidade na qual o indivíduo está inserido.

Os procedimentos da Filosofia, caracterizados como abrangência, sistematicidade das análi-ses críticas e hermenêuticas e pelo trabalho de reflexão constante, são tomados como norte também na investigação efetuada pela Filosofia da Educação Matemática. São princípios de

1 Mestre pelo PPG em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA. Professor de Cálculo Diferencial para cursos de Engenharia no Centro Universitário UNA. Professor efetivo de Matemática da Rede Municipal de Conta-gem. [email protected] Professora do PPG em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA. [email protected]

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procedimentos, os quais ganham nuanças e formas, de acordo com as próprias concepções de mundo e de conhecimento presentes nas escolas ou linhas filosóficas assumidas (BICU-DO, 2009. p. 234.).

A Matemática é a disciplina que envolve o raciocínio lógico e abstrato. Sua aplicação deve visar tirar o aluno do co-modismo da sala de aula, objetivando torná-lo um agente ativo e interessado. Para tal, é necessário que o aluno des-construa a imagem de que a Matemática é uma ciência. O professor desempenha papel fundamental nessa construção, porém um possível fracasso acaba ficando a cargo do aluno, ainda mais quando este diz que não é bom em Matemática. Para isso, D’Ambrósio (2001) afirma que o professor tem de criar um ambiente propício para o aprendizado, engajan-do os alunos na análise crítica da cultura por meio da linguagem matemática.

Para que esse professor consiga ensinar a Matemática com uma abordagem filosófica, fomentando a criticidade em seus alunos e preocupado em formar cidadãos, ele não pode apenas se preocupar em dominar o conteúdo e repassá-lo. Fazem-se indispensáveis diversos outros quesitos necessários para o desenvolvimento de uma prática docente de qua-lidade, preocupada com o desenvolvimento acadêmico, profissional e pessoal do aluno.

Para que essa prática docente de Matemática seja adequada, nada melhor do que ouvir os próprios alunos relatarem o que eles esperam desse professor. Agindo dessa forma, o professor estará favorecendo todos os alunos, cada qual com a sua demanda. A partir dessa mudança no seu comportamento, o professor estará organizando e gerenciando suas aulas de forma que beneficie todos os seus alunos, exigindo assim a participação e o diálogo. Aplicando essas premissas na sua docência, o professor estará gerindo socialmente suas aulas. Segundo Cançado, Tenório e Pereira (2011), a Gestão Social é um processo gerencial dialógico, uma vez que a autoridade decisória do processo deverá ser compartilhada entre os demais participantes da ação.

É importante salientar que a Gestão Social vai muito além das políticas públicas, pois visa a estabelecer articulações entre ações de intervenção e de transformação do campo social e não fica restrita ao campo governamental (Cançado, Tenório e Pereira. 2011). Vistos esses conceitos de Gestão Social, vale notar que as universidades são espaços abertos onde esses processos são possíveis, seja dentro dela, nas mais diversas salas de aula dos cursos, ou fora dela, em pro-jetos e ações sociais.

Procedimentos metodológicos

Para melhor investigar o problema levantado nesta pesquisa, utilizou-se a abordagem essencialmente quantitativa, a fim de identificar os fatores preponderantes para que as práticas pedagógicas de docentes de Matemática sejam desta-cadas segundo a ótica dos próprios alunos.

Optou-se por esse tipo de abordagem, pois contempla medidas quantificáveis de variáveis e inferências a partir da amostra de uma população (GIL, 2008). Dessa forma, o instrumento utilizado para determinar essa abordagem são os questionários.

O desenho do estudo foi realizado de forma exploratória, a fim de proporcionar maior familiaridade com o problema, com o intuito de torná-lo mais claro. Segundo Gil (2008), as pesquisas exploratórias têm como principal finalidade de-senvolver, modificar e esclarecer conceitos, paradigmas e ideias. Para os questionários, utilizou-se a estatística como ferramenta para a análise.

Os questionários foram aplicados em uma instituição privada de ensino superior junto a alunos de diversos cursos de graduação que cursam a Matemática e suas disciplinas afins, como Cálculo e Estatística, como parte dos componentes curriculares. Os cursos escolhidos para essa abordagem foram: Engenharia (Civil, Elétrica, Mecânica e Produção), Psicologia, Direito, Pedagogia, Ciências Contábeis, Administração, Gestão de Recursos Humanos e Gestão da Produ-ção Industrial. Os questionários foram aplicados pelo próprio pesquisador, buscando uma amostra com variação de 20 a 30 alunos em cada curso.

A pesquisa de campo abordada consistiu na aplicação de questionários aos discentes de uma instituição privada, a fim de se analisar os parâmetros que estes julgam necessários para avaliar especificamente os professores de Matemática e áreas afins (cálculo e estatística dentre outros).

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O critério utilizado para a escolha dessa instituição foi o fato de ela ter sido eleita pela 4ª vez o melhor Centro Univer-sitário privado de Minas Gerais e pelo 4º ano consecutivo foi apontada como o melhor Centro Universitário privado de Belo Horizonte (INEP/MEC 2014). Além disso, a instituição possui 52 anos atuantes no mercado mineiro e foi escolhida, pelo 4º ano consecutivo, a instituição de ensino entre as 100 melhores para trabalhar no Brasil, segundo a revista Great Place to Work, nos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014. São 10 campi que oferecem cursos em diversas áreas de conhecimento.

Por meio da utilização de questionários, pretendeu-se realizar o levantamento de dados de uma amostra da população de estudantes de nível superior, com a finalidade de identificar quais critérios são importantes para avaliar um profes-sor de Matemática. Dessa forma, os dados serão apresentados em forma de gráficos e tabelas.

O que os discentes consideram importante na prática docente de matemática?

Importância da Matemática para seu curso de graduação

A primeira pergunta abordada no questionário tratou da importância da Matemática no respectivo curso superior do estudante, adotando-se uma escala de 1 a 5 (considerando-se 1 pouco importante e 5 muito importante).

Antes de se fazer a análise dos dados dessa pergunta, é importante mostrar a Matemática em seu papel formativo, segundo o PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais), do Ministério da Educação (BRASIL, 1999, p. 251):

Em seu papel formativo, a Matemática contribui para o desenvolvimento de processos de pensamento e a aquisição de atitudes, cuja utilidade e alcance transcendem o âmbito da pró-pria Matemática, podendo formar no aluno a capacidade de resolver problemas genuínos, gerando hábitos de investigação, proporcionando confiança e desprendimento para analisar e enfrentar situações novas, propiciando a formação de uma visão ampla e científica da rea-lidade, a percepção da beleza e da harmonia, o desenvolvimento da criatividade e de outras capacidades pessoais.

Analisando-se os dados coletados, é importante verificar que os alunos dos cursos de engenharia responderam predo-minantemente na escala 5 (muito importante), com um percentual altíssimo nessa categoria, enquanto os dos outros cursos, como Pedagogia, Administração e Ciências Contábeis, também obtiveram maioria nessa categoria, mas não com um percentual tão expressivo quanto aos apresentados pelos cursos de engenharia.

Gráfico 1 – A importância da Matemática na formação dos diferentes cursos

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Fonte: dados da pesquisa.

A partir dessa análise geral, os dados são apresentados com mais detalhe sobre cada uma das categorias de estudantes, a fim de se entender melhor os dados coletados.

Nos cursos tecnólogos de Gestão de Recursos Humanos (GRH) e Gestão da Produção Industrial (GPI), os alunos esco-lheram a categoria 4 na escala de importância da Matemática nos respectivos cursos. Porém, esses resultados não são tão expressivos, uma vez que as categorias 3 e 5 também obtiveram resultados próximos aos demais, conforme dados apresentados nos Gráfico 2 e 3.

Gráfico 2 – A importância da Matemática na formação dos alunos do curso GRH

Fonte: dados da pesquisa.

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Gráfico 3 – A importância da Matemática na formação dos alunos do curso GPI

Fonte: dados da pesquisa.

Os alunos dos cursos de Direito e Psicologia foram aqueles que deram menos importância para a Matemática em rela-ção a sua formação superior. Os alunos do curso de Psicologia, em sua grande maioria, escolheram a escala de pouco importante, totalizando um percentual de 48,15% destes. Outra grande fatia, 37,04%, escolheu a categoria 2 na escala de importância. No curso de Direito, a maioria dos alunos escolheu a categoria 2, totalizando 36,67% dos respondentes, quase empatando com a categoria 3, que representou 33,33% dos respondentes.

Analisando-se os resultados finais obtidos nessa pergunta, por meio da realização de uma média aritmética simples pode-se concluir que a Matemática é muito importante na formação superior de 59,83% dos alunos, número fortemente impulsionado pelos cursos de Engenharia, Administração e Ciências Contábeis. As categorias 4 e 3, respectivamente, são as que, em seguida, possuem maior percentual de votos, apresentando 13,93% e 12,28%. Por último, ainda segundo o mesmo critério utilizado, nas categorias 1 e 2 houve um percentual inferior a 10% cada um.

Qual fator é mais importante em relação ao professor de Matemática para seu aprendizado?

Todos os alunos dos cursos pesquisados consideraram o domínio do conteúdo como fator preponderante do professor de Matemática para potencializar o aprendizado do aluno. Os demais quesitos: relacionamento com os alunos, uso de tecnologias e formação profissional obtiveram escolhas pouco significativas em relação ao resultado apresentado. Segue a apresentação do Gráfico 4 com os resultados alcançados em todas as categorias, de forma comparativa, a fim de se demonstrarem, de forma clara, as escolhas realizadas pelos alunos.

Gráfico 4 – Qual fator é mais importante no professor de Matemática para seu aprendizado? – Por curso

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Fonte: dados da pesquisa.

No curso de Direito obteve-se boa representatividade, aproximadamente 35% no quesito “uso de tecnologias”, resultado próximo ao quesito mais votado, domínio do conteúdo.

Analisando-se o quesito formação profissional, é importante enfatizar que os alunos consideraram para responder a essa pergunta não só o diploma de graduação do professor, mas também os títulos de pós-graduado, mestre e até mesmo doutor.

Numa análise geral, através do cálculo da média aritmética, segue o resultado de cada quesito em relação ao fator mais importante do professor de Matemática para o aprendizado do aluno.

Gráfico 5 – Qual fator é mais importante no professor de Matemática para seu aprendizado? – Média Aritméti-ca

Fonte: dados da pesquisa.

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Importância de o professor de Matemática ter vivência na área profissional em que está lecio-nando.

Ao serem questionados, os alunos dos 11 cursos de graduação pesquisados foram categóricos ao responderem sim em relação à importância de o professor de Matemática possuir vivência no curso em que está lecionando. Os dados a seguir ilustrarão melhor as preferências de cada curso e o respectivo percentual de escolha de cada alternativa.

Gráfico 6 – Importância da vivência do professor de Matemática na área profissional onde está lecionando – Por curso

Fonte: dados da pesquisa.

Analisando-se os dados do Gráfico 6, podem-se destacar os cursos de Direito, Pedagogia e Engenharia Civil, em que quase 90% dos alunos responderam sim. Por outro lado, os estudantes dos cursos de Psicologia e Engenharia Mecânica escolheram cerca de 40% o quesito não.

De forma geral, mais uma vez realizando-se o procedimento da média aritmética, um pouco mais de 75% dos alunos de todos os cursos preferiram a alternativa sim, conforme representação no Gráfico 7.

Gráfico 7 – Importância da vivência do professor de Matemática na área profissional em que está lecionando – Média Aritmética

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Fonte: dados da pesquisa.

Primeira reação em relação à Matemática.

Os alunos, ao serem questionados a respeito à primeira reação em relação à Matemática, foram enfáticos ao responde-rem, em quase todos os cursos, que possuem dificuldade, com exceção os alunos do curso de Engenharia Mecânica, com uma escolha de 46,67% do quesito prazer.

É importante destacar que nos cursos de Engenharia Mecânica, Engenharia Elétrica e Engenharia Civil os quesitos prazer e dificuldade apresentaram um equilíbrio muito grande, de acordo com as respostas apresentadas pelos alunos. Analisando-se os resultados mais expressivos dá-se importante destaque para os alunos dos cursos de Engenharia de Produção, Pedagogia e Gestão de Recursos Humanos, em que o quesito dificuldade obteve percentual acima de 70%. Os dados do Gráfico 8 ilustrarão melhor as preferências de cada curso e o respectivo percentual de escolha de cada alternativa.

Gráfico 8 – Primeira reação em relação à Matemática – Por curso

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Fonte: dados da pesquisa.

Partindo-se de uma análise generalizada utilizando o procedimento da média aritmética como ferramenta para determi-nar o resultado de todos os cursos pesquisados, percebe-se que a grande maioria das respostas ficou no quesito dificulda-de, com quase 62% das preferências, seguido pelo quesito prazer, com quase 26% das escolhas, conforme informações apresentadas no Gráfico 9.

Gráfico 9 – Primeira reação em relação à Matemática – Média Aritmética

Fonte: dados da pesquisa.

Êxito acadêmico e profissional mesmo com uma prática docente insatisfatória.

Ao serem perguntados se os discentes conseguiriam obter êxito acadêmico e profissional mesmo com um professor de Matemática que não apresente uma boa prática pedagógica, estes foram enfáticos, em todos os cursos, respondendo a

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alternativa não.

Segundo Azanha (2004), um bom professor seria aquele capaz de dominar a arte de ensinar, sendo responsável pelo processo ensino-aprendizagem, ter domínio do conteúdo e relacioná-lo com a vivência do aluno. Para Cunha (1996), a característica que se destaca em um bom professor é a afetividade.

Nesse aspecto, é importante destacar os cursos de Engenharia Mecânica e Engenharia Civil com percentuais próximos a 90%. Os cursos de Administração e de Gestão de Produção Industrial foram os cursos que apresentaram os percentuais mais baixos, 69,57% e 63,64%, respectivamente. O Gráfico 10 ilustra as escolhas nesse quesito por curso, enquanto o Gráfico 11 demonstra a média aritmética de todos os cursos.

Gráfico 10 – Você acha que consegue ter êxito acadêmico e profissional mesmo com um professor que não apre-sente uma boa prática docente de Matemática? – Por curso

Fonte: dados da pesquisa.

Analisando-se os dados de forma geral e utilizando-se a média aritmética como ferramenta estatística para a análise des-ses dados, nota-se que a grande maioria dos estudantes escolheu o quesito não, mesmo nos cursos nos quais a Matemá-tica é menos presente, como psicologia e pedagogia, com uma representatividade de um pouco mais de 80%, enquanto o quesito sim obteve quase 20% na votação, conforme representado no Gráfico 11.

Gráfico 11 – Você acha que consegue ter êxito acadêmico e profissional mesmo com um professor que não apre-sente uma boa prática docente de Matemática? – Média aritmética

Fonte: dados da pesquisa.

Maior responsável pelo fracasso acadêmico do aluno.

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Ao serem perguntados quem é o maior responsável por um possível fracasso acadêmico do aluno, 10 dos 11 cursos pesquisados escolheram a alternativa “aluno” para resposta a essa pergunta, com destaque para os 4 cursos de engenha-ria, com um índice de mais de 90% nas respostas. Os cursos que apresentaram menor percentual nesse quesito foram Administração e Gestão da Produção Industrial, com um pouco menos de 70% das escolhas.

No curso de Pedagogia, os alunos escolheram a alternativa “professor” como responsável por um possível fracasso aca-dêmico dos alunos, com uma representatividade de 76,67% das escolhas. Nessa dimensão das escolhas dos respectivos cursos, o curso que teve o segundo maior percentual foi Psicologia, com um percentual de 25,93%.

Para melhor análise dos dados coletados o Gráfico 12 ilustra a escolha dos alunos em cada quesito por curso, e o Gráfico 13 ilustra a escolha dos alunos de forma geral, utilizando-se a média aritmética para análise e construção desses dados.

Gráfico 12 – Quem é o maior responsável por um possível fracasso acadêmico do aluno? – Por curso

Fonte: dados da pesquisa.

Percebe-se que quase 75% dos alunos do curso de Pedagogia entendem que um possível fracasso do aluno é de res-ponsabilidade do professor, fato que se repete nos cursos de Psicologia e Administração com pouco mais de 20% e nos cursos de Ciências Contábeis, Gestão de Recursos Humanos e Gestão da Produção Industrial com percentuais próximos a 10%. Além disso, é importante notar que os alunos dos cursos de Gestão da Produção Industrial responderam, com uma representatividade de cerca 20%, que a Instituição é responsável por um possível fracasso acadêmico do aluno.

Gráfico 13 – Quem é o maior responsável por um possível fracasso acadêmico do aluno? – Média aritmética

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Fonte: dados da pesquisa.

Mesmo percebendo nos resultados apresentados que quase 80% dos alunos se vêem como responsáveis por um possível fracasso acadêmico, o professor deve estar sempre atento em dar aos alunos as ferramentas metodológicas, tecnológicas e inovadoras necessárias para aperfeiçoar o processo de aprendizagem. Dessa forma, esses alunos estarão mais bem preparados e, diante de um possível fracasso acadêmico, terão a consciência de não culparem os docentes por possíveis fracassos, devido a todas as ações realizadas previamente.

Considerações finais

O presente artigo apresentou o relato e uma breve análise de alguns itens abordados nos questionários, com uma amostra de alunos de diferentes cursos de nível superior de uma instituição privada de ensino. Os questionários foram aplicados em obediência aos requisitos postos pela resolução 466/2012 para a realização de pesquisa com seres humanos, confor-me parecer 756.408, consubstanciado pelo CEPE (Comitê de Ética e Pesquisa). Nestes questionários viram-se quesitos que os alunos julgam importantes para uma boa prática docente de Matemática no ensino superior.

Percebe-se que a maioria dos alunos, em destaque àqueles das engenharias, gosta de Matemática ou de suas disciplinas afins. Porém, muitos desses alunos declararam que possuem grande dificuldade.

É evidente que a grande maioria desses alunos sabe que a Matemática é importante para sua formação superior. A maioria dos alunos respondeu positivamente a essa pergunta, salvo os alunos dos cursos de Direito, Pedagogia, Gestão de Recursos Humanos e Gestão de Processos Industriais. Ao se realizar uma média, percebe-se que a maioria nota essa importância, resultado impulsionado pelos cursos de Engenharia, Administração e Ciências Contábeis.

Analisando-se a importância dos conteúdos matemáticos relacionados à formação profissional do aluno, fica recorrente a baixa expressividade desta nos cursos de Direito, Pedagogia, Gestão de Processos Industriais e Gestão de Recursos Humanos, este último com percentual apresentado de 0% (zero por cento). Analisando-se, de forma conjunta todos os cursos pesquisados, o relato apresenta um resultado em que metade dos entrevistados acha muito importante esse que-sito.

Convém então relatar que, em quase sua totalidade, os alunos percebem que uma gestão da prática docente de Mate-mática no ensino superior pode mudar a opinião do aluno em relação à disciplina, uma vez que, como já foi retratada, a maioria deles vê a Matemática como difícil, mas importante para a prática profissional.

Considerando-se a prática docente, é notória e recorrente a palavra didática, tanto analisando e relatando os questio-nários, quanto nas entrevistas. Ao mencionarem a palavra didática, através do relato apresentado, percebe-se que os

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alunos elegem um conjunto de características para que o professor consiga ministrar bem suas aulas. As características apresentadas pelos alunos que complementam a didática são: boa dicção, paciência, controle da sala de aula, exercícios contextualizados, maneiras diferentes de explicar o mesmo conteúdo, dentre outros. Outro aspecto importante relatado pelos questionários é o fato de os alunos darem mais importância ao domínio do conteúdo pelo professor (74,03%) em detrimento do uso de tecnologias, relacionamento com os alunos e formação profissional. É importante salientar que nesse relato os alunos não só contemplaram as características relacionadas ao professor, mas também quesitos que abrangem a própria aula ministrada, os materiais didáticos e o ambiente em sala de aula.

Por fim, é importante perceber que os alunos relataram aspectos que julgam importantes para que os professores te-nham práticas docentes mais próximas do que se define como gestão social e muito desses quesitos não são contempla-dos pelas avaliações institucionais. Fica nítida a oportunidade de ver além do que avaliam as instituições, em especial a aqui pesquisada, pois alguns quesitos contemplados, como inovação, utilização de sistemas de informação para pu-blicação de conteúdos e atividades, interdisciplinaridade e abordagem a questões da atualidade não são recorrentes nos relatos apresentados, tanto nos questionários quanto nas entrevistas. É a oportunidade de perceber qual é a demanda dos alunos, estes mesmos que são extremamente conectados, mas que acham mais importantes, além do domínio do conteúdo e a didática, incluindo aí a relação professor aluno com espaço para o diálogo e uma escuta respeitosa do professor em detrimento ao uso inovação e tecnologias.

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A RELAÇÃO DE RECIPROCIDADE ENTRE A FORMAÇÃO / EDUCAÇÃO CRÍTICA E A PRÁTICA DA GESTÃO SOCIAL

Rafael de Lima Vieira1

Lucília Regina de Souza Machado2

Resumo

O artigo apresenta resultados de um estudo de caráter bibliográfico, que teve o objetivo de analisar e discutir a reciprocidade entre os processos formativos / educacionais orientados pela perspectiva crítica e as práticas de gestão social. Ao discutir a ligação de recíproca dependência que há entre esses processos considera o auxílio mútuo que exercem e a perspectiva da convergência que possam ter em direção a finalidades comuns. Tanto o campo da educação como o da gestão social se propõem a ser espaços de constituição de relações sociais cidadãs, para a qual esperam contribuir com reflexões, questionamentos, análises que explorem fatos e possibilidades, à luz do olhar indagativo e investigativo. Essa interpenetração, por sua vez, pela ação recíproca exercida, gera movimento, desenvolvimento, transformações qualitativas. Contudo, é na prática social que a materialização desse processo dialético se efetiva, o que requer que os dados a que se chegou com este estudo sejam confrontados com a realidade empírica.

Palavras-chave: Educação crítica. Gestão social. Relação dialética.

Introdução

No presente artigo, objetiva-se discutir a ligação de recíproca dependência que há entre formação / educação crítica e gestão social. Isso significa que tais atividades convergem para finalidades comuns tendo por base o auxílio mútuo.

Nos dias atuais, tanto a educação como os processos de gestão social se deparam com questionamentos e dúvidas sobre suas perspectivas quanto ao que se deve fazer e como realizar a condução dos sujeitos para que possam, no percorrer da sua vida pessoal e social, alcançar metas que se acreditam ser as mais adequadas ao desenvolvimento social.

Tanto o campo da educação como o da gestão social se propõem a ser espaços de constituição de relações sociais cidadãs, para a qual esperam contribuir com reflexões, questionamentos, análises que explorem fatos e possibilidades, à luz do olhar indagativo e investigativo.

1 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA. Endereço eletrônico: [email protected] Professora do Programa de Pós-graduação em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA. [email protected]

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Pessoas ligadas ao campo da educação e da gestão social se perguntam sobre como efetivar seus propósitos de construção de uma sociedade mais aperfeiçoada considerando-se a permanência e até o agravamento das contradições sociais, a despeito das conquistas realizadas pela humanidade com relação à produção de mais e mais informação, dos avanços científicos e tecnológicos.

Busca-se, assim, a compreensão acerca da formação de sujeitos capazes de romper com a tendência de buscar respostas ou resultados imediatos sem percorrer o caminho da observação cuidadosa, do confronto das ideias e da reflexão crítica. Capazes de direcionar um novo olhar tanto para si como para o território que habitam, de pensar ideias que levem a ações inovadoras, de se comprometerem com a transformação da realidade explorando as possibilidades do desenvolvimento local.

Tanto a educação como a gestão social se apresentam como práticas que se propõem a contribuir para a alteração de estado de coisas. Reclamam por protagonistas que sejam atuantes, participativos, críticos e capazes de se posicionarem propositivamente frente aos acontecimentos e circunstâncias existentes.

No contexto da totalidade social, das condições materiais da existência e do processo mais geral das transformações da sociedade, educação e gestão social estão em conexão, alimentam-se mutuamente, são co-dependentes, relações que se expressam de diferentes formas, casuais ou necessárias, positivas ou negativas.

Educação e criticidade

A educação é prática social elementar na formação do indivíduo. Não ocorre simplesmente por meio do repasse de ideias, mesmo que caras à sobrevivência e à inserção de cada um no espaço social ao qual pertence. Não se reduz ao ensino ou aprendizagem de conteúdos da matemática, das línguas, das ciências ou de outras matérias. Lembra Marx, no ‘O Capital’, que “Para evitar a degeneração completa do povo em geral, oriunda da divisão do trabalho, recomenda A. Smith o ensino popular pelo Estado, embora em doses prudentemente homeopáticas” (MARX; ENGELS, 2011, p.36). Realizar atividades diversas e estabelecer relações práticas com o mundo são condições fundamentais para que os indivíduos desenvolvam-se multilateralmente como seres com características de universalidade e isso pressupõe processos educativos que não se limitam ao espaço escolar.

Brandão afirma que

Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender e ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação (BRANDÃO, 1985, p.07).

Compreender a educação e suas várias facetas é elementar para que se possa entendê-la e transformá-la. No mundo atual, busca-se, pelo menos como formulação abstrata, uma educação por meio da qual o sujeito possa participar da construção do seu próprio conhecimento e, de forma consciente, dela se servir para transformar a realidade em que vive. Uma educação que contribua para romper com a passividade diante do mundo em que é lançado ao nascer, para o qual deve responder se as condições dadas são aceitáveis ou não. A essa educação se atribui o qualificativo de crítica. Realizar essa educação é um problema desde sempre, que ganha contornos mais urgentes na contemporaneidade.

O qualificativo crítico tem recebido inúmeras definições. Sua polissemia e inúmeras possibilidades de compreensão se mostram evidentes nas diversas áreas em que se apresenta. De acordo com o Dicionário

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Michaelis (2009), na definição da palavra crítica podem entrar os seguintes significados:

1 Apreciação minuciosa. 2 Apreciação desfavorável. 3 Censura, maledicência. 4 Discussão para elucidar fatos e textos. 5 Exame do valor dos documentos. 6 Arte ou faculdade de julgar o mérito das obras científicas, literárias e artísticas. 7 Juízo fundamentado acerca de obra científica, literária ou artística. 8 Filos: Parte da Filosofia que estuda os critérios. 9 Conjunto dos críticos; sua opinião. C. pessoal: a em que se trata mais do autor que da obra (MICHAELIS, 2009, on-line).

A educação, para Adorno (1985), é crítica quando não se define pela mera apropriação de instrumentais técnicos e receituários para a eficiência, quando rompe com a razão instrumental posta pela força do modo de produção capitalista e se volta para o questionamento do contexto social no qual o sujeito se encontra inserido.

Para Vieira e Vieira (2000), o pensar crítico seria a capacidade de pensar racional dirigido a uma meta/solução a fim de resolver um problema, um pensar que requer avaliação sistemática, que se dá pela clareza, precisão e relevância, pelo discurso dialógico decorrente do trabalho em equipe. Ou seja, se relaciona ao saber como solucionar problemas e tomar decisões de forma eficiente e eficaz.

Na visão de Ennis (1985), pensamento crítico decorre de uma atividade prática e reflexiva, que tem meta e se fundamenta em crença ou ação sensata. Portanto, tem por bases pilares de sensatez, reflexão, prática e crença.

Giroux (1997) considera que a criticidade torna aquele que aprende ciente das relações de poder que estão à sua volta, das estruturas institucionais e dos modelos de representação, capaz de compreender a forma como essas relações de poder trabalham e como se encontram inseridas no seu meio.

Skovsmose (2000) entende a educação crítica como uma reação à contradição social. Já para Mandernac (2009), citando Summer (1940), o sujeito do pensamento crítico busca a verdade, tem mente aberta, é sistemático, analítico, curioso, confiante no raciocínio e prudente na tomada de decisão. Por sua vez, Jonassen (2007) defende que o pensamento crítico encontra-se inserido na capacidade de analisar, avaliar e conectar informações.

Considerando-se as definições acima, vê-se a importância da educação crítica para os processos de gestão social, para os quais são imprescindíveis conduções que levem em conta as percepções de contextos e suas contradições e sobre como atuar em espaços sociais concretos.

Nesse sentido, a educação crítica se apresenta como uma importante ferramenta para a gestão social, pois os indivíduos ou grupos precisam ser capazes de ler e interpretar as realidades em que atuam, de definir e projetar objetivos e finalidades, de contornar dificuldades e se colocar de forma autônoma, independente e criativa na busca de soluções para problemas que requerem soluções.

Gestão social e interação crítica

Tenório, na passagem a seguir, estabelece contrapontos entre diferentes concepções de gestão social. Segundo ele, essa modalidade de gestão

[...] tem sido objeto de estudo e prática muito mais associado à gestão de políticas sociais, de

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organizações do terceiro setor, do combate à pobreza e até ambiental, do que à discussão e possibilidade de uma gestão democrática, participativa, quer na formulação de políticas públicas, quer naquelas relações de caráter produtivo. No PEGS3, entretanto, o conceito de gestão social é entendido como o processo gerencial dialógico onde a autoridade decisória é compartilhada entre os participantes da ação. O adjetivo social qualificando o substantivo gestão é percebido como o espaço privilegiado de relações sociais onde todos têm o direito à fala, sem nenhum tipo de coação (TENÓRIO, 2008, p. 147-148).

O autor apresenta, portanto, uma concepção de gestão social referida a espaços sociais muito diversos, contextos em que estão colocadas demandas de diferentes ordens, cotidianas. Seu espaço social é, portanto, o da realidade presente na vida das pessoas, referidos a instituições ou organizações, a grupos ou comunidades. Nesse sentido, Carvalho (1999, p.19) qualifica a gestão social como a “gestão das ações sociais públicas”. Diz que “A gestão social é, em realidade, a gestão das demandas e necessidades dos cidadãos”. Lembra que quando se trata da política social e dos programas sociais, “os projetos são não apenas canais das necessidades, mas também respostas a elas”.

As práticas de gestão social pressupõem posturas e visões correspondentes ao sentido da sociabilidade que o conceito requer. Sem dúvida, uma devida formação crítica sem a qual a gestão pode se voltar contra o social, não emancipatória e sem os ingredientes da democracia e da cidadania. Maia (2005) retoma uma passagem de Tenório (1998), que diz:

Gestão social é um conjunto de processos sociais desenvolvidos pela ação gerencial, em vista da articulação entre as necessidades administrativas e políticas postas pelas exigências da democracia e cidadania para a potencialização do saber e competência técnica e o poder político da população (MAIA, 2005, p. 9).

Dowbor (1999) argumenta que nas ações sociais é preciso ler nas entrelinhas ou nelas escutar o que falam os atores estatais, empresariais e comunitários. Isso pressupõe formação crítica. Assim, a gestão social demanda a realização de reflexões das mais diversas ordens, especialmente quando se considera o que diz Boullosa e Schommer:

A expressão (gestão social), que costumava designar variadas práticas sociais, entre organizações de origem governamental, na sociedade civil, em movimentos sociais e empresariais – relacionada às noções de cidadania corporativa ou de responsabilidade social, parece assumir progressivo caráter de solidez, passando a representar um modo especial de problematizar e gerir realidades sociointeracionais complexas (BOULLOSA e SCHOMMER, 2009, CD Rom).

Destaca-se, assim, o papel fundamental da gestão social, realizada num processo de interação social não ingênuo, como fator de formação / educação crítica. Contudo, as necessidades e demandas sociais quando se tornam objeto de políticas públicas massivas tendem a perder suas especificações no tocante aos territórios para os quais se dirigem. Com isso, correm o risco de ter suas potencialidades esvaziadas. Segundo Tenório,

Diferente de um processo centralizador, tecnoburocrático, elaborado em gabinetes, em

3 PEGS – Programa de Estudos em Gestão Social

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que o conhecimento técnico é o principal argumento da decisão; sob uma perspectiva descentralizadora, de concepção dialógica, a esfera pública deve identificar, compreender, problematizar e propor as soluções dos problemas da sociedade, a ponto de serem assumidas como políticas públicas pelo contexto parlamentar e executadas pelo aparato administrativo de governo (TENÓRIO, 2008, p. 162).

Isso significa que o poder público também precisa se educar na relação com a sociedade civil, abrir-se para o que ocorre como processo educacional nas diferentes instâncias da vida social. A reflexão a esse respeito feita por Arroyo é bem elucidativa sobre as dinâmicas dos universos escolares, que têm se mostrado bem complexos:

A diversidade de experiências sociais, culturais, de formas de ler e pensar o real, de pensar-se, chega às escolas com essa diversidade de sujeitos. Diversidade e presença que não podem ser desperdiçadas. Se por décadas foi tentado ocultar a diversidade de sujeitos, hoje os mestres percebem que não é mais possível. Que é urgente torná-los visíveis e reconhecê-los sujeitos críveis. As tentativas históricas de ocultá-los e desacreditar tanto aos mestres como quanto aos alunos, sobretudo dos setores populares, encontram as resistências das crianças, dos adolescentes e jovens, das famílias e comunidades como dos próprios trabalhadores em educação (ARROYO, 2011, p.148).

Têm-se, assim, duas questões importantes. Em primeiro lugar, as possibilidades que a gestão social pode oferecer como prática de participação e articulação política fundamental para se pensar as mudanças na educação. Em segundo lugar, a necessidade que se coloca à educação de contribuir para a formação das pessoas numa dimensão crítica, fundamental aos processos de gestão social.

As respostas a essas duas questões precisam levar em consideração a realidade social complexa e contraditória, especialmente de países como o Brasil, de modernidade tardia, problema que se agiganta na mesma proporção em que se apresentam as diversidades culturais e sociais, fato marcante do contexto continental brasileiro.

As relações entre gestão social e educação: alguns casos a partir da realidade brasileira

Alguns exemplos concretos podem mostrar as possibilidades de desenvolvimento de experiências educacionais diferenciadas a partir de inovações que contemplem práticas de gestão social.

Em Blumenal, Santa Catarina, foi criada pelo IADE (Instituto de Administração de Empresas) a primeira escola superior de cerveja do Brasil. Em defesa da abertura de uma escola “pouco convencional”, o diretor apresentou justificativas. Primeiramente, argumentou que uma das razões da criação desse curso era de atender a demanda da região que hoje é uma das mais conhecidas, no Brasil, pelo número de cervejarias que concentra. Em Blumenal se realiza a famosa Oktoberfest. A segunda razão se fundamenta na avaliação de que a região precisava mudar o foco do ensino vigente, pois, segundo ele, o praticado não trazia nada de novo à região. Com a participação do governo local e de representantes da sociedade, justifica a proposta desse curso de romper com o “comum”, de criar oportunidades tendo em vista o desenvolvimento local.

Outro caso de interesse para a discussão da relação entre gestão social e educação, numa perspectiva inovadora, se refere às iniciativas das Prefeituras Municipais de Barra de Santo Antônio e de Piúma, ambas no estado do Espírito Santo, de criação de escolas de pesca. No ano de 2013, a prefeitura de Barra de Santo Antônio reinaugurou a Escola de Pesca situada na Ilha da Crôa, propiciando uma educação que atende a

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demanda da região, pois suas principais rendas são a pesca e a exploração de pedra calcária. Na região do município de Piúma, em 1987, a Secretaria de Educação do Estado do Espírito Santo inaugurou a Escola de Pesca que oferece aos filhos de pescadores possibilidades de se qualificarem para a atividade pesqueira. Com o intuito profissionalizante, os projetos visam a dar aos filhos dos pescadores oportunidade de seguir a profissão dos pais, pois se constatou que as gerações estavam perdendo espaço de trabalho para grandes empresas de pesca. Os projetos se propõem a combinar aprendizados formais e os informais, esses advindos das experiências das famílias dos pescadores, o que tem incentivado a participação delas nas gestões dessas formações e diminuir a evasão escolar.

O Projeto CSA Avançado, realizado pelo Colégio Santo Antônio, na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, também se coloca na perspectiva de realizar inovações que articulem conhecimentos e participação social. Percebendo a necessidade de aprofundamento em disciplinas curriculares como Química, Filosofia, Matemática, Geografia e História, o Colégio oferece aulas, que vão além do conteúdo programático regular. Para tanto, considerou a necessidade de abrir o espaço acadêmico para alargar a percepção dos alunos sobre o mundo e contexto em que vivem. As atividades não são realizadas somente dentro de salas de aula, mas, sim, em diversos ambientes externos, em universidades, museus e espaços públicos (praças, ruas, parques). Dentro das disciplinas apresentadas, projetos como Robótica, Economia (mercado de valores), O conhecimento do Espaço (projeto de reestruturação da região da Savassi), Releitura do clássico de Platão, A República (Política e Justiça), entre outros, já foram realizados e, com isso, demonstram que o conhecimento pode romper com as práticas tradicionais da educação escolar, adentrando em áreas nunca exploradas pelos alunos. Um dos aspectos mais importantes é que, na maioria das vezes, o projeto do CSA Avançado se transforma em outro projeto transformador, com a participação dos alunos em questões afeitas à sociedade local. Esta inovação social foi fonte inspiradora para outros colégios da cidade que hoje seguem e realizam atividades parecidas.

Por meio desses exemplos, é possível perceber as potencialidades que se apresentam à exploração das relações recíprocas entre atividades de gestão social e processos educacionais, tendo o desenvolvimento local como pólo de convergência. É preciso ter claro, no entanto, as contradições que podem permanecer entre aquilo que Maia (2005, p.16) denomina de gestão do social e a gestão social propriamente dita.

Será examinada agora a segunda questão relacionada à importância da formação dos sujeitos para a participação como gestores sociais. Iniciativas inovadoras em educação podem contribuir para práticas viáveis de gestão social? O que uma educação crítica e reflexiva pode propiciar nesse sentido? De que forma contribuem para que o interesse público predomine sobre o privado? São replicáveis a territórios distintos e múltiplos? Oferecem possibilidades de atender demandas sociais?

É importante lembrar Dowbor, quando este diz que “promover o desenvolvimento local não significa voltar as costas para os processos mais amplos, incluindo os planetários: significa utilizar as diversas dimensões territoriais segundo os interesses da comunidade” (DOWBOR, 2007, p.60).

Não é simples a compreensão do desenvolvimento local como um processo que se realiza por mediações endógenas. Ávila afirma que:

A concepção de Desenvolvimento Local (como processo de desenvolvimento cultural e socieconômico emergente de dentro-para-fora da própria comunidade/localidade, em escala emancipatória que a alce à condição de sujeito e não de mero objeto mesmo – que - participante desse processo) só agora vem chegando à tona de maneira sistematicamente trabalhada, razão pela qual as instâncias públicas e privadas do Brasil e de quaisquer outros países ainda não tiveram oportunidade e sequer preocupação de vincarem a essência lógica do DL endógeno emancipatório em suas políticas e programações institucionais (ÁVILA, 2006, p.138).

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São desafios que se apresentam e que concorrem para significar as ações e projetos educacionais e de gestão social que se propõem a realizar mudanças sociais. Maia explica que um projeto bem aplicado representa um “processo social de desenvolvimento ou conjunto de processos sociais, viabilizador do processo societário” (MAIA, 2005, p.14).

Considerações finais

Na vida, na sociedade e no cotidiano pessoal, mudanças ocorrem, mas as que convergem para objetivos e finalidades escolhidas dependem da vontade, do entendimento e da ação prática direcionada. Para tanto, intervenções de formação / educação crítica jogam importante papel assim como as estratégias de articulação coletiva orientadas pelo interesse comum.

Esses processos convivem com jogos de poder e instabilidades. Enfrentar o desafio de criar e por em prática estratégias educacionais e de gestão social interligadas às necessidades e demandas sociais constitui um passo importante nas transformações por um mundo melhor.

Educação de qualidade só pode assim ser qualificada quando se tem em perspectiva a formação de sujeitos que não se contentem em contemplar o mundo. É fundamental que sejam ativos e gestores de si mesmos. Por outro lado, que saibam repartir e compartilhar, numa perspectiva de gestão social, os recursos, meios e condições tendo em vista a construção de uma sociedade diferente, mais justa e melhor para se viver.

Segundo Severino, trata-se “necessariamente um processo de construção, ou seja, uma prática mediante a qual os homens estão se construindo ao longo do tempo” (2000, p. 68), contexto em que a prática de formação / educação crítica e a de gestão social se constituem como elementos de um conjunto. Elas não se excluem mutuamente, combinam-se.

Essa interpenetração, por sua vez, pela ação recíproca exercida, gera movimento, desenvolvimento, transformações qualitativas. Contudo, é na prática social que a materialização desse processo dialético se efetiva, o que requer que os dados a que se chegou com este estudo sejam confrontados com a realidade empírica.

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P A R T I C I P A Ç Ã O P Ú B L I C A N A E R A D A S C I D A D E S D I G I TA I S : U M A AVA L I A Ç Ã O D A S F E R R A M E N TA S D E P A R T I C I P A Ç Ã O B R A S I L E I R A

Andressa Carolina do Nascimento Nunes1

Frederico de Carvalho Figueiredo2

Resumo

A participação vem sendo tema de importantes debates no Brasil, e o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação alavancam as possibilidades de, cada vez mais, trazer os cidadãos para o processo de debate. O presen-te artigo tem como proposta realizar levantamento e analisar algumas das ferramentas de participação popular digital brasileira. Primeiramente, discutiu-se sobre as temáticas das cidades digitais e da participação popular digital no Brasil. Em segundo lugar, foi realizado o levantamento de algumas das ferramentas de participação popular digital no Brasil, utilizando-se mecanismos de busca na internet por determinadas palavras-chave. Por fim, as ferramentas encontradas foram submetidas à estudo de caso baseado em pesquisa documental, concluindo-se que, apesar de eventuais problemas apresentados nos casos concretos, as novas tecnologias da informação e comunicação podem, de fato, desempenhar papel fundamental na ampliação da participação popular.

Palavras-chave: Cidade Digital; Gestão Social; Participação Popular Digital; Democracia; Ciberdemocracia.

Introdução

O advento das tecnologias de informação e comunicação (TICs) mudou radicalmente o contexto das cidades. Antes delimitadas por fronteiras físicas, as cidades passaram a ter suas fronteiras expandidas virtualmente, resultando na mudança de parâmetros de interação entre os atores sociais que se identifica atualmente.

Consequentemente, a era digital trouxe mudanças também na forma como os cidadãos se relacionam com seus governos, principalmente no que se refere a questões como a transparência na administração pública e a possibilidade de maior participação popular nas decisões tomadas por parlamentares e governantes. As de-mandas populares ganharam mais espaço para serem articuladas e transmitidas na esfera virtual, ou, pelo me-nos, compartilhadas e reconhecidas entre as pessoas, conforme expresso pela proporção que as manifestações brasileiras de Junho de 2013 tomaram.

Entre outras demandas proferidas, a crescente insatisfação social com o status quo foi fortemente demonstrada pelas passeatas, e o clamor pela realização de mudanças institucionais que incluíssem a possibilidade de maior participação popular encontrou ressonância entre elas. Tal demanda por reformas e maior participação pode

1 Aluna do Centro Universitário Belo Horizonte (UniBH), bolsista do Programa de Iniciação Científica. [email protected] Professor do Centro Universitário Belo Horizonte (UniBH) e do PPG em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA. [email protected]

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ser atendida por meio da utilização dessas novas infraestruturas comunicacionais e serviços de intercâmbio de informações na administração pública, a fim de promover maior transparência nas operações, maior par-ticipação e maior eficiência do serviço público.

Nesse contexto, com, de um lado, a existência de um corpo político cada vez mais desacreditado e tomado por uma crise de legitimidade e, de outro, uma população com demandas e necessidades crescentes, deve-se buscar ferramentas que possibilitem a interação e mediação, através de um meio fluido, no qual os partici-pantes atuem livremente e sejam guiados pelas melhores propostas. Esta evolução vai ao encontro do concei-to de democracia eletrônica, ou seja, a possibilidade de atuação dos administrados nos processos de tomada de decisão realizados pelos gestores públicos, assim definindo, diretamente, os rumos do ente. A democracia, por meio da tecnologia, agrega mais uma arena de debates e discussão de projetos, problemas e soluções no tocante a entraves existentes em seu dia-a-dia.

Desse modo, expressa-se o seguinte problema de pesquisa do trabalho: Quais os principais meios de partici-pação popular digital nas cidades brasileiras e como se desenvolvem?

Da pergunta acima proposta, retira-se o objetivo geral da pesquisa: Analisar algumas das ferramentas de participação popular digital brasileira. Por sua vez, os objetivos específicos são: Realizar levantamento de algumas das ferramentas mais relevantes de participação popular digital no Brasil; Investigar as ferramentas encontradas, com especial foco em seu desenvolvimento, características essenciais e eventuais limitações.

A metodologia utilizada possui características de pesquisa qualitativa e estudo de caso com fins explorató-rios, sendo a escolha dos casos exclusivamente realizada com o auxílio de mecanismos de busca na internet, por meio de palavras-chave pré-determinadas. A estruturação das seções do artigo – para além das divisões obrigatórias de Introdução, Referencial Teórico, Metodologia, Análise de dados e Conclusão – conta com duas (2) subdivisões no Referencial Teórico (Cidades Digitais e Participação Popular Digital no Brasil), e outras três (3) subdivisões no item referente à análise de dados, abordando as ferramentas de participação popular encontradas.

Acredita-se que este artigo trará contribuições relevantes para o aprofundamento das discussões acerca dos temas de Cidades Digitais, Democracia Digital, Gestão Social e Participação Popular Digital, em especial a respeito das iniciativas que já estão em andamento e de possíveis melhoras nos modelos de participação digital vigentes. Espera-se também que os resultados alcançados possam servir de embasamento para futuras pesquisas a respeito da temática, assim como para a reflexão a respeito da ampliação da participação popular como forma de fortalecimento da democracia brasileira.

Referencial teórico

A pesquisa bibliográfica foi realizada com o propósito de “fornecer fundamentação teórica ao trabalho” (GIL, 2010, p. 30), assim como “identificar o estágio atual do conhecimento referente ao tema” (GIL, 2010, p. 30). Autores que falam a respeito das cidades digitais, da participação popular e da gestão social foram consultados no intuito de melhor embasar este estudo.

Assim, esta seção encontra-se dividida em duas partes: a primeira, que trata do tema das Cidades Digitais, bem como seus limites e modelos; e a segunda, que trata da participação popular digital no Brasil, e pretende realizar a discussão sobre o modelo de participação no âmbito de influência das TICs.

Cidade Digital

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As cidades são sistemas complexos em estado de constante evolução. De acordo com Lemos (2015), estas surgem e se desenvolvem a partir de fatores sociais, culturais, políticos e, principalmente, tecnológicos. A im-portância da ciência e da tecnologia no desenvolvimento das cidades pode ser observada ao longo da história, desde as cidades-estado da Grécia Antiga, passando pela era industrial, até os dias atuais, nos quais as tecno-logias de comunicação e informação possibilitaram a abertura de novas fronteiras para a interação humana.

Neste contexto, observa-se a gradual transformação dos espaços públicos, antes tradicionais pontos de encon-tro dos cidadãos, em lugares onde as interações podem ocorrer tanto física quanto virtualmente, e de forma simultânea. A relação das pessoas com os dispositivos tecnológicos de comunicação inaugura uma era na qual as práticas socioculturais de acesso e controle da informação passam por uma revolução, resultando na criação de um espaço virtual (ciberespaço) para as interações sociais que antes ocorriam somente no plano físico. A cidade contemporânea ganha novos contornos em função das tecnologias de informação e comuni-cação (TICs).

Nos anos 1990, o debate sobre o papel das TICs no espaço urbano se deu sob o termo “Cidades Digitais” (LEMOS, 2015). Para Rezende (2013, p.3, tradução nossa), cidades digitais são aquelas capazes de realizar a “coleta e organização de informações digitais, a fim de proporcionar espaço informacional suficiente para que os residentes e os visitantes possam interagir entre si”3. Enquanto que, para Dameri (2012, p.466, tradução nossa), o conceito de cidades digitais “tem sido definido como a construção de uma arena na qual as popu-lações de comunidades regionais possam interagir e compartilhar conhecimento, experiências e interesses mútuos”4.

Os autores partem do mesmo princípio de que a existência de uma infraestrutura digital é necessária e funda-mental para que as interações ocorram na Cidade Digital. Tal infraestrutura somente é possível por meio das TICs, que, por sua vez, são derivadas da tecnologia da informação (TI). Definida como “fonte computacional e tecnológica para criação e utilização de informação, baseada em ‘hardware e seus dispositivos e periféricos, software e as suas fontes, sistemas de telecomunicação e dados e gerenciamento de informações”5 (FLORES; REZENDE, 2013, p. 2, tradução nossa), a utilização da TI conta também com o componente humano, que interage com todos os elementos citados.

Mais do que propiciar o acesso à internet, o objetivo principal das cidades digitais está ligado ao reaqueci-mento do ambiente público, promoção do vínculo social, ampliação dos “laços comunitários e a participação política. Nessa proposta, a inclusão social se daria pela democratização do acesso a equipamentos tecnológi-cos e redes digitais” (LEMOS, 2013, p. 46). A participação efetiva do cidadão seria suficiente para produzir dados que são coletados e organizados dentro do próprio ambiente digital, provendo o público de informa-ções que facilitam as interações no ambiente virtual.

Para Dameri (2012, p. 466), a cidade digital se caracteriza por uma “social-informacional infraestrutura para a vida urbana” que inclui vários atores: governos, empresários, e cidadãos. Sobretudo, faz parte de uma visão maior a respeito da nova sociedade, representando ponto chave no surgimento de economias baseadas em processos de inovação, competição e busca do conhecimento (DAMERI, 2012).

A dinâmica entre os atores no ambiente virtual, para a autora, pode ser representada pela sua divisão em dois grupos: os atores que promovem a sociedade da informação (governos, provedores de soluções tecnológicas, sistema educacional) e os stakeholders que se beneficiam dela (os negócios, a administração pública, a socie-dade civil) (DAMERI, 2012). Assim, a inclusão social, digital e econômica dos atores passa a ser alcançada

3 “(…) gathering and organization of digital information to provide some information room such that their residents and visitors can interact among themselves”.4 “(…) has been defined as ‘to build an arena in which people in regional communities can interact and share knowledge, experiences, and mutual interests’”.5 “(…) IT is defined as computing and technological resources for creating and using information, based on ‘hardware and its devices and peripherals; software and its resources; telecommunication systems and data and information management’”.

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proporcionalmente ao quão bem estruturada a cidade digital se encontra, à quantidade e qualidade de infor-mações processadas que podem ser consumidas.

A fim de apresentar o melhor modelo possível de estruturação de uma cidade digital, Duarte et al (2014) apontam três elementos cruciais para a inclusão digital: conectividade, acessibilidade, e comunicabilidade. A “conectividade” está presente na disponibilidade de equipamentos e infraestrutura adequada de telecomuni-cação, enquanto a “acessibilidade” remete ao desenvolvimento de soluções tecnológicas adequadas ao perfil do local de implantação. Por fim, a “comunicabilidade”, segundo o autor, diz respeito ao momento em que o indivíduo (devidamente conectado) passa a exercer liberdade de discurso e expressão, uma vez que ultrapas-sou a supervisão daqueles que proveram acesso à cidade digital (DUARTE et al, 2014).

Isso significa que, para o autor, a cidade digital vai muito além da mera disponibilidade – por parte da ad-ministração pública – de infraestrutura para navegação na internet. As TICs, e o alto volume de informações produzidas que elas proporcionam, passam a ser “elementos chave para o estímulo à criação de serviços pú-blicos, para tornar processos administrativos mais ágeis e transparentes, e para o aumento das possibilidades de interação política e social entre diferentes grupos sociais na esfera pública”6 (DUARTE et al, 2014, p. 38, tradução nossa). Dessa forma, as TICs servem o propósito de tornar mais eficiente a provisão de serviços públicos por parte do Estado, sendo um dos desafios atuais o fortalecimento da democracia por meio de ex-periências com o governo eletrônico e a cibercidadania (LEMOS, 2015).

Atualmente, o debate sobre cidades digitais avançou no sentido de ampliação do conceito. Se antes as cida-des digitais eram sinônimas de implantação de infraestrutura computacional e de acesso à internet, hoje as chamadas “cidades inteligentes” (LEMOS, 2013) ou “cidades digitais estratégicas” (FLORES; REZENDE, 2013) enfrentam o desafio de processar o altíssimo volume de informação que recebem, de forma sensível ao contexto social, lidando com as tecnologias de armazenamento em nuvem e a comunicação autônoma entre os dispositivos (Internet das Coisas) (LEMOS, 2013). Mais do que promover a inclusão social/digital, o pro-pósito desse novo modelo de cidade digital está na ampliação do papel da administração pública na provisão de serviços, tornando os processos cada vez mais ágeis e estimulando a sociedade civil a se tornar cada vez mais participativa.

Participação Popular Digital

A participação popular ativa no Brasil somente foi possível após o início do segundo período democrático na história do país, com a promulgação da Constituição brasileira de 1988 (ANASTASIA; CASTRO; NUNES, 2008). Muito embora o surgimento de associações comunitárias em cidades como Rio de Janeiro, Belo Ho-rizonte e Porto Alegre sejam datados de meados dos anos 1970 (AVRITZER, 2006), a mudança de regime propiciou ambiente favorável ao aumento exponencial do número de associações, ao estabelecer novas regras de relação entre Estado e sociedade civil.

Santos (1985) afirma que, apesar do congelamento dos direitos civis e da regressão da dinâmica política ocorridas no país durante o período do autoritarismo (1964-1984), a sociedade brasileira continuou se expan-dindo, diversificando-se e tornando-se mais complexa ao longo do tempo, aumentando a assimetria entre a ordem política e a sociedade civil, de modo que a primeira foi incapaz de processar as demandas crescentes da segunda. Tal assimetria passa a ser abordada por meio da Carta de 1988 que instituiu uma “República Fe-derativa, presidencialista, com bicameralismo simétrico e incongruente, representação proporcional de listas abertas, separação de poderes e checks and balances” (ANASTASIA; CASTRO; NUNES, 2008, p. 7) como

6 “(…) a key element for fostering public services, for making management processes more agile and transparent, and for increasing the possibilities for social and political interaction in the public sphere be-tween different social groups”.

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a nova configuração do Estado.

Normativamente, as características atuais do arranjo institucional brasileiro preenchem os requisitos de uma ordem poliárquica (ou “democracia maximizadora”) tal como definida por Robert A. Dahl7 (1989, citado por ANASTASIA; CASTRO; NUNES, 2008). Segundo o autor, “um país será tanto mais democrático quanto maior for seu grau de institucionalização, de um lado, e de participação política dos cidadãos, de outro” (ANASTASIA; CASTRO; NUNES, 2008, p. 2).

No intuito de ampliar o envolvimento político, a Constituição de 1988 também inovou ao conferir alguns poderes de agenda aos cidadãos, para além da garantia do sufrágio universal e do voto direto e secreto. Em diversos artigos, a participação direta da sociedade civil é detalhada na forma de Conselhos Setoriais de Políticas Públicas, caracterizadas como “instituições híbridas, consultivas ou deliberativas, que admitem a participação de cidadãos, burocracia pública e prestadores de serviços” (ANASTASIA; CASTRO; NUNES, 2008, p. 11-12) no interior do Poder Executivo, em todos os níveis da federação (AVRITZER, 2006). Con-forme o arranjo democrático ia se consolidando, outros mecanismos de participação popular foram criados, como: as comissões permanentes de participação dos cidadãos no processo decisório em diversas Casas Legislativas (ANASTASIA; CASTRO; NUNES, 2008); e as experiências de controle social das políticas e do orçamento público, tais como o orçamento participativo, conselhos gestores e programas autogestionários (ROLNICK, 2009).

No entanto, percebe-se que, apesar das formas citadas de influência popular na política, o modelo democrá-tico brasileiro – liberal e representativo – assim como ocorre em boa parte das democracias liberais, entra em crise ao se constatar a fraca participação política dos cidadãos e a separação nítida entre a esfera civil e a esfera política (GOMES, 2005). Isso significa que aos cidadãos é relegada somente a tarefa de “formar e autorizar a esfera política nas eleições” (GOMES, 2005, p. 218), enquanto a esfera política se vê na função de produção de decisões políticas em forma de leis e de decisões de governo (GOMES, 2005), geralmente afastadas da realidade popular para a qual estão governando.

Há, pois, uma esfera civil, o âmbito da cidadania, considerada o coração dos regimes demo-cráticos, que autoriza, mas não governa, e há, por outro lado, uma esfera política cujo único vínculo constitucional com a esfera civil é de natureza basicamente eleitoral. O modelo de democracia representativa entra, portanto, em crise (GOMES, 2005, p. 218).

Na busca de soluções que sejam condizentes com a realidade das democracias atuais no que diz respeito ao crescimento da população e o consequente aumento das demandas políticas, três expressões-chave são ampla-mente discutidas: internet; esfera pública; democracia (GOMES, 2005). Enquanto “internet” e “democracia” (ou democracia participativa) são conceitos que representam, respectivamente, o meio e o fim almejado, é na retomada do conceito de “esfera pública” que se encontra a chave para o problema. Definido por Habermas8 (1989, citado por AVRITZER, 1999, p. 29) como “a possibilidade de uma relação crítico-argumentativa com a política”, a esfera pública se trata de um espaço para a livre interação entre grupos e movimentos, no qual a “autoridade do melhor argumento pode prevalecer contra a hierarquia social e no final se tornar vitoriosa” (AVRITZER, 1999, p. 31).

Dessa forma, verbetes como “democracia digital” e suas variações (democracia eletrônica, e-democracy, de-mocracia virtual, ciberdemocracia) vem surgindo para descrever os espaços virtuais de debate político, pro-porcionados pela nova infraestrutura tecnológica que conecta computadores em rede e outros dispositivos de comunicação, organização, armazenamento e oferta de dados e informações online (GOMES, 2005, p. 215).

7 DAHL, Robert A. Um prefácio à teoria democrática. Rio de Janeiro: Zahar, 1989.8 HABERMAS, J. The Structural Transformation of the Public Sphere: an inquiry into a category of Bourgeois society. Cambridge, Mass. Cambridge, England, MIT Press and Polity Press, 1989.

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A “democracia digital” (e outros verbetes concorrentes) é, neste sentido, um expediente se-mântico empregado para referir-se à experiência da internet e de dispositivos que lhe são compatíveis, todos eles voltados para o incremento das potencialidades de participação civil na condução dos negócios públicos (GOMES, 2005, p. 217).

Gomes (2005) também argumenta que a introdução dessa nova infraestrutura tecnológica faz ressurgir as esperanças de adoção de modelos alternativos de democracia, que representem uma terceira via entre a de-mocracia representativa, que retira o poder de decisão política do povo, e a democracia direta, considerada pelo autor inviável por depositar todo o poder de decisão sobre o povo. Tais modelos muito provavelmente serão parecidos com as ideias de democracia participativa, ou até de democracia deliberativa que, segundo o autor, é decididamente inspirada pela internet. Esta última seria capaz de proporcionar “aos interessados em participar do jogo democrático dois dos seus requisitos fundamentais: informação política atualizada e oportunidade de interação” (GOMES, 2005, p. 220).

Enquanto não restam dúvidas de que a internet pode proporcionar instrumentos e alternativas de participação política para a sociedade civil, deve-se reconhecer que apenas o acesso à internet não é capaz de assegurar o envolvimento dos cidadãos nas atividades políticas, e menos ainda nas atividades políticas argumentativas (GOMES, 2005). Alia-se a este fato o argumento de que nem todas as informações políticas contidas na internet são democráticas, liberais, ou promovem democracia; além da falta de garantia de que os espaços de discussão política sejam justos, representativos, efetivos e igualitários. Por estes motivos, Gomes (2005, p. 221) reconhece que “a abundância de meios e chances não formará, per se, uma cultura da participação política. Isso não quer dizer, por outro lado, que não se devam explorar ao extremo todas as possibilidades democráticas que a internet comporta”.

Associadas à abertura do Estado a realização de uma gestão social efetiva – entendida, nas palavras de Ino-josa (2004, p. 1) como “a gestão das ações públicas que têm por objetivo a promoção do bem estar dos cida-dãos e a redução das desigualdades, de modo a propiciar o acesso das pessoas, com equanimidade e paz, às riquezas materiais e imateriais da Sociedade” – as possibilidades da participação popular digital resultarem em ganhos mensuráveis para a sociedade civil são muitas. Ainda segundo Inojosa (2004), as chances das ne-cessidades e demandas da população entrarem na agenda do Estado aumentam quanto maior for a capacidade de vocalização do(s) grupo(s) interessado(s). Os espaços virtuais, assim, se apresentam como plataformas alternativas para a vocalização de tais demandas.

No entanto, é importante que a organização institucional do Estado esteja desenhada de tal forma que as vocalizações de demandas não somente encontrem eco, mas sejam incorporadas à agenda de discussão e execução estatal. Conti (2010, p. 167) afirma que “a gestão social não pode obedecer a uma organização hie-rárquica, militar, com regras e ordens rígidas de cima para baixo. Ela deve contar com múltiplos co-gestores, representando os diversos protagonistas do novo pacto social”. Isso significa que a descentralização das ins-tituições públicas pode incorporar, nos processos de discussão e tomada de decisão, representantes estatais, de organizações privadas e da sociedade civil, de modo a aumentar significativamente o nível de participação popular e a eficácia das decisões tomadas.

Dessa forma, a existência de “um processo de diálogo democrático entre os envolvidos numa ação e o Esta-do” (CONTI, 2010, p. 169) representa, em última instância, uma forma de aumentar a eficiência e eficácia do gasto estatal, uma vez que aproxima os problemas e a gestão pública (CONTI, 2010).

Metodologia

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A metodologia de pesquisa utilizada neste artigo conserva as seguintes características: abordagem qualitativa, estudo de caso com fins exploratórios, revisão bibliográfica, e análise documental.

Optou-se pela abordagem qualitativa por ser um tipo de abordagem que guarda como característica principal a capacidade de “analisar e interpretar aspectos mais profundos” (MARCONI; LAKATOS, 2011, p. 269) da realidade, sendo seus métodos de coleta e análise de dados “apropriados para uma fase exploratória da pesqui-sa” (ROESCH, 2013, p. 154). Considerando-se a novidade que é o surgimento das cidades digitais no Brasil e dos instrumentos de participação popular digital, esta pesquisa se destinou a analisar algumas das ferramentas já disponíveis, a fim de aprofundar a discussão da temática.

Para tanto, o artigo adotou também a característica de estudo de caso com fins exploratórios, pois se trata de “uma estratégia de pesquisa que busca examinar um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto” (ROESCH, 2013, p. 155) atual, no intuito de levantar questões ou hipóteses para estudos futuros. Para a es-colha dos casos que serão analisados, mantendo uma coerência com a utilização das TICs, foram escolhidas palavras-chave, com base na literatura analisada, que melhor definissem o processo participativo digital para busca no sítio da Google. Foram utilizados os termos de busca “instrumentos de participação popular digital”; “instrumentos de gestão pública Brasil”; “orçamento participativo digital”; “participação digital cidadã”. Por sua vez, os filtros de pesquisa selecionados foram: “País: Brasil”; “em qualquer idioma”; “em qualquer data”; “todos os resultados”.

Os resultados da busca permitiram a análise dos casos apresentados com mais presença e pertinência. Após sua seleção, foi realizada análise documental de cada um dos casos, buscando a compreensão do fenômeno.

A coleta de dados contou com a realização de pesquisa documental, na qual os dados levantados são conside-rados “fonte documental quando o material consultado é interno à organização” (GIL, 2010, p. 31).

Assim, as ferramentas de participação popular digital encontradas são discutidas – e suas particularidades, detalhadas – na seção referente à análise.

Ferramentas de participação popular digital

Os resultados da busca por palavras-chave revelaram a existência de poucas, porém distintas experiências de participação popular digital no país. Entre elas, algumas ferramentas foram selecionadas para análise, consi-derando-se os conceitos discutidos no referencial teórico.

Desse modo, a seção encontra-se dividida em três partes, para cada ferramenta analisada, no intuito de explo-rar o desenvolvimento, principais características e eventuais limitações das mesmas.

Gabinete Digital (Rio Grande do Sul)

O Gabinete Digital é uma iniciativa do Governo do Estado do Rio Grande do Sul para a promoção da parti-cipação popular na gestão pública, de modo a influenciar e “exercer maior controle social sobre o Estado por meio de mecanismos inovadores relacionados às novas tecnologias de informação e comunicação” (GABI-NETE DIGITAL, 2011). Inaugurado em Maio de 2011, a proposta era inicialmente vinculada ao Gabinete do Governador, mas passou – em Janeiro de 2013 – a ser ligada à Secretaria Geral de Governo, sendo uma das

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instâncias do Sistema Estadual de Participação Popular e Cidadã (GABINETE DIGITAL, 2011).

De acordo com o sítio oficial (2011), sua característica principal é de ser um espaço ou canal digital de comu-nicação entre a sociedade civil e o Governo do Estado do Rio Grande do Sul, utilizando-se das TICs para a construção da estrutura necessária à criação de novos mecanismos de transparência e participação da socieda-de nas decisões públicas.

Na prática, o Gabinete Digital realiza processos consultivos pela Internet, incentiva dinâmicas colaborativas de construção de políticas públicas e monitoramento das mesmas, explora novas linguagens para aproximar o cidadão do Estado, promove a troca de experiências no campo da participação em rede com outras esferas e instâncias da Administração Pública, e investe no desenvolvimento de tecnologias livres e abertas (GABINETE DIGITAL, 2011).

Entre as principais ferramentas de transparência e interação disponibilizadas por meio do sítio oficial estão: “Governador Pergunta”, “Governo Escuta”, “Governador Responde”, “De Olho nas Obras”, e “Votação de Prioridades” (GABINETE DIGITAL, 2011). Característica comum a todas elas, a possibilidade de interação via internet se dá em forma de votações, envio de perguntas, vídeos ou propostas para debate e fiscalização das obras públicas em andamento.

Os resultados alcançados até o momento se encontram detalhados na página do projeto, no endereço virtual www.gabinetedigital.rs.gov.br. Nota-se que este modelo de ciberdemocracia, conforme discutido no referen-cial, permite aos cidadãos participação ativa nas ações do governo do estado. Embora seja uma iniciativa do poder executivo, as propostas levantadas neste espaço podem traduzir-se em ações concretas de política públi-ca por parte do governo, de modo a melhor atender as demandas da sociedade.

Outro ponto de destaque está no fato de que a iniciativa do Gabinete Digital obedece os princípios de conecti-vidade, acessibilidade, e comunicabilidade, conforme explicitados por Duarte et al (2014) no referencial. Isso significa que a iniciativa por parte do governo possui em sua essência características de uma cidade digital, mesmo que esteja disponível em nível estadual. Sua existência não nega o princípio das cidades digitais; ao contrário, fortalece a crença de que espaços virtuais podem ir além dos limites físicos dos centros urbanos, especialmente as cidades-sede de governos. Antes reféns das decisões políticas que ocorriam nas capitais, uma vez que se viam excluídos do processo de deliberação política por motivos estruturais, agora os cidadãos habitantes das demais cidades do estado tem a oportunidade de efetivamente participar do debate político e ter suas demandas atendidas.

Portal e-Democracia da Câmara dos Deputados

Criado em Junho de 2009, o Portal e-Democracia da Câmara dos Deputados tem como objetivo principal es-timular a participação da sociedade, por meio da internet, nas discussões acerca da criação de novas políticas públicas que sejam mais compatíveis com as demandas efetivamente levantadas (PORTAL E-DEMOCRA-CIA, 2009). O Portal está diretamente ligado ao website da Câmara dos Deputados, representando, em nível nacional, o canal oficial de interlocução entre parlamentares e cidadãos.

As ferramentas disponíveis estão divididas em dois grandes espaços de participação, de acordo com o sítio oficial do Portal (2009): as Comunidades Legislativas e o Espaço Livre. Nas Comunidades Legislativas, a participação se dá por meio de debates sobre temas específicos, que normalmente estão relacionados a pro-jetos de leis já existentes. Nesse fórum, os cidadãos são convidados a discutirem questões que irão auxiliar

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os parlamentares na tomada de decisão e ainda recebem orientações de como acompanhar o andamento da matéria no Congresso Nacional. Em contrapartida, no Espaço Livre, a participação é estimulada por meio da criação de fóruns de discussão por parte dos próprios cidadãos, que passam a ser os moderadores e maiores defensores dessas temáticas. O debate é acompanhado pela equipe do e-Democracia e pode se tornar parte da Comunidade Legislativa (PORTAL E-DEMOCRACIA, 2009). De acordo com o Portal (2009), os parlamen-tares envolvidos em determinada matéria acompanham as discussões e as consideram na tomada de decisões.

O cidadão somente pode participar destes fóruns, no entanto, após a realização de cadastro no próprio sítio oficial, além da indicação de aceitação dos “Termos de Uso” e preenchimento de perfil (PORTAL E-DEMO-CRACIA, 2009). O endereço virtual da iniciativa é: <www.edemocracia.camara.gov.br>.

Nota-se que o Portal e-Democracia expande os pilares de acessibilidade e comunicabilidade de Duarte et al (2014), expostos anteriormente. Ao prover soluções tecnológicas adequadas ao perfil dos usuários e espaços de debate moderados, onde os indivíduos podem exercer sua liberdade de expressão e discussão, o e-Demo-cracia garante espaços virtuais para que a participação cidadã ocorra efetivamente. Igualmente, a exemplo do que ocorre com o Gabinete Digital, o e-Democracia amplia ainda mais a possibilidade de participação, uma vez que está situado em nível nacional. As discussões adquirem, assim, caráter relevante para a tomada de decisão dos parlamentares, que devem ser cada vez mais cobrados a ouvir as demandas da população.

No entanto, observam-se como limitações deste modelo, primeiramente, a falta de divulgação mais ampla do Portal, considerando-se a relevância do canal e a possibilidade de ampliação do diálogo com a sociedade civil. Em segundo lugar, nota-se também a falta de consolidação do sítio na internet, em operação há aproxi-madamente seis (6) anos, mas que ainda conserva o status beta9. Por último, percebe-se que as ferramentas de transparência e fiscalização dos deputados, embora estejam disponíveis no portal oficial da Câmara, po-deriam ser melhor utilizadas se inseridas entre as opções do Portal e-Democracia, reunindo todas as possibi-lidades de interação em um só lugar.

Orçamento Participativo Digital (Belo Horizonte)

O Orçamento Participativo de Belo Horizonte constitui uma política de participação popular “em que a popu-lação escolhe quais empreendimentos deseja ver executados pela Prefeitura” (OP DIGITAL 2013, 2013) por meio de votações. Criado em 1993, o Orçamento Participativo se subdivide atualmente em três modalidades: OP Regional, OP Habitação, e OP Digital (OP DIGITAL 2013, 2013).

O Orçamento Participativo Digital foi criado (e teve sua primeira edição) em 2006 com o objetivo de ampliar a “participação popular na gestão da cidade, consolidando assim as práticas de governança participativa, utilizando transparência, inclusão social, consciência cidadã e novas tecnologias e eleger obras estruturantes para a cidade” (PORTAL DO OP, Por dentro do OP digital, 2015). Desde sua criação, o OP Digital contou com outras edições em 2008, 2011 e 2013. O crescimento no número de acessos e a popularização do meca-nismo levou à necessidade de ampliação dos meios de participação, com a inclusão das opções de: votação por telefone mediante ligação gratuita, centros de inclusão digital – telecentros públicos e comunitários, pos-tos de internet municipal (PIMs) – e escolas municipais espalhadas pela cidade (PORTAL DO OP, Histórico, 2015).

Para participar das votações por meio do site ou telefone, os cidadãos interessados devem ser maiores de 16 anos, possuir domicílio eleitoral em Belo Horizonte, além de devidamente cadastrados no TRE-MG (POR-TAL DO OP, Por dentro do OP digital, 2015). O endereço virtual utilizado para a votação no último OP Di-gital foi: <www.opdigital.pbh.gov.br>. 9 Entre usuários das TICs, produtos em versões beta são aqueles dispositivos ou aplicativos que ainda estão em fase de teste ou de implantação, cuja funcionalidade ainda não é completa.

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O surgimento dos Orçamentos Participativos e sua eventual evolução para o modelo digital representaram um grande passo para a democracia participativa, especialmente o modelo de ciberdemocracia. Segundo Figueiredo (2010, p. 65), “a possibilidade de participação virtual amplia a questão espacial da discussão. Enquanto a esfera pública habermasiana era restrita a locais de discussão [...], o ambiente virtual quebra a aparentemente intransponível barreira da distância”. Isso significa que a quebra de barreiras possibilita maio-res índices de participação nas votações do OP Digital, principalmente por parte daqueles cidadãos que se encontram fora da cidade durante o período.

Dessa maneira, o modelo de OP utilizado em Belo Horizonte foi considerado inovador e sua experiência tem sido copiada por outras cidades brasileiras com sucesso. A perspectiva é de que a prática do OP Digital continue e sua ideia seja não somente reproduzida por outras cidades, mas também aperfeiçoada no que se re-fere à participação popular em outras instâncias da governança municipal e estadual, como nos processos de elaboração e votação de projetos de lei – inclusive ampliando a deliberação popular (FIGUEIREDO, 2014).

Considerações finais

Esta pesquisa teve como objetivos principais o levantamento e a análise de algumas das ferramentas de par-ticipação popular digital brasileira. No geral, as ferramentas encontradas mostraram-se diversas em níveis de atuação, abrangência, e objetivos, além de configurarem-se como alternativas de participação relativamente novas no cenário político, uma vez que a mais antiga ferramenta encontrada – o OP Digital de Belo Horizonte – teve seu início há nove anos.

Igualmente, foi possível perceber que as experiências brasileiras com a ciberdemocracia são variadas e de-monstram vasto potencial de se tornarem cada vez mais efetivas na proposta de inclusão do cidadão na gestão pública. É de suma importância que estes projetos tenham continuidade, suas falhas sejam corrigidas, e que novas soluções sejam pensadas para ampliação tanto das formas de participação, quanto do índice de enga-jamento da sociedade civil em si.

A análise também evidenciou que as TICs podem auxiliar de forma significativa no aumento da participação popular e da transparência da administração pública, uma vez estruturada a fim de que o acesso aos espaços virtuais esteja disponível a toda parcela da população. Certamente, a utilização das novas tecnologias de in-formação e comunicação revolucionou o modo como os cidadãos se conectam e interagem entre si e com os governos democráticos, ao quebrar barreiras de distância antes intransponíveis.

Além do mais, foi possível observar o potencial de contribuição positiva da utilização das TICs para a gestão social de recursos públicos. As Cidades Digitais, ao se configurarem como espaços virtuais para interações entre cidadãos, não somente podem servir de espaço democrático para a vocalização de demandas, como também para a fiscalização do cumprimento das mesmas, atentando-se para os aspectos sociais da gestão dos recursos, como a redução das desigualdades e promoção do bem-estar dos cidadãos.

Todavia, entre as limitações da pesquisa, um maior aprofundamento nas experiências relatadas – com es-pecial relevância para a pesquisa de campo com os cidadãos, merece ser citada. Ainda, deve ser realizada abordagem a um número maior de iniciativas – que certamente estão em andamento em outras cidades brasi-leiras. Além disso, as palavras-chave escolhidas pode ser fator que limita a pesquisa. A escolha metodológica pela pesquisa documental, ainda, deve ser complementada com outras formas de coleta e análise de dados, buscando um melhor conhecimento sobre a temática.

Dessa forma, sugere-se que novos estudos sejam realizados a fim de se conhecer melhor estes projetos e, principalmente, verificar a efetividade dos mesmos, ao analisar os resultados alcançados por cada iniciativa.

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BIBLIOTECA PÚBLICA E IDOSOS: UMA APROXIMAÇÃO DA GESTÃO SOCIAL?

úlia do Espírito Santo Nunes1

Áurea Regina Guimarães Thomazi2

Resumo

Este artigo traz informações fornecidas por idosos que frequentam bibliotecas públicas geridas pela Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte, bem como de gestores ligados a essas bibliotecas. As perguntas versaram sobre produtos, atividades e serviços que já são oferecidos ou que podem vir a ser desenvolvidos ou criados por essas instituições. Para este estudo foram escolhidos o Centro Cultural Padre Eustáquio e a Biblioteca Regional do Bairro Renascença, ambos sob a supervisão da Fundação Municipal de Cultura. Para isso, realizou-se estudo de caráter qualitativo com coleta de dados através de entrevista semiestruturada com os idosos frequentadores das bibliotecas e os respectivos gestores. A análise de conteúdo teve por finalidade perceber o grau de afinidade dos idosos entrevistados com a biblioteca e seus interesses de leitura, visando subsidiar os gestores para melhor dinamização das bibliotecas. Partiu-se do pressuposto de que as bibliotecas públicas podem influenciar positivamente as práticas de leitura e de entretenimento, favorecendo uma postura mais crítica da população, desde que haja a participação da comunidade em processos decisórios, como a formação do acervo e escolha de atividades, o que poderá contribuir para as práticas de gestão social.

Palavras-chave: Gestão da Biblioteca Pública. Idosos. Leitura. Qualidade de vida.

Introdução

As bibliotecas públicas são instituições mantidas pelo poder público, sem fins lucrativos, com o objetivo de disponibilizar de forma igualitária a todos os cidadãos o acesso à informação, esteja ela disponível em qualquer tipo de suporte, quer seja papel, digital, ótico ou eletrônico (DVD, CD-ROM), livre e gratuitamente. É uma instituição criada e mantida para ser de todos, sem quaisquer tipos de diferenciação tanto de acervo e serviços quanto de estrutura física, sendo que suas instalações devem permitir acessibilidade a todos que necessitam.

Entendendo-se gestão como a forma de administrar recursos físicos, financeiros, materiais e imateriais para viabilizar uma atividade, acredita-se que a gestão de uma biblioteca pública deve ser realizada da forma demo-crática, visando contemplar todos os seus possíveis públicos. Nesse sentido essa gestão pode se aproximar de uma gestão social compreendida como “[...] a gestão das ações públicas, viabilizadas a partir das necessidades e demandas apontadas pela população [...]” (CARVALHO, 1999 apud MAIA, 2005, p. 10). Mas, mais do que um simples instrumental, uma gestão coletiva e efetivamente participativa pode contribuir para um projeto societário voltado para o desenvolvimento local e uma melhor qualidade de vida, em especial para os idosos.

O crescente aumento da população idosa no Brasil requer por parte das autoridades e das bibliotecas públicas repensarem o seu papel de modo a desenvolver meios e serviços que atendam melhor esse público e lhe dê a

1 Mestre pelo PPG em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA.2 Professora Doutora do Programa de Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Cen-tro Universitário UNA.

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sensação de pertencimento.

Verifica-se que, embora exista uma literatura significativa sobre idosos e leitura, ainda são raras as bibliotecas públicas que atuam junto a esse segmento da população, como, por exemplo, a Biblioteca de São Paulo, na estação Carandiru. Em suma, observou-se que em muitas bibliotecas públicas ainda não existe um trabalho voltado para o atendimento a idosos, quer seja com mobiliário adequado, atividades ou acervo, quer seja na capacitação de bibliotecários ou auxiliares de biblioteca. É necessário, assim, que se investigue mais de perto essa situação para que sejam apontados direcionamentos que levem a um melhor atendimento e que o idoso se sinta atraído a frequentar a biblioteca.

A biblioteca pública como um local de socialização e interação da comunidade pode contribuir para a melhoria da qualidade de vida, não só do idoso, mas de toda a população. Especificamente em se tratando do idoso, isso tem um significado diferente, pois na grande maioria eles estão isolados em seu mundo, geralmente com poucos contatos sociais e sem que para eles sejam direcionadas atividades culturais.

Sobre essa situação, Pinheiro (1999, p.1) argumenta que:

É preciso que a sociedade repense com urgência as atitudes sociais em relação aos velhos, a fim de evitar que a velhice passe a constituir mais um problema social, haja vista estar caracterizada como um dos momentos de improdutividade humana, dependência, incapacidade e isolamento.

Ferreira (2013, p. 77) alerta para o papel do bibliotecário no atendimento ao idoso:

Como profissional difusor cultural e agente na gestão e partilha de informação, o bibliotecário deve desenvolver o interesse pelo aspeto humano da profissão, dando a este tanta primazia quanto dá aos serviços técnicos para os quais também se preparou academicamente. É impor-tante demonstrar empatia, interesse e preocupação com o bem-estar dos idosos, mas também flexibilidade e abertura para acolher os contributos de todos os membros da equipe de trabalho que conseguir mobilizar.

Para Cunha (2003, p. 69), a biblioteca pública deve estar atenta aos seus diferentes públicos:

É fundamental que se conheça a ecologia social em que se insere a biblioteca pública para que sejam criados produtos e serviços que atendam a dona de casa, os idosos, as comunidades da periferia das cidades, o trabalhador de longas jornadas que dispõe de horários reduzidos para a leitura, a informação, o lazer.

A biblioteca e o público idoso

Bibliotecas públicas não precisam ser necessariamente apenas guardiãs da memória e locais para estudo ou empréstimo de livros. Constituem-se em áreas que permitem o acesso à leitura, informação, produção e difu-são do conhecimento e dos bens culturais. Devem ser um espaço livre e democrático de amplo acesso, inde-pendentemente de credo, cor, raça, nacionalidade ou idade e que possibilite desenvolver atividades e serviços

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que tragam a comunidade para perto de si, podendo também ser um lugar que proporcione oportunidades para o desenvolvimento criativo pessoal e da comunidade, favorecendo a diversidade cultural de toda a população.

A Fundação Biblioteca Nacional (2008, p. 18) acentua:

[...] uma biblioteca pública deve constituir-se em um ambiente realmente público, de convi-vência agradável, onde as pessoas possam se encontrar para conversar, trocar ideias, discutir problemas, autoinstruir-se e participar de atividades culturais e de lazer.

Também destaca a importância da leitura e afirma que: “a leitura é fonte de lazer e deve fazer parte do coti-diano de todos os indivíduos, inclusive dos profissionais que atuam nas bibliotecas, para que possam melhor desempenhar o papel de mediadores da leitura” (FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL, 2000, p. 93).

Por conta de decadentes mobiliários e equipamentos e, às vezes, até um relacionamento inadequado entre leitor-funcionário, pode ocorrer de as bibliotecas públicas serem vistas como locais pouco atrativos e convida-tivos. Para que o idoso procure a biblioteca e o livro, é necessário que a biblioteca lhe dê condições para isso, ajustando suas atividades culturais de modo a integrá-lo, assim como aos demais públicos.

Nesse sentido, são questionadas as bibliotecas públicas que assumem papel passivo, com pouca atuação junto à comunidade, deixando de ser um espaço vivo e integrado ao meio. Este fato constitui-se em uma perda à sociedade, uma vez que uma biblioteca ativa e conhecedora dos problemas e possíveis potenciais de sua comu-nidade pode exercer importante papel no combate à exclusão social, proporcionando o convívio e a interação entre as pessoas, sendo, assim, um local de encontro da comunidade.

Sobre isso, Calixto et al. (2012, p. 3) argumentam:

[...] importa refletir sobre o papel social que a biblioteca tem, ou deveria ter, na promoção da igualdade social, especialmente tendo em consideração a sua inserção proactiva no âmbito das políticas e dos programas de combate a todas as formas de desigualdade social.

Além de políticas públicas na área da saúde e garantia de seus direitos, devem ser também incluídas medidas de cunho cultural que proporcionem ao idoso momentos lúdicos, de interação e imaginação. A biblioteca pública pode atuar neste sentido, ao proporcionar ao idoso a oportunidade da leitura e socialização.

Vitte considera a sociabilidade um elemento para uma boa qualidade de vida:

[...] a garantia das necessidades básicas está longe de ser suficiente para a qualidade de vida plena ou para uma vida com qualidade. Nossa hipótese é se não seriam os fatores relativos à sociabilidade que dão suporte a uma percepção mais positiva da qualidade de vida por parte da maioria dos indivíduos (VITTE; KEINERT, 2009, p. 90).

Ao mesmo tempo, a biblioteca pública tem significativo papel junto à comunidade ao proporcionar condições para o seu desenvolvimento. Segundo a IFLA (2013, p. 17):

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Um importante papel da biblioteca pública é o de se constituir como ponto central de desen-volvimento cultural e artístico da comunidade e de ajudar a moldar e apoiar a sua identida-de cultural. Tal pode alcançar-se através de trabalho em parceria com as entidades locais e regionais adequadas, cedendo espaço para a realização de atividades culturais, organizando programas culturais e garantindo que os interesses culturais estejam representados na coleção da biblioteca.

A IFLA (2013, p. 17) também reforça o papel social da biblioteca:

O uso da biblioteca para fins de pesquisa, educação ou recreação põe as pessoas em contac-to informal, proporcionando-lhes uma experiência social positiva. As bibliotecas devem ser concebidas e construídas de modo a fomentar atividades sociais e culturais que apoiem os interesses da comunidade.

Ainda segundo a IFLA (2013, p. 19), os seus serviços e coleções devem estar em sintonia com as necessidades da comunidade e devem ser revistos periodicamente, de modo que esta continue atrativa para os seus usuários, sendo necessária a formação contínua do bibliotecário, de modo que este se mantenha a par das mudanças ocorridas na sociedade.

Pesquisa de campo: a gestão da biblioteca pública na visão de idosos e gestores

O interesse nessa produção de conhecimento deu-se pela necessidade de apresentar novas propostas de aten-dimento aos leitores idosos das bibliotecas pertencentes à Fundação Municipal de Cultura (FMC), podendo esses conhecimentos ser utilizados por quaisquer outras bibliotecas públicas que tenham interesse no atendi-mento a esse público.

Os sujeitos da pesquisa foram os idosos frequentadores das bibliotecas do bairro Padre Eustáquio e Renascen-ça, com idades acima de 60 anos, cadastrados nas mesmas, além dos gestores locais das respectivas bibliotecas alvo da pesquisa, sendo dois gestores locais e um gestor responsável pela coordenação do sistema de biblio-tecas da FMC.

Foram adotados os princípios éticos da confidencialidade e anonimato, de forma a preservar a fidelidade dos resultados. Seguindo esses princípios, os entrevistados foram codificados, respectivamente, como E1 até E8 para idosos e G1, G2 e G3 para os gestores.

O número de sujeitos não foi determinado a priori, uma vez que se trata de pesquisa qualitativa e, portanto, o critério de saturação dos dados foi o norteador da quantidade de entrevistas a serem realizadas, pois de acordo com Fontanella (2011, p.389) “a coleta de dados pode ser interrompida quando se constata que elementos novos para subsidiar a teorização almejada (ou possível naquelas circunstâncias) não são mais depreendidos a partir do campo de observação”.

O cenário da pesquisa são as bibliotecas do Centro Cultural Padre Eustáquio e a Biblioteca Regional do Bairro Renascença, administradas e mantidas pela Fundação Municipal de Cultura, tendo como critérios de escolha o fato de serem frequentadas principalmente por idosos e adultos e já realizarem diversas atividades culturais de âmbito geral.

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Segundo informações disponibilizadas no site da Prefeitura de Belo Horizonte, a FMC3 foi instituída em 2005 com a finalidade de planejar e executar a política cultural do município por meio de programas, projetos e ati-vidades que visem ao desenvolvimento cultural; zelar pelo patrimônio cultural do município; promover ações de preservação da memória e de incentivo às manifestações culturais da cidade. A FMC está vinculada ao ga-binete do Prefeito, possuindo autonomia administrativa e financeira e contando, atualmente, com 31 unidades culturais que incluem arquivo público, teatros, museus, centros culturais, centros de referência e bibliotecas.

O conjunto de bibliotecas da FMC é formado por 19 bibliotecas públicas municipais, sendo uma infantil-juvenil, duas regionais (bairro Renascença e Bairro das Indústrias) e 16 bibliotecas localizadas nos centros culturais em diversos bairros de Belo Horizonte.

Tanto as bibliotecas integrantes dos centros culturais quanto as bibliotecas regionais exercem as mesmas ati-vidades e serviços, distinguindo-se apenas quanto ao tamanho e aparato do local onde estão inseridas, sendo que os centros culturais são amplos espaços de convivência da comunidade que oferecem além das atividades próprias da biblioteca diversas outras atividades culturais, de lazer e de saúde, como apresentações teatrais, sessões cinematográficas, aulas de ioga e artesanato ao passo que as bibliotecas regionais exercem apenas atividades próprias da biblioteca e a oferta de oficinas literárias.

Em visita in loco observou-se que as bibliotecas pesquisadas são arejadas e com boa disposição de mesas e cadeiras. A biblioteca regional do bairro Renascença, apesar de ser acolhedora e com boas instalações físicas e mobiliário adequado, tem o inconveniente de seu acesso ser feito por uma escada íngreme. Nas duas bibliote-cas observou-se que as questões de acessibilidade não foram contempladas, como, por exemplo, informações em Braille, áudio-livro, espaço de circulação para deficientes físicos ou com mobilidade reduzida.

Para esta pesquisa foram entrevistados 11 pessoas, sendo oito idosos e três gestores. O grupo de idosos era composto de quatro do sexo masculino e quatro do sexo feminino com idades entre 65 e 86 anos.

Em relação aos gestores entrevistados dois tem formação em Biblioteconomia e um em Letras, sendo dois do sexo feminino e um masculino, com idades variando entre 30 e 40 anos. O tempo médio de atuação na FMC é de sete anos.

Na perspectiva dos idosos

As bibliotecas da Fundação Municipal de Cultura procuram, por meio de seus serviços e produtos, atingir todos os públicos. O objetivo deste trabalho foi sugerir subsídios para que as bibliotecas públicas possam também desenvolver atividades e serviços com foco no público idoso. Assim, com o propósito de conhecer melhor o público idoso que frequenta as bibliotecas analisadas, buscou-se verificar seus hábitos e interesses de leitura, bem como sua afinidade com as bibliotecas que costumam frequentar.

Ao serem perguntados sobre o gosto pela leitura, a maior parte dos idosos afirmou que gosta muito de ler, po-rém, em relação às suas preferências de leitura, as respostas foram diversificadas entre eles. Em primeiro lugar, eles declararam preferência pelos romances e, em menor número, mencionaram gostar de leituras relacionadas à religião, economia e espiritismo, literatura brasileira e os clássicos. Foram mencionados como preferência de leitura Machado de Assis e J. K. Rowling, autora de Harry Potter e romances policiais.

Em relação ao tempo médio que os idosos levam para visitar a biblioteca, este é variável, sendo que a maioria retorna à biblioteca quinzenalmente, dois retornam semanalmente, sendo que um visita a biblioteca diariamen-te e outro respondeu não frequentar a biblioteca. Neste último caso, o entrevistado não o faz por problemas

3 Disponível em: http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&pIdPlc=ecp TaxonomiaMenuPortal&app=fundacaocultura&tax=7664&lang=pt_BR&pg=5520&taxp=0&. Acesso em: março de 2015.

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de locomoção e pede para um familiar ir à biblioteca por ele. É perceptível, assim, a importância dessas instituições para o entretenimento da população idosa, mesmo que esta tenha problemas que impossibilitem a locomoção para tais espaços.

A questão sobre o tempo que os idosos permanecem na biblioteca nessas visitas revelou que os idosos perma-necem pouco tempo, apenas para a escolha e empréstimo do livro, sendo que apenas um deles disse ficar mais tempo, pois se dedica à leitura de jornais e revistas. Percebe-se que, para os idosos, a biblioteca não oferece muitos atrativos ou atividades além do empréstimo regular de livros, sendo que apenas um idoso permanece mais tempo na biblioteca, pois dedica-se à leitura de jornais.

Também foi perguntado aos idosos como eles avaliam o atendimento feito pela biblioteca e todos foram unâ-nimes em considerá-lo bom, demonstrando empatia com os funcionários.

As dificuldades de acessibilidade foram apontadas por um entrevistado que apresenta dificuldade de locomo-ção e porque o acesso à biblioteca é feito por meio de uma escada. Os outros entrevistados apontaram como um ponto positivo a facilidade de transporte público para se deslocarem à biblioteca.

A pouca diversidade do acervo é perceptível na fala de três entrevistados, ao indicarem os motivos por con-siderá-lo insuficiente: “Só tem um jornal, essa é que é a dificuldade, deveria ter mais opções de jornais e re-vistas semanais, o único problema aqui é a falta de variedade, falta de opções para ler” (E7); “podia ter mais variedade” (E8) e “apesar de limitado, atende” (E2).

As bibliotecas pesquisadas estão inseridas em centros culturais que desenvolvem diversas atividades, como aulas de pintura ou ginástica. Especificamente nas bibliotecas pesquisadas são desenvolvidas atividades de incentivo à leitura para adultos, jovens e crianças. Perguntados se participariam de alguma atividade desti-nada aos idosos em especial, a maioria respondeu que sim, enquanto três relataram que não participariam e apenas um, com dificuldades de locomoção, disse que não participaria.

Apesar dos idosos serem concisos nas respostas, percebeu-se que entre eles e as bibliotecas pesquisadas exis-te um bom relacionamento. Nas duas bibliotecas pesquisadas foi perceptível a empatia entre os funcionários e os idosos entrevistados.

Na perspectiva dos gestores, as bibliotecas da Fundação Municipal de Cultura possuem e oferecem vários serviços e produtos para a comunidade que atende, sendo o empréstimo de livros o mais visível e talvez o mais comum, porém, a maioria dos gestores abordou como importantes as ações de incentivo à leitura, como oficinas literárias, clubes de leitura e saraus. Foi citado também o apoio à pesquisa, os telecentros, a oferta de periódicos e a consulta na internet como serviços e produtos que são disponibilizados nas bibliotecas.

Quanto aos serviços prestados pelas bibliotecas da FMC, os entrevistados declararam que seguem as diretri-zes recomendadas para as bibliotecas públicas e oferecem várias atividades.

As bibliotecas oferecem duas categorias de atividades, que são as tradicionalmente ofertadas e as de incen-tivo à leitura. Para um dos gestores além dos serviços tradicionais, como empréstimos de livros, apoio à pesquisa, consulta na internet, oferta de periódicos são realizadas atividades de “sensibilização de incentivo à leitura, são atividades que têm como objetivo aproximar o leitor ou o possível leitor do livro, a gente trabalha muito no incentivo da leitura literária” (G3).

As bibliotecas pesquisadas oferecem mensalmente oficinas literárias, que podem também, segundo os gesto-res, ser extensiva aos idosos. Para G1 “algumas são específicas para o público infantil, mas a grande maioria é livre para todos os públicos, inclusive os idosos”.

Com relação às bibliotecas pesquisadas, observou-se que o acervo e atividades oferecidas procuram atender a todos os públicos, conforme o recomendado pelo Manifesto da IFLA/UNESCO (1994) para bibliotecas

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públicas, que estipula que os serviços da biblioteca pública devem ser oferecidos com base na igualdade de acesso para todos, sem distinção de idade, raça, sexo, religião, nacionalidade, língua ou condição social. O público atendido é bem diversificado atendendo crianças, adolescentes, adultos e idosos e as bibliotecas. Conforme um de seus gestores: “a gente tenta atender, tenta ter acervo, serviços e atividades para todas as faixas etárias” (G3).

Mas, em uma visita in locco às bibliotecas pesquisadas, observou-se predominância de idosos, confirmada pela fala do Gestor 2 “Aqui é um público bem diverso, porém com predominância realmente desse público mais idoso, adultos de uma forma geral e idosos”.

Outro gestor também confirma a representativa participação de adultos e idosos: “A gente atende usuários de todas as idades” e “especificamente a gente tem, por exemplo, uma presença maior de adultos e idosos” (G1).

No relacionamento entre o público idoso e os gestores das bibliotecas observou-se empatia entre eles. Um dos gestores afirma que esse é um relacionamento muito bom e que por vezes vira até amizade (G2), e para outro gestor “a permanência na biblioteca não é tão longa, no entanto, eles vêm com muita frequência” (G1).

Com relação à frequência com que os idosos utilizam a biblioteca o Gestor 2 diz que “o público que eu tenho de idosos aqui é o mais fiel, vem toda semana, geralmente levam três livros toda semana”.

As atividades dos centros culturais e das regionais são programadas mensalmente por uma equipe da FMC e enviadas para cada centro. Os gestores das bibliotecas escolhem, entre as atividades apresentadas, as de mais interesse para ofertar ao público naquele mês. Todas essas atividades são disponibilizadas na internet, no Facebook ou no site da FMC.

Considerando a participação do bibliotecário nas atividades de leituras, apenas um dos gestores fez críti-cas quanto à sua atuação. Para ele, a formação do bibliotecário não o prepara para lidar com atividades de incentivo à leitura e isso pode afetar a sua atuação como um mediador da leitura. Para ele a maioria dos bibliotecários “se sente responsável apenas pela gestão de biblioteca, pelo serviço, pela organização” (G3).

Milanesi (1983, p. 104) propõe que o bibliotecário deve atuar também no atendimento ao público:

Muitas vezes uma biblioteca está organizada de acordo com todas as normas e não encon-tra ressonância junto ao público para o qual deveria existir. Por isso, o bibliotecário deverá abandonar parte de sua rotina de catalogação/classificação [...] e dedicar-se ao trabalho de atendimento ao público.

A participação da comunidade na elaboração das atividades mensais é pouca ou raramente acontece, sendo que, quando feitas, elas podem ser acatadas ou não pela equipe. Para um dos gestores, dificilmente a comu-nidade participa e quando ocorre alguma demanda a FMC tenta atuar em cima dessa demanda.

Acredita-se que a participação da comunidade, tanto na indicação como na atuação, é de fundamental impor-tância para o bom funcionamento das atividades ocorridas nos centros culturais e bibliotecas. Dar voz aos ci-dadãos comuns é uma forma de integrar a comunidade nos processos decisórios, de incentivar a participação popular. Dessa forma, pode-se ouvir e perceber os verdadeiros anseios da comunidade, além de incentivar a gestão social e desenvolvimento local, bem como mostrar os limites desse processo.

A atuação da biblioteca junto à comunidade é ressaltada por Cunha (2003, p. 70):

A integração com a comunidade pressupõe conhecê-la para permitir o planejamento de ações

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e a criação de produtos e serviços adequados às necessidades dos usuários da biblioteca pública. Servir de mediadora entre sociedade para qual foi criada e o patrimônio cultural da humanidade é papel do qual a biblioteca pública não pode abdicar. O processo de mediação é o reflexo de sua responsabilidade social com a formação e desenvolvimento da cidadania.

A participação dos usuários também é fundamental em outras instâncias da biblioteca, como, por exemplo, a formação e desenvolvimento do acervo. Em uma biblioteca pública o desenvolvimento de coleções é uma etapa que deve ser feita levando-se em conta a diversidade de seu púbico e tendo como parceiro na sua for-mação a comunidade que atende, não devendo ser, portanto, um processo unilateral. Deve ser feita observan-do-se critérios como os interesses de informação e leitura da comunidade, de modo que sejam atendidas as necessidades informacionais, culturais, educativas e de lazer dessa comunidade. Deve-se levar em conside-ração que bibliotecas públicas têm um público heterogêneo, sendo assim, essa etapa deve ser precedida de um estudo prévio.

A biblioteca pública, ao integrar-se à comunidade e direcionar seus serviços de modo que ela seja contem-plada nas suas necessidades informacionais e culturais, amplia os laços com a comunidade, aumenta a sua credibilidade e fortalece a identidade cultural da comunidade.

A entrevista com os gestores revelou que nas bibliotecas da FMC a formação do acervo é feita por uma equipe e tem por objetivo fundamental incentivar a leitura literária, disponibilizando nas bibliotecas obras de escritores clássicos, dando destaque para autores pouco conhecidos e fora da grande mídia. Essa equipe se encarrega de selecionar as obras que farão parte do acervo, não contando, segundo dados extraídos das entre-vistas, com a participação mais efetiva da comunidade. O aspecto laico é mantido e obras de cunho religioso não são incorporadas ao acervo.

Embora possam ser de interesse de alguns leitores, existe resistência por parte da FMC em incorporar ao acervo obras de escritores contemporâneos consideradas best sellers e com apelo comercial, sendo verificada na fala dos gestores ao argumentar sobre os interesses da comunidade: “Se eu for trabalhar com atendimento de demanda, eu só compro best seller” (G3) e “Não dá prioridade para best-seller, apesar de serem muito procurados [...]” (G2).

Apesar de os leitores não participarem diretamente da formação do acervo, suas sugestões podem ser acata-das, mas estão condicionadas à verba que a Prefeitura disponibiliza para os centros culturais, como explica G3: “Quando surge a verba, que às vezes é uma vez por ano, e às vezes nem uma vez por ano, aí a gente repassa essas indicações de leitores” (G3).

Mas um dos gestores explicou que a formação do acervo é feita regularmente e que esse processo pretende atingir todos os públicos. Para ele, “o departamento de coordenação de bibliotecas desde 2011 vem fazendo compras regulares de acervo, tomando cuidado para que todos os públicos sejam atendidos e todos os gêne-ros na medida do possível também seja” (G1).

Mas o que se percebe nas falas dos gestores é que a escolha é feita tendo critérios preestabelecidos pela co-missão, no sentido de se privilegiar a leitura literária. Isso é verificado no depoimento de um dos gestores: “[...] vamos supor que eu vou poder comprar 500 livros para uma biblioteca durante um ano, então eu penso que a gente tem que comprar os 500 melhores” (G3) e outro gestor argumenta que: “Na verdade, é feito um estudo de obras mais interessantes para a gente instigar no leitor mesmo” (G2).

A escolha das obras é feita por uma comissão composta de profissionais de diferentes áreas, que inclui pro-fissionais com formação em Letras, Pedagogia e Biblioteconomia. Mas nem todos os gestores entrevistados participam dessa comissão: “Existe uma comissão de formação do leitor que, na verdade, eu não participo, mas especificamente eu não participo dessa comissão” (G2).

Outro gestor explica como é composta a comissão: “A comissão de seleção de acervo é composta pelos

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especialistas de literatura da fundação e por bibliotecários, e essa comissão é que avalia, recebe todas as informações dos livros” (G1).

Sendo assim, a formação do acervo em todas as bibliotecas públicas geridas pela FMC tem como foco a lei-tura literária e, consequentemente, apresentar ao leitor escritores ainda pouco conhecidos do grande público.

É perceptível um certo preconceito literário, uma vez que a comissão acredita não serem de qualidade livros contemporâneos, considerados best seller e de grande interesse do público e, em contrapartida, superestima escritores que considera “bons”, pouco divulgados pela mídia e consequentemente menos populares, e que deseja que o público venha a conhecê-los, segundo critérios estabelecidos por essa comissão.

A justificativa apresentada por um dos gestores é que devem ser apresentadas ao leitor obras pouco divul-gadas e que o leitor ainda não conhece, sendo que o trabalho da comissão é direcionado nesse sentido, de “apresentar ao público uma coisa que ele não conhece” (G3).

A inclusão de best sellers é algo que gera opiniões diferentes. Mendonça (2014, p. 7) alega que a biblioteca deve incluir também essas obras: “em vez de se fechar nos clássicos, as bibliotecas estejam se tornando me-nos sisudas e proporcionando acesso à leitura de best sellers também”.

Silva (2014, p. 71) também questiona sobre a inclusão de best sellers em acervos de bibliotecas públicas:

Perante as necessidades dos usuários de uma biblioteca pública, não procede a definirmos como um lugar sacralizado, silencioso e erudito, onde perdura apenas a prática de leituras li-terárias. O acesso à alfabetização e a industrialização do livro, gerando produtos com preços mais acessíveis, contribuíram para a mudança do perfil do leitor e por isso a necessidade de se repensar sua inserção nesse contexto cultural.

A escolha feita pela comissão mostra-se unilateral e não leva em conta as particularidades de cada comuni-dade. O que inicialmente parece ser uma decisão justa, pela equidade do processo, na realidade evidencia a pouca participação da comunidade nos processos decisórios de formação do acervo.

De acordo com as instruções do Sistema Nacional de Bibliotecas públicas4:

Uma decisão coletiva neutraliza as escolhas excessivamente pessoais ou parciais, possibili-tando que as verbas destinadas à aquisição dos materiais sejam distribuídas sem privilegiar ou discriminar autores, assuntos, tipos de materiais ou editoras e livrarias e deve ter a parti-cipação do responsável da biblioteca.

A escolha do acervo é feita em conjunto para todas as bibliotecas da FMC, não havendo distinção entre elas. Isso pode ser verificado na fala de um dos gestores: “Compra o mesmo acervo para uma biblioteca, compra para todas” (G1).

Um dos gestores explica as razões pelas quais a demanda da comunidade pode ser acatada ou não. A demanda feita pelo usuário é avaliada mas não significa necessariamente que seja aceita pois ele considera que “[...] se eu ouço o que o usuário pede, eu ouço um universo muito reduzido, porque a pessoa só pede o que ela conhece” (G3).

Essas mesmas razões também podem ser percebidas na assinatura de periódicos, como descrito na seguinte

4 Disponível em: http://snbp.culturadigital.br. Acesso em: abril de 2015.

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fala: “A gente faz com os periódicos também senão a gente só assina a Veja, porque o que as pessoas conhe-cem é a Veja” (G3).

A formação de um acervo, segundo o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas5, é um processo complexo e deve contemplar vários critérios como atualização, reposição, demanda, qualidade, diversidade, pluralidade e acessibilidade. Com relação à demanda, a orientação é que também sejam incluídas no acervo as novidades editoriais e de grande repercussão junto à opinião pública e, quanto à acessibilidade, incluir também obras em braile, áudio-livros, entre outros.

Vergueiro (1993, p. 18) acredita que o desenvolvimento de coleções em bibliotecas públicas deve levar a diversidade do público que atende. Para ele, as bibliotecas públicas

possuem uma clientela mais dinâmica, diversificada, que deve ser acompanhada com bas-tante atenção devido às mudanças de gostos e interesses. As necessidades informacionais da comunidade a ser atendida pela biblioteca variam, pode-se dizer, quase que na mesma proporção em que variam os grupos, organizados ou não, presentes na mesma.

Mesmo sendo louvável a decisão dos gestores em privilegiar escritores pouco conhecidos, deve-se ter em conta o equilíbrio na formação do acervo, evitando-se juízos de valor, uma vez que diferentes pessoas têm diferentes gostos de leitura, e todas elas devem, na medida do possível, ser contempladas.

Sobre a importância da comunidade na formação do acervo, Vergueiro (1993, p.19) alerta que:

O trabalho de análise da comunidade parece ser, assim, aquele que maior ênfase deve receber por parte dos bibliotecários. Como consequência desse acompanhamento da comunidade, exatamente em virtude das flutuações detectadas, haverá um cuidado especial com a seleção de materiais, devidamente alicerçada em uma política de seleção (que, por sua vez, será ba-seada no perfil da comunidade a ser atendida).

A formação do acervo nas bibliotecas públicas da FMC também está condicionada à verba anual que a Pre-feitura disponibiliza para a área cultural. “Esse ano a gente teve menos verba para fazer assinaturas, então a gente ficou só com a revista semanal e o jornal” (G3).

A biblioteca pública pode assumir diferentes dimensões, passando de um local de gerador do conhecimento e pesquisa para ser também um local de manifestações culturais, de entretenimento e lazer. Por exemplo: exibi-ção de filmes, apresentações musicais, exibição de obras de artes ou alguma outra atividade artístico-cultural, sem que, com isso, perca seu aspecto de um espaço basicamente voltado para a leitura.

Um dos gestores não compactua com a ideia de a biblioteca ser considerada também um local de entreteni-mento: “O entretenimento é uma palavra que a gente não usa aqui, ela não figura nas nossas diretrizes [...] nós estamos trabalhando no plano municipal de leitura, então a gente trabalha com a biblioteca numa perspectiva cultural” (G3).

Alguns autores pensam justamente o contrário. Pereira (2014, p. 50-51) defende que a biblioteca pode tam-bém ser um espaço de entretenimento/lazer:

5 Disponível em: http://snbp.culturadigital.br/formacao-e-desenvolvimento-de-acervos-em-bibliotecas-publicas/. Acesso em: abril de 2015.

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Sendo assim, este espaço não precisaria se limitar ao simples empréstimo e o deslumbrar das estantes, este espaço pode oferecer outros serviços e produtos que promovam o entreteni-mento nas bibliotecas, através da interação social (resultante do diálogo “usuário-usuário”). Não necessariamente o livro, como produto, estaria por fora desse diálogo, ao contrário, este produto pode auxiliar no entretenimento.

Uma tendência atual é diversificar o papel da biblioteca pública por meio das bibliotecas-parque, baseadas no exemplo das bibliotecas-parque de Bogotá e Medellin. Essas bibliotecas têm uma gama de atividades e serviços que fogem à imagem tradicional da biblioteca pública com acesso não só aos livros, mas também com exibição de filmes, teatros e dança, tendo como exemplo no Brasil a biblioteca Parque de Manguinhos.

A IFLA também inclui a recreação como um dos objetivos da biblioteca pública. Para essa instituição:

O principal objetivo da biblioteca pública é fornecer recursos e serviços em diversos su-portes, de modo a ir ao encontro das necessidades individuais ou coletivas, no domínio da educação, informação e desenvolvimento pessoal, e também de recreação e lazer (IFLA, 2013, p. 13)

A qualidade de vida da população mundial tem aumentado, proporcionando elevação da taxa média da ex-pectativa de vida e, consequentemente, a ampliação do número de idosos em nosso convívio. Dessa forma, é interessante que instituições voltadas para o entretenimento ou favorecimento e criação de movimentos ou processos culturais repensem seus produtos e serviços para atrair ou melhorar o atendimento ao público idoso.

Sobre a atual situação das bibliotecas pesquisadas, foi perguntado aos gestores se haveria alguma coisa que eles pudessem fazer na biblioteca que atraísse mais o público idoso. Quanto a isso, um dos gestores não vê distinção entre os públicos que frequentam a biblioteca. Para ele não devem ser tomadas medidas diferentes para os idosos, conforme pode ser inferido pela fala a seguir: “[...] então eu acho que o que interessa a mim interessa ao idoso também”.

O relacionamento entre a comunidade e a biblioteca é fator importante para a utilização do espaço da biblio-teca, seja para leitura ou para atividades culturais, em determinada comunidade. A utilização da biblioteca e o seu bom funcionamento são elementos fundamentais para a permanência dessa instituição em determinado local.

Observa-se que o relacionamento comunidade-biblioteca deve ser o mais próximo possível. Saber o que a co-munidade precisa e dar voz aos seus anseios permite que a biblioteca exerça seu papel como uma instituição social de forma mais significativa e atuante. Uma gestão social por parte da biblioteca traria benefícios para a comunidade em que está inserida. Para Tenório (2005, p.103), “na gestão social deve sobressair o diálogo – o coletivo”. O autor diz ainda que a gestão social permite um gerenciamento mais participativo, dialógico, em que o processo decisório é exercido por meio de diferentes sujeitos sociais (TENÓRIO, 2005)

Considerações finais

A pesquisa possibilitou identificar as preferências de leitura dos idosos e sua interação com as bibliotecas

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pesquisadas. Apesar de serem o maior público em ambas as bibliotecas foi verificado que essas não ofere-cem serviços ou atividades especialmente dedicados a esse público e também não apresentam condições de acessibilidade adequadas, não só para o público com mobilidade reduzida, mas também para os deficientes físicos.

Observou-se que os idosos têm na biblioteca um ponto de socialização e encontro e aquele momento é para eles a oportunidade de trocarem ideias, reverem o pessoal da biblioteca e terem uma atividade.

Conclui-se que as decisões tomadas pela biblioteca, tanto na formação do acervo quanto no desenvolvimento e oferta de atividades são unilaterais e não têm a participação da comunidade. Esta, segundo relatos, quando ocorre pode ser acatada ou não.

É importante ressaltar que a biblioteca pública deve ter a comunidade como uma parceira, identificando as suas necessidades e, para ela, desenvolver atividades e serviços que a tornem indispensável para a comuni-dade local. É fundamental que os gestores mantenham um diálogo com a comunidade, permitindo e possibi-litando sua participação, identificando e desenvolvendo atividades e serviços que contemplem os interesses da comunidade. Para isso, será necessário conhecer um pouco melhor quem são os seus usuários e o que esse público procura e deseja encontrar nas bibliotecas, permitindo assim uma gestão mais compartilhada e com o uso do diálogo.

Ao permitir a formação de laços afetivos e de relações intersubjetivas, a biblioteca pública contribui para a qualidade de vida daqueles que a frequentam e usufruem de seus serviços. É necessário que a biblioteca disponha de condições físicas adequadas, funcionários capacitados, conheça a comunidade e esteja aberta ao diálogo.

As bibliotecas públicas podem influenciar positivamente em hábitos e atitudes da população quanto ao au-mento na quantidade de leitura e até mesmo uma leitura mais crítica e que resulte em processos criativos. Por outro lado, são também instituições que permitem o contato social, o exercício da cidadania e a inclusão social.

A tradicional imagem da biblioteca como um local estático de preservação da memória, guarda e conservação de documentos já está mudando. Mesmo também importantes, essas atividades passam a dividir sua impor-tância com outras, como, por exemplo, atividades de lazer e recreação.

Enfim, observou-se na pesquisa que é considerável o número de idosos que frequentam a biblioteca, sendo, então, aconselhável que as bibliotecas pesquisadas desenvolvam atividades e serviços direcionados para esse público; readequação do espaço físico e mobiliário de acordo com as normas de acessibilidade e capacitação de seus funcionários no atendimento ao público e mediação da leitura. É aconselhável também mais interlo-cução da biblioteca com a comunidade, para torná-la sua parceira. Através de uma gestão compartilhada, em que a comunidade possa estar presente nas decisões, a biblioteca pública pode propiciar, além do acesso à informação, cultura e lazer, o exercício da cidadania e a inclusão social. Conclui-se, levantando uma questão para debate, reflexão e talvez uma continuidade dessa investigação, sobre em que medida a gestão de uma biblioteca pública pode e deve se aproximar de uma gestão social, contemplando os aspectos do diálogo, da participação na sua construção e nas decisões que afetam desde o espaço físico, passando pelo acervo, até o uso de fato desse bem e serviço públicos.

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PLANEJAMENTO URBANO E PARTICIPAÇÃO POPULAR: PELA SOCIEDADE E COM A SOCIEDADE?

Rovena Nacif Martins1

Alexandra Nascimento Passos2

Resumo

O artigo em referência tem como objetivo tecer considerações teóricas sobre o tema da participação popular no planejamento Urbano, que é um dos pressupostos para a construção de cidades democráticas. Utilizou-se pesquisa bibliográfica com levantamento de livros, artigos e teses sobre o assunto. A participação popular é um Direito do cidadão previsto na Constituição Federal, no Estatuto da Cidade e no Plano Diretor Municipal. Envolver os cidadãos no processo de decisão para o futuro é a garantia ao acesso democrático do espaço urbano e ao “Direito à Cidade”. As reflexões deste trabalho buscam lançar luz acerca da efetividade da participação popular e busca contribuir para a reflexão das práticas sociais no IV Simpósio de Socialização da Produção Acadêmica do Programa de mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA.

Palavras-chave: Participação Popular. Planejamento Urbano. Democracia Deliberativa.

Introdução

O presente artigo fornece subsídios para uma discussão teórica sobre a participação popular no contexto da política urbana. Tal artigo tem o objetivo de estabelecer relações entre a participação popular, o planejamento urbano, o desenvolvimento local e a gestão social. A partir da referência do modelo da democracia deliberativa, buscou-se compreender a efetividade da participação nas questões relativas às cidades. Sendo assim, utilizou-se a pesquisa bibliográfica narrativa, com levantamento de livros e artigos disponíveis na biblioteca digital brasileira de teses e dissertações do site IBICT e nas bases de dados da Scientific Eletronic Library Online (SCIELO).

Planejamento urbano

Antes de apresentar o conceito de planejamento urbano é importante fazer uma reflexão acerca do que é a cidade. Inicialmente, pode-se imaginar o espaço urbano a partir de organização espacial, ou seja, da área onde se localizam o centro comercial, a área industrial, residencial, as ruas, praças, enfim, tudo que define suas feições perceptíveis ao olhar. No entanto, a vida na cidade não é algo estático que simplesmente pode ser planejado, executado e finalizado sem levar em conta a dinâmica social. Segundo Lefebvre (2001), a cidade pode ser definida como a “projeção da sociedade sobre o local” (LEFEBVRE, 2001, p.62).

Lefebvre (2001) afirma que para entender a cidade é preciso compreender as relações de classe e propriedade e as mensagens que esse espaço emite e recebe dentro da sua dinâmica. Ao caminharmos pela cidade podemos perceber essas mensagens através das distinções entre os espaços urbanos bem organizados e estruturados e outros que, à margem

1 Funcionária pública da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Mestranda do PPG em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA. [email protected] Professora do PPG em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA.

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das políticas públicas, são dotados de infraestrutura precária ou, por vezes, inexistente.

Para analisar a cidade, Carlos (2007), tomando como referência Lefebvre e Marx, estabelece uma análise da cidade a partir de três planos:

o econômico (a cidade produzida como condição de realização da produção do capital - convém não esquecer que a reprodução das frações de capital se realizam através da produção do espaço), o político (a cidade produzida como espaço de dominação pelo Estado na medida em que este domina a sociedade através da produção de um espaço normatizado); e o social (a cidade produzida como prática sócio espacial, isto é, elemento central da reprodução da vida humana) (CARLOS, 2007, p.21)

A partir dessa definição é possível vislumbrar a cidade como reflexo da dinâmica histórica, que sofre alterações conforme as conjunturas econômicas, políticas, culturais e sociais. O sentido das relações sociais abrange trocas que nem sempre são comerciais, podendo ser de trabalho, amizade, família as quais influenciam na construção do espaço urbano. No entanto, é fundamental compreender que o capitalismo impôs a concentração da população e a apropriação desigual pois, o espaço, ao ser convertido em mercadoria, conduziu a uma forma de dominação, na qual o acesso a ele é submetido ao mercado (CARLOS, 2007).

Souza (2013) discute a cidade como um produto socioespacial que reflete a interação entre as escalas geográficas, um intercâmbio complexo no qual estão presentes vários agentes. Neste processo, o Estado aparece como o agente modelador e regulador do espaço urbano responsável pela imposição e fiscalização das regras de convivência. Assim, a compreensão do espaço urbano requer uma abordagem mais abrangente do que puramente o estudo do espaço geográfico, já que nele estão inseridas as marcas das relações econômicas, sociais e históricas. Nesse sentido, Maricato (2011, p.168) afirma que “o espaço urbano não é apenas um mero cenário para as relações sociais, mas uma instância ativa para a dominação econômica e ideológica”.

Pensar o espaço urbano de forma ampla e sistêmica, bem como tentar antever os problemas futuros é o que podemos definir como Planejamento Urbano. Souza (2013) faz a distinção entre planejamento e gestão. Para o autor, planejamento urbano é a preparação do futuro enquanto a gestão urbana pode ser entendida como a administração do presente. O planejamento não deve ser racionalista e inflexível, uma vez que a cidade é feita de histórias complexas, misturas de determinações e indeterminações.

Maricato (2011) reforça o pensamento de um planejamento mais flexível destacando que grande parte do crescimento urbano se deu de forma desordenada e sem planejamento adequado, e que a atividade de pensar a cidade não deve descartar essa realidade. Nesse sentido, o planejamento urbano deverá ser um exercício de construção contra hegemônica e intersetorial, buscando instituir pactos sociais duradouros, que deve assegurar “justiça social e a reposição dos pressupostos ambientais naturais para o assentamento humano” (MARICATO, 2011, p. 178).

Souza (2013) esclarece que no planejamento urbano devem estar presentes diversos profissionais como: arquitetos, cientistas sociais, geógrafos etc., que devem construir um aprendizado mútuo. Para se pensar a cidade com o olhar para o futuro e buscar conciliar os conflitos e as questões sociais, somente a visão de profissionais de arquitetura e engenharia não é suficiente. Ainda assim, mesmo com a ação interdisciplinar de técnicos, não se pode deixar de incluir os ocupantes deste espaço, fundamentais para pensar o futuro da cidade, uma vez que vivenciam e constroem o presente. Nesse sentido, cabe incluir, nas discussões que envolvem a construção do espaço urbano, seus habitantes.

Como entender o desenvolvimento local e a gestão social no contexto participativo do planejamento urbano?

A participação popular é um direito do cidadão previsto na Constituição Federal, no Estatuto da Cidade e no Plano Diretor Municipal. Participar é o ato de integrar o cotidiano de todos os indivíduos, revelando as suas necessidades, e cujo compromisso deve ser com o bem-estar de todos, visando ao desenvolvimento local (TENÓRIO, 2007).

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O que podemos entender como Desenvolvimento local e como este desenvolvimento poderia contribuir para o bem-estar de todos? De acordo com Senhoras (2007), as primeiras experiências de desenvolvimento local foram orientadas para o desenvolvimento econômico do território, com vistas a geração de empregos, aproveitando as potencialidades locais, com forte tendência a ignorar o contexto de desigualdades e das relações de poder e repassando a responsabilidade pelas ações para os atores locais – o que o autor denomina como vertente competitiva ou concepção hegemônica.

Para superar este modelo hegemônico é preciso descobrir as vocações locais e manter estratégias de desenvolvimento por meio de um sistema autônomo, porém global, e com articulação efetiva entre Estado, Mercado e Sociedade, de forma que cada um assuma, seu(s) papé(is) e responsabilidade(s) – seria a concepção social, que nos levaria as construções contra hegemônicas (SENHORAS, 2007). Esta propõe a abertura para a complexidade da sociedade, tomando como referência a realidade real e concreta, com o enfrentamento do capitalismo, buscando formas de incorporar, distribuir os frutos da riqueza, do poder e da informação.

Conforme cita Senhoras (2007), as ações devem envolver todos os atores, não sendo monopolizadas pelo Estado e também conter formas deliberativas de um projeto que contemple o local, mas que estabeleça relações com o regional e o nacional. Enfim, entende que:

Esses pontos aprofundam o conceito de desenvolvimento local, entendido como um plano de ação coordenado, descentralizado e focalizado, destinado a ativar e a melhorar – de maneira sustentável – as condições de vida dos habitantes de uma localidade; e a estimular a ampla participação de todos os atores relevantes. (SENHORAS, 2007. p.19)

Oliveira (2001) reafirma que o desafio do desenvolvimento local é assumir a complexidade da sociedade como possibilidade de corrigir a tendência capitalista de concentração de renda. Se houver uma tendência contrária aos processos dominantes haverá, segundo o autor, a desformalização e desregulamentação dos contextos atuais, um caminho para reinventar uma forma que não possa ser assimilada pelo modelo global concentrador e antidemocrático.

Participação popular ou participação cidadã?

Para Pateman (1992), o filósofo Rousseau é o primeiro teórico da participação e sua obra “Do Contrato Social” estabelece as bases da democracia participativa, uma vez que nela o autor defende a participação individual do cidadão no processo de tomada de decisão, acreditando que somente assim seria possível assegurar um bom governo. A autora destaca que, para Rousseau, como leis e normas são necessárias para o convívio em sociedade, os indivíduos devem viver sob as leis que eles mesmos elaboraram, e que somente um processo participativo pode assegurar igualdade de benefícios e encargos.

No pensamento Rousseauniano, segundo Pateman (1992), a condição principal para a participação é a educação, uma vez que esta proporciona ao cidadão o aprendizado para distinguir entre o interesse privado e público e desenvolver as qualidades necessárias ao desempenho da cidadania de forma independente. Essas qualidades vão se aprimorando na medida em que o cidadão vai ampliando sua participação,

Uma vez estabelecido o sistema participativo (e este é um ponto da maior importância), ele se torna autossustentável porque as qualidades exigidas de cada cidadão para que o sistema seja bem-sucedido são aquelas que o próprio processo de participação desenvolve e estimula; quanto mais o cidadão participa, mais ele e se torna capacitado para fazê-lo (PATEMAN, 1992, p. 39).

Teixeira (2002) propõe avançar para o que chamou de participação cidadã, que é a participação que interfere, influencia nas decisões de governo com uma visão de justiça social. A orientação teórica para a construção do conceito de

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participação cidadã, de caráter emancipatório, é a teoria da Teoria da Ação Comunicativa de Jurgen Habermas, a partir da qual os indivíduos de forma racional se libertam da imposição e estabelecem um diálogo a partir do qual se pretende estabelecer um consenso construído por meio da razão.

Segundo a Teoria da Ação Comunicativa de Habermas, o agir comunicativo possui um discurso ideal – a contradição não gera dominação e sim é realizada de forma racional com busca do consenso3. Teixeira (2002) destaca que, para Habermas, a participação deliberativa obtém força legitimadora através da formação de opinião durante o debate público que busca o consenso sem coerção, gerado pela razão.

Para Tenório (2005, p. 102), essa é a base da Gestão Social, um “processo de gestão que deve primar pela concordância, em que o outro deve ser incluído e a solidariedade o seu motivo”. Nesse sentido, a gestão social tem como princípio a participação social: o cidadão é o principal ator neste processo, porém sua participação não pode ser algo imposto, deve ser uma ação voluntária do indivíduo que deseja participar do planejamento da cidade. De acordo com Souza (2013), estimular o diálogo racional é o caminho da busca da maior justiça social. Para Teixeira (2002), “O cidadão deve aprender a tolerar a diversidade, a desenvolver a virtude cívica, a temperar o fundamentalismo e o egoísmo” (TEIXEIRA, 2002, p. 33).

A ação participativa não retira do Estado a sua função gestora, nem substitui os trâmites legais previstos na lei de encaminhamento das propostas para o legislativo. O Estado é o responsável por legitimar e apresentar condições para que a sociedade participe das decisões. Os indivíduos devem ser estimulados a participar dos processos de preparação e capacitação, pois devem conhecer intimamente o processo do qual estão participando. Nesse sentido, o cidadão deve ser estimulado não somente a participar, mas a conhecer os meandros do processo para compreender a importância e o sentido de sua ação. Maricato (2011) corrobora esse pensamento e afirma que a etapa de preparação é muito importante para uma ampla participação no planejamento urbano, pois criará condições para o debate, uma vez que o conhecimento é a base para uma representação capaz de conduzir para ações de combate à desigualdade.

Ainda segundo Maricato (2001), há por parte do governo e dos seus técnicos um desconhecimento das condições reais da cidade, o que conduz a projetos regressivos. Neste sentido, a escuta da experiência dos moradores não deve ser descartada e sim apropriada: ouvir os cidadãos acerca dos seus problemas e necessidades, bem como suas sugestões, conduz a um processo de aprendizado mútuo sobre a cidade e a realidade local, que possibilita a construção de um planejamento mais flexível, calcado em problemas reais e que contemple distintas necessidades.

Democracia deliberativa segundo Habermas

Conforme já destacado por Teixeira (2002) e Tenório (2007), a Teoria da Ação Comunicativa de Habermas pode ser pensada em consonância com a Gestão Social. Nesse sentido, buscar-se-á analisar os principais pressupostos teóricos apresentados pelo filósofo.

Uma das bases do pensamento de Habermas é a reflexão acerca da democracia. O autor parte do princípio de que todos os dias praticamos a ação da comunicação; seja em casa, no trabalho ou na esfera pública - independentemente do ambiente, somos compelidos a estabelecer motivos, razões para nossas escolhas, precisamos ceder ou não a outras argumentações. Essa possibilidade de argumentação e de emissão de opiniões possibilita ao indivíduo debater suas ideias rumo à construção de um “consenso” em diversas esferas de discussões. De acordo com Habermas, os papéis de cidadão e de indivíduo privado se entrecruzam e se combinam dotando, assim, o sujeito de informações para elaborar seu julgamento. A esfera pública e esfera privada não estão desconectadas; ao contrário, estão em constante interação. A primeira capta e realça as temáticas existentes na esfera privada, problematizando-as e trazendo-as para o debate público (LOSEKANN, 2009).

Habermas apresenta em seu trabalho “Três Modelos Normativos de Democracia” os pressupostos das concepções liberal e republicana, e apresenta sua proposta alternativa – a democracia deliberativa,

O terceiro modelo de democracia que eu gostaria de defender, apoia-se precisamente nas condições de comunicação sob as quais o processo político pode ter a seu favor a presunção

3 Consenso racional, que para Tenório (2007) é um acordo alcançado por meio da discussão crítica.

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de gerar resultados racionais, porque nele o modelo e o estilo da política deliberativa realizam-se em toda a sua amplitude. (HABERMAS, 1995, p. 45)

Para Habermas (1995), na concepção liberal o cidadão é definido pelos direitos subjetivos que tem diante o Estado. Este, por meio da ordem jurídica, é responsável pelo estabelecimento dos direitos que cabem ao indivíduo. Nessa concepção, o processo democrático ocorre na forma de compromissos de interesses, ou seja, o Estado está voltado para a garantia de determinados interesses. O autor explica que o processo político é a luta por posições que asseguram a capacidade de valer-se do poder administrativo, ou seja, de administrar o Estado, cujo processo se dá por meio dos votos dos eleitores que expressam suas preferências:

Segundo a concepção liberal o processo democrático cumpre a tarefa de programar o Estado no interesse da sociedade, entendendo-se o Estado como o aparato de administração pública e a sociedade como o sistema, estruturado em termos de uma economia de mercado, de relações entre pessoas privadas e do seu trabalho social (Habermas, 1995, p. 39).

No artigo, Habermas esclarece que a concepção republicana entende que a cidadania está ligada aos direitos positivos, ou seja, o direito de participação e comunicação política. Nesse sentido, a ordem jurídica objetiva possibilita e garante a integridade de uma convivência com igualdade de direitos e autonomia. O processo político é uma forma de contestação acerca das questões de valores e não exclusivamente de poder, com argumentação racional. Na visão habermasiana, o processo de formação democrática realiza-se na forma de auto compreensão ética, ou seja, na compreensão de que o indivíduo possui uma orientação para o bem, enfim,

O modelo republicano tem vantagens e desvantagens. A vantagem, vejo-a em que atém ao sentido democrata radical de uma auto-organização da sociedade por cidadãos unidos comunicativamente, e em não fazer com o que os fins coletivos sejam derivados somente de um arranjo entre interesses privados conflitantes. Vejo sua desvantagem no idealismo excessivo que há em tornar o processo democrático dependente das virtudes de cidadãos orientados para o bem comum (Habermas, 1995, p. 44).

Para melhor compreensão da diferença entre as concepções citadas por Habermas, Oliveira (2009) reporta-se a Norberto Bobbio e conclui que a concepção liberal estaria relacionada à liberdade dos modernos em que há a primazia dos direitos humanos e defesa das liberdades públicas e a concepção republicana seria a liberdade dos antigos (conceito clássico grego), vinculada aos conceitos de soberania popular e democracia.

Utilizando elementos da teoria do discurso, Habermas (1995) demonstra que “coincidindo com o modelo republicano, ela [a democracia deliberativa] concede um lugar central ao processo político de formação da opinião e da vontade comum, mas sem entender como algo secundário a estruturação em termos de Estado de Direito” (Habermas, 1995, p.47). Ainda segundo o autor,

A teoria do discurso, diferentemente, conta com a intersubjetividade de ordem superior de processos de entendimento que se realizam na forma institucionalizada das deliberações, nas instituições parlamentares ou na rede de comunicação dos espaços públicos políticos. (Habermas, 1995, p. 48)

Habermas, em seu livro “Direito e Democracia entre factividade e validade”, apresenta a forma de institucionalização da democracia deliberativa através do Direito, pois

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Na teoria do discurso, o desabrochar da política deliberativa não depende de uma cidadania capaz de agir coletivamente e sim, da institucionalização dos correspondentes processos e pressupostos comunicacionais, como também do jogo entre deliberações institucionalizadas e opiniões públicas que se formarem de modo informal (Habermas, 2003, vol. II, p 21).

Para Habermas (2003), a política deliberativa se realiza através de procedimentos formais, nos quais as comunicações políticas dependem das fontes do mundo da vida, onde elas se formam e se regeneram. Para tanto, é necessária uma esfera pública que contemple a formação das vontades institucionalizadas, ou seja, deve haver procedimentos formais e democráticos que garantam a todos o direito e a liberdade de expressão. Portanto,

A esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos. Do mesmo modo que o mundo da vida tomado globalmente, a esfera pública se reproduz através do agir comunicativo, implicando apenas o domínio de uma linguagem natural; ela está em sintonia com a compreensibilidade geral da prática comunicativa cotidiana (Habermas, 2003, vol. II, p. 92).

Outro conceito importante apresentado por Habermas (2003) é o da sociedade civil, “que se compõe de movimentos, organizações e associações, que captam os ecos dos problemas sociais que ressoam nas esferas privadas, os condensam e transmitem, a seguir, para a esfera pública política4” (p. 99).

A partir dos conceitos de esfera pública, sociedade civil, formação da opinião através da ação comunicativa, Habermas destaca que na esfera pública liberal os atores não podem exercer poder político, somente uma influência que deve “passar pelo filtro dos processos institucionalizados da formação democrática da opinião e da vontade” (Habermas, 2003, p. 105).

Para Pinto (1995), na teoria da ação comunicativa a racionalidade é baseada na prática da argumentação, em que não pode haver coerção. Consiste na interação entre dois ou mais sujeitos capazes de se comunicar, com o objetivo de alcançarem a compreensão e interação. Essa ação se contrapõe à ação estratégica: enquanto nesta o participante busca somente o interesse próprio, sem abertura ao diálogo, a ação comunicativa visa ao entendimento coordenado por meio de um consenso, que possui caráter emancipatório, livre de todo tipo de misticismo e formas de poder. Para tal é importante que os monopólios paternalistas do saber não estejam presentes neste processo, ou seja, que ele se constitua como espaço de troca de informações e aprendizado (Habermas, 2003).

Oliveira (2009) reconhece que a teoria de Habermas é fundamental para a efetivação e instrumentalização das políticas democráticas, mas destaca que a teoria apresenta limites para propiciar a inclusão da sociedade na proposta de discussão democrática,

Defrontando-se com a complexidade da sociedade contemporânea, a teoria de Habermas esbarra em alguns limites práticos, dentre os quais a dificuldade de compreender como chegar à “racionalidade”, ao consenso, com a deliberação de todos os envolvidos, em sociedade cujo traço característico é a diferença (Oliveira, 2009, p. 68)

Oliveira (2009) afirma, ainda, que nem sempre nesses espaços de discussão se encontram formas capazes de garantir a comunicação racional e inclusão dos setores mais vulneráveis nos processos decisórios. Além disso, o autor observa que a crença que os cidadãos possuem instrumentos para a ação comunicativa é um equívoco,

4 Conselhos, conferências etc.

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Acredita-se que um dos méritos da teoria deliberativa está no estímulo da introdução contínua de novos temas e de atores no processo democrático através de novas instâncias democráticas e pluralistas. Porém, as pesquisas sociais recentes têm revelado os espaços deliberativos como estruturas competitivas controladas por grupos de poder ou pelo mercado (Oliveira, 2009, p. 69).

Efetividade da participação popular

A partir das discussões apresentadas acerca dos modelos democráticos, cabe questionar: como se dá a participação popular nas esferas públicas de discussão? Em que medida o modelo habermasiano se aproxima ou se distancia das experiências de participação nas questões relativas às cidades? Nesse sentido, é estabelecido um consenso nos debates? Estes debates possuem a racionalidade esperada por Habermas? Na busca dessas respostas a compreensão sobre a efetividade da participação popular é fundamental na avaliação do que se pode avançar e o que já avançou, e, principalmente, procurar formas de torná-la mais “cidadã” e parte real na Gestão Social.

Avritzer (2011) destaca que a literatura atual vem trabalhando de forma a inserir no debate a questão da qualidade da participação e a inovação das instituições políticas. Segundo o autor, “o debate sobre efetividade das Instituições Participativas tem sua origem na questão dos efeitos e/ou impactos dos processos deliberativos sobre as decisões de políticas públicas” (p. 17), ou seja, quais as influências ou modificações que as deliberações coletivas trouxeram para a vida da sociedade.

Para as autoras Almeida e Cunha (2011), verificar a efetividade dos processos deliberativos tem correspondência com a “capacidade de produzir resultados relacionados às funções de debater, decidir, influenciar e controlar determinada política pública” (p. 113). As autoras discorrem ainda sobre procedimentos que auxiliam no processo de qualidade da participação, tais como: igualdade de participação, inclusão deliberativa, espaços públicos e coletivos, respeito e tolerância, regras provisórias que devem e podem ser contestadas, onde as decisões devem decorrer das razões apresentadas e testadas e não por influências.

Para Vaz (2011), a estrutura dos modelos atuais de participação tem dificuldade em produzir efeitos redistributivos de bens e ações de políticas públicas, bem como introdução de novos atores; sendo assim, a efetividade estaria limitada a dinâmica do processo formal. Segundo o autor, as normas de funcionamento são fontes importantes de análise, uma vez que este processo formal disponibiliza informações sobre eleições, elaboração da pauta, estrutura interna, segmentos de participantes etc. Almeida e Cunha (2011) corroboram com essa ideia, mas avançam e afirmam que:

os resultados deliberativos não dependem apenas de variáveis afins aos procedimentos internos que estruturam o processo argumentativo e decisório, por exemplo, o desenho institucional, mas da sua conjunção com fatores exógenos e anteriores à deliberação, como o associativismo local e o projeto político de governo. (ALMEIDA E CUNHA, 2011, p. 113)

Outra questão fundamental apresentada por Vaz (2011) é a discussão acerca da representatividade exercida pelos indivíduos, uma vez que as decisões tomadas por alguns impactam na vida de todos, sendo assim, pergunta-se como são legitimados estes indivíduos que, além de tomarem decisões por todos, também influenciam na tomada de outras decisões.

Almeida e Cunha (2011) vão além e apresentam em seu estudo variáveis para a avaliação da efetividade. No primeiro momento sugerem as seguintes indagações como preliminares a discussão: “quem instituiu” e “quem participa” – pois consideram ser a base inicial para o estudo do processo. A indagação acerca de “Quem instituiu” está relacionada às questões políticas, à pauta de decisões etc. “Quem participa” visa a conhecer a capacidade de inclusão, quais seriam os representantes da sociedade civil. Trata-se de uma variável fundamental para a qualidade da discussão, entendida aqui como a capacidade de inserção de grupos distintos, menos mobilizados e mais vulneráveis.

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Num segundo momento, conforme Almeida e Cunha (2011), deve-se analisar se há reconhecimento da existência da desigualdade na composição de forças de poder, e, nos casos de grande disparidade, torna-se necessária uma alteração substancial, bem como uma disposição do Estado para alterar as relações de poder, pois só assim realmente haverá um processo de deliberação mais justo.

Para Souza (2011), o estudo da participação em espaços deliberativos é algo ainda muito complexo e recente, portanto, para seu entendimento, é necessário conhecer esse objeto com a decomposição de seus elementos, ou seja, é preciso compreender as etapas, metodologia, orientação do debate, seu ato convocatório, o órgão responsável pelas diretrizes e sua relação com a sociedade. A partir deste conhecimento Souza (2011), propõe quatro caminhos de investigação: “Quem participa? Em que participa? Como se participa? Quais as consequências da participação? ” (p. 202).

Almeida e Cunha (2011) também apresentam alguns critérios de observação para a análise do processo participativo:

a) organização do processo com observação dos critérios de aceitação social, política e técnica, transversalidade, iniciativa e liderança, integração ao sistema participativo, clareza dos objetivos, planejamento e recursos;

b) quem participa com critérios para definição da quantidade de participantes, diversidade, representatividade e grau de abertura do processo;

c) sobre o que se participa com análise da capacidade de intervenção do órgão responsável;

d) como se participa, definindo critérios de avaliação do envolvimento no diagnóstico participativo, capacidade propositiva, grau de participação, qualidade das informações e métodos e técnicas de diálogo;

e) consequências do processo sob os critérios de resultados, implementação dos resultados, dedução dos resultados, fortalecimento de relações sociais, capacitação e geração de cultura participativa.

A adoção dos critérios estabelecidos por Souza (2011) permite maior clareza em relação à forma de analisar os processos participativos sem desconsiderar a existência da desigualdade, da dificuldade de separar o bem individual do coletivo, e além disso, nos permite observar que durante o processo de decisão, o almejado “consenso” pode depender de acordos (ALMEIDA E CUNHA, 2011).

Considerações finais

A cidade é um espaço construído e vivenciado cotidianamente por diferentes atores sociais, cujas dinâmicas de apropriação exibem as diferenças e desigualdades entre os grupos (Maricato, 2011). Para entender e intervir nas questões relativas à cidade, a visão de profissionais de distintas áreas de conhecimento é fundamental para construir soluções mais amplas. Mas, além da visão técnica é necessário incluir quem vive a cidade de forma a se ter uma maior sensibilidade sobre os problemas, ou seja, os seus habitantes. Neste sentido o Estado, que é o agente regulador, deve instituir a participação popular, estabelecendo critérios para que ela possa ser um instrumento eficaz na construção de uma cidade menos desigual (Teixeira, 2002).

Para a conquista da “participação cidadã”, a teoria da democracia deliberativa com ação comunicativa de Habermas propõe a construção de um consenso racional, um acordo alcançado por meio da discussão crítica livre de constrangimentos externos, que possibilita a emancipação humana, uma vez que os cidadãos devem ter oportunidades e condições iguais de fala através da motivação racional (Tenório, 2007). Essa motivação racional sem constrangimentos só pode ocorrer se as esferas públicas possuírem imparcialidade para sua organização de forma dar liberdade ao indivíduo na ação e fala.

No entanto, as decisões nas esferas públicas deliberativas suscitam questionamentos acerca da efetividade da participação popular: a realidade da participação ainda está distante de uma participação cidadã. Conforme discorre Vaz (2011), a atual estrutura participativa é limitada aos processos formais e tem dificuldade de produzir efeitos redistributivos. Almeida e Cunha (2011) afirmam que os resultados dependem de fatores exógenos e do projeto político de governo e que o “consenso” depende de acordos dos atores. Segundo Maricato (2011), ainda que exista a participação popular no

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planejamento urbano as normas que surgem das deliberações não contemplam a realidade.

A participação cidadã é entendida por Tenório (2007) como elemento fundamental para a gestão social uma vez que, em consonância, visam à autonomia do cidadão. Para o autor, a Gestão Social é um processo gerencial dialógico, determinado pela solidariedade, um “processo de gestão que deve primar pela concordância, em que o outro deve ser incluído e a solidariedade o seu motivo”. Somente a partir da participação efetiva seria possível aspirar a construção de um projeto contra hegemônico, que fosse capaz de desregulamentar o contexto atual da sociedade desigual e capitalista, conforme propõe Oliveira (2001).

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Cláudio Márcio Magalhães1

Eduardo Marques Duarte2

Resumo

Própolis é a sigla do Projeto Polímeros para Inclusão Social, desenvolvido em parceria entre a UFMG, o Comitê para Democratização da Informática, a Missão Ramacrisna e a Ânima Educação, com financiamento da CEMIG e FAPE-MIG. Trata-se de um projeto de pesquisa que visa construir uma nova planta de aquecedores solares, com ênfase na implementação de tecnologias sociais, a partir de uma proposta de socialização com os atores do processo. Dentro disso, foi dado foco no entendimento e participação dos sujeitos no ciclo de produção, desde a coleta dos materiais recicláveis pertinentes, até a produção dos coletores solares e o retorno do equipamento a estes sujeitos. Propõe-se um processo de produção compartilhada de conhecimento e produção como forma de quebra do processo fordista e discussão de um modelo de gestão social tendo como ponto de partida a discussão do protagonismo, da postura do Estado e da atuação comunitária.

Palavras-Chave: Saúde Ambiental, Participação Comunitária, Socialização, Construção com Material de Reciclagem, Relações Interpessoais, Doação, Gestão Social, Desenvolvimento Local.

Introdução

Este artigo vem apresentar no âmbito do Própolis – Projeto Polímeros para Inclusão Social, integrante da pesquisa denominada “Desenvolvimento de produtos poliméricos a partir de matéria prima nova e reciclada”, a possibilidade de integração de áreas diversas do conhecimento e, de forma mais positiva, a inclusão de ações e construtos sociais neste que é um projeto concebido com o foco em engenharia.

O principal objetivo do projeto é promover ações estruturantes no gerenciamento e reuso de materiais polimé-ricos (plásticos) para a confecção de aquecedores solares de baixo custo e manutenção (Figura 01)

1 Professor do Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UMA. [email protected] Professor Mestre do Grupo de Projetos em Energia do Centro Universitário UNA – Belo Horizonte/MG. [email protected]

PRÓPOLIS: PROJETO POLÍMEROS PARA INCLUSÃO SOCIAL

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Figura 01 – Processo global

Geralmente programas não se preocupam em empoderar a população de instrumentos sustentáveis de econo-mia de energia elétrica, apesar da distribuição de coletores e aquecedores solares.Trabalham com uma pers-pectiva em que o Estado mantem sua característica cultural e política de provedor, enquanto cabe à população o papel de beneficiário espontâneo, institucionalizado ou indicado à sua própria revelia.

Própolis é o esforço de quebra deste paradigma. Pesquisadores do projeto “Desenvolvimento de produtos poliméricos a partir de matéria prima nova e reciclada”, pesquisa realizada em parceria entre a Universidade Federal de Minas Gerais/Laboratório de Polímeros do Departamento de Engenharia Química, o CDI – Comitê para Democratização da Informática, a Missão Ramacrisna e a Ânima Educação, com financiamento da CEMIG e FAPEMIG abriram espaço para que houvesse uma intervenção do ponto de vista da implementação de Tecnologias Sociais a partir de uma proposta de intervenção junto a todos os atores do processo.

Dentro disto, foi dado foco no entendimento e participação dos sujeitos no ciclo de produção, desde a coleta da matéria prima, passando pelo processo de reciclagem do material polimérico, produção dos coletores so-lares e o retorno do equipamento a estes sujeitos ou ao mercado. Propõe-se um processo de esclarecimento e envolvimento, via trabalho, como forma de quebrar o processo tradicional fordista e construir conhecimento coletivo sobre o meio ambiente e trabalho.

O maior ganho esperado é o de retirar o sujeito, pessoa integrante de comunidades carentes, de uma posição confortável, porém acrítica, subordinado que está incondicionalmente às decisões do Estado, propiciando, ain-da, ao segundo a clareza de que o envolvimento dos sujeitos trás mais ganhos na sustentabilidade dos projetos, fazendo valer o esforço.

Tecnologia social como novo parâmetro

Dentro dos grupos que formam o projeto de pesquisa e desenvolvimento, o grupo 3 se denomina “Tecnologia

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Social”3. Tal grupo tem como objetivo contribuir “para o desenvolvimento de uma tecnologia social, que par-te da implantação de empreendimentos sociais em comunidades de baixa renda, por meio do entendimento dos processos de educação e comunicação e do envolvimento dessa comunidade na reciclagem e fabricação de produtos inovadores”, conforme definido no documento original que dá escopo ao projeto.

Em paralelo, mas pertinente e inerente aos processos de trabalho do grupo, existem os objetivos de avaliar “os processos de divulgação, escolha e preparação da comunidade, relação desta com as entidades participantes do programa e com a questão da reciclagem e seus aspectos ambientais e energéticos”.

Este grupo ainda é formado por outros três conjuntos de profissionais e instituições:

1. Pesquisadores do Instituto de Educação Continuada e Pesquisa do Centro Universitário UNA, em es-pecial ligados ao Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local. Neste trabalho, tal grupo será responsável pela pesquisa e desenvolvimento do escopo teórico nos campos referências de que se trata a pesquisa, assim como a consultoria, assessoria e propostas de instrumen-tos que garantam a inserção social dos atores nos processos de reciclagem, manufatura, manutenção e sustentabilidade dos produtos e das plantas de fábrica;

2. O Comitê para Democratização da Informática - CDI Minas -, uma organização não governamental resultante de uma parceria entre a Sociedade de Usuários de Informática e Telecomunicações de Mi-nas Gerais - SUCESU-MG - e referência em gestão dos Resíduos de Equipamentos Eletroeletrônicos - REEE -, tornando-se uma referência no assunto no estado de Minas Gerais. No presente trabalho, o CDI Minas será responsável pela reciclagem do plástico oriundo de computadores para geração da matéria prima a ser utilizada para a fabricação dos produtos, além de trabalhar na criação de um negócio social para a industrialização destes produtos. Para a operacionalização deste negócio, serão também envolvidos em sua cadeia produtiva os catadores de materiais recicláveis, tendo papel funda-mental na capacitação e o acompanhamento continuado dessas equipes;

3. A Missão Ramacrisna é uma organização sem fins econômicos, localizada em Betim/MG, referência em projetos de sustentabilidade e sociais/educativos. Seu papel neste trabalho será o de oferecer sua experiência para o desenvolvimento e implantação do projeto, minimizando riscos tecnológicos do projeto e a liberação de uma área de para implantação da indústria-piloto, além de horas de dedicação de membros de sua equipe. Os recursos para construção dos galpões, já negociados, serão obtidos junto a investidores externos ao projeto.

Como primeiro passo, considerado fundamental, buscou-se um referencial teórico para que toda a equipe, deste e dos outros grupos de trabalho, pudessem compreender e trabalhar sobre um mesmo arcabouço con-ceitual único e consensual.

Neste sentido, a pesquisa propôs uma trajetória teórica e prática sobre as questões ambientais, em especial aquelas com foco na questão do lixo. Para isso, há um amplo estudo sobre os conceitos e as referências histó-ricas/teóricas que embasaram e embasam as discussões ao longo das décadas, e em como se deram a origem dos debates que tomaram conta das políticas pelo mundo e no Brasil. O papel das Organizações das Nações Unidas – ONU, das convenções Rio-92, Agenda 21, Kyoto e Rio+20, um histórico do papel do Estado bra-sileiro da Era Vargas até o ano de 2014, além dos conceitos e as implicações sobre lixo, estado, cidadania, desenvolvimento local, globalização, participação, comunicação e gestão social. Igualmente, foi debatida a Política Nacional de Resíduos Sólidos no estado de Minas Gerais e bem especificamente em Belo Horizonte, com foco na coleta seletiva. Para isso, foi analisada historicamente a questão a partir de 1993, dentro das políticas de gestão municipais.

3 Os demais grupos são os de Laboratório de Polímeros do Departamento de Engenharia Química da UFMG, que visa o desenvolvimento de um polímero específico para o projeto e o engenharia, que visa a construção da planta da fábrica de aquecedores solares.

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Um destaque refere-se ao papel do Estado nesta relação entre sociedade e o seu lixo. Geralmente progra-mas que se preocupam em empoderar a população de instrumentos de economia de energia elétrica, como a distribuição de coletores e aquecedores solares, trabalham com uma perspectiva onde o Estado mantem sua característica cultural e política de provedor, enquanto cabe à população o papel de beneficiário espontâneo, institucionalizado ou indicado à sua própria revelia.

Própolis questiona um modelo falido de doação e uma posterior cobrança e/ou fiscalização de equipamentos a partir de um referencial da psicologia que já mostrou seu potencial de fracasso: quem doa, espera reconhe-cimento e agradecimento, enquanto quem recebe a doação não considera o objeto doado parte de si próprio, ao mesmo tempo que, como doado, já não há qualquer relação com quem doou. Daí o enorme número de equipamentos perdidos ao longo de poucos anos e, neste sentido, a pouca eficácia dos programas.

Para fazer isso, no entanto, é preciso discutir ainda mais fundo o Estado e a Sociedade Civil, compreendendo as bases das organizações sociais, o próprio conceito de Estado, Governo e Sociedade Civil. É integrante também desta discussão, no escopo desta pesquisa, entender o que seria Tecnologia social e Tecnologia Convencional, o Modelo Difusionista e seu contraponto no Modelo de Translação, inferindo, uma vez mais, no Desenvolvimento Local para, enfim, entender a doação como manutenção do mal-estar na civilização, utilizando, para isso, uma visão freudiana.

Considerando aqui a elevada perda de equipamentos por venda ou falta de manutenção, iniciativas e omis-sões da comunidade que recebe os equipamentos, nos parece claro relação entre Estado e Sociedade baseada na doação dificulta adesão do conceito de sustentabilidade energética. O processo se apresenta concreto e objetivo, na forma de um equipamento, de um produto e de um serviço: água quente. Esse parece ser o meio e o fim. Questiona-se, então, a criação de sentido para a população que recebe essa doação. E, quanto a isso, dois aspectos devem ser considerados. O primeiro deles refere-se à forma como o Estado, por meio dos ór-gãos que o representam, trata os processos de preparação da população para recebimento dos equipamentos. Qual diagnóstico é feito para o conhecimento prévio da comunidade? Como se avalia a relação dessa comu-nidade com o desenvolvimento de tecnologias sociais? Por fim, em que bases são definidas as estratégias educacionais e/ou informacionais.

Acredita-se que o ímpeto em dar uma resposta objetiva e rápida ao planejamento concreto do programa cria uma espécie de bloqueio à escuta do que vem da comunidade. Com isso, são elaboradas estratégias unilaterais, do tipo cartilha e palestra, em que o órgão estatal responsável e seus parceiros repassam a informação à comunidade na expectativa de que haja assimilação. Trabalharemos com abordagens referentes ao desenvolvimento de tecnologias e suas aplicações sociais.

Por Tecnologia Social, entende-se, de forma literal, o que Baumgarten (2006, p. 13) apresenta:

Tecnologias Sociais (TS) são aquelas técnicas, materiais e procedimentos metodológicos testados, validados e com impacto social comprovado, cria-dos a partir de necessidades sociais, com o fim de solucionar um proble-ma social. Uma tecnologia social sempre considera as realidades sociais locais e está, de forma geral, associada a formas de organização coletiva, representando soluções para a inclusão social e melhoria da qualidade de vida (Lassance Jr.; Pedreira, 2004).

E complementando: “Tecnologia Social compreende produtos, técnicas e/ou metodologias reaplicáveis, de-senvolvidas na interação com a comunidade e que represente efetivas soluções de transformação social. (Site da RTS – Rede de Tecnologia)”.4

Por Tecnologia Convencional temos: “Traz ainda consigo o modelo da cadeia linear da inovação tecnológica convencional, que supõe que à pesquisa científica, segue-se a tecnológica e que a tecnologia traz o desenvol-

4 http://www.rts.org.br/rts/tecnologia-social/tecnologia-social - acesso em 23/03/2011

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vimento econômico e depois o desenvolvimento social”. (Rutkowski, 2005, p. 3).

Entendidas separadamente indicam a necessidade que uma tem da outra, ou seja, se no campo da Tecnologia Convencional o modelo só pode ser concluído com o desenvolvimento social, na Tecnologia Social este é o primeiro passo. No entanto, esta parece necessitar de diversos saberes e práticas amplamente desenvolvidos pelas Tecnologias Convencionais e pelas Ciências que a suportam.

A discussão aqui proposta estará situada exatamente sobre as ideias e possibilidades de convergência entre as duas tecnologias. Há mais uma vez a concordância com Baumgarten (2006, p. 2), quando afirma:

As redes que envolvem pesquisadores e demais atores relacionados à produção de conhecimento, podem ajudar no aprofundamento das relações entre coletividade científica e sociedade no Brasil, possibilitando o desenvolvimento e a inovação so-cial”. É na pesquisa de conceitos e ideias que se espera um entendimento de como são dão estas relações nos campos científico-acadêmicos, científico-produtivos e sociais. Programas como os aqui citados, têm em seu escopo todos os atores e sa-beres apontados e um aprofundamento pode trazer fortes contribuições.

O Modelo Difusionista que apresenta essa característica unilateral, partindo daquele que cria a tecnologia para o que dela fará uso, parece ser o que tem mais afinidade nesse caso, pois reflete a multiplicação e a aceitação sinequa non de uma proposta de intervenção. Segundo Roger, “a partir do momento que a inovação existir, sua difusão dependerá da superação da incerteza que sua adoção provoca em quem ainda não a conhece”(ROGER, 1995, p. 45, tradução dos autores).

Sabe-se que a “superação da incerteza” (ROGER, 1995) não é suficiente para a absorção de uma tecnologia. Nesse caso, têm-se poucas garantias, pois o feedback vem depois, em ações e não por verbalizações. Espera-se sentido e, de fato, compreensão. No entanto, o Estado adota, com muito mais frequência, esse modelo, que parte de uma decisão prévia, externa à comunidade (indivíduos/organizações), competindo a esta aceitar e adaptar essa tecnologia ou mesmo rejeitá-la. Não há espaço para manifestação de criação e consequente abertura para desenvolvimentos locais e específicos. Em contraponto a esse modelo apresenta-se o “modelo de translação”, elaborado por Latour e que apresenta críticas abertas ao modelo difusionista, assim citados no texto de Paulics (2003, p. 17):

Quando se constata que houve um exército de pessoas trabalhando como o “inventor”, o mo-delo de difusão alega que elas fizeram o “desenvolvimento” da invenção. Quando a invenção não é adotada ou quando é adotada de maneira diferente da “original”, o modelo de difusão argumenta que os grupos resistem ou não têm capacidade de adotá-la da maneira como foi inventada [...].

Complementa afirmando que a disseminação das inovações vai depender muito mais do uso que os sujeitos fizerem dessa tecnologia do que esta em si. Havendo convencimento dos outros, haverá o que Latour (2000) denomina de “translação de interesses”, garantindo-se a disseminação. O produto da inovação, mostrando-se útil, irá garantir o uso e sua permanência, do contrário o processo de disseminação será interrompido.

O fundamental para a compreensão da construção das inovações está no princípio de se concentrar as aten-ções nos passos das pessoas quando constroem ou desconstroem as ideias em torno das inovações, opondo-se mais uma vez ao modelo difusionista, que procura os impactos sociais após a adoção das tecnologias.

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Quando os sujeitos discutem uma afirmação, uma verdade contida no objeto de inovação, estes fazem com que essa afirmativa e os argumentos que estão em torno dela se solidifiquem e se aperfeiçoem como forma reativa à discussão.

O segundo aspecto é relativo ao ato da doação. Por meio deste, diversas relações econômicas, sociais e psicológicas se articulam. Essas articulações indicam um caminho de imobilização e dissimulação da comu-nidade que recebe frente ao poderio do Estado que doa. Não há uma relação de trabalho e de produção de compromisso. O Estado, mais uma vez, no ímpeto de resolver problemas energéticos que são de sua respon-sabilidade, pode, de maneira irrefletida, não considerar que o objeto doado não seja uma demanda, sequer uma necessidade para aquele que o recebe. Confere à comunidade o status de objeto.

Do ponto de vista psicológico – subjetivo, foi elencada a contribuição de Freud, e para que se possa assi-milar as ideias freudianas na área social, é necessário firmar o conceito que elas nos apresentam: não falam em cultura, estado ou governo, trabalham com amplo conceito de civilização, sendo esta tudo que o homem constitui acima da sua condição animal. E, tão vasto quanto este, está o conceito de sujeito. Dessa forma, não importam as características específicas de um ou outro Estado, e sim a forma como o homem/sujeito se adapta ou não a estes, como resiste e se opõe. Nessa linha de pensamento Freud (1927, p. 15) afirma:

Quanto menos um sujeito conhece de seu passado e presente, mais ele está dependente de sua própria experiência do maior ou menor otimismo de sua atitude para com a vida, tal como lhe foi ditada por seu temperamento ou por seu sucesso ou fracasso. As pessoas expe-rimentam seu presente de forma ingênua.

A racionalidade e o conhecimento, seja de qual forma tenham sido adquiridos, são nesse ponto de vista fundamentais para uma ação centrada no social. Fora isso, o que se pode esperar são pensamentos e atitudes narcisistas, centradas na experiência pessoal e de acordo com seus interesses. E parte para outra afirmati-va contundente: Freud traz uma visão da complexidade das organizações sociais sob o ponto de vista dos sujeitos e suas subjetividades e ações. O mal-estar não é uma questão apenas endógena à civilização, mas também exógena: os problemas de adaptação se encontram pela forma como se dá sua organização interna e pela sua própria existência. Muitos desses inadaptados parecem se defender de regras externas que funcio-nam como mecanismos de proibição às suas manifestações instintuais.

Dentre as correntes teóricas da psicologia e da psicanálise, optamos por esta visão Freudiana pela sua am-plitude no conceito de civilização, conceito este que transcende a questões políticas geográficas e coloca o Estado em uma referencia de autoridade, ao mesmo tempo em que aprofunda as relações humanas e a constituição do sujeito.

Quanto à possibilidade de que o equipamento se torne um legado, nos surge como fundamental discutir as questões sobre o Desenvolvimento Local, pois é sob esta perspectivas que as discussões sobre Difusão/Translação de Inovações e psicológicas se tornarão objetivas.

As discussões dos modelos de transmissão de tecnologias, feitos até aqui, apresentam evidente inclinação em considerar desejável a participação dos sujeitos/comunidades nestes processos e também quanto à im-portância de que estes gerem Tecnologias Sociais com um legado de Desenvolvimento Local, ou seja, de-senvolvimento dentro de critérios específicos e geograficamente definidos.

A Globalização é um fato. Seus fenômenos e efeitos incontestáveis, como também são incontes-táveis as observações de que ela não suplantou a necessidade de que ocorra o Desenvolvimento Local. A qualidade de vida das pessoas, sua organização rotineira e seu modo de vida estão intimamente ligados com sua localização e convivências geográficas. E, em muitos casos, sua própria sobrevivência.

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Segundo Dowbor (2003 p. 01), para que ocorra Desenvolvimento Local, o sujeito deve suplantar a ideia de ser passivo e depender de um Governo sempre insuficiente. Não é o Governo aquele que deve assumir a condução do que cada sujeito ou grupo espera para si. Crê-se interessante que as observações e expectativas junto ao governo, citadas aqui por Dowbor, possam ser ampliadas para outras organizações não governa-mentais que de alguma forma estão envolvidas com a criação e/ou disseminação de tecnologias junto às comunidades. E também quanto às lideranças locais, pois o fato de estarem próximas aos sujeitos da comu-nidade não necessariamente garante que sejam agentes de estímulo à participação. Podem cumprir um papel de agente de multiplicação não participativo e não crítico.

O mesmo princípio que torna o sujeito passívo quanto à aceitação de tecnologias impostas, em forma de ajuda, parece fazer torná-lo também passivo quando à organização e desenvolvimento de sua localidade. Segundo Dowbor (2008 p. 03)

Em todo caso, acabamos convencidos de que a única opção que temos é nos inse-rirmos da forma mais vantajosa possível no mundo tal como existe definido por outros. A própria forma de definir o mundo que nos cerca seria coisa de terceiros.

O fiel da balança parece estar na busca da correta avaliação do que seja indicado como desenvolvimento global e local. Alguns processos e produtos têm de ser produzidos em grande escala: não há possibilidade de construção de automóveis, aviões e outros produtos em pequenas comunidades. No entanto, outros produtos e processos, independentemente do seu grau de evolução tecnológica, podem ser apropriados e adequados à realidade local. Tomemos como exemplo a utilização de banda larga para acesso à Internet. Ela permite que cada usuário possa ter acesso individual ou que sejam organizados acessos comunitários, o que permite a racionalização do uso e a diminuição de custos. Esta prática permite, ainda, o fomento dos negócios de forma globalizada. Em síntese, o global e o local não necessariamente conflitam, mas demandam iniciativa e participação dos sujeitos.

Até aqui estamos apontando variações e divergências de posições sobre temas específicos, mas identificados em um eixo: os modelos de disseminação e desenvolvimento de tecnologias passam, necessariamente, pela forma como o gerador destas e os seus usuários se colocam. A partir deste eixo já é possível estabelecer al-gumas relações: As Tecnologias Convencionais estão mais próximas do Modelo Difusionista, por princípios ideológicos e convicções técnicas, e não apresentam preocupações quando à geração de Desenvolvimento Local. Em contrapartida, as Tecnologias Sociais apresentam maiores afinidades como o Modelo de Transla-ção com clara ideia de gerar Desenvolvimento Local.

Todas as dinâmicas aqui apresentadas fazem parte de um escopo maior, que as circunscreve. Estamos de no centro de um modelo de Gestão Social que permite aos sujeitos da comunidade atuarem como protagonistas do modelo de gestão e de sua implementação.

E, para firmar esta posição, trazemos como como conceito de Gestão Social duas características fundamen-tais citadas por ALUISIO, B, CASTRO, C, (2011, p. 4) e que sintetizam, a nosso ver, toda a discussão aqui apresentada. Quanto cita Tenório (2009, p. 3) “como o processo gerencial dialógico no qual a autoridade decisória é compartilhada entre os participantes da ação (ação que possa ocorrer em qualquer tipo de sistema local - público, privado e ou de organização não-governamentais)” e complementa citando Carvalho (1999, p. 19):

Quando falamos em gestão social, estamos nos referindo à gestão das ações so-ciais publicas. A gestão do social é, em realidade, a gestão das demandas sociais, os projetos são canais e respostas a estas necessidades e demandas.

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O Própolis ainda trabalha do ponto de vista da necessidade, sendo que a efetiva Gestão Social do projeto, como conceituado em seu escopo e citado em nosso referencial, ainda depende da ativa participação de seus atores.

Conclusão

Certamente, não é apenas esse aspecto que rege a complexa relação entre os atores, mas, dada a limitação do texto, a que preferimos destacar nesta oportunidade. A contribuição Freudiana em muito auxilia nosso entendimento das questões subjetivas que permeiam a relação entre Sujeito e Estado. Os jogos de resistência, dissimulação e negação, tão característicos das subjetividades humanas e que se apresentam em atos.

A partir dessa e de outras premissas, o Própolis prevê a construção de um modelo de negócios sustentável que permita a inclusão social dos seus agentes nos mais diversos níveis. É necessária uma reflexão sobre em-preendedorismo social, através da teoria e da prática; identificar e desenvolver os principais componentes dos modelos de negócios sociais; descrever modelos de negócios de empresas de energia, que atuam com energia solar no Brasil e identificar os meios, recursos, mercado, tecnologia e afins que o projeto deve possuir ou de-senvolver para a elaboração do modelo de negócios.

O maior ganho esperado pelo Própolis é o de trazer o sujeito – aquele que recebe o equipamento – para uma posição crítica, atuante. Somente objetivando sua participação nos processos, tornando-a efetiva, será possível a eliminação de conflitos, tornando os projetos mais eficazes e a população mais aderente às questões de meio ambiente e energia, exercitando sua condição cidadã e participando de uma Gestão Social plena.

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OCUPAÇÃO E URBANIZAÇÃO DA REGIÃO BACIA DO CÓRREGO BOM JESUS (MG)

1

Gabriel Moreira Perona1

Fernanda Carla Wasner Vasconcelos2

Resumo

Este artigo busca caracterizar a ocupação da micro bacia do Córrego Bom Jesus em Contagem (MG), observando os processos de gestão que ali ocorreram, através de pesquisas bibliográficas e relatos de histórias orais dos moradores mais antigos da região.Neste intuito foi feita uma caracterização da bacia hidrográfica do Córrego Bom Jesus, bem como dos seus processos de ocupação e urbanização, para se levar ao desenvolvimento local. Observou-se neste artigo que a intersetorialidade é importante para o desenvolvimento local, e que os processos de ocupação e urbanização in-terferem diretamente na qualidade de vida local.

Palavras chaves: Uso e ocupação do solo. Percepção socioambiental. Desenvolvimento local. Gestão social.

Introdução

Na Bacia do Córrego Bom Jesus (Figura 1), encontra-se um dos principais afluentes da Lagoa da Pampulha, o Córrego Bom Jesus. Desta forma, os impactos ambientais ocasionam poluição das águas desta bacia, que interferem diretamente na qualidade das águas da Lagoa da Pampulha.

A região da Bacia do Córrego Bom Jesus está localizada no município de Contagem, em Minas Gerais. A urbanização desta área teve início na década de 1950, mas foi nas décadas de 1980 e 1990 com a introdução de grandes empresas que a região apresentou acentuado crescimento demográfico (PIRONI et al.,2009).

Desta forma, é importante compreender a influência do processo de urbanização para o desenvolvimento local da região, levando-se em consideração os impactos socioambientais gerados por esta nova organização do espaço (ROLNIK, 1993; MONTEIRO, 2012).

Este artigo objetiva verificar a percepção de moradores, sobre os impactos dos processos de urbanização em suas vidas, observando se os processos de urbanização mesmo que predatórios, podem ou não gerar desen-volvimento local e melhorias na qualidade de vida.

1 Bióloga, mestre em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos, doutora em Ciências e professo-ra do Programa de Pós-Graduação em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universi-tário UNA. E-mail: [email protected].

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Figura 1- Loca-lização da Bacia do Córrego Bom Jesus.

Fonte: (A), (B), e (C): Polignano, 2010 (D) CBH Comitê Velhas, 2015.

Espera-se que com este trabalho seja possível demonstrar a influência dos processos de urbanização para o desenvolvimento local. Este estudo tem relevância, pois busca através da percepção de moradores, com-preender a influência dos processos de urbanização no desenvolvimento local, podendo ser verificados tam-bém em outras regiões.

Para desenvolver a discussão, este artigo está organizado da seguinte maneira: inicialmente, é feita uma re-visão de literatura abordando os temas recursos hídricos, percepção socioambiental, uso e ocupação do solo e desenvolvimento local. Posteriormente,são relatadas a metodologia e a análise dos dados e, por último, são apresentadas as considerações finais.

Referencial teórico

O Brasil é uma das nações mundiais mais ricas em recursos hídricos, com diversas bacias hidrográficas. Nas bacias hidrográficas, todas as águas de uma vertente irão se confluir formando um leito único. Assim, bacia

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hidrográfica é a área drenada por um rio principal e seus afluentes, no qual toda água oriunda de chuvas ou nascentes nas encostas de um morro irá escoar para um mesmo lugar (LANNA, 1995; TUCCI, 1997; RIBEIRO, TOCANTINS e FIGUEIREDO, 2013).

Bacia hidrográfica é, portanto, um local em que se pode fazer um balanço de toda a água que entra e sai de uma determinada região, podendo ser sub dividida em bacias menores (PORTO e PORTO, 2008), como é o caso da bacia do Córrego Bom Jesus, pertencente à macro bacia do Rio São Francisco, que é enfatizada neste artigo.

No Brasil, em 1997, ocorreu a promulgação da Política Nacional de Recursos Hídricos, que cria o Sistema Nacional de Gerenciamento deste recurso, estabelecendo conselhos e comitês que são responsáveis pelo gerenciamento de uma bacia principal e suas sub bacias, nas esferas Federal e Estadual (BRASIL,1997; PORTO e PORTO, 2008).

Esse sistema de gerenciamento é uma importante forma de gestão social (PORTO e PORTO, 2008), atrelada ao uso sustentável dos recursos hídricos, pois busca, através da intersetorialidade, promover a integração entre governo, empresas e sociedade civil, conforme estudos de Inojosa (2001), Lopes, Melo e Tenório (2012), Warschauer e Carvalho (2014), no processo de administração e gerenciamento dos recursos hídricos de cada bacia. Neste contexto, respeitam-se as limitações de captação de cada uma, de forma a melhorar o desenvolvimento e a qualidade de vida de cada região (PORTO e PORTO, 2008; CBH, 2015).

Esta integração entre os diferentes setores fortalece a ideia de uma cidadania ativa, que participa dos pro-cessos de mudanças locais (TENÓRIO, 2008; LOPES, MELO e TENÓRIO, 2012; DOWBOR,2013). En-tretanto, essa integração praticamente não ocorre na Bacia do Córrego Bom Jesus, pois a sociedade pouco participa das tomadas de decisão desse local, sendo as mudanças relacionadas principalmente com ações do governo.

Para uma maior participação dos moradores é importante que estes tenham uma percepção socioambiental da área onde vivem, é preciso que ocorra uma relação cognitiva entre as pessoas e o local (SERPE, ROSSO e CAMARGO,2011), gerando, assim, uma cidadania ativa.Oliveira et al.(2015)afirmam que percepção so-cioambiental é a maneira como as pessoas agem e transformam o ambiente no qual estão inseridas, sendo que as percepções e valores atribuídos aos lugares estão associados diretamente às influências ideológicas e às classes sociais a que as pessoas pertencem.

A região da Bacia do Córrego Bom Jesus é constituída, essencialmente, por pessoas das classes sociais me-nos privilegiadas, que ocuparam a região de forma aleatória, sem nenhum critério. Estas ações, como visto no trabalho de Prata (2011) e Batista, Oliveira e Queiroz (2015), estão associados aos padrões de especula-ção imobiliária que ao agregar valor econômico diferenciado para as regiões separam as pessoas por classes sociais, interferindo na percepção socioambiental que estas pessoas agregam à região (SERPE, ROSSO e CAMARGO,2011; OLIVEIRA et al.,2015).

A ocupação urbana está associada à busca por melhores condições de vida (SANTOS, 1977; BATISTA, OLIVEIRA e QUEIROZ, 2015),relacionada ao trabalho, aos estudos, lazer, entre outros. Essa busca pro-move envolvimento das pessoas com o local, gerando assim percepções socioambientais parecidas que proporcionam a formação de uma identidade local (MARANDOLA JR e MODESTO,2012). Neste sentido, os processos de ocupação e urbanização de uma região influenciam no desenvolvimento da mesma, poden-do, através de uma gestão social, atingir graus mais elevados de desenvolvimento. Entretanto, Brito, Vas-concelos e Oliveira (2013) alertam que é preciso verificar os impactos socioambientais na implementação de programas que busquem o desenvolvimento local, propondo alternativas para minimizar os impactos ambientais.

É notório que os processos que levam ao uso e à ocupação dos solos na sociedade moderna estão associa-dos à especulação imobiliária e à busca por melhores condições de vida (SANTOS, 1977; PRATA,2011). Esta busca por melhores condições de vida tem proporcionado o elevado crescimento dos centros urbanos

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em relação ao campo (SANTOS, 2013). Assim, são gerados notórios impactos socioambientais, caso os processos de ocupação não estejam relacionados com políticas públicas que determinem normas de uso e ocupação do solo, como define o Estatuto das Cidades (BRASIL,2001).

Fato este que pode ser identificado na Bacia do Córrego Bom Jesus (MG), cuja ocupação ocorreu de forma desordenada, sem respeitar as normas de uso e ocupação do solo. Isso se deu porque não existia um Plano Diretor para a região no início de sua ocupação,ocasionando impactos socioambientais (PIRONI et al., 2009). Fato que ocorre também na maioria das cidades brasileiras, cujo crescimento desordenado acompa-nha um desenvolvimento industrial e econômico (SANTOS,2013).

Neste sentido, na sociedade moderna predominantemente urbana é importante o papel da gestão social, pois através da intersetorialidade, pode-se buscar melhorias na qualidade de vida e ambiental de uma região (INOJOSA, 2001;LOPES, MELO e TENÓRIO, 2012) cujo crescimento ocorreu de forma irregular, pro-pondo criar alternativas para gerar um desenvolvimento local.

Metodologia

Inicialmente, foram realizadas pesquisas bibliográficas sobre percepção socioambiental, uso e ocupação do solo, desenvolvimento local e gestão social nos sites Scielo e Google Acadêmico. Em seguida, foram levan-tadas junto aos moradores mais antigos, fotos da região em períodos que remetem à sua ocupação e foram feitas comparações destas fotos com outras, mais atuais dos mesmos locais na região de estudo, localizando estes pontos no Google Maps.

Nos Cartórios de Registros dos municípios de Contagem e Betim (MG), foram levantados documentos de certidão de origem do desmembramento da região, que demonstram a ocupação imobiliária dessa área, que representam a nova organização deste espaço.

No intuito de verificar a percepção dos moradores sobre o papel da urbanização da região para o desenvol-vimento local, foram coleta dos relatos de histórias orais com os moradores mais antigos da região.

Os relatos de histórias orais constituem uma importante maneira utilizada por muitos autores em pesquisas qualitativas, pois trabalha com o simbolismo e a subjetividade de cada pessoa entrevistada em relação ao objeto (PORTELLI, 1997; ALMEIDA e KOURY,2014). As narrativas das pessoas entrevistadas permi-tem analisar a realidade social que estas viveram no passado, comparando com o modo de vida que elas possuem no presente (ALMEIDA e KOURY, 2014), sendo,deste modo,possível observar os processos de gestão ou a falta deles nos processos de urbanização e desenvolvimento local.

Foram realizados relatos de histórias orais com 16 (dezesseis) dos moradores mais antigos da região, todos com mais de 40 anos vivendo na Bacia do Córrego Bom Jesus.

Estes moradores foram selecionados utilizando-se a técnica bola de neve, na qual um entrevistado sempre indicava outro até se chegar à saturação.

As histórias orais foram gravadas e, posteriormente, comparadas através da teoria da análise de enunciação. Essa teoria foi proposta por Émile Benveniste, na qual busca compreender as experiências humanas através da linguagem e suas subjetividades (FLORES e ENDRUWEIT, 2012).

Resultados

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A urbanização da região da Bacia do Córrego Bom Jesus teve seu processo inicial de ocupação com o lotea-mento de parte da fazenda Gangorra pertencente a Joaquim Diniz Silveira e sua esposa, Francisca Dias da Silveira, no início dos anos 1950. Inicialmente, era uma área destinada a sítios de recreio, devido a sua pro-ximidade com a Lagoa da Pampulha (PIRONI et al., 2009). A primeira divisão ocorreu em 1953, segundo o Cartório de Registro de Imóveis em uma área de cem hectares.

Nessa divisão, não foi considerado nenhum tipo de gestão voltada para o social, não havia um Plano Diretor para subsidiar os processos de urbanização, sendo a proposta de organização do espaço amparada pelo capital financeiro.

Segundo relato dos moradores entrevistados neste trabalho, a vida no início da urbanização da Bacia do Bom Jesus era muito difícil, pois as pessoas vieram de diferentes localidades, com diferentes sonhos, mas juntas tiveram que se ajudar para que pudessem viver a realidade da nova ocupação.Fato que ocorreu em outras lo-calidades como o ilustrado por Almeida e Koury (2014).

As dificuldades na ocupação foram evidenciadas pela falta de estrutura local. Os moradores entrevistados afirmaram que no início da ocupação suas residências não tinham energia elétrica, que apenas dois ônibus atendiam a região, que nenhuma rua era asfaltada, que o trabalho era muito escasso e não tinha nenhum tipo de comércio na região. Alguns entrevistados afirmaram que precisavam criar e cultivar seu próprio alimento.

Esses aspectos evidenciaram que a falta de uma gestão na organização dos processos de urbanização nessa região interferiu negativamente na qualidade de vida dos primeiros moradores,como visto nas falas de alguns dos entrevistados, levando a uma reflexão sobre a ideia de liberdade através do desenvolvimento de Sen (2010), pois a falta de desenvolvimento limita as escolhas da população.

- (...)as coisas eram mais simples, conseguidas com muito mais dificuldades.” (I.G.L , 57 anos de idade e há 40 mora na região).

- (...) a vida era totalmente diferente da atualidade, porque não existia progresso, existia as coisas mais simples, conseguidas com mais dificuldade. Hoje a vida é 100% mais fácil, se tá doido,(...) nem se compara. (R.F.C., 71anos de idade e há 71 anos mora na região).

- (...) a vida era simples e difícil, acordava de madrugada para carregar tijolo. (risos) Era muito frio e poeira. (risos) (...) ainda tinha que fazer a comida antes de sair.” (L.D.S., 61 anos de idade e há 59 anos mora na região).

- A vida era muito difícil, fazíamos compra no supermercado Grilo ( no centro de BH), só tinha dois ônibus por dia.” (D.D.S., 79 anos de idade e 44 anos habita na região).

Outro aspecto relevante no processo de ocupação estava relacionado às formas de emprego e ao trabalho. Ao questionar os moradores sobre as relações de trabalho que ocorriam na região quando mudaram para mesma, ficou evidente para o entrevistador que basicamente ocorriam apenas três tipos de atividades econômicas que geravam emprego na região. As pessoas trabalhavam com agropecuária, cuidando de animais e lavouras, trabalhavam nas olarias fabricando tijolos e telhas ou trabalhavam como pedreiro. Atividades essas que aju-davam a construir o novo espaço urbano que se iniciava nesta área(SANTOS, 1977).

Esses fatos foram registrados nas falas de alguns entrevistados:

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-“Na região não tinha muitas fontes de renda, trabalho aqui era só de pedreiro, ou nas fazen-das ou fazendo tijolo.” (J.A.D.C., 71 anos e há 49 anos mora na região).

-“A maioria eram empregados rurais. Tinha gente que trabalhava nas olarias. Algumas pes-soas tinham que ir trabalhar em Belo Horizonte, trabalho era difícil, e só tinha dois ônibus na linha...” (O.M.C., 81 anos de idade e há 40 anos mora na região).

- “Vixe, aqui era só trabalho braçais. (pausa). O caboclo tinha duas opções, ou trabalhar na olaria, ou trabalhar em fazendas.” (A.W.D.C., 59 anos de idade, e há 59 anos mora na re-gião).

-“Na região não tinha nenhum comércio, as pessoas trabalhavam como pedreiro, tinha um moço que fazia cisterna, tinha uns que trabalhavam roçando pastos, outros na plantação de flor, muita gente na olaria.”(M.S.D.S, 59 anos de idade e 54 anos mora na região).

Com atividades econômicas limitadas, todas as dificuldades relatadas tornam-se evidentes. A ocupação e urbanização da região ficaram estagnadas durante décadas. Uma ocupação mais densa ocorreu em meados dos anos 1980 e, mais efetivamente, na década de 1990, como pode ser observado na figura 2.

Figura 2 - Vista aérea da região onde se localiza o córrego Bom Jesus em 1970 e 2015

Fonte: A) Contagem, 2009. (B) Google Maps, 2015.

Este período foi marcado pela instalação, na região, de empresas e indústrias relacionadas ao setor de logística, o que atraiu para esta área um grande contingente de trabalhadores, que foram ocupando a região em grande parte de forma irregular em consonância com os estudos de Pironi et al., (2009).

É perceptivo neste período, que a ocupação e o desenvolvimento estavam relacionados exclusivamente à geração de riquezas, não havendo preocupação com o social ou com a qualidade de vida das pessoas que ali habitariam (DOWBOR,2013). Neste processo, não ocorreu nenhum tipo de estudo ambiental para preservar as nascentes, córregos e as matas da região da Bacia do Córrego Bom Jesus (PIRONI et al., 2009).

Contudo, com o adensamento populacional da região, algumas medidas governamentais tiveram que ser to-madas, no intuito de suprir a carência de serviços públicos da região, como construção de escolas, postos de saúde, asfaltamento de ruas, fornecimento de água e luz entre outros. Estas ações geram melhorias na quali-dade de vida, principalmente dos moradores que estão na região desde sua fundação. Dowbor (2013) define estas melhorias como ações do governo de gestão para o social.

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Fato percebido nos relatos dos moradores, quando questionados sobre o que mais teria mudado na região, durante todo o período que vivem na mesma:

-“Tudo mudou, veio ônibus, asfalto, luz, água e agora é uma região urbanizada, tem coleta de lixo, escolas, posto de saúde.” (I.G.L., 57 anos de idade e há 40 mora na região).

- “A região não tinha muitos moradores, era mato na maioria dos locais, agora não, a região cresceu muito, teve um desenvolvimento econômico, colocaram, asfalto, luz, tem posto de saúde.” ( F.P., 69 anos de idade e há 40 anos mora na região).

- “(...) desenvolvimento, cresceu a região, agora tem comércio, veio asfalto, luz, aumentou a população ...” ( A.W.D.C., 59 anos de idade e há 59 anos mora na região).

- “Tudo mudou. (pausa) Agora tem mais ônibus, antes era só dois. Tem mais trabalho com o comércio, as lojas, tem escola, asfalto, tem posto de saúde, luz (risos). Eu fazia comida com lampião de querosene para a marmita do pai e dos irmão, agora melhorou demais, graças a Deus.”(M.E.D.S, 66 anos de idade; 61 anos na região).

Entretanto, quando os entrevistados foram questionados sobre os problemas da região, fica perceptivo para o entrevistador que apesar das melhorias realizadas pelo governo na região, outros aspectos necessitam de atenção, entre eles a segurança pública, que foi citada por 15 dos 16 entrevistados. O transporte público foi lembrado como um problema para a região por 14 dos 16 entrevistados. Outro problema citado com grande relevância foi a limpeza das ruas e córregos, lembrado por 12 dos 16 entrevistados. O atendimento nos pos-tos de saúde foi citado como um problema para 11 dos 16 entrevistados. Os resíduos sólidos descartados em locais impróprios, a falta de fiscalização e educação dos moradores, também foram mencionados por 10 entrevistados, como pode ser visto nos trechos descritos a seguir:

-“Os principais problemas da região estão relacionados com a segurança e as leis. As pessoas desrespeitam as leis, pessoas invadem as propriedades e ninguém faz nada. (... ) tem muita gente roubando e matando para comprar drogas. Tem muito lixo jogado, o povo não tem educação.” (R.F.C., 71anos de idade e 71 anos morando na região).

-“Tem muitos problemas: nos postos de saúde falta médico direto, os ônibus são velhos e sempre lotados, muito lixo, tem muitos lugares que não possuem saneamento, sem falar a violência né, pode nem sair de casa direito...” ( M. C. R, 62 anos de idade e há 49 anos mora na região).

- “Problemas... (pausa). Os ônibus não são bons e demoram muito, as ruas ficam muito sujas, o povo não tem educação joga lixo para todo lado. Tem muito bandido na rua, muitos me-ninos que mexem com droga. Os postos de saúde poderiam ser melhor (M.C.A, 54 anos de idade e há 49 anos mora na região).”

- “(...) é difícil até falar, muita criminalidade, a polícia tinha que ser melhor, falta um banco, o atendimento no posto de saúde não é bom,falta um ônibus que sai pela Pampulha, muita bagunça, falta de respeito, saneamento básico,(...) Falta vistoria das autoridades na limpeza das ruas e dos córregos.” ( A.L.R., 67 anos de idade e há 43 anos mora na região).

Evidencia-se, então, que a violência e a falta de segurança pública são uns dos principais problemas enfrenta-dos na região. Autores como Fernandes e Ramos (2010) e Fonseca, Pereira e Gonçalves (2015) abordam esta

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temática, que é de grande relevância, pois implica diretamente na qualidade de vida.Como demonstram em seu trabalho Fernandes e Ramos(2010), ao afirmarem que a violência urbana de algumas localidades inibe a participação dos moradores nas relações sociais com as mesmas. Portanto, inibe o empoderamento local das pessoas,atrapalhando o desenvolvimento local, como o defendido por Dowbor (2008). Gera-se, assim, processos de gestão social ineficientes quando comparadas as ideias de Tenório (2008) e Dowbor (2013). Os moradores passam a não lutarem por melhorias para a região, pois ficam reclusos pelo medo (FERNANDES e RAMOS, 2010).

Este fato pode ser percebido na região estudada, principalmente, nas imediações do Campo do Terrestre, nome dado ao campo de futebol da região, figura 3. Este espaço da Prefeitura, durante o dia, abriga escoli-nhas de futebol para crianças carentes, servindo como área de lazer para muitos habitantes da região e ge-rando um saldo de impacto socioambiental positivo, com melhorias na qualidade de vida (SEN, 2010). Mas, este mesmo espaço, durante a noite,é usado como ponto de venda e consumo de drogas, o que inibe o uso do mesmo por vários habitantes. Segundo Fernandes e Ramos (2010), esse tipo de relação é uma forma de violência estrutural, em que a marginalidade passa a ocupar áreas públicas indiscriminadamente, o que gera sofrimento social com a perda do espaço pelas pessoas que dele usufruíam.

Figura 3-Campo do Terrestre

Fonte: (A) Costa, 1972. (B) Google Maps, 2015. (C) Google Maps, 2015.

Este problema poderia ser resolvido se ocorresse na região uma gestão social como defendem Inojosa (2001) e Tenório (2008), pois com a união de todos é possível buscar soluções para os problemas de vio-lência na região. Essas atitudes gerariam um desenvolvimento humano defendido por Sen Amartya e evi-tariam os problemas como os vistos na figura 4, na qual uma área que na década de 1970 pertencente à Fazenda Gangorra, está sendo utilizada como depósito de lixo e ferro velho, atraindo pragas urbanas inde-sejadas como ratos, escorpiões, baratas, moscas, responsáveis pela disseminação de várias doenças huma-nas (BRASIL, 2006; OLIVEIRA,2010). Esta questão dos resíduos sólidos influencia na qualidade da água dos córregos de toda a Bacia do Córrego Bom Jesus.

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Figura 4- Localidade onde hoje se localiza a rua Quatro

Fonte: (A) Camargos, 1971. (B) Perona, 2015. (C) Google Maps, 2015.

Desta forma, medidas de gestão para melhorar a qualidade da água que remetem à intersetorialidade foram adotadas pela Prefeitura Municipal de Contagem em parceria com a COPASA, em consonância com as medi-das definidas no Comitê do Velhas, ao instalarem redes de esgoto por toda a Bacia, com o intuito de despoluir a Bacia, e, consequentemente, a Lagoa da Pampulha (COPASA, 2015). Porém, a falta de fiscalização e educa-ção não inibem que resíduos sólidos urbano se esgotos continuem a ser despejados diariamente nos córregos desta localidade.

Entretanto, nem sempre os córregos da região foram tratados com descaso pela população que habita essa área, como percebido nos relatos dos moradores.Neste quesito, ficou evidente para o pesquisador que os Córregos foram muito utilizados pelos moradores desta área no início da ocupação, sendo responsáveis pelo abastecimento de água de muitas residências, fornecendo alimentos através da pesca e irrigação, porém o crescimento urbano alterou esta realidade, como pode ser visto nos trechos a seguir:

- “Algumas pessoas usavam os córregos como fonte de renda, pois tinha muitos peixes, pes-cavam, vendiam, comiam. Minha mãe e minhas irmãs lavavam roupa no córrego. Hoje aca-bou tudo.” (R. F. C., 71anos de idade e há 71 anos mora na região).

- “Eu brincava no córrego, podia nadar, tomar banho, hoje é esgoto.” (M.D C. R., 62 anos de idade e há 49 anos mora na região).

- “ (...) como falei aqui era muito mato, não tinha ônibus, nem água nem luz, nós tínhamos que colocar as roupas na cabeça e ir lavar lá no córrego,(...), antes de fazer a cisterna, nós tomávamos a água do córrego.” (M.S.D.S., 59 anos de idade e há 54 anos mora na região).

- “(...) uso até hoje no curral, aqui não tem muita poluição, piora depois do Bairro Bom Je-sus, lá tem esgoto. Minha mulher lavava roupa, em uma bica que ficava ali, (apontando para um pequeno açude).” (O.M.C., 81 anos de idade há 40 anos mora na região).

Com o intuito de despoluir as águas do córrego e, consequentemente, da Lagoa da Pampulha, transformando a qualidade ambiental da região, o Comitê do Velhas, responsável bela bacia, juntamente com o Consórcio de Recuperação da Pampulha e a COPASA, determinaram um local situado na fazenda do senhor Rubens Ferrei-ra Camargos, que seria o Ponto Zero ou o Marco Zero de despoluição da Lagoa da Pampulha, figura 5. Este ponto era um divisor entre a parte limpa e a poluída do Córrego Bom Jesus.

Novas ocupações clandestinas (Figura 5) ao longo do curso do Córrego Bom Jesus anteriores a este ponto ameaçam a qualidade da água, pois não possuem esgotamento sanitário e contaminam nascentes e o lençol freático. Além de gerar problemas de gestão no atendimento deste público nas áreas de educação, segurança pública, saúde e transporte, o que é contrário ao desenvolvimento humano proposto por Sen (2010) e Tenório (2008), pois afetam diretamente a qualidade de vida e ambiental na região. Esta questão é reforçada por Prata (2011) e Lohon e Arend (2013), ao afirmarem que muitas pessoas ao serem excluídas no processo de cresci-mento das cidades são obrigadas a ocuparem locais periféricos com menor infraestrutura, por vezes, de forma clandestina, gerando problemas socioambientais.

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Figura 5- Área de ocupação ilegal anterior ao Ponto Zero de Despoluição

Fonte: Google Maps, 2015

Desta forma, é perceptivo que muitos dos problemas socioambientais na Bacia do Córrego Bom Jesus, estão associados aos processos de ocupação aleatória, que ocorreram de forma ilegal durante seu histórico de ur-banização.

Outra questão relevante abordada nos relatos estava relacionada com o saudosismo, que os moradores teriam com o passado, em relação aos períodos que remetem ao início da ocupação da região. Diferente do imagi-nado pelo pesquisador, o saudosismo não foi substancial, pois 15 dos 16 entrevistados afirmam que a vida hoje é muito melhor, e que saudades só dos amigos e da tranquilidade. A maioria dos entrevistados neste item relembram dos momentos difíceis que passaram quando mudaram para a região, com a falta de ônibus, de trabalho e de infraestrutura urbana.

-“Sinto falta dos amigos e da tranquilidade, hoje tem muito bandido, mas hoje é melhor de viver. A vida não era fácil, só comia o que plantava.” (M.D.C.R., 62 anos de idade e há 49 mora na região).

- “Hoje é muito melhor do que há 50 anos, hoje tem as coisas. Saudades tenho dos parentes que já se foram, da fartura na época das colheita, e de poder dormir com a janela aberta, (ri-sos).” (M.E.D.S., 66 anos de idade, 61 anos na região).

- “Saudade, saudade, saudade mesmo só da tranquilidade, dos amigos, todo mundo conhecia todo mundo.(...) hoje o financeiro é melhor.” (D.D.S., 79 anos de idade e há 44anos mora na região).

- “Ah meu filho, não dá para sentir saudades, a gente sofria muito. Hoje é uma maravilha(J.A.D.C., 71 anos e há 49 anos mora na região).

Apenas um dos entrevistados mostrou saudosismo em relação ao passado, afirmando que a vida em épocas anteriores era muito melhor do que a vida nos dias hoje.

- “Sinto saudades dos familiares que já morreram, dos costumes de antigamente, do respeito das pessoas, da tranquilidade de sair de casa. A mão de obra era melhor, hoje não pode plantar nada; os vagabundos veem à noite e roubam tudo; isso aqui acabou, não pode fa-

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zer mais nada (...). Se Deus quiser vou vender tudo isso aqui, e comprar umas terras onde exista respeito, pelas coisas dos outros. Aqui não tem jeito, a polícia não tem condições de fazer mais nada, as leis não permitem.”(R. F. C., 71anos de idade e há 71 anos mora na região).

Ao analisar a história deste entrevistado, entra em consonância com as ideias de Almeida e Koury (2014), que afirmam que o discurso que as pessoas adotam no presente está associado à posição social e econômica que estas tiveram no passado. Este entrevistado é fazendeiro, nascido e criado na região. Na sua fazenda sempre tiveram vários empregados. Era dono de uma das olarias da região, criava mulas, porcos e gado lei-teiro, vários hectares de suas terras eram destinados à plantação de milho, e feijão. Com a expansão urbana e os impactos gerados por ela, fica perceptivo que ele passa a ter dificuldades para exercer as atividades econômicas que exercia no passado, o que lhe gera saudosismo.

É notório que os processos de ocupação e urbanização da região, mesmo gerando impactos ambientais e sociais, principalmente,no âmbito da segurança pública, é considerado positivo para a qualidade de vida da maioria dos entrevistados.

Para finalizar este diálogo, os interlocutores falavam sobre a percepção que eles possuíam do papel das escolas para ajudar a desenvolver a região. Neste item, 10 dos 16 moradores afirmaram que as escolas são importantes para educar as pessoas principalmente devido à falta de tempo dos pais, o que pode ajudar no desenvolvimento da região, principalmente, nas questões socioambientais. Sete dos moradores afirmaram, ainda, que a escola é formadora de caráter e opinião, podendo ajudar com medidas que possam contribuir no desenvolvimento local. Porém, seis dos moradores não conseguem perceber um papel importante das escolas para ajudar no desenvolvimento da região. Segundo eles, o desenvolvimento está mais associado às medidas do governo ou de empresas que irão se instalar na região. Um dos interlocutores ainda afirmou que se depender da educação para desenvolver a região seria muito complicado, pois os jovens estão cada ano mais difíceis, não respeitam os pais, muito menos aos professores.

- “Acho que a educação é importante, vai ensinar esses meninos que não pode jogar lixo em qualquer lugar. E educação hoje é a escola, os pais só põem no mundo, esses meninos ficam jogados por aí. Não sei pra que pô filho no mundo.” (A.W.D.C., 59 anos de idade, e há 59 anos mora na região).

-“É difícil, hoje esses jovens não respeitam ninguém, se depender de educação, vou morrer e isso continua como está.”(M.S.D.S., 59 anos de idade e há 54 anos mora na região).

-“Sem dúvida, educando este povo, pode melhorar (...) Quem sabe ficamos igual nos Es-trangeiro.(...) Educação muda as pessoas.” (J.A.D.C., 71 anos e há 49 anos mora na re-gião).

Baseado nesta análise, é perceptivo para o pesquisador que a qualidade de vida nos períodos iniciais da ocu-pação da região da bacia do Córrego Bom Jesus era ruim,com baixa infraestrutura, ineficiência do transporte público e poucas possibilidades de trabalho.

Entretanto, esta falta de infraestrutura obrigava os moradores a terem uma relação mais próxima com os cór-regos da região, para suprir as suas necessidades diárias de uso da água. Mas, essa relação foi se perdendo com os processos de urbanização e ocupação predatória da região.

Esta pesquisa também evidencia que a expansão urbana e a ocupação descontrolada geram problemas para a região, como violência, ineficiência do transporte público e nos atendimentos dos postos de saúde bem como

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problemas socioambientais. Mas, apesar dos problemas, na percepção dos primeiros moradores da região, a qualidade de vida se tornou melhor. Nessa perspectiva, a maioria dos entrevistados acredita que a educação possa ter um papel importante para auxiliar no desenvolvimento dessa região, pois sendo esta formadora de opinião, pode contribuir para o desenvolvimento crítico dos cidadãos, para que estes lutem por seus ideais. Permitindo assim, um desenvolvimento local embasado na colaboração das pessoas e entidades,como de-fende Inojosa (2001), Sen (2010) e Tenório (2008), o que representa um processo de gestão social capaz de proporcionar mudanças na realidade local, com a participação das pessoas de forma ativa, contribuindo com o seu desenvolvimento (LOPES, MELO e TENORIO, 2012; DOWBOR, 2013).

Considerações finais

O objetivo deste artigo era caracterizar a ocupação da Bacia do Córrego Bom Jesus e observar os processos de gestão que ali ocorreram e que proporcionaram melhorias para a região, como a instalação de redes de esgoto, asfalto, energia elétrica.

Nos anos iniciais do processo de ocupação, a qualidade de vida era precária, porém ocorreram melhorias a partir das décadas de 1980 e 1990 com a instalação de empresas, pois com a chegada de trabalhadores para as empresas que se instalavam,o comércio na região foi sendo ampliado e o governo investiu em medidas de gestão para o social, ou seja, medidas que proporcionavam melhorias de qualidade de vida para os habitan-tes, como asfaltamento de ruas, criação de escolas e postos de saúde.

Estas medidas e o comércio em crescimento, mesmo que precariamente, possibilitam um avanço na qualida-de de vida dos primeiros moradores da região, pois como afirma Dowbor (2013), “A atividade econômica é um meio, o bem-estar social é o fim”. Sendo assim, os moradores passavam a observar os impactos socioam-bientais, como medidas necessárias para o progresso da região.

Os impactos socioambientais na Bacia do Córrego Bom Jesus, oriundos do processo de ocupação e urbanização são consideráveis, contribuindo para a poluição da Lagoa da Pampulha. Entretanto, projetos participativos dentro do Comitê de Bacia, com a participação do governo, empresas e de entidades civis que remetem à gestão social, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida e despoluir a Lagoa da Pampulha estão sendo realizados, como a realização de obras de esgotamento sanitário e revitalização de praças.

Mas, como o observado nos relatos das histórias orais e nas pesquisas bibliográficas, uma participação efetiva de todas as escolas e instituições de ensino da região, dentro de um processo de gestão intersetorial verdadeiramente efetivo, isto é, com a participação da sociedade civil, empresas, governo e entidades não governamentais como defendem Inojosa (2001) e Tenório (2008), poderiam contribuir significativamente para a melhoria da qualidade ambiental local resultando em qualidade de para a região. Como a escola é formadora de opinião, esta pode contribuir no desenvolvimento crítico de seus alunos, para que estes sejam capazes de participar dos processos de desenvolvimento local.

O número reduzido de moradores que vivem na região há mais de 40 anos caracteriza-se como uma limi-tação desta pesquisa.Espera-se que com a disponibilização destas informações, este artigo possa contribuir para trabalhos futuros que busquem discutir a importância dos processos de urbanização para o desenvolvi-mento local.

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PRÁTICAS DE RECICLAGEM DE RESÍDUOS TÊXTEIS, EM INDÚSTRIAS DE REPROCESSAMENTO TÊXTIL, NO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE (MG)

Poliana Gomes Silveira Machado1

Fernanda Carla Wasner Vasconcelos2

Resumo

A gestão adequada de resíduos sólidos representa um desafio para as administrações públicas municipais brasileiras. Um conjunto de leis, projetos e programas vêm sendo criados como instrumentos que possibilitam a adoção de um modelo de desenvolvimento sustentável. No Brasil, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010) reúne diretrizes, metas e ações em regime de cooperação com Estados, Municípios ou particulares, com o propósito de gerenciar adequadamente os resíduos sólidos. O presente trabalho foi motivado pela constatação de não existência de um projeto para a gestão específica dos resíduos têxteis pelas autarquias responsáveis no município de Belo Horizonte (MG). Configura-se como questão central dessa pesquisa: Como as práticas de gestão social podem contribuir para a diminuição dos resíduos têxteis descartados no ambiente? Assim, o objetivo desse trabalho é propor práticas para inclusão da coleta seletiva e da reciclagem e do reaproveitamento de resíduos têxteis na perspectiva da gestão social, em parceria com usinas de reprocessamento têxtil e instituições que trabalhem o reaproveitamento de tecidos, visando ao desenvolvimento local. A metodologia utilizada foi levantamento bibliográfico e, em uma abordagem mais específica, a busca por legislação referente aos resíduos têxteis, coleta seletiva solidária, extraindo aprendizado sobre como implantar a reciclagem de resíduos têxteis na perspectiva da gestão social junto às empresas de reprocessamento têxtil no município de Belo Horizonte. Espera-se que esse trabalho possa contribuir para a ampliação do conhecimento sobre gestão sustentável dos resíduos têxteis, por meio da inclusão da coleta seletiva solidária e da gestão social, para o desenvolvimento local.

Palavras Chave: Resíduos Sólidos. Material Têxtil. Desenvolvimento Local. Coleta Seletiva. Gestão Social.

Introdução

A gestão sustentável de resíduos têxteis na perspectiva da gestão social para o desenvolvimento local é uma questão a ser explorada. A demanda de materiais têxteis é significativa, assim como, a contaminação provocada pela produção, pelo descarte inadequado de resíduos, pela necessidade de exploração de novos recursos naturais bem como a necessidade de novas áreas de aterros sanitários que provocam prejuízos ao meio ambiente.

A previsão da infraestrutura adequada dos serviços urbanos e o manejo dos resíduos sólidos não acompanharam o crescimento acelerado das cidades brasileiras para atender às necessidades de toda essa população. O processo crescente de urbanização pelo qual passou o país nas últimas cinco décadas é fator que, em parte, contribui para essa realidade. De acordo com o IBGE, em 2010, cerca de 85% dos brasileiros já residiam em cidades (BELO HORIZONTE, 2013).

1 Mestranda do PPG em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local. [email protected] Professora do PPG em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local. [email protected]

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Inexistência de projetos e estudos mais apurados para gestão de resíduos têxteis no município de Belo Horizonte (MG), por método de reciclagem e reaproveitamento de resíduos têxteis e, em consonância com as políticas nacional, estadual e municipal de gestão de resíduos sólidos, de forma a despertar o interesse de empresas do setor e formar um mercado consumidor desses produtos, são realidades a serem transformadas, considerando experiências positivas desse setor em outras localidades nacionais e internacionais.

De acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (2010), a reciclagem no Brasil tem como base a inclusão social produtiva dos catadores, como forma de geração de renda, qualificação profissional e melhoria na qualidade de vida desses indivíduos. No setor têxtil, essa realidade pode ser aplicada. Assim, o objetivo desse trabalho é propor práticas para inclusão da coleta seletiva e da reciclagem e reaproveitamento de resíduos têxteis na perspectiva da gestão social, em indústrias de reprocessamento têxtil e instituições que trabalhem o reaproveitamento de tecidos no município de Belo Horizonte (MG), visando ao desenvolvimento local.

Esta pesquisa justifica sua importância no campo da gestão social, considerando a participação da sociedade nos processos de conservação do meio ambiente e mudança da realidade local em que atuam e/ou vivem. Para a implantação de práticas eficazes de gestão dos resíduos têxteis, que incluam parcerias com empresas recicladoras de material têxtil, com cooperativas que trabalhem com a seleção e triagem de resíduos de tecidos, selecionando os materiais que favorecem o processo produtivo da indústria e instituições que realizam o reaproveitamento desses resíduos, favorecendo o crescimento do setor, assim como, abertura de novos postos de trabalho, é necessária a participação efetiva do cidadão, de forma que exerça o descarte correto de seus materiais têxteis, evitando que esses resíduos sejam destinados aos aterros sanitários. Deve-se pensar na solução dos problemas ambientais em parceria com a gestão das questões sociais da comunidade, para que haja evolução igualitária e colaboração para o desenvolvimento local.

Consumo no mundo contemporâneo

A atividade humana configurou uma sociedade moldada na lógica do consumo como propulsora para o desenvolvimento, provocando uma atividade industrial de alto impacto, que parece contribuir para a exaustão dos recursos naturais. Essa realidade não é diferente no setor têxtil e de confecções, mas é possível perceber movimentos que apontam alternativas e lógicas produtivas que contemplam a sustentabilidade, por meio da reciclagem e do reuso de produtos têxteis, estratégias que viabilizam um fazer mais consciente (MACHADO e LEONEL, 2014).

De acordo com a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT), o setor têxtil e de confecção brasileiro possui cadeia de produção têxtil completa, que abrange da produção de fibras até a confecção. Dados de 2013 demonstram que é a sexta maior indústria têxtil do mundo com cerca de 9,8 bilhões de peças confeccionadas ao ano (ABIT, 2014). De acordo com relatório da Associação Brasileira das Indústrias Têxteis, uma projeção para consumo de têxteis por habitante até o ano de 2016 apresenta um aumento de consumo desses produtos por habitante no Brasil, com consumo de 12,8kg no ano de 2011 e projetado para 20kg no ano de 2016 (ABIT, 2011).

O caminho para a sustentabilidade no setor de vestuário e uma maior durabilidade das roupas está em comprar em menor quantidade produtos de melhor qualidade e com maior durabilidade, adoção da logística reversa no setor têxtil, reutilização, restauração, reciclagem, abertura de brechós para comercialização de roupas usadas, compartilhamento de roupas e de negócios voltados para o aluguel das peças, desenvolvimento de roupas modulares, ou seja, que possam ser usadas de diferentes formas, tecnologia industrial ecológica e novos modelos de produção baseado em ciclo fechado (FLETCHER e GROSE, 2011).

A indústria de confecções do vestuário e produtos têxteis possui um ciclo de vida comercial curto, tratando-se de produtos de moda, ditados por tendências efêmeras. Assim, torna-se necessária a discussão sobre

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práticas responsáveis de processos de produção e consumo (LEITE, 2009). Neste contexto, torna-se relevante a presença de indústrias recicladoras de tecidos e instituições que promovam o reaproveitamento desses resíduos, colaborando para a recolocação dos materiais têxteis descartados novamente no ciclo de produção e consumo.

Para Leonard (2007), a reciclagem ajuda a reduzir a extração de matéria prima na ponta do sistema, mas não é suficiente. De cada porção de lixo produzido em nossas casas, 70 porções foram criadas anteriormente ao longo do processo de fabricação; ou seja, ainda que 100% do lixo domiciliar seja reciclado, não se resolveria o problema central, pois, neste caso, deve-se considerar toda a cadeia produtiva. Quando as pessoas participarem efetivamente do processo, poderão reivindicar e transformar esse sistema linear em algo novo, que não desperdice recursos ou pessoas. Um novo pensamento é baseado na sustentabilidade e equidade, química verde, zero resíduos, produção em ciclo fechado, energia renovável, economias locais vivas. Ainda segundo Leonard (2011), há quem diga que esse panorama é irreal. Mas, irrealidade é continuar no mesmo caminho.

Sobre os resíduos sólidos têxteis

Práticas sustentáveis no setor têxtil e na indústria da moda vêm sendo debatidas desde os anos de 1980. No princípio, as ideias eram desafiadoras, pois, de um lado, havia a preservação ambiental, de outro, as novas tecnologias que permitiam ampliar o desempenho industrial, assim como, consumo e descarte de resíduos (PRADO e BRAGA, 2011). Para uma produção sustentável na indústria têxtil, é necessário avaliar todo o processo utilizado nessa cadeia produtiva, desde a colheita de algodão, uso de pesticidas, água e emissões de dióxido de carbono até a utilização final pelo consumidor e, principalmente, a destinação final dada a esse material.

Os materiais utilizados na fabricação do vestuário estão associados aos diferentes tipos de impacto ambiental, sendo eles, mudanças climáticas, poluição química, efeitos sobre a água e seus ciclos, uso excessivo ou inadequado dos recursos não renováveis, perda da biodiversidade, geração de resíduos, efeitos nocivos sobre a saúde humana, efeitos sociais negativos nas comunidades produtoras. Esses materiais afetam os sistemas ecológicos e sociais de alguma forma, sendo necessárias análises específicas para cada tipo de fibra e seus impactos (FLETCHER e GROSE, 2011). A indústria é a principal responsável pelo destino final dos seus produtos. É necessário um maior comprometimento dos designers industriais, que os produtos sejam pensados em seu descarte, antes mesmo de sua concepção, elaborando produtos que tenham total capacidade de serem reciclados e que todas as suas partes sejam passíveis de serem reaproveitadas, caso contrário, não sejam produzidos (CONNETT, 2013).

De acordo com Machado (2010), resíduos sólidos são entendidos como “lixo, refugo e outras descargas de materiais sólidos, incluindo resíduos sólidos de materiais provenientes de operações industriais, comerciais, agrícolas e de atividades da comunidade” e não inclui materiais dissolvidos em recursos hídricos. A norma ABNT NBR 10004:2004 classifica os resíduos sólidos quanto aos seus potenciais à saúde pública e ao meio ambiente, para que possam ser gerenciados adequadamente. Conforme essa norma, os resíduos são classificados em classes: I (perigosos) e II (não perigosos). Os tecidos provenientes do descarte de roupas e retalhos de confecção são pertencentes à classe II – não perigosos. Esta classe divide-se em resíduos classe IIA3 e classe IIB4. Os resíduos classe IIA - não inertes - podem ser exemplificados por resíduos têxteis, retalhos e aparas de tecidos, resíduos de plásticos, resíduos de papel e papelão, resíduos de linhas e fios, entre outros (ABNT, 2004).

De acordo com a Resolução CONMETRO n° 01/2001, os tecidos, produtos utilizados no fabrico de roupas, 3 Resíduos não-perigosos e não- inertes, ou seja, aqueles que podem ter propriedades como: biodegradabilidade, combustibilidade ou solubilidade em água. 4 Resíduos não-perigosos e inertes.

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podem ser produzidos à base de fibras natural ou sintética, que podem ser de origem animal, vegetal, mineral, química ou sintética. Compreendem-se por resíduos têxteis, material à base de fios de fibra natural ou sintética utilizado na fabricação de vestuário, artigos para cama, mesa, banho, decoração, limpeza, assim como, produtos para a indústria, embalagens, uso medicinal como faixas e curativos, entre outros.

Diferentes tecidos definiram, através da história, a forma como nos vestimos. De acordo com Lee (2009), dois tecidos dominaram o mercado mundial: o algodão convencional é uma das plantações mais poluidoras do mundo, e o poliéster, derivado do combustível fóssil, contribuiu para a criação da moda barata e descartável. Tecidos de fibra vegetal como o algodão demoram de 6 meses a 1 ano para decomposição. No caso das roupas sintéticas, a decomposição pode levar centenas de anos, como o exemplo do Nylon que apresenta um período de 500 anos para a efetivação desse processo. A produção de tecidos sintéticos gera poluição tanto no ar quanto na água, assim como, usam boa parte das reservas petroquímicas do planeta, um recurso não renovável (LEE, 2009).

Práticas de destinação de resíduos sólidos e sua aplicabilidade aos resíduos têxteis

O desinteresse da população pelo tratamento de seus rejeitos é um antigo problema. A sociedade delega à administração pública, a responsabilidade por seus próprios descartes. O tratamento de resíduos é um processo, que demanda horas de trabalho e orçamentos vultosos. A cobrança pelos serviços de limpeza pública muitas vezes não é percebido. A problemática dos resíduos sólidos agravou-se pelo aumento das concentrações urbanas e pela variedade das atividades modernas com suas correspondentes demandas de consumo (MILARÉ, 2011).

As formas usuais de destinação e disposição final de resíduos sólidos são: lixões, aterros sanitários, usinas de compostagem, reaproveitamento, reciclagem e incineração. O depósito a céu aberto ou lixão é a prática mais arcaica e condenável de disposição final de resíduos, sendo os mesmos lançados ao solo, sem qualquer estudo prévio, monitoramento ou tratamento, sendo inegavelmente poluentes (MACHADO, 2010). A Portaria nº 53/1979, do Ministério do Interior, proibia esse tipo de disposição final mesmo antes da elaboração da Política Nacional de Resíduos Sólidos.

Em Minas Gerais, o Conselho Estadual de Política Ambiental de Minas Gerais (COPAM) editou a Deliberação Normativa nº 52/2001, uma política explícita de erradicação dos lixões presentes no período em quase todos os municípios do Estado (FEAM, 2011). Entretanto, o prazo estabelecido por esse dispositivo legal não foi cumprido.

O aterro sanitário é tecnicamente adequado para a disposição final dos resíduos sólidos urbanos e com menor custo de implantação. Os resíduos são depositados em áreas de grande espaço físico, com observância de rigorosas posturas técnicas que evitam a ocorrência de danos ambientais. O aterro sanitário produz gás metano passível de reaproveitamento, e, nesse caso, constitui o aterro energético (MACHADO, 2010). A grande problemática dos resíduos têxteis é que ocupam grande volume e contribuem para reduzir de forma mais acelerada as áreas dos aterros.

Como incentivo à coleta seletiva, Minas Gerais é o primeiro estado brasileiro a realizar um projeto de lei que proíbe a instalação de incineradores. O Projeto de Lei nº 4.501 de 2013 “Não à incineração! Defenda a coleta seletiva!”- União de todos pelo desenvolvimento sustentável com valorização da coleta seletiva e inclusão sócio-produtiva dos catadores de materiais recicláveis.

Compreende-se por inclusão social produtiva, a busca em gerar o aumento da renda do indivíduo como uma forma de promover a inclusão social, com perspectiva de melhoria da sua qualidade de vida. Entretanto, a inclusão sócio produtiva não compreende simplesmente o acesso ao mercado, mas compreende os direitos econômicos e sociais. O desenvolvimento econômico pode contribuir para a redução do nível de pobreza,

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buscando o alcance da efetiva inclusão social, com a geração de emprego e renda, suprindo necessidades como saúde, educação, habitação, transporte, alimentação e lazer para promover o bem estar. A inclusão social produtiva pressupõe a visão integral sobre o indivíduo e suas necessidades básicas, por meio de uma articulação intersetorial (FAO BRASIL, 2015).

O processo de reciclagem consiste em um método de transformação de resíduos sólidos, que pode envolver a alteração das propriedades físicas ou químicas dos mesmos, tornando-os insumos destinados a processos produtivos. Os rejeitos compreendem os resíduos sólidos que, depois de esgotadas as possibilidades de tratamento e recuperação por processos tecnológicos viáveis econômica e ambientalmente, tem sua disposição final ambientalmente adequada. No Brasil, utiliza-se a mão-de-obra de catadores de material reciclável, como forma de inclusão sócio produtiva, contribuindo para o desenvolvimento local, tendo mérito por diminuir a necessidade de exploração de recursos naturais e por gerar emprego e renda (MILARÉ, 2011).

A reciclagem de produtos têxteis compreende um método industrial de reprocessamento de roupas usadas, material fibroso e restos de tecidos com a finalidade de constituir novos produtos. Práticas de reciclagem no setor têxtil vêm sendo adotadas desde o início do século XX. Em 1813, Benjamin Law foi pioneiro no processo de reciclagem têxtil em que tecidos de lã eram reduzidos a fibras e transformados em novos tecidos (LEE, 2007).

O processo de reciclagem também é utilizado para tecidos de fibras sintéticas. No processo de reciclagem de tecidos, fibras plásticas como o PET podem ser introduzidas na fabricação para reforçar e aumentar a resistência dos novos tecidos. O PET é uma fibra largamente utilizada pela indústria têxtil. De acordo com a ABIPET (2012), o Brasil é um dos principais recicladores mundial do PET e o setor têxtil continua sendo o principal consumidor do PET reciclado, com 38,2% de participação. Segundo o CEMPRE (2015), deve-se investir em coleta seletiva para não prejudicar a indústria. Em alguns períodos do ano, as empresas recicladoras chegam a registrar 30% de ociosidade pela falta de embalagens pós consumo para reciclar.

De acordo com a ABRELPE (2013, p.41), a coleta seletiva foi definida na Lei Federal nº 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, como “coleta de resíduos sólidos previamente separados de acordo com a sua constituição e composição”.

Entre os países de alta renda, o investimento em reciclagem é parte da modernização global e cada residência recebe caixas para separação dos seus resíduos. Os melhores exemplos são Austrália, Canadá, EUA e alguns países europeus. Nestes países, materiais recicláveis e compostáveis estão proibidos em aterros sanitários (INSEA, 2014).

Existe uma ilusão de que todos os resíduos do processo de produção e consumo poderão ser reciclados, e, ainda, que a reciclagem é um processo infinito, “como se o mesmo material pudesse ser reciclado continuamente, sem perda de qualidade na sua composição físico-química”, justificando um consumo inconsciente (BLAUTH, LEME e SUDAN, 2006, p.157).

De maneira geral, o processo de menor impacto ambiental é o reaproveitamento, que consiste em usar os resíduos sólidos para a mesma finalidade, sem ocorrer transformações biológica, física ou química (PNRS, 2010). É preciso desenvolver conceitos e ferramentas para além da reciclagem e/ou reaproveitamento de matéria prima, ou seja, a efetiva diminuição no consumo, assim como, a disseminação desse conhecimento (DE CARLI e MANFREDINI, 2010).

O incentivo aos processos de coleta seletiva e de reciclagem contribui para o desenvolvimento local dos municípios. Segundo Somekh (2004), o desenvolvimento local é um indicador do estágio econômico, social e político de uma comunidade, não considerando somente o aspecto econômico de produção de riqueza mas também sua distribuição, redução da pobreza e das desigualdades.

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Relevância das políticas de resíduos sólidos e práticas sustentáveis de gestão de resíduos têxteis

De acordo com o art. 225 da Constituição Federal de 1988, “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1988).

O planejamento para tratamento de resíduos sólidos é uma importante ação para governos de países que pretendem combater a degradação ambiental. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), editada pela Lei nº 12.305/2010, aponta elementos para superar as adversidades do desenvolvimento e gerar novas práticas sustentáveis,

A Política Nacional de Resíduos Sólidos preencheu uma importante lacuna no arcabouço regulatório nacional. Essa iniciativa é o reconhecimento, ainda que tardio, de uma abrangente problemática ambiental que assola o País, problemática esta de proporções desconhecidas, mas já com diversos episódios registrados em vários pontos do território nacional, e que tem origem exatamente na destinação e disposição inadequadas de resíduos e conseqüente contaminação do solo, além da dificuldade de identificação dos agentes responsáveis. (MILARÉ, 2011, p.855).

Segundo Faria (2012), a idéia que permeia a PNRS diz respeito à redução da quantidade de material sujeito à disposição final, de modo a agregar valor aos resíduos gerados e destinar aos aterros o mínimo possível daquilo que não mais possa ser aproveitado e, assim, inverter a lógica de manejo dos resíduos sólidos.

Na elaboração da PNRS, destaca-se a disseminação de uma política de minimização de resíduos e de valorização dos 3Rs, que evidencia a importância de reduzir, reutilizar e reciclar, nesta ordem de prioridade, sendo um princípio presente na Agenda 21 e, no art. 19, da PNRS (MMA, 2012). Proposta pelo Instituto Akatu (2011), a gestão dos resíduos inclui o conhecimento e a adoção dos 8Rs (refletir, reduzir, reutilizar, reciclar, respeitar, reparar, responsabilizar-se e repassar), buscando uma forma de consumo consciente.

O Compromisso Empresarial para a Reciclagem (CEMPRE) constatou que a PNRS provocou um aumento de quase 110% de municípios com coleta seletiva em todo o país, aumentando de 443, em 2010, para 927, em 2014 (CEMPRE, 2015).

Um aspecto inovador da PNRS encontra-se nos planos de gestão que todas as unidades da federação, nos âmbitos nacional, estadual e municipal e, ainda, o setor produtivo, estão obrigados a realizar no sentido de promover o manejo dos resíduos sólidos e, nos aspectos das inovações sociais, a inclusão e valorização profissional dos catadores de material reciclável (MAIA et al., 2014). Neste contexto, percebe-se a formação do arcabouço legal para implementação junto aos estados brasileiros, especificamente, dentro da realidade de cada município, de normas para o tratamento de tipos específicos de resíduos, compreendendo inclusive, o tratamento para resíduos têxteis.

No estado de Minas Gerais, os arcabouços legais para a elaboração de projetos que foquem a gestão mais adequada de resíduos têxteis já foram implementados e responsabilizam os agentes públicos, privados, assim como, toda a sociedade civil para a gestão dos resíduos sólidos. A legislação do município de Belo Horizonte apresenta oportunidades de articulação entre os envolvidos para uma gestão mais estruturada dos resíduos de tecidos gerados no município.

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Práticas sustentáveis de gestão de resíduos têxteis podem ser percebidas em diversas localidades. Na Europa e nos Estados Unidos, o gerenciamento de resíduos têxteis se encontra em um estágio mais avançado, apresentando práticas de gestão passíveis de serem estudadas, adaptadas e aplicadas à realidade brasileira e servem como exemplo para a implantação de um plano de gestão de resíduos têxteis no município de Belo Horizonte (MG), conforme proposto no art. 6º, da Política Estadual de Resíduos Sólidos em seus princípios que orientam: não-geração; prevenção da geração; redução da geração; reutilização e reaproveitamento; reciclagem; tratamento; destinação final ambientalmente adequada; valorização dos resíduos sólidos (MINAS GERAIS, 2009).

Pontos de coleta específicos para material têxtil são uma prática importante para a gestão sustentável desses resíduos. Na Inglaterra, a gestão de resíduos têxtil é organizada e moderna. Os bancos de coleta têxtil estão localizados estrategicamente em calçadas, supermercados, escolas e outras instituições. São organizados pelas autoridades locais ou por instituições de caridade (LEE, 2009). A população participa do processo de gestão dos resíduos têxteis, sendo percebido como uma prática de gestão social.

De acordo com dados da SLU (2015), em Belo Horizonte, são recolhidas diariamente cerca de 1.800 toneladas de resíduos da coleta domiciliar e uma média de 20 toneladas da coleta seletiva para reciclagem, considerando os programas de reciclagem de papel, metal, plástico, vidro, orgânicos e resíduos de construção civil. Atualmente, os programas ainda não contemplam a reciclagem de resíduos têxteis. De acordo com informação técnica da Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) de Belo Horizonte, o processamento de resíduos têxteis não está relacionado com a competência desta autarquia.

Para a elaboração de um plano de gestão de resíduos têxteis no município de Belo Horizonte, a prática das estações de recolhimentos desses resíduos é um processo a ser estudado. Como sugestão ao acondicionamento dos resíduos têxteis, utiliza-se, como exemplo, os Pontos de Entrega Voluntária (PEVs) dispostos em estabelecimentos privados e instituições públicas que contam com a participação direta da população. O sistema de coleta seletiva pode ser também realizado porta a porta, em que o material reciclável é recolhido diretamente nas residências. O sistema ponto a ponto poderia ser indicado para o recolhimento de resíduos têxteis em regiões de grande concentração de confecções de vestuário no munícipio.

Os PEVs destinados para os resíduos de tecidos não são percebidos em Belo Horizonte (MG), ou pode-se dizer, inexistentes. Quando existem estações de recolhimento de roupas e peças do vestuário, a abordagem está direcionada às doações e às instituições de caridade, não necessariamente, à inclusão de um processo de gestão com inclusão de reciclagem e destinação ambientalmente adequada das peças sem vida útil. Existem empresas que exercem atividade de reprocessamento e reaproveitamento de resíduos têxteis para confecção de estopas, algodão e tecidos de limpeza, uma forma de reciclagem têxtil, no município de Belo Horizonte e região da Grande BH. De acordo com a PNRS, no que se refere a elaboração dos planos municipais de tratamento de resíduos sólidos, os usuários dos sistemas de limpeza urbana serão responsáveis por acondicionar os resíduos para coleta de forma adequada e em local acessível ao sistema público de coleta regular, cabendo-lhes observar as normas municipais que estabeleçam a seleção dos resíduos no local de origem e indiquem as formas de acondicionamento para coleta, mas há necessidade de contemplar os resíduos sólidos.

A destinação adequada dos resíduos sólidos é responsabilidade de todos. Em relação à responsabilidade compartilhada, o artigo 30 da PNRS define como responsáveis fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, consumidores e titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos (BRASIL, 2010). A PNRS, em consonância com a PERS/MG, institui ainda a logística reversa, como um dos objetivos de promover ações para garantir que o fluxo dos resíduos sólidos gerados seja direcionado para a sua cadeia produtiva ou para cadeias produtivas de outros geradores. O princípio da logística reversa, embora ainda não seja aplicado aos produtos têxteis, poderia auxiliar no sistema de coleta desses resíduos no Brasil. Alguns tipos de resíduos já recebem este tipo de acondicionamento em Belo Horizonte, como exemplo, os resíduos cuja legislação estabelece o programa de logística reversa, como recolhimento de resíduos de óleo, lâmpadas fluorescentes, eletrônicos, medicamentos, pilhas e baterias, por meio de acomodações apropriadas em diferentes redes de supermercado e pontos comerciais. Esta regulamentação possibilita a inclusão da coleta seletiva de resíduos têxteis, caso sua gestão seja implantada no município de Belo Horizonte (MG).

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Devido à especificidade da triagem dos resíduos têxteis, pelas diversas composições dos tecidos, é preciso pensar em cooperativas e/ou associações específicas para esse fim. Para a gestão do material recolhido em ambos os processos, os PEVs e o sistema ponto a ponto, sugere-se o envio dos resíduos para cooperativas destinadas especificamente para a triagem de material têxtil. Programas para treinamento e capacitação de catadores de material reciclado como triadores desses resíduos poderiam ser implantados, contribuindo para a geração de emprego e renda no município, por meio da coleta seletiva solidária. A parceria com brechós e bazares, realizados por instituição de caridade, seria também uma prática importante para que peças de roupas passíveis de serem reutilizadas sejam reinseridas no ciclo de consumo, antes de serem destinadas ao reprocessamento. Estas organizações normalmente destinam seus recursos financeiros adquiridos nos bazares de caridade para a realização de projetos sociais e de formação profissional das comunidades, como forma de gestão social para o desenvolvimento local.

A prática do reaproveitamento e reuso de materiais é aplicada a gestão sustentável de resíduos têxteis na região Sul do país. Na cidade de Caxias do Sul (RS), o Banco de Vestuário criado em outubro de 2009, em parceria com fundações, sindicato, prefeitura, universidade e o Serviço Nacional de Aprendizado Industrial-SENAI, recolhe excedentes industriais de empresas de confecções e tecelagem e direciona para as comunidades do terceiro setor existentes na cidade e anteriormente cadastradas, que necessitam de doação de retalhos, tecidos e materiais têxteis, sendo elas, clubes de mães, grupos de terceira idade, associações de bairros e centros comunitários. A principal função do Banco do Vestuário é o recolhimento, identificação e separação dos resíduos têxteis e encaminhamento às entidades mencionadas, responsabilizando-se pela classificação dos resíduos: quanto ao tamanho, cor e composição de suas fibras, de forma a facilitar a redistribuição e atender as diferentes necessidades das entidades cadastradas. Retalhos muito pequeno são enviados para rasgadeiras5, sendo reprocessados e transformados em feltros, cobertores ou enchimentos de estofado (DE CARLI e VERZON, 2012).

As iniciativas apresentadas a seguir evidenciam a prática de reciclagem de resíduos têxteis em indústrias de reprocessamento de tecidos, para um melhor gerenciamento desses resíduos.

Indústrias que realizam o reprocessamento de resíduos têxteis para a confecção de estopas e tecidos para limpeza poderão contribuir para ampliar a gestão dos resíduos têxteis por meio do processo de reciclagem, recebendo os trapos de tecidos descartados por outros processos. O registro das primeiras empresas recicladoras de tecidos no Brasil aconteceu no Pós Guerra, período em que as matérias primas eram escassas.

Parcerias de empresas públicas e privadas, as PPPs, apontam alternativas para a realização da responsabilidade compartilhada e superação dos problemas, favorecendo a destinação mais apropriada dos resíduos. A Prefeitura Municipal de São Paulo, para tratamento de resíduos têxteis, está projetando a construção de uma usina para reciclar pedaços de tecidos descartados na cidade. Para viabilizá-la, o governo municipal cederá com o terreno, área entre a Estação da Luz e a Feira da Madrugada e o setor privado será responsável pela construção do prédio e das instalações (VALLE, 2013).

O Sindicato das Indústrias de Fiação e Tecelagem do Estado de São Paulo (Sinditêxtil-SP, 2012) declara que menos de 15% dos tecidos descartados são recolhidos por catadores informais. Apenas as tecelagens dos redutos de confecção na região central da cidade, como os bairros do Bom Retiro e do Brás, são responsáveis por descartar 30 toneladas de tecidos diariamente nos aterros da Região Metropolitana de São Paulo. A Usina de Reciclagem de Tecidos projetada em São Paulo está de acordo com a legislação federal, em que estados e municípios têm a responsabilidade de instituir e orientar a execução de programas de incentivo e de interesse social, inclusive projetos destinados ao reaproveitamento dos resíduos sólidos, com a participação de investidores privados e inserção social e contratação de associações e cooperativas de catadores de materiais recicláveis (BRASIL, 2010).

O Sinditêxtil (SP) lançou o programa Retalho Fashion, em junho de 2014, na região do bairro do Bom Retiro, onde estão instaladas cerca de 1200 confecções. Devido à quantidade de matéria prima gerada na região, o programa tem preocupação ambiental e social, visando o gerenciamento dos resíduos têxteis do

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bairro do Bom Retiro. O projeto realiza coletas de retalhos e restos de tecido das lojas da região com o auxílio de cooperativas e catadores que encaminham o material recolhido para indústrias recicladoras, para fabricação de barbantes, novos fios, mantas, cobertores, insumos para forro de automóveis, entre outros (SINDTEXTIL, 2014). De acordo com o Sinditêxtil-SP (2012), o programa Retalho Fashion conscientiza empresários do mercado têxtil e de confecção do estado de São Paulo para a vigência da Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS). A implantação do programa contou com três etapas: (i) diagnóstico da região por meio de levantamento dos volumes gerados pelas fábricas, mobilização de empresas, planejamento de execução; (ii) levantamento da infraestrutura necessária da demanda por resíduo têxtil; e (iii) implantação do Projeto. Ainda de acordo com dados desse Sindicato, o país produz 175 mil toneladas de retalhos ao ano, sendo que 90% do total desse material não é utilizado.

Na região Sul do país, Santa Catarina (PR) é reconhecida como um dos principais polos do setor têxtil vestuarista do país, tanto em produção como em geração de empregos, pois abriga uma série de polos distribuídos geograficamente em alguns pontos de maior concentração urbana (RENAUX, 2010). Santa Catarina abriga empresas recicladoras de tecidos, justificadas pela grande quantidade de resíduos têxteis gerados na região. Os produtos fabricados por essas empresas são resultados da reciclagem de restos de malhas e tecidos, sendo os retalhos provenientes das confecções e indústrias têxteis. As empresas recicladoras contam com a participação das comunidades e das pessoas que trabalham exclusivamente com esta atividade, para a separação de acordo com a composição e as cores dos tecidos antes de serem processados pela indústria e, enfim, transformados em produtos. Os produtos fabricados pelos retalhos não utilizam corantes, sendo esta a importância da separação dos retalhos por cor, assim como não se utiliza água durante os processos de fabricação dos produtos.

Outra prática importante para a gestão dos resíduos têxteis é a valorização dos resíduos sólidos. Resíduos têxteis podem se tornar matéria prima na fabricação de outros produtos e sua comercialização um mercado rentável, contribuindo para a preservação do meio ambiente, abertura de novos negócios e expansão do mercado de tecidos reciclados no Brasil. “A pesquisa e o desenvolvimento, almejando converter resíduos em produtos, pode não ser simples, mas os benefícios decorrentes são evidentes.” (SEIFFERT, 2011, p.150). É necessário considerar as prioridades da sustentabilidade econômica, sendo elas, “o posicionamento de mercado e competitividade, rentabilidade/valor agregado para empresas, valor acrescentado para os clientes, desenvolvimento de negócios a longo prazo/risco, parceria/cooperação e efeito macroeconômico.” (DE CARLI e VERZON, 2012, p.143).

Para a gestão sustentável dos resíduos têxteis, percebe-se ainda a necessidade da prática de medidas educacionais que incentivem a não geração, prevenção da geração e redução da geração de resíduos têxteis e, que apresentem os materiais têxteis como potencialmente recicláveis. Está presente na legislação, o incentivo à pesquisa de técnicas de tratamento de resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada desses rejeitos.

A elaboração de um plano de gestão de resíduos têxteis para o município de Belo Horizonte (MG) deve incentivar a formação de associações e/ou cooperativas de catadores de material reciclável para a gestão e triagem desses resíduos em parceria com as empresas privadas do setor de reprocessamento têxtil e instituições que trabalhem esse reaproveitamento. Talvez não seja ainda uma realidade, devido ao fato de concorrerem com recursos públicos para a solução do descarte de materiais potencialmente mais poluidores e com legislação específica, como exemplo dos eletrônicos. Independente do tipo de resíduo, essa gestão pode promover a inclusão social produtiva desses profissionais e um melhor tratamento desses materiais, apontando a relevância da gestão social para o desenvolvimento local.

A importância da valorização da inclusão social produtiva para a reciclagem dos resíduos têxteis

Na elaboração da PNRS, houve uma preocupação com a inclusão social produtiva dos catadores, a chamada

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reciclagem solidária. O Brasil está inserido em uma lista restrita de países em que o processo de reciclagem é realizado com a integração dos catadores. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) revela em seus estudos que existem 400 mil catadores de resíduos no Brasil. Nesses estudos, somando os membros da família, o número de brasileiros que sobrevivem do lixo atinge 1,4 milhão de pessoas. As mulheres representam 31,1% do total de brasileiros que se declaram ao IBGE como catadores de resíduos, variando muito entre os estados, porém, superam os homens quanto à organização em cooperativas, pois são mais disciplinadas e apresentam maior abertura para uma rotina organizada de trabalho (IPEA, 2012).

Há uma desvalorização dos catadores por parte da sociedade. Os catadores acreditam que a população os vêem com invisibilidade. As causas dessa imagem podem ser justificadas pela não percepção dos catadores como integrantes do ciclo produtivo de reciclagem, desqualificando-os do trabalho que exercem e gerando a imagem de não trabalhadores (DIAS, 2002, p.94). Assim, torna-se necessário reconhecer a importância do trabalho desses profissionais e, os custos de produção para a seleção dos materiais recicláveis sem a presença desses profissionais. Os triadores de material têxtil são percebidos mesmo em países desenvolvidos, como na Inglaterra.

Segundo o IPEA (2010), o serviço dos catadores está presente em apenas 8% dos municípios brasileiros. Noventa e nove por cento do material reciclável destinado para a indústria é transferido pelas mãos dos catadores, organizados e não organizados, que trabalham de pouco a pouco e em conjunto, como costumam se referir “trabalho de formiguinhas”. A figura do catador de material reciclável para resíduos têxteis não é ainda existente em Belo Horizonte, mas o arcabouço legal aponta diretrizes para a criação de cooperativas destinadas especificamente para a gestão de resíduos de tecidos. A organização de cooperativas de catadores possibilita ao setor público atuar nesse meio, através de projetos sociais e ações de saúde, promovendo uma melhor qualidade de vida para esses trabalhadores.

O objetivo da reciclagem solidária é recuperar pessoas, utilizar esse sistema para acolher indivíduos à margem da sociedade, qualificá-los e incluí-los dignamente na sociedade. O objetivo é gerar mais postos de trabalho, recuperando socialmente essas pessoas, apresentando esperança de uma melhoria na qualidade de vida. A proposta para inclusão produtiva solidária para a formação de cooperativas destinadas à seleção de resíduos em parceria com indústrias recicladoras de material têxtil e instituição que trabalhem o reaproveitamento de tecidos seguem esses princípios.

A elaboração de um plano de gestão de resíduos têxteis no município de Belo Horizonte com participação da coleta seletiva solidária e em parceria com empresas recicladoras é uma forma de expandir a oportunidade de trabalho para esse grupo de pessoas e contribuir para o desenvolvimento local do município. De acordo com Milani (2008), a gestão dos problemas sociais pode ocorrer com a participação da sociedade ou distante dela, quando as decisões são centralizadas nos governantes, a participação social tornou-se essencial na formação das políticas públicas atuais.

Considerações finais

A gestão social apresenta-se, portanto, como importante ferramenta para implantação de práticas para inclusão da coleta seletiva, da reciclagem e do reaproveitamento de resíduos têxteis na perspectiva da gestão social, em indústrias de reprocessamento têxtil e instituições que trabalham com reaproveitamento de tecidos, no município de Belo Horizonte (MG), sendo importante o apoio às empresas que baseiam seu negócio no desenvolvimento de produtos sustentáveis, visando a sustentabilidade social, econômica e ambiental em prol do desenvolvimento local.

As limitações dessa pesquisa encontram-se na inexistência de informações e dados estatísticos sobre resíduos têxteis no município de Belo Horizonte, bem como, a subjetividade de análise e interpretação do pesquisador.

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