Direção MOACYR FELIX Os Intelectuais e a Organização Cultura · economia politica, o...

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ANTONIO GRAMSCI Coleção PERSPECTIVAS DO HOMEM Volume % 48 Série Filosofia Direção de MOACYR FELIX Os Intelectuais e a Organização da Cultura Tradução de CARLOS NELSON COUTINHO 4. a edição civilização brasileira

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ANTONIO GRAMSCIColeçãoPERSPECTIVAS DO HOMEM

Volume % 48Série Filosofia

Direção de MOACYR FELIX

Os Intelectuaise a Organização

da Cultura

Tradução deCARLOS NELSON COUTINHO

4. a edição

civilizaçãobrasileira

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Título do original italiano:GLI INTELLETTUALI E L'ORGANIZZAZIONE

DELLA CULTURA

Do Autor, publicados poresta Editora:

CONCEPÇÃO DIALÉTICA DA HISTÓRIA

CARTAS DO CÁRCEREMAQUTAVEL, A POLÍTICA E O ESTADO MODERNO

LITERATURA E VIDA NACIONAL

Índice

Desenho de capa:MARIUS LAURITZEN BERN

Diagramação e Supervisão gráfica:ROBERTO PONTUAL

Direitos para a língua portuguesa adquiridos pelaEDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.

Rua Muniz Barreto, 91-93 — BotafogoRio de Janeiro — RJ

que se reserva a propriedade desta tradução

I. CONTRIBUIÇÕES PARA UMA HISTÓRIA DOS INTELECTUAIS

A Formação dos Intelectuais 3Notas Esparsas

Função Cosmopolita dos Intelectuais Italianos 25Intelectuais Italianos no Exterior 67Europa, América, Mia 81

II. A ORGANIZAÇÃO DA CULTURAA Organização da Escola e da Cultura 117Para a Investigação do Princípio Educativo 129Notas Esparsas 141

III. JORNALISMO 161

IV. APÊNDICELorianisnlo 207

Indice Onomástico 239

1982

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

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Contribuições para umaHistória dos Intelectuais

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A Formação dos Intelectuais

OS INTELECTUAIS constituem um grupo social autôno -

mo e independente, ou cada grupo social possui sua própriacategoria especializada de intelectuais? O problema ê com-plexo por causa das várias formas que, até nossos dias, assu-miu o processo histórico real de formação das diversas ca-tegorias intelectuais.

As mais importantes destas formas são duas:1) Cada grupo social, nascendo no terreno originário

de uma função essencial no mundo da produção econômica,cria para si, ao mesmo tempo, de um modo orgánico, umaou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidadee consciência da própria função, não apenas no campo eco-nômico, mas também no social e no politico: o empresáriocapitalista cria consigo o técnico da indústria, o cientista daeconomia politica, o organizador de uma nova cultura, de

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um novo direito, etc., etc. Deve-se anotar o fato de queo empresário representa uma elaboração social superior, jácaracterizada por uma certa capacidade dirigente e técnica(isto é, intelectual): ele deve possuir uma certa capacidadetécnica, não somente na esfera restrita de sua atividade ede sua iniciativa, mas ainda em outras esferas, pelo menosnas mais próximas da produção econômica (deve ser umorganizador de massa de homens: deve ser um organizador da"confiança" dos que investem em sua fábrica, dos compra-dores de sua mercadoria, etc.).

Os empresários -- se não todos, pelo menos uma elitedeles -- devem possuir a capacidade de organizar a socie-dade em geral, em todo o seu complexo organismo de ser-viços, inclusive no organismo estatal, em vista da necessida-de de criar as condições mais favoráveis à expansão da pró-pria classe: ou, pelo menos, devem possuir a capacidade deescolher os "prepostos" (empregados especializados) a quemconfiar esta atividade organizativa das relações gerais exte-riores a fábrica. Pode-se observar que os intelectuais "or-gánicos", que cada nova classe cria consigo e elabora emseu desenvolvimento progressivo, são, no mais das vezes, "es-pecializações" de aspectos parciais da atividade primitiva dotipo social novo que a nova classe deu à luz.'

Também os senhores feudais eram detentores de umaparticular capacidade técnica, a militar, e é precisamente apartir do momento em que a aristocracia perde o monopóliodesta capacidade técnico-militar que se inicia a crise do feu-dalismo. Mas a formação dos intelectuais no mundo feudale no mundo clássico precedente é uma questão que deve sérexaminada à parte: esta formação e elaboração segue cami-nhos e modos que é preciso estudar concretamente. Assim,r Os Elementos de Ciência Política, de MoscA (nova edição au-mentada, 1923), devem ser examinados para esta rubrica. A chama-da "classe política" de Mosca não é mais do que a categoria intelec-tual do grupo social dominante: o conceito de "classe politica" deMosca deve se avizinhar ao conceito de elite de Pareto, que é umaoutra tentativa de interpretar o fenómeno histórico dos intelectuais esua função na vida estatal e social. O livro de Mosca é um enormecalhamaço de caráter sociológico e positivista, com a tendenciosidadeda política imediata, ademais, o que o toma menos indigesto e lite-rariamente mais vivo.

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cabe observar que a massa dos camponeses, ainda que de-senvolva uma função essencial no mundo da produção, nãoelabora seus próprios intelectuais "orgãnicos" e não "assi-mila" nenhuma camada de intelectuais "tradicionais", em-bora outros grupos sociais extraiam da massa dos campo-neses muitos de seus intelectuais e grande parte dos inte-lectuais tradicionais seja de origem camponesa.

2) Cada grupo social "essencial", contudo, surgindo nahistória a partir da estrutura econômica anterior e como ex-pressão do desenvolvimento desta estrutura, encontrou --pelo menos na história que se desenrolou até aos nossos dias

categorias intelectuais preexistentes, as quais apareciam,aliás, como representantes de uma continuidade histórica quenão fora interrompida nem mesmo pelas mais complicadas eradicais modificações das formas sociais e políticas.

A mais típica destas categorias intelectuais é a dos écle-siásticos, que monopolizaram durante muito tempo (numa in-teira fase histórica que é parcialmente caracterizada, aliás,por este monopólio) alguns serviços importantes: a ideolo-gia religiosa, isto é, a filosofia e a ciência da época, atravésda escola, da instrução, da moral, da justiça, da beneficência,da assistência, etc. A categoria dos eclesiásticos pode serconsiderada como a categoria intelectual orgànicamente li-gada à aristocracia fundiária: era juridicamente equiparadaà aristocracia, com a qual dividia o exercício da propriedadefeudal da terra e o uso dos privilégios estatais ligados à pro-priedade.2 Mas o monopólio das superestruturas por parte dos

2 Para o estudo de uma categoria desses intelectuais, a mais impor-tante, talvez, depois da "eclesiástica", pelo prestigio e pela função so-cial desenvolvida nas sociedades primitivas — a categoria dos médicosem sentido lato, isto é, de todos aqueles que lutam ou parecem lu-tar contra a morte e as doenças para isso, dever-se-é consultar aHistória da Medicina, de Anrama CASncr.ronr. Recorde-se que hou-ve conexão entre a religião e a medicina e que esta conexão con-tinua ainda a existir, em certas zonas: hospitais na mão de religiososno que toca a certas funções de organização, além do fato de que,.onde aparece o médico, aparece o padre (exorcismo, assistência devários tipos, etc.). — Muitas grandes figuras religiosas eram também,e foram concebidas, como grandes "terapeutas": a idéia do milagreque chegou ató à ressurreição dos mortos. Durante muito tempo, per-maneceu a crença de que os reis curavam pela colocação das mãos, etc.

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eclesiásticos' não foi exercido sem luta e sem limitações; enasceram, conseqüentemente, em várias formas (que devemser pesquisadas e estudadas concretamente), outras catego-rias, favorecidas e ampliadas á medida em que se reforçavao poder central do monarca, até chegar ao absolutismo. Assim,foi-se formando a aristocracia togada, com seus próprios pri-vilégios, bem como uma camada de administradores, etc.; etambém cientistas, teóricos, filósofos não eclesiásticos, etc.

Dado que estas várias categorias de intelectuais tradi-cionais sentem com "espírito de gripo" sua ininterrupta con-tinuidade histórica e sua "qualificação " , eles consideram a simesmos como sendo autõnomos e independentes do gruposocial dominante. Esta autocolocação não deixa de ter con-seqüências de grande importância no campo ideológico e po-lítico: toda a filosofia idealista pode ser facilmente relacio-nada com esta posição assumida pelo complexo social dosintelectuais e pode ser definida como a expressão desta uto-pia social segundo a qual os intelectuais arceditam ser "inde-pendentes", autõnomos, revestidos de características pró-prias, etc.

Deve-se notar, porém, que se o Papa e a alta hierarquiada Igreja se crêem mais ligados a Cristo e aos apóstolos doque aos senadores Agnelli e Benni, o mesmo não ocorre comGentile e Croce, por exemplo; Croce, notadamente, sente-sefortemente ligado a Aristóteles e a Platão, mas não escondeque esteja ligado aos senadores Agnelli e Benni; precisamen-te nisto deve ser procurada a característica mais marcadada filosofia de Croce.

Quais são os limites "máximos" da acepção de "intelec-tual"? $ possível encontrar um critério unitário para caracte-rizar igualmente todas as diversas e variadas atividades in-telectuais e para distingui-las, ao mesmo tempo e de modoessencial, dos outros agrupamentos sociais? O erro metodoló-gico mais difundido, ao que me parece, consiste em se terbuscado este critério de distinção no que é intrínseco ás ati-s Disso nasceu a acepção geral de "intelectual" ou de "especialista",a partir da palavra "clérigo", em muitas Ifnguas de origem neolatinaou fortemente influenciadas, através do latim eclesiástico; pelas línguasneolatinas, com seu correlativo de "laico" no sentido de profano, denão-especialista.

vidades intelectuais, ao invés de buscá-lo no conjunto do sis-tema de relações no qual estas atividades (e, portanto, osgrupos que as personificam) se encontram, no conjunto geraldas relações sociais. Na verdade, o operário 6u proletário,por exemplo, não se caracteriza especificamente pelo traba-lho manual ou instrumental, mas por este trabalho em deter-minadas condições e em determinadas relações sociais (semfalar no fato de que não existe trabalho puramente físico ede que mesmo a expressão de Taylor, "gorila amestrado",é uma metáfora para indicar , um limite numa certa direção:em qualquer trabalho físico, mesmo no mais mecânico e de-gradado, existe um mínimo de qualificação técnica, isto é,um mínimo de atividade intelectual criadora). E já ye obser-vou que o empresário, pela sua própria função, deve possuirem certa medida algumas qualificações de caráter ln electual,se bem que sua figura social seja determinada não por elas,mas pelas relações sociais gerais que caracterizam efetiva-mente a posição do empresário na indústria.

Todos os homens são intelectuais, poder-se-ia dizer en-tão: mas nem todos os homens desempenham na sociedadea função de intelectuais.*

Quando se distingue entre intelectuais e não-intelectuais,faz-se referência, na realidade, tão-somente á imediata fun-ção social da categoria profissional dos intelectuais, isto é,leva-se em conta a direção sobre a qual incide o peso maiorda atividade profissional específica, se na elaboração intelec-tual ou se no esforço muscular-nervoso. Isto significa que,se se pode falar de intelectuais, é impossível falar de não-in-telectuais, porque não existem não-intelectuais. Mas a pró-pria relação entre o esforço de elaboração intelectual-cere-bral e o esforço' muscular-nervoso não é sempre igual; porisso, existem graus diversos de atividade específica intelectual.Não existe atividade humana da qual se possa excluir todaintervenção intelectual, não se pode separar o homo faber dohomo sapiens. Em suma, todo homem, fora de sua profissão,desenvolve uma atividade intelectual qualquer, ou seja, é um"filósofo", um artista, um homem de gosto, participa de uma

4 Do mesmo modo, pelo fato de que al ém possa em determinadomomento fritar dois ovos ou costurar um buraco do paletó, não querdizer que todo mundo seja cozinheiro ou alfaiate.

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concepção do mundo, possui uma linha consciente de con-duta moral, contribui assim para manter ou para modificaruma concepção do mundo, isto é, para promover novas ma-neiras de pensar.

O problema da criação de uma nova camada intelectual,portanto, consiste em elaborar criticamente a atividade inte-lectual que existe em cada um em determinado grau de de-senvolvimento, modificando sua relação com o esforço mus-cular-nervoso no sentido de um novo equilíbrio e conseguin-do-se que o próprio esforço muscular-nervoso, enquanto ele-mento de uma atividade prática geral, que inova continua-mente o mundo físico e social, torne-se o fundamento de umanova e integral concepção do mundo. C) tipo tradicional evulgarizado do intelectual é fornecido pelo literato, pelo filó-sofo, pelo artista. Por isso, os jornalistas — que crêem serliteratos, filósofos, artistas — crêem também ser os "verda-deiros" intelectuais. No mundo moderno, a educação técni-ca, estreitamente ligada ao trabalho industrial, mesmo aomais primitivo e desqualificado, deve constituir a base donovo tipo de intelectual.

Neste sentido trabalhou o semanário Ordine Nuouo, s

visando a desenvolver certas formas de novo intelectualismoe a determinar seus novos conceitos; e essa não foi uma dasrazões menores de seu êxito, pois uma tal colocação corres-pondia a aspirações latentes e era adequada ao desenvolvi-mento das formas reais de vida. O modo de ser do novointelectual não pode mais consistir na eloqüência, motor ex-terior e momentâneo dos afetos e das paixões, mas num imis-cuir-se ativamente na vida prática, como construtor, orga-nizador, "persuasor permanente", já que não apenas oradorpuro — e superior, todavia, ao espírito matemático abstra-to; da técnica-trabalho, eleva-se à técnica-ciência e à con-cepção humanista histórica, sem a qual se permanece "espe-cialista" e não se chega a "dirigente" (especialista mais po-lítico).

Formam-se assim, historicamente, categorias especializa-das para o exercício da função intelectual; formam-se em co-nexão com todos os grupos sociais, mas especialmente em

6 Trata-se de mn periódico socialista, de cuja seçio turinesa Gramscifoi redator (Nota do Tradutor).

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conexão com os grupos sociais mais importantes, e sofremelaborações mais amplas e complexas em ligação com o gruposocial dominante. Uma das mais marcantes característicasde todo grupo social que se desenvolve no sentido do domí-nio é sua luta pela assimilação e pela conquista "ideológica"dos intelectuais tradicionais, assimilação e conquista que sãotão mais rápidas e eficazes quanto mais o grupo em questãoelaborar simultaneamente seus próprios intelectuais orgânicos.

O enorme desenvolvimento alcançado pela atividade epela organização escolar (em sentido lato) nas sociedadesque surgiram do mundo medieval indica a importância assu-mida no mundo moderno pelas categorias e funções intelec-tuais: assim como se buscou aprofundar e ampliar a "inte-lectualidade" de cada indivíduo, buscou-se igualmente mul-tiplicar as especializações e aperfeiçoá-las. $ este o resul-tado das instituições escolares de graus diversos, inclusivedos organismos que visam a promover a chamada "alta cul-tura", em todos os campos da ciência e da técnica.

A escola é o instrumento para elaborar os intelectuais dediversos níveis. A complexidade da função intelectual nosvários Estados pode ser objetivamente medida pela quanti-dade das escolas especializadas e pela sua hierarquização:quanto mais extensa for a "área" escolar e quanto mais nu-merosos forem os "graus" "verticais" da escola, tão maiscomplexo será o mundo cultural, a civilização, de um deter-minado Estado. Pode-se ter um termo de comparação naesfera da técnica industrial: a industrialização de um país semede pela sua capacidade de construir máquinas que cons-truam máquinas e na fabricação de instrumentos cada vezmais precisos para construir máquinas e instrumentos queconstruam máquinas, etc. O país que possuir a melhor capa-citação para construir instrumentos para os laboratórios doscientistas e para construir instrumentos que fabriquem estesinstrumentos, este pais pode ser considerado o mais complexono campo técnico-industrial, o mais civilizado, etc. Do mes-mo modo ocorrê na preparação dos intelectuais e nas es-colas destinadas a tal preparação; escolas e instituições dealta cultura são similares. Neste campo, igualmente, a quan-tidade não pode ser destacada da qualidade. A mais refi-nada especialização técnico-cultural, não pode deixar de cor-

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responder a maior ampliação possível da difusão da instru-ção primária e a maior solicitude no favorecimento dos grausintermediários ao maior número. Naturalmente, esta neces-sidade de criar a mais ampla base possível para a seleção eelaboração das mais altas qualificações intelectuais — ouseja, de dar à alta cultura e à técnica superior uma estruturademocrática — não deixa de ter inconvenientes: cria-se, des-te modo, a possibilidade de vastas crises de desemprego nascamadas médias intelectuais, tal como realmente ocorre emtodas as sociedades modernas.

Deve-se notar que a elaboração das camadas intelectuaisna realidade concreta não ocorre num terreno democráticoabstrato, mas de acordo com processos históricos tradicionaismuito concretos. Formaram-se camadas que, tradicionalmen-te, "produzem" intelectuais; trata-se das mesmas camadasque, muito freqüentemente, especializaram-se na "poupança",isto é, a pequena e média burguesia fundiária e alguns es-tratos da pequena e média burguesia das cidades. A diversadistribuição dos diversos tipos de escola (clássicas e profis-sionais) no território "econõmico" e as diversas aspiraçõesdas várias categorias destas camadas determinam, ou dãoforma, à produção dos diversos ramos de especialização in-telectual. Assim, na Itália, a burguesia rural produz notada-mente funcionários estatais e profissionais liberais, ao passoque a burguesia urbana produz técnicos para a indústria: porisso, a Itália setentrional produz notadamente técnicos e aItália meridional notadamente funcionários e profissionais.

A relação entre os intelectuais e o mundo da produçãonão é imediata, como é o caso nos grupos sociais fundamen-tais, mas é "mediatizada", em diversos graus, por todo o con-texto social, pelo conjunto das superestruturas, do qual osintelectuais são precisamente os "funcionários". Poder-se-iamedir a "organicidade" dos diversos estratos intelectuais, suamais ou menos estreita conexão com um grupo social funda-mental, fixando uma gradação das funções e das superestru-turas de baixo para cima (da base estrutural para cima).Por enquanto, pode-se fixar dois grandes "planos" superes-truturais: o que pode ser chamado de "sociedade civil" (istoé; o conjunto de organismos chamados comumente de "pri-

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vados") e o da "sociedade política ou Estado", que corres-pondem à função de "hegemonia" que o grupo dominanteexerce em toda a. sociedade e àquela de domínio direto"ou de comando, que se expressa no Estado e no governo "ju-rídico". Estas funções são precisamente organizativas e co-nectivas Os intelectuais são os "comissários" do grupo do-minante para o exercício das funções subalternas da hege-monia social e do governo político, isto é: 1) do consenso" espontâneo" dado pelas grandes massas da população àorientação impressa pelo grupo fundamental dominante à vidasocial, consenso que nasce "historicamente" do prestígio (e,portanto, da confiança) que o grupo dominante obtém, porcausa de sua posição e de sua .função no mundo da produ-ção; 2) do aparato de coerção estatal que assegura "legal-mente" a disciplina dos grupos que não "consentem", nemativa nem passivamente, mas que é constituído para toda asociedade, na previsão dos momentos de crise no comandoe na direção, nos quais fracassa o consenso espontâneo.

Esta colocação do problema traz, como resultado, umaampliação muito grande do conceito de intelectual, mas so-mente assim torna-se possível alcançar uma aproximação con-creta à realidade. Este modo de colocar a questão entra emchoque com preconceitos de casta; é verdade que a própriafunção organizativa da hegemonia social e do domínio esta-tal dá lugar a uma certa divisão do trabalho e, portanto, atoda uma gradação de qualificações, em algumas das quaisnão mais aparece nenhuma atribuição diretiva e organizati-va: no aparato da direção estatal e social existe toda umasérie de empregos de caráter manual e instrumental (de or-dem e não de conceito, de agente e não de oficial ou funcio-nário, etc.); mas, evidentemente, é preciso fazer esta distin-ção, como é preciso fazer também qualquer outra. De fato,a atividade intelectual deve ser diferenciada em graus, in-clusive do ponto de vista intrínseco; estes graus, nos momen-tos de extrema oposição, dão lugar a uma verdadeira e realdiferença qualitativa: no mais alto grau, devem ser coloca-dos os criadores das várias ciências, da filosofia, da arte,etc.; no mais baixo, os "administradores" e divulgadores mais

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modestos da riqueza intelectual já existente, tradicional,acumulada?

No mundo moderno, a categoria dos intelectuais, assimentendida, ampliou-se de modo inaudito. Foram elaboradas,pelo sistema social democrático-burgués, imponentes massasde intelectuais, nem todas justificadas pelas necessidades so-ciais da produção, ainda que justificadas pelas necessidadespolíticas do grupo fundamental dominante. Daí a concepçãoloriana do "trabalhador" improdutivo ( mas improdutivo emrelação a quem e a que modo de produção?), que poderiaser parcialmente justificada se se levasse em conta que estasmassas exploram sua posição a fim de obter grandes somasretiradas à renda nacional. A formação em massa estandar-tizou os indivíduos, na qualificação intelectual e na psico-logia. determinando os mesmos fenõmenos que ocorrem emtodas as outras massas estandartizadas: concorrência (quecoloca a necessidade da organização profissional de defesa).desemprego, superprodução escolar, emigração, etc.

Posição diversa dos intelectuais de tipo urbano e de tiporural. Os intelectuais de tipo urbano cresceram juntamentecom a indústria e são ligados às suas vicissitudes. A sua fun-ção pode ser comparada à dos oficiais subalternos no exér-cito: não possuem nenhuma iniciativa autõnoma na elabora-ção dos planos de construção; colocam em relação, articulan-do-a, a massa instrumental com o empresário, elaboram aexecução imediata do plano de produção estabelecido peloestado-maior da indústria, controlando suas fases executivaselementares. Na média geral, os intelectuais urbanos sãobastante estandartizados; os altos intelectuais urbanos con-fundem-se cada vez mais com o auténtico estado-maior in-dustrial.

E O organismo militar, também neste caso, oferece um modelo destascomplexas gradações: oficiais subalternos, oficiais superiores, Estado-Maior; e não se deve esquecer as praças graduadas, cuja importânciareal é superior ao que habitualmente se crê. E interessante notar quetodas estas partes se sentem solidárias; ou antes, que os estratos infe-riores manifestam um "espírito de grupo" mais evidente, do qual re-sulta uma "vaidade" que freqüentemente os expõe aos gracejos e èstro a

Os intelectuais de tipo rural são, em sua maior parte,"tradicionais", isto é, ligados à massa social camponesa e pe-queno-burguesa das cidades (notadamente dos centros me-nores), ainda não elaborada e movimentada pelo sistema ca-pitalista: este tipo de intelectual põe em contato a massacamponesa com a administração estatal ou local (advogados,tabeliães, etc.) e, por esta mesma função, possui uma grandefunção político-social, já que a mediação profissional dificil-mente se separa da mediação política. Além disso: no cam-po, o intelectual (padre, advogado, professor, tabelião, mé-dico, etc.) possui um padrão de vida médio superior, ou, pelomenos, diverso daquele do médio camponês e representa, porisso, para este camponês, um modelo social na aspiração desair de sua condição e de melhorá-la. O camponês acreditasempre que pelo menos um de seus filhos pode-se tornar in-telectual (notadamente padre), isto é, tornar-se um senhor,elevando o nivel social da família e facilitando sua vida eco-nômica pelas ligações que não poderá deixar de estabelecercom os outros senhores. A atitude do camponês diante dointelectual é dúplice e parece ser contraditória: ele admira aposição social do intelectual e do funcionário público, em ge-ral, mas finge às vezes desprezá-la, isto é, sua admiraçãomistura-se instintivamente com elementos de inveja e de raivaapaixonada. Não se compreende nada da vida coletiva doscamponeses, bem como dos germes e fermentos de desen-volvimento aí existentes, se não se levam em consideração, senão se estuda concretamente e não se aprofunda esta subor-dinação efetiva aos intelectuais: todo desenvolvimento orgâ-nico das massas camponesas, até um certo ponto, está ligadoaos movimentos dos intelectuais e dele depende.

O caso é diverso no que diz respeito aos intelectuaisurbanos: os técnicos de fábrica não exercem nenhuma fun-ção política sobre suas massas instrumentais, ou, pelo menos,é esta uma fase já superada; por vezes, ocorre precisamenteo contrário, ou seja, que as massas instrumentais, pelo menosatravés de seus próprios intelectuais orgânicos, exerçam umainfluência política sobre os técnicos.

O ponto central da questão continua a ser a distinçãoentre intelectuais como categoria orgânica de cada grupo so-cial fundamental e intelectuais como categoria tradicional; dis-

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tinção da qual decorre toda uma série de problemas e de pos-síveis pesquisas históricas.

O problema mais interessante é o que diz respeito, seconsiderado deste ponto de vista, ao partido politico moder-no, às suas origens reais, aos seus desenvolvimentos, às suasformas. O que é que o partido politico se torna em relaçãoao problema dos intelectuais? É necessário fazer algumas dis-tinções: 1) para alguns grupos socias, o partido politico nãoé senão o modo próprio de elaborar sua categoria de intelec-tuais orgánicos (que se formam assim, e não podem deixarde se formar, dadas as características gerais e as condiçõesde formação, de vida e de desenvolvimento do grupo socialdada) diretamente no campo politico e filosófico, e já nãomais no campo da técnica produtiva? 2) o partido politico,para todos os grupos, é precisamente o mecanismo que re-presenta na sociedade civil a mesma função desempenhadapelo Estado, de um modo mais vasto e mais sintético, na so-ciedade política, ou seja, proporciona a fusão entre os inte-lectuais orgánicos de um dado grupo -- o grupo dominan-te -- e os intelectuais tradicionais; e esta função é desempe-nhada pelo partido precisamente em dependência de sua fun-ção fundamental, que é a de elaborar os próprios componen-tes, elementos de um grupo social nascido e desenvolvidocomo "econômico", até transformá-los em intelectuais políti-cos qualificados, dirigentes, organizadores de todas as ativi-dades e funções inerentes ao desenvolvimento orgánico deuma sociedade integral, civil e política. Aliás, pode-se dizerque, no seu ámbito, o partido politico desempenha sua fun-ção muito mais completa e orgánicamente do que, num ám-bito mais vasto, o Estado desempenha a sua: um intelectualque passa a fazer parte do partido politico de um determinadogrupo social confunde-se com os intelectuais orgánicos dopróprio grupo, Liga-se estreitamente ao grupo, o que nãoocorre através de participação na vida estatal senão mediocre-

9 No campo da técnica produtiva, formam-se os estratos que corres-pondem, pode-se dizer, aos "praças graduados" no exército, isto é, osoperários qualificados e especializados na cidade e, de modo maiscomplexo, os parceiros e colonos no campo, pois o parceiro e o colonocorrespondem geralmente ao tipo artesão, que é o operário qualificadode uma economia medieval.

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mente ou mesmo nunca. Aliás, ocorre que muitos intelectuaispensem ser o Estado: crença esta que, dado o imenso núme-ro de componentes da categoria, tem por vetos notáveis con-seqüências e leva a desagradáveis complicações para o grupofundamental econômico que é realmente o Estado.

Que todos os membros de um partido político devam . setconsiderados como intelectuais, eis uma afirmação que sepode prestar à ironia e à caricatura; contudo, se pensarmosbem, veremos que nada é . mais exato. Dever-se-á fazer umadistinção de graus; um partido poderá ter uma maior ou me-nor composição do grau mais alto ou do mais, baixo, mas nãoé isto que importa: importa, sim, a função, que é diretiva eorganizativa, isto é, educativa, intelectual. Um comerciantenão passa a fazer parte de um partido politico para podercomerciar, nem um industrial para produzir mais e com custosreduzidos, nem um camponês para aprender novos métodosde cultivar a terra, ainda que alguns aspectos destas exigên-cias do comerciante, do industrial, do camponês possam sersatisfeitos no partido políticos Para estas finalidades, dentrode certos limites, existe o sindicato profissional, no qual aatividade econômico-corporativa do comerciante, do indus-trial, do camponês, encontra sett quadro mais adequado. Nopartido politico, os elementos de um grupo social econômicosuperam este momento de seu desenvolvimento histórico e setomam agentes de atividades gerais, de caráter nacional einternacional. Esta função do partido político apareceria commuito maior clareza mediante uma análise histórica concretado modo pelo qual se desenvolveram as categorias orgánicase as categorias tradicionais dos intelectuais, tanto no terrenodas várias histórias nacionais quanto no do desenvolvimentodos vários grupos sociais mais importantes no quadro das di-versas naçáes; notadamente daqueles grupos cuja ativida-de econômica foi sobretudo instrumental.

A formação dos intelectuais tradicionais é o problemahistórico mais interessante. Ele se liga certamente à escravi-

8A opinião geral contradiz esta afirmação, ao dizer que o comer-

ciante, o industrial, o camponês "politiqueiros" perdem ao invés deganhar, e que são os piores de sua categoria, fato que pode ser dis-cutido.

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dão do mundo clássico e à posição dos libertos de origemgrega e oriental na organização social do Império Romano.

Nota. A mudança da condição da posição social dos inte-lectuais em Roma, do tempo da República ao Império (de umregime aristocrático-corporativo a um regime democrático-buro-crático), está ligado a César, que conferiu a cidadania aos médi-cos e aos mestres das artes liberais, a fim de que habitassem commais satisfação em Roma e de que outros para aí se dirigissem:"Omnesque medicinam Romae professos et liberalium artiumdoctores, quo libentius et ipsi urbem incolerent et coeteri appete-rent civitate donavit" (SUETONIO, Vida de César, XLII). César,portanto, se propõe: 1) a estabelecer em Roma os intelectuais quejá residiam nela, criando assim uma categoria permanente deles,pois sem a permanência não se podia criar uma organização cul-tural. Existia anteriormente uma flutuação que era preciso deter,etc.; 2) a atrair para Roma os melhores intelectuais de todo oImpério Romano, promovendo uma centralização de grande am-plitude. Assim, origina-se a categoria de intelectuais "imperiais"em Roma, que continuará no clero católico e deixará tantos traçosem toda a história dos intelectuais italianos, com sua caracterís-tica de "cosmopolitismo" até ao século XVIII.

Esta separação, não apenas social mas nacional, racial,entre grandes massas de intelectuais e a classe dominante doImpério Romano se reproduz após a queda do Império entreguerreiros germânicos e intelectuais de origens romanizadas,continuadores da categoria dos libertos. Mistura-se com estesfenômenos o nascimento e desenvolvimento do catolicismo eda organização eclesiástica que, por muitos séculos, absor-veu a maior parte das atividades intelectuais e exerceu o mo-nopólio da direção cultural, com sanções penais para quemse opusesse, ou mesmo ignorasse, o monopólio. Na Itália,verifica-se o fenômeno, mais ou menos intenso de acordo coma época, da função cosmopolita dos intelectuais peninsulares.Farei referencia às diferenças que saltam imediatamente àvista no desenvolvimento dos intelectuais em toda uma sériede paises, pelo menos nos mais importantes, com a advertén-

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cia de que estas observações deverão ser verificadas e apro-fundadas.

No que diz respeito à Itália, o fato central é precisamen-te a função internacional ou cosmopolita de seus intelectuais,que é causa e efeito do estado de desagregação em que per-manece a peninsula, desde a queda do Império Romanoaté 1870.

A França fornece um tipo completo de desenvolvimentoharmônico de todas as energias nacionais e, particularmente,das categorias intelectuais. Quando, em 1789, um novo agru-pamento social aflora politicamente à história, ele está com-pletamente apto para todas as suas funções sociais e, por isso,luta pelo dominio total da nação, sem efetivar compromissosessenciais com as velhas classes, mas, pelo contrário, subor-dinando-as às próprias finalidades. As primeiras células in-telectuais do novo tipo nascem com as primeiras células eco-nômicas: a própria organização eclesiástica sofre sua,influén-cia (galicanismo, lutas muito precoces entre Igreja e Esta-do). Esta maciça construção intelectual explica a função dacultura francesa nos Séculos XVIII e XIX, função de irradia-ção internacional e cosmopolita e de expansão de caráter im-perialista e hegemônico de modo orgánico, conseqüentemen-te muito diversa da italiana, de caráter imigratório pessoale desagregado, que não reflui sobre a base nacional para po-tenciá-la, mas, pelo contrário, concorre para impossibilitar aconstituição de uma sólida base nacional.

Na Inglaterra, o desenvolvimento é muito diferente doda França. O novo agrupamento social nascido sobre a basedo industrialismo moderno tem um surpreendente desenvol-vimento econômico-corporativo, mas engatinha no campo in-telectual-político. Ê muito ampla a categoria dos intelectuaisorgânicos, isto é, dos intelectuais nascidos no mesmo terrenoindustrial do grupo econômico, mas — na esfera mais eleva-da -- encontramos conservada a posição de quase-monopó-lio da velha classe territorial, que perde a supremacia eco-nômica mas conserva por muito tempo uma supremacia po-lítico-intelectual, e é assimilada como "intelectuais tradicio-nais" e como camada dirigente pelo novo grupo que ocupao poder. A velha aristocracia fundiária se une aos industriaisatravés de um tipo de junção que, em outros paises, ê preci-

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samente aquele que une os intelectuais tradicionais às novasclasses dominantes.

O fenômeno inglés manifestou-se também na Alemanha,complicado por outros elementos históricos e tradicionais. AAlemanha, como a Itália, foi a sede de uma instituição e deuma ideologia universalista, supernacional (Sacro ImpérioRomano da Nação Alemã), e forneceu uma certa quantida-de de pessoal às metrópoles medievais, depauperando as pró-prias energias internas e provocando lutas que desviavamdos problemas de organização nacional e mantinham e desa-gregação territorial da Idade Média. C) desenvolvimento in-dustrial ocorreu sob um invólucro semifeudal, que durou aténovembro de 1918, e os Junkers mantiveram uma supremaciapolítico-intelectual bem maior do que -a mantida pelo mesmogrupo inglés. Eles foram os intelectuais tradicionais dos in-dustriais alemães, mas com privilégios especiais e com umaforte consciência de ser um grupo social independente, ba-seada sobre o fato de que detinham um notável poder eco-nômico sobre a terra, mais "produtiva" do que na Inglaterra.Os Junkers prussianos assemelham-se a trina casta sacerdotal-militar, que possui um quase-monopólio das funções diretivo-organizativas na sociedade política, mas que possui ao mes-mo tempo uma base económica própria e não depende exclu-sivamente da liberalidade do grupo econômico dominante.Além disso, diferentemente dos nobres fundiários ingleses, osJunkers constituíam a oficialidade de um grande exército per-manente, o que Lhes fornecia sólidos quadros organizativos,favoráveis à conservação do espírito de grupo e do monopó-lio político!

Na Rússia, diversas tendências: a organização políticae económico-comercial foi criada pelos normandos (varegos),a religiosa pelos gregos bizantinos; num segundo momento, os

s No livro Parlamento e governo na nova ordem da Alemanha, demax weans, podem-se encontrar muitos elementos que permitemobservar como o monopólio politico dos nobres tenha impedido a ela-boração de um ssoaf politico burguês numeroso e experimentado eforme a base des continuas crises parlamentares e da desagregaçãodos partidos liberais e democriticos; e, conseqüentemente, seja a baseda importância obtida pelo centro católico e pela social-democracia,que conseguiram — durante o periodo imperial — elaborar uma cama-da parlamentar e diretiva própria bastante numerosa.

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alemães e franceses levam a experiência européia à Rússia eemprestam um primeiro esqueleto 'consistente à gelatina his-tórica russa. As forças nacionais são inertes, passivas e re-ceptivas, mas --- talvez precisamente por isto — assimilamcompletamente as influências estrangeiras e os próprios es-trangeiros, russificando-os. No período histórico mais recen-te, ocorre o fenómeno inverso: uma elite de pessoas entre asmais ativas, enérgicas, empreendedoras e disciplinadas, emi-gra. para o exterior, assimila a cultura e as experiências his-tóricas 'dos países mais desenvolvidos do Ocidente, 'sem. porisso perder as características mais essenciais da própria na-cionalidade, isto é, sem romper as ligações sentimentais e his-tóricas com o próprio povo; feita assim sua aprendizagem in-telectual, retomam ao país, obrigando o povo a um despertarforçado, a uma marcha acelerada para a frente, queimandoas etapas. A diferença entre esta elite e aquela alemã im-portada (por Pedro, o Grande, por exemplo) consiste em seucaráter essencial nacional-popular: não pode ser assimiladapela passividade inerte do povo russo, já que ela mesma éuma enérgica reação russa à própria inércia histórica.

Num outro terreno, e em condições bem diversas de tem-po e lugar, este fenómeno russo pode ser comparado ao nas-cimento da nação americana (Estados Unidos): os emigran-tes anglo-saxões são também uma elite intelectual, mas par-ticularmente moral. Refiro-me, naturalmente, aos primeirosemigrantes, aos pioneiros, protagonistas das lutas religiosas epoliticas inglesas, derrotados, mas nem humilhados nem re-baixados em sua pátria de origem. Eles trazem para a Amé-rica; consigo mesmos, além da energia moral e volitiva, umcerto grau de civilização, uma certa fase da evolução his-tórica européia, que — transplantada no solo virgem ame-ricano por tais agentes -- continua a desenvolver as forçasimplícitas em sua natureza, mas' com um ritmo incomparavel-mente mais rápido do que na velha Europa, onde existe todauma série de freios (morais, intelectuais, politicos, econômi-cos, incorporados em determinados grupos da população, re-liquias dos regimes passados que não querem desaparecer)que se opõem a um processo rápido e limitam na mediocri-dade qualquer iniciativa, diluindo-a no tempo e no espaço.

Deve-se notar, nos Estados Unidos, em certa medida,a ausência dos intelectuais tradicionais e, portanto,, o diver-

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so equilíbrio dos intelectuais em geral.. Ocorreu uma forma-ção maciça, sobre a base industrial, de todas as superestru-turas modernas. A necessidade de um equilíbrio não é dadapelo fato de que seja necessário fundir os intelectuais orgã-nicos com os tradicionais, que não existem como categoriacristalizada e misoneísta, mas pelo fato •de que seja necessá-rio fundir, num único cadinho nacional de cultura unitária,diversos tipos de cultura trazidos pelos imigrantes de origensnacionais variadas. A ausência de uma vasta sedimentaçãode intelectuais tradicionais, como ocorreu nos países de ci-vilização antiga, explica parcialmente tanto a existência desomente dois grandes partidos politicos, que poderiam na rea-lidade ser facilmente reduzidos a um só (cf. com a França,e não somente com a do após-guerra, quando a multiplica-ção dos partidos se tornou um fenômeno universal), quanto,ao inverso, a multipicação ilimitada de seitas religiosas.

ro

Uma manifestação interessante deve ainda ser estudadanos Estados Unidos; trata-se da formação de um número sur-preendente de intelectuais negros, que absorvem a cultura ea técnica americanas. Pode-se pensar na influencia indiretaque estes intelectuais negros podem exercer sobre as massasatrasadas da Africa, e na influência direta que se verificariase ocorresse uma destas hipóteses: 1) se o expansionismoamericano se servisse dos negros nacionais como seus agen-tes na conquista dos mercados africanos e na extensão a elesdo próprio tipo de cultura (algo similar já ocorreu, mas igno-ro em quais proporções); 2) se as lutas pela unificação dopovo americano se agudizassem a tal ponto que determinas-sem o êxodo dos negros e o retorno à Africa dos elementosintelectuais mais independentes e enérgicos e, portanto, me-nos propensos a sujeitar-se a uma possível legislação aindamais humilhante do que o costume atualmente difundido.Nasceriam duas questões fundamentais: 1) da língua, isto é,o inglês poderia se tornar a lingua culta da Africa, unifica-dora da existente pulverização de dialetos? 2) a questão de

ro Ao que me parece, foram catalogadas mais de duzentas; compararcom a França e com as encarniçadas lutas empreendidas para que semantivesse a unidade religiosa e moral do povo francês.

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saber se esta camada intelectual poderia ter a capacidadeassimiladora e organizadora em tal medida que pudesse con-verter em "nacional" o atual sentimento primitivo de raçadesprezada, elevando o continente africano ao mito e à fun-ção de pátria comum de todos os negros. Parece-me que, porenquanto, os negros da América devem ter um espírito raciale nacional mais negativo do que positivo, isto é, provocadopela luta que os brancos empreendem no sentido de isolá-los e rebaixá-los: mas não foi este o caso dos judeus atétodo o Século XVIII? A Libéria, já americanizada e com oinglés como lingua oficial, poderia se tornar a Sion dos ne-gros americanos, com a tendência a se converter no Piemon-te africano."

Na América do Sul e na América Central, a questão dosintelectuais, ao que me parece, deve ser examinada levan-do-se em conta estas condições fundamentais: também naAmérica do Sul e na América Central inexiste uma amplacategoria de intelectuais tradicionais, mas o problema não seapresenta nos mesmos termos que nos Estados Unidos. Defato, encontramos na base do desenvolvimento desses paísesos quadros da civilização espanhola e portuguesa dos SéculosXVI e XVII, caracterizada pela Contra-Reforma e pelo mi-litarismo parasitário. As cristalizações, ainda hoje resisten-tes nesses paises, são o clero e uma casta militar, duas ca-tegorias de intelectuais tradicionais fossilizadas segundo omodelo da mãe-pátria européia. A base industrial é muitorestrita, não tendo desenvolvido superestruturas complicadas:a maior parte dos intelectuais é de tipo rural e, já que domi-na o latifúndio, com extensas propriedades eclesiásticas, taisintelectuais são ligados ao clero e aos grandes proprietários.A composição nacional é muito desequilibrada mesmo entreos brancos, mas complica-se ainda mais pela imensa quanti-

u Gramsci refere-se à posição dos judeus "sionistas", isto é, que de-fendem a emigração maciça dos judeus para uma pátria originária.Transformar a Libéria num "Piemonte africano", por sua vez, significatransformá-la num modelo de progresso e de democracia na Luta pelaunidade africana, como foi o caso do Piemonte nas lutas pela unifica-ção da Itália, no século passado. (Nota do Tradutor).

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dade de indios, que em alguns países formam a maioria dapopulação. Pode-se dizer que, no geral, existe ainda nessasregiões americanas uma situação tipo Kulturkampf e tipo pro-cesso Dreyfus, isto é, uma situação na qual o elemento laicoe burguês ainda não alcançou o estágio da subordinação, àpolítica laica do Estado moderno, dos interesses e da influên-cia clerical e militarista. Assim, ocorre que, na oposição aojesuitismo, possui ainda grande influência a Maçonaria e otipo de organização cultural como a "Igreja positivista". Oseventos dos últimos tempos (novembro de 1930) -- do Kul-turkampf de Calles, no México, às insurreições militares-po-pulares na Argentina, no Brasil, no Peru, no Chile, na Boli-via -- demonstram precisamente a exatidão destas obser-vações.

Outros tipos de formação da categoria dos intelectuaise de suas relações com as forças nacionais podem ser encon-tradas na India, na China, no Japão. No Japão, temos umaformação do tipo inglês e alemão, isto é, uma civilização in-dustrial que se desenvolve dentro de um invólucro feudal-burocrático, com inconfundíveis características próprias.

Na China, existe o fenômeno da escritura, expressão dacompleta separação entre os intelectuais e o povo. Na Indiae na China, a enorme distancia entre os intelectuais e o povomanifesta-se, ademais, no campo religioso. O problema dasdiversas crenças e do diverso modo de conceber e praticara mesma religião entre os diversos estratos da sociedade,mas particularmente entre clero e intelectuais e povo, deveriaser estudado, em geral, já que se manifesta por toda parteem certa medida, se bem que, nos paises da Asia Oriental,manifeste-se do modo mais extremo. Nos países protestan-tes, a diferença ê relativamente pequena (a multiplicação dasseitas é ligada à exigência de uma fusão completa entre in-telectuais e povo, o que reproduz na esfera da organizaçãosuperior todas as escabrosidades da concepção real das mas-sas populares). Nos paises católicos, a referida diferença émuito grande, mas com diversos graus: menor na Alemanhacatólica e na França, maior na Itália, particularmente noMezzogiorno e nas ilhas; imensa na peninsula ibérica e nos

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países da América Latina. O fenômeno cresce de importân-cia nos países ortodoxos, onde é preciso falar de três grausda mesma religião: o do alto clero e dos monges, o do clerosecular e o do povo. Torna-se absurdo na Asia Oriental,onde a religião do próprio povo nada tem em comum com ados livros, se bem que se dê às duas o mesmo nome.

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Notas Esparsas

Função Cosmopolitados •Intelectuais Italianos

A QUESTÃO DA LÍNGUA. Para o desenvolvimento doconceito de que a Itália realiza o paradoxo de um pais mo-cissimo e velhíssimo ao mesmo tempo (como Lao-Tse, quenasceu com oitenta anos): as relações entre os intelectuaise o povo-nação, estudadas sob o aspecto da língua escritapelos intelectuais e usada em suas relações e sob o aspectoda função desempenhada pelos intelectuais italianos na Cos-mópole medieval graças ao fato de que o papado era sediadona Itália (o uso do latim como lingua douta é ligado aocosmopolitismo católico)?3 Cf. o artigo "A política religiosa de Constantino Ma na Ciod-ed Cattolica de 7 de setembro de 1929. Nele, fala-se de um livro deJULES MAURICE, Constantin le Grand, L'origine de la civilisationchrétienne, Paris, ed. Spes (s/d), onde são expostos alguns pobtos devista interessantes sobre o primeiro contato oficial entre o Império e o

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Latim literário e latim vulgar. Do latim vulgar, desen-volvem-se os dialetos neolatinos, não só na Itália como emtoda a área européia romanizada; o latim literário se cris-taliza no latim dos doutos, dos intelectuais, o chamado "la-tim médio" ,2 que não pode ser comparado absolutamente comuma língua falada, nacional, historicamente viva, ainda quenão deva tampouco ser confundido com um jargão ou comuma lingua artificial como o esperanto.

"De qualquer modo, existe uma fratura entre o povo eos intelectuais, entre o povo e a cultura. (Também) os li-vros religiosos são escritos em latim médio, de modo quemesmo as. discussões religiosas escapam ao povo, se bem quea religião seja o elemento cultural que prevalece: da religião,o povo real vê os ritos e sente as prédicas exortativas, masnão pode acompanhar as discussões e os desenvolvimentosideológicos, que são monopólio de uma casta".

Nota. A pregação em língua vulgar reporta-se, na França,às próprias origens da lingua. O latim era a língua da Igreja;assim, as pregações eram feitas em latim aos clérigos, aos frades,mesmo às monjas. Mas, para os laicos, as pregações eram feitasem francês. "Desde o Século IX, os concflios de Tours e Reimsordenaram aos padres que instruíssem o povo na língua do povo.Isto era necessário para que eles fossem entendidos. No SéculoXII, houve uma pregação em vulgar, ativa, viva, poderosa, quearrastava grandes e pequenos para a cruzada, enchia os monasté-rios, lançava de joelhos e nos excessos da penitência cidades intei-rm. Do alto de seus púlpitos, nas praças, nos campos, os prega-dores eram os dirigentes públicos da consciência dos homens e damultidão; tudo e todos passavam pela sua áspera censura e pelasabertas recriminações das mulheres, nenhuma parte secreta ouvisível da corrupção do século desconcertava a audácia de seu

cristianismo, úteis para esta rubrica (que trata das causas histéricaspelas quais o latim se grau língua do cristianismo ocidental, dandolugar ao latim .médio). Cf. também o "perfil" de Constantino, deSALVATORELLI (ed. Formiggini).2 Cf., o artigo de nunPO eanmu, na Nuoca Antologia de 18 demaio de 1928.

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pensamento ou de sua língua" (LANSON, Histoire de ta littéra-ture française, Hachette, 1 9 - edição, págs. 160-161).

As línguas vulgares são escritas quando o povo ganhaimportância: o juramento de Strasburgo (após a batalha deFontaneto entre os sucessores de Carlos Magno) se mante-ve porque os soldados não podiam jurar numa lingua des-conhecida, sem com isso retirar a validade do juramento.Também na Itália, as primeiras marcas de língua vulgar sãojuramentos e prestações de testemunhos do povo para esta-belecer a propriedade dos fundos de conventos (Mon-tecassirio).

De qualquer modo, pode-se dizer que na Itália -- de600 D.C., quando se pode presumir que o povo não paiscompreendesse o latim dos doutos, até 1250, quando come-ça o florescimento do vulgar, isto é, durante mais de 600anos — o povo não compreendia os livros e não podia par-ticipar no mundo da cultura. O florescimento das Comunasfaz com que as línguas vulgares se desenvolvam, enquantoa hegemonia de Florença empresta unidade ao vulgar, istoé, cria uma língua vulgar ilustre.

Mas o que é esta língua vulgar ilustre? L o florentinoelaborado pelos intelectuais da velha tradição: é florentinoem vocabulário e também em fonética, mas é um latim emsintaxe. Ademais, a vitória do vulgar sobre o latim não erafácil: os doutos italianos, à exceção dos poetas e dos artis-tas em geral, escreviam para •a Europa cristã e não para aItália, eram uma concentração de intelectuais cosmopolitase não nacionais. A queda das Comunas e o advento do Prin-cipado, a criação de uma casta de governo destacada dopovo, cristaliza esta língua vulgar, do mesmo modo que sehavia cristalizado o latim literário. O italiano é novamenteuma lingua escrita e não falada, dos doutos e não da nação.Existem na Itália duas línguas doutas, o latim e o italiano,

Lanson fornece os seguintes dados . bibliográficos: "Asa % L. noua-cAnc, La Chofre française au XR.e siècle, Paris, 1879 — I.acolt DBr.A ><AACHE, La Chofre française au Moyen Age, 2.ème éd., Paris,1886 — LANCwls, 'L'éloquenee sacrée au Moyen Age, Rime desDeux Mondes, 1.

0 de janeiro de 1893" .

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e este último termina por preponderar e por triunfar comple-tamente no Século XIX, com a separação entre os intelec-tuais laicos e os eclesiásticos (os eclesiásticos continuam ain-da hoje a escrever livros em latim, mas hoje inclusive o Va-ticano usa cada vez mais o italiano quando trata de coisasitalianas; e assim terminará por fazer em relação aos 9utrospaises, em concordância com a sua atual política das nacio-nalidades).

De qualquer modo, deve-se fixar, ao que me parece, oseguinte ponto: que a cristalização do vulgar ilustre não podeser separada da tradição do "latim médio" e representa umfenômeno análogo. Após pm breve parêntese (liberdadescomunais), no qual ocorreu um florescimento de intelectuaissaídos das classes populares (burguesas), houve uma reab-sorção da função intelectual na casta tradicional, onde os ele-mentos singulares são de origem popular, mas o caráter decasta prevalece neles sobre suas origens. Em suma: não setrata de um estrato da população que, chegando ao poder,crie seus intelectuais (o que ocorreu no. Século XIV), masde um organismo tradicionalmente selecionado, que assimilaaos seus quadros indivíduos singulares (o típico exemplo dis-to é dado pela organização eclesiástica).

Numa análise completa, deve-se Levar em conta outroselementos; acredito que, no que toca a muitas questões, aretórica nacional do século passado e os preconceitos por elaencarnados não permitiram que se fizessem nem mesmo asinvestigações preliminares. Por exemplo: qual foi a area exa-ta da difusão do toscano? Em Veneza, por exemplo, a meuver, já foi introduzido o italiano elaborado pelos doutos deacordo com o esquema latino, jamais tendo penetrado o flo-rentino originário (no sentido de que os mercadores floren-tinos não fizeram ouvir a viva voz florentina, como em Romae em Nápoles, por exemplo; a lingua de governo continuoua ser o veneziano. O mesmo ocorreu com outros centros: Gé-nova, acredito) .4 Uma história da lingua italiana ainda não

4 MORE veo, num artigo da Ntrm:a Antologia, de 18 de junhode 1928 "Roma em seus troncos dialetais", nota como o romanesco —durante muito tempo — permaneceu restrito ao âmbito do vulgar, afas-tado do latim. "Mas IA em movimentos revolucionários, o vulgar, comoacontece, busca passar — ou se faz passar — ao primeiro plano". Osaque de Roma encontra escritores em dialeto, mas particularmente a

existe, neste sentido: aliás, a gramática histórica ainda nãoé isso. Para a lingua francesa, existem destas histórias (ade Brunot -- e de Littré -- parece-me ser do tipo a que merefiro, mas não me lembro). Parece-me que, entendida alíngua como elemento da cultura, conseqüentemente da his-tória geral, e como manifestação precipua da "nacionalida-de" e "popularidade" dos intelectuais, este estudo não é nemocioso nem puramente erudito.

Em seu artigo — interessante como informação da im-portãncia que assumiu o estudo do "latim médio" (esta ex-pressão, que deveria significar "latim medieval", creio, pa-rece-me bastante imprópria e possível causa de erros entreos não-especialistas) — Ermini afirma que, com base em pes-quisas, "à teoria dos dois mundos separados, do latim, queé dominado somente pelos doutos e entra em decadência, edo neolatino, que surge e se faz vivo, é preciso substituir ateoria da unidade latina e da continuidade perene da tradi-ção clássica". Isto pode significar tão-somente que a novacultura neolatina sentia fortemente as influências da culturaanterior, mas não que tenha havido uma unidade . "popular-nacional" de cultura.

Para Ermini, entretanto, talvez "latim médio" tenha pre-cisamente o significado literal, isto é, do latim que está nomeio entre o clássico e o humanista, que assinala indubita-velmente um retorno ao clássico, ao passo que o "latim mé-dio" tem características próprias, inconfundíveis: Ermini datao nascimento do "latim médio" na metade do Século IV,quando se verifica a aliança entre a cultura (1) clássica e areligião cristã, quando uma "nobre plêiade de escritores, sain-do das escolas' de retórica e de poética, sente o vivo desejode juntar a nova fé à beleza (!) antiga e, deste modo, darvida à primeira poesia cristã". Parece-me justo reportar o"latim médio" ao primeiro surgimento de literatura cristã la-tina, mas o modo de expor sua génese, ao que me parece,

Revolução Francesa os encontra. [Daqui começa, de fato, a fortuna"escrita" do romanesco e o florescimento dialetal que culmina no pe-ríodo liberal de Pio IX até a queda da República Romana.] Em 1847-49, o dialeto é a arma dos liberais, após 1870 é a arma dos clericais.

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é vago e arbitrário.° O "latim médio" ocuparia cerca de ummilênio, entre a metade do Século IV e o fim do Século XIV,entre o início da inspiração cristã e a difusão do Humanismo.Estes mil anos, para Ermini, dividem-se do seguinte modo:um primeiro período: das origens, que vai da morte de Cons-tantino à queda do Império Romano do Ocidente ( 337-476);

um segundo período: da literatura bárbara, que vai de 476a 799, isto é, até a restauração do Império por Carlos Magno,verdadeira época de transição na continua e progressiva la-tinização dos bárbaros (exagerado: da formação de um es-trato de intelectuais germânicos que escreviam em latimA. G.); um terceiro periodo: do renascimento carolingeo, quevai de 799 a 888, à morte de Carlos, o Gordo; um quarto:da literatura feudal, que vai de 888 a 1000, até o pontifi-cado de Silvestre II, quando o feudalismo, lenta transforma-ção de ordenamentos preexistentes, abre uma nova era; umquinto: da literatura escolástica, que se prolonga até o fimdo Século XII, quando o saber se recolhe nas grandes es-colas e o pensamento e método filosóficos fecundam todasas ciências; e um sexto: da literatura erudita, que vai do prin-cípio do Século XIII ao fim do XIV e que já anuncia a de-cadência.

Formação das classeá intelectuais italianas na Alta IdadeMédia. Para estudar a formação das classes intelectuais ita-lianas na Alta Idade Média, é preciso levar em conta não sóa lingua (questão do 'latim médio"), como também e par-ticularmente o direito. Queda do direito romano após asinvasões bárbaras e sua redução a direito pessoal e consue-tudinário, em comparação com o direito longobardo; emersãodo direito canônico, que passa de direito particular, de gru-po, a direito estatal; renascimento do direito romano e suaexpansão através das Universidades. Estes fenômenos nãoocorrem subitamente, nem tampouco simultaneamente, masestão ligados ao desenvolvimento histórico geral (fusão dosbárbaros com as populações locais, etc.). O desenvolvimentodo direito canônico e a importância que ele assume na eco-5 Cf., sobre este assunto, a História da Literatura Latina, de MAE-CrrESr.

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nomia jurídica das novas formações estatais, a formação damentalidade imperial, medieval cosmopolita, o desenvolvimen-to do direito romano adaptado e interpretado pelas novas for-mas de vida -- tudo isso dá lugar ao nascimento e à estra-tificação dos intelectuais italianos cosmopolitas.

Houve um período, o da hegemonia do direito germâ-nico, no qual a ligação entre o velho e o novo, contudo, eraquase unicamente a lingua, o "latim médio". O problemadesta interrupção interessou à ciência e, o que é importante,interessou também a intelectuais como Manzoni (cf. seusescritos sobre as relações entre romanos e longobardos a res-peito do Adelchi); isto é, interessou -- no princípio do Sé-culo XIX -- àqueles que se preocupavam com a continuida-de da tradição italiana, desde a antiga Roma, visando a cons-tituir a nova consciência nacional.

Esquema extraído do ensaio de Brandileone:° Nas es-colas do Império Romano em Roma, em Constantinopla, emBerito, ensinava-se somente o direito romano, nas duas po-sitiones de jus publicum e de jus privatum; no jus publicam,estava compreendido o jus sacrum pagão, durante o períodoem que o paganismo foi religião tanto dos súditos quantodo Estado. Com o aparecimento do Cristianismo e com suaordenação, nos séculos das perseguições e das tolerâncias,como sociedade em si, diversa da sociedade política, surgiuum novo jus sacrum. Depois que o Cristianismo foi, primei-ro reconhecido, depois elevado pelo Estado a fé única doImpério, o novo jus sacrum teve certamente apoio e reconhe-cimento por parte do legislador laico, mas não foi tão con-

eiderado quanto o antigo. Pois o Cristianismo se separaraada vida social , política, se destacara também do jus publicarae as escolas não se preocupavam com sua ordenação: o novojus sacrum tornou-se a ocupação especial das escolas inteira-mente próprias da sociedade religiosa. ( Este fato é muitoimportante na história do Estado Romano e é pleno de gra-ves conseqüências, pois inicia um dualismo de poder que se

° Sobre o problema geral do obscurecimento do direito romano e seurenascimento, bem como do florescimento do direito canônico, cf. "Osdois direitos e seu moderno ensino na Itália", de FRANCESCO BEMOL .EO-Ne ( Nueva Antologia de 16 de julho de 1928), a fim de ter algumasidéias gerais; mas ver, naturalmente, as grandes histórias do direito.

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desenvolverá na Idade Média: mas Brandileone não o expli-ca: coloca-o como conseqüência lógica da separação originá-ria entre Cristianismo e sociedade política. Muito bem; maspor que, quando o Cristianismo se tomou religião do Estadocomo o fora o paganismo, não se reconstituiu a unidade for-mal político-religiosa? Este é o problema.) Durante os sé-culos da Alta Idade Média, o novo jus sacrum — chamadotambém jus canonicum ou jus ecclesiasticism e o jus roma-num foram ensinados em escolas diversas e em escolas de di-versa importância numérica de difusão, de atividade. Esco-las especiais romanistas, ou porque continuassem as antigasescolas ou porque tivessem surgido naquela época, só exis-tiam, no Ocidente, na Itália; se existiram, mesmo fora daItália, as scholae liberalizam artium e se nelas (tal como nascorrespondentes italianas) se aprendiam noções elementaresde direito laico, particularmente romano, a atividade desen-volvida foi algo muito pobre, como é atestado pela escassa,fragmentária, intermitente e freqüentemente equivocada pro-dução que delas provinha e que chegou até nós. Ao contrá-rio, as escolas eclesiásticas, dedicadas ao ensino e ao estudodos dogmas de fé, e ao mesmo tempo do direito canónico,foram inúmeras, não só na Itália como em todos os paísesque se tornaram cristãos e católicos. Todo monastério e todacatedral de alguma importância tiveram sua própria escola:é testemunha desta atividade a riqueza de coleções canóni-cas, sem interrupção do Século VI ao XI, na Itália, Africa,Espanha, França, Alemanha, Inglaterra, Irlanda. A explica-ção deste formigar de direito canônico em contraste com oromano liga-se ao fato de que o direito romano, na medidaem que continuara a ser aplicado no Ocidente e na Itália,degradara-se a direito pessoal, ao passo que isso não ocorre-ra com o direito canônico. Para o direito romano, ter-se tor-nado direito pessoal significa ter sido colocado numa posi-ção inferior à que cabia às leis populares ou Volksrechte, vi-gentes no território do Império do Ocidente, cuja conserva-ção e modificação era tarefa não já do poder soberano, ré-gio ou imperial, ou pelo menos não somente dele, mas tam-bém e principalmente das assembléias dos povos aos quaispertenciam. Ao contrário, os súditos romanos dos reinos ger-mânicos e, posteriormente, do Império, não foram conside-rados como uma unidade em si, mas como indivíduos singu-

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lares e, portanto, não tiveram uma assembléia particular, au-torizada a manifestar sua vontade coletiva acerca da conser-vação e da modificação do próprio direito nacional. Destemodo, o direito romano foi reduzido a um mero direito con-suetudinário. Na Itália longobarda, princípios e institutos ro-manos foram aceitos pelos vencedores, mas a posição do di-reito romano não se modificou.

A renovação do Império, realizada por Carlos Magno,não retirou o direito romano de sua posição de inferioridade:ela foi melhorada, mas somente mais tarde e graças a outrascausas; no conjunto, continuou a ser direito pessoal, na Itália,até o Século XI. As novas leis promulgadas pelos novosImperadores não foram acrescentadas, até todo o Século XI,ao Corpus justiniano, mas ao édito longobardo; conseqüen-temente, não foram vistas como direito geral obrigatório paratodos, mas como direito pessoal próprio dos que viviam soblei longobarda. Com o direito canônico, pelo contrário, nãoocorre a redução a direito pessoal, sendo ele o direito de umasociedade diversa e distinta da sociedade política, na qual aparticipação não era baseada na nacionalidade: ele possuíanos concilios e nos papas seu próprio poder legislativo. Pos-suía, porém, uma esfera de obrigatoriedade restrita. Toma-se obrigatório ou porque é aceito espontaneamente, ou por-que é acolhido entre as leis do Estado. A posição do direitoromano modifica-se radicalmante na Itália, à medida em que,após o advento dos Otõnios, o império é concebido mais clarae explicitamente como a continuação do antigo. Foi a escolapavense que se fez intérprete deste fato e que proclamou alei romana omnium generalist preparando o ambiente no qual

•pôde surgir e florescer a escola de Bolonha; e os imperadoressvevos encararam o Corpus justiniano como o seu código, aoqual fizeram acréscimos. Esta reafirmação do direito romanonão se deve a fatores pessoais: liga-se ao reflorescer, após oSéculo XI, da vida econômica, da indústria, do comércio, dotráfico marítimo, O direito germânico não se prestava a re-gular juridicamente a nova matéria e as novas relações.

Também o direito canônico sofre, após o Século XI, umamodificação.

Com os carolíngeos aliados ao papado, é concebida amonarquia universal abarcando toda a humanidade, dirigidapelo Imperador no plano temporal e pelo Papa no espiritual.

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Mas esta concepção não podia delimitar a priori o camposubmetido a cada poder, deixando ao imperador uma Largamargem de intervenção nos negócios eclesiásticos. Quandoas finalidades do Império, já sob os próprios carolingeos ecada vez mais em seguida, mostraram-se em discordância comas da Igreja; e quando o Estado revelou tender à absorçãoda hierarquia eclesiástica no Estado, começou a luta termi-nada no princípio do Século XII com a vitória do Papado.Foi proclamada a primazia do espiritual (sol-lua) e a Igrejareadquiriu a liberdade para sua ação legislativa, etc., etc. Estaconcepção teocrática foi combatida teórica e praticamente,mas se mantém dominante -- em sua forma genuina ou ate-nuada -- durante séculos e séculos. Deste modo, havia doistribunais, o sacramental e o não-sacramental; deste modo, osdois direitos foram casados, utrumque jus, etc.

Caráter cosmopolita da literatura italiana. Ver o ensaiode Augusto Rostagni sobre a "Autonomia da Literatura Ro-mana", publicado em quatro partes na Italia Letteraria de 21de maio de 1933 e ss. Segundo Rostagni, a literatura latinasurge inicialmente das guerras púnicas, como causa e efeitoda unificação da Itália, como expressão essencialmente na-cional, "com o instinto do progresso, da conquista, com o im-pulso das mais altas e vigorosas afirmações". Conceito anti-histórico, pois era impossível falar nessa época de fenômeno"nacional", mas tão-somente de romanismo que unifica juri-dicamente a Itália (e uma Itália que ainda não correspondeao que hoje entendemos por Itália, já que estava excluída aAlta Itália, que tem hoje uma importância não pequena noconceito de Itália). Que Rostagni tenha razão ao falar de"autonomia" da literatura latina, isto é, de sustentar que estaé autônoma com relação à literatura grega, é algo que podeser aceito: mas, na realidade; existia mais "nacionalidade"no mundo grego do que no romano-itálico. Ademais, mesmoque se admita terem as primeiras guerras púnicas modificadoalgo nas relações entre Roma e a Itália, bem como ter-severificado uma maior unidade inclusive territorial, isto nãoaltera o fato de que este período seja muito breve e tenhaescassa importância literária: a literatura latina floresce após

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César, com o Império, isto é, precisamente quando a funçãoda Itália torna-se cosmopolita, quando não mais se colocao problema da relação entre Roma e a Itália, mas entreRoma-Itália e o Império. Não se pode falar de nacional semterritorial: em nenhum desses períodos, o elemento territo-rial teve uma importância que não fusse meramente jurídico-militar, isto é, "estatal" no sentido governamental, sem con-teúdo ético-passional.

A investigação da formação histórica dos intelectuais ita-lianos, assim, leva a que nos reportemos até a época do Im-pério Romano, quando a Itália, por ter Roma em seu territó-rio, torna-se o cadinho das classes cultas de todos os terri-tórios imperiais. O pessoal dirigente torna-se cada vez maisimperial e cada vez menos latino, torna-se cosmopolita: mes-mo os imperadores não são latinos, etc. Há, portanto, umalinha unitária no desenvolvimento das classes intelectuais ita-lianas (que operam no território italiano), mas esta linha dedesenvolvimento não é absolutamente nacional: o fato levaa um desequilíbrio interno na composição da população quevive na Itália, etc. O problema daquilo que são os intelectuaispode ser revelado, em toda sua complexidade, através destainvestigação.

Direito romano ou direito bizantino? O " direito roma-no" consistia, essencialmente, num método de criação do di-

preito, na resolução continua da casuística jurisprudencial. Osbizantinos (Justiniano) recolheram a massa dos casos de di-reito resolvidos pela atividade jurídica concreta dos roma-nos, não como documentação histórica, mas como códi-go coagulado e permanente. Esta passagem de um "méto-do" a um "código" permanente pode também ser compreen-dida como o fim de uma época, como a passagem de umahistória em desenvolvimento rápido e continuo a uma fasehistórica relativamente estagnada. O renascimento do "direi-to romano" , isto é, da codificação bizantina do método ro-mano de resolver as questões de direito, coincide com o flo-rescimento de um grupo social que pretende uma "legislação"

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permanente, superior aos arbitrios dos magistrados (movi-mento que culmina no "constitucionalismo"), pois somentenum quadro permanente de "concórdia discorde", de lutadentro de uma moldura legal que determine os limites do ar-bítrio individual, pode ele desenvolver as forças implícitas emsua função histórica.

A cultura na Alta Idade Média. Alta Idade Media(fase cultural do advento do "latim médio") . Ver a Histó-ria da literatura latina cristã, de A. G. AMATUCCI (Laterza,Bani). As págs. 343-344, Amatucci, escrevendo sobre Cas-siodoro, diz: "...Sem nada descobrir, pois não era talentopara fazer descobertas, mas olhando para o passado, emmeio ao qual se erguia a gigantesca figura de Gerolamo",Cassiodoro "afirmou que a cultura clássica, o que para ele erasinônimo de cultura romana, devia ser o fundamento da sa-grada, e esta deveria ser adquirida nas escolas públicas". OPapa Agapito ( 535-536) teria realizado este programa senão tivesse sido impedido pelas guerras e pelas lutas de fac-ção que devastavam a Itália. Cassiodoro divulgou este pro-grama nos dois livros de Institutiones e o realizou no Viva-rium, convento por ele fundado em Squillace.

Um outro ponto a ser estudado é a importancia desem-penhada pelo mosteiro na criação do feudalismo. Em seuvolume São Benedito e a Itália de seu tempo (Laterza, Bari,págs. 170-171), Luigi Salvatorelli escreve: "Uma comunida-de, e além disso uma comunidade religiosa, guiada pelo es- jpinito beneditino, era um patrão muito mais humano do queo proprietário individual, com seu egoísmo pessoal, seu or-gulho de casta, sua tradição de abusos seculares. E o pres-tigio do mosteiro, mesmo antes de se concentrar em privilé-gios legais, protegia os colonos, em certa medida, contra arapacidade do fisco e as incursões dos bandos armados le-gais e ilegais. Longe das cidades em plena decadência, emmeio dos campos espremidos que ameaçavam se tomar umdeserto, o mosteiro surgia, novo núcleo social que extraia oseu ser do novo princípio cristão, fora de qualquer misturacom o mundo decrépito que insistia em ser designado pelogrande nome de Roma. Assim, São Benedito, sem propô-Io

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diretamente, realizou uma obra de reforma social e de ver-dadeira criação. Ainda menos premeditada foi sua obra decultura".

Ao que me parece, nesta passagem de Salvatorelli exis-tem todos ou quase todos os elementos fundamentais, negati-vqs e positivos, para explicar historicamente o feudalismo.Menos importante, para minha investigação, é a questão daimportância de São Benedito e de Cassiodoro na inovaçãocultural desse período.

Sobre esta conexão de problemas, além de Salvatorelli,deve-se consultar o pequeno volume de Filippo Ermini, "Be-nedito de Norcia", nos Perfis de Formiggini, com uma bi-bliografia sobre o assunto. Segundo Ermini, "...as casasbeneditinas tornaram-se, verdadeiramente, um asilo de saber;e, mais do que o castelo, o mosteiro será a oficina de todaciência. Nele, a biblioteca conservará para os pósteros osescritos dos autores clássicos e cristãos... A intenção deBenedito se realiza: o orbis latins, destruido pela ferocidadedos invasores, recompõe-se em unidade e tem assim início,com a obra do génio e da mão, sobretudo de seus seguido-res, a admirável civilização da Idade Média".

Nota. Quando se diz que Platão desejava uma "repúblicade filósofos", é preciso entender "historicamente" o termo "filó-sofos", que hoje deveria ser traduzido por "intelectuais". Natu-ralmente, Platão referia-se aos "grandes intelectuais", que eram,ademais, o tipo de intelectual de seu tempo, além de conceder im-portância ao conteúdo específico da intelectualidade, que poderiaconcretamente chamar-se de "religiosidade": os intelectuais de go-verno eram aqueles intelectuais determinados mais próximos dareligião, isto é, cuja atividade tinha um caráter de religiosidade, en-tendida no sentido geral da época e no sentido especial de Platão— e, por isso, atividade de certo modo "social", de elevação eeducação (e direção intelectual — e, portanto, com função dehegemonia) da polis. Poder-se-ia talvez, por isso, afirmar que a"utopia" de Platão antecipa o feudalismo medieval, com a funçãoque neste é própria da Igreja e dos eclesiásticos, categoria inte-lectual daquela fase do desenvolvimento histórico-social. A aversão

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de Platão aos "artistas" deve ser entendida, portanto, como aver-são às atividades- espirituais "individualistas", que tendem ao "par-ticular" e que são, conseqüentemente, "a-religiosas", "a-sociais".

Origem dos centros de cultura medieval. Mons. FRAN -

CESCO LANZONI, As Dioceses da Itália, desde as origens atéo principio do Século VII (ano 604), Estudo critico, Faenza,Estab. Gráf. F. Lega, 1927, Studio e Testi n9 35, págs.XVI-1122, 125 L. (Em apéndice, um Excursus sobre os san-tos africanos adorados na Itália.) Obra fundamental para oestudo da vida histórica local na Itália desses séculos; res-ponde à pergunta: como se formaram os agrupamentos cul-turais-religiosos durante a queda do Império Romano e oinício da Idade Média? Evidentemente, este processo deagrupamento não pode ser separado da vida econômica e so-cial e fornece indicações para a história do nascimento dasComunas, para a origem das cidades mercantis. Uma impor-tante sede episcopal não podia prescindir de certos serviços(defesa militar, abastecimento, etc.) que determinavam umagrupamento de elementos laicos em tomo dos religiosos(esta origem "religiosa" de uma série de cidades medievaisnão é estudada por Pirenne, pelo menos no pequeno livroque possuo; ver na bibliografia de suas obras completas): aprópria escolha da sede episcopal é uma indicação de valorhistórico, pois subentende uma função organizadora e cen-tralizadora do local escolhido. A partir do livro de Lanzoni,torna-se possível reconstruir as questões ais importantes demétodo na crítica desta investigação, em f arte de caráter de-dutivo, bem como a bibliografia. Também são importantesos estudos de Duchesne sobre o cristianismo primitivo (noque toca à Italia: Les évêchés d'Italie et l'invasion lombarde,e As sedes episcopais do antigo Ducado de Roma) e sobreas antigas dioceses da Galia, bem como os estudos de Har-nack sobre as origens cristãs, notadamente Die Mission undAusbreitung des Christentums. Tais investigações são inte-ressantes, não só no que diz respeito à origem dos centrosde civilização medievais, como também, naturalmente, no quetoca à história real do Cristianismo.

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Mosteiro e regime feudal. Desenvolvimento prático daregra beneditina e do principio Ora et labora. O labora jáera submetido ao ors, ou seja, a finalidade principal era evi-dentemente o serviço divino. Assim, os monges-camponesessão substituidos pelos colonos, a fim de que os monges pu-dessem, a qualquer momento, encontrar-se no convento parapraticar os ritos. Os monges no convento mudam de "traba-lho": trabalho industrial (artesanal) e trabalho intelectual(que contém uma parte manual, a função de copista). A re-lação entre colonos e convento é a relação feudal, com con-cessões niveladoras, e é ligada não só à elaboração internaque ocorre no trabalho dos monges, como ao crescimento dapropriedade fundiária do mosteiro. Outro desenvolvimentoé dado pelo sacerdócio: os monges servem como sacerdotesem território circunvizinho e sua especialização aumenta: sa-cerdotes, intelectuais de conceito, copistas, operários, indus-triais, artesãos. O convento é a "corte" de um território feu-dal, defendido, mais do que pelas armas, pelo respeito reli-gioso. Ele reproduz e desenvolve o regime da "vila" romanapatricia. Para o regime interno do mosteiro, foi desenvolvidoe interpretado um princípio da Regola, onde se diz que, naeleição do abade, deve prevalecer o voto dos que se julgammais sábios e prudentes, dizendo-se ainda que o abade se devemunir do conselho deles quando tiver que decidir sobreassuntos graves, mas não tão graves que possam justificarurna consulta a toda a congregação. Deste modo, os mon-ges sacerdotes, que se dedicavam aos oficios correspondentesàs finalidades da instituição, foram-se distinguindo dos outrossacerdotes que continuavam a realizar os serviços da casa.

Sobre a tradição nacional italiana. Cf. o artigo de B.Barbadoro, no Marzocco de 26 de setembro de 1926, a respei-to, da segunda Liga lombarda e de sua exaltação como "pri-meiro germe da independência da estirpe, da opressão es-trangeira que prepara os faustos do Renascimento". Barba-doro punha-se em guarda contra esta interpretação e obser-vava que "a própria fisionomia histórica de Frederico lI émuito diferente da de Barbarruiva, e outra é a política ita-liana do segundo Svevo: dono do Mezzogiorno da Itália,

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cuja história há séculos separara da história do resto da pe-ninsula, parecia em certo momento que a restauração da au-toridade imperial no centro e no norte conduzisse finalmen-te à constituição de uma forte monarquia nacional". NoMarzocco de 16 de dezembro de 1928, Barbadoro — numabreve nota -- recorda esta sua afirmação, a respeito de umamplo estudo de Michelangelo Schipa, publicado no Arquivohistórico para as provincias napolitanas, no qual o tema éamplamente demonstrado. Esta corrente de estudos é muitointeressante, pois permite compreender a função histórica dasComunas e da primeira burguesia italiana, que teve um papeldesagregador da unidade existente, sem saber ou sem podersubstitui-la por uma nova e própria unidade: o problema daunidade territorial não foi nem sequer colocado ou suspeita-do; este florescimento burguês não teve continuação; foi in-terrompido pelas invasões estrangeiras. O problema é muitointeressante do ponto de vista do materialismo histórico e, aoque me parece, pode ser relacionado com o problema da fun-ção internacional dos intelectuais italianos. Por que os nú-cleos burgueses formados na Itália, que atingiram a completaautonomia política, não tiveram a mesma iniciativa dos esta-dos absolutistas na conquista da América e na abertura denovas frentes? Afirma-se que um dos elementos da deca-dência das repúblicas italianas foi a invasão turca, que in-terrompeu ou, pelo menos, desorganizou o comércio com oLevante, e a modificação do eixo histórico mundial, que pas-sou do Mediterrâneo para o Atljitico graças à descobertada America e à circunavegação da Africa. Mas por queCristóvão Colombo serviu à Espanha e não a uma repúblicaitaliana? Por que os grandes navegadores italianos servirama outros paises? A razão disso tudo deve ser buscada na pró-pria Itália, e não nos turcos ou na América. A burguesiadesenvolveu-se melhor, nesse período, com os estados abso-lutistas, isto é, com um poder indireto, não tendo todo o po-der. É este o problema, que deve ser relacionado com o dosintelectuais: os núcleos burgueses italianos, de caráter comu-nal, tiveram condições de elaborar uma categoria própria deintelectuais imediatos, mas não de assimilar as categorias tra-dicionais de intelectuais (notadamente o clero), as quais,pelo contrário, mantiveram e acresceram seu caráter cosmo-

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polita. Enquanto isso, os grupos burgueses hão italianos,através do Estado absolutista, alcançaram esta finalidademuito facilmente, pois absorveram os próprios intelectuais ita-lianos. Esta tradição histórica explica, talvez, o caráter mo-narquista da burguesia italiana moderna e pode contribuirpara uma melhor compreensão do Risorgimento.

Desenvolvimento do espirito burgués na Itália. T Cf. oartigo "No centenário da morte de Albertino Mussato", deManlio Torquato Dazzi, na Nuova Antologia de 16 de julhode 1929. Segundo Dazzi, Mussato destaca-se da tradiçãoda história teológica para iniciar a história moderna ou hu-manista, mais do que qualquer outro de sua época (ver ostratados de história da historiografia, de Croce, de Lisio, deFueter, de Balzani, etc.); em Mussato, as paixões e os mo-tivos utilitários dos homens aparecem como motivos da his-tória. Para esta transformação da concepção do mundo,contribuíram as ferozes lutas das facçóes comunais e dos pri-meiros signorotti. O desenvolvimento pode ser acompanha-do até Maquiavel, GuicciardinI, L. B, Alberti.

Nora. Na parte de seu estudo sobre a "Lírica do SéculoX VI" publicada na Critica de novembro de 1930, B. Croce escre-ve do Galateo: "... Ele nada tem de acadêmico e de pesado; é

7 Para o estudo da formação e da difusão do espírito burgués na Itá-lia (trabalho tipo Groethuysen), cf. também os Sermões de FRANCOSACHEM (ver o que Croce escreve a respeito deles, na Crítica de mar-ço de 1931; "Boccaccio e Franco Sachettr). — Sobre L.B. Alberti, cf.o livro de PAm-HENat MnCn, Un idéal humain au XV.e siècle— La pensée de L. B. Alberti (1404-1472), in-8P, pip. 649, Paris,Soc. Ed. Les Belles Lettre.,, 1930. Análise detalhada do pensamentode L.B. Alberti, mas — ao que parece ppoor algumas recensões — nemsempre ereta, etc. Edição Utet do Nooeüino, cuidada por Letterio diFrancia, que determinou ter sido o núcleo original da coletânea com-posto nos últimos anos do Século XIII por um burgués guibellno. Am-bos os livros deveriam ser analisados para a pesquisa já referida, rela-tiva ao modo pelo qual se refletiu na literatura a passagem da econo-mia medieval i economia burguesa das Comunas e, conseqüentemente,à queda — na Itália — do espirito empresarial económico e à restau-raçãa católica.

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uma série de gentis advertencias sõbre o modo agradável de secomportar em sociedade e um dos livros iniciadores que a Itáliado Século XVI deu ao mundo moderno" (pág. 410). E corretodizer que se trata de um livro "iniciador" dado ao "mundo mo-derno"? Quem é mais "iniciador" para o "mundo moderno", Casae Castiglioni ou Leon Battista Alberti? Quem se ocupava dasrelações entre cortesões ou quem dava conselhos para a edifica-ção do tipo do burguês na sociedade civil? Todavia, nesta inves-tigação, deve-se levar Casa em conta; é correto, por certo, nãoconsiderá-lo apenas "acadêmico e pesado" (mas, neste juízo sobre"o mundo moderno", não está implícito um afastamento, ao invésde uma relação de iniciador, entre Casa e o mundo moderno?).Casa escreveu outras pequenas obras políticas, orações e, alémdisso, um tratado em latim: De oficlis inter potentiores et tenuio-res amitos, "a respeito da relação existente entre amigos poderosose inferiores, entre os que — impelidos pela necessidade de viver ede crescer — passam a servir como cortesãos e os que empregamestes; relação que ele julga, tal como é, de caráter utilitário e nãopretende converter em ligação regulada por uma lei de justiça,mas que deve ser aceita — argumenta-se — por ambas as partes,tentando-se introduzir nela lume de bondade, mediante a expli-cação, a uns e a outros, da realidade de suas respectivas posiçõese do tato que elas requerem".

A Contra-Reforma sufoca o desenvolvimento intelectual.Parece-me que, neste desenvolvimento, poder-se-ia distinguirduas correntes principais. Uma tem seu coroamento literárioem Alberti: ela volta st atenção para o que é "particular",para o burgués como inivíduo que se desenvolve na socie-dade civil e que não concebe sociedade política além do ãm-bito de seu "particular"; liga-se ao guelfismo, que poderiaser chamado de sindicalismo teórico medieval. É federalistasem centro federal. Para as questões intelectuais, confia naIgreja, que é o centro federal de fato, graças à sua hegemo-nia intelectual e também política. Deve-se estudar a corsti-tuição real das Comunas, isto é, a atitude concreta que osrepresentantes assumiam em face do governo comunal: o po-der durava pouquíssimo (dois meses somente, no mais dasvezes) e, durante este período, os membros do governo eramsubmetidos à clausura, sem mulheres; tratava-se de pessoas

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muito vulgares, que eram estimuladas pelos interesses Ime-diatos de sua arte (cf., para a República Florentina, o livrode Giuseppe Lensi sobre o Palazzo della Signoria, onde de-veriam existir muitas anedotas sobre estas reuniões de go-verno e sobre a vida dos senhores durante a clausura). Aoutra corrente tem seu coroamento em Maquiavel° e na co-locação do problema da Igreja como problema nacional ne-gativo. A esta corrente pertence Dante, que é adversárioda anarquia comunal e feudal, mas que busca para ela umasolução semimedieval: de qualquer modo, coloca o problemada Igreja como problema internacional e salienta a necessi-dade de limitar-lhe o poder e a atividade. Esta correrte éguibelina em sentido lato. Dante é verdadeiramente umatransição: existe uma afirmação de laicismo, mas ainda coma linguagem medieval.°

a Trecho de um artigo de r oLr o TABOUANI, no Marzocco de 3 deabril de 1927, "Um esquecido intérprete de Michelangelo" (EmilioOl ivier ): 'Tara ele ( Michelangelo), neo existia senão a arte. Papas,principes, repúblicas, eram a mesma coisa, contanto que lhe dessemmeios de trabalhar; para o fazer, ter-se-ia entregue ao Grande Turco,como ameaçou de certa feita; e nisto Cellini se aproximava dele". Enão apenas Cellini. E Leonardo? Mas por que isto ocorre? E por quetais caracteres existiam somente na Itália? Este é o problema. Obser-var, na vida desses artistas, como se manifesta sua anacionalidade. Eem Maquiavel, o nacionalismo era suficientemente forte para supe-rar o "amor à arte pela arte"? Uma investigação desta natureza seriamuito interessante: o problema do Estado italiano ocupava Maquiavelsobretudo como "elemento nacional" ou como problema político inte-ressante em si e para si, notadamente sendo dada a sua dificuldade ea grande história passada da Itália?9 Foi publicada a coletãnea completa das Poesias provençais históri-cas relativas ã Italia (Roma, 1931, na série das Fontes do InstitutoHistórico Italiano),'aos cuidados de Vincenzo De Bartholomaeis; mlauoPALA= a anuncia, no Marzocco de 7 de fevereiro de 1932. "De cercade 2.600 poesias provençais que chegaram até nós, 400 fazem parteda história da Itália, ou porque tratem de assuntos italianos, se bemque sejam de poetas que jamais estiveram na Itália, ou então porqueescritas por italianos. Das 400, cerca de metade são puramente amo-rosas, as outras são históricas, e oferecem — umas mais, outras menos— testemunhos úteis para a reconstrução da vida e, em geral, da his-tória italiana desde o fim do Século XII à metade do Século XIV. Du-zentas poesias de cerca de oitenta poetas". Esses trovadores, proven-çais ou italianos, viviam nas cortes feudais da Itália setentrional, àsombra das pequenas senhorias ou nas Comunas, participavam da vidae das lutas locais, defendiam os interesses deste ou daquele Senhor,

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Humanismo e Renascimento. Cf. Luigi Aa.EZio, "Re-nascimento, Humanismo e espirito moderno", in Nuova An-tologia de 19 de julho de 1930. Arezio ocupa-se com o livrode G. Toffanin, Que foi o Humanismo (Sansoni, Florença,1929), que revela ser, pelas referências feitas, muito interes-sante para o assunto que me ocupa. Farei referência a algunsmotivos. (Voigt e Burckhardt acredrtaram que o Humanis-mo era dirigido contra a Igreja; Pastor — será necessário lerseu livro sobre a História dos Papas, que se refere ao Hu-manismo — não cré que o Humanismo fosse inicialmentedirigido contra a Igreja.) Para Toffanin, o principio da irre-ligiosidade ou da nova religião não é a chave-mestra parapenetrar no segredo dos humanistas; nem tem sentido falardo individualismo deles, já que "os presumíveis efeitos darevalorização da personalidade humana" por obra de umacultura seriam muito mais surpreendentes numa época queficou famosa, por sua vez, por ter "aumentado a distânciaentre o resto dos homens e os homens de gabinete".

O fato verdadeiramente característico do Humanismo "éa paixão pelo mundo antigo, através da qual — quase de im-proviso — tenta-se suplantar uma língua popular e consa-grada pelo génio mediante uma lingua morta, inventa-se (po-demos dizer assim) a ciência filológica, renova-se gosto ecultura. O mundo pagão renasce". Toffanin sustenta quenão é necessário confundir o Humanismo com o progressivodespertar ocorrido depois do Século XI; o Humanismo é umfato essencialmente italiano, "independente destes presságiosfalazes", e a ele chegaram — para se fazerem clássicos e cul-tos -- a França e o resto do mundo. Num certo sentido,pode se chamar de herética a civilização comunal do Século

desta ou daquela Comuna, com poesia de várias formas, das quais érica a lírica provençal: poesias políticas, morais, satíricas, de cruzada,de lamentação, de conselho; canções, disputas, etc., as quais — apare-cendo de vez em quando e circulando noa ambientes interessados —preenchiam a função hoje desempenhada pelo artigo de fundo dos jor-nais. De Bartholomaeis procurou datar essas poesias, o que não é di-ficil por causa das alusões que contêm; ele as libertou de todos os sub-sidios que dificultavam a leitura, e as traduziu. E dada, de cada tro-vador, uma breve informação biográfica. Para a leitura do texto origi-nal, é fornecido um glossário das palavras mais dificeis de entender.Sabre a poesia provençal na Itália, deve-se cf. o volume de morosearoxr,—Trovadores da Itália.

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XIII, que se manifesta numa irrupção de sentimentos e pen-samentos refinadíssimos, em formas plebéias, e ""inicialmenteherético foi o impulso ao individualismo, ainda que — entreo povo — tenha se tomado consciência da heresia menos doque, à primeira vista, se possa crer". A literatura vulgar queirrompe do seio da civilização comunal e independentementedo classicismo é índice de uma sociedade "na qual a levedu-ra herética fermentou"; levedura que, se debilitava nas mas-sas o respeito às autoridades eclesiásticas, tornava-se empouco um aft jamento aberto das romanitas, característicodo periodo que decorre entre a Idade Média propriamentedita e o Humanismo. Alguns intelectuais parecem conscien-tes desta descontinuidade histórica; pretendem ser cultos semter lido Virgílio, isto é, sem os estudos liberais, cujo aban-dono geral justificaria, segundo Boccaccio, o uso do vulgar,ao invés do latim, na Divina Comédia. Guido Cavalcanti éo maior destes intelectuais. Em Dante, ""o amor pela linguaplebéia, alimentado por um estudo de espirito comunal e vir-tualmente herético", devia contrastar com um conceito de sa-bedoria quase humanista. "Caracteriza os humanistas a cons-ciência de uma separação irremediável entre homem de cul-tura e massa; ideais abstratos são, para eles, os do poderioimperial e papal; real, pelo contrário, é sua fé na universa-lidade cultural e nas razões dela". A Igreja •favoreceu a se-paração entre cultura e povo iniciada com o retorno do latim,considerando-a como sadia reação a toda indisciplina mística.O Humanismo, de Dante a antes de Maquiavel, é uma épocaque se mantém nitidamente para si; e, ao contrário do quemuitos pensam, possui uma afinidade não-superficial com aEscolástica por causa do impulso comum antidemocrático eanti-herético. Deste modo, Toffanin nega que o Humanismodesemboque vivo na Reforma, já que esta — com sua sepa-ração da romanidade, com a nova vitória rebelde dos idio-mas vulgares e com muitas outras coisas renova as orien-tações da cultura comunal, vigorosa heresia, contra a qualsurgira o Humanismo. Com o fim do Humanismo, nascea heresia; e estão fora do Humanismo: Maquiavel, Eras-mo (I), Lutero, Giordano Bruno, Descartes, Jansenio.

Estas teses de Toffanin coincidem freqüentemente comas notas que já redigi em outros cadernos. Mas Toffanin se

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mantém sempre no campo cultural-literário e não relacionao Humanismo com os fatos económicos e politicos que sedesenvolviam na Itália no mesmo período: passagem aosprincipados e 'às senhorias, perda da iniciativa burguesa etransformação dos burgueses em proprietários territoriais. OHumanismo foi um evento reacionário na cultura porque todaa sociedade italiana estava se tornando reacionária. Areziobusca fazer objeções a Toffanin, mas elas são tolices . e su-perficialidades. Que a época comunal seja todo um fermentode heresias, é algo que Arezio não pode aceitar, já que con-sidera heresias tão-somente o averroísmo e o epicurismo. Masa Comuna era uma heresia em si mesma, pois devia entrartendencialmente em luta com o papado e tornar-se indepen-dente dele. Assim, não lhe agrada que Toffanin consideretodo o Humanismo como sendo fiel ao cristianismo, se bemque ele reconheça que, inclusive os céticos, ostentavam reli-giosidade. A verdade é que se tratou do primeiro fenómeno"clerical" no sentido moderno, uma Contra-Reforma por an-tecipação (além disso, era Contra-Reforma em relação aoperiodo comunal). Os humanistas se opunham à ruptura douniversalismo medieval e feudal que estava implícita nas Co-munas e que foi sufocada. Arezio segue as velhas concep-ções sobre o Humanismo e repete as afirmações que se tor-naram clássicas de Voigt, Burckhardt, Rossi, De Nolhac.Sysmonds, Jebb, etc.

Renascimento. Como se explica o fato de que o Renas-cimento italiano tenha encontrado estudiosos e divulgadoresbastante numerosos no exterior e que não exista um livrode conjunto escrito por um italiano? Ao que me parece, oRenascimento é a fase culminante moderna da "função in-ternacional dos intelectuais italianos"; por isso, ele não teveressonância na consciência nacional, que foi e continua a serdominada pela Contra-Reforma. O Renascimento é vivo nasconsciências nos locais em que criou novas correntes de cul-tura e de vida, nos locais em que operou em profundidade,não nos locais em que foi sufocado sem que restasse outroresíduo além do retórico e verbal e onde se tomou, portanto,objeto de "mera erudição", isto é, de curiosidade exterior.

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A Contra-Reforma e a ciência. Os processos de Galileu,de Giordano Bruno, etc., e a eficácia da Contra-Reforma emimpedir o desenvolvimento cientifico na Itália. Desenvolvi-mento da ciência nos países protestantes e onde a Igreja eramenos imediatamente forte do que na Itália. A Igreja teriacontribuído para a desnacionalização dos intelectuais italia-nos de duas maneiras: positivamente, enquanto organismouniversal que preparava pessoal para todo o mundo católi-co; e negativamente, obrigando a qu-vs intelectuais que nãoqueriam se submeter à disciplina da Contra-Reforma emi-grassem.

Nora. C). a indicação nas Recordações de um velho nor-malista", de GmoLAMO VrrELLr, na Nuova Antologia de 19 deabril de 1930: a filologia clássica na Itália, durante três séculos (atéi1 segunda metade do Século XIX), foi completamente negligen-ciada: "Quando se conhecer melhor a história destes nossos es-tudos, saber-se-á também que do Renascimento em diante, apósos italianos do Século XV (e mesmo até o fim do Século XVI,com a última grande escola de Pier Vettori), a hegemonia de taisestudos coube, sucessivamente, com tendências mais ou menos di-versas, aos franceses, holandeses, ingleses, alemães". Por queesta ausência dos italianos? Vitelli não a explica senão com o"mercantilismo"; mas quem mais mercantilista do que os holan-deses e' os ingleses? E curioso que precisamente as nações pro-testantes (e na França, ao que me parece, os Etiennes eram hugue-notes) mantenham o estudo do mundo antigo em destaque. Serianecessário observar a organização desses estudos nessas nações ecomparar com os centros de estudo na Itália. A Contra-Reformainfluiu? etc.

Cosmopolitismo literário italiano no Século XVIII. Tre-cho do artigo "Nicolino e Algarotti", de Carlo Calcaterra,no Marzocco de 29 de maio de 1932: "Uma valorização' equâ-nime dos escritos de arte de Algarotti é freqüentementeobstaculizada, no espírito de muitos, pela consideração deque ele foi o conselheiro e o provedor de Augusto III daSaxónia nas aquisições para a galeria de Dresden, pelo queé ele acusado de ter empobrecido a Itália em beneficio de

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cortes estrangeiras. Mas foi dito justamente, por Panzochie por outros estudiosos, que — no cosmopolitismo do SéculoXVIII — a obra de difusão da arte italiana, enquanto belezapertencente a toda a Europa, tem um aspecto menos odiosodo que aquele que pode lhe ser facilmente atribuido". Aobservação do cosmopolitismo do Século XVIII, que é exata,é aprofundada e especificada: o cosmopolitismo dos inte-lectuais italianos é exatamente similar ao cosmopolitismo dosoutros intelectuais nacionais? Este é o problema: para os ita-lianos, o cosmopolitismo está em função de uma 'posição par-ticular que é atribuida à Itália, à diferença dos outros paises;isto é, a Itália é concebida como complementar de todos osoutros países, como produtora de beleza e de cultura paratoda a Europa.

Clero e intelectuais. Existe algum estudo orgânico so-bre a história do clero como classe-casta? Ele seria indispen-sável, parece-me, como preparação e condição para todo orestante estudo sobre a função da religião no desenvolvi-mento histórico e intelectual da humanidade. A precisa si-tuação jurídica e de fato da Igreja e do clero nos vários pe-dodos e paises, suas condições e funções económicas, suasrelações exatas com as classes dirigentes e com o Esta-do, etc., etc.

Por que, num certo ponto, a maioria dos cardeais foicomposta por italianos e os papas foram sempre escolhidosentre italianos? Este fato possui certa importância no quetoca ao desenvolvimento intelectual-nacional italiano e alguémpoderia ver nisso a origem do Risorgimento. Ele se deveu,por certo, a necessidades internas de defesa e de desenvolvi-mento da Igreja e da sua independência diante das grandesmonarquias européias, mas sua importância nos reflexos ita-lianos não é diminuida por isso. Se, positivamente, pode-sedizer que o Risorgimento começa com o início das lutas entreEstado e Igreja, isto é, com a reivindicação de um poder go-vernamental puramente laico e, portanto, com o regalismo eo jurisdicionalismo (donde a importância de Giannone), tam-bém é certo — negativamente — que as necessidades de de-

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fesa da sua independência levaram a Igreja a buscar na Itália,cada vez mais, a base da sua supremacia, bem como a buscar.nos italianos, o pessoal de seu aparelho organizativo.

Esta luta teve caráter diverso nos diversos períodos his-tóricos. Na fase moderna, ela é luta pela hegemonia na edu-cação popular; pelo menos, é este o traço mais característico,ao qual todos os outros se subordinam. Portanto, é Iuta en-tre duas categorias de intelectuais, luta para subordinar oclero, como típica categoria de finte. uais, às diretivas doEstado, isto é, da classe dominante (liberdade de ensino --organizações juvenis — organizações femininas -- organi-zações profissionais).

Foi a partir dai que se desenvolveram as correntes neo-guelfas do Risorgimento, através das diversas fases (a dosanfedismo italiano, por exemplo) mais ou menos atrasadase primitivas. Esta nota, por isso, interessa não somente à ru-brica dos intelectuais, como também àquela do Risorgimentoe àquela das origens da Ação Católica "italiana". No de-senvolvimento de uma classe nacional, ao lado do processode sua formação no terreno econõmico, deve-se levar em con-ta o desenvolvimento paralelo nos terrenos ideológico, jurí-dico, religioso, intelectual, filosófico: aliás, deve-se dizer quenão existe desenvolvimento no terreno económico sem estesoutros desenvolvimentos paralelos. Mas cada movimento da"tese" leva ao movimento da "antítese" e, portanto, a "sín-teses" parciais e provisórias. O movimento de nacionaliza-ção da Igreja na Itália é imposto, não proposto. A Igrejase nacionaliza na Itália sob formas bem diversas das ocorri-das na França com o galicanismo. Na Itália, a Igreja se na-cionaliza de uma maneira "italiana", pois deve ao mesmotempo permanecer universal: enquanto isso, nacionaliza seupessoal dirigente e este vê cada vez mais o aspecto nacionalda função histórica da Itália coma sede do papado.

Formação e difusão da nova burguesia na Itália. Poder-se-ia fazer uma pesquisa "molecular" nos escritos italianosda Idade Média para captar o processo de formação inte-lectual da burguesia, cujo desenvolvimento histórico culmi-nará nas Comunas, para sofrer posteriormente uma desagre-gação e uma dissolução. A mesma pesquisa poderia ser feita

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no periodo 1750-1850, quando ocorre uma nova formaçãoburguesa, que culmina no Risorgimento. Também aqui o mo-delo de GROETHUYSEN ( Origines de ('esprit bourgeois enFrance: I.er, L'Église et la Bourgeoisie) poderia servir, in-tegrado naturalmente pelos motivos que são peculiares à his-tória social italiana. As concepções do mundo, do Estado,da vida contra a qual deve combater o espírito burguês naItália não são similares às que existiam na França.

Foscolo e Manzoni, em certo sentido, podem forneceros-tipos italianos. Foscolo é o exaltador das glórias literá-rias e artísticas do passado (cf. os Sepulcros, os Discursoscivis, etc.), a sua concepção é essencialmente "retórica" (ain-da que se deva observar que, em sua época, esta retóricatinha uma eficácia prática atual e, portanto, era "realista").Em Manzoni, encontramos novas tendências, mais estrita-mente burguesas (tecnicamente burguesas) . Manzoni exaltao comércio e rebaixa a poesia (a retórica). Cartas a Fauriel.Nas Obras inéditas, existem trechos em que Manzoni la-menta a unilateralidade dos poetas que desprezam a "sede deouro" dos comerciantes, desconhecem a audácia dos navega-dores, enquanto falam de si como se fossem seres sobre-hu-manos. Numa carta a Fauriel, escreve: "Imagine o que im-plicaria em perda maior para o mundo: ficar sem banqueirosou sem poetas; qual destas duas profissões serve mais, nãodigo ao bem-estar, mas à cultura da humanidade?" (cf. CARLOFRANELLI, "Manzoni e a idéia do escritor", na Crítica Fas-cista de 15 de dezembro de 1931) . Franelli observa: "Ele( Manzoni) põe os trabalhos de história e de economia po-lítica acima de uma literatura predominantemente (?1) ligei-ra. Sobre a qualidade da cultura italiana de então, fez de-clarações muito explícitas na carta ao amigo Fauriel. Quantoaos poetas, sua tradicional megalomania lhe ofende. Observaque, atualmente, perdem todo aquele grande crédito que go-zavam no passado. Recorda, repetidamente, que gostou dapoesia quando era 'jovem"'.

Risorgimento. No Risorgimento, ocorreu o último refle-xo da "tendência histórica" da burguesia italiana no sentidode se manter nos limites do "corporativismo"; não ter ela re-

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solvido a questão agrária é a prova deste fato. Represen-tantes desta tendência são os moderados, tanto os neoguel-fos (neles — em Gioberti — revela-se o caráter universa-lista-papal dos intelectuais italianos, que é colocado como pre-missa do fato nacional) quanto os cavourianos (ou econo-mistas-práticos, mas ao modo do homem de Guicciardini, istoé, voltados somente para oseu "particular": daí o caráter damonarquia italiana) . Mas as marcas do universalismo me-dieval existem também em Mazzini, determinando seu fra-casso politico; e isto porque, se ao neoguelfismo sucedeu -- nacorrente moderada -- o cavourianismo, o universalismo maz-ziniano no Partido da Ação nã foi superado praticamentepor nenhuma formação política oànica, permanecendo, pelocontrário, como um fermento de sectarismo ideológico e, con-seqüentemente, de dissolução.

Gioberti. Importância de Gioberti na formação do ca-ráter nacional moderno dos intelectuais italianos. Sua funçãoao lado de Foscolo. Numa nota anterior, observações sobrea solução formal dada por Gioberti ao problema nacional-popular como conciliação de conservação e inovação, como"classicidade nacional". Solução formal não só do maior pro-blema político-social, como também dos problemas derivados,como o de uma literatura nacional-popular." E necessáriorever, para as finalidades deste estudo, as maiores publica-ções polêmicas de Gioberti: o Primato e o Rinnovamento, osescritos contra os jesuítas (os Prolegomeni e o Gesuita mo-derno). Livro de Anzilotti sobre Gioberti.

O movimento socialista. Eficácia alcançada pelo movi-mento operário socialista na criação de importantes setoresda classe dominante. A diferença entre o fenõmeno italianoe o de outros países consiste, objetivamente, no seguinte:

ro Gramsci refere-se a urna nota contida em outro caderno e inseridano volume Notas sobre Maquiavel, sobre a política e sobre o Estadomoderno, S. Einaudi, 195.1 [Há tradução brasileira, de Luis MárioGazraneo, publicada pela Editora Civilização Brasileira, 1967 — N.do T.] (Nota da Edição Italiana).

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que, enquanto nos outros paises o movimento operário e so-cialista elaborou personalidades políticas singulares que pas-saram para a outra classe, na Itália, pelo contrário, elaborougrupos intelectuais inteiros, que realizaram esta passagemcomo grupos. A causa, ao que me parece, deve ser buscadanisto: na escassa aderência, na Itália, entre as classes altase o povo: na luta das gerações, os jovens se aproximam dopovo; nas crises de mudança, tais jovens retornam à suaclasse (foi o que ocorreu com os sindicalistas-nacionalistas ecom os fascistas) . No fundo, trata-se do mesmo fenõmenogeral do transformismo em condições diversas. O transfor-mismo "clássico" foi o fenõmeno pelo qual se unificaram ospartidos do Risorgimento. Este transformismo esclarece ocontraste entre civilização, ideologia, etc. e a força de classe.A burguesia não consegue educar os seus jovens (luta de ge-ração): os jovens deixam-se atrair culturalmente pelos ope-rários, e chegam mesmo a se tornar -- ou buscam fazê-lo --seus líderes (desejo "inconsciente" de realizarem a hegemo-nia de sua própria classe sobre o povo), mas -- nas criseshistóricas — retornam às origens. Este fenõmeno de "gru-pos" não terá ocorrido, por certo, apenas na Itália: tambémnos paises onde a situação é análoga, ocorreram fenômenosanálogos. L o caso dos socialismos nacionais dos países es-lavos (ou social-revolucionários, ou narodniki, etc.).

A questão dos jovens. Existem muitas "questões" dosjovens. Duas delas me parecem particularmente importan-tes: 1) A geração "antiga" realiza sempre a educação dos"jovens"; haverá conflito, discórdia, mas se trata de fenô-menos superficiais, inerentes a toda obra educativa e de re-freamento, a menos que estejam em jogo interferências declasse, isto é, os "jovens" (ou uma pequena parcela deles)da classe dirigente (entendida no mais amplo sentido, nãosó econômico como também politico-moral) se rebelam epassam para a classe progressista, que se tornou historica-mente capaz de tomar o poder: mas, neste caso, trata-se de"jovens" que deixam de ser dirigidos pelos "velhos" de umaclasse para serem dirigidos pelos "velhos" de uma outra clas-se; de qualquer modo, permanece a subordinação real dos"jovens" aos "velhos" como geração, não obstante as dife-

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renças de temperamento e vivacidade acima recordadas. 2)Quando o fenómeno assume um caráter dito "nacional", istoé, não se revela abertamente a interferência de classe, entãoa questão se complica e se torna caótica. Os "jovens" estãoem estado de rebelião permanente, já que persistem as suascausas profundas, sem que eles possam analisa-la, criticá-lae superá-la (não de um modo conceitual e abstrato, mas his-tórico e real); os "velhos" dominam de fato, mas... aprèsmoi le déluge, não conseguem educar os jovens e prepará-lospara a sucessão. Por quê? Isto significa que existem todasas condições para que os "velhos" de uma outra classe devamdirigir estes jovens, sem que possa fazê-lo graças a razõesextrínsecas de pressão político-miiAr. A luta, da qual asexpressões normais exteriores são sufocadas, liga-se comouma gangrena dissolutora à estrutura da velha classe, debi-litando-a e apodrecendo-a: assume formas mórbidas, de mis-ticismo, de sensualismo, de indiferença moral, de degeneres-cências patológicas psíquicas e físicas. A velha estrutura nãocontém e não consegue satisfazer as novas exigências: o de-semprego permanente e semipermanente dos chamados in-telectuais é um dos fenômenos típicos desta insuficiência, queassume caráter agudo nos mais jovens, na medida em quenão lhes deixa "horizontes abertos". Ademais, esta situaçãoleva aos "quadros fechados" de caráter feudal-militar, istoé, agudiza ela mesma os problemas que não pode resolver.

Sobre o protestantismo na Itália. Referência àquela cor-rente intelectual contemporánea que defende o principio deque as fraquezas da nação e do Estado italiano se deveriamà ausência de uma reforma protestante, corrente representadaparticularmente por Missiroli. Missiroli, ao que parece, tomaesta sua tese de empréstimo a Sorel, que a havia tomado deRenan (pois Renan havia defendido uma tese similar, adapta-da à França e mais complexa, em seu livro A reforma in-telectual e moral) . Na Critica de 1931, em diversas partes,foi publicado um ensaio inédito de Sorel, Germanismo e his-toricismo de Ernest Renan, escrito ( .datado) em maio de1915 e que deveria servir como introdução à versão italianado livro de Renan A reforma intelectual e moral, a ser tra-duzido por Missiroli e publicado por Laterza. A tradução

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de Missiroli não foi publicada e se compreende porquê: emmaio de 1915, a Itália intervém na guerra e o livro de Renan,com o prefácio de Sorel, teria aparecido como um ato degermanofilia. De qualquer modo, deve-se confirmar, ao queparece, o fato de que a posição de Missiroli sobre a questãodo "protestantismo na Itália" é uma dedução mecânica dasidéias críticas de Renan e de Sorel sobre a formação e as ne-cessidades da cultura francesa. Não está excluído, porém,que Missiroli conhecesse também as idéias de Masaryk so-bre a cultura russa (ele conhecia, pelo menos, o ensaio deAntõnio Labriola sobre Masaryk:" mas Labriola refere-se aesta tese "religiosa"? creio que não) e, em 1918, tomou co-nhecimento do ensaio sobre Masaryk, através do Grido delPopolo, no qual havia referência à tese religiosa e que. foipublicado pelo Kampf de Viena, em 1914, e por mim tra-duzido precisamente no Grido (este ensaio era conhecidotambém por Gobetti) . As críticas feitas a Masaryk nesseensaio aproximam-se, metodologicamente, das que Croce fi-zera aos defensores de "reformas protestantes" e é estranhoque isto não tenha sido visto por Gobetti (sobre o qual, ade-mais, é impossível dizer que não compreendesse este proble-ma de uma maneira concreta, ao contrário de Missiroli, comoé demonstrado pelas suas simpatias político-práticas.) Aocontrário, dever-se-ia desancar Missiroli, que é um papel-carbono de alguns elementos culturais franceses.

No ensaio de Sorel, aparece também uma estranha tesedefendida por Proudhon, a respeito de reforma intelectuale moral do povo francés (Renan, em sua obra, interessa-sepelas altas classes de cultura e tem para o povo um progra-ma particular: confiar sua educação aos párocos rurais), quese aproxima da de Renan no que diz respeito ao povo. Sorelsustenta, aliás, que Renan havia conhecido esta posiçãode Proudhon e havia sido por ela influenciado: as teses deProudhon estão contidas na obra La Justice dans la Révolu-

11 TH. G. MASABYX, Die pphilosophischen und soziologischen Grundla-gen des Marxismus — Studien zur sozialen Frage, Viena, segundo o ti-tulo da edição alemã conhecido por Labriola. [0 ensaio de AntônioLabriola, publicado na Rivista italiana de sociologia (fasc. III, 1899),que antes era unido à Concepção materialista da história, foi colocadocomo apêndice à terceira edição do volume: Sabre socialismo e filoso-fia, Laterza, Bari, 1939 (Nota da Edição Italiana).]

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tion et dans l'Église, tomo V, págs. 342-344; segundo elas,dever-se-ia alcançar uma reforma intelectual e moral do povofrancês com a ajuda do clero, que teria, com a linguagem e osimbolismo religiosos, concretizado e garantido as verdades"laicas" da Revolução. No fundo, não obstante suas bizar-rias, Proudhon é mais concreto do que parece: ele aparenta,certamente, estar convencido de que é necessária uma re-forma intelectual em sentido laico ("filosófico", como dizele), mas não sabe encontrar outro meio didático além damediação do clero. Também para Proudhon, o modelo é oprotestante, isto é, a reforma intelectual e moral ocorrida naAlemanha com o protestantismo, que ele quereria ver "repro-duzida" na França, no povo francés. mas com maior respeitohistórico pela tradição histórica fran gi a que está contida naRevolução. A posição de Sorel é também estranha nestaquestão: sua admiração por Renan e pelos alemães faz comque veja os problemas como puro intelectual abstrato.

Este problema do protestantismo não deve ser confun-dido com o problema "político" que se apresentou na épocado Risorgimento, quando muitos liberais -- os da Perseve-ranza, por exemplo serviram-se do espantalho protestan-te para pressionar o Papa a respeito do poder temporal e deRoma.

Deste modo, numa análise do problema religioso naItália deve-se distinguir: em primeiro lugar, entre duas or-dens fundamentais de fatos: 1) a real, efetiva, de acordocom a qual se verificam nas massas populares movimentosde reforma intelectual e moral, seja como , passagem do ca-tolicismo ortodoxo e jesuítico a formas religiosas mais libe-rais, seja como evasão do campo confessional no sentido deuma concepção moderna do mundo; 2) as diversas atitudesdos grupos intelectuais diante de uma necessária reforma in-telectual e moral.

A corrente Missiroli é a menos séria de todas, a maisoportunista, á mais diletante e desprezível pela pessoa de seucorifeu.

Assim, para cada uma destas ordens de fatos, deve-sedistinguir cronologicamente entre várias épocas: a do Risor-gimento (com o liberalismo laico, por um lado, e o catoli-cismo liberal, por outro); a que vai de 1870 a 1900, com o

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positivismo e anticlericalismo maçónico e democrático; a quevai de 1900 até a guerra, com o modernismo e o filosofismoidealista; a que vai até a concordata, com a organização po-lítica dos católicos italianos; e a pós-concordata, com umanova colocação do problema, tanto para os intelectuais quantopara o povo. inegável, não obstante o maior poder da or-ganização católica e o despertar de religiosidade nesta últimafase, que muitas coisas estão mudando no catolicismo, e que ahierarquia eclesiástica está alarmada com isso, pois não con-segue controlar estas transformações moleculares: ao ladode uma nova forma de anticlericalismo, mais refinada e pro-funda do que a do Século XIX, existe um maior interessepelas coisas religiosas por parte dos laicos, que levam paraa análise um espírito não educado pelo rigor hermenéutica dosjesuitas e, portanto, tendente com freqüência á heresia, aomodernismo, ao ceticismo elegante. Troppa grazia! para osjesuítas, que prefeririam que os laicos, ao contrário, não seinteressassem por religião senão para acompanhar o culto.

Os intelectuais e o Estado hegeliano. Na concepção nãoapenas da ciência política, mas em toda concepção da vidacultural e espiritual, teve imensa importância a posição assi-nalada por Hegel para os intelectuais, que deve ser cuida-dosamente estudada.

Com Hegel, começa-se a não mais pensar segundo ascastas ou os "estados", mas segundo o "Estado", cuja "aris-tocracia" são precisamente os intelectuais. A concepção "pa-trimonial" do Estado (que é o modo de pensar por "cas-tas") é, de imediato, a concepção que Hegel deve destruir(polémicas irónicas e sarcásticas contra von Haller). Semesta "valorização" dos intelectuais feita por Hegel não secompreende nada (historicamente) do idealismo moderno ede suas raizes sociais.

A ciência e a cultura. As correntes filosóficas idealistas( Croce e Gentile) determinaram um primeiro processo deisolamento dos cientistas (ciências naturais ou exatas) domundo da cultura. A filosofia e a ciência destacaram-se e os

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cientistas perderam muito de seu prestigio. Um oútro pro-cesso de isolamento ocorreu graças ao novo prestígio dadoao catolicismo e á formação do centro neo-escolástico. Assim,os cientistas "laicos" tem contra si a religião e a filosofiamais difundida: não pode deixar de ocorrer sua perda decapacidade e uma "desnutrição" da atividade científica, quenão pode se desenvolver isolada do mundo da cultura geral.Mais ainda: dado que a atividade científica é, na Itália, es-treitamente ligada ao orçamento do Estado, que não é dosmaiores, á atrofia de um desenvolvimento do "pensamento"cientifico, da teoria, não pode ocorrer como compensação nemsequer um desenvolvimento da "técnica" instrumental e ex-perimental, que requer facilide& de meios e de dotações.Esta desagregação da unidade científica, do pensamento ge-ral, é sentida: buscou-se remediá-la pela elaboração, tambémneste campo, de um "nacionalismo" científico, isto é, defen-dendo a tese da "nacionalidade" da ciência. Mas é evidenteque se trata de construções exteriores extrínsecas, boas paracongressos e celebrações oratórias, mas sem eficácia prática.Os cientistas italianos, entretanto, são valorosos e realizam,com poucos meios, sacrifícios inauditos e obtém resultadosadmiráveis. O perigo maior, ao que parece, é representadopelo grupo neo-escolástico, que ameaça absorver muito daatividade científica, esterilizando-a, como reação ao idealismogentileano. (Deve-se investigar a atividade organizadora doConselho Nacional de Pesquisas e a eficácia que teve no sen-tido de desenvolver a atividade científica e tecnológica, bemcomo a das seções científicas da Academia da Itália)? s

Centralismo nacional e burocrático. O fechamento dasassociações regionais ocorrido em agosto de 1932. Ver quaisas reações que isto suscitou na época. Afirmou-se que se

12 Cf. o volume publicado por Gino Bargagli Petrucci (na editoraLe Monnier), no qual são recolhidos os discursa de cientistas italia-nos na Exposição de história das ciências de 1929. Nesse volume, estáincluido um discurso do Padre Gemelli que é um sinal dos tempos,indicador da autoconfiança assumida por eases fradecos (sobre essediscurso, deve-se cf. a recensão publicada na Educazione Fa:elate de1932 e o artigo de Sebastiano Timpanaro na Italia Letteraria de 11 desetembro e 16 de outubro de 1932).

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tratava de um movimento da consciência nacional cada vezmais sólida. Mas a ilação é justificada? Comparar com omovimento de centralização ocorrido na França após a Re-volução e, particularmente, com Napoleão. A diferença pa-rece ser evidente: na França, ocorrera um movimento nado-nal unitário, do qual a centralização fora a expressão buro-crática. Na Itália, não ocorreu o mesmo processo nacional;aliás; a burocracia centralizada tinha a finalidade, precisa-mente, de obstaculizar este processo. Seria interessante obser-var quais as forças unitárias que se formaram, no após-guerra,ao lado da burocracia tradicional: o que se deve notar é queestas forças, ainda que relativamente numerosas, não pos-suem um caráter de homogeneidade e de sistematicidade per-manente, pois são de tipo "burocrático" (burocracia sindical,partidária, do poder, etc.).

Sentimento nacional. Sentimento nacional, não popular-nacional: isto é, um sentimento puramente "subjetivo", nãoligado à realidade, a fatores, a instituições objetivas. Trata-se ainda, por isso, de um sentimento de "intelectuais", quesentem a continuidade de sua categoria e de sua história,única categoria que teve uma história ininterrupta. Um ele-mento objetivo é a língua, mas -- na Itália ela se alimentapouco, em seu desenvolvimento, da língua popular que nãoexiste (exceto em Toscana), ao passo que existem os dia-letos. Outro elemento é a cultura, mas ela é muito restritae possui caráter de casta: as camadas intelectuais são pe-queníssimas e estreitas. Os partidos politicos: eram poucosólidos e não tinham vitalidade permanente, atuando apenasno periodo eleitoral. Os jornais: não coincidiam com os par-tidos senão debilmente, e eram pouco lidos. A Igreja era oelemento popular-nacional mais válido e amplo, mas a lutaentre Igreja e Estado fazia dela um elemento mais de desa-gregação do que de unidade: e, hoje, as coisas não se modi-ficaram muito pelo fato de ter-se modificado toda a coloca-ção do problema moral-popular. A monarquia -- O parla-mento A universidade e a escola -- A cidade -- Organi-zações privadas como a maçonaria -- A universidade popu-lar -- O exército — Os sindicatos operários — A ciência

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(para o povo -- os médicos, os veterinários, as cátedras am-bulantes, os hospitais) -- O teatro — O livro.

O racismo. Existe um "racismo" na Itália? Muitas ten-tativas foram feitas, mas todas de caráter literário e abstra-to. Deste ponto de vista, a Itália se diferencia da Alemanha,ainda que existam, entre os dois países, algumas semelhan-ças extrínsecas interessantes: 1) A tradição localista e, por-tanto, a tardia obtenção da unidade nacional e estatal (se-melhança extrínseca porq'NAo regionalismo italiano teve ori-gens diversas da do alemão; na Itália, contribuíram dois ele-mentos principais: a) o renascimento das raças locais apósa queda do Império Romano; b) as invasões bárbaras pri-meiro, as dominações estrangeiras depois. Na Alemanha, asrelações internacionais influíram, mas não com a ocupaçãodireta de estrangeiros). 2) O universalismo medieval influiumais na Itália do que na Alemanha, onde o Império e o lai-cismo triunfaram muito antes do que na Itália, isto é, du-rante a Reforma. 3) 0 dominio, nos tempos modernos, dasclasses proprietárias rurais, mas com relações muito diversas.O alemão sente mais a raça do que o italiano. Racismo: oretõrno histórico ao romanismo, pouco sentido fora da lite-ratura. Exaltação genérica da estirpe, etc. O estranho é queseja Kurt Erich Suckert quem defende hoje o racismo (coma Itália Bárbara arqui-italiana e o supra-regionalismo): tra-ta-se de um nome evidentemente racista e supra-regionalis-ta; recordar, durante a guerra, Arturo Foi e suas exaltaçõesda estirpe itálica, tão congruentes quanto em Suckert.

A ideologia "romana". Omodeo afirma (Critica de 20de setembro de 1931): "(Bülov) busca confortar-se na lu-minosa atmosfera de Roma, inebriando-se com aquela poe-sia da Urbe que Goethe difundiu entre os alemães, e queé tão diferente da retórica romana, filha em grande partedas escolas jesuíticas e corrente entre nós. " Deve-se notarque, nos Sepulcros de Foscolo, nos quais estão contidos, nãoobstante, tantos motivos da mentalidade e da ideologia dointelectual italiano dos Séculos XIX-XX, Roma antiga tem

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um Lugar mínimo e quase nulo. (O próprio Primate, de Gio-berti, é talvez de origem "jesuítica", ainda que Gioberti te-nha sido antijesuítico.)

A tradição de Roma. Registrar as diversas reações (eo diverso caráter delas) à ideologia ligada à tradição deRoma. O futurismo foi, na Itália, uma forma desta reação,enquanto oposição à retórica tradicional e académica, e esta-- na Itália — era estreitamente ligada à tradição de Roma( A terra dos mortos, de Giusti: "Éramos grandes e là nãohaviam nascido", -- "Tudo que no mundo é civilizado, gran-de, augusto, ele é romano ainda", de Carducci -- dependen-tes dos Sepulcros de Foscolo, enquanto momento "moderno"desta retórica). Esta reação tem vários aspectos, além dediversas características. Tende, por exemplo, a negar que aItália moderna seja herdeira da tradição romana (a expres-são de Lessing sobre os "vermes saídos da decomposição docadáver romano") ou a negar a própria importância destatradição. No livro de Wells, Breve história do mundo (ed.Laterza, com apéndice polêmico do tradutor Lorizio), estareação assume diversos aspectos: 1) nega que a históriamundial antiga se unifique no Império Romano, ampliandoa visão histórica mundial com a história da China, da Indiae dos mongóis; 2) tende a desvalorizar em si a grandeza dahistória romana e de sua tradição, tanto como tendência po-lítica (Sacro Império Romano) quanto como tendência cul-tural (Igreja Católica). No livro de Wells se é exato 0primeiro ponto, o segundo sofre de nova projeção de ele=mentos ideológicos e é moralista.

Outro aspecto que deve ser observado é a valorizaçãodo elemento não-romano na formação das nações modernas:elemento germânico na formação dos Estados romano-germã-nicos: este aspecto é cultivado pelos alemães e prossegue napolémica sobre a importância da Reforma como premissa damodernidade. Porém, na formação dos Estados romano-ger-mânicos, além do elemento romano e do germánico, existeum terceiro e talvez mesmo um quarto elemento; na França,além do elemento romano e do elemento franco, existe o ele-mento céltico, dado pela autóctone população gálica; na Es-

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panha, existe ainda, ademais, o elemento árabe com sua in-fluência científica na Idade Média. A respeito do elementogálico na formação da civilização francesa, houve sempre todauma literatura, de caráter misto histórico e popular. Na épo-ca mais recente, deve-se examinar a Histoire de la Gaule, deCamille Julien, onde (no vol. VIII, pág. 311) pode-se lerque é tempo de acabar com a "obsessão da história impe-rial", sendo "necessário que saibamos nos desembaraçar dosmodos de sentir e de pensar que são heranças do ImpérioRomano. Os preconceitos quase insuperáveis, mediante osquais saimos da educação clássica, o historiador deve sabervence-los". Pelo artigo "A ;*gura de Roma num historiadorceltista", de Pietro Barocelli, publicado na Nuova Antologiade 16 de março de 1929, podemos observar que Julien, aoque parece, substituiu estes preconceitos por outros (a celto-mania), mas, de qualquer modo, é notável o fato de que umhistoriador acreditado como Julien, membro da Academia,tenha dedicado um escrito tão monumental . a defesa de suasteses e tenha ganho o prêmio da Academia. Barocelli acre-dita que "o crome. com o qual se encara hoje nosso País,quase de toda parte, revela-se também na simpatia com aqual são acolhidas no exterior as publicações que, de umaou de outra maneira, buscam diminuir o nome de Roma e daItália. Desta natureza, precisamente, é a referida Histoirede la Gaule, obra afortunada pela difusão, imponente pelotamanho, autorizada pelo nome do escritor"; e acredita aindaque, "quanto aos esfregões que hoje se tenta sobre a figurade Roma antiga, bem sabemos que Roma senhora e mestrade povos tem sobre, si, para alguns, uma grave culpa; Roma,desde seus inícios, foi sempre Itália". Aos preconceitos his-tóricos que combate, Barocelli substitui, também ele, seuspróprios preconceitos; e, o que é mais importante, empresta-lhes uma roupagem política. O assunto deveria ser estudadode um modo despreconcebido: que coisa permanece até hoje,de próprio e inconfundível, da tradição romana? Muito pou-co, concretamente: a atividade mais especificamente moder-na é a económica, tanto teórica como prática, bem como acientífica: delas, nada continua o mundo romano. Mas, mes-mo no campo do direito, em que relação exata se encontraò romanismo com as contribuições do germanismo e com as

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anglo-saxónicas mais recentes? e qual é a área geográfica naqual o direito romano teve maior difusão? Deve-se aindanotar que, na forma sob a qual se tornou tradicional, o di-reito romano foi elaborado em Constantinopla, após a quedade Roma. Quanto à tradição estatal romana, é verdade quea Itália enquanto tal (isto E. na figura que hoje assumiu)não lhe deu continuidade (observação de Sorel). Acompa-nhar as publicações de Ezio Levi sobre o arabismo espanhole sobre a importância dele para a civilização moderna.

Sicilia e Sardenha. Para o diverso peso que exerce agrande propriedade na Sicilia e na Sardenha e, portanto, paraa diversa posição relativa dos intelectuais, o que explica ocaráter diverso dos movimentos político-culturais, valem asseguintes cifras: na Sardenha, apenas 18% do território per-tence a entidades públicas, o resto é propriedade privada;da área cultivável, 50% compreende propriedades inferioresa 10 ha. e apenas 4% possui mais de 200 ha. Sicilia: em1907, Lorenzoni assinalava 1.400 propriedades de mais de200 ha., com uma extensão de 717.729, 16 ha., isto é, 29,79%da extensão cadastral da ilha era possuído por 787 proprie-tários. Em 1929, Molé constatava 1.055 latifúndios de maisde 200 ha., com extensão conjunta de 540.700 ha., isto é,22% da área agrária e florestal (mas se trata de um ver-dadeiro fracionamento do latifúndio?). Por outro lado, de-ve-se levar em conta a diferença histórico-social-cultural dosgrandes proprietários sicilianos em relação aos sardos: os si-cilianos tem uma grande tradição e são fortemente unidos.Na Sardenha, não existe nada disso.

Intelectuais sicilianos. Rivalidade entre Palermo e Ca-tania na disputa do primado intelectual da ilha -- Cataniaé chamada de Atenas siciliana, aliás de sicula Atene Ce-lebridade de Catania: Domenico Tempio, poeta licencioso,cuja atividade se dá após o terremoto de 1693 que destruiuCatania (Antõnio Prestinenza relaciona o tom licencioso dopoeta à ocorrência do terremoto -- morte -- vida — destrui-ção -- fecundidade) . Vincenzo Bellini, contraposto a Tem-pio por sua melancolia romántica. Mário Rapisardi é a gib-

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ria moderna de Catania. Garibaldi lhe escreve: "Na van-guarda do progresso, nós lhe seguiremos"; e Victor Hugo:"Voos êtes un précurseur" Rapisardi — GaribaldiVictor Hugo — Polémica Carducci-Rapisardi. — Rapisardi-De Felice (em 19 de maio, de Felice conduzia a passeata aosportões de Rapisardi). -- Populismo socialista misturadocom o culto supersticioso de Santa Agata: quando Rapisar-di estava na hora de morrer, pretendeu-se que ele retornasseà igreja: "Assim viveu Argante, e morreu assim como vi-veu", disse Rapisardi -- Ao Lado de Rapisardi — Verga,Capuana, De Roberto, que porém não são considerados "si-cilianíssimos", mesmo porque eram ligados às correntes con-tinentais e eram amigos de Carducci. Catania e Abruzzo naliteratura italiana do Sécu;MXIX.

História literária e da cultura. A origem da teoria ame-ricana (referida por Cambon em seu prefácio a um livro deFord) segundo a qual, em cada época, os grandes homenssão grandes na atividade fundamental da própria época, ra-zão pela qual seria absurdo "reprovar" aos americanos pornão possuírem grandes artistas já que eles possuem "gran-des técnicos", do mesmo modo como seria absurdo reprovarao Renascimento por ter possuído grandes pintores e escul-tores mas não grandes técnicos -- as origens desta teoriapodem ser encontradas em Carlyle (Sobre os heróis e o he-roísmo) . Carlyle deve afirmar, mais ou menos, que se Dantetivesse tido de agir como guerreiro, ou seja, se fosse obriga-do a desenvolver sua personalidade num momento de neces-sidade militar, teria sido grande do mesmo modo, isto é, oheroísmo seria quase como uma forma que se enche do con-teúdo heróico que prevalece numa época ou ambiente de-terminado.

Pode-se afirmar, todavia, que em épocas de envileci-mento público, de esmagamento, é impossível qualquer for-ma de "grandeza". Onde o grande caráter moral é comba-tido, não pode existir grande artista. Metastasio não podeser Dante ou Alfieri. Onde prospera Ojetti pode existir umDante? Talvez um Michele Barbil Mas a questão, em geral,não me parece séria, se for colocada sobre a necessidade deque apareçam grandes génios. Pode-se julgar, tão-somente,

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da atitude diante da vida, mais ou menos conformista ou he-róica, metastasiana ou alfieriana, o que certamente não é pou-ca coisa. Não se deve excluir o fato de que, onde a tradiçãodeixou um largo estrato de intelectuais e um vivo ou preva-lecente interesse por certas atividades, desenvolvam-se "gé-nios" que não correspondam à época em que vivem concre-tamente, mas àquelas nas quais vivem "ideal" ou cultural-mente. Maquiavel poderia ser um deles. Ademais, esque-ce-se que toda época ou ambiente é contraditório e que al-guém expressa e corresponde à própria época ou ambiente,não somente colaborando com as formas de vida oficial, comotambém combatendo-as implacavelmente. Ao que parece,também neste assunto deve-se levar em conta a questão dosintelectuais e de seu modo de selecionar-se nas várias épocasde desenvolvimento da civilização. E, a partir deste pontode vista, pode existir muito de verdade na afirmação ameri-cana. Épocas progressistas no campo prático podem não tertido ainda tempo de se manifestarem no campo da criaçãoestética e intelectual, ou podem ser -- neste campo — atra-sadas, filistéias, etc.

O italiano mesquinho. "O latim é estudado obrigatoria-mente em todas as escolas superiores da América do Norte.A história romana é ensinada em todos os institutos, e esteensino rivaliza, se náo supera, o que é ministrado nos giná-sios e liceus italianos, já que nas escolas americanas a his-tória clássica de Roma antiga é traduzida fielmente de tácitoe de César, de Salústio e de Tito Livio, enquanto na Itáliarecorre-se, com muita freqüência e de modo absoluto, às de.formantes (sic) traduções de Leipzig " -- Filippo Virgili."A expansão da cultura italiana", Nuova Antologia, 1 9 dedezembro de 1928 (o trecho citado está na pág. 346); (éimpossível ser erro de impressão, dado o sentido de toda afrase! E Virgili é professor universitário, tendo cursado asescolas clássicas!)

Giovanni Rizzi ou do italiano mesquinho. Louis Rey-naud, que deve ser um discípulo de Maurras, escreveu umlivro, Le Romantisme (Les origines anglo-germaniques. ln-

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fluentes étrangères et traditions nationales. Le réveil du gé-nie français), Paris, Colin, a fim de expor amplamente e dedemonstrar uma tese própria do nacionalismo integral: a deque o Romantismo é contrário ao génio francês e é uma im-portação estrangeira, germânica e anglo-alemã. Nesta pro-posição, para Maurras e sem dúvida também para Reynaud,a Itália é e deve estar com a França (ou melhor, com as na-ções católicas em geral, com o catolicismo); elas são solidá-rias contra as nações protestantes, o latinismo contra o ger-manismo. O Romantismo é uma infecção de origem ger-mànica, infecção para a latinidade, para a França, que foisua grande vitima: em seus países de origem, Inglaterra eAlemanha, o Romanti.* foi e será algo sem conseqüências,mas — na França -- ele se tomou o espírito das revoluçõessucessivas, de 1789 em diante, destruiu ou devastou a tra-dição, etc., etc.

Ora, eis como o Prof. Giovanni Rizzi, autor de um livroultramediocre, ao que parece, sobre o Século XVI (o que nãoé de espantar, a julgar pelo modo como ele trata das corren-tes de pensamento e de sentimentos), vê o livro de Reynaud,num artigo ("O romantismo francês e a Itália") publicadonos Libri del giorno de junho de 1929. Rizzi ignora os "an-tecedentes", ignora que o livro de Reynaud é mais políticodo que literário, ignora as proposições do nacionalismo inte-gral de Maurras no campo da cultura e vai buscar, com sualanterninha de italiano mesquinho, os traços da Itália no livro.Deus meu! A Itália não existe, a Itália é descurada, portanto,é desconhecida! "E verdadeiramente singular o silêncio quaseabsoluto no que se refere à Itália. Dir-se-ia que, para ele( Reynaud), a Itália não existe nem jamais existiu: nãoobstante, ele deve te-la encontrado diante dos olhos a cadamomento" . Reynaud recorda que o Século XVII, na civili-zação européia, é francês. E Rizzi: "Seria preciso um es-forço heróico para notar, pelo menos de passagem, o quantoa França do Século XVII deve à Itália do Século XVI?Mas a Itália não existe para os nossos bons irmãos transal-pinos". Que tristeza! Reynaud escreve: "Les anglais, puis (esallemands, nous communiquent leur "superstition" de ranti-que". E Rizzi: "Oh! Vejam. de onde a França toma a adora-ção pelos antigos! da Inglaterra e da Alemanha! E o Renas-

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cimento italiano, com seu maravilhoso poder de difusão naEuropa e — sim, precisamente ai -- também na França? Can-celado da história..." Outros exemplos são, contudo, diver-tidos: "Ostentada ou inconsciente indiferença ou ignorânciacom relação à Itália", a qual, segundo Rizzi, não acrescentavalor à obra, "mas, pelo contrário, sob certos aspectos, muitoo atenua e diminui". Conclusão: "Mas nós, que somos osfilhos primogênitos (ou melhor, segundo o pensamento deBalbo, filhos únicos) de Roma, nós somos senhores de raçae não praticamos pequenas vinganças", reconhecendo, por-tanto, que a obra de Reynaud é ordenada, aguda, erudita,muito lúcida, etc., etc.

Rir ou chorar. Recordo este episódio: falando de umTizio, um articulista recordava que um antepassado do heróifora lembrado por Dante na Divina Comédia, "este livro deouro da nobreza italiana". De fato, era lembrado, mas numabismo profundo do Inferno: isto não importa, para o ita-liano mesquinho: ele não percebe, por causa de sua maniade grandeza, típica do nobre decadente, que Reynaud nãofalando da Itália em seu livro -- pretendeu fazer a ela amaior homenagem, de seu ponto de vista. Mas a Rizzi im-porta o fato de que Manzoni só tenha sido lembrado numanotinha de pé de página!

Nota. Cf. "O número como torça no pensamento de Gio-vanni Botero", de EMU.to ZANETrE, ha Nuova Antologia de19 de setembro de 1930. Ë um artigo superficial, do tipo jornalís-tico de ocasião. O significado da importância dada por Botero ao"fato" da população não tem o mesmo valor que poderia ter atual-mente. Botem é um dos escritores da época da Contra-Reformamais tipicamente cosmopolita e a-italiano. Ele fala da Itália comode qualquer outro país, e os problemas politicos dela não o in-teressam particularmente. Critica a "vaidade" dos italianos que seconsideram superiores a outros países e demonstra que esta pre-tensão é infundada. Deve-se estudá-lo por vários motivos (razãode Estado — maquiavelismo — tendência jesuítica). Gioda es-creveu sobre Botero; mais recentemente, ensaios, etc. Por causadeste artigo, Zanette poderia entrar no parágrafo dos "italianosmesquinhos".

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Regionalismo. Cf. LEONARDO OISCHKI, "Kulturgeogra-phie Italiens", in Preussische Iahrbücher, janeiro de 1927,págs. 19-36. O Leonardo de fevereiro de 1927 o julga: "Vi-vaz e muito bem feito estudo do regionalismo italiano, deseus aspectos presentes e de suas raízes históricas" .

Intelectuais Italiano:no Exterior

História nacional e história da cultura (européia ou mun-dial). A atividade dos elementos dirigentes que operaramno exterior, bem como a atividade da emigração moderna,não podem ser incorporadas à história nacional, como o deveser, ao contrário, a atividade de elementos similares em ou-tras condições. Urna classe de um país pode servir numoutro pals, mantendo suas ligações nacionais e estatais origi-nárias, isto é, como expressão da influência política do paísde origem. Durante um certo tempo, os missionários ou oclero nos paises do Oriente exprimiam a influência francesa,ainda que este clero apenas parcialmente fosse constituidopor cidadãos franceses, influência devida às ligações entrea França e o Vaticano. Um estado-maior organiza as f or-ças armadas de um outro país, encarregando do trabalhotécnicos militares dé seu grupo, que não perdem — muitopelo contrário -- sua nacionalidade. Os intelectuais de umpaís influenciam a cultura de um outro pals e a dirigem.Uma emigração de trabalhadores coloniza um país sob a di-reção direta ou indireta de sua própria classe econõmica epolítica dirigente. A força expansiva, a influência históricade uma nação, não pode ser medida pela intervenção indivi-dual de pessoas singulares, mas pelo fato de que estas pes-soas singulares expressem consciente e organicamente umbloco social nacional. Se assim não ocorre, deve-se falar tão-

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somente de fenômenos de uma certa importância cultural per-tencentes a fenômenos históricos mais complexos, como o queocorre na Itália, durante muitos séculos: o de ser a origem"territorial" de elementos dirigentes cosmopolitas e de conti-nuar parcialmente a sé-lo pelo fato de que a alta hierarquiacatólica é italiana em sua maior parte. Historicamente, estafunção internacional foi a causa da debilidade nacional e es-tatal: o desenvolvimento das capacidades não ocorreu emfunção das necessidades nacionais, mas das internacionais;por isso, o processo de especialização técnica dos intelectuaisseguiu caminhos anormais do ponto de vista nacional, já queserviu para criar o equilibrio de atividades e de ramos de ati-vidades não de uma comunidade nacional, mas de uma co-munidade mais ampla que queria "integrar" seus quadros na-cionais. Este ponto deve ser bem desenvolvido, com preci-são e exatidão.

Intelectuais estrangeiros na Itália. Um outro aspecto dafunção cosmopolita dos intelectuais italianos que deve ser es-tudado, ou pelo menos referido, é o que se desenrola na pró-pria Itália, atraindo estudantes para as universidades e estu-diosos que pretendiam se aperfeiçoar. Neste fenômeno deimigração de intelectuais estrangeiros para a Itália, deve-sedistinguir dois aspectos: imigração para ver a Itália comoterritório-museu da história passada, que foi permanente eque ainda dura com maior ou menor amplitude, a dependerda época; a imigração para assimilar a cultura viva sob a guiados intelectuais italianos vivos. E esta segunda que inte-ressa para a investigação em pauta. Como e por que ocorreque, num certo momento, sejam os italianos a emigrar e nãoos estrangeiros a vir para a Itália? (Com a relativa exceçãodos intelectuais eclesiásticos, cujo ensino na Itália continuaa atrair discípulos para nosso País até hoje; neste caso, po-rém, deve-se Levar em conta que o centro romano tem-seinternacionalizado relativamente.) Este ponto histórico é damáxima importância; os outros paises adquirem consciêncianacional e querem organizar uma cultura nacional, a cosmó-pole medieval entra em decadência, a Italia como territórioperde sua função de centro internacional de cultura, não se

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nacionaliza por si mesmo, mas seus intelectuais continuam adesempenhar a função cosmopolita, afastando-se do ter-ritório e agrupando-se no exterior.

Debilidade nacional da classe dirigente. Antes da Re-volução Francesa, isto é, antes que se constituísse orgânica-mente uma classe dirigente nacional, havia uma emigraçãode elementos italianos representantes da técnica e da capa-cidade diretiva, element que enriqueceram os Estados eu-ropeus com sua contribu a o. Após a formação de uma bur-guesia nacional e do advento do capitalismo, iniciou-se a emi-gração do povo trabalhador, que ia aumentar a mais-valiados capitalismos estrangeiros: a debilidade nacional da classedirigente, assim, atuou sempre negativamente. Ela não em-prestou disciplina nacional ao povo, não o fez sair do muni-cipalismo no sentido de uma unidade superior, não criou umasituação econômica que reabsorvesse as forças de trabalhoemigradas, de modo que estes elementos se perderam, emgrande parte, incorporando-se às nações estrangeiras em fun-ções subalternas."

Desaparecimento da Função cosmopolita dos intelectuaisitalianos. Poder-se-ia, talvez, fazer coincidir o desapareci-mento da função cosmopolita dos intelectuais italianos como florescimento dos aventureiros do Século XVIII: a Itália,num certo momento, não mais fornece técnicos à Europa —ou por já terem as outras nações elaborado uma classe cultaprópria, ou pelo fato da Itália não mais produzir capacidadesà medida em que nos afastamos do Sécluo XVI; e os ca-minhos tradicionais de "fazer fortuna" no exterior são per-

" "Pour Nietzsche, l'intellectuel est 'chez lui', non pas là où il estné (la naissance, c'est de ihistoiré ), mais là où lui-même engendreet met au monde: Uber pater sum, ibi patria, 'là où je suis père, oùj'engendre, ld est nia patrie', et non pas où il fut engendré. STEFANzamia, "Influence du Sud sur Nietzsche", Nouvelles Littéraires, 19 dejulho de 1930 (trata-se, talvez, de um capitulo de um livro traduzidopor A1zir Hella e Olivier Bounrac).

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corridos agora por charlatães que exploram a tradição. De-ve-se examinar este problema e colocá-lo em termos exatos.

A pátria de Cristóvão Colombo. O particular chauvinis-me italiano tem uma de suas manifestações na literatura quereivindica as invenções, as descobertas científicas. Falo do"espirito" com o qual estas reivindicações são feitas, não dofenómeno em si: não se trata, em suma, de contribuições àhistória da técnica e da ciência, mas de "fragmentos" jorna-lísticos de cor chauvinista. Penso que muitas reivindicaçõessão... ociosas, no sentido de que não é suficiente ter dadoo impulso inicial, sendo necessário saber tirar dele todas asconseqüências e aplicações práticas. De outro modo, chegar-se-ia à conclusão de que nunca se inventou nada, pois... oschineses já conheciam tudo. No que toca a muitas reivindi-cações, estes especialistas (como é o caso de Savorgan deBrazzà) de glórias nacionais não percebem que estão em-prestando à Itália a função da China. Em torno deste pro-blema, pode-se reunir toda a literatura sobre a pátria deCristóvão Colombo. Ao que me parece, trata-se de uma li-teratura completamente inútil e ociosa. A questão deveriaser colocada do seguinte modo: por que nenhum Estado ita-liano ajudou Cristóvão Colombo, ou por que Colombo nãose dirigiu a nenhum Estado italiano? Em que consiste, por-tanto, o elemento "nacional" da descoberta da América? Onascimento de Cristóvão Colombo neste e não naquele pontoda Europa tem um valor episódico e casual, pois ele próprionão se sentia ligado a um Estado italiano. A questão, a meuver, deveria ser definida historicamente, estabelecendo-se quea Itália desempenhou, durante muitos séculos, uma funçãointernacional-européia. Os intelectuais e os especialistas ita-lianos eram cosmopolitas e não italianos, não nacionais. Ho-mens de Estado, capitães, almirantes, cientistas, navegadoresitalianos não tinham um caráter nacional, mas sim cosmopolita.Não vejo porque este fato deva diminuir sua grandeza ouminimizar a história italiana, que foi aquilo que foi, e não a

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fantasia doh poetas ou a retórica dos declamadores; ter umafunção européia, eis a característica do "génio italiano", doSéculo XV à Revolução Francesa.

Individuos e nações. A respeito da questão das glóriasnacionais ligadas às invenções de individuos geniais, cujasdescobertas e invenções, porém, não tiveram aplicação ou re-conhecimento no país de origem, pode-se observar ainda oseguinte: que as invenções e descobertas podem ser, e o sãofreqüentemente, casuais; e o só isso, mas que os invento-res individuais podem ser ligados a correntes culturais e cien-tificas que tiveram origem e desenvolvimento em outros pai-ses, em outras nações. Por isso, uma invenção ou descobertaperde o caráter individual e casual e pode ser julgada nacio-nal quando o individuo fõr estreita e necessàriamente ligadoa uma organização de cultura que tenha caráter nacional, ouquando a invenção for aprofundada, aplicada, desenvolvidaem todas as suas possibilidades pela organização cultural danação de origem. Fora destas condições, não resta senão oelemento "raça", isto é, uma entidade imponderável, que podeademais ser reivindicada por todos os paises e que se con-funde, em última análise, com a chamada "natureza huma-na". Pode-se, portanto, chamar de "nacional" o individuoque é conseqüência da realidade concreta nacional ou que ini-cia uma fase determinada da operosidade prática ou teóricanacional. Seria necessário, após isso, ressaltar o fato de queuma nova descoberta que. se conserva cómo algo inerte nãoé um valor: a "originalidade" consiste tanto em "descobrir"quanto em "aprofundar", em "desenvolver" e em "socializar",isto é, em transformar em elemento de cultura universal; mas,precisamente nestes campos, manifesta-se a energia nacional,que é coletiva, que é o conjunto das relações internas de umanação.

Técnicos militares italianos e arte militar italiana. Naguerra de Flandres, travada pelos espanhóis no fim do Sé-culo XVI, uma grande parte do elemento técnico-militar e dogénio era constituida por italianos. Capitães de grande fama,como Alessandro Farnese, duque de Parma, Ranuccio Far-

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nese, Ambrogio Spinola, Paciotto da Urbino, Giorgio Basta,Giambattista del Monte, Pompeo Giustiniano, CristoforoMondragone e muitos outros menores. A cidade de Namurfoi fortificada por dois engenheiros italianos: Gabrio Serbel-loni e Scipione Campi."

Nesta pesquisa sobre a função cosmopolita das classescultas italianas, deve-se levar particularmente em conta a con-tribuição de técnicos militares, por causa do valor mais estri-tamente "nacional" que sempre teve o serviço militar. Aquestão se liga a outras pesquisas: como se tinham formadoestas capacidades militares? A burguesia das Comunas tevetambém uma origem militar, no sentido de que sua organiza-ção de classe foi originariamente também militar, bem comono sentido de que, através de sua função militar, conseguiutomar o poder. Esta tradição militar se quebrou depois dachegada ao poder, depois que a Comuna aristocrática se tor-nou Comuna burguesa. Como, por quê? Como se formaramas companhias aventureiras, e mediante quais origens neccs-sárias? De que condição social, em sua maioria, eram oscondottieri? Ao que me parece, eram pequenos nobres; masde que nobreza? Da feudal ou da mercantil? Como se haviamformado estes chefes militares do fim do Século XVI e dosséculos posteriores?

Naturalmente, o fato de que os italianos tenham parti-cipado com tanta validade na guerra da Contra-Reforma temum significado particular; mas participaram também na de-fesa dos protestantes? Não se deve confundir esta contri-buição de técnicos militares com a função desempenhada

14 (Cf. "Um general de cavalaria (talo-albanés: Giorgio Basta", deEUGENIO BAEBAEICH, na Nuooa Antologia de 18 de agosto de 1928.)"Em 1563, durante a guerra civil contra os huguenotes, no assédiode Orléans — empreendido pelo Duque de -Guisa — o engenheiro mi-litar Bartolomeo Campi de Pesaro, que tinha no exército atacante o car-go que ora chamaríamos de `comandante da engenharia', mandou fa-bricar uma grande quantidade de pequenos sacos que, cheios de terra,foram conduzidos nas costas dos soldados até formarem em pouco tem-po uma barricada e, enquanto esperavam o momento de atacar, osassaltantes permaneceram protegidos das ofensivas dos que se defen-diam" ( ENmco aneen, "Um notável aspecto das campanhas de Césarnas Gálias", Nueva Antologia, 1° de janeiro de 1929).

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pelos suíços, por exemplo, como mercenários internacionais,ou pelos cavaleiros alemães na França (reitres) ou pelos ar-queiros escoceses na própria França; e isto precisamente por-que os italianos não forneceram apenas técnicos militares,mas técnicos do génio (engenheiros), da política, da diplo-macia, etc.

Barbarich (creio mesmo que ele seja general) concluiseu artigo sobre ' Basta com este período: "A longa práticade quarenta anos de campanhas nas ásperas guerras de Flan-dres, da França e da T ansilvãnia, proporcionaram a Gior-gio Basta uma extraorct ria confirmação prática á sua lú-cida e clara teoria, que foi retomada por Montecuccoli. Re-cordar hoje uma e outra é obra de reivindicação históricadevida, de boa propaganda solícita de nossas tradições, asquais afirmam a indiscutida e luminosa prioridade da artemilitar italiana nos grandes exércitos modernos".

Mas pode-se falar neste caso de uma arte militar italia-na? Do ponto de vista da história da cultura, pode ser inte-ressante saber que Farnese era italiano, Napoleão corso ouRothschild judeu; historicamente, contudo, suas atividadesindividuais foram incorporadas ao Estado no qual serviramou à sociedade na qual atuaram. O exemplo dos judeus podefornecer um elemento de orientação para julgar a atividadedestes italianos, mas só até um certo ponto: na realidade,os judeus tiveram um caráter nacional maior do que estesitalianos, no sentido de que existia na ação daqueles umapreocupação de caráter nacional que não existia nestes ita-lianos. Pode-se falar de tradição nacional quando a genia-lidade individual é incorporada ativamente, isto é, política esocialmente, à nação da qual saiu o indivíduo,' s quando elatransforma o próprio povo e lhe imprime um movimento queforma precisamente a tradição. Onde existe umá continui-dade deste tipo entre Farnese e hoje? As transformações, asatualizações, as inovações trazidas por estes técnicos militaresà sua arte incorporaram-se na tradição francesa, espanholaou austríaca: na Itália, tornaram-se números de catálogos bi-bliográficos.

15 Os estudos sobre o judaísmo e sua função internacional podem for-necer muitos elementos de caráter teórico para esta investigação.

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O exílio político na Idade Média. Em que medida aatração para toda a Europa de personalidades italianas emi-nentes e medíocres (mas de um certo vigor de caráter) de-veu-se aos resultados das lutas internas das facções comu-nais, isto é, ao exílio político? Este fenômeno foi persisten-te após a segunda metade do Século XIII: lutas comunaiscom dispersão das facções vencidas, lutas contra os princi-pados, elementos de protestantismo, etc., até 1848; no Sé-culo XIX, o exílio politico muda de caráter, pois os exiladossão nacionalistas e não se deixam absorver pelos países paraos quais emigram (nem todos, porém: que se recorde AntônioPanizzi, que se tomou diretor do British Museum e barão in-glês). Deve-se levar em conta este elemento, mas ele nãoé certamente o que prevalece no fenômeno geral.

Assim, num certo periodo, deve-se levar em conta o fatode que os príncipes italianos casavam suas filhas com prínci-pes estrangeiros, e cada nova rainha de origem italiana leva-va consigo um certo número de literatos, artistas, cientistasitalianos (para a França com as Médices, para a Espanhacom a Farnese, para a Hungria, etc.), além de se tornaremum centro de atração depois da subida ao trono.

Todos estes fenômenos devem ser estudados, devendo-se ainda fixar exatamente sua importância relativa, de modoa dar o valor merecido ao fato fundamental. No artigo sobre"Petrarca em Montpellier", na Nuova Antologia de 16 dejulho de 1929, Carlo Segrè recorda como ser Petracco, ba-nido de Florença e estabelecido em Carpentras, pretendeuque seu filho freqüentasse a Universidade de Montpellier afim de aprender a atividade jurídica. "A escolha, ademais,era das melhores, pois na Itália e no sul da França era entãoenorme a procura de juristas; por parte de príncipes e degovernos municipais, que lhes empregavam como juízes, ma-gistrados, embaixadores ou assessores; além disso, restava-lhes franqueado o exercício privado da advocacia, menos ho-norífico mas sempre vantajoso para quem não carecesse dedesembaraço". A Universidade de Montpellier foi fundadaem 1160 pelo jurista Piacentino,. que se havia formado emBolonha e tinha levado para a Provença os métodos de en-sino de Irnerio (este Piacentino, porém, era italiano?. Ê pre-ciso sempre investigar, pois os nomes italianos podem serapelido ou italianizações). Por certo, muitos italianos foram

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requisitados ido exterior para organizarem aí universidadesbaseadas nos modelos bolonhês, paduano, etc.

Um "Dicionário dos italianos no exterior". Cesare Bal-bo escrevera: "Uma história inteira, magnífica e peculiar àItália deveria ser feita a respeito dos italianos fora da Itá-lia". Em 1890, foi publicado um esboço de Dicionário dositalianos no exterior, como obra póstuma de Leo Benvenuti(um estudioso modesto). No prefácio, Benvenuti observavaque, dadas as condiçõ&*las pesquisas biográficas em suaépoca, não seria possível ir além de um indice, que deveriaservir para quem pretendesse escrever a história. As cate-gorias nas quais Benvenuti subdivide o elenco onomástico (asprincipais) são: embaixadores, antiquários, arquitetos, artis-tas (dramáticos, coreográficos, acrobatas), astrônomos, botâ-nicos, cantores, eruditos, filósofos, físicos, geógrafos, juris-tas, gravadores, engenheiros (civis e militares), lingüistas,professores, matemáticos, médicos e cirurgiões, professoresde música, comerciantes, missionários, naturalistas, núnciosapostólicos, pintores, escultores e poetas, soldados (maríti-mos e terrestres), soberanos, historiadores, teólogos, eclesiás-ticos, viajantes, estatísticos.

Como se observa, Benvenuti não tinha outro ponto devista além do da nacionalidade, e sua obra -- se completateria sido um recenseamento dos italianos no exterior. A meuver, a pesquisa deve ser de caráter qualitativo, isto é, deveestudar como as classes dirigentes (políticas e culturais) deuma série de países foram reforçadas por elementos italianos,os quais contribuíram para criar uma civilização nacional detais países, ao passo que na Itália inexistia precisamente umaclasse nacional, que não conseguia se formar: é esta emigra-ção de elementos dirigentes que representa um fato histó-rico peculiar, correspondente à impossibilidade italiana deutilizar e unificar seus cidadãos mais enérgicos e empreen-dedores. Benvenuti partia do ano 1000.

Promovida pelo chefe do governo, confiada ao Ministé-rio dos Negócios Exteriores, com a colaboração do Real Ins-tituto de Arqueologia e História da Arte, está em prepara-ção uma volumosíssima publicação, intitulada A obra do gé-

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neo italiano no exterior. A idéia, ao que parece, foi sugeridapor Gioacchino Volpe, que deve ter escrito o programa daobra. Num discurso da Academia, Volpe anunciou previa-mente este trabalho. 18 No programa, se lé: "A história dogénio italiano no exterior, que pretendemos narrar, negligen-cia os tempos antigos que nós destacamos de séculos obscurose pane da civilização que, iniciada após o Século XI, atingiu(ainda que com altos e baixos) nossos dias, renovada porconquistas ideais e políticas, e de onde resulta a moderna uni-dade da alma e da pátria italianas. Sera uma obra objetiva,isenta de antagonismos e de polémicas, mas de justa cele-bração, já que o génio italiano -- considerado em seu con-junto — operou no mundo para o bem de todos". A obraserá dividida em doze séries, as quais são indicadas em ordemprogressiva, advertindo-se que cada série compreenderá umou mais volumes, distribuidos em princípio de acordo com ocritério geográfico. As doze séries seriam: 1) Artistas detodas as artes; 2) Musicistas; 3) Literatos; 4) Arquitetosmilitares; 5) Pessoas ligadas à guerra; 6) Pessoas ligadasà navegação marítima; 7) Exploradores e Viajantes; 8)Principes: 9) Políticos; 10) Santos sacerdotes missionários;11) Cientistas; 12) Banqueiros, comerciantes, colonizadores.A obra será ricamente ilustrada. A Comissão Diretora écomposta pelo Prof. Giulio Quirino Giglioli, por S. E. Vin-cenzo Lojacono e pelo Sen. Corrado Ricci. O Secretário-Geral da Comissão é o Barão Giovanni Di Siura. A ediçãoserá de 1000 exemplares, dos quais 50 de luxo. (Estas no-tícias são extraídas do Marzocco, de 6 de março de 1932.)

Na Italia che scrive de outubro de 1929, Dino Proven-zal -- na rubrica "Libri da fare" -- propõe Uma históriados intelectuais italianos fora da Itália, e escreve: "Exigia-oCesare Balbo há muitas anos, como recorda Croce em suarecente História da época barroca na Itália. Quem colhessenotícias. amplas, seguras, documentadas, a respeito da obra

re Gioacchino Volpe, no artigo (discurso) " O primeiro ano da Aca-demia Italiana" (Nuooa Antologia, 16 de junho de 1930), na pág. 494,entre os livros de história que a Academia (Seção de Ciências Morais-Históricas) desejaria que fossem escritos, indica: "Livros dedicadosàquela admirável irradiação de nossa'cultura, ocorrida entre os SéculosXV e XVII, da Itália para a Europa, ao passo que partiam da Euro-pa para a Itália as novas invasões e domínios".

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de nossos èonterráneos exilados, ou simplesmente emigrados,revelaria um lado ainda desconhecido da aptidão que os ita-lianos sempre possuíram de divulgar idéias e de construirobras em todas as partes do mundo. Croce, ao recordar oprojeto de Balbo, diz que esta não seria uma história daItalia. Depende de como se compreenda o problema: é, porcerto, uma história do pensamento e do trabalho italianós".

Nem Croce nem Provenzal entendem o que poderla seresta pesquisa. Ver e estudar esta parte de Croce, que obser-va o fenómeno, ao . parece, como estreitamente ligado (ouexclusivamente ligadê) à Contra-Reforma e às condições daItalia no Século XVII. Ora, ao contrário, é certo que preci-samente a Contra-Reforma devia acentuar automaticamenteo caráter cosmopolita dos intelectuais italianos e sua sepa-ração da vida nacional: Botero, Campanella, etc., são polí-ticos "europeus", etc.

Trecho de um artigo de Arturo Pompeati ("Tres sé-culos de italianismo na Europa", Marzocco, 6 de março de1932) sobre o livro de Antero Meozzi. Ação e difusão daliteratura italiana na Europa (Séculos XV-XVII, Pisa, Valle-rini, 1932, in 80, págs. XXXII-304): "E o primeiro volumede uma série. O livro é composto de três longos capítulos:'Os italianos no exterior', 'Estrangeiros na Itália', 'Os cami-nhos de difusão do italianismo'. Capítulo por capitulo, assubdivisões são metódicas: pals por pals, as correntes, osgrupos, os escritores e não-escritores emigrados da Itália ouimigrados para a Itália; e, no último capítulo, os tradutores,os divulgadores, os imitadores de nossa literatura, género porgénero, autor por autor. O livro tem o andamento de umrepertório de nomes, aos quais corresponde — nas notas --a bibliografia relativa. São fornecidos, assim, os materiais da'hegemonia' literária italiana, que durou precisamente trêsséculos, do XV ao XVII, quando começou a. reação antiita-liana; depois, não mais se pode falar de influências italianasna Europa".

A expressão "hegemonia" é aqui errada, pois os inte-lectuais italianos não exerceram influência como grupo nacio-nal, mas cada indivíduo diretamente, não por emigração de

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massa. Pompeati elogia o livro de Meozzi, seja pela coletados materiais, seja pelos critérios de pesquisa e pela ideolo-gia moderada. E evidente que, sob muitos aspectos, Meozzise coloca problemas inexistentes ou retóricos. Muito severo,pelo contrário, é Croce na Critica de maio de 1931. SegundoCroce, o livro de Meozzi é uma futilidade inútil, uma áridacoletânea de nomes e de informações nem novas nem ori-ginais: "O autor compilou de livros e artigos conhecidissi-mos e, não tendo realizado pesquisas originais em alguns dosvários campos que aborda, não sendo especialista neles, com-pilou sem discernimento". "Inclusive a exatidão material dasinformações e das citações deixa muito a desejar". Croceindica uma série de erros de fato e de método bastante gra-ves. Todavia, o livro de Meozzi poderia ser útil para estarubrica como material para uma primeira aproximação.

Comerciantes de Lucca na França. No Bolletino storicolucchese de 1929 ou dos inicios de 1930, apareceu um estu-do de Eugenio Lazzareschi sobre as relações dos mercadoresde Lucca com a França, na Idade Média. Os habitantes deLucca, freqüentando ininterruptamente, a partir do SéculoXII, os grandes mercados urbanos e as famosas feiras deFlandres e da França, haviam-se tomado proprietários deamplas glebas, agentes comerciais e fornecedores das coroasda França e da Borgonha, funcionários e contratantes nasadministrações civis e financeiras; tinham contraído casamen-tos ilustres e eram tão bem aclimatados na França que po-diam dizer agora que tinham duas pátrias: Lucca e a França.Por isso, um deles, Galvano Trenta, no inicio de 1411, escre-via a Paolo Guinigi para que este pedisse ao novo Papa,recém-eleito, que se dirigisse ao rei da França no sentidode solicitar que todo originário de Lucca fosse reconhecidocomo "burguês" de Paris.

Pippo Spano na Hungria. O Marzocco de 4 de outubrode 1931 resume um artigo do Dr. Ladislao Holik-Barabàs,

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publicado nà illustrazione Toscana, sobre Fillipo Scolari, ditoPippo Spano, que foi "uma das mais características figurasentre os italianos que levaram extraordinárias energias paralonge da pátria conquistando postos eminentes nos paises emque escolheram viver". Scolari foi, sucessivamente, intenden-te das minas, posteriormente libertador do soberano (ReiSigismundo da Hungria), Conde de Temesvar, governadorgeral da Hungria e comandante militar dos húngaros contraos turcos. Pippo Spano Nrreu em 27 de dezembro de 1426.

A diplomacia, profissão liberal. Cf. RENAUD PRZEZDZIE-cm, "Embaixadores venezianos na Polônia", Nueva Antolo-gia de P de julho de 1930: "A falta de uma unidade nacional,de uma dinastia única, criava entre os italianos um estadode espirito independente, pelo qual cada pessoa que fosse do-tada de capacidades políticas e diplomáticas as consideravacomo um talento pessoal, que — de acordo com seu interes-se -- podia colocar a serviço de qualquer causa, do mesmomodo como os capitani di ventura dispunham de sua espada.A diplomacia, considerada como uma profissão liberal, cria-va assim nos Séculos XVII e XVIII o tipo do diplomata sempátria, do qual o mais clássico exemplo é, provavelmente, oCardeal Mazzarino". A diplomacia, segundo Przezdziecki,teria encontrado na Itália um terreno natural para nascer ese desenvolver: 1) velha cultura; 2) fracionamento "esta-tal", que dava lugar a contrastes e lutas políticas e comer-ciais, favorecendo portanto o desenvolvimento das capacida-des diplomáticas. Na Polónia, encontramos diplomatas ita-lianos a serviço de outros Estados; um prelado florentino,Monsenhor Bonzi, foi embaixador da França em Varsóvia,de 1664 a 1669; um Marqués de Monte, bolonhês, foi em-baixador de Luis XV junto a Stanislau Lesczynski; um Mar-qués Lucchesini foi ministro plenipotenciário do rei da Prús-sia em Varsóvia, no fim do Século XVIII. Os reis da Po-lônia serviram-se, freqüentemente, das habilidades diplomá-ticas dos italianos, ainda que a nobreza polonesa tivesse

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aprovado leis que vetavam aos soberanos confiar funçõespúblicas a estrangeiros. Ladislau Jagellone, no principio doSéculo XV, havia encarregado um certo Giacomo de Para-vesino de missões diplomáticas, como seu embaixador emVeneza, Milão e Mantova. O humanista florentino FilippoBuonaccorsi da Fiesole, dito Callimaco, após ter sido peda-gogo dos filhos de Cassimiro III, tornou-se embaixador desserei junto a Sisto IV; a Inocencio VIII, à República de Ve-neza e ao Sultão. No Século XVI, foram embaixadores po-loneses, em vários Estados, Luigi del Monte, Pietro degliAngeli, os irmãos Magni de Como. No Século XVI, Do-menico Roncalli foi ministro de Ladislau IV em Paris e ne-gociou o casamento daquele soberano com Luisa Maria Gon-zaga; Francesco Bibboni foi embaixador polonês em Madri,Andrea Bollo foi ministro da Polônia junto á República deGênova e um certo Dall'Oglio foi encarregado de negóciosem Veneza no fim do Século XVIII. Entre os representan-tes poloneses junto à Santa Sé, encontramos também — nasegunda metade do Século XVIII -- um Cardeal Antici eum Conde de Lagnasco. Os italianos criaram a diplomaciamoderna; a Santa Sé, durante muitos séculos, foi árbitro emgrande parte da política mundial, foi a primeira a instituirnunciaturas estáveis; e a República de Veneza foi o primeiroEstado a organizar um serviço diplomático regular.

que os Panini (briginários de Lucca) foram o tronco da famíliados condes Panin.

Europa, América, Asia

Povo e intelectuais modernos nos vários países. Quan-do principia a vida cultural nos vários países do mundo e daEuropa? O que nós dividimos em "história antiga", "me-dieval" e "moderna", como se pode aplicar aos diversos paí-ses? Estas fases diversas da história mundial foram absor-vidas pelos intelectuais modernos, inclusive pelos dos paisesque só recentemente entraram na vida cultural. Todavia, ofato dá lugar a atritos. As civilizações da India e da Chinaresistem á introdução da civilização ocidental, a qual, nãoobstante, sob uma ou outra forma, terminará por vencer.Podem aquelas civilizações originais decair subitamente àcondição de folclore, de superstição? Este fato não poderá,porém, acelerar a ruptura entre povo e intelectuais, bem comoa expressão por parte do povo de novos intelectuais forma-dos na esfera do materialismo histórico?

Italianos na Rússia. Cf. artigo de FERDINANDO NUNZIAN-

TE, "Os italianos na Rússia durante o Século XVIII", na NuovaAntologia de 16 de julho de 1929. Artigo medíocre e superficial,sem indicação de fontes no que toca às informações prestadas.Podem-se tirar dele motivos e indicações genéricas. J£ havia de-clinado a importância dos intelectuais italianos e se iniciava aépoca dos aventureiros. Nunziante escreve sobre a Rússia doSéculo XVIII: "Da Alemanha, vinham engenheiros e generaispara o exército; da Inglater ra, almirantes para a armada; da Fran-ça, bailarinos e filósofos, cozinheiros e enciclopedistas; da Itália,principalmente pintores, mestres de capela e cantores". Ele recorda

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Nacionalismo e particularismo. Um artigo de JULIENBENDA nas Nouvelles Littéraires de 2 de novembro de 1929,intitulado "Comment un écrivain sert-il l'universel?", é umcorolário do livro A traição dos intelectuais. Refere-se a umaobra recente, Esprit und Geist de Weschseler, na qual sebusca demonstrar a nacionalidade do pensamento e explicarque o Geist alemão é muito diferente do esprit francês; con-vida os alemães a não esquecerem deste particularismo deseu cérebro e, todavia, acredita trabalhar para a união dospovos em virtude de um pensamento de André Gide, se-gundo o . qual se serve melhor ao interesse geral na medida

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em que se é mais particular. Benda recorda o manifesto dos54 escritores franceses publicado no Figaro de 19 de julhode 1919, "Manifeste du parti de l'Intelligence", no qual seafirmava: "N'est-ce pas en se nationalisant qu'une littératureprend une signification plus universelle, un interés plus hu-mainement généralt'

Segundo Benda, 'é justo que se serve melhor ao univer-sal na medida em que se é mais particular. Mas uma coisaé ser particular, outra é pregar o particularismo. Aqui resideo equívoco do nacionalismo, que -- na base deste equivoco --pretende freqüentemente ser o verdadeiro universalista, overdadeiro pacifista. Ou seja, nacional é diferente de na-cionalista. Goethe era ""nacional" alemão, Stendhal "nacio-nal " francês, mas nenhum dos dois era nacionalista. Umaidéia não é eficaz se não for expressa de alguma maneira,artisticamente, isto é, particularmente. Mas um espírito éparticular na medida em que é nacional? A nacionalidade éuma particularidade primária; mas o grande escritor se par-ticulariza ainda entre seus conterráneos e esta segunda "par-ticularidade" não é o prolongamento da primeira. Renan, en-quanto Renan, não é absolutamente uma conseqüência ne-cessária do espírito francês; ele é, em relação com este espí-rito, um evento original, arbitrário, imprevisível (como dizBergson) . Mas, não obstante, Renan permanece francés, domesmo modo como o homem, mesmo sendo homem, continuaa ser um mamífero; mas seu valor, como o do homem, resideprecisamente na sua diferença para com o grupo de ondenasceu.

É isto que, precisamente, os nacionalistas não aceitam;para eles, o valor dos grandes intelectuais, dos mestres, con-siste em sua semelhança com o espirito de seu grupo, em suafidelidade, em sua imediaticidade na expressão deste espí-rito (o qual, ademais, é definido como o espírito dos grandesintelectuais, dos mestres, pelo que termina-se sempre por terrazão).

Por que tantos escritores modernos atém-se tão intensa-mente à "alma nacional" que afirmam representar? É útil,para quem não tem personalidade, decretar que o essencialé ser nacional. Max Nordau escreve sobre alguém que ex-clamou: -Dizeis que nada sou. Pois bem; sou, entretanto,alguma coisa: sou um contemporâneo!" Assim, são muitos

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os que afirmam ser escritores francesissimos. Deste modo,constitui-se uma hierarquia e uma organização de fato e istoé o essencial de toda a questão: Benda, como Croce, exami-na a questão dos intelectuais abstraindo a situação de lassedos próprios intelectuais e a sua função, que se foi tomandocada vez mais precisa graças à enorme difusão do livro e daimprensa periódica.

Mas se esta posição é ex,i*ável nos mediocres, comoexplicó-la nas grandes personalidades? Talvez a explicaçãoseja coordenada: as grandes personalidades dirigem os me-diocres e transferem para eles, necessariamente, determina-dos preconceitos práticos que não causam dano às suas obras.Wagner (cf. o Ecce homo, de Nietzsche) sabia o que faziaquando afirmava que sua arte era expressão do gênio alemão,convidando assim toda uma raça a se aplaudir a si mesma emsuas obras.

Mas, em muitos, Benda vê como razão de tal fato acrença de que o espírito é bom na medida em que adota umacerta maneira coletiva de pensar, e mau quando busca seindividualizar. Quando Barrès escrevia que "c'est le rôle desmaîtres de justifier les habitudes et préjugés qui sont ceuxde la France, de manière à préparer pour le mieux nos en-fants à prendre leur rang dans la procession nationale", en-tendia precisamente que seu dever, bem como o dos pensa-dores franceses dignos deste nome, consistia em entrar tam-bém nesta procissão. Esta tendência teve efeitos desastro-sos na literatura (insinceridade) . Na politica, tal tendênciaà distinção nacional tornou-se uma guerra de almas nacio-nais, com suas características de profundidade passional ede ferocidade.

Benda conclui observando que toda esta trabalheira paramanter a nacionalização do espirito significa que o espíritoeuropeu está nascendq, bem como que é no sentido do espi-rito europeu que o artista deverá individualizar-se se quiserservir ao universal. A guerra demonstrou, precisamente, queestas atitudes nacionalistas não eram casuais ou devidas acausas intelectuais (erros lógicos, etc.) ; elas eram e são li-gadas a um determinado período histórico, no qual somentea união de todos os elementos nacionais pode ser uma con-dição de vitória. A luta intelectual, se conduzida fora de uma

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luta real que tenda a subverter esta situação, é estéril. éverdade que o espirito europeu está nascendo, e não somenteeuropeu, mas precisamente isto agudiza o caráter nationaldos intelectuais, particularmente do estrato mais elevado.

Os intelectuais franceses. Nas Nouvelles Littéraires de12 de outubro de 1929, num artigo intitulado "Deux épo-ques littéraires et d'angoisse: 1815-1830 et 1918-1930",Pierre Mille cita um artigo de André Berge na Révue desDeux Mondes, "L'Esprit de la littérature moderne"; na qualse assinala a inquietação das jovens gerações literárias fran-cesas: desilusão, mal-estar, inclusive desespero; não mais sesabe porque se vive, porque se está no mundo. SegundoMille, este estado de espirito se assemelha àquele de ondenasceu o romantismo, com a seguinte diferença: os român-ticos se libertavam dele graças à efusão literária, graças aolirismo, às "palavras" [mas isto é verdade? vários fatos se-guiram também o romantismo: 1830, 1831, 1848; existiu aefusão literária, mas não apenas ela]. Hoje, pelo contrário,as jovens gerações não crêem mais na literatura, no lirismo,na efusão verbal, dos quais têm horror: predomina o tédio,o desgosto. Para Mille, trata-se do seguinte: não foi tantoa guerra que mudou o mundo; trata-se de uma revoluçãosocial: formou-se um "supercapitalismo" que, aliado tacita-mente à classe operária e aos camponeses, ataca a velha bur-guesia. Mille quer dizer que, na França, existiu um ulteriordesenvolvimento intelectual e bancário e que a pequena emédia burguesias, que antes pareciam dominar, estão em cri-se; trata-se, portanto, de uma crise dos intelectuais.

A guerra e a Revolução Russa aceleraram o movimentoque já existia antes de agosto de 1914. Crise econômica dasclasses médias que "n'arrivent même pas à concevoir quevingtcinq francs ne valent plus que cent sous" e "voudraientque ce soit comme avant"; os operários que pensam: lá, noLeste, existe um pais onde o proletário é ditador; classes queeram dirigentes, no passado, e agora não mais dirigem, e quepor isso sonham com a Itália fascista. Mille escreve que émuito "oportuno" o que pergunta Emmanuel Berl, na Mortde la pensée bourgeoise, quando pretendia que os escritores.

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90% dos quais são burgueses, tivessem simpatia por aquelesque pretendem desapropriá-los!

Alguns traços do quadro me parecem exatos e interes-santes. A velha França pequeno-burguesa atravessa umacrise muito profunda, que ainda é mais moral, entretanto, doque imediatamente política.

Emmanuel Berl. Escreveu um livro, Mort de la penséebourgeoise, que provocou, ao que parece, um certo rebuliço.Em 1929, pronunciou em Médan — na casa de Zola umdiscurso por ocasião da peregrinação anual (creio) dos "Ami-gos de Zola" (democratas, Jeunesses laïques et républicaines,etc.) . "Após a morte de Zola e de Jaurès ninguém mais sabefalar do povo ao povo, e nossa `literatura de estetas' morrepor causa de seu egocentrismo". Zola na literatura e Jaurèsem política foram os últimos representantes do povo. PierreHamp fala do povo, mas seus livros são lidos pelos literatos.V. Margueritte é lido pelo povo, mas não fala do povo. Oúnico livro francês que continua Zola é Le feu, de HenriBarbusse, pois a guerra fizera renascer na França uma certafraternidade. Atualmente, o romance popular [que entendeele por romance popular?] separa-se cada vez mais da lite-ratura propriamente dita, que se tornou literatura de estetas.

A literatura, separada do povo, morre -- o proletariado,excluido da vida espiritual (!), "n'est plus fondé en digni-té" (perde sua dignidade) [é verdade que a literatura se afas-ta do povo e se toma fenômeno de casta; mas isto leva a umamaior dignidade do povo; a tradicional "fraternidade" não foisenão a expressão da bohème literária francesa, um certo mo-mento da cultura francesa por volta de 1848 e até 1870; teveum certo renascimento com Zola]. "Et autour de nous, noussentons croître cette famine du peuple, qui nous interrogesans que nous puissons lui répondre, qui nous presse sans quenous puissons le satisfaire, qui réclame une justification desa peine sans que nous plissons la lui donner. On dirait queles usines géantes déterminent une zone de silence de laquel-le l'ouvrier ne peut plus sortir et où l'intellectuel ne peut plusentrer. Tellement séparés que l'intellectuel, issu du milieu ou-vrier, n'en retrouve point l'accès". "La fidélité difficile, écrit

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Jean Guéhenno, peut-être la fidelité impossible. Le boursiern'établit nullement, comme on pouvait ¡espérer, un pont en-tre le prolétariat et la bourgeoisie. Un bourgeois de plus, etc'est bien. Mais ses frères cessent de le reconaitre. Ils nevoient plus en lui un des leurs. Comme le peuple ne partici-pe nullement aux modes d'expression des intellectuels, i[ faut,ou bien qu'il s'oppose à eux, qu'il constitue une sorte de na-tionalité avec son langage propre, ou bien qu'il n'ait pas delangage du tout et s'enlise dans une sorte de barbarie".* Aculpa é dos intelectuais, que se tornaram conformistas, aopasso que Zola era revolucionário (I), que se tornaram re-finados e preciosos no estilo, escritores de diários íntimos, aopasso que Zola era épico.

Mas o mundo se modificou. Zola conhecia um povo quehoje não existe mais, ou que, pelo menos, não tem mais amesma importância. Alto capitalismo: o operário tayloriza-do substitui o velho povo, que ainda não se distinguia muitobem da pequena-burguesia, e. que aparece em Zola, bem comoem Proudhon, em Victor Hugo, em George Sand, em E.Sue. Zola descreve a indústria nascente. Mas se a tarefado escritor é agora mais difícil, não deve por isso ser ne-gligenciada.

Portanto, retorno a Zola, retorno ao povo. "Avec Zoladonc ou avec rien, la fraternité ou la mort. Telle est notredevise. Tel notre drame. Et telle notre loi".**

o "E, em volta de nós, sentimos crescer esta fome do povo, que nosinterroga sem que possamos lhe responder, que nos pressiona sem queo possamos satisfazer, que reclama uma justificação de seu sofrimentosem que possamos dar-lha. Dir-se-ia que as fábricas gigantes determi-nam uma zona de silêncio, da qual o operário não pode mais sair eonde o intelectual não pode mais entrar. Tão separados, que o intelec-tual, saído do meio operário, não reencontra de modo algum o cami-nho para ele". "A fidelidade difícil — escreve Jean Guéhenno — pode sera fidelidade impossível. O rentista não estabelece absolutamente, como sepodia esperar, uma ponte entre o proletariado e a burguesia. Um bur-guês a mais, eis tudo. Mas seus irmãos deixam de reconhecê-lo. Nãomais vêem nele um dos seus. Dado que o povo não participa absoluta-mente dos modos de expressão dos intelectuais, é necessário ou queele se oponha a tais modos, que êle constitua uma espécie de naciona-lidade com sua linguagem pró ria, ou cJue ele não tenha linguagemalguma e caia numa espécie de barbárie'. (N. do T.)o "Portanto, ou com Zola ou com nada, a fraternidade ou a morte.Esta é nossa divisa. Este é nosso drama. E esta é nossa lei". (N. do T.)

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Os intelectuais na Espanha. Sobre a•.função desempe-nhada pelos intelectuais na Espanha antes da queda da mo-narquia, deve-se ver o livro do S. de Madariaga, Espanha,ensaio de história contemporánea, aos cuidados de Alessan-dro Schiavi, Laterza, Bari, W32. Deve existir, na Espanha,atualmente, uma ampla liter ura sobre o assunto, já que arepública '

se apresenta como uma república de intelectuais.O fenômeno espanhol tem características próprias, peculia-res, determinadas pela situação particular das massas cam-ponesas na Espanha. Contudo, deve-se aproximó-lo da fun-ção da intelligentzia russa, da função dos intelectuais italia-nos no Risorgimento, dos intelectuais alemães sob o dominiofrancês e dos enciclopedistas do Século XVIII. Mas, na Es-panha, a função 'dos intelectuais na política tem um caráterque é inconfundível e cujo estudo pode valer a pena.

Intelectuais alemães. 1) HANS FRANK, O direito é ainjustiça. Nove relatos que são nove exemplos visando a de-monstrar que summum jus, summa injuria. Frank não é umjovem que queira armar paradoxos: tem cinqüenta anos e foipublicada uma antologia de seus relatos de história alemãpara as escolas. Homem de fortes convicções. Combate odireito romano, a dura lex, e não apenas esta ou aquela leiinumana e antiquada, mas a própria noção de norma jurí-dica, de uma justiça abstrata que generaliza e codifica, de-fine o direito e pronuncia a sanção.

O caso de Hans Frank não é um caso individual: é osintoma de um estado de espírito. Um defensor do Ocidentepoderia ver nisso a revolta da "desordem alemã" contra aordem latina, da anarquia sentimental contra a regra da in-teligência. Mas os autores alemães a entendem antes comoa restauração de uma ordem natural sobre as ruínas de umaordem artificiosa. O exame pessoal, novamente, se opõe aoprincipio da autoridade, que é combatido em todas as suas for-mas: dogma religioso, poder monárquico, ensino oficial, es-tado militar, liame conjugal, prestígio paterno e, sobretudo,a justiça que protege estas instituições caducas, a qual nãoé senão coerção, pressão, deformação arbitrária da vida pú-blica e da natureza humana. O homem é infeliz e mau en-

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quanto é preso pela lei, pelo costume, pelas idéias adquiridas.$ preciso libertá-lo para salvá-lo. A virtude criadora da des-truição se tornou um artigo de fé.

Stefan Zweig, H. Mann, Remarque, Glaeser, LeonhardFrank...

2) LEONHARD FRANK, A razão: o herói assassina o seuex-professor, porque este tinha desfigurado sua alma: o autordefende a inocência do assassino.

3) FRANZ WERFEL: sustenta, num romance, que o as-sassino não é culpado, mas sim a vitima: nada existe nele deQuincey: trata-se de um ato moral. Um pai, general impe-rioso e brutal, destrói a vida do filho ao fazer dele um sol-dado sem vocação; não comete um delito de lesa-humanida-de? Deve ser imolado como sendo duas vezes usurpador:como chefe e como pai. Nasce assim o motivo do parricídioe sua apologia, a absolvição de Orestes; não em nome dapiedade pela culpa trágica, mas em razão de um imperativocategórico, de um monstruoso postulado moral. -- A teoriade Freud — o complexo de Édipo -- o ódio pelo pai -- pa-trão, modelo, rival, expressão primeira do principio de auto-ridade -- colocado na ordem das coisas naturais. (Cf.HAUPTMANN, Michael Kramer; e a novela de Jakob Wasser-mann, Um pai) . A influência de Freud sobre a literatura ale-mã é incalculável: ela está na base de uma nova ética re-volucionária (I) . Freud deu um novo aspecto ao conflitoeterno entre pais e filhos. A emancipação dos filhos da tu-tela paterna é a tese em voga entre os romancistas atuais.Os pais abdicam de seu "patriarcado" e fazem autocríticahonrosa diante dos filhos, cujo senso moral ingênuo é oúnico capaz de quebrar o contrato social tirânico e perverso,de abolir as coerções de um dever mentiroso.

4) WASSERMANN, Der Fall Mauritius, típico contra ajustiça.

Pequenas notas sobre a cultura inglesa. Guido Ferran-do, num artigo do Marzocco (17 de abril de 1932; "Novos li-vros e novas tendências na cultura inglesa"), analisa as mo-dificações orgânicas que se estão verificando na cultura in-glesa moderna, e que tem suas manifestações mais evidentes

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no campo editorial e na organização global das instituiçõesuniversitárias do Reino Unido. "...Na Inglaterra, cada vezmais se acentua uma pprientação no sentido de uma formade cultura técnica e Lhtífica, em prejuízo da cultura hu-manista".

"Na Inglaterra, até todo o século passado, poder-se-iaquase dizer que até à guerra mundial,. a finalidade educativamais alta que as melhores escolas se propunham era a de for-mar o gentleman. A palavra gentleman, como todos sabem,não corresponde ao gentiluomo italiano, e não pode ser tra-duzida com precisão em nossa língua; indica uma pessoa quetenha não só boas maneiras, mas que possua um sentido deequilibrio, um domínio seguro de si mesmo, uma disciplinamoral que lhe permita subordinar voluntariamente seu pró-prio interesse egoísta aos interesses mais vastos da socie-dade em que vive. O gentleman, portanto, é a pessoa culta,no significado mais nobre do termo, se por cultura entender-mos não simplesmente riqueza de conhecimentos intelectuais,mas capacidade de realizar o próprio dever e de compreenderseus semelhantes, respeitando todo princípio, toda opinião,toda fé que seja sinceramente professada".

Portanto, é evidente que a educação inglesa visava nãotanto a cultivar a mente, a enriquecê-la com vastos conheci-mentos, quanto a desenvolver o caráter, a preparar umaclasse aristocrática, cuja superioridade moral era instintiva-mente reconhecida e aceita pelas classes mais humildes. Aeducação superior ou universitária, inclusive porque muitocara, era reservada a poucos, aos filhos de famílias grandespela nobreza ou pelos rendimentos, sem por isso ser vetadaaos mais pobres, desde que obtivessem, graças ao talento,uma bolsa de estudos. Os outros, a grande maioria, deviamse contentar com uma instrução, boa sem dúvida, mas fun-damentalmente técnica e profissional, que os preparava paraos ofícios não diretivos, que mais tarde seriam chamados adesempenhar nas indústrias, no comércio, nas administraçõespúblicas. Até algumas décadas atrás, existiam na Inglaterra

apenas três grandes universidades completas -- Oxford, Cam-bridge e Londres — e uma menor em Durham. Para entrarem Oxford e em Cambridge, é preciso provir das chamadaspublic schools, que são tudo, menos públicas. A mais céle-

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bre destas escolas, a de Eton, fundada em 1440 por Henri-que VI para receber "setenta alunos pobres e indigentes",tomou-se. atualmente a mais aristocrática escola da Inglater-ra, com mais de mil alunos; existem ainda os setenta lugarespara internos, que dão direito à instrução e à manutençãogratuitas e são concedidos, mediante concurso, aos rapazesmais estudiosos; os outros são externos e pagam somasenormes.

"Os setenta colegiais... são os que, posteriormente, nauniversidade, se especializarão e se tomarão os futuros pro-fessores e cientistas; os outros mil, que em geral estudammenos, recebem uma educação principalmente moral e se tor-narão, através do crivo universitário, a classe dirigente, des-tinada a ocupar os mais altos postos no exército, na mari-nha, na vida política, na administração pública". "Esta con-cepção da educação, até agora dominante na Inglaterra, éde base humanista". Na maioria das public schools e nasuniversidades de Oxford e Cambridge, que mantiveram atradição da Idade Média e do Renascimento, "o conhecimen-to dos grandes autores gregos e latinos é considerado nãosomente útil, como indispensável para a formação do gen-tleman, do homem político; serve para lhes fornecer aquelesentido de equilíbrio, de harmonia, aquele refinamento degosto que são elementos integrantes da verdadeira cultura".A educação científica começa a predominar. "A cultura sedemocratiza e se nivela fatalmente".

Nos últimos trinta ou quarenta anos, surgiram novas uni-versidades nos grandes centros industriais: Manchester, Li-verpool, Birmingham, Sheffield, Leeds, Bristol; o País deGales quis sua universidade e a fundou em Bangor, com ra-mificações em Cardiff, Swansea e Aberystwith. Após aguerra, e nestes últimos anos, as universidades multiplica-ram-se ainda mais; em Hull, em Newcastle, em Southampton,em Exeter, em Reading, e se anunciam mais duas, em No-thingam e em Leicester. Em todos estes centros, a tendên-cia é a de emprestar á cultura um caráter fundamentalmentetécnico, a fim de satisfazer às necessidades de estudo dogrande público. As matérias que mais interessam são, alémdas ciências aplicadas, da física e da química, as profissio-nais, como medicina, engenharia, economia política, sociolo-gia etc. "Mesmo Oxford e Cambridge tiveram de fazer con-

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cessões, desenvolvendo cada vez mais a parte científica; alémdisso, instituíram os Extention Courses".

O movimento no sentido da nova cultura é geral: sur-gem escolas e instituições privadas, noturnas, para adultos,com um ensino híbrido mas essencialmente técnico e prático.Surge, enqu- to isso, toda uma literatura científica popular.Finalmente, admiração pela ciência é tão grande, que mes-mo os jovens das classes cultas e aristocráticas consideramos estudos clássicos como uma inútil perda de tempo. O fe-nômeno é mundial. Mas a Inglaterra resistira mais tempodo que outros países; agora, ela se encaminha para uma for-ma de cultura fundamentalmente técnica. "0 tipo do gen-tleman não tem mais razão de ser; representava o ideal daeducação inglesa quando a Grã-Bretanha, dominadora dosmares e dona dos grandes mercados do mundo, podia se per-mitir o luxo de uma política de espléndido isolamento e deuma cultura que tinha em si, indubitavelmente, um tom aris-tocrático. Hoje, as coisas se modificaram".

Perdida a supremacia naval e comercial, a Inglaterra éameaçada pela América inclusive na cultura. O livro ame-ricano foi comercializado com a cultura, tornando-se um com-petidor cada vez mais ameaçador do livro inglés. Os edito-res británicos, particularmente os que tem sucursais na Amé-rica, tiveram que adotar os métodos de propaganda e de di-vulgação americanos. "Na Inglaterra, o livro — precisamen-te porque mais lido e mais divulgado do que entre nós --exerce uma eficácia formativa e educativa notável, refletindomais fielmente do que entre nós a vida intelectual da nação" .Nesta vida intelectual está ocorrendo uma modificação.

Dos volumes publicados no primeiro trimestre de 1932(que cresceram numericamente, em comparação com o pri-meiro trimestre de 1931), o romance conserva o primeirolugar; o segundo não é mais ocupado pelos livros para crian-ças, mas por livros pedagógicos e educativos em geral, exis-tindo ademais um sensível aumento das obras históricas ebiográficas e dos volumes de caráter técnico e científico, so-bretudo populares.

Pelos volumes enviados à Feira Internacional do Livro,em Florença, podemos ver que os recentes livros de carátercultural são mais técnicos do que educativos, tendem a dis-

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cutir problemas cientificos e aspectos da vida social ou a for-necer conhecimentos, mais do que a formar o caráter.

Os ingleses e a religião. De um artigo da Civiltá Cat-tolica de 4 de janeiro de 1930, "A obra da graça numa re-cente conversão do anglicanismo", extraio esta citação dolivro de Vernon Johnson One Lord, one Faith (Um senhor,uma fé, Londres. Sheed and Ward, 1929). Johnson é pre-cisamente o convertido: "O ingles médio não pensa quasenunca na questão da autoridade em sua religião. Ele aceitaaquela forma de ensino da religião anglicana na qual foi for-mado, seja anglocatólica, seja latitudinarista, seja evangéli-ca, e segue-a até o momento em que começa a não satisfazersuas necessidades ou entra em conflito com sua opinião pes-soal. Por isso, sendo substancialmente honesto e sincero, nãoquerendo professar mais do que realmente crê, afasta tudoo que não pode aceitar e cria para si uma religião pessoalprópria". O escritor da Civiltà Cattolica continua, talvezparafraseando: "Ele (o inglés médio) considera a religiãocomo um negócio exclusivamente privado entre Deus e aalma, e -- nesta atitude — revela-se extremamente cautelo-so, desconfiado e arredio na admissão da intervenção dequalquer autoridade. Por isso, é cada' vez maior o númerodos que acolhem mais intensamente a dúvida em sua mente:será que os Evangelhos são verdadeiramente dignos de fé,que a religião cristã é obrigatória para todo o mundo e que épossível conhecer com certeza qual era realmente a doutrinade Cristo? Conseqüentemente, hesita em admitir que JesusCristo fosse verdadeiramente Deus". E ainda: "...A maiorde todas ( as dificuldades para o retomo dos ingleses àIgreja Romana) é o amor pela independência que tem cadainglês. Ele não admite nenhuma ingerência, muito menos emreligião è menos ainda por parte de um estrangeiro. O ins-tinto de que a independência nacional e a independência re-ligiosa são inseparáveis é inato e profundamente radicado emseu espirito. Ele sustenta que a Inglaterra jamais aceitaráuma Igreja governada por italianos".

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rSobre a civilização inglesa. Publicações sobre a literatura

inglesa de J.-J. JUSSERAND (História literária do povo inglés --Histoire littéraire, etc.) . A obra de Jusserand é fundamen-tal, mesmo para os historiadores ingleses. Jusserand foi di-plomata francés em Londres; havia sido aluno de GastonParis e de Hyppolite Taine. No momento de sua morte(cega de setembro de 1932), tinham sido publicados doisvolumes da obra principal de Jusserand, Histoire littérairedu peuple anglais; um terceiro volume, final, deveria acom-panhá-los. Outros trabalhos sobre a literatura inglesa e so-bre a história da cultura inglesa do mesmo autor.

Educação e língua no Império Inglés. Guido Ferrando,no Marzocco de 4 de outubro de 1931, publica um artigo —"Educação e colõnias" — do qual extraio alguns temas. Fer-rando assistiu a uma grande convenção, The British Common-wealth Education Conference, da qual participaram centenasde docentes de todos os níveis, desde mestres de ensino ele-mentar até professores universitários, provenientes de todasas partes do Império, do Canadá e da India, da Africa doSul e da Austrália, do Kenia e da Nova Zelândia, e que tevelugar em Londres no fim de julho. O Congresso se propôsdiscutir os verdadeiros aspectos do problema educativo ina changing Empire, num império em transformação; estavampresentes muitos conhecidíssimos educadores dos EstadosUnidos. Um dos temas fundamentais do Congresso era odo interracial understanding, o problema de como promovere desenvolver um melhor entendimento entre as diversas ra-ças, particularmente entre os europeus colonizadores e osafricanos e asiáticos colonizados. "Era interessante ver comquanta franqueza e com quanta agudeza dialética os repre-sentantes da India reprovavam aos ingleses sua incompreen-são para com o espirito indiano, a qual se revela naquelesentido quase de desgosto, naquela atitude de superioridadee de desprezo, que a maioria do povo británico tem aindahoje diante dos indianos e que durante a guerra, inclusive,levava os oficiais ingleses a se afastarem da mesa e a dei-xarem a sala quando entrava um oficial indiano".

Entre os vários temas discutidos, estava o da língua. Emsuma, tratava-se de decidir se era oportuno ensinar também

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às populações semi-selvagens da Africa a ler tomando porbase o inglés, ao invés de seu idioma nativo, se era melhormanter o bilingüismo ou tender — por meio da instrução --a fazer com que a língua indígena desaparecesse. OnusbyGore, ex-subsecretário para as colônias, sustenta que foi umerro tentar desnaturalizar as tribos africanas e se declaroufavorável a uma educação tendente a dar aos africanos osentido de sua própria dignidade de povo e a capacidade dese governarem por si mesmos. No debate que se seguiu àconferência de Onusby, "surpreenderam-me as breves decla-rações" de um africano, "acredito que um zulu, que se obsti-nou em afirmar que os seus (digamos assim) conterráneosnão tinham nenhum desejo de se tornarem europeus; sentia-se em suas palavras uma ponta de nacionalismo, um leve sen-tido de orgulho racial". "Não queremos ser ingleses"; a estegrito, que irrompia espontaneamente do peito dos represen-tantes dos nativos das colônias británicas da Africa e da Asia,fazia eco o outro grito dos representantes dos Dominions:"Não nos sentimos ingleses". Australianos e canadenses, ci-dadãos da Nova Zelandia e da Africa do Sul, estavam todosde acordo em afirmar esta sua independência, não somentepolítica, mas espiritual. O Prof. Cillie, diretor da Faculdadede Letras de uma universidade sul-africana, observara argu-tamente que a Inglaterra tradicionalista e conservadora viviano ontem, ao passo que eles os sul-africanos — viviam noamanha.

Pequenas notas sobre a cultura americana. G. A. Bor-gese, em "Estranho interlúdio" (Corriere della Sera, 15 demarço de 1932), divide a população dos Estados Unidos emquatro estratos: a classe financeira, a classe política, a inte-lectualidade, o homem comum. A intelectualidade é minús-cula ao extremo, comparada às duas primeiras: algumas de-zenas de milhares, concentradas notadamente no Leste, entreas quais cerca de um milhar de escritores. "Não se julgueapenas pelo número. Espiritualmente, ela está entre as maiscapacitadas do mundo. Alguém que dela faz parte compa-ra-a ao que foi a Enciclopédia na França do Século XVIII.Por enquanto, a quem não goste de ir além dos fatos, elaaparece como um cérebro sem membros, uma alma privada de

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força operatória; sua influência sobre a coisa pública é quasenula". Observa que, após a crise, a classe financeira — queantes dominava a classe política "sofreu" nestes últimosmeses o socorro desta, virtualmente seu controle. "O Con-gresso sustentou o banco e a bolsa; o Capitólio de Washing-ton escorou Wall Street. Isto mina o antigo equilibrio doEstado americano, sem que surja uma nova ordem".

~jfa realidade, classe financeira e classe política são —na América -- a mesma coisa, ou dois aspectos da mesmacoisa; por isso, o fato significaria tão-somente que ocorreuuma verdadeira e propriamente dita diferenciação, isto é, quea fase económico-corporativa da história americana está' emcrise e que uma nova fase está surgindo: isto só se revelaráclaramente se se verificar uma crise dos partidos históricos(republicanos e democratas) e a criação de um poderoso par-

tido novo, que organize permanentemente a massa do Ho-mem comum. Os germes deste desenvolvimento já existiam(partido progressista), mas a estrutura econômico-corpora-tiva, até agora, sempre reagiu eficazmente contra tais germes.

A observação de que a Inteligência americana tem umaposição histórica similar à da Enciclopédia francesa no Sé-culo XVIII é muito aguda e pode ser desenvolvida.

Católicos e protestantes na América do Sul. Cf. o arti-go "O protestantismo dos Estados Unidos e a evangelizaçãoprotestante na América Latina", na Civiltà Cattolica de 18de outubro de 1930. 0 artigo é interessante e instrutivo paraque se saiba como lutam entre si católicos e protestantes: na-turalmente, os católicos apresentam as missões protestantescomo vanguarda da penetração econômica e política dos Es-tados Unidos e lutam contra ela, levantando o sentimentonacional. A mesma critica fazem os protestantes aos cató-licos, apresentando a Igreja e o Papa como potências terres-tres que se vestem de religião.

Pequenas notas sobre a cultura islâmica. Ausência deum clero regular que sirva como trait-d'union entre o Islãteórico e as crenças populares. Seria necessário estudar bemo tipo de organização eclesiástica do Islã e a importância cul-

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tural das Universidades teológicas (como a do Cair e dosdoutores. A separação entre intelectuais e povo deve sermuito grande, particularmente em certas zonas do mundomuçulmano: é assim que se explica o fato de que as tendên-cias politeístas do foldore renasçam e busquem se adaptarao quadro geral do monoteísmo maometano. Cf. o artigo "Ossantos no Isla", de Bruno Ducati, na Nuova Antologia de19 de agosto de 1929. 0 fenômeno dos santos é especificoda Africa setentrional, mas tem alguma difusão também emoutras zonas. Ele encontra sua razão de ser na necessidade(existente também no cristianismo) popular de encontrar in-termediários entre si e a divindade. Maomé, como Cristo,foi proclamado — proclamou-se — o último dos profetas,isto é, o último liame vivo entre a divindade e os homens;os intelectuais (sacerdotes ou doutores) deveriam mantereste liame através dos livros sagrados, mas uma tal formade organização religiosa tende a se tornar racionalista e in-telectualista (cf. o protestantismo, que teve esta linha de de-senvolvimento), ao passo que o povo primitivo tende a ummisticismo próprio, representado pela união com a divindadeatravés da mediação dos santos (o protestantismo não teme não pode ter santos e milagres); a ligação entre os inte-lectuais do Islã e o povo torna-se tão-somente o "fanatismo",que não pode ser senão momentáneo, limitado, mas queacumula massas psíquicas de emoções e de impulsos que seprolongam mesmo em épocas normais. [O catolicismo ago-niza pela seguinte razão: porque não pode criar periodica-mente, como o fez no passado, ondas de fanatismo; nos últi-mos anos, após a guerra, encontrou substitutos, isto é, ascerimónias eucarísticas coletivas que se desenvolvem com fa-buloso esplendor e provocam relativamente um certo fanatis-mo: mesmo antes da guerra, provocavam algo similar, masem pequena escala, em escala demasiadamente local, as cha-madas missões, cuja atividade culminava na ereção de umaimensa cruz, com violentas cenas de penitência]. Este novomovimento do Islã é o sufismo. Os santos muçulmanos sãohomens privilegiados, que podem por especial favor —entrar em contato com Deus, adquirindo uma perene virtudemilagrosa e a capacidade de resolver as dúvidas e proble-mas teológicos da razão e da consciência. O sufismo, orga-nizado em sistema e expresso externamente nas escolas sú-

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ticas e nas confrarias religiosas, desenvolveu uma verdadeirateoria da santidade e fixou uma verdadeira hierarquia desantos. A hagiografia popular é mais simples do que a sú-fica. Santos, para o povo, são os mais célebres fundadoresou chefes de confrarias religiosas; também um desconhecido,um viajante que se estabeleça numa localidade para realizarobras de ascetismo e benefícios importantes em favor das po-pulações circunvizinhas, pode ser proclamado santo pela opi-nião pública. Muitos santos recordam os velhos deuses dasreligiões derrotadas pelo Islã. O marabutismo depende deuma fonte da santidade muçulmana diversa do sufismo; Mu-rãbit (morabiano) quer dizer: que está no ribãt, isto é, nolugar fortificado da fronteira de onde se deve irromper, naguerra santa, contra os infiéis. No ribãt, o culto devia sermais austero, graças à função daqueles soldados presidiá-rios, mais fanáticos, freqüentemente voluntários (corajososdo Islã) : quando a finalidade militar perdeu importância, con-servou-se um específico hábito religioso, e os "santos" maispopulares ainda do que os súficos. O centro do marabutismoé o Marrocos; para o leste, diminuem cada vez mais as tum-bas de morabianos. Ducati analisa minuciosamente este fe-nômeno africano, insistindo sobre a importância política dosmorabianos, que se encontram na cabeça das insurreiçõescontra os europeus, que exercem a função de juízes de paze que foram talvez o veículo de uma cultura superior. Duraticonclui: "Este culto (dos santos), pelas conseqüências so .

ciais, civilizadoras e politicas que dele derivam, merece serestudado melhor, observado mais atentamente, já que os san-tos constituem uma potência, uma extraordinária força, quepode ser o maior obstáculo à difusão da civilização ocidental,da mesma maneira que pode; entretanto, se habilmente ex-plorada, tornar-se um precioso auxiliar da expansão eu-ropéia".

A nova evolução do Islã. MICHEIANGELO Gmoi, "Sir-dar Ikbal Ali Shah", Nuova Antologia, 19 de outubro de1928. Trata-se de um artigo mediocre do diplomata angló-filo do Afganistão, Ikbal Ali Shah, e de uma breve notaintrodutória do Prof. Michelangelo Guidi. A nota de Guidicoloca, sem o resolver, o problema seguinte: se o Islã é, como

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religião, conciliável com o progresso moderno e se ele é sus-ceptível de evolução. Refere-se a um pequeno livro recentedo Prof. R. Hartmann, "profundo e diligente estudioso ale-mão de línguas e civilizações orientais", Die Krisis des Islam,publicado após uma estada em Angora e que responde af ir-mativamente à questão acima referida; e reproduz o julga-mento formulado pelo Prof. Kampfmeyer, numa rescensiiopublicada sobre o livro de Hartmann no Oriente Moderno(de agosto de 1928), segundo o qual uma breve estada emAnatolia não pode ser suficiente para julgar sobre questõestão vivas, e que muitas das fontes de Hartmann são de ori-gem literária, bem como que as aparências enganam, maisno Oriente do que em qualquer outro lugar. Guidi (pelomenos nessa nota) não conclui, recordando apenas que podenos ajudar a opinião dos próprios orientais (mas não são eles"aparência" que engana, se tomados um por um?), se bemque tenha inicialmente escrito que seria utópico supor queo Islã pudesse se manter em seu esplêndido isolamento, quedurante a espera amadurecessem nele novos agentes religio-sos formidáveis, bem como que a força implícita na concep-ção oriental da vida tivesse razão diante do materialismo oci-dental e reconquistasse o mundo.

Ao que me parece, o problema é muito mais simples doque se quer fazer crer, já que se considera implicitamente o"cristianismo" como inerente à civilização moderna, ou pelomenos não se tem a coragem de colocar a questão das rela-ções entre cristianismo e civilização moderna. Por que o Islãnão poderia fazer o que fez o cristianismo? Parece-me, antes,que a ausência de uma maciça organização eclesiástica dotipo cristão-católico deveria tomar a adaptação mais fácil.Se se admite que a civilização moderna, em sua manifesta-ção industrial-económica-política, terminará por triunfar noOriente (e tudo prova que isto ocorre, inclusive que estasdiscusões sobre o Islã ocorrem porque existe uma crise de-terminada precisamente por esta difusão de elementos mo-dernos), por que não. se deve concluir que o Islã evoluiránecessariamente? Poderá permanecer tal qual é? Não: já nãoé mais o mesmo de antes da guerra. Poderá desaparecer su-bitamente? Absurdo supo-lo. Poderá ser substituido por umareligião cristã? Absurdo supõ-lo no que toca às grandes mas-

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sas. O próprio Vaticano percebe como é contraditório pre-tender introduzir o cristianismo nos países orientais nos quais

_penetra o capitalismo: os orientais vêm o antagonismo quenão se vê em nossos paises, já que o cristianismo se adaptoumolecularmente e se converteu em jesuitismo, isto é, numagrande hipocrisia social. Disto decorrem as dificuldades dotrabalho das missões, bem como o escasso valor das conver-sões, que são ademais muito limitadas. Na realidade, a di-ficuldade mais trágica para o Islã é dada pelo fato de queuma sociedade embrutecida por séculos de isolamento e porum regime feudal apodrecido (naturalmente, os senhores feu-dais não são materialistas!) é colocada, muito bruscamente,em contato com uma civilização frenética, que já está em suafase de dissolução. O cristianismo empregou nove séculospara evoluir e se adaptar, realizou isto em pequenas etapas.O Islã é obrigado a correr vertiginosamente. Mas, na reali-dade, reage precisamente como o cristianismo: a grande he-resia, sobre a qual se fundaram as heresias propriamenteditas, é o "sentimento nacional" contra o cosmopolitismo teo-crático. Revela-se, posteriormente, o motivo do retomo às"origens", tal como no cristianismo, à pureza dos primeirostextos religiosos contraposta à corrupção da hierarquia ofi-cial: os wahabitas representam precisamente esta orientação,e Sirdar Ikbal Ali Shah explica mediante este princípio asreformas de Kemal Pachá na Turquia; não se trata de "no-vidade", mas de um retorno ao antigo, ao puro. Este Sirdarlkba] Ali Shah demonstra, ao que me parece, precisamentea existência, entre os muçulmanos, de um jesuitismo e de umacasuística tão desenvolvidos como no catolicismo.

O influxo da cultura árabe na civilização ocidental. EzioLevi publicou, no volume Castelos da Espanha (Treves, Mi-lão), uma série de artigos publicados esparsamente em revis-tas e relativos às ligações culturais entre a civilização euro-péia e os árabes, ocorridas particularmente através da Es-panha, onde os estudos a respeito são numerosos e contamcom vários especialistas; os ensaios de Levi, quase sempre,desenvolviam-se a partir das obras dos arabistas espanhóis.No Marzocco de 29 de maio de 1932, Levi faz a rescensãoda introdução ao livro A herança do Isla, de Angel Gonzalez

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Palencia (a introdução saiu em opúsculo independente, como título: El Islam y Occidente, Madri, 1931) e enumera todauma série de empréstimos feitos à Europa pelo mundo orien-tal, na cozinha, na medicina, na química, etc. O livro com-pleto de Gonzalez Palencia será muito interessante para oestudo da contribuição dada pelos árabes à civilização euro-péia, para um julgamento da função desempenhada pela Es-panha na Idade Média e para uma caracterização da pró-pria Idade Média mais exata do que a corrente.

Pequenas notas sobre a cultura indiana. Trechos da en-trévista de F. Léfèvre com Aldous Huxley (publicada nasNouvelles Littéraires de 19 de novembro de 1930): Qu'estce que vous pensez des révoltes et de tout ce qui se passeaux Indes? — Je pense qu'on y a commencé la civilisationdu mauvais côté. On a créé des hautes universités, on n'apas fondé d'écoles primaires. On a cru qu'il suffisait dedonner des lumières à une caste, et qu'elle pourrait ensuite éle-ver les masses, mas je ne vois pas que les résultats obtenusaient été très heureux. Ces gens qui ont bénéficié de la ci-vilisation occidentale sont tous chattryas ou brahmanes. Unefois instruits, ils demeurent sans travail et deviennent dan-gereux. Ce sont eux qui veulent prendre le gouvernement.C'est en visitant les Indes que j'ai le mieux compris la diffé-rence qu'il pouvait y avoir au moyen fige un vilain et un car-dinal. L'Inde est un pays où la superiorité de droit divin estencore acceptée par les intouchables qui recconaissent eux-mêmes leur indignité".* Existe algo de verdadeiro, mas muito

o "Que pensais dos revoltas e de tudo o que se passa na Índia? —Penso que aí se começou a civilização pelo lado errado. Criaram-se altasuniversidades, não se fundaram escolas primárias. Acreditou-se Que basta-va fornecer luzes a uma casta, e que esta poderia em seguida elevaras massas, mas não me parece que os resultados obtidos tenham sidomuito felizes. Estas pessoas que se beneficiaram da civilização ociden-tal são todas elas xá riast ou brâmanes. Uma vez instruidos, permane-cem sem trabalho e se tornam perigosos. São eles que querem tomaro governo. Foi visitando a India que melhor compreendi a diferençaque podia existir, na idade média, entre um vilain e um cardeal. AÍndia é um pals no qual a superioridade de direito divino é ainda acei-ta pelos intocáveis: eles próprios reconhecem sua indignidade". (N. doTradutor).

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pouco. Como criar as escolas elementares para as massasindianas sem ter criado o pessoal adequado? E, para criá-lo,não é necessário voltar-se inicialmente para as classes in-telectuais já existentes? E, por outro lado, o simples fato deque grupos intelectuais estejam desocupados pode criar umasituação como a indiana? [Recordar a famigerada teoria deLoria sobre os intelectuais desocupados.] Estes intelectuaisestão "isolados"? Ou, pelo contrário, tornaram-se a expressãodas classes médias e industriais que o desenvolvimento eco-nômico produziu na India?

Cf. a série de artigos publicados na Civiltà Cattolicade julho de 1930 e dos meses seguintes: "Sistemas filosó-ficos e seitas do hinduísmo." Os jesuítas colocam-se o se-guinte problema: o catolicismo na India consegue fazer pro-sélitos tão-somente, e mesmo aqui em medida limitada, entreas castas inferiores. Os intelectuais indianos são refratáriosà propaganda e o Papa disse que é preciso trabalhar tambémentre eles, tanto mais porque as massas populares se conver-teriam se se convertessem núcleos intelectuais importantes [oPapa conhece o mecanismo de reforma cultural das massaspopulares-camponesas mais do que muitos elementos do lai-cato de esquerda: ele sabe que uma grande massa não podese converter molecularmente; deve-se, para apressar o pro-cesso, conquistar os dirigentes naturais das grandes massas,isto é, os intelectuais, ou formar grupos de intelectuais denovo tipo, o que explica a criação de bispos indígenas]; porisso, é necessário conhecer exatamente o modo de pensar ea ideologia destes intelectuais para melhor entender sua or-ganização de hegemonia cultural e moral, a fim de destruí-la ou assimilá-la. Estes estudos feitos pelos jesuitas, por isso,têm uma particular importância objetiva, na medida em quenão são "abstratos" e académicos, mas sim dirigidos parafinalidades práticas concretas. Eles são muito úteis para co-nhecer as organizações de hegemonia cultural e moral nosgrandes países asiáticos, tais como a China e a India.

Pequenas notas sobre a cultura chinesa. 1) A posiçãodos grupos intelectuais na China é "determinada" pelas for-mas práticas que a organização material da cultura assumiuhistoricamente nesse pais. O primeiro elemento desta espé-

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cie é o sistema de escrita, a escrita ideográfica. O sistema deescrita é ainda mais difícil do que comumente se supõe, poisa dificuldade não é dada somente pela enorme quantidade desinais materiais, mas esta quantidade complica-se ainda maispor causa das "funções" dos sinais singulares de acordo como lugar que ocupam. Ademais, o ideograma não é orgánica-mente ligado a uma determinada lingua, mas serve a todasas línguas faladas pelos chineses cultos, isto é, o ideogramatem um valor "esperantistico": é um sistema de escritura"universal" (no interior de um certo mundo cultural), levan-do-se em conta que as línguas chinesas tam uma origem co-mum. Este fenômeno deve ser cuidadosamente estudado, poispode servir contra os exageros "esperantistas"; ou seja, ser-ve para demonstrar como as chamadas línguas universaisconvencionais, enquanto não são a expressão histórica de con-dições adequadas e necessárias, tornam-se elemento de estra-tificação social e de fossilização de alguns estratos. Nestascondições, não pode existir na China uma cultura popular deampla difusão: a oratória e a conversação continuam a sera forma mais popular de difusão da cultura. Será necessá-rio, numa certa etapa, introduzir o alfabeto silábico; este fatodá lugar a uma série de dificuldades: 1) a escolha do pró-prio alfabeto: o russo ou o inglés (entendo por "alfabetoinglês" não somente a pura notação dos signos fundamen-tais, que é a mesma no inglês e nas outras linguas de alfabe-to latino, mas o nexo diacrítico de consoantes e vogais quedão a notação dos sons efetivos, como sh por ch, j pelo g ita-liano etc.); é certo que o alfabeto inglés triunfará, caso hajaescolha, e isto se relacionará com conseqüências de caráterinternacional: ou seja, triunfará uma certa cultura.

2) A introdução do alfabeto silábico terá conseqüênciasde grande importância na estrutura cultural chinesa: desa-parecida a escrita "universal", aflorarão as línguas popula-res e, por conseguinte, novos grupos de intelectuais sobreesta nova base. Isto é, romper-se-ia a unidade atual de tipo"cosmopolita" e ocorreria um pulular de forças "nacionais"em sentido estrito. Por alguns aspectos, a cultura chinesapode ser comparada com a da Europa ocidental e central naIdade Média, com o "cosmopolitismo católico", isto é, com aépoca na qual o "latim médio" era a língua das classes do-minantes e de seus intelectuais: na China, a função do "la-

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tim médio" é desempenhada pelo "sistema de escrita", pró-prio das classes dominantes e de seus intelectuais. A dife-rença fundamental reside no seguinte: o perigo que manti-nha unida a Europa medieval, perigo muçulmano em geral(árabes no sul, tártaros e depois turcos no Oriente e no Su-deste.), não pode ser comparado, nem sequer longinquamen-te, com os perigos que, atualmente, ameaçam a autonomiachinesa. Arabes, tártaros, turcos, eram relativamente "me-nos" organizados e desenvolvidos do que a Europa de então,e o perigo era "meramente" -- ou quase -- de naturezatécnico-militar. Pelo contrário, a Inglaterra, a América, o Ja-pão, são superiores á China não só "militarmente", como tam-bém econômica e culturalmente; em suma, em todos osaspectos da área social. Tão-somente a unidade "cosmopo-lita" atual de centenas de milhões de homens, com seu par-ticular nacionalismo de "raça" (xenofobia), permite ao go-verno central chinês possuir a disponibilidade financeira emilitar minima para resistir á pressão das relações interna-cionais e para manter desunidos os seus adversários.

A política dos sucessores de direita de Sun Yat-Sen deveser examinada a partir deste ponto de vista. O traço ca-racterístico desta política é representado pela "não-vontade"de preparar, organizar e convocar uma Convenção panchine-sa por meio do sufrágio popular (de acordo com os princí-pios de Sun), mas no querer conservar a estrutura burocrá-tico-militar do Estado: isto é, no temor de abandonar as for-mas tradicionais de unidade chinesa e de mobilizar as massaspopulares. Não se deve esquecer que o movimento históricochinês está localizado ao longo das costas do Pacífico e dosgrandes rios que nele desembocam: a grande massa populardo hinterland é mais ou menos passiva. A convocação deuma Convenção panchinesa forneceria o terreno para umgrande movimento, inclusive destas massas, e para o flores-cimento -- através dos deputados eleitos -- das configura-ções nacionais em sentido estrito existentes na cosmópole chi-nesa, além de tornar difícil a hegemonia dos atuais gruposdirigentes se eles não efetivarem um programa de reformaspopulares, e obrigaria a buscar a unidade numa união federale não no aparato burocrático-militar. Mas esta é a linha dedesenvolvimento. A incessante guerra dos generais é umaforma primitiva de manifestação do nacionalismo contra o

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cosmopolitismo: ela não será superada, isto é, o caos mili-tar-burocrático não terá fim, sem a intervenção organizadado povo na forma histórica de uma Convenção panchinesa.

[Sobre a questão dos intelectuais chineses, deve-se co-letar e organizar muito material, a fim de elaborar um pará-grafo sistemático da rubrica sobre os intelectuais: o processode formação e o modo de funcionamento social dos intelec-tuais chineses têm características próprias e originais, dignasde muita atenção.]

Relações da cultura chinesa com a Europa. As primei-ras noticias sobre a cultura chinesa foram dadas pelos mis-sionários, notadamente jesuítas, nos Séculos XVII-XVIII.Intorcetta, Herdrich, Rougemont, Couplet, revelam ao Oci-dente o universalismo confuciano; du Halde (1736) escre-ve a Description de l'Empire de la Chine; Fourmont de Glé-mola (1742), Primate. Em 1815, com a formação no Collé-ge de France da primeira cátedra de língua e literatura chi-nesas, a cultura chinesa passa a ser estudada pelos laicos(com finalidades e métodos científicos, e não de apostoladocatólico, como era o caso dos jesuítas); esta cátedra é minis-trada por Abel Rémusat, considerado hoje como o fundadorda sinologia européia. Discípulo de Rémusat foi StanislasJulien, que é considerado como o primeiro sinólogo de seutempo; traduziu uma enorme quantidade de textos chineses,romances, comédias, livros de viagem e obras de filosofia e,no final, resumiu sua experiência filológica na Syntaxe nou-velle de la langue chinoise. A importância científica de Julien édada pelo fato de ter ele conseguido penetrar no caráter da lin-gua chinesa e nas razões de sua dificuldade para os europeus,habituados com as línguas de flexão. Mesmo para um chi-nês, o estudo de sua língua é mais difícil do que, para o euro-peu, o estudo da sua; é necessário um duplo esforço, de me-mória e de inteligência, de memória para recordar os múl-tiplos significados de um ideograma, de inteligência para re-lacionar tais significados a fim de encontrar em cada umdeles a parte conectiva, por assim dizer, que permite extrairda conexão das frases um sentido lógico e aceitável. Quantomais for denso e elevado (no sentido da abstração) o texto,tanto mais difícil será traduzi-lo; mesmo o mais erudito li-

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terato chinês deve sempre fazer preceder, à interpretação dotexto que le, um trabalho de análise mais ou menos rápido.A experiência, no chinês, tem um valor muito maior do queem outras línguas, onde a base primeira para a inteligibilida-de é a morfologia, que inexiste no chinés [parece-me difícilaceitar que não exista absolutamente a morfologia no chinês:nas descrições da lingua chinesa feitas por europeus, é pre-ciso levar em conta o fato de que o "sistema de escrita" ga-nha necessariamente o primeiro lugar em importancia: maso "sistema de escrita" coincide perfeitamente com a línguafalada, que é a língua real? Ê possível que, no chinês, a fun-ção morfológica seja mais Ligada à fonética e à sintaxe, istoé, ao tom dos sons singulares e ao ritmo musical do período,o que não se poderia manifestar na escrita senão sob a formade notação musical; mas, mesmo neste caso, parece-me difí-cil excluir uma certa função morfológica autõnoma: seria ne-cessário consultar o livrinho de Finck sobre os principais ti-pos de lingua. Recordar, ainda, o fato de que a função mor-fológica, mesmo nas línguas de flexão, tem como origem pa-lavras independentes que se tomaram sufixos, etc.: esta ca-racterística pode, talvez, servir para identificar a morfologiado chinês, que representa uma fase lingüística talvez maisantiga do que as mais antigas línguas das quais se conser-vou uma documentação histórica. As informações que resumoaqui são tomadas de um artigo de Alberto Castellani, "Pri-meira sinologia", no Marzocoo de 24 de fevereiro de 1929.]

No chinês, "quem mais lé, mais sabe": de fato, desdeque tudo se reduz à sintaxe, somente uma longa prática comos modos e as cláusulas da lingua pode servir como orienta-ção para a inteligibilidade do texto. Entre o vago valor dosideogramas e a compreensão integral do texto, deve ocorrerum exercício de inteligência que, no que toca à necessidadede adaptação lógica, quase não tem limites em comparaçãocom as linguas de flexão.

Urn livro sobre a cultura chinesa. EDUARD ERKES, Chi-nesische Literatur, Ferdinand Hirt, Breslau, 1926. Trata-sede um pequeno livro, de menos de cem páginas, no qual —segundo Alberto Castellani 4— condensa-se admiravelmentetodo o ciclo cultural chinês, da mais antiga época até os dias

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atuais. Não se pode compreender o presente chinês sem co-nhecer seu passado, sem uma informação demopsicológica;isto é justo, mas é exagerada, pelo menos na forma expressa,a seguinte afirmação: "O conhecimento do passado demons-tra que o povo chinês já é, há muitas dezenas de séculos.confucianamente comunista: de tal modo, que certas tenta-tivas recentes de cruzamento euro-asiático nos recordam otransporte de corujas para Atenas". Esta afirmação podeser feita para todo povo atrasado em face do industrialismomoderno, e -- já que se pode faze-la com relação a muitospovos .— tem um valor primitivo; todavia, o conhecimento daverdadeira psicologia das massas populares, a partir desteponto de vista e tal como pode ser reconstruida através daliteratura, tem grande importancia. A literatura chinesa temcaracterísticas genuinamente religiosas-estatais. Erkes tentauma reconstrução critico-sintética dos diversos momentos daliteratura chinesa, através das épocas mais representativas, afim de dar a estes momentos maior relevo de necessidadehistórica (isto é, não se trata de uma história da literaturano sentido erudito e descritivo, mas de uma história da cul,tura). Trata da figura e da obra de Chu Hsi (1130-1200),que poucos ocidentais sabem ter sido a personalidade maissignificativa da China após Confúcio; este desconhecimentose deve ao silêncio calculado dos missionários, que viramneste plasmador da moderna consciência chinesa o maiorobstáculo a seus esforços de propaganda. Livro de WIEGER,La Chine à travers les âges. Erkes chega até à fase recenteda China europeizante e informa também sobre o desenvol-vimento que se está verificando a respeito da língua e daeducação.

No Ñlarzocco de 23 de outubro de 1927, Alberto Cas-tellani informa sobre o livro de Alfredo Forke: Die Gedan-kenwelt des chinesischen Kulturkreises, München-Berlim,1927 (Filosofia chinesa em roupagens européias e... japo-nesas). Forke é professor de lingua e cultura da China naUniversidade de Hamburgo, e é conhecido como especialistano estudo da filosofia chinesa. O estudo do pensamento chi-nês é difícil para um ocidental por várias razões: 1-) os fi-lósofos chineses não escreveram tratados sistemáticos de seupensamento: foram os discípulos que coletaram as palavras

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dos mestres, não os mestres que as escreveram para o usode discípulos eventuais; 2) a filosofia propriamente ditaestava ligada, e como que sufocada, às três grandes corren-tes religiosas, confucionismo, taoísmo, budismo; assim, aosolhos do europeu não especialista, os chineses passaram fre-qüentemente ou como privados de filosofia propriamente dita,ou como possuindo três religiões filosóficas (todavia, estefato — de que a filosofia fosse ligada à religião — tem umsignificado do ponto de vista da cultura e caracteriza a po-sição histórica dos intelectuais chineses). Forke buscou apre-sentar o pensamento chinês de acordo com as formas euro-péias, ou seja, libertou a filosofia propriamente dita das mes-clas e das promiscuidades heterogêneas; tornou possível, por-tanto, um certo paralelo entre o pensamento europeu e o pen-samento chinês. A Ética é a parte mais vigorosa desta re-construção; a lógica é menos importante, "já que os próprioschineses, inclusive, conceberam-na sempre mais num sentidoinstintivo, como intuição, do que mediante um conceito exato,científico" ( Este ponto é muito importante, como momentocultural.) Tão-somente há poucos anos é que um escritorchinês, o Prof. Hu Shi -- em sua História da Filosofia Chi-nesa (Xangai, 1919) -- confere à lógica um posto impor-tante, extraindo-a dos antigos textos clássicos, dos quais, nãosem certo esforço, busca revelar o ensinamento. A rápidainvasão do confucionismo, do taoísmo e do budismo, quenão se interessam pelos problemas da lógica, pode talvez terobstaculizado a sua transformação em ciência. "É um fatoque os chineses jamais tiveram uma obra como o Nyàya deGuatana e como o Organon de Aristóteles". Deste modo,inexiste na China uma disciplina filosófica sobre o "conhe-cimento" (Erkenntnistheorie). Forke não encontra senãotendências de uma tal disciplina. Ele examina, ademais, asramificações da filosofia chinesa fora da China, particular-mente no Japão. O Japão tomou da China, juntamente comoutras formas de cultura, também a filosofia, ainda que lhetenha emprestado certas características próprias. O japonês,ao contrário do chinês, não possui tendências metafísicas eespeculativas (é "pragmátista" e empirista). Os filósofoschineses traduzidos em japonês, contudo, adquirem umamaior agudeza. [isto significa que os japoneses tomaram do

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pensamento chinês o que era útil à sua cultura, mais ou me-nos como os romanos fizeram com os gregos.]

CASTELLANI publicou recentemente A doutrina do Tao,reconstruida de acordo com os tentos e integralmente expos-ta, Bolonha, Zanichelli, e A regra celeste de Lao-Tse, Flo-rença, Sansoni, 1927. Castellani compara Lao-Tse e Con-

"Confúcio é o chinês do Norte, nobre, culto, especula-tivo; Lao-Tse, cinqüenta anos mais velho do que ele, é ochinês do Sul, popular, corajoso, fantasista. Confúcio é ho-mem de Estado; Lao-Tse desaconselha a atividade pública:aquele só pode viver em contato com o governo, este fogeao consórcio civil e não participa de suas peripécias. Confú-cio contenta-se em indicar aos governantes e ao povo oexemplo dos antigos bons tempos; Lao-Tse sonha simples-mente com a era da inocência universal e com o estado vir-ginal da natureza; aquele é o homem da corte e da etiqueta,este o homem da solidão e da palavra brusca. Para Confúcio,abundante de formas, de regras, de rituais, a vontade dohomem participa essencialmente na produção e determinaçãodo fato político; Lao-Tse, pelo contrário, acredita que todosos fatos, sem exceção, se fazem por si mesmos, fora e alémda nossa vontade: que todos eles têm, em si mesmos, umritmo inalterado e inalterável por qualquer intervenção nossa.Nada é mais ridículo, para Lao-Tse, do que o homúnculoconfuciano, empreendedor e pertinaz, que crê na importan-cia e quàse que no peso especifico de cada um de seus ges-tos; nada é mais mesquinho do que esta almicula míope epretensiosa, afastada de Tao, que acredita dirigir mas que édirigida, que crê manter mas que é mantida". [Esta passa-gem é extraída de um artigo de A. Faggi, no Marzocco de12 de junho de 1927, intitulado "Saber chinês".] O "nãofazer" é o princípio do taoísmo, é precisamente o "Tao", o"caminho".

A forma estatal chinesa. A monarquia absoluta foi fun-dada na China no ano 221 antes de Cristo e durou até1912, apesar das mudanças de dinastia, das invasões estran-geiras etc. Este é o ponto interessante: cada novo domina-dor encontra o organismo pronto e acabado, o qual ele con-quista ao conquistar o poder central. A continuidade, assim,

é um fenômeno de morte e de passividade do povo chinês.Evidentemente, mesmo depois de 1912, a situação se man-teve ainda relativamente estacionária, no sentido de que oaparato geral conservou-se quase intacto: os militares tuciumsubstituiram os mandarins, e um deles, de vez em quando,tenta refazer a unidade formal, conquistando o centro.. Aimportância do Kuomitang teria sido bem maior se ele ti-vesse colocado realmente a questão da Convenção panchi-nesa. Mas agora, que o movimento foi desencadeado, pa-rece-me difícil que se possa reconstituir, sem uma profundarevolução nacional de massa, uma ordem duradoura.

Os católicos e o nacionalismo chinês. Trecho do artigo"O reformador chinês Suen Hen e suas teorias políticas esociais", na Civiltà Cattolica de 4 de maio e de 18 de maiode 1929: "0 partido nacionalista promulgou decretos e maisdecretos para honrar Suen Hen. O mais importante é o queprescreve a 'cerimônia da segunda-feira'. Em todas as es-colas, escritórios, postos militares, em qualquer instituiçãopertencente de qualquer modo ao partido nacionalista, todosse inclinarão -- em cada segunda-feira — diante do retratodo 'pai da pátria' e lhe farão, todos ao mesmo tempo, a trí-plice inclinação de cabeça. Logo após se lerá seu 'testamen-to politico', que contém a quintessência de suas doutrinas, aoque se seguirão três minutos de silêncio a fim de se meditarsobre seus grandes principios. Esta cerimônia se realizaráem todas as ocorrências importantes". Em todas as escolasé obrigatório estudar o Sen-Min-ciu-i (tríplice demismo),mesmo nas escolas dos católicos e de qualquer outra confis-são religiosa, como conditio sine qua non de sua existêncialegal. O delegado apostólico da China, Mons. Celso Constanti-ni, numa carta ao Padre Pasquale D'Elia S. J., missionário ita-liano e membro do Ofício Sinológico de Zi-Ka-Wei, tomouposição diante destas obrigações legais. A carta é publicadano principio da obra: Le triple démisme de Sun Wen, tra-duzido, anotado e comentado por Pascal H. D'Elia S. J. (Bu-reau Sinologique de Zi-Ka-Wei, Imprimerie de Tou-Sé-Wé,Chang-Hai, 1929, in 80, págs. CLVIII-530, 4 dólares chine-ses). Constantini não cré que Sun tenha sido "divinizado":

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"Quanto ás inclinações de cabeça diante do retrato de SunYat-Sen, os alunos cristãos não se devem inquietar. Por si,por sua própria natureza, a inclinação de cabeça não temsentido supersticioso. Segundo a intenção do governo, estacerimônia não é mais do que um obséquio meramente civila um homem considerado como Pai da Pátria. Poderá serexcessivo, mas não é absolutamente idolátrico (o governo éateu) e não está ligado a nenhum sacrificio. Se, em algumlugar, abusivamente, se fizessem sacrifícios, isto deveria serconsiderado como superstição e os cristãos não poderiam, denenhum modo, assisti-lo. Não é nossa função criar uma cons-ciência errônea, mas sim iluminar os alunos onde houverqualquer dúvida sobre o significado de tais cerimónias civis".Quanto ao ensino obrigatório do triplice demismo, Constan-tini escreve: "Segundo minha opinião pessoal, é lícito, se nãoensinar, pelo menos explicar nas escolas públicas os princí-pios do tríplice demismo do Dr. Sun Yat-Sen. Trata-se dematéria não-livre, e sim imposta pelo governo como condiçãosine qua non. Várias coisas, no tríplice demismo, são boas,ou pelo menos não são más, e correspondem mais ou me-nos -- ou podem se acomodar -- à sociologia católica (Re-rum Novarum — immortale Dei — Codice Sociale). Deve-se procurar, em nossas escolas, delegar a explicação destamatéria a mestres católicos bem formados na doutrina e nasociologia cristãs. Algumas coisas devem ser explicadas ecorrigidas..."

O artigo da Civiltá Cattolica resume a posição dos ca-tólicos em face das doutrinas do nacionalismo chinês, posi-ção ativa como se vé — já que tende a criar uma ten-dência "nacionalista católica", mediante uma interpretaçãoparticular das próprias doutrinas. Do ponto de vista histó-rico-político, seria bom ver como os jesuítas chegaram a esteresultado, revendo todas as publicações da Civiltá Cattolicasobre os eventos chineses posteriores ao ano de 1925. Emseu livro, o Padre D'Elia, prevendo a objeção que lhe pode-ria ser feita por parte de alguns de seus leitores, que teriamaconselhado o silêncio ao invés da publicidade destas idéiasnovas, responde com razão: "Não falar destas questões nãosignifica resolve-las. Quer queiramos, quer não, nossos ca-tólicos chineses as conhecerão por meio de comentários ten-

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denciosos e hostis. Ao que parece, é menos perigoso instruí-los nós mesmos, propondo-lhes diretamente a doutrina deSuen Uen. Devemos nos esforçar para fazer ver como oschineses podem ser bons católicos, não somente continuandoa ser chineses, como também levando em conta algumas teo-rias de Suen Uen".

Pequenas notas sobre a cultura japonesa. Na NuovaAntologia de l o de junho de 1929, publicou-se a introdução("A religião nacional do Japão e a política religiosa do Es-tado japonês") ao volume sobre A Mitologia Japonesa, queRaffaele Pettazzoni publicou na coleção "Textos e documen-tos sobre a História da Religião", editada por Zanichelli deBolonha. Por que Pettazzoni intitulou seu livro de Mitologia?Há uma certa diferença entre "religião" e "mitologia", e se-ria bom manter a diferença entre as duas palavras. A reli-gião se tornou no Japão uma simples "mitologia", isto é, umelemento puramente "artístico" ou "folclórico", ou tem aindao valor de uma concepção do mundo que se mantém vivae operante? Pela introdução, parece que Pettazzoni dá á reli-gião japonesa este último valor; neste caso, o titulo é equí-voco. Desta introdução, anoto alguns elementos que pode-rão ser úteis no estudo de um parágrafo "japonés" para arubrica dos "intelectuais".

Introdução do budismo no Japão, ocorrida em 552 d. C.Até então, o Japão conhecera uma só religião, sua religiãonacional. De 552 até nossos dias, a história religiosa do Ja-pão foi determinada pelas relaçôes e pelas interferências en-tre esta religião nacional e o budismo [que é um tipo de re-ligião extranacional e supranacional, como o cristianismo e oislamismo]; o cristianismo, introduzido no Japão em 1549pelos jesuítas (Francesco Saverio), foi erradicado pela vio-lência nos primeiros decênios do Século XVII; reintroduzidopelos missionários protestantes e católicos na segunda me-tade do Século XIX, não teve grande importância no con-junto. Após a introdução do budismo, a religião nacional foidesignada pela palavra sino-japonesa Shinto, isto é, "cami-nho (em chinês: Tao) dos deuses (em chinês: Shen)", aopasso que butsu-do indicou o budismo (do, caminho: butsu,

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Buda) . Em japonés, Shinto se diz Kami-no-michi (Kami, di-vindade); Kami não significa "deus" no sentido ocidental,porém mais genericamente "seres divinos", incluídos tambémos antepassados divinizados. [Proveniente da China, foi in-troduzido no Japão não só o budismo, mas o culto dos ante-passados, o qual, ao que parece, incorporou-se mais intima-mente à religião nacional.] O shintoismo, porém, é funda-mentalmente uma religião naturista, um culto de divindades(Kami) da natureza, entre as quais estão, em primeiro Lugar,a deusa do sol Ama-Térasu, o deus dos furacões Susanowo,o casal Céu e Terra (isto é, Izanagi e Izanami), etc. É in-teressante o fato de que o shintoismo representa um tipo dereligião que desapareceu inteiramente no mundo moderno oci-dental, mas que era freqüente entre os povos civilizados daAntiguidade (religiões nacionais e politeístas dos egípcios,dos babilonios, dos indianos, dos gregos, dos romanos, etc.).Ama-Térasu é uma divindade como Osiris, Apolo ou Arte-mes: é interessante que um povo civilizado moderno, como ojaponés, creia e adore numa tal divindade. (As coisas, con-tudo, talvez não sejam tão simples como pode parecer.) To-davia, ao lado desta religião nacional, subsiste o budismo,tipo de religião supranacional, pelo que se pode afirmar que,também no Japão, ocorreu fundamentalmente o mesmo de-senvolvimento religioso do Ocidente (com o cristianismo).Aliás, cristianismo e budismo se difundem nas respectivaszonas de um modo sincrõnico; além disso, o cristianismo quese difunde na Europa não é o da Palestina, mas o de Romaou de Bizancio (com a língua latina ou grega para a litur-gia), do mesmo modo como o budismo que se difunde noJapão não é o da India, mas sim o chinês, com a língua chi-nesa para a liturgia. Mas, diferentemente do cristianismo, obudismo deixou subsistirem as religiões nacionais preexisten-tes. ( Na Europa, as tendências nacionais se manifestaramdentro do cristianismo.)

No inicio, o budismo foi acolhido no Japão pelas classescultas, conjuntamente com a civilização chinesa [mas a ci-vilização chinesa levou apenas o budismo?]. — Sucedeu umsincretismo religioso: budismo, shintoismo, elementos de con-fucianismo. No Século XVIII, ocorreu uma reação ao sin-cretismo em nome da religião nacional, que culminou em 1868com o advento do Japão moderno. Shintoismo declarado re-

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ligião de Estado. Perseguição do budismo. Mas por poucotempo. Em 1872, o budismo foi reconhecido oficialmente eigualado ao shintoismo, tanto nas funções — entre as quaisnotadamente a pedagógica, de educar o povo nos sentimen-tos e nos principios do patriotismo, do civilismo e da leal-dade — quanto nos direitos, graças à supressão do "Ofíciode Shinto" e à instituição de um ministério da Religião, comjurisdição tanto sobre o shintoismo quanto sobre o budismo.Mas, em 1875, o governo mudou novamente de política: asduas religiões foram separadas, e o shintoismo assumiu umaposição especial e única. Vários provimentos burocráticos sesucederam, culminando na elevação do shintoismo a institui-ção patriótica e nacional, com a renúncia oficial a seu cará-ter religioso [torna-se uma instituição, ao que me parece, dotipo da romana do culto ao Imperador, mas sem caráter re-ligioso em sentido estrito, de modo que mesmo um cristãopode exercê-la]. Os japoneses podem pertencer a qualquerreligião, mas devem se inclinar diante da imagem do Impera-dor. Assim, o Shinto de Estado separou-se do Shinto dasseitas religiosas. Mesmo burocraticamente, ocorreu uma san-ção: existe hoje um "Ofício das religiões" junto ao Minis-tério da Educação, dirigido para as várias Igrejas do shin-toismo popular e para as várias Igrejas budistas e cristãs,e um "Ofício dos santuários" junto ao Ministério do Inte-rior, relativo ao shintoismo de Estado. Segundo Pettazzoni,esta reforma se deveu à aplicação mecânica das Constitui-ções ocidentais ao Japão: isto é, visando a afirmar o princí-pio da liberdade religiosa e da igualdade de todas as reli-giões perante o Estado, e visando a retirar o Japão do es-tado de inferioridade e atraso que o shintoismo, como religião,lhe emprestava, em contraste com o tipo de religião vigenteno Ocidente.

Parece-me artificial a critica de Pettazzoni. [Ver tam-bém o que ocorre na China a respeito de Sun Yat-Sen e dostrês principios: está-se formando um tipo de culto de Esta-do, a-religioso; ao que me parece, a imagem de Sun é cultuadacomo o é a do Imperador vivo no Japão.] No povo, e mesmonas pessoas cultas, contudo, conserva-se viva a consciênciae o sentimento do Shinto como religião (isto é natural, masparece-me inegável a importância da Reforma, que tendeconscientemente ou não à formação de uma consciência laica,

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ainda que de uma maneira paradoxal. Esta discussão -- sa-ber se o Shinto de Estado é ou não uma religião -- parece-me a parte mais importante do problema cultural japonês:uma tal discussão não pode, certamente, se estabelecer comrelação ao cristianismo).

Estudar como nasceu a reforma, que tem grande ampli-tude e que está ligada ao nascimento e à evolução do par-lamentarismo e da democracia no Japão. Após o sufrágioampliado (quando e em que forma?), toda eleição -- me-diante as mudanças nas forças políticas dos partidos e as al-terações que os resultados podem trazer ao governo -- operaativamente no sentido de dissolver a forma mental "teocrá-tica" e absolutista das grandes massas populares japonesas.A convicção de que a autoridade e a soberania não estão co-locadas na pessoa do Imperador, mas no povo, conduz a umaverdadeira e auténtica reforma intelectual e moral, corres-pondente à que ocorreu na Europa graças ao iluminismo e àfilosofia clássica alemã, conduzindo o povo japonês ao nívelde sua moderna estrutura econômica e subtraindo-o à influên-cia política e ideológica dos barões e da burocracia feudal.

A Organização da Cultura

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A Organização da Escolae da Cultura

PODE-SE OBSERVAR que, em geral, na civilização mo-derna, todas as atividades práticas se tornaram tão comple-xas, e as ciências se mesclaram de tal modo à vida, que todaatividade prática tende a criar uma escola para os própriosdirigentes e especialistas e, conseqüentemente, tende a criarum grupo de intelectuais especialistas de nivel mais elevado,que ensinam nestas escolas. Assim, ao lado do tipo de es-cola que poderíamos chamar de "humanista" (e que é o tra-dicional mais antigo), destinado a desenvolver em cada in-divíduo humano a cultura geral ainda indiferenciada, o poderfundamental de pensar e de saber se orientar na vida, foi-secriando paulatinamente todo um sistema de escolas parti-culares de diferente nível, para inteiros ramos profissionaisou para profissões já especializadas e indicadas mediante umaprecisa individualização. Pode-se dizer, aliás, que a crise es-

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colar que hoje se agudiza liga-se precisamente ao fato de queeste processo de diferenciação e particularização ocorre deum modo caótico, sem princípios claros e precisos, sem umplano bem estudado e conscientemente fixado: a crise doprograma e da organização escolar, isto é, da orientação ge-ral de uma política de formação dos modernos quadros in-telectuais, é em grande parte um aspecto e uma complexifi-cação da crise orgánica mais ampla e geral.

A divisão fundamental da escola em clássica e profissio-nal era um esquema racional: a escola profissional destina-va-se às classes instrumentais, ao passo que a clássica des-tinava-se às classes dominantes e aos intelectuais. O desen-volvimento da base industrial, tanto na cidade como no cam-po, provocava uma crescente necessidade do novo tipo de in-telectual urbano: desenvolveu-se, ao lado da escola clássica,a escola técnica (profissional mas não manual), o que colo-cou em discussão o próprio princípio da orientação concretade cultura geral, da orientação humanista da cultura geralfundada sobre a tradição greco-romana. Esta orientação, umavez posta em discussão, foi destruida, pode-se dizer, já quesua capacidade formativa era em grande parte baseada sobreo prestígio geral e tradicionalmente indiscutido de uma de-terminada forma de civilização.

A tendência, hoje, é a de abolir qualquer tipo de escola"desinteressada" (não imediatamente interessada) e "forma-tiva", ou conservar delas tão-somente um reduzido exemplardestinado a uma pequena elite de senhores e de mulheresque não devem pensar em se preparar para um futuro pro-fissional, bem como a de difundir cada vez mais as escolasprofissionais especializadas, nas quais o destino do aluno esua futura atividade são predeterminados. A crise terá umasolução que, racionalmente, deveria seguir esta linha: escolaúnica inicial de cultura geral, humanista, formativa, que equi-libre equanimemente o desenvolvimento da capacidade de tra-balhar manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o de-senvolvimento das capacidades de trabalho intelectual. Destetipo de escola única, através de repetidas experiências deorientação profissional, passar-se-á a uma das escolas espe-cializadas ou ao trabalho produtivo.

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Deve-se levar em consideração a tendência em desen-volvimento, segundo a qual cada atividade prática tende acriar para si uma escola especializada própria, do mesmomodo como cada atividade intelectual tende a criar círculospróprios de cultura, que asumem a função de instituiçõespós-escolares especializadas em organizar as condições nasquais seja possível manter-se a par dos progressos que ocor-rem no ramo científico próprio.

Pode-se observar, também, que os órgãos deliberativostendem cada vez mais a diferenciar sua atividade em doisaspectos "

orgánicos": o deliberativo, que lhes é essencial, eo técnico-cultural, onde as questões sobre as quais é precisotomar resoluções são inicialmente examinadas por especialis-tas e analisadas cientificamente. Esta atividade já criou todoum corpo burocrático de nova estrutura, pois além dosescritórios especializados de pessoas competentes, que prepa-ram o material técnico para os corpos deliberativos -- cria-se um segundo corpo de funcionários, mais ou menos "vo-luntários" e desinteressados, escolhidos de vez em quandona indústria, nos bancos, nas finanças. Este é um dos me-canismos através dos quais a burocracia de carreira terminoupor controlar os regimes democráticos e os parlamentos: atual-mente, o mecanismo vai-se ampliando organicamente e absor-ve em seu circulo os grandes especialistas da atividade prá-tica privada, que controla assim os regimes e as burocracias.Já que se trata de um desenvolvimento orgânico necessário,que tende a integrar o pessoal especializado na técnica po-lítica com o pessoal especializado nas questões concretas deadministração das atividades práticas essenciais das grandese complexas sociedades nacionais modernas, toda tentativade afastar de fora estas tendências não produz como resul-tado senão pregações moralistas e gemidos retóricos.

Coloca-se a questão de modificar a preparação do pes-soal técnico político, integrando sua cultura de acordo com asnovas necessidades, e de elaborar novos tipos de funcioná-rios especializados, que integrem — sob forma colegiada --a atividade deliberativa. O tipo tradicional do "dirigente"político, preparado apenas para as atividades jurídico-for-mais, torna-se anacrõnico e representa um perigo para a vidaestatal: o dirigente deve ter aquele mínimo de cultura geral

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que lhe permita, senão "criar" autonomamente a solução jus-ta, pelo menos saber julgar entre as soluções projetadas pelosespecialistas e, conseqüentemente, escolher a que seja justado ponto de vista "sintético" da técnica política.

Um tipo de colegiado deliberativo, que busca incorpo-rar a competência técnica necessária para operar de um modorealista, foi descrito em outro local,' no qual se fala do queocorre em certas redações de revistas, que funcionam ao mes-mo tempo como redação e como circulo de cultura. O cir-culo critica de modo colegiado e contribui assim para elabo-rar os trabalhos dos redatores individuais, cuja operosidadeé organizada segundo um plano e uma divisão do trabalhoracionalmente preestabelecidos. Através da discussão e dacrítica colegiada (feita através de sugestões, conselhos, in-dicações metodológicas, crítica construtiva e voltada para aeducação recíproca), mediante as quais cada um funcionacomo especialista em sua matéria a fim de integrar a com-petência coletiva, consegue-se efetivamente elevar o nivelmédio dos redatores individuais, alcançar o nível ou a capa-cidade do mais preparado, assegurando à revista uma cola-boração cada vez mais selecionada e orgânica; e não se con-segue apenas isso, mas cria-se também as condições para osurgimento de um grupo homogéneo de intelectuais, prepa-rados para a produção de uma atividade "editorial" regulare metódica (não apenas de publicações de ocasião e de en-saios parciais, mas de trabalhos orgánicos de conjunto).

Indubitavelmente, nesta espécie de atividade coletiva,cada trabalho produz novas capacidades e possibilidades detrabalho, pois cria condições de trabalho cada vez mais or-gánicas: fichas, materiais bibliográficos, coletânea de obrasfundamentais especializadas etc. Solicita-se uma luta rigoro-sa contra os hábitos de diletantismo, da improvisação, das so-luções "oratórias" e declamatórias. O trabalho deve ser feitoespecialmente por escrito, assim como por escrito devem seras criticas, em notas resumidas e sucintas, o que pode serobtido mediante a distribuição a tempo do material etc.; es-crever as notas e as críticas é princípio didático que se tor-nou necessário graças à obrigação de combater os hábitos daprolixidade, da declamação e do paralogismo criados pela

1 Cf. a nota "Tipos de revista", na seção "Jornalismo".

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oratória. Este tipo de trabalho intelectual é necessário a fimde fazer com que os autodidatas adquiram a disciplina dosestudos proporcionada por uma carreira escolar regular, a fimde taylorizar o trabalho' intelectual. Assim, é útil o princípiodos "anciães de Santa Zita", dos quais fala De Saactis emsuas recordações sobre a escola napolitana de Basilio Puoti:ou seja, é útil uma certa "estratificação" das capacidades ehábitos, bem como a formação de grupos de trabalho sob adireção dos mais aptos e desenvolvidos, que aceleram a pre-paração dos mais atrasados e toscos.

Um ponto importante, no estudo da organização prá-tica da escola unitária, é o que diz respeito à carreira escolarem seus vários níveis, de acordo com a idade e com o de-senvolvimento intelectual-moral dos 'alunos e com os fins quea própria escola pretende alcançar. A escola unitária ou deformação humanista (entendido este termo, "humanismo", emsentido amplo e não apenas em sentido tradicional) ou decultura geral deveria se propor a tarefa de inserir os jovensna atividade social, depois de te-los levado a um certo graude maturidade e capacidade, à criação intelectual e práticae a uma certa autonomia na orientação e na iniciativa. A fi-xação da idade escolar obrigatória depende das condiçõeseconômicas gerais, já que estas podem obrigar os jovens auma certa colaboração produtiva imediata. A escola unitáriarequer que o Estado possa assumir as despesas que hojeestão a cargo da família, no que toca à manutenção dos es-colares, isto é, que seja completamente transformado o or-çamento da educação nacional, ampliando-o de um modo im-previsto e tornando-o mais complexo: a inteira função deeducação e formação das novas gerações torna-se, ao invésde privada, pública, pois somente assim pode ela envolvertodas as gerações, sem divisões de grupos ou castas. Masesta transformação da atividade escolar requer uma amplia-ção imprevista da organização prática da escola, isto é, dosprédios, do material científico, do corpo docente etc. O corpodocente, particularmente, deveria ser aumentado, pois a efi-ciência da escola é muito maior e intensa quando a relaçãoentre professor e aluno é menor, o que coloca outros pro-blemas de solução difícil e demorada. Também a questãodos prédios não é simples, pois este tipo de escola deveria

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set uma escola-colégio, com dormitórios, refeitórios, bibliote-cas especializadas, salas aptas ao trabalho de seminário etc.Por isso, inicialmente, o novo tipo de escola deverá ser --e não poderá deixar de se-10 -- própria de grupos restritos,de jovens escolhidos por concurso ou indicados, sob sua res-ponsabilidade, por instituições idõneas.

A escola unitária deveria corresponder ao período repre-sentado hoje pelas escolas primárias e médias, reorganizadasnão somente no que diz respeito ao conteúdo e ao métodode ensino, como também no que toca à disposição dos váriosgraus da carreira escolar. O primeiro grau elementar nãodeveria ultrapassar três-quatro anos e, ao lado do ensino dasprimeiras noções " instrumentais " da instrução (ler, escrever,fazer contas, geografia, história), deveria desenvolver nota-damente a parte relativa aos "direitos e deveres", atualmen-te negligenciada, isto é, as primeiras noções do Estado e dasociedade, como elementos primordiais de uma nova con-cepção do mundo que entra em luta contra as concepções de-terminadas pelos diversos ambientes sociais tradicionais, ouseja, contra as concepções que poderíamos chamar de fol-clóricas. O problema didático a resolver é o de temperar efecundar a orientação dogmática que não pode deixar de exis-tir nestes primeiros anos. O resto do curso não deveria du-rar mais de seis anos, de modo que, aos quinze-dezesseisanos, dever-se-ia poder concluir todos os graus da escolaunitária.

Pode-se objetar que um tal curso é muito fatigante porcausa de sua rapidez, se se pretende efetivamente atingir osresultados a que se propõe a atual organização da escolaclássica, mas que não são atingidos. Pode-se dizer, porém,que o conjunto da nova organização deverá conter em simesmo os elementos gerais que fazem com que, hoje, pelomenos para uma parte dos alunos, o curso seja muito lento.Quais são estes elementos? Numa série de famílias, parti-cularmente das camadas intelectuais, os jovens encontramna vida familiar uma preparação, um prolongamento e umaintegração da vida escolar, absorvendo no "ar", como se diz,uma grande quantidade de noções e de aptidões que facilitama carreira escolar propriamente dita: eles já conhecem, e de-senvolvem ainda mais, o conhecimento da lingua literária,

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isto é, do meio de expressão e de conhecimento, tecnicamentesuperior aos meios possuídos pela média da população es-colar dos seis aos doze anos. Assim, os alunos urbanos, pelosimples fato de viverem na cidade, absorveram já -- antesdos seis anos — muitas noções e aptidões que tomam maisfácil, mais proveitosa e mais rápida a carreira escolar. Naorganização interna da escola unitária, devem ser criadas,pelo menos, as mais importantes destas condições, além dofato, que se deve dar por suposto, de que se desenvolverá

paralelamente à escola unitária -- uma rede de auxíliosà infância e outras instituições nas quais, mesmo antes da ida-de escolar, os meninos se habituem a uma certa disciplinacoletiva e adquiram noções e aptidões pré-escolares. De fato,a escola unitária deveria ser organizada como colégio, comvida coletiva diurna e noturna, liberta das atuais formas dedisciplina hipócrita e mecânica, e o estudo deveria ser feitocoletivamente, com a assistência dos professores e dos me-lhores alunos, mesmo nas horas de aplicação chamada in-dividual, etc.

O problema fundamental que se coloca diz respeito àfase da atual carreira escolar hoje representada pelo Liceu,que em nada se diferencia, atualmente, como tipo de ensino,das lases escolares anteriores, a não ser pela abstrata supo-sição de uma maior maturidade intelectual e moral do aluno,devida à maioridade e à experiência anteriormente acumulada.

De fato, atualmente, entre liceu e universidade, isto é,entre a escola propriamente dita e a vida, existe um salto,uma verdadeira solução de continuidade, e não uma passa-gem racional da quantidade (idade) à qualidade (maturida-de intelectual e moral). Do ensino quase puramente dogmá-tico, no qual a memória desempenha um grande papel, passa-se à fase criadora ou de trabalho autõnomo e independente;da escola com disciplina de estudo imposta e controlada auto-ritariamente passa-se a uma fase de estudo ou de trabalhoprofissional na qual a autodisciplina intelectual e a autono-mia moral são teoricamente ilimitadas. E isto ocorre imedia-tamente após a crise da puberdade, quando o ímpeto daspaixões instintivas e elementares não terminou ainda de lutarcontra os freios do caráter e da consciência moral em forma-ção. Na Itália, ademais, onde não é difundido nas univer-

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sidades o princípio do trabalho de "seminário", a passagemé ainda mais brusca e mecânica.

Eis porque, na escola unitária, a última fase deve serconcebida e organizada como a fase decisiva, na qual se ten-de a criar os valores fundamentais do "humanismo", a auto-disciplina intelectual e a autonomia moral necessárias a umaposterior especialização, seja ela de caráter científico (estu-dos universitários), seja de caráter imediatamente prático-produtivo (indústria, burocracia, organização das trocas, etc.).O estudo e o aprendizado dos métodos criativos na ciência ena vida deve começar nesta última fase da escola, e não deveser mais um monopólio da universidade ou ser deixado aoacaso da vida prática: esta fase escolar já deve contribuirpara desenvolver o elemento da responsabilidade autônomanos indivíduos, deve ser uma escola criadora. Deve-se dis-tinguir entre escola criadora e escola ativa, mesmo na formadada pelo método Dalton. Toda escola unitária é escola ati-va, se bem que seja necessário limitar as ideologias libertá-rias neste campo e reivindicar — com certa energia -- odever das gerações adultas, isto é, do Estado, de "formar"as novas gerações. Ainda se está na fase romântica da es-cola ativa, na qual os elementos da luta contra a escola me-cânica e jesuítica se dilataram morbidamente por causa docontraste e da polémica: é necessário entrar na fase "clássi-ca", racional, encontrando nos fins a atingir a fonte naturalpara elaborar os métodos e as formas.

A escola criadora é o coroamento da escola ativa: naprimeira fase, tende-se a disciplinar, portanto, também a ni-velar, a obter uma certa espécie de "conformismo" que podeser chamado de "dinâmico"; na fase criadora, sobre a basejá atingida de "coletivização" do tipo social, tende-se a ex-pandir a personalidade, tomada autônoma e responsável, mascom uma consciência moral e social sólida e homogênea.Assim, escola criadora não significa escola de "inventores edescobridores"; ela indica uma fase e um método de inves-tigação e de conhecimento, e não um "programa" predeter-minado que obrigue à inovação e à originalidade a todo custo.Indica que a aprendizagem ocorre notadamente graças a umesforço espontâneo e autônomo do discente, e no qual o pro-fessor exerce apenas uma função de guia amigável, como

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ocorre ou deveria ocorrer na universidade. Descobrir por simesmo uma verdade, sem sugestões e ajudas exteriores, écriação (mesmo que a verdade seja velha) e demonstra aposse do método; indica que, de qualquer modo, entrou-sena fase da maturidade intelectual na qual se pode descobrirverdades novas. Por isso, nesta fase, a atividade escolar fun-damental se desenvolverá nos seminários, nas bibliotecas, noslaboratórios experimentais; é nela que serão recolhidas asindicações orgánicas para a orientação profissional.

O advento da escola unitária significa o inicio de novasrelações entre trabalho intelectual e trabalho industrial nãoapenas na escola, mas em toda a vida social. O princípiounitário, por isso, refletir-se-á em todos os organismos decultura, transformando-os e emprestando-lhes um novo con-teúdo.

Problema da nova função que poderão assumir as uni-versidades e as academias. Estas duas instituições são, atual-mente, independentes uma da outra; as academias são o sím-bolo, ridicularizado freqüentemente com razão, da separaçãoexistente entre a alta cultura e a vida, entre os intelectuaise o povo (por isso, é explicável certa influência obtida pelosfuturistas em seu primeiro período de Sturm und Drang anti-académico, antitradicionalista, etc.).

Em um novo contexto de relações entre vida e cultura,entre trabalho intelectual e trabalho industrial, as academiasdeverão se tornar a organização cultural (de sistematização,expansão e criação intelectual) dos elementos que, após a es-cola unitária, passarão para o trabalho profissional, bem comoum terreno de encontro entre estes e os universitários. Oselementos sociais empregados no trabalho profissional não de-vem cair na passividade intelectual, mas devem ter à sua dis-posição (por iniciativa coletiva e não de individuos, comofunção social orgânica reconhecida como de utilidade e ne-cessidade públicas) institutos especializados em todos os ra-

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mos de investigação e de trabalho cientifico, para os quaispoderão colaborar e nos quais encontrarão todos os subsídiosnecessários para qualquer forma de atividade cultural quepretendam empreender.

A organização académica deverá ser reorganizada e vi-vificada de alto a baixo. Territorialmente, possuirá urna cen-tralização de competências e de especializações: centros na-cionais que se agregarão às grandes instituições existentes,seções regionais e provinciais e círculos locais urbanos e ru-rais. Dividir-se-á por especializações científico-culturais, queserão representadas em sua totalidade nos centros superio-res, mas só parcialmente nos círculos locais. Unificar os vá-rios tipos de organização cultural existentes: academias, ins-titutos de cultura, círculos filológicos, etc., integrando o tra-balho académico tradicional que se expressa principalmen-te na sistematização do saber passado ou em buscar fixaruma média do pensamento nacional como guia da atividadeintelectual — a atividades ligadas á vida coletiva, ao mundoda produção e do trabalho. Controlar-se-ão as conferênciasindustriais, a atividade da organização científica do trabalho,os gabinetes experimentais das fábricas etc. Construir-se-áum mecanismo para selecionar e desenvolver as capacidadesindividuais da massa popular, que são hoje sacrificadas e de-finham em- erros e tentativas sem perspectiva. Cada circulolocal deveria possuir necessariamente a seção de ciências mo-rais e políticas, e organizar paulatinamente as outras seçõesespeciais para discutir os aspectos técnicos dos problemas in-dustriais, agrários, de organização e de racionalização do tra-balho industrial, agrícola, burocrático, etc. Congressos perió-dicos de diversos níveis fariam com que os mais capazesfossem conhecidos.

Seria útil possuir a lista completa das academias e dasoutras organizações culturais hoje existentes, bem como dosassuntos tratados em seus trabalhos e publicados em suas"Atas": em grande parte, trata-se de cemitérios da cultura,embora elas desempenhem uma função na psicologia da classedominante.

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A colaboração entre estes organismos e as universidadesdeveria ser muito estreita, bem como sua colaboração comtodas as escolas superiores especializadas de qualquer tipo( militares, navais etc.) . A finalidade consiste em obter umacentralização e um impulso da cultura nacional que fossem su-periores aos da Igreja Católica.'

2 Este esquema de organização do trabalho cultural segundo os prin-cípios gerais da escola unitária deveria ser desenvolvido, cuidadosa-mente, em todas as suas partes e servir de guia na constituição mesmodo mais elementar e primitivo centro de cultura, que deveria ser con-cebido como um embrião e uma molécula de toda a estrutura maismaciça. Mesmo as iniciativas notoriamente transitórias e experimen-tais deveriam ser concebidas como capazes de ser absorvidas no esque-ma geral e, ao mesmo tempo, como elementos vitais que tendem acriar todo o esquema. Estudar atentamente a organização e o desen-volvimento do Rotary Club.

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Para a Investigaçãodo Principio Educativo

A. SEPARAÇÃO, provocada pela reforma Gentile, entrea escola elementar e média, por um lado, e a superior, poroutro. Antes da reforma, existia uma separação semelhante,tão marcada, somente entre a escola profissional, por um lado,e as escolas médias e superiores, por outro: a escola elemen-tar era colocada numa espécie de limbo, graças a algumasde suas características particulares.

Nas escolas elementares, dois elementos participavam naeducação e na formação das crianças: as primeiras noções deciências naturais e as noções dos direitos e deveres dos cida-dãos. As noções científicas deviam servir para introduzir omenino na societas ret un, ao passo que os direitos e deve-res para introduzi-lo na vida estatal e na sociedade civil. Asnoções científicas entravam em luta com a concepção má-gica do mundo e da natureza, que a criança absorve do am-

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biente impregnado de folclore, do mesmo modo como as no-ções de direitos e deveres entram em luta com as tendênciasà barbárie individualista e localista, que é também um as-pecto do folclore. A escola, mediante o que ensina, lutacontra o folclore, contra todas as sedimentações tradicionaisde concepções do mundo, a fim de difundir uma concepçãomais moderna, cujos elementos primitivos e fundamentais sãodados pela aprendizagem da existência de leis naturais comoalgo objetivo e rebelde, às quais é preciso adaptar-se paradominó-las, bem como de leis civis e estatais que são produ-to de uma atividade humana estabelecidas pelo homem e po-dem ser por ele modificadas visando a seu desenvolvimentocoletivo; a lei civil e estatal organiza os homens do modohistoricamente mais adequado à dominação das leis da natu-reza, isto é, a tornar mais fácil o seu trabalho, que é a formaprópria através da qual o homem participa ativamente navida da natureza, visando transformó-la e socializá-la cadavez mais profunda e extensamente. Pode-se dizer, por isso,que o princípio educativo sobre o qual se baseavam as esco-las elementares era o conceito de trabalho, que não se poderealizar em todo seu poder de expansão e de produtividadesem um conhecimento exato e realista das leis naturais e semuma ordem legal que regule organicamente a vida recíprocados homens, ordem que deve ser respeitada por convençãoespontânea e não apenas por imposição externa, por necessi-dade reconhecida e proposta pelos próprios homens como li-berdade e não por simples coação. O conceito e o fato dotrabalho (da atividade teórico-prática) é o princípio educati-vo imanente à escola elementar, já que a ordem social e esta-tal (direitos e deveres) é introduzida e identificada na ordemnatural pelo trabalho. O conceito do equilíbrio entre ordemsocial e ordem natural sobre o fundamento do trabalho, daatividade teórico-prática do homem, cria os primeiros elemen-tos de uma intuição do mundo liberta de toda magia ou bru-xaria, e fornece o ponto de partida para o posterior desen-volvimento de uma concepção histórico-dialética do mundo,para a compreensão do movimento e do devenir, para a va-lorização da soma de esforços e de sacrifícios que o presentecustou ao passado e que o futuro custa ao presente, para aconcepção da atualidade como síntese do passado, de todas

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as gerações passadas, que se projeta no futuro. $ este o fun-damento da escola elementar; que ele tenha dado todos osseus frutos, que no corpo de professores tenha existido aconsciência de seu dever e do conteúdo filosófico deste dever,é um outro problema, ligado à crítica do grau de consciênciacivil de toda a nação, da qual o corpo docente é tão-somenteuma expressão, ainda que amesquinhada, e não certamenteuma vanguarda.

Não é completamente exato que a instrução não sejaigualmente educação: a insistência exagerada nesta distin-ção foi um grave erro da pedagogia idealista, cujos efeitosjá se vêem na escola reorganizada por esta pedagogia. Paraque a instrução não fosse igualmente educação, seria precisoque o discente fosse uma mera passividade, um "recipientemecânico" de noções abstratas, o que é absurdo, além de ser"abstratamente" negado pelos defensores da pura educativi-dade precisamente contra a mera instrução mecanicista. O"certo" se toma "verdadeiro" na consciência da criança. Masa consciência da criança não é algo "individual" (e muitomenos individualizado), é o reflexo da fração de sociedadecivil da qual participa, das relações sociais tais como elasse concentram na família, na vizinhança, na aldeia, etc. Aconsciência individual da esmagadora maioria das criançasreflete relações civis e culturais diversas e antagônicas àsque são refletidas pelos programas escolares: o "certo" deuma cultura evoluída toma-se "verdadeiro" nos quadros deuma cultura fossilizada e anacrônica, não existe unidade en-tre escola e vida e, por isso, não existe unidade entre ins-trução e educação. Daí porque é possível dizer que, na es-cola, o nexo instrução-educação somente pode ser represen-tado pelo trabalho vivo do professor, na medida em que omestre é consciente dos contrastes entre o tipo de sociedadee de cultura que ele representa e o tipo de sociedade e decultura representado pelos alunos, sendo também. conscientede sua tarefa, que consiste em acelerar e em disciplinar aformação da criança conforme o tipo superior em luta com otipo inferior. Se o corpo docente é deficiente e o nexo instru-ção-educação é relaxado, visando a resolver a questão doensino de acordo com esquemas de papel nos quais se exaltaa educatividade, a obra do professor se tornará ainda mais

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deficiente: ter-se-á uma escola retórica, sem seriedade, poisfaltará a corporeidade material do certo, e o verdadeiro seráverdadeiro de palavra, ou seja, retórico.

Esta degenerescência pode ser ainda melhor vista na es-cola média, nos cursos de literatura e filosofia. Antes, pelomenos, os alunos formavam uma certa "bagagem" ou "pro-visão" (de acordo com os gostos) de noções concretas; ago-ra, quando o professor deve ser notadamente um filósofo eum esteta, o aluno negligencia as noções concretas e "enchea cabeça" com fórmulas e palavras que não têm nenhum sen-tido para ele, na maioria dos casos, e que são logo esqueci-das. A luta contra a velha escola era justa, mas a reformanão era uma coisa tão simples como parecia, não se tratavade esquemas programáticos, mas de homens, e não imediata-mente dos homens que são professores, mas de todo o com-plexo social do qual os homens são expressão. Na realidade,um professor medíocre pode conseguir que os alunos se tor-nem mais instruidos, mas não conseguirá que sejam mais cul-tos; ele desenvolverá — com escrúpulo e com consciênciaburocrática — a parte mecânica da escola, e o aluno, se forum cérebro ativo, organizará por sua conta .— e com a ajudade seu ambiente social a "bagagem" acumulada. Com osnovos programas, que coincidem com uma queda geral donivel do corpo docente, simplesmente não existirá mais "ba-gagem" a organizar. Os novos programas deveriam ter abo-lido completamente os exames; prestar um exame, atualmente,deve ser muito mais um "jogo de azar" do que antigamente.Uma data é sempre uma data, qualquer que seja o professorexaminador, e uma "definição" é sempre uma definição; mase um julgamento, uma análise estética ou filosófica?

A eficácia educativa da velha escola média italiana, comoa antiga lei Casati a havia organizado, não devia ser busca-da (ou negada) na vontade expressa de ser ou não escolaeducativa, mas no fato de que sua organização e seus pro-gramas eram a expressão de um modo tradicional de vidaintelectual e moral, de um clima cultural difundido em todaa sociedade italiana por uma antiquíssima tradição. O fatode que um tal clima e um tal modo de vida tenham entradoem agonia e que a escola se tenha separado da vida deter-minou a crise da escola. Criticar os programas e a organi-zação disciplinar da escola significa menos do que nada, se

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não se levam em conta estas condições. Assim, retorna-se àparticipação realmente ativa do aluno na escola, que só podeexistir se a escola for ligada à vida. Os novos programas,quanto mais afirmam e teorizam sobre a atividade do dis-cente e sobre sua operosa colaboração com o trabalho do do-cente, tanto mais são elaborados como se o discente fosseuma mera passividade.

Na velha escola, o estudo gramatical das línguas latinae grega, unido ao estudo das literaturas e histórias políticasrespectivas, era um principio educativo na medida em queo ideal humanista, que se personifica em Atenas e Roma,era difundido em toda a sociedade, era um elemento essen-cial da vida e da cultura nacionais. Inclusive a mecanicidadedo estudo gramatical era vivificada pela perspectiva cultural.As noções singulares não eram aprendidas visando-se a umaimediata finalidade prático-profissional: esta finalidade nãose revelava, pois o que contava era o desenvolvimento inte-rior da personalidade, a formação do caráter através da absor-ção e da assimilação de todo o passado cultural da civiliza-ção européia moderna. Não se aprendia o latim e o gregopara saber falar estas línguas, para servir de camareiro, deintérprete ou de correspondente comercial. Aprendia-se a fimde conhecer diretamente a civilização dos dois povos, pressu-posto necessário da civilização moderna, isto é, a fim de sere de conhecer conscientemente a si mesmo. As línguas la-tina e grega eram aprendidas segundo a gramática, mecani-camente; mas existe muita injustiça e impropriedade na acusa-ção de mecanicidade e de aridez. Trabalha-se com rapazo-las, aos quais deve-se levar a que contraiam certos hábitosde diligência, de exatidão, de compostura mesmo física, deconcentração psíquica em determinados assuntos, que não sepodem adquirir senão mediante uma repetição mecânica deatos disciplinados e metódicos. Um estudioso de quarentaanos seria capaz de passar dezesseis horas seguidas numamesa de trabalho se, desde menino, não tivesse assumido, pormeio da coação mecânica, os hábitos psicofisicos apropriados?Se se quer selecionar grandes cientistas, deve-se começar ain-da por este ponto e deve-se pressionar toda a área escolar afim de se conseguir que surjam os milhares ou centenas, oumesmo apenas dezenas, de estudiosos de grande valor, ne-

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cessários a toda civilização (não obstante, podem-se obtergrandes melhorias neste terreno com a ajuda dos subsídioscientíficos adequados, sem retomar aos métodos escolares dosjesuítas).

Aprende-se o latim (ou melhor, estuda-se o latim), ana-lisa-se esta lingua mesmo em suas partículas mais elementa-res, analisa-se como uma coisa morta, é verdade, mas qual-quer análise feita por uma criança não pode ser senão sobrecoisas mortas; ademais, é preciso não esquecer que, no lugaronde este estudo é feito sob estas formas, a vida dos roma-nos é um mito que, numa certa medida, já interessou à crian-ça e ainda a interessa, de modo que está sempre presente nomorto um grande vivo. E. além disso, a lingua é morta, éanalisada como uma coisa inerte, como um cadáver na mesaanatõmica, mas revive continuamente nos exemplos, nas nar-rações. Poder-se-ia estudar do mesmo modo o italiano? Im-possível; nenhuma língua viva poderia ser estudada como olatim: seria e pareceria absurdo. Nenhuma das crianças co-nhece o latim quando inicia seu estudo com aquele referidométodo analítico. Uma língua viva poderia ser conhecida,e bastaria que uma só criança a conhecesse para que o en-canto se quebrasse: todos iriam imediatamente à escolaBerlitz. O latim (bem como o grego) apresenta-se à fan-tasia como um mito, inclusive para o professor. O latim nãoé estudado para aprender o latim; o latim, há muito tempo,graças a uma tradição cultural-escolástica da qual se pode-ria pesquisar a origem e o desenvolvimento, é estudado comoelemento de um programa escolar ideal, elemento que resu-me e satisfaz toda uma série de exigências pedagógicas epsicológicas; ele é estudado a fim de que as crianças se ha-bituem a estudar de determinada maneira, a analisar um cor-po histórico que pode ser tratado como um cadáver que con-tinuamente volta à vida, a fim de habitua-las a raciocinar,a abstrair esquematicamente (mesmo que sejam capazes devoltar da abstração à vida real imediata), a fim de ver emcada fato ou dado o que há nele de geral e de particular,o conceito e o individuo. E, do ponto de vista educativo, oque não significara a constante comparação entre o latim ea língua que se fala?! A distinção e a identificação das pala-vras e dos conceitos, toda . a lógica formal, com a contradiçãodos opostos e a análise dos distintos, com o movimento his-

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tórico do conjunto lingüístico, que se modifica no tempo, quetem um devenir e que não é tão-somente estaticidade. Nosoito anos de ginásio-liceu, estuda-se toda a língua historica-mente real, após te-la visto fotografada num instante abstra-to, sob a forma de gramática: estuda-se desde Ênio (ou an-tes, desde as palavras dos fragmentos das doze tábuas) atéFedro e os cristãos-latinos: um processo histórico é analisadodesde seu surgimento até sua morte no tempo, morte apa-rente, pois sabe-se que o italiano, com o qual o latim é con-tinuamente comparado, é latim moderno. Estuda-se a gra-mática de uma certa época, uma abstração, o vocabulário deum período determinado, mas se estuda (por comparação) agramática e o vocabulário de cada autor determinado, bemcomo o significado de cada termo em cada "periodo" (esti-lístico) determinado; descobre-se, assim, que a gramática eo vocabulário de Fedro não são os de Cícero, nem os dePlauto, ou de Latâncio e Tertuliano, que uma mesma conexãode sons não tem o mesmo significado em épocas diversas, emescritores diversos. Compara-se continuamente o latim e oitaliano; mas cada palavra é um conceito, uma imagem, queassume nuanças diversas nas épocas, nas pessoas, em cadauma das duas línguas comparadas. Estuda-se a história li-terária dos livros escritos naquela lingua, a história política,as lutas dos homens que falaram aquela língua. A educaçãodo jovem é determinada por todo este complexo orgánico,pelo fato de que -- ainda que só materialmente -- ele per-correu todo aquele itinerário, com suas etapas, etc. Ele submer-ge na história, adquire uma intuição historicista do mundoe da vida, que se toma uma segunda natureza, quase umaespontaneidade, já que não é pedantemente inculcada pela"vontade" exteriormente educativa. Este estudo educava,(sem que tivesse a vontade expressamente declarada de fa-

zê-lo) com a minima intervenção "educativa" do professor:educava porque instruía. Experiências lógicas, artísticas, psi-cológicas, eram feitas sem que "se refletisse sobre", sem olhar-se continuamente no espelho, e era feita principalmente umagrande experiência "sintética", filosófica, de desenvolvimen-to histórico-real. Isto não significa (e seria uma tolice pen-sá-lo) que o latim e o grego, como tais, tenham qualidadesintrinsecamente taumatúrgicas no campo educativo. É todaa tradição cultural, que vive também (e principalmente) fora

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da escola, que produz — num ambiente determinado -- estasconseqüências. Vê-se, ademais, como, modificada a tradicio-nal intuição da cultura, tenha a escola entrado em crise e te-nha o estudo do latim e do grego entrado igualmente emcrise.

Será necessário substituir o latim e o grego como fulcroda escola formativa; esta substituição ocorrerá, mas não seráfácil dispor a nova matéria ou a nova série de matérias imaordem didática que dê resultados equivalentes no que toca àeducação e formação geral da personalidade, ordem queparta da criança até chegar aos umbrais da escolha profissio-nal. De fato, nesse periodo, o estudo ou a maior parte deledeve ser (ou aparecer como sendo aos discentes) desinte-ressado, isto é, não deve ter finalidades práticas imediatasou muito imediatas, deve ser formativo, ainda que "instruti-vo", isto é, rico de noções concretas. Na escola atual, gra-ças à crise profunda da tradição cultural e da concepção davida e do homem, verifica-se um processo de progressiva de-generescência: as escolas de tipo profissional, isto é, preo-cupadas em satisfazer interesses práticos imediatos, tomam afrente da escola formativa, imediatamente desinteressada. Oaspecto mais paradoxal reside em que este novo tipo de es-cola aparece e é louvada como democrática, quando, na rea-lidade, não só é destinada a perpetuar as diferenças sociais,como ainda a cristalizá-las em formas chinesas.

A escola tradicional era oligárquica, pois era destinadaà nova geração dos grupos dirigentes, destinada por sua veza tornar-se dirigente: mas não era oligárquica pelo seu modode ensino. Não é a aquisição de capacidades diretivas, nãoé a tendência a formar homens superiores que dá a marcasocial de um tipo de escola. A marca social ê dada pelo fatode que cada grupo social ten' um tipo de escola próprio, des-tinado a perpetuar nestes grupos uma determinada funçãotradicional, diretiva ou instrumental. Se se quer destruir estatrama, portanto, deve-se evitar a multiplicação e graduaçãodos tipos de escola profissional, criando-se, ao contrário, umtipo único de escola preparatória (elementar-média) que con-duza o jovem até os umbrais da escolha profissional, forman-do-o entrementes como pessoa capaz de pensar, de estudar,de dirigir ou de controlar quem dirige.

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A multiplicação de tipos de escola profissional, portanto,tende a eternizar as diferenças tradicionais; mas, dado queela tende, nestas diferenças, a criar estratificações internas,faz nascer a impressão de possuir uma tendência democrá-tica. Por exemplo: operário manual e qualificado, camponêse agrimensor ou pequeno agrônomo etc. Masa tendencia de-mocrática, intrinsecamente, não pode consistir apenas em queum operário manual se torne qualificado, mas em que cada"cidadão" possa se tornar "governante" e que a sociedadeo coloque, ainda que "abstratamente", nas condições geraisde poder fazê-lo: a democracia política tende a fazer coin-cidir governantes e governados (no sentido de governo como consentimento dos governados), assegurando a cada go-vernado a aprendizagem gratuita das capacidades e da pre-paração técnica geral necessárias ao fim de governar. Maso tipo de escola que se desenvolve como escola para o povonão tende mais nem sequer a conservar a ilusão, já que elacada vez mais se organiza de modo a restringir a base da ca-mada governante tecnicamente preparada, num ambiente so-cial político que restringe ainda mais a "iniciativa privada"no sentido de fornecer esta . capacidade e preparação técnico-política, de modo que, na realidade, retorna-se às divisões emordens "juridicamente" fixadas e cristalizadas ao invés desuperar as divisões em grupos: a multiplicação das escolasprofissionais, cada vez mais especializadas desde o inicio dacarreira escolar, é uma das mais evidentes manifestações destatendência.

A respeito do. dogmatismo e do criticismo-historicismonas escolas elementar e média, deve-se observar que a novapedagogia quis destruir o dogmatismo precisamente no cam-po da instrução, da aprendizagem de noções concretas, istoé, precisamente no campo em que um certo dogmatismo épraticamente imprescindível, somente podendo ser reabsorvi-do e dissolvido no inteiro ciclo do curso escolar (é impossí-vel ensinar a gramática histórica na escola primária e no gi-násio); mas ela é obrigada a ver introduzido o dogmatismopor excelencia, posteriormente, no campo do pensamento re-ligioso e a ver descrita, implicitamente, toda a história da fi-losofia como uma sucessão de loucuras e de delírios. Noensino da filosofia, o novo curso pedagógico (pelo menos

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para aqueles alunos, a esmagadora maioria, que não recebemajuda intelectual fora da escola, na familia ou no ambientefamiliar, e devem-se formar tão-somente com as indicaçõesque recebem nás aulas) empobrece o ensino, rebaixando-lhepraticamente o nivel, ainda que racionalmente pareça bells-simo, de um belíssimo utopismo. A filosofia descritiva tradi-cional, reforçada por vm curso de história da filosofia e pelaleitura de um certo número de filósofos, parece ser pratica-mente a melhor coisa. A filosofia descritiva e definidora podeser uma abstração dogmática, como a gramática e a matemá-tica, mas é uma necessidade pedagógica e didática. 1 = 1 éuma abstração, mas ninguém é levado por isso a pensar que1 mosca é igual a I elefante. Também as regras da lógicaformal são abstrações do mesmo género, são uma gramáticado pensar normal; não obstante, é necessário estudá-las, poisnão são algo inato, devendo ser adquiridas mediante o tra-balho e a reflexão. O novo curso pressupõe que a lógica for-mal seja algo que já se possui quando se pensa, mas nãoexplica como ela deva ser adquirida; praticamente, portanto,ela é suposta como sendo inata. A lógica formal é como agramática: é assimilada de um modo "vivo" mesmo que aaprendizagem tenha sido necessariamente esquemática eabstrata, já que o discente não é um disco de vitrola, não éum recipiente passivamente mecânico, ainda que a convencio-nalidade litúrgica dos exames assim o faça aparecer porvezes. A relação de tais esquemas educativos com o espíritoinfantil é sempre ativa e criadora, como ativa e criadora éa relação entre o operário e seus utensílios de trabalho; tam-bém um sistema de medição é um conjunto de abstrações,mas é impossível produzir objetos reais sem a medição, obje-tos reais que são relações sociais e que contém idéias im-plícitas.

A criança que quebra a cabeça com os barbara e bara-lipton fatiga-se, certamente, e deve-se procurar fazer comque ela só se fatigue quando for indispensável e não inutil-mente; mas é igualmente certo que será sempre necessárioque ela se fatigue a fim de aprender e que se obrigue a pri-vações e limitações de movimento físico, isto é, que se subme-ta a um tirocínio psicofisico. Deve-se convencer a muitagente que o estudo é também um trabalho, e muito fatigante,

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com um tirocínio particular próprio, não só muscular-nervo-so mas intelectual: é um processo de adaptação, é um hábitoadquirido com esforço, aborrecimento e mesmo sofrimento.A participação das mais amplas massas na escola média levaconsigo a tendência a afrouxar a disciplina do estudo, aprovocar "facilidades". Muitos pensam, inclusive, que as di-ficuldades são artificiais, já que estão habituados a só con-siderar como trabalho e fadiga o trabalho manual. A ques-tão é complexa. Por certo, a criança de uma familia tradi-cional de intelectuais supera mais facilmente 'o processo deadaptação psicofisico; quando entra na classe pela primeiravez, já tem vários pontos de vantagem sobre seus colegas,possui uma orientação já adquirida por hábitos familiares:concentra a atenção com mais facilidade, pois tem o hábito dacontenção física etc. Do mesmo modo, o filho de um operáriourbano sofre menos quando entra na fábrica do que um filhode camponeses ou do que um jovem camponês já desenvol-vido pela vida rural. Também o regime alimentar tem im-portância etc., etc. Eis porque mujtas pessoas do povo pen-sam que, nas dificuldades do estudo, exista um "truque" con-tra elas (quando não pensam que são estúpidos por natu-reza): vêem o senhor (e para muitos, especialmente no cam-po, senhor quer dizer intelectual) realizar com desenvolturae aparente facilidade o trabalho que custa aos seus filhos lá-grimas e sangue, e pensam que exista algum "truque". Numanova situação, estas questões. podem se tornar muito ásperase será preciso resistir à tendência a tornar fácil o que nãopode se-lo sem ser desnaturado. Se se quiser criar uma novacamada de intelectuais, chegando às mais altas especializa-ções, própria de um grupo social que tradicionalmente nãodesenvolveu as aptidões adequadas, será preciso superar di-ficuldades inauditas.

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Notas Esparsas

Problemas Escolarese organização da Cultura

ALGUNS PRINCÍPIOS DA PEDAGOGIA MODERNA. Investi-gar a origem histórica de alguns princípios da pedagogiamoderna: a escola ativa, ou seja, a colaboração amigávelentre professor e aluno; a escola ao ar livre; a necessidadede deixar livre, sob a vigilância mas não sob controle eviden-te do professor, o desenvolvimento das faculdades espontâ-neas do escolar. A Suíça deu uma grande contribuição àpedagogia moderna (Pestalozzi etc.), graças à tradição ge-nebrina de Rousseau; na realidade, esta pedagogia é umaforma confusa de filosofia ligada a uma série de regras empí-ricas. Não se levou em conta o fato de que as idéias deRousseau são uma violenta reação contra a escola e métodospedagógicos dos jesuitas e, enquanto tais, representam umprogresso: mas, posteriormente, formou-se uma espécie deigreja, que paralisou os estudos pedagógicos e deu lugar a

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curiosas involuções (nas doutrinas de Gentile e de Lombar-do-Radice) . A "espontaneidade" é uma destas involuções:quase se chega a imaginar que o cérebro do menino é umnó que o professor ajuda a desembaraçar. Na realidade, todageração educa a nova geração, isto é, forma-a; a educaçãoé uma luta contra os instintos ligados às funções biológicaselementares, uma luta contra a natureza, a fim de dominá-la e de criar o homem "atual" à sua época. Não se leva emconta que o menino, desde quando começa a "ver e a tocar",talvez poucos dias depois do nascimento, acumula sensaçõese imagens, que se multiplicam e se tomam complexas com oaprendizado da linguagem. A "espontaneidade", se analisa-da, toma-se cada vez mais problemática. Outrossim, a "es-cola" (isto é, a atividade educativa direta) é tão-somenteuma fração da vida do aluno, o qua] entra em contato tantocom a sociedade humana quanto com a societas rerum, for-mando-se critérios a partir destas fontes "extra-escolares"muito mais importantes do que habitualmente se acredita. Aescola única, intelectual e manual, tem ainda esta vantagem:a de colocar o menino em contato, ao mesmo tempo, com ahistória humana e com a história das "coisas", sob o con-trole do professor.

Pedagogia mecanicista e idealista. Para elaborar umcompleto ensaio sobre Antonio Labriola, deve-se levar emconsideração, além de seus escritos (que são escassos e, fre-qüentemente, apenas alusivos ou extremamente sintéticos),também os elementos e fragmentos de conversação referidospor seus amigos e alunos. (Labriola deixou a fama de serum excepcional "conversador".) Nos livros de BenedettoCroce, esparsamente, podem-se coletar vários destes elemen-tos e fragmentos. Assim, por exemplo, nas Conversações Criti-cas (segunda serie), págs. 60-61: "'Como faríeis para edu-car moralmente um papuano?', perguntou um de nossos alu-nos, há muitos anos, ao Prof. Labriola, numa de suas liçõesde pedagogia, objetando contra a eficácia da pedagogia.'Pro-visoriamente (respondeu com viquiana e hegeliana aspere-za o hebartiano professor), provisoriamente faria dele um es-cravo; e esta seria a pedagogia do caso, restando ver se paraseus netos e bisnetos poder-se-ia começar a utilizar algo da

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nossa pedagogia'". Esta resposta de Labriola deve ser apro-ximada da entrevista que ele deu sobre a questão colonial(Libia), em 1903, reproduzida no volume dos Escritos di-versos sobre filosofia e política. Deve-se aproximá-la tam-bém do modo de pensar de Gentile no que diz respeito aoensino religioso nas escolas primárias. Trata-se, ao que pa-rece, de um pseudo-historicismo, de um mecanicismo bastan-te empírico e muito próximo do mais vulgar evolucionismo.Poder-se-ia recordar o que disse Bertrando Spaventa a res-peito daqueles que pretendem conservar sempre os homensno berço (isto é, no momento da autoridade, que educa paraa liberdade, entretanto, os povos imaturos) e imaginam todaa vida (dos outros) como um berço.' Parece-me que o pro-blema, de um ponto de vista histórico, deva ser colocado deoutra maneira: ou seja, uma nação ou grupo social que atin-giu um grau superior de cultura, pode (e, portanto, deve)"acelerar" o processo de educação dos povos e dos grupossociais mais atrasados, universalizando e traduzindo de modoadequado sua nova experiencia? Assim, quando os inglesesconvocam recrutas entre povos primitivos, que jamais viramum fuzil moderno, não instruem estes recrutas no empregodo arco, do boomerang ou da zarabatana, mas precisamenteno manejo do fuzil, se bem que as normas de instrução se-jam necessariamente adaptadas à "mentalidade" daquele de-terminado povo primitivo. O modo de pensar implícito naresposta de Labriola, portanto, não parece ser dialético eprogressista, mas antes mecânico e reacionário, tal como o"pedagógico" religioso de Gentile, que não é mais do queuma decorrência do conceito de que a "religião é boa parao povo" (povo = criança = fase primitiva do pensamento àqual corresponde a religião etc.), isto é, trata-se de uma re-

Hegel afirmara que a servidão é o berço da liberdade. Pam Hegel,como para Maquiavel, o "novo principado" (isto é, o período ditato-rial que caracteriza os inicios de qualquer novo tipo de Estado) e aservidão que o acompanha justificam-se tão-somente enquanto educa-ção e disciplina do homem não ainda livre. B. SPAVENTA, porém co-menta oportunamente (Princípios de ética, Apéndice, Nápoles, 1904):"Mas o berço não é a vida. Alguns gostariam de nos deixar sempreno berço". Um exemplo típico de berço que se converte em toda avida é oferecido pelo protecionismo aduaneiro, que é sempre propug-nado e justificado como 'berço", mas tende a se tomar um beige eterno.

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núncia (tendenciosa) a educar o povo. Na entrevista sobrea questão colonial, o mecanicismo implícito no pensamentode Labriola aparece de um modo mais evidente. De fato,pode muito bem ocorrer que seja "necessário reduzir os pa-puanos à escravidão" a fim de educá-los, mas não é menosnecessário que alguém afirme que isto não é necessário se-não contingentemente, na medida em que existem determi-nadas condições, isto é, que se trata de uma necessidade "his-tórica" i não absoluta: aliás, é necessário que exista umaluta a respeito, sendo precisamente esta luta a condição paraque os netos e bisnetos do papuano sejam libertados da es-cravidão e educados através da pedagogia moderna, O fatode que se afirme ser a escravidão dos papuanos apenas umanecessidade do momento, e que se rebele contra esta neces-sidade, tal fato é também filosófico-histórico: 1) porque con-tribuirá para reduzir ao tempo necessário o período de es-cravidão; 2) porque induzirá os próprios papuanos a refleti-rem sobre si mesmos, a se auto-educarem, na medida em quese sentirem apoiados por homens de civilização superior: 3)porque apenas esta resistencia revela que se está realmentenum periodo superior de civilização e de pensamento. O his-toricismo de Labriola e de Gentile é de um género bastantedecadente: é o historicismo dos juristas, para os quais o knutnão é um knut quando é um knut "histórico". Trata-se, ade-mais, de um modo de pensar muito nebuloso e confuso. Ofato de, nas escolas primárias, ser necessária uma exposição"dogmática" das noções científicas ou ser necessária uma"mitologia", não significa que o dogma deva ser o religiosoe a mitologia aquela mitologia determinada. O fato de queum povo ou um grupo social atrasado tenha necessidade deuma disciplina exterior coercitiva a fim de ser educado paraa civilização, não significa que deva ser reduzido à escra-vidão; a não ser que se pense que toda coerção estatal é es-cravidão. Existe uma coerção de tipo militar (mesmo para otrabalho) que pode ser aplicada inclusive à classe dominan-te, e que não é "escravidão", mas sim a expressão adequadada pedagogia moderna dirigida para a educação de um ele-mento imaturo (que é seguramente imaturo, mas muito pró-ximo de elementos já maduros, ao passo que a escravidão éorganicamente a expressão de condições universalmente ima-

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turas). Spaventa -- que se colocava do ponto de vista daburguesia liberal contra os "sofismas" historicistas das clas-ses reacionárias — exprimia, de modo sarcástico, uma con-cepção bem mais progressista e dialética do que a de La-briola e Gentile.

O Humanismo. Estudar a reforma pedagógica introdu-zida pelo Humanismo: a substituição da "composição escri-ta" pela "disputa oral", por exemplo, que é um de seus ele-mentos "práticos" mais significativos. (Recordar algumasnotas sobre o modo de difusão da cultura por via oral, pordiscussão dialógica, através da oratória, que determina umaargumentação pouco rigorosa e produz a convicção imediatasobretudo por via emotiva.)

Ordem intelectual e moral. Trechos do livro Lecturesand Essays on University Subjects, do Cardeal Newman. An-tes de mais nada, e no plano mais geral, a universidade tema tarefa humana de educar os cérebros para pensar de modoclaro, seguro e pessoal, libertando-o das névoas e do caosnos quais uma cultura inorgânica, pretensiosa e confusionis-ta ameaçava submergi-lo, graças a leituras mal absorvidas,conferencias mais brilhantes do que sólidas, conversações ediscussões sem conteúdo: "Um jovem de intelecto agudo evivo, desprovido de uma sólida preparação, não tem mais aapresentar do que um acervo de idéias, ora verdadeiras orafalsas, que têm para ele o mesmo valor. Possui um certonúmero de doutrinas e fatos, mas descozidos e dispersos, nãotendo principios em torno dos quais coleta-los e situá-los. Diz,desdiz e se contradiz, e quando é obrigado a expressar cla-ramente seu pensamento não mais se reencontra. Percebemais as objeções do que as verdades, propõe mil questões àsquais ninguém saberia responder: mas, entrementes, nutre amais alta opinião sobre si e se irrita com os que discordamdele".

O método que a disciplina universitária prescreve paracada forma de investigação é muito diferente e muito dife-rente é o resultado: é "a formação do intelecto, isto é, umhábito de ordem e de sistema, o hábito de relacionar todo

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conhecimento novo com os que já se possui e integrá-los emconjunto e, o que é mais importante, a aceitação e o usode certos principios, como centro de pensamento... Quandoexiste esta faculdade crítica, a história não é mais um livrode novelas, nem a biografia um romance; os oradores e aspublicações do dia perdem a infalibilidade; a eloqüência nãosubstitui o pensamento, nem as afirmações corajosas ou asdescrições coloridas ocupam o lugar de argumentos". A dis-ciplina universitária deve ser considerada como um tipo dedisciplina para a formação intelectual, realizável também eminstituições não "universitárias" em sentido oficial.

As universidades italianas. Por que não exercem emnosso pais aquela influencia de reguladoras da vida culturalque exercem em outros paises? Um dos motivos deve ser bus-cado no seguinte: nas universidades, o contato entre profes-sores e estudantes não é organizado. O professor ensina, desua cátedra, à massa dos ouvintes, isto é, dá a sua lição evai embora. Tão-somente na época da apresentação da teseé que o estudante se aproxima do professor, pede-lhe um temae conselhos específicos sobre o método da pesquisa cienti-fica. Para a massa dos estudantes, os cursos não são maisdo que uma série de conferências, ouvidas com maior ou me-nor atenção, todas ou apenas uma parte: o estudante confianas apostilas, na obra que o próprio professor escreveu sobrea matéria ou na bibliografia que indicou. Existe um maiorcontato entre os professores individuais e estudantes indivi-duais que pretendem se especializar numa determinada dis-ciplina: este contato se estabelece, no mais das vezes, ca-sualmente, e possui uma imensa importância para a conti-nuidade académica e para o destino das várias disciplinas.Ele se estabelece, por exemplo, graças a causas religiosas,políticas, de amizade familiar. Um estudante toma-se assí-duo de um professor, que o encontra na biblioteca, convida-opara casa, aconselha-lhe livros para ler e pesquisas a tentar.Cada professor tende a formar uma "escola" própria, temseus pontos de vista determinados (chamados de "teorias")sobre determinadas partes de sua ciencia, que gostaria dever defendidos por "seus seguidores ou discípulos" . Cada

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professor pretende que, de sua universidade, em concorrên-cia com as outras, saiam jovens "distinguidos" que dêem sé-rias "contribuições" à sua ciencia. Por isso, na própria fa-culdade, existe concorrência entre professores de matériasafins na disputa de alguns jovens que já se tenham distin-guido por causa de uma recensão, de um artiguinho ou emdiscussões escolares (onde elas são realizadas). Neste caso,o professor realmente guia o seu aluno; indica-lhe um tema,aconselha-o no desenvolvimento, facilita-lhe as pesquisas,mediante suas conversas assíduas acelera a formação cien-tifica dele, faz-lhe publicar os primeiros ensaios nas revistasespecializadas, coloca-o em contato com outros especialistase se apodera dele definitivamente. Este costume, salvo casosesporádicos de igrejinhas, é benéfico, pois completa a funçãodas universidades. Deveria deixar de ser fato pessoal, ini-ciativa pessoal, para se tomar função orgânica: não sei atéque ponto, mas parece-me que os seminários de tipo alemãorepresentam esta função ou buscam desenvolve-la. Em tornode certos professores, há uma disputa de pessoas que aspi-ram atingir mais facilmente uma cátedra universitária. Mui-tos jovens, pelo contrário, particularmente os que vêm dosliceus provincianos, são marginalizados tanto no ambiente so-cial universitário quanto no ambiente de estudo. Os primei-ros seis meses do curso servem para uma orientação sobreo caráter específico dos estudos universitários, e a timideznas relações pessoais nunca deixa de existir entre professore aluno. Nos seminários, tal coisa não se verificaria, ou pelomenos não na mesma medida. De qualquer modo, esta es-trutura geral da vida universitária não cria, já na universi-dade, nenhuma hierarquia intelectual permanente entre pro-fessores e massa de estudantes: após a universidade, mesmoaquelas escassas ligações se relaxam e, em nosso pais, ine-xiste qualquer estrutura cultural que se apóie sobre a uni-versidade. Foi este um dos elementos que determinou a sorteda dupla Croce-Gentile, antes da guerra, na constituição deum grande centro de vida intelectual nacional; entre outrascoisas, eles lutavam também contra a insuficiencia da vidauniversitária e contra a mediocridade científica e pedagógi-ca (e mesmo moral, por vezes) dos professores oficiais.

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Questões escolares. Cf. o artigo "O fácil e o difícil",de Metron, no Corriere della Sera de 7 de janeiro de 1932.

Metron faz duas observações interessantes (referindo-se aoscursos de engenharia e aos exames de Estado para os en-genheiros) : 1) que, durante o curso, o professor fala ceme o estudante absorve um ou dois; 2) que, nos exames deEstado, os candidatos sabem responder às questões "difíceis"e fracassam nas questões "fáceis". Metron não analisa exa-tamente, porém, as razões destes dois problemas e não in-dica nenhum remédio "tendencial". Ao que me parece, asduas deficiências são ligadas ao sistema escolar das lições-conferências sem "seminário" e ao caráter tradicional dosexames, que lhes criou uma psicologia tradicional. Aponta-mentos e apostilas. Os apontamentos e apostilas fundam-seespecialmente sobre as questões "difíceis": no próprio ensi-no, insiste-se sobre o "difícil", tendo-se como hipótese umaatividade independente do estudante no que diz respeitoàs "coisas fáceis". Quanto mais se aproximam os exames,tanto mais se resume a matéria do curso, até chegar nasvésperas, quando só são "repassadas" precisamente as ques-tões mais difíceis: o estudante fica como que hipnotizadopelo difícil, todas as suas faculdades mnemõnicas e sua sen-sibilidade intelectual se concentram nas questões difíceis. Vi-sando a uma absorção minima, o sistema das lições-confe-rencias leva o professor a não se repetir ou a se repetir omenos possível: as questões são assim apresentadas apenasdentro de um quadro determinado, que as toma unilateraispara o estudante. O estudante absorve um ou dois do cemdito pelo professor: mas se o cem é constituído por cem uni-lateralidades diversas, a absorção não pode deixar de sermuito baixa. Um curso universitário é concebido como umlivro sobre o assunto. Mas alguém pode se tornar culto coma leitura de um só livro? Trata-se, portanto, do problemado método no ensino universitário: na Universidade, deve-seestudar ou estudar para saber estudar? Deve-se estudar "fa-tos" ou o método para estudar os "fatos"? A prática do "se-minário" deveria precisamente complementar e vivificar o en-sino oral.

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Escolas progressistas. No Marzocco de 13 de setembrode 1931, G. Ferrando examina um trabalho de CarletonWashburne, pedagogo americano, que veio à Europa espe-cialmente para ver como funcionam as novas escolas pro-gressistas, inspiradas no princípio da autonomia do aluno eda necessidade de satisfazer, na medida do possível, suasnecessidades intelectuais ( New School in the old World byCARLETON WASHEURNE, New York, The John Day Com-pany, 1930). Washburne descreve doze escolas, todas dife-rentes entre si, mas todas animadas por um espirito refor-mador, em algumas mitigado e inserido no velho tronco daescola tradicional, enquanto em outras assumindo um caráterfrancamente revolucionário. Cinco destas escolas são na In-glaterra, uma na Bélgica, uma na Holanda, uma na França,uma na Suíça, uma na Alemanha e duas na Tcheco-Eslová-quia; cada uma delas nos apresenta um aspecto do complexoproblema educacional.

A Public School de Oundle, uma das mais antigas es-colas inglesas, diferencia-se das escolas do mesmo tipo tão-somente porque, ao lado dos cursos teóricos de matérias clás-sicas e cientificas, instituiu cursos manuais e práticos. Todosos estudantes são obrigados a freqüentar, de acordo com suaescolha, ou uma oficina mecánica ou um laboratório cientí-fico: o trabalho manual é acompanhado pelo trabalho inte-lectual, e -- mesmo que não exista nenhuma relação diretaentre os dois — o aluno aprende, não obstante, a aplicarseus conhecimentos e desenvolve suas capacidades práticas.[Este exemplo mostra como é necessário definir exatamenteo conceito de escola unitária, na qual o trabalho e a teoriaestão estreitamente ligados: a aproximação mecânica das duasatividades pode ser um esnobismo. Ouve-se dizer de grandesintelectuais que eles se divertem trabalhando como torneiros,carpinteiros, encardenadores de livros, etc.; isto não é sufi-ciente para que sejam um exemplo de unidade entre trabalhomanual e intelectual. Muitas destas escolas modernas sãoprecisamente do tipo esnobe, que nada têm a ver (a não sersuperficialmente) com o problema de criar um tipo de esco-la que eduque as classes instrumentais e subordinadas paraum papel de direção na sociedade, como conjunto e nãocomo individuos singulares.]

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A escola média feminina de Streatham Hell aplica o sis-tema Dalton (que Ferrando chama de "desenvolvimento dométodo Montessori") ; as moças são livres para seguir as li-ções (práticas ou teóricas) que desejem, contanto que, nofim de cada mês, tenham concluido o programa que lhes foiindicado; a disciplina das várias classes é confiada às alu-nas. O sistema tem um grave defeito: as alunas, em geral,deixam para os últimos dias do mês a execução de seu dever,o que compromete a seriedade da escola e constitui um sérioinconveniente para as professoras, que devem ajudá-las e quesão sobrecarregadas de trabalho, ao passo que nas primeirassemanas nada tem — ou tem muito pouco — a fazer. [Osistema Dalton não é senão a extensão às escolas médias dométodo de estudo seguido nas universidades italianas, quedeixam ao aluno uma total liberdade no estudo: em certasfaculdades, realizam-se vinte exames no quarto ano univer-sitário e depois apresenta-se a tese, de modo que o professornem sequer conhece o aluno.]

Na pequena aldeia de Kearsley, E. F. O'Neill fundouuma escola elementar na qual foi abolido "qualquer progra-ma e método didático". O professor busca tomar consciên-cia do que os meninos têm necessidade de aprender e, pos-teriormente, começa a falar sobre aquele determinado assun-to, buscando despertar a curiosidade e o interesse deles; tãologo o consegue, deixa que prossigam por sua conta, limi-tando-se a responder às suas perguntas e a guiá-los em suasinvestigações. Esta escola, que representa uma reação con-tra todas as fórmulas, contra o ensino dogmático, contra atendência a tornar mecânica a instrução, "deu resultados sur-preendentes"; os meninos se apaixonam de tal modo pelas li-ções, que por vezes permanecem na escola até de noite, afei-çoam-se a seus professores, que são para eles camaradas enão autocratas pedagogos e sofrem sua influência moral;mesmo intelectualmente, seu progresso é bastante superior aodos alunos das escolas comuns. [É muito interessante comotentativa; mas poderia ser generalizada? encontrar-se-iam bsprofessores numericamente necessários à tarefa? e, por aca-so, não existem inconvenientes que não são referidos, comoo dos meninos que devem abandonar a escola? Poderia ser

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uma escola de elite ou um sistema de "pós-escola", em subs-tituição à vida familiar.]

Um grupo de escolas elementares de Hamburgo: liber-dade absoluta para as crianças; nenhuma distinção de classe,ausência de matérias de estudo, inexistência de ensino nosentido preciso da palavra. A instrução dos meninos derivaapenas das perguntas que fazem aos professores e do inte-resse que demonstram por um determinado fato. O Sr. Gla-ser, diretor dessas escolas, sustenta que o professor não temsequer o direito de estabelecer o que os rapazes devem apren-der; não pode saber o que eles vão ser na vida, assim comoignora para que tipo de sociedade devem ser preparados; aúnica coisa que o professor sabe é que "possuem uma almaque deve ser desenvolvida" e, portanto, deve tentar lhes ofe-recer todas as possibilidades de manifestação. Para Glaser,a educação consiste "em liberar a individualidade de cadaaluno, em permitir à sua alma que apareça e. se expanda".Em oito anos, os alunos dessas escolas obtiveram bons re-sultados.

As outras escolas das quais fala Washburne são inte-ressantes, já que desenvolvem certos aspectos do problemaeducacional; assim, por exemplo, a escola "progressista" daBélgica se baseia no princípio de que os meninos aprendementrando em contato com o mundo e ensinando aos outros.A escola Cousinet, na França, desenvolve o hábito do es-forço coletivo, da colaboração. A de Glarisegg, na Suiça,insiste de modo especial em desenvolver o sentido da liber-dade e da responsabilidade moral de cada aluno etc. [Lútil acompanhar todas estas tentativas, que não são mais doque "exceções", mais talvez para ver o que não se deve fazerdo que por qualquer outra razão.]

A orientação profissional. Cf. o estudo do Padre Bruc-culeri, na Civiltà Cattolica de 6 de outubro, 3 de novembroe 17 de novembro de 1928: pode-se encontrar, em tal estudo,o primeiro material para uma colocação inicial das investiga-ções a respeito deste assunto. O estudo da questão é com-plexo: 1) porque, na situação atual de divisão social dasfunções, alguns grupos têm limitações em sua escolha pro-

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fissional (entendida em sentido lato), decorrentes de condi-ções econômicas diversas (a impossibilidade de esperar) etécnicas (cada nova ano escolar modifica as disposições ge-rais nas quais deve escolher a profissão); 2) porque devesempre ser levado em conta o perigo de que os institutos cha-mados a julgar as disposições da pessoa indiquem-na comocapaz de desempenhar um certo trabalho, mesmo quando elanão queira aceitá-lo (este caso deve ser levado em contaapós a introdução da racionalização, etc.: a questão não épuramente técnica, mas salarial. A indústria americana ser-viu-se dos altos salários para "selecionar" os operários daindústria racionalizada, pelo menos em certa medida: outrasindústrias, pelo contrário, levando adiante estes esquemascientíficos e pseudocientíficos, podem tender a "obrigar" to-das as especialidades tradicionais a que se deixem racionali-zar sem ter obtido as possibilidades salariais para um siste-ma de vida apropriado, que permita reintegrar as maioresenergias nervosas consumidas. A possível que se esteja dian-te de um verdadeiro perigo social; o regime salarial atual ébaseado principalmente sobre a reintegração de forças mus-culares. A introdução da racionalização sem uma modifica-ção do sistema de vida pode levar a um rápido esgotamentonervoso e a determinar uma crise inaudita de morbidez.) Oestudo da questão deve, outrossim, ser feito do ponto devista da escola única do trabalho.

Serviços públicos. Serviços públicos intelectuais: alémda escola, nos vários níveis, que outros serviços não podemser deixados à iniciativa privada, mas — numa sociedademoderna — devem ser assegurados pelo Estado e pelas en-tidades locais (comunas e provincias)? O teatro, as bibliote-cas, os museus de vários tipos, as pinacotecas, os jardinszoológicos, os hortos florestais etc. É preciso fazer uma listade instituições que devem ser consideradas de utilidade paraa instrução e a cultura públicas e que são consideradas comotais numa série de Estados, instituições que não poderiamser acessíveis ao grande público (e se considera, por razõesnacionais, que devam ser acessíveis) sem uma intervençãoestatal. E preciso observar que, precisamente estes serviços,são quase inteiramente negligenciados por nós; um exemplo

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típico são as bibliotecas e os teatros. Os teatros existem namedida em que são um negócio comercial: não são conside-rados serviços públicos. E um fato a escassez do públicoteatral e a mediocridade das cidades em decadência. Pelocontrário, na Itália, são abundantes as obras pias e as doa-ções beneficentes: talvez mais do que em qualquer outropais. E devidas à iniciativa privada. E verdade que são maladministradas e mal distribuídas. [Estes elementos devemser estudados como nexos nacionais entre governantes e go-vernados, como fatores de hegemonia. -- Beneficência é ele-mento de "paternalismo"; serviços intelectuais são elementode hegemonia, ou seja, de democracia no sentido moderno.]

As bibliotecas populares. ALFREDO FAaLE'M, "Os pri-meiros vinte e cinco anos das bibliotecas populares milane-sas", Nueva Antologia, 19 de outubro de 1928. Artigo muitoútil graças às informações que presta sobre a origem e o de-senvolvimento desta instituição, que foi a mais brilhante ini-ciativa em favor da cultura popular dos tempos' modernos. Oartigo é bastante sério, se bem que Fabietti tenha demons-trado não ser ele mesmo muito sério; todavia, é necessáriolhe reconhecer muitas benemerências e uma indiscutível ca-pacidade organizativa no campo da cultura operária no sen-tido democrático. Fabietti esclarece como os operários eramos melhores "clientes" das bibliotecas populares: cuidavamdos livros, não os destruíam [ao contrário das outras cate-gorias de leitores: estudantes, empregados, profissionais, do-nas-de-casa, rentistas (?), etc.] As leituras de "belas letras"representavam um percentual relativamente baixo, inferior aode outros paises. Havia operários que se propunham a pagara metade dos livros caros a fim de poder l€-los; outros ope-rários davam auxilios de até cem liras às bibliotecas popu-lares; houve um operário tintureiro que se tornou "escritor"e tradutor do francés graças às leituras e aos estudos feitosnas bibliotecas populares, mas que continuava a ser operário.

A literatura sobre as bibliotecas populares milanesas de-verá ser estudada a fim de se obter informações "reais" so-bre a cultura popular: os livros mais lidos, por categoria epor autores, etc.; publicações das bibliotecas populares, suascaracterísticas, tendências, etc. Por que somente em Milão

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tal iniciativa foi feita em grande estilo? Por que não em Tu-rim, ou em outras grandes cidades? Características e histó-ria do "reformismo" milanés; Universidades populares, Hu-manitária, etc. O tema é muito interessante e essencial.'

As academias. Função que desempenharam no desen-volvimento da cultura italiana, em sua cristalização e em suatransformação num objeto de museu, afastada da vida nacio-nal-popular (mas as academias foram causa ou efeito? Suamultiplicação não ocorreu, talvez, para que se desse uma sa-tisfação parcial a atividades que não encontravam realiza-ção na vida pública? etc.).

A Encyclopédie (edição de 1778) assegura que a Itáliacontava então com 550 academias.

Cultura italiana e francesa e• academias. Uma compa-ração das culturas italiana e francesa pode ser feita estabe-lecendo-se um paralelo entre a Academia da Crusca e a Aca-demia dos Imortais. O estudo da língua está na base de am-bas: mas o ponto de vista da de Crusca é o do "lingüista",do homem que se preocupa continuamente com a língua. Oponto de vista francés é o da "língua" como concepção domundo, como base elementar, popular-nacional, da unidadeda civilização francesa. Por isso, a Academia Francesa pos-sui uma função nacional de organização da alta cultura, ao-passo que a Crusca... (qual é a atual posição da Crusca?Ela certamente mudou de característica: publica textos crí-ticos, etc.; mas o Dicionário, em que posição se encontra eleem seus trabalhos?).

Bibliografia. Em outra nota, fiz referência às Acade-mias italianas e à utilidade de ter uma lista documentada de-las. Na Nuova Antologia de 19 de setembro de 1929 (pág.129), é anunciado um livro de E. SALARIS, Através dos ins-

2 Cf. o interessante artigo de ALFREDO FABIErrI, "Para a sistematiza_çáo das bibliotecas públicas 'nacionais' e 'populares", na - Nuova Antolo-gia de 1.2 de abril de 1930.

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titutos culturais italianos, obra de publicação próxima e quetrata das Academias da Itália.

A Federação das Uniões Intelectuais. O Príncipe Carlosde Rohan fundou, em 1924, a Federação das Uniões Inte-lectuais e dirige uma revista ( Europãische Gesprãche). Ositalianos participam desta federação: seu Congresso realiza-do em 1925 teve lugar em Milão. A União Italiana é pre-sidida por S. Exa., Senador Vittorio Scialoja. Em 1927,Rohan publicou um livro sobre a Rússia (Moskau — EinSkizzenbuch ans Sowietrussland, Verlag G. Braun, Karls-ruhe), onde fora em viagem. O livro deve ser interessantepor causa da personalidade social do autor. Ele conclui quea Rússia "seinen Weg gefunden hat".

Organização da urda cultural. Estudar a história da for-mação e da atividade da "Sociedade Italiana para o pro-gresso da Ciência". Dever-se-á estudar também a históriada "Associação Britânica", que me parece ter sido o protótipodeste género de organizações privadas. A característica maisfecunda da "Sociedade Italiana", reside no fato de que elaagrupa todos os "amigos da ciência", clérigos e laicos, parassim dizer, especialistas e "diletantes".

Ela fornece o tipo embrional daquele organismo que es-bocei numa nota anterior, no qual deveria confluir e solidi-ficar-se o trabalho das academias e das universidades comas necessidades de cultura científica das massas nacionais-populares, reunindo a teoria e a prática, o trabalho intelectuale o trabalho industrial, que poderia encontrar sua raiz na"escola única" .

O mesmo poderia ser dito do Touring Club, que é essen-cialmente uma grande associação de amigos da geografia edas viagens, na medida em que se incorporam em determi-nadas atividades esportivas (turismo = geografia-esporte),isto é, na forma mais popular e diletante do amor pela geo-grafia e pelas ciências que a ela se ligam (geologia, mine-ralogia, botãnica, espeleologia, cristalografia etc.). Por queo Touring Club, portanto, não poderia se ligar organicamen-te aos Institutos de Geografia e às Sociedades Geográficas?

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Há o problema internacional: o Touring. tem um quadroessencialmente nacional, ao passo que as sociedades geográ-ficas ocupam-se de todo o mundo geográfico. Ligação doturismo com as sociedades esportivas, com o alpinismo, ia-tismo, etc., excursionismo em geral: ligação com as artes fi-gurativas e com a história da arte em geral. Na realidade,poder-se-ia ligar a todas as atividades práticas, se as excur-sões nacionais e internacionais se ligassem a periodos de fé-rias (prêmio) para o trabalho industrial e agrícola.

Os livros. Insiste-se muito no fato de que aumentou onúmero dos livros publicados. O Instituto Italiano do Livrocomunica que a média anual da década 1908-1918 foi exa-tamente de 7.300. Os cálculos feitos para 1929 (os mais re-centes) dão a cifra de 17.718 (livros e opúsculos; excluídosos do Vaticano, de San Marino, das colonias e dos territóriosde língua italiana que não fazem parte do Reino). Publica-çbes polémicas e, portanto, tendenciosas. Seria necessárioobservar: 1) se as cifras são homogéneas, isto é, se se calculahoje como se fazia no passado, ou seja, se não mudou o tipoda unidade editorial base; 2) é preciso levar em conta que,no passado, a estatística livreira era muito aproximativa e in-certa (isto se observa em qualquer estatística, como a dacolheita do grão, por exemplo; mas é particularmente ver-dade no que diz respeito aos livros: pode-se dizer que, hoje,não só mudou o tipo de unidade calculada, mas que nada maisfoge ao controle estatístico); 3) seria necessário observar see como se modificou a composição orgânica do complexo li-vreiro: é certo que se multiplicaram as casas editoras cató-licas, por exemplo e, conseqüentemente, a publicação de obri-nhas sem nenhuma importância cultural (multiplicaram-se,assim, as edições escolares católicas, etc.). Neste cálculo, de-ver-se-ia levar em conta as tiragens, particularmente no quediz respeito aos jornais e revistas. Le-se menos ou mais? Equem lé menos ou mais? Está se formando uma "classe médiaculta" mais numerosa do que no passado, que lê mais, aopasso que as classes populares lêem muito menos: isto é re-velado pela relação entre livros, revistas e jornais. Os jor-nais diminuíram de número e imprimem menos exemplares:

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lêem-se mais revistas e livros (isto é, existem mais leitoresde livros e revistas). Comparar a Itália e outros paises noque diz respeito aos modos de realizar a estatística livreirae na classificação por grupos do que se publica.

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III

Jornalismo

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J ORNALISMO INTEGRAL. O tipo de jornalismo estudadonestas notas é o que poderia ser chamado de "integral" (numsentido que, no curso das próprias notas, adquirirá signifi-cado cada vez mais claro), isto é, o jornalismo que não so-mente pretende satisfazer todas as necessidades (de umacerta categoria) de seu público, mas pretende também criare desenvolver estas necessidades e, conseqüentemente, emcerto sentido, criar seu público e ampliar progressivamentesua área.

Se se examinam todas as formas de jornalismo e de ati-vidade publicistico-editorial existentes, em geral, vê-se quecada uma delas pressupõe outras forças a integrar ou àsquais coordenar-se "mecanicamente". Para desenvolver cri-ticamente o assunto e estudar todos os seus aspectos, pare-ce-me mais oportuno (para os fins metodológicos e didáti-

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cos) pressupor uma outra situação: ou seja, a existência,como ponto de partida, de um agrupamento cultural (em sen-tido lato) mais ou menos homogêneo, de um certo tipo, deum certo nível e, particularmente, com uma certa orientaçãogeral; devemos pressupor ainda que se pretenda fundar-se emtal agrupamento para construir um edifício cultural comple-to, autárquico, começando precisamente pela... lingua, istoé, pelo meio de expressão e de contato reciproco. Todo o edi-ficio deveria ser construído de acordo com princípios "racio-nais", isto é, funcionais, na medida em que se têm deter-minadas premissas e se pretende atingir determinadas con-seqüências. Por certo, durante a elaboração do "plano", aspremissas necessariamente se modificam, dado que, se é ver-dade que uma certa finalidade pressupõe certas premissas,é também verdade que, durante a elaboração real da ativi-dade determinada, as premissas são necessariamente modi-ficadas e transformadas, e a consciência da finalidade — am-pliando-se e concretizando-se , reage sobre as premissas"adequando-as " cada vez mais. A existência objetiva daspremissas permite pensar em certas finalidades, isto é, as pre-missas dadas só são tais em relação com certas finalidadesimagináveis como concretas. Mas se as finalidades começamprogressivamente a se realizar, o fato mesmo desta realiza-ção, da efetibilidade alcançada, modifica necessariamente aspremissas iniciais, que porém não são mais... iniciais e, con-seqüentemente, modificam-se também as finalidades imaginá-veis, e assim por diante.

Muito raramente se pensa nesta conexão, ainda que elapossua uma evidencia imediata. Vemos sua manifestação nasempresas "conforme um plano", que não são puros "meca-nismos", precisamente porque se baseiam num modo de pen-sar no qual a parte da liberdade e do espirito de iniciativa(espírito de "combinações") é muito maior do que queremadmitir, por causa do papel de máscaras da commediadell'arte que lhes é próprio, os representantes oficiais da "li-berdade" e da "iniciativa" abstratamente concebidas (oumuito "concretamente" concebidas). Portanto, esta conexãoé verdadeira, mas é também verdadeiro que as "premissas "

iniciais se reapresentam continuamente, ainda que sob outrascondições. Que uma "turma escolar" aprenda o alfabeto,

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isto não significa que o analfabetismo desapareça subitamen-te e para sempre; todo ano surgirá uma nova "turma", àqual ensinar o alfabeto. Todavia, é evidente que, quantomais raro se tornar o analfabetismo nos adultos, menos di-fícil será povoar as escolas elementares em 100%: existirãosempre analfabetos, mas eles tenderão a desaparecer até olimite normal das crianças de cinco-seis anos.

Os leitores. Os leitores devem ser considerados a par-tir de dois pontos de vista principais: 1) como elementosideológicos, "transformáveis" filosoficamente, capazes, duc-teis, maleáveis à transformação; 2) como elementos "econô-micos", capazes de adquirir as publicações e de fazê-lasadquirir por outros. Os dois elementos, na realidade, nemsempre são destacáveis, na medida em que o elemento ideo-lógico é um estímulo ao ato econômico da aquisição e dadivulgação. Todavia, é necessário -- quando se constrói umplano editorial — manter a distinção entre os dois aspectos,a fim de que os cálculos sejam realistas e não de acordo comos desejos pessoais. Outrossim, na esfera econômica, as pos-sibilidades não correspondem à vontade e ao impulso ideoló-gico; portanto, deve-se planejar de modo a que seja dada apossibilidade da aquisição "indireta", isto é, compensada comserviços (divulgação).

Uma empresa editorial publica tipos diversos de revistase livros, cuja gradação varia de acordo com os diversos níveisde cultura. É dificil estabelecer quantos "clientes" possíveisexistem em cada nível. Deve-se partir do nível mais baixoe, sobre ele, pode-se estabelecer o plano comercial "mínimo",isto é, a previsão mais realista, levando-se porém em contaque a atividade pode modificar (e deve modificar) as con-dições do ponto de partida, não somente no sentido de quea esfera da clientela pode (deve) ser ampliada, mas tambémde que pode (deve) ser determinada uma hierarquia de ne-cessidades a satisfazer e, conseqüentemente, de atividades adesenvolver.

8 uma observação óbvia a de que as empresas até agoraexistentes burocratizaram-se, isto é, não estimularam as ne-cessidades e não organizaram sua satisfação, razão pela qual,

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freqüentemente, ocorreu que a iniciativa individual caóticadeu melhores frutos do que a iniciativa organizada. A ver-dade estava no fato de que, neste segundo caso, não existia"iniciativa" nem existia "organização" , mas só burocracia ecomportamento fatalista. No mais das vezes, a chamada or-ganização, ao invés de ser um potenciamento de esforços,era um narcótico, um depressor, inclusive um obstrucionismoe uma sabotagem. Ademais, é impossível falar de negóciojornalístico e editorial sério se não existir este elemento, asaber, a organização do cliente, da venda; tratando-se de umcliente particular (pelo menos em sua massa), há necessida-de de uma organização particular, estreitamente ligada àorientação ideológica da "mercadoria" vendida. E umaobservação generalizada a de que, num jornal moderno, overdadeiro diretor é o diretor administrativo e não o diretorda redação.

Movimentos e centros intelectuais. E dever da atividadejornalística (em suas várias manifestações) seguir e contro-lar todos os movimentos e centros intelectuais que existem ese formam num pals. Todos. Isto é, com a exclusão apenasdos que têm um caráter arbitrário e amalucado; se bem quemesmo estes, com o tom que merecerem, devem pelo menosser registrados.

Distinção entre centros e movimentos intelectuais e ou-tras distinções e graduações. O catolicismo, por exemplo, éum grande centro e um grande movimento, mas em seu in-

terior existem movimentos e centros parciais que tendem atransformar o conjunto, ou tendem a outros fins mais con-cretos e limitados, os quais devem ser levados em conta. Aoque parece, antes de mais nada, deve-se "desenhar " o mapaintelectual e moral do pais, isto é, localizar os grandes mo-vimentos de idéias e os grandes centros (mas nem semprecorrespondem os grandes centros aos grandes movimentos,pelo menos não com as características de visibilidade e deconcreticidade que se costuma atribuir a esta palavra: o exem-plo típico disto é o centro católico).

Ademais, deve-se levar em conta os impulsos inovado-res que se verificam, que nem sempre são vitais (isto é, nem

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sempre têm conseqüências), mas nem por isso devem deixarde ser seguidos e controlados. No inicio, porém, um movi-mento é sempre incerto, de futuro duvidoso etc.; será neces-sário esperar que ele adquira toda sua força e consistênciapara que nos ocupemos dele? Tampouco é necessário quepossua traços de coerência e de riqueza intelectual: nem sem-pre são os movimentos mais coerentes e intelectualmente ri-cos os que triunfam. Ao contrário, com muita freqüência, ummovimento triunfa precisamente graças à sua mediocridadee elasticidade lógica: tudo isso pode ocorrer, os compromissosmais evidentes são possíveis e precisamente estes compro-missos podem ser a razão do triunfo.

Ler as revistas dos jovens, e não somente aquelas quejá se afirmaram e que representam interesses sérios e bemestabelecidos. No Almanaque literário Bompiani de 1933(págs. 360-361), são indicados os programas essenciais deseis revistas de jovens, que deveriam representar os impulsosde nossa cultura: Il Saggiatore, Ottobre, Il Ventano, L'Italiavivente, L'Orto, Espero; elas não parecem ser muito claras,exceto talvez uma. A Espero, por exemplo, "propõe-se aco-lher pela filosofia os pós-idealistas, que empreendem umaaguda crítica do idealismo, e somente os idealistas que sou-berem levar em conta esta crítica". O diretor de Espero éAldo Capasso; ser pós-idealista é como ser "contemporâ-neo"; isto é, simplesmente nada. Mais claro, talvez mesmoo único claro, é o programa de Ottobre. Todavia, pondo-seo esnobismo de lado, dever-se-ia examinar todos estes mo-vimentos.

Distinção entre movimentos militantes, que são os maisinteressantes, e movimentos de retaguarda, ou de idéiasadquiridas e tomadas clássicas ou comerciais. A qual dosdois tipos pertence a Italia Letteraria? Ela não é certamentenem militante nem clássica! Saco de gatos: esta me pareceser a definição mais exata e apropriada.1 O autor se refere a uma anedota, por ele mesmo narrada em outrolocal [cf. Concepção Dialética da História, ed. brasileira, Rio de Janei-ro, 1966, pág. 174 — N. do Ti, a respeito de um sujeito que, nao po-dendo se vangloriar de outros títulos, tinha escrito no cartão de visitas:"contemporâneo" (Nota da Edição Italiana).

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O ser evolutivo final. Anedota do curso de história dafilosofia do Prof. D'Ercole e do "ser evolutivo final". Du-rante quarenta anos, não falou senão da filosofia chinesa ede Lao-Tse: como a cada ano chegavam "novos alunos" quenão tinham escutado as aulas do ano anterior, era precisorecomeçar. Assim, entre as gerações de alunos, "o ser evo-lutivo final" tornou-se uma lenda.

Em certos movimentos culturais que recrutam seus ele-mentos entre pessoas que somente então iniciam sua vidacultural, por causa da rápida ampliação do próprio movi-mento (que conquista sempre novos adeptos) e do fato deque os já conquistados não têm auto-iniciativa cultural, emtais movimentos parece impossível sair um dia do abc. Estefato tem graves repercussões na atividade jornalística em ge-ral, em cotidianos, semanários, revistas etc.; parece que ja-mais se deva superar um certo nível. Outrossim, o fato denão levar em conta esta ordem de exigências explica o tra-balho de Sísifo das chamadas "pequenas revistas", que se di-rigem a todos e a ninguém, e -- em dado momento — tor-nam-se verdadeiramente de todo inúteis. O exemplo maistipico foi o da Voce, que — em dado momento — cindiu-seem Lacerba, La Voce e L'im ita, todas elas com a tendênciaa se cindirem infinitamente. As direções, se não estão liga-das a um movimento de base, disciplinado, tendem ou a setomarem igrejinhas de "profetas desarmados", ou a se cindi-rem de acordo com os movimentos inorgánicos e caóticos quese verificam entre os diversos grupos e camadas de leitores.

Portanto, é necessário reconhecer abertamente que, porsi mesmas, as revistas são estéreis se não se tornam a forçamotriz e formadora de instituições culturais de tipo associa-tivo de massa, isto é, cujos quadros não são fechados. Omesmo deve ser dito das revistas de partido; não é precisocrer que o partido constitua, por si mesmo, a "instituição"cultural da massa da revista. O partido é essencialmente po-lítico, e mesmo sua atividade cultural é atividade de políticacultural; as "instituições" culturais devem ser não apenas de"política cultural", mas de "técnica cultural". Exemplo: numpartido existem analfabetos, e a política cultural do partidoé a luta contra o analfabetismo. Um grupo constituído paralutar contra o analfabetismo não é ainda, estritamente, uma

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"escola para analfabetos"; numa escola para analfabetos, en-sina-se a ler e a escrever; num grupo constituído para lutarcontra o analfabetismo, planeja-se todos os meios mais efi-cazes para extirpar o analfabetismo das grandes massas dapopulação de um país, etc.

Diletantismo e disciplina. Necessidade de uma críticainterna severa e rigorosa, sem convencionalismos e meias me-didas. Existe uma tendência do materialismo histórico quesolicita e favorece todas as más tradições da cultura médiaitaliana e parece aderir a alguns traços do caráter italiano:a improvisação, o "genialismo", a preguiça fatalista, o dile-tantismo desmiolado, a falta de disciplina intelectual, a irres-ponsabilidade e a deslealdade moral e intelectual. O materia-lismo histórico destrói toda uma série de preconceitos e deconvencionalismos, de falsos deveres, de obrigações hipócri-tas: mas, nem por isso, justifica que se caia no ceticismo eno cinismo esnobista. O mesmo resultado tivera o maquia-velismo, graças a uma arbitrária ampliação ou confusão entrea "moral" política e a "moral" privada, isto é, entre a polí-tica e a ética. Esta confusão, por certo, não existia em Ma-quiavel, antes pelo contrário, pois a grandeza de Maquiavelreside no fato de ter distinguido a política da ética.

Não pode existir associação permanente, com capacida-de de desenvolvimento, que não seja sustentada por deter-minados princípios éticos, que a própria associação determi-na para seus componentes singulares, a fim de obter a com-pacticidade interna e a homogeneidade necessárias para al-cançar o objetivo. Nem por isso deixam estes princípios depossuir caráter universal. Isto ocorreria se a associação ti-vesse seu fim em si mesma, isto é, se fosse uma seita ou umaassociação de delinqüentes (somente neste caso, ao que meparece, pode-se dizer que política e ética se confundem, pre-cisamente porque o "particular" foi elevado a "universal").Mas uma associação normal concebe a si mesma como umaaristocracia, uma elite, uma vanguarda, isto é, concebe a sime-,ia como sendo ligada por milhões de fios a um deter-

agrupamento social e, através dele, a toda a huma-nidade. Portanto, esta associação não se considera como algodefinitivo e enrijecido, mas como tendente a ampliar-se a

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todo um agrupamento social, que é também considerado comotendente a unificar toda a humanidade. Todas estas rela-ções dão caráter tendencialmente universal à ética de umgrupo, que deve ser concebida como capaz de se tornar nor-ma de conduta de toda a humanidade. A política é conce-bida como um processo que desembocará na moral, isto é.como tendência a desembocar numa forma de convivência naqual a política e (conseqüentemente) a moral serão ambassuperadas. Somente a partir deste ponto de vista historicistaé que se pode explicar a angústia de muitos diante da con-tradição entre moral privada e moral pública-politica: ela éum reflexo inconsciente e sentimentalmente acrítico das con-tradições da atual sociedade, isto é, da ausência de igual-dade dos sujeitos morais.

Mas não se pode falar de elite-aristocracia, de vanguar-da, como de uma coletividade indistinta e caótica, na qual --pela graça de um misterioso espirito santo, ou de qualqueroutra deidade oculta misteriosa e metafísica — penetre agraça da inteligência, da capacidade, da educação, da pre-paração técnica etc.; não obstante, esta concepção é muitocomum. Reflete-se em pequena escala o que ocorria em es-cala nacional, quando o Estado era concebido como algo abs-traído da coletividade dos cidadãos, como um pai eterno quetinha pensado em tudo, providenciado tudo; daí decorre a au-sência de uma democracia real, de uma real vontade coletivanacional e, portanto, nesta passividade dos indivíduos, a ne-cessidade de um despotismo mais ou menos aberto da buro-cracia. A coletividade deve ser entendida como produto deuma elaboração de vontade e pensamento coletivos, obtidosatravés do esforço individual concreto, e não como resultadode um processo fatal estranho aos indivíduos singulares: daí,portanto, a obrigação da disciplina interior, e não apenas dadisciplina externa e mecánica. Se devem existir polémicas ecisões, é necessário não ter medo de enfrentá-las e superá-las: elas são inevitáveis nestes processos de desenvolvimento,e evitá-las significa tão-somente adiá-las para quando elasjá forem perigosas ou mesmo catastróficas.

Revistas tipo. Grosso modo, pode-se estabelecer tres ti-pos fundamentais de revista, caracterizados de acordo com

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o modo pelo qual são compilados, pelo tipo de leitor ao qualpretendem se dirigir, pelas finalidades educativas que que-rem atingir. O primeiro tipo pode ser definido pela combi-nação dos elementos diretivos que se encontram, de modoespecializado, na Critica de B. Croce, na Politics de F. Cop-pola e na Nuova Revista Stocka de C. Barbagallo. O se-gundo tipo, "critico-histórico-bibliográfico", pela combinaçãodos elementos que caracterizavam os fascículos melhor ela-borados do Leonardo de L. Russo, a Unitá de Return Scrip-tor e a Voce de Prezzolini. O terceiro, pela combinação dealguns elementos do segundo tipo com o tipo de semanárioinglés, tais como o Manchester Guardian Weekly ou o TimesWeekly. s Cada um destes tipos deveria ser caracterizado poruma orientação intelectual muito unitária e não antológica,isto é, deveria ter uma redação homogénea e disciplinada;portanto, poucos colaboradores "principais" deveriam escre-ver o corpo essencial de cada fascículo. A orientação reda-cional deveria ser fortemente organizada, de modo a produ-zir um trabalho intelectualmente homogéneo, apesar da ne-cessária variedade do estilo e das personalidades literárias;a redação deveria ter um estatuto escrito, o qual, quandocoubesse, impediria os corre-corre, os conflitos, as contradi-ções (por exemplo, o conteúdo de cada fascículo deveria seraprovado pela maioria da redação antes de ser publicado).

Um organismo unitário de cultura, que oferecesse aosdiversos estratos do público os três tipos supracitados de re-vista (e, ademais, entre os três tipos deveria circular um es-pírito comum), ao lado de coleções de livros corresponden-tes. satisfaria as exigências de uma certa massa de público,que é mais ativa intelectualmente mas somente no estado po-tencial, e que importa mais elaborar, fazer com que penseconcretamente, transformar, homogeneizar de acordo com umprocesso de desenvolvimento orgánico que eleve do simplessenso comum ao pensamento coerente e sistemático.

Tipo crítico-histórico-bibliográfico: exame analítico deobras, feito do ponto de vista dos leitores da revista que não2 Para uma exposição geral dos tipos principais de revista, deve-serecordar a atividade jornalística de Carlo Cattaneo. O Archivo Trienna-te e o Politecnico devem ser estudados com muita atenção (ao lado doPolitecnico, a revista Scientia fundada por Rignano).

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podem, geralmente, ler as próprias obras. Um estudioso queexamina um fenômeno histórico determinado, visando elabo-rar um ensaio sintético, deve realizar toda uma série de in-vestigações e operações intelectuais preliminares que só sãoutilizados em pequena parte. Esta trabalheira, pelo contrá-rio, pode ser utilizável para este tipo médio de revista, de-dicado a um leitor que necessita ter diante de si, para se de-senvolver intelectualmente, além do ensaio sintético, toda aatividade analítica em seu conjunto, que levou àquele deter-minado resultado. O leitor comum não tem, e não pode ter,um hábito "científico", que só se adquire com o trabalho es-pecializado: por isso, deve-se ajude-lo a assimilar pelo menoso "sentido" deste hábito, através de uma atividade criticaoportuna. Não basta lhe fornecer conceitos já elaborados efixados em sua expressão "definitiva"; a concreticidade detais conceitos, que reside no processo que levou àquela afir-mação, escapa ao leitor comum: deve-se, por isso, lhe ofere-cer toda a série dos raciocinios e das conexões intermediá-rias, de um modo bastante determinado e não apenas porindicações. Por exemplo: um movimento histórico complexodecompõe-se no tempo e no espaço e, além disso, pode de-compor-se em diversos planos; assim, a Ação Católicamesmo tendo sempre apresentado uma diretiva única e cen-tralizada -- apresenta grandes diferenças (e mesmo contras-tes) de atitudes regionais nas diversas épocas e de acordocom os problemas particulares que enfrenta (por exemplo, aquestão agrária, a orientação sindical, etc.).

Nas revistas deste tipo, são indispensáveis ou úteis al-gumas rubricas: 1) Um dicionário enciclopédico politico-científico-filosófico, no seguinte sentido: em cada fascículo,deve-se publicar uma ou mais pequenas monografias de ca-ráter enciclopédico sobre conceitos políticos, filosóficos e cien-tíficos que apareçam freqüentemente nos jornais e nas re-vistas, e que o leitor médio dificilmente compreende ou mesmodeforma. Na realidade, toda corrente cultural cria a sua lin-guagem, isto é, participa do desenvolvimento geral de umadeterminada lingua nacional, introduzindo termos novos, en-riquecendo de conteúdo novo termos já em uso, criando me-táforas, servindo-se de nomes históricos para facilitar a com-preénsão e o julgamento de determinadas situações atuais, etc.,

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etc. As exposições deveriam ser "práticas", isto é, deveriamcorresponder a exigencia realmente sentidas, e ser noque toca à forma de exposição -- adequadas à média dosleitores. Os compiladores deveriam, na medida do possível,estar informados sobre os erros mais difundidos e reportar-se às próprias fontes dos erros, isto é, às publicações cien-tíficas baratas, tipo Biblioteca popolare Sonzogno ou dicio-nários enciclopédicos (Melzi, Premoli, Bonacci, etc.), ou àsenciclopédias populares mais difundidas (a Sonzogno, etc.).Estas exposições não deveriam se apresentar de modo orgâ-nico (por exemplo, em ordem alfabética ou de agrupamentopor matéria), nem de acordo com uma economia preestabele-cida de espaço, como se já estivesse em vista uma obra deconjunto, mas deveriam ser estabelecidas, ao contrário, emrelação imediata com os assuntos desenvolvidos pela própriarevista, ou pelas revistas associadas de tipo superior ou maiselementar: a amplitude da exposição deveria ser fixada, emcada oportunidade, não de acordo com a importância intrín-seca do tema, mas sim com o interesse jornalístico imediato(tudo isto é dito de modo geral, devendo receber o costu-meiro grão de sal); em suma, a rubrica não se deve apresen-tar como um livro publicado em folhetins, mas como, em cadaoportunidade, uma exposiçãó de assuntos interessantes em simesmos, dos quais poderá decorrer um livro, mas não ne-cessariamente.

2) Ligada à anterior, vem a rubrica das biografias, quedeve ser entendida em dois sentidos: seja na medida em quetoda a vida de um homem pode interessar à cultura geral deuma certa camada social, seja na medida em que um nomehistórico pode entrar num dicionário enciclopédico por cau-sa de um determinado conceito ou evento sugestivo. Assim,por exemplo, pode ocorrer que seja necessário se falar deLord Carson, a fim de fazer referência ao fato de que a crisedo regime parlamentar já existia antes da guerra mundial, eexistia precisamente na Inglaterra, ou seja, no país onde esteregime parecia ser mais eficiente e substancial; isto não querdizet que se deva fazer toda a biografia de Lord Carson. Auma pessoa de cultura média, interessam apenas dois dadosbiográficos: a) Lord Carson, em 1914, nas vésperas da guer-ra, colocou em Ulster um corpo armado bastante numeroso,

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a fim de se opor, através da insurreição, a que fosse aplica-da a lei do Home Rule irlandés, aprovada pelo Parlamento,o qual -- segundo "o modo de dizer" inglês -- "pode fazertudo, menos um homem se tomar mulher"; b) Lord Carsonnão somente não foi punido por "alta traição" , como logodepois se tornou ministro, quando se desencadeou a guerra.(Pode ser útil que as biografias completas sejam apresen-tadas em rubrica separada.)

3) Uma outra rubrica pode ser a das autobiografiaspolítico-intelectuais. Se bem construídas, com sinceridade esimplicidade, podem ser do máximo interesse jornalístico e degrande eficácia formativa. O modo pelo qual alguém logrouseparar-se de um certo ambiente provinciano e corporativo,através de que impulsos externos e de que lutas interiores, afim de atingir uma personalidade historicamente superior —a exposição disso pode sugerir, de modo vivo, uma orienta-ção intelectual e moral, além de ser um documento do de-senvolvimento cultural em determinadas épocas.

4) Uma rubrica fundamental pode ser constituída peloexame critico-histórico-bibliográfico das situações regionais(entendendo-se por região um organismo geo-económico di-ferenciado). Muitos gostariam de conhecer e estudar as si-tuações locais, que sempre interessam muito, mas não sabemcomo fazê-lo, por onde começar: não conhecem o materialbibliográfico, não sabem fazer pesquisas nas bibliotecas, etc.Dever-se-ia, portanto, fornecer o quadro geral de um proble-ma concreto (ou de um tema científico), indicando os livrosque trataram dele, os artigos publicados em revistas espe-cializadas, bem como o material ainda bruto (estatísti-cas, etc.). sob a forma de resenhas bibliográficas, com par-ticular atenção para as publicações pouco comuns ou em lín-gua estrangeira. Este trabalho pode ser feito, de diversospontos de vista, não só para as regiões, mas para problemasgerais, de cultura, etc.

5) Um espólio sistemático de jornais e revistas nas par-tes que interessam ás rubricas fundamentais: apenas citaçãodos autores, dos títulos, com breves referências sobre as ten-dências: esta rubrica bibliográfica deveria ser compilada paracada fascículo; para determinados assuntos, deveria ser tam-bém retrospectiva.

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6) Recensões de livros. Dois tipos de recensão. Umtipo crítico-informativo: supõe-se que o leitor médio não possaler o livro em questão, Umas que lhe seja útil conhecer o con-teúdo e as conclusões de tal livro. Um tipo teórico-critico:supõe-se que o leitor deva ler o livro em questão e, conse-qüentemente, ele não é meramente resumido, mas desenvol-vem-se criticamente as objeções que podem ser feitas ao li-vro em discussão, coloca-se o acento sobre as partes maisimportantes, desenvolve-se alguma parte que nele foi sacri-ficada, etc. Este segundo tipo de recensão é mais adequadoàs revistas de nível superior.

7) Um espólio critico bibliográfico, ordenado por asun-to ou grupo de questões, da literatura que diga respeito aosautores e às questões que sejam fundamentais para a con-cepção do mundo que está na base das revistas publicadas;tal espólio deve ser feito para os autores italianos e paraas traduções italianas dos autores estrangeiros. Este espó-lio deveria ser muito minucioso e detalhado, pois deve-se le-var em conta que — somente através deste trabalho e destaelaboração critica sistemática — pode-se chegar à verdadeirafonte de toda uma série de conceitos errados que circulamsem controle e sem censura. Deve-se também levar em contaque, em cada região italiana, dada a riquíssima variedadede tradições locais, existem grupos ou grupelhos caracteri-zados por motivos ideológicos e psicológicos particulares:"cada lugarejo tem ou teve seu santo local e, portanto, seuculto e sua capela".

A elaboração nacional unitária de uma consciência co-letiva homogênea requer múltiplas condições e iniciativas. Adifusão, por um centro homogêneo, de um modo de pensare de agir homogéneo é a condição principal, mas não devee não pode ser a única. Um erro muito difundido consisteem pensar que toda camada social elabora sua consciência esua cultura do mesmo modo, com os mesmos métodos, istoé, com os métodos dos intelectuais profissionais. O intelec-tual é um "profissional" (skilled) que conhece o funciona-mento de "máquinas" próprias especializadas; tem o seu "ti-rocínio" e o seu "sistema Taylor" próprios. $ pueril e ilu-sório atribuir a todos os homens esta capacidade adquiridae não inata, do mesmo modo como seria pueril supor que todo

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operário manual possa desempenhar a função do maquinistaferroviário. 8 pueril pensar que um "conceito claro", oportu-namente divulgado, se insira nas diversas consciências comos mesmos efeitos "organizadores" de clareza divulgada: esteé um erro "iluminista". A capacidade do intelectual profis-sional de combinar habilmente indução e dedução, de gene-ralizar sem cair no formalismo vazio, de transferir certos cri-térios de discriminação de uma esfera a outra do julgamento.adaptando-os às novas condições, etc., esta capacidade é uma"especialidade" , uma "qualificação", não um dado do sensocomum vulgar. $ por isso, pois, que não basta a premissa da"difusão orgânica, por um centro homogêneo, de um modode pensar e de agir homogêneo". O mesmo raio luminoso,passando por prismas diversos, dá refrações de luz diversas:se se pretende obter a mesma refração, é necessário toda umasérie de retificações nos prismas singulares.

A "repetição" paciente e sistemática é um principio me-todológico fundamental: mas a repetição não mecânica,"obsessiva", material; porém, é necessária a adaptação decada conceito às diversas peculiaridades e tradições culturais,sua apresentação e reapresentação em todos os seus aspectospositivos e em suas negações tradicionais, relacionando sem-pre cada aspecto parcial à totalidade. Descobrir a unidadereal sob a aparente diferenciação e contradição bem comodescobrir a substancial diversidade sob a aparente identida-de: é, este o mais delicado, incompreendido e, não obstante,essencial dom do crítico das idéias e do historiador do desen-volvimento histórico. O trabalho educativo-formativo desen-volvido por um centro homogêneo de cultura, a elaboraçãode uma consciência crítica (por ele promovida e favorecida)sobre_ uma base histórica que contenha as premissas concre-tas para tal elaboração, este trabalho não pode se limitarà simples enunciação teórica de principios "claros" de mé-todo; esta seria uma mera ação própria de "filósofos" do Sé-culo XVIII. O trabalho necessário é complexo e deve serarticulado e graduado: deve haver dedução e indução com-binadas, lógica formal e lógica dialética, identificação e dis-tinção, demonstração positiva e destruição do velho. Masnão de modo abstrato, e sim concreto, sobre a base do reale da experiência efetiva.

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Mas como se pode saber quais são os erros mais difun-didos e radicados? Evidentemente, é impossível uma "esta-tística" dos modos de pensar e das opiniões pessoais indi-viduais (com todas as combinações que daí resultam nos gru-pos e nos grupelhos) que possa fornecer um quadro orgâni-co e sistemático da efetiva situação cultural e dos modospelos quais se apresenta realmente o "senso comum"; só res-ta mesmo a revisão sistemática da literatura mais difundidae mais aceita pelo povo, combinada com o estudo e a críticadas correntes ideológicas do passado, cada uma das quais"pode" ter deixado um sedimento, combinando-se de váriasmaneiras com as correntes anteriores e posteriores.

Nesta mesma ordem de observações, insere-se um cri-tério mais geral: as modificações nos modos de pensar, nascrenças, nas opiniões, não ocorrem mediante "explosões " rá-pidas, simultâneas e generalizadas, mas sim, quase sempre,através de "combinações sucessivas", de acordo com "fór-mulas" "de autoridade" variadíssimas e incontroláveis. A ilu-são "explosiva" nasce da ausência de espirito crítico. Domesmo modo como não se evoluiu, nos métodos de tração, dadiligência puxada por animais aos modernos trens elétricos,mas evoluiu-se através de uma série de combinações inter-mediárias, que em parte ainda subsistem (como a tração ani-mal sobre trilho, etc., etc.); do mesmo modo como ocorre queo material ferroviário ectvelhecido nos Estados Unidos aindaseja utilizado durante muitos anos na China, representandoneste país um progresso técnico; assim também se combi-nam variadamente -- na esfera da cultura — as diversas ca-madas ideológicas. E o que se tornou "ferro velho" na ci-dade ainda é "utensilio" na província. Na esfera da cultu-ra, aliás, as "explosões" são ainda menos freqüentes e me-nos intensas do que na esfera da técnica, na qual uma ino-vação se difunde, pelo menos no plano mais elevado, comrelativa rapidez e simultaneidade. Confunde-se a "explosão"de paixões políticas acumuladas num periodo de transforma-ções técnicas, às quais não correspondem novas formas deorganização jurídica adequada, mas sim imediatamente umcerto grau de coerções diretas e indiretas, com as trans-formações culturais, que são lentas e graduais; e isto por-

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que, se a paixão é impulsiva, a cultura é produto de umacomplexa elaboração. (A referência ao fato de que, por ve-zes, o que se tornou "ferro velho" na cidade ainda é "uten-silio" na província pode ser desenvolvida com utilidade.)

Nota. O tipo de revista "Política-Crítica" exige, de ime-diato, um corpo de redatores especializados, em condições defornecer — com certa regularidade — um material cientificamen-te elaborado e selecionado; a existência deste corpo de redatores,que tenha atingido entre si um certo grau de homogeneidade cul-tural, não é absolutamente coisa fácil; trata-se de um ponto de che-gada no desenvolvimento de um movimento cultural. Este tipo derevista pode ser substituído (ou antecipado) pela publicação deum "anuário". Este "anuário" não deveria em nada se assemelhara um "almanaque" popular comum (cuja compilação é ligadaqualitativamente ao cotidiano, isto é, é planejada tendo-se emvista o leitor médio do jornal cotidiano); não deve tampouco seruma antologia ocasional de escritos muito longos para serem aco-lhidos noutro tipo de revista; deveria, pelo contrário, ser prepa-rado de um modo orgânico, de acordo com um plano geral, deforma a funcionar como o prospecto de um determinado progra-ma de revista. Poderia ser dedicado a um só assunto, ou entãoser dividido em seções e tratar de uma série orgânica de questõesfundamentais (a constituição do Estado, a política internacional,a questão agrária etc.). Cada "anuário" deveria ser auto-sufi-ciente (não deveria ter escritos que continuassem em outro nú-mero) e deveria conter bibliografias, indices analíticos etc. Es-tudar os diversos tipos de "almanaque" popular, que — se bemfeitos — são pequenas enciclopédias da atualidade.

Revistas moralizantes. Uma revista típica foi o Osser-vatore de Gozzi, isto é, o tipo de revista moralizante do Sé-culo XVIII (que atingiu a perfeição na Inglaterra, onde sur-gira, com o Spectator de Addison). Este tipo de revista teveuma certa significação histórico-cultural na difusão da novaconcepção da vida, servindo de elo intermediário — para oleitor médio — entre a religião e a civilização moderna.Atualmente, este tipo -- degenerado -- conserva-se espe-cialmente no campo católico, ao passo que, no campo da ci-

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vilização moderna, ele se transformou, incorporando-se às re-vistas humorísticas, as quais gostariam de ser, a seu modo,uma critica "construtiva" dos costumes: é o caso de publi-cações tipo Fantasio, Charivari, etc., que não têm correspon-dentes na Itália (algo deste gênero eram o primitivo Asino,de Podrecca, e o Seme, escrito por camponeses). Em algunsaspectos, são uma derivação da revista moralizante setecen-tista tanto algumas rubricas da crônica citadina e da crônicajudiciária dos jornais diários, quanto os chamados "pequenoselzeviros" s ou grifos. A Frusta Letteraria de Barreti é umavariedade do tipo: revista de bibliografia universal e enci-clopédica, crítica de conteúdo com tendências moralizadoras(critica dos costumes, dos modos de ver, dos pontos de vista,partindo não da vida e da crônica, mas dos livros). Lacerbade Papini, em sua parte não artística, participa deste tipo deuma maneira original e fascinante, graças a algumas quali-dades, mas a tendência "satanista" (Jesus pecador, Viva odevasso, Contra a família, etc., de Papini, o Diário de bordo,de Soffici, os artigos de Italo Tavolato sobre o Elogio daprostituição, etc.) era forçada e a originalidade — muito fre-qüentemente — era artificial.

O tipo geral, pode-se dizer, pertence à esfera do "sensocomum" ou "bom senso", já que sua finalidade é modificara opinião média de uma determinada sociedade, criticando,sugerindo, ironizando, corrigindo, remoçando e, em últimainstãncia, introduzindo "novos lugares comuns". Ainda queescritas com brio, com um certo senso de distanciamento (demodo a não assumir tons de pregador), mas com cordial in-teresse pela opinião média, as revistas deste tipo podem tergrande difusão e exercer uma profunda influência. Não de-vem ter nenhuma "vaidade", nem cientifica nem moralizante:não devem ser "filistéias" e acadêmicas, nem se revelar f a-náticas ou excessivamente partidárias: devem se colocar nopróprio campo do "senso comum", distanciando-se dele o su-ficiente para permitir o sorriso de burla mas não de desprezoou de altiva superioridade.

3 Elzeviro: "Tipos de imprensa usados pelos Elzeviros, tipógrafos ho-landeses. Artigo principal da terceira página dos jornais diários" (PaoloColombo, Vocabolario delta lingua italiana, Bolonha, 1859, pág. 283).[N. do T.]

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La Pietra e a Compagnia della Pietra. Movimento dan-tesco nas rimas da Pietra: "Assim, em meu falar, quero seráspero".

Cada camada social tem seu "senso comum" e seu "bomsenso", que são, no fundo, a concepção da vida e do homemmais difundida. Cada corrente filosófica deixa uma sedimen-tação de "senso comum": é este o documento de sua efeti-vidade histórica. O senso comum não é algo rígido e imóvel;ele se transforma continuamente, enriquecendo-se com no-ções científicas e com opiniões filosóficas que penetraram nocostume. O "senso comum" é o folclore da filosofia, e ocupasempre um lugar intermediário entre o folclore propriamentedito (isto é, tal como é entendido comumente) e a filosofia,a ciência, a economia dos cientistas. O senso comum criao futuro folclore, isto é, uma fase relativamente enrijecidados conhecimentos populares de uma certa época e Lugar.

Educação Política. Gentile tem uma revista, EducazionePolítica, cujo nome foi posteriormente modificado. O tituloé velho: Arcangelo Ghisleri dirigiu uma revista com este ti-tulo e que era mais congruente com a finalidade proposta.Mas quantas revistas Ghisleri dirigiu e, deixando de lado ahonestidade do homem, com quanta inutilidade? L verdadeque a educação pode ser programada em diversos planos afim de obter diversos níveis. O problema está no nível queos "diretores" crêem ter, e é natural que eles creiam sempreter o nível mais alto e coloquem sua posição como sendo oideal para a diminuta grei dos leitores.

O aspecto exterior. Entre o primeiro número da revistaLeonardo, editada por Sansoni de Florença, e os númeroseditados pela Casa Treves, há uma notável diferença; toda-via, a Casa Treves não é tipograficamente das piores. Temgrande importância o aspecto exterior de uma revista, tantocomercial como "ideologicamente", para assegurar fidelidadee afeição; na realidade, neste caso, é difícil distinguir o fatocomercial do ideológico. Fatores: páginas, composição dasmargens, das intercolunas, largura das colunas (comprimentoda linha), compacticidade das colunas, isto é, do número das

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letras por linha e do corpo usado em cada letra, do papele da tinta (beleza dos títulos, nitidez dos caracteres devidoà maior ou menor utilização das matrizes ou das letras ma-nuais, etc.). Estes elementos não têm importância somentepara as revistas, mas para os jornais diários.

O problema fundamental de todo periódico (cotidiano ounão) é o de assegurar uma venda estável (se possível em con-tinuo incremento), o que significa, ademais, a possibilidadede construir um plano comercial (em desenvolvimento, etc.).Por certo, o elemento fundamental para a sorte de um pe-riódico é o ideológico, isto é, o fato de que satisfaça ou nãodeterminadas necessidades intelectuais, políticas. Mas seriaum grande erro crer que este seja o único elemento e, nota-damente, que este seja válido tomado "isoladamente". Só emcondições excepcionais, em determinados períodos de boomda opinião pública, ocorre que uma opinião tenha sorte in-dependente da forma exterior na qual seja apresentada. Ha-bitualmente, o modo de apresentação tem grande importân-cia para a estabilidade do negócio; e a importância pode serpositiva, mas também negativa. Dar grátis ou abaixo docusto nem sempre é um "bom negócio", assim como não ébom negócio cobrar muito caro ou dar "pouco" pelo "pró-prio dinheiro". Isto, pelo menos, em política.

De uma opinião cuja manifestação impressa não custanada, o público desconfia, vê como uma mentira. E vice-versa: desconfia "politicamente" de quem não sabe adminis-trar bem os fundos que o próprio público dá. Como poder-se-ia considerar capaz de administrar o poder estatal um par-tido que não tem ou nem sabe escolher (o que é a mesmacoisa) os elementos capazes de bem administrar um jornalou uma revista? Vice-versa: um grupo que — com meios pre-cários — sabe obter jornalisticamente resultados apreciáveis,demonstra com isto, ou já com isto, que saberá administrarbem inclusive organismos mais amplos. Eis porque o "exte-rior" de uma publicação deve ser cuidado com a mesma aten-ção que o conteúdo ideológico e intelectual; na realidade, asduas coisas são inseparáveis e assim é que deve ser. Um bomprincípio (mas nem sempre) consiste em dar ao exterior deuma publicação uma característica que, por si só, a faça no-tada e recordada: é uma publicidade gratuita,.por assim di-

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zer. Nem sempre, porque depende da psicologia específicado público que se pretende conquistar.

Informação crítica. Individualmente, ninguém podeacompanhar toda a literatura publicada sobre um grupo deassuntos e nem mesmo sobre um só assunto. O serviço deinformação crítica, para um público de cultura mediocre ouque se inicia na vida cultural, sobre todas as publicações arespeito do grupo de assuntos qué mais possa interessar aeste público é um serviço obrigatório. Assim como os gover-nantes têm uma secretaria ou um gabinete de imprensa queperiódica e cotidianamente os mentêm informados sobretudo o que se publica e que lhes é indispensável conhecer,assim também deve proceder a revista para com o seu pú-blico. Fixará sua tarefa, a limitará, mas esta será sua tarefa;isto requer, porém, que se dê um corpo orgânico e completode informações: limitado, mas orgánico e completo. As re-censões não devem ser casuais e esporádicas, mas sim siste-máticas, e não podem deixar de ser acompanhadas por "re-senhas-resumos" retrospectivos sobre os assuntos mais es-senciais.

Uma revista, como um jornal, como um livro, como qual-quer outro modo de expressão didática que seja planejadotendo em vista uma determinada média de leitores, de ouvin-tes, etc. de público, não pode contentar a todos na mesma me-dida, ser igualmente útil a todos; o importante é que seja umestímulo para todos, pois nenhuma publicação pode substituiro cérebro pensante ou determinar ex novo interesses intelec-tuais e científicos onde só existir interesse pelos bate-paposde café ou onde se pensar que se vive para divertir-se e pas-sar bem. Por isso, não se deve ficar confuso com a multi-plicidade de criticas: a multiplicidade de criticas, pelo con-trário, é a prova de que se está no bom caminho: quando,ao invés, for um só o motivo da crítica, então deve-se refle-tir: 1) porque pode se tratar de uma deficiência real; 2)porque pode se estar enganado a respeito da "média" dos lei.tores aos quais se destina a publicação e, portanto, pode seestar trabalhando para o vazio, "para a eternidade".

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Ensaios originais e traduções. A questão coloca-se espe-cialmente para as revistas de tipo médio e elementar, quedeveriam também ser compostas principalmente de escritosoriginais. Deve-se reagir contra o hábito tradicional de en-cher as revistas com traduções, ainda que se trate de escritosdevidos a pessoas "autorizadas". Todavia, a colaboração deescritores estrangeiros não pode ser abolida: ela tem sua im-portancia cultural, da reação contra o provincianismo e a mes-quinhez. Diversas soluções: 1) obter uma colaboração ori-ginal; 2) resumir os principais escritos da imprensa interna-cional, compilando uma rubrica como a dos "Marginalia" doMarzocco; 3) compilar suplementos periódicos apenas comtraduções, com título parcialmente independente, com nume-ração própria de página, que contenha uma seleção orgánica,crítico-informativa, das publicações teóricas estrangeiras. (De-ve-se observar o tipo Minerva popular, e o tipo Rassegnadella stampa estera, publicada pelo Ministério do Exterior.)

Colaboração estrangeira. Não se pode subestimar os co-laboradores estrangeiros, mas a colaboração estrangeira deveser orgânica, e não antológica e esporádica ou casual. Paraque seja orgânica, é necessário que os colaboradores estran-geiros, além de conhecerem as correntes culturais de seu país,sejam capazes de "compará-las" com as do país no qual arevista é publicada, isto é, conheçam também as correntesculturais deste outro país e compreendam sua "linguagem"nacional. Portanto, a revista (ou seja, o diretor da revista)deve formar também seus colaboradores estrangeiros a fimde alcançar a organicidade.

No Risorgimento, isto ocorreu muito raramente; por isso,a cultura italiana continuou a ser provinciana. Ademais, umaorganicidade de colaboração internacional talvez só tenha severificado na França, porque a cultura francesa — já antesda época liberal havia exercido uma hegemonia européia;eram relativamente numerosos, portanto, os intelectuais ale-mães, ingleses, etc., que sabiam informar sobre a cultura deseus países empregando uma "linguagem" francesa. De fato,não bastava que a Antologia de Vieusseux publicasse artigosde "liberais" franceses ou alemães ou ingleses para que taisartigos pudessem informar de modo útil os liberais italianos,

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isto é, para que tais informaçóes pudessem suscitar ou refor-çar correntes ideológicas italianas: o pensamento permaneciagenérico, abstrato, cosmopolita. Teria sido necessário criarcolaboradores especializados no conhecimento da Itália, desuas correntes intelectuais, de seus problemas, isto é, colabo-radores capazes de informar à Itália sobre a França, ao mes-mo tempo que eram capazes de informar à França sobre aItália.

Este tipo de colaborador não existe "espontaneamente",deve ser criado e cultivado. A este modo racional de enten-der a colaboração, opóe-se a superstição de possuir entre ospróprios colaboradores estrangeiros os mestres, os grandesteóricos, etc. Não se nega a utilidade (notadamente comercial)de se possuir grandes nomes. Mas, do ponto de vista prá-tico da promoção da cultura, é mais importante o tipo de co-laborador afinado com a revista, que sabe traduzir um mun-do cultural na linguagem de outro mundo cultural, pois sabeencontrar as semelhanças mesmo onde elas parecem não exis-tir e sabe descobrir as diferenças mesmo onde parecem exis-tir apenas semelhanças, etc.

As recensões. Fiz referência a diversos tipos de recen-são, colocando-me do ponto de vista das exigências cultu-rais de um público bem determinado e de um movimento cul-tural, também ele bem determinado, que se pretenderia criar:recensões "resumos", portanto, para os livros que se acredi-ta não poderem ser lidos, e recensões-criticas para os livrosque se considera necessário indicar à leitura, porém não assimsem mais nem menos, mas após ter fixado seus limites e in-dicado suas deficiências parciais. Esta segunda forma é amais importante e digna cientificamente, e deve ser concebi-da como uma colaboração do recenseador ao tema tratadopelo livro recenseado. Em suma: há necessidade de recensea-dores especializados e de luta contra a extemporaneidade ea genericidade dos juízos críticos.

Lima rubrica gramatical-lingüística. A rubrica "Que-relles de langage", confiada nas Nouvelles Littératures aAndré Thérive (que é o critico literário do Temps), chamou

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a minha atenção para a utilidade que teria uma rubrica simi-lar nos jornais e nas. revistas italianos. Pará 'a Itália, a ru-brica seria de confecção muito mais difícil, dada a ausênciade grandes dicionários modernos e, notadamente, de grandesobras de conjunto sobre a história da lingua (como os livrosde Littré e de Brunot na França e como outros ainda) quepudessem colocar qualquer literato ou jornalista médio emcondições de alimentar a referida rubrica.

O único exemplo deste gênero de literatura na Itália foio Idioma Gentile, de De Amicis (além dos capítulos sobre ovocabulário nas Páginas Esparsas), que tinha caráter muitopedante e retórico, contudo, além de um manzonismo exas-perante. Caráter pedante e, além disso, melosamente nausean-te tinha a rubrica iniciada por Alfredo Panzini na primeiraFiera Letteraria de U. Fracchia, que logo desapareceu.

Para que a rubrica seja interessante, seu caráter deve-ria ser muito despreconceituoso ou sobretudo ideológico-histó-rico, e não pedante e gramatical: a lingua deveria ser tra-tada como uma concepção do mundo, como a expressão deuma concepção do mundo; o aperfeiçoamento técnico da ex-pressão, seja quantitativo (aquisição de novos meios de ex-pressão) seja qualitativo (aquisição dos matizes de signifi-cado e de uma ordem sintática e estilistica mais complexa),significa ampliação e aprofundamento da concepção do mun-do e da sua história. Poder-se-ia começar com notícias curio-sas: a origem de "cretino"; os significados de "vilão"; a es-tratificação sedimentar das velhas ideologias (por exemplo:desastre, da astrologia; sancionar tornar sagrado — daconcepção religiosa sacerdotal do Estado, etc.). Dever-se-iaassim corrigir os erros mais comuns do povo italiano, que emgrande parte aprende a lingua através dos escritos (notada-mente dos jornais) e, por isso, não sabe acentuar correta-mente as palavras (por exemplo: "profúgo" [exilado] du-rante a guerra; cheguei a ouvir um milanês pronunciar "ro-seo" ao invés de "róseo", etc.). Erros muito graves de signi-ficado (significado particular ampliado, ou vice-versa); errose equívocos sintáticos e morfológicos muito curiosos (ossubjuntivos dos sicilianos: "si accomodasse, venisse", por "siaccomode, venga", etc.).

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Resenhas críticas bibliográficas. Seria importantíssimauma resenha deste tipo sobre os resultados da critica histó-rica aplicada às origens do cristianismo, à personalidade deJesus, aos evangelhos, às suas diferenças, aos evangelhos

sinópticos e ao de João, aos evangelhos chamados apócrifos,à importância de São Paulo e dos apóstolos, às discussões arespeito de Jesus ser a expressão de um mito, etc.

( Cf. os livros de Omodeo, etc.; as coleções de Couchourdna Editora Rieder, etc. -- O ponto de partida me foi sugeri-do pelo artigo de Alessandro Chiappelli, "O culto de Mariae os erros da recente crítica histórica", na Nuova Antologiade 19 de dezembro de 1929; o artigo é contra A. Drews eseu livro Die Marienmythen. Sobre este assunto, dever-se-iaconsultar os artigos de Luigi Salvatorelli [por exemplo, seuartigo na Revista histórica italiana, nova série, VII, 1928, so-bre o nome e o culto de um divino Joshua]. Nas notas desteartigo de Chiappelli, existem muitas citações bibliográficas.)

Uma rubrica científica. Uma rubrica permanente sobreas correntes científicas. Mas não para divulgar noções cien-tíficas. Para expor, criticar e enquadrar as "idéias científi-cas" e suas repercussões sobre as ideologias e sobre as con-cepções do mundo, e para promover o princípio pedagógico-didático da "história da ciência e da técnica como base daeducação formativa-histórica na nova escola".

Economia — Resenha de estudos económicos italianos.1) A Itália na economia mundial .-- Obras gerais nas quaisa economia italiana é comparada e inserida na economia mun-dial. Livros tipo: MORTARA, Perspectivas económicas, Anuá-rio económico da Sociedade das Nações; publicações daDresdner Bank sobre as forças econômicas mundiais, etc. .—Livros sobre o balanço comercial, sobre as exportações e im-portações, sobre os empréstimos internacionais, sobre a saldados emigrantes (e, portanto, sobre a emigração e suas ca-racterlsticas), sobre o turismo internacional na Itália e sobreseu significado econômico, sobre os tratados comerciais, sobreas crises econômicas mundiais e sobre seus reflexos na Itália.

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sobre a frota marítima e sobre os fretes, sobre os portos aber-tos, sobre o protecionismo e o liberalismo, sobre o comércioe seus resultados para a economia italiana, sobre os portos esobre seu hinterland não italiano (Génova e Suíça, Triestee os Bálcãs, etc.). Pesca nos mares não italianos; cartéis etrustes internacionais e seus efeitos para a Itália: bancos esua expansão no exterior (Banco Comercial no exterior, Ban-co de Roma no exterior, etc.) ; capitais estrangeiros na Italiae capitais italianos no exterior.

2) Organização econômica e produção nacional. Livrosde conjunto sobre a produção italiana e sobre a política eco-nômica italiana; sobre o regime dos impostos, sobre a dis-tribuição regional entre indústria e agricultura e atividadeseconômicas menores; distribuição das grandes zonas econô-micas nacionais e suas características: Itália setentrional,Italia central, Mezzogiorno, Sicilia, Sardenha.

3) Estudos sobre as economias regionais (Piemonte,Lombardia, etc.).

4) Estudos sobre as economias provinciais ou de zo-nas provinciais. Publicações da Cámara de Comércio, dosComités Agrários e dos Conselhos Econômicos provinciais,publicações dos bancos locais, boletins municipais para as ca-pitais de província, estudos de investigadores singulares, pu-blicações de observadores econômicos como o de Palermo paraa Sicilia, ou o de Bari para a Púlia, etc.

A resenha deve ter caráter atual, mas nas partes sin-gulares deve ter também caráter histórico, isto é, deve se re-ferir a estudos que já estão superados, etc. A esta resenha,pode-se seguir ou preceder uma outra resenha sobre os es-tudos e as escolas de ciência económica e as publicações pe-riódicas de economia e de política econômica, bem como sobreas personalidades de cientistas individuais vivos ou mortos.

Tradição e suas sedimentações psicológicas. Através deum exame das poesias e dos discursos de P. Gori — que podeser poeticamente (1) comparado (subordinadamente) a Ca-vallotti — pode-se observar como o espirito libertário gené-rico (cf. o conceito todo italiano de "subversivo") seja muitoradicado nas tradições populares. Existe em Gori todo ummodo de pensar e de se expressar que cheira a sacristia e a

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heroismo de papel. Todavia, estes modos e estas formas, di-fundidos sem contradição e sem crítica, penetraram muito pro-fundamente no povo e configuraram um gosto (e talvez ain-da o configurem).

Temas de jurisprudência. Resenhas sobre temas de ju-risprudência que interessam a determinados movimentos. Porexemplo: o conceito de "empregado" segundo a jurisprudên-cia italiana, o conceito de "meeiro", de "chefe técnico", etc.que significam? Que posição tem, na jurisprudência italiana,as figuras económicas de "empregado", "meeiro", "chefetécnico", etc., e por quais razões práticas?

As coleções de revistas como Il Foro Italiano etc., comas sentenças publicadas e os artigos de especialistas .que ascomentam, devem ser atentamente compulsadas, a fim de sever quando certas questões se colocam e por que razões, comose desenvolvem, a que sistematização chegam (se chegam),etc. No fundo, também este é um aspecto (e muito impor-tante) da história do trabalho, isto é, o reflexo jurídico-le-gislativo do movimento histórico real: ver como este reflexoopera, significa estudar um aspecto da reação estatal ao pró-prio movimento.

Ao lado das sentenças e dos artigos dessas revistas téc-nicas, dever-se-ia ver as outras publicações de direito (livros,revistas, etc.) que, nestes últimos anos, multiplicaram-se demodo impressionante, apesar da qualidade ter decaído.

Guias e pequenos manuais. Série de guias e pequenosmanuais para o leitor de jornais (e para o leitor em geral).Para ser lido como se lé uma lista da bolsa, um balanço desociedade industrial, etc. (Não devem ser longos e só devemapresentar os dados esquemáticos fundamentais.) O ponto dereferência deveria ser o leitor médio italiano, que em geralé pouco informado sobre estas noções.

O conjunto destes pequenos manuais poderia formar umacoleção popular de primeiro grau -- que poderia desenvol-ver-se numa segunda coleção de "segundo grau", de textosmais complexos e amplos — ambas de tipo escolar e com-

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pilados como subsidio e hipotéticas lições -- e as duas cole-ções deveriam funcionar como introdução às coleções de tex-tos científicos de cultura geral e às coleções para especialis-tas. Em suma, quatro coleções: duas escolares e duas ge-rais, graduadas em mais ou menos elementares, cada uma emseu género.

Apéndices. Para ser verdadeiramente acessível à cultu-ra média do leitor médio, todo fascículo de revista deveriater dois apêndices: 1) uma rubrica na qual todos os nomese palavras estrangeiras que possam ter sido usados nos vá-rios artigos deveriam ser representados numa transcrição fo-nética, a mais exata possível, da lingua italiana. E necessá-rio, portanto, construir com critérios práticos e unitários, taiscomo a estrutura escrita do italiano permite, uma tabela detradutibilidade dos fonemas estrangeiros em fonemas italia-nos; 2) uma rubrica na qual se de o significado das palavrasespecializadas nas várias linguagens (filosófica, política, cien-tifica, religiosa, etc.) ou especializadas no uso de um deter-minado escritor.

A importância destes subsídios técnicos não é costumei-ramente valorizada porque não se reflete no freio que cons-titui, quando se recorda e particularmente quando se expres-sa as próprias opiniões, a ignorância de como devem ser pro-nunciados determinados nomes e do significado de certos ter-mos. Quando o leitor se encontra diante de muitas dificul-dades de pronúncia ou de significado, ele estanca, desconfiadas próprias forças e aptidões, e não se consegue fazê-losair de um estado de passividade intelectual, no qual sua in-teligência apodrece.

Jornais de informação e jornais de opinião. Eis como,nos Annali dell'ltalia cattolica de 1926, descrevem-se os di-versos tipos de jornal, com relação à imprensa católica: "Emsentido lato, o jornal 'católico' (ou antes, 'escrito por cató-licos') é o que não contém nada contra a doutrina e a moralcatólicas, e segue e defende suas normas. Dentro de tais di-retrizes, o jornal pode defender orientações políticas, econõ-

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mico-sociais ou científicas. Já o jornal `católico' em sentidoestrito é o que, de acordo com a autoridade eclesiástica, temcomo finalidade direta um eficaz apostolado social cristão,a serviço da Igreja e em ajuda da Ação Católica. Ele impli-ca, pelo menos implicitamente, a responsabilidade da autori-dade eclesiástica, devendo seguir suas normas e diretivas".

Distingue-se, em suma, o chamado jornal de informa-ção ou "sem partido" explícito, do jornal de opinião, do ór-gão oficial de um determinado partido; ou seja, o jornal paraas massas populares ou jornal "popular", daquele jornal de-dicado a um público necessariamente restrito.

Na história da técnica jornalística, em alguns aspectos,pode ser considerado como "exemplar" o Piccolo de Trieste,pelo menos tal como aparece no livro dedicado à históriadeste jornal por Silvio Benco (com relação à legislação aus-tríaca sobre a imprensa, à posição de inconformismo italia-no na Istria, ao legalismo formal das autoridades imperiaisou régias, às lutas internas entre as diversas facções do in-conformismo, à ligação entre a massa popular nacional e adireção política do nacionalismo italiano, etc.).

No que toca a outros aspectos, muito interessante foi oCorriere della Sera no periodo giolittiano ou liberal em ge-ral, se se leva em conta a situação jornalística e politico-cul-tural italiana, tão diversa da francesa e, em geral, da dos de-mais paises .europeus. A nítida divisão, existente na França,entre jornais populares e jornais de opinião, não pode existirna Itália, onde não há um centro tão popular e culturalmentepredominante como Paris (e onde existe menor "indispensa-bilidade" do jornal politico mesmo nas classes superiores echamadas cultas) . Deve-se notar, ademais, como o Corriere

mesmo sendo o jornal mais difundido do país -- jamaistenha sido explicitamente ministerial, a não ser por brevesperíodos e de uma maneira inteiramente sua: aliás, para ser"estatal", devia quase sempre ser antiministerial, expressan-do assim uma das mais notáveis contradições da vida nacional.

Seria útil investigar na história do jornalismo italiano asrazões técnicas e político-culturais da influência obtida, du-rante um certo tempo, pelo Secolo de Milão. Ao que parece,na história do jornalismo italiano podem-se distinguir dois pe-ríodos: o "primitivo", de indistinção genérica político-cultu-

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ral, que tomou possível a grande difusão do Secolo medianteum programa de vago "laicismo" (contra a influência cleri-cal) e de vago "democratismo" (contra a influência prepon-derante na vida estatal das forças de direita): o Secolo, ade-mais, foi o primeiro jornal italiano "moderno", com serviçosdo exterior, com abundância de informações e de crônica eu-ropéia; e um periodo posterior, no quai — através do trans-formismo as forças de direita se "nacionalizam" em sen-tido popular e o Corriere substitui o Secolo na ampla difusão:o vago laicismo democrático do Secolo torna-se, no Corriere,unitarismo nacional mais concreto, o laicismo é menos ple-beu e excessivo e o nacionalismo menos popularesco e de-mocratizante.

Deve-se notar como nenhum dos partidos que se dis-tinguiu do informe populismo do Secolo tenha tentado re-criar a unidade democrática num plano político-cultural maiselevado do que o anterior e primitivo; esta tarefa foi aban-donada, quase sem luta, aos conservadores do Corriere. Nãoobstante, deveria ser esta a tarefa, após todo processo de cla-rificação e distinção, a saber, a de recriar a unidade, que serompera no movimento progressista, num plano superior; estatarefa deveria ter sido executada pela elite que, saindo daindistinção genérica, conseguira conquistar uma personalidademais concreta, exercendo uma função de direção sobre ovelho complexo do qual ela se distinguira e destacara. Omesmo processo se repetiu no mundo católico após a forma-ção do Partido Popular, "distinção" democrática que os di-reitistas conseguiram subordinar a seus próprios programas.Num e noutro caso, os pequeno-burgueses, mesmo sendo amaioria entre os intelectuais dirigentes, foram controladospelos elementos da classe fundamental: os industriais doCorriere, no campo laico, e a burguesia agrária unida aosgrandes proprietários, no campo católico, controlam os pro-fissionais da política do Secolo e do Partido Popular, querepresentam todavia a grande massa dos dois campos, os se-miproletários e os pequeno-burgueses da cidade e do campo.

Suplementos semanais. Que jornais italianos publicaramsuplementos do tipo dos jornais ingleses e alemães? O exem-plo clássico é o Fanfulla della Domenica, do Fanfulla; digo

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"clássico" porque o suplemento tinha uma personalidade euma autoridade próprias. Os tipos de suplemento como aDomenica del Corriere ou a Tribuna Illustrata são outracoisa e dificilmente podem ser chamados de suplemento. AGazzetta del Popolo fez tentativas de "páginas" dedicadasa um único assunto, e editou a Gazzetta Letteraria e, atual-mente, a Illustrazione cid Popolo. A tentativa mais orgânicafoi feita pelo Tempo, de Roma, em 1919-1920, com suple-mentos propriamente ditos, como o "econõmico" e o "sindi-cal", muito bem realizados para a Itália. Assim, teve grandeaceitação o Giornale d'Italia Agricole.

Um cotidiano bem feito, e que tenda a introduzir-seatravés de suplementos onde dificilmente penetraria como co-tidiano, deveria ter uma série de suplementos mensais, deformato diverso do cotidiano, mas com o titulo do cotidianoseguido pela matéria especial que pretende tratar. Os suple-mentos principais, pelo menos, deveriam ser: 1) literário, 2)econõmico industrial, sindical, 3) agrícola. No literário, de-ver-se-ia tratar também de filosofia, de arte e de teatro. Omais difícil de ser feito é o agrário: técnico-agrário ou polí-tico-agrário para os camponeses mais inteligentes? Este se-gundo tipo deveria se aproximar de um semanário politico,isto é, resumir toda a política da semana e, além disso, teruma parte especificamente agrícola (não do tipo da Domenicadell'Agricoltore); seria agrícola somente no sentido principalde que é destinado aos camponeses que não lêem os diários:seria, pois, do tipo Amico delle famiglie mais a parte técnicaagrícola, e mais popular. Suplemento esportivo etc.

O suplemento literário deveria ter também uma parte es-colar. Todos de formato diverso, segundo o conteúdo, emensais. (O literário deveria ser como o Ordine Nuovo se-manal, o agrícola como o Amico delle famiglie, o econõmicocomo o Times literário.)

Jornais de Estado. Cf. o que Napoleão III disse do jor-nalismo, durante a sua prisão na Alemanha, ao jornalista in-glês Mels Cohn* Napoleão quisera fazer do diário oficial4 CI .,PAUL mdramz, La Captivité de Napoleón III en Allemagne, Paris,Perrin, pkg. 250.

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uma folha modelo, distribuida gratuitamente a cada eleitor,com a colaboração das mais ilustres penas da época e comas informações mais seguras e confirmadas de toda parte domundo. A polémica, excluída, seria confinada aos jornais par-ticulares.

A concepção do jornal de Estado é logicamente ligadaàs estruturas governativas não-liberais (isto é, àquelas nasquais a sociedade civil se confunde com a sociedade política),sejam elas despóticas ou democráticas (ou seja, quer naque-las onde a minoria oligárquica pretende ser toda a sociedade,quer naquelas onde o povo indistinto pretende e acredita serverdadeiramente o Estado) . Se a escola é do Estado, porque não será do Estado também o jornalismo, que é a escolados adultos?

Napoleão argumentava partindo do conceito segundo oqual, se é verdade o axioma jurídico de que a ignorância dasleis não exime de culpa, o Estado deve manter gratuitamenteinformados os cidadãos de toda a atividade dele, isto é, deveeducá-los: argumento democrático que se transforma em jus-tificação da atividade oligárquica. O argumento, porém, nãodeixa de ter valor: ele só pode ser "democrático" nas socie-dades em que a unidade histórica de sociedade civil e socie-dade política for dialeticamente entendida (na dialética real,e não apenas conceitua]), e o Estado for concebido comosuperável pela "sociedade regulada": nesta sociedade, o par-tido dominante não se confunde organicamente com o gover-no, mas é instrumento para a passagem da sociedade civil-política à "sociedade regulada", na medida em que absorveambas em si, a fim de superá-las (e não de perpetuar suacontradição).

A respeito do regime jornalístico sob Napoleão III, re-cordar o episódio do chefe de policia que repreendeu um jor-nal porque, num artigo sobre fertilizantes, não se afirmavaresolutamente qual era o melhor fertilizante: segundo o chefede polícia, isto contribuía para deixar o público na incertezae, por esta razão, era condenável e digno de reclamação dapolícia.

Escolas de jornalismo. Na Nuova Antologia de P dejulho de 1928, foi publicado, com o titulo em epígrafe um arti-

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go de Ermano Amicucci, que talvez tenha sido posteriormen-te publicado — juntamente com outros -- em livro. O artigoé interessante pelas informações e indicações que oferece. De-ve-se sublinhar, todavia, que a questão, na Itália, é muitomais complexa de resolver do que'parece quando se lé esseartigo, e é de crer que os resultados das iniciativas escolaresnão possam ser muito grandes (pelo menos no que diz res-peito ao jornalismo tecnicamente entendido; as escolas dejornalismo serão escolas de propaganda política geral). O prin-cipio, porém, de que o jornalismo deve ser ensinado e quenão é racional deixar que o jornalista se forme por si mesmo,casualmente, através da "prática", este principio é vital e seimporá cada vez mais, à medida que o jornalismo — tambémna Itália se tomar uma indústria mais complexa e umorganismo civil mais responsável.

A questão, na Itália, encontra seus limites no fato deque não existem grandes concentrações jornalisticas, graçasà descentralização da vida cultural nacional, de que os jor-nais são muito poucos e a massa dos leitores é escassa. Opessoal jornalístico é muito limitado e, portanto, se alimentaatravés de suas próprias graduações de importância: os jor-nais menos importantes (e os semanários) servem de escolapara os jornais mais importantes e vice-versa. Um redator desegunda ordem do Corriere toma-se diretor ou redator-chefede um jornal da provincia e um redator que se revela comode primeira ordem num jornal de provincia ou num semaná-rio é absorvido por um grande jornal. Não existem na Itáliacentros — como Paris, Londres, Berlim -- que contem commilhares de jornalistas, constituindo uma verdadeira catego-ria profissional difusa, economicamente importante; além disso,na Itália, em média, as remunerações são muito baixas.° Emalguns paises, como a Alemanha, o número de jornais pu-

5 A respeito do número de jornalistas italianos, a Itália Letterariade 24 de agosto de 1930 indica os dados de um recenseamento feitopela Secretaria do Sindicato Nacional dos jornalistas: em 30 de junho,eram inscritos 1.960 jornalistas, dos quais 800 filiados ao Partido Fas-cista, assim localizados respectivamente: sindicato de Bari, 30 e 26;Bolonha, 108 e 40; Florença, 108 e 43; Gênova, 113 e 39; Milão, 348e 143; Nápoles, 106 e 45; Palermo, 50 e 17; Roma, 716 e 259; Turim,144 e 59; Trieste, 90 e 62; Veneza, 147 e 59.

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Micados em todo o país é muito grande: à concentração emBerlim, corresponde uma vasta estratificação na província.

Problema dos correspondentes locais: eles raramente (sónas grandes cidades e, em geral, naquelas onde se publicamsemanários importantes) podem ser jornalistas profissionais.

Para certos tipos de jornal, o problema da escola pro-fissional deve ser resolvido no âmbito da própria redação,transformando ou integrando as reuniões periódicas da reda-ção em escolas orgánicas de jornalismo; para assistir a estasreuniões, deveriam ser convidados também elementos estra-nhos à redação em sentido estrito (jovens e estudantes), fa-zendo-se com que elas chegassem a assumir o caráter de ver-dadeiras escolas político-jornalísticas, com lições de temas ge-rais (de história, de economia, de direito constitucional, etc.)confiadas também a especialistas alheios ao jornal mas quesaibam compreender suas necessidades.

Dever-se-ia partir do princípio de que cada redator ourepórter deveria ser posto em condições de compilar e de di-rigir todas as partes do jornal, assim como, de imediato, cadaredator deveria adquirir as qualidades do repórter, isto é,dar toda sua atividade ao jornal.

Os jornais das grandes capitais. Uma série de ensaiossobre o jornalismo das mais importantes capitais dos paisesdo mundo, seguindo estes critérios: 1) exame dos jornais co-tidianos que, num determinado dia (não escolhido por acaso,mas no qual se registra algum evento importante para o paísem questão), saem numa capital Londres, Paris, Madri,Berlim, Roma, etc. — a fim de se ter um termo o mais ho-mogêneo possivel de comparação, isto é, o evento principale a relativa semelhança dos outros, de modo a ter um quadroda diversa maneira pela qual os partidos e as tendências re-fletem suas opiniões e formam a chamada opinião pública.Mas, dado que nenhum jornal cotidiano (especialmente emcertos países) é diariamente igual do ponto de vista técnico,dever-se-á conseguir de cada um deles os exemplares de todauma semana ou do período no qual se tem o ciclo completode certas rubricas especializadas e de certos suplementos, cujoconjunto permite compreender a sorte que obtiveram juntoaos compradores.

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2) Exame de toda a imprensa periódica de qualquerespécie (desde a esportiva aos boletins paroquiais), que com-pleta o exame dos cotidianos.

3) Informações sobre a tiragem, sobre o pessoal, sobrea direção, sobre os financiadores, sobre a publicidade. Emsuma, dever-se-ia reconstruir, para cada capital, o conjuntodo mecanismo editorial periódico que difunde as tendenciasideológicas que operam, contínua e simultaneamente, sobrea população.

4) Estabelecer a relação da imprensa da capital com adas províncias; esta relação varia de país para país. Na Itá-lia, a difusão dos jornais romanos é muito inferior à dos jor-nais milaneses. A organização territorial da imprensa fran-cesa ê muito diversa da da Alemanha etc. O tipo de sema-nário político italiano ê talvez único no mundo, e correspondea um tipo determinado de leitor.

5) Para certos países, deve-se levar em conta a exis-tencia de outros centros além da capital, como Milão paraa Itália, Barcelona para a Espanha, Munique para a Alema-nha, Manchester e Glasgow para a Inglaterra.

6) No caso da Itália, o estudo poderia ser estendido atodo o país e a toda a imprensa periódica, graduando a ex-posição pela importancia dos centros; por exemplo: 1"Roma, Milão; 29 -- Turim, Génova; 39 -- Trieste, Bolonha,Nápoles, Palermo, Florença; 49 -- Imprensa semanal polí-tica; 59 -- Revistas políticas, literárias, científicas, reli-giosas, etc.

Semanários provinciais. O tipo de semanário provincialque era tradicionalmente divulgado na Itália, cultivado espe-cialmentepelos católicos e pelos socialistas, representava ade-quadamente as condições culturais da província (aldeias epequenas cidades). Nenhum interesse pela vida internacio-nal (a não ser como curiosidade e exotismo), pouco, inte-resse pela própria vida nacional, senão enquanto ligada aosinteresses locais, notadamente eleitorais; todo o interesse pelavida local, mesmo pelos detalhes e pelas minúcias. Grandeimportancia para a polemica pessoal (de caráter galhofeiroe provinciano: a finalidade é fazer o adversário parecer es-

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túpido, ridículo, desonesto). A informação reduzida tão-so-mente à correspondencia das várias aldeias. Comentários po-líticos genéricos que pressupunham a informação dada pelosjornais diários, que os leitores do semanário não liam e quese supunha precisamente que não lessem (por isso é que sefazia o semanário para eles).

O redator desses semanários era, de hábito, um inte-lectual medíocre, pretensioso e ignorante, cheio de cavilaçõese de sofismas banais. Resumir o• jornal diário teria sido paraele uma "vergonha": sua pretensão era fazer um semanáriotodo com artigos de fundo e com peças "brilhantes", e in-ventar teorias cabeludas em economia, em política, em fi-losofia.

Precisamente na Itália, por causa da infeliz disposiçãogeográfica e da ausencia de um centro político e intelectualnacional, deveria ter tido grande influencia, pelo contrário,o tipo de semanário inglés (Observer, Times Sunday, etc.),que é redigido sobre o tipo do jornal diário — isto é, cadasemana informa aos leitores que não lêem o jornal, ou quequerem ter, cada semana, um quadro sintético da vida detoda a semana. Este tipo ingles deve ser estudado e adapta-do tecnicamente às condições italianas. Ele deveria (sema-nalmente, bi-semanalmente) substituir o jornal diário em lar-gas zonas onde este jornal não teria as condições suficientes(Nápoles, Florença, Palermo): em geral, nas capitais de re-giões, e mesmo de províncias não industriais: recordar exem-plos como Biella, Como, Tortona, que requeriam o semaná-rio, se bem que fossem industriais e consumidoras de jornais:assim também Alexandria, Cuneo, Fossano, etc. Na Itália, osemanário assim redigido teria o mesmo papel que os inú-meros pequenos cotidianos provinciais alemães e suíços.

Os títulos. Tendencia a títulos grandiloqüentes e pe-dantes, com oposta reação de títulos chamados "jornalísticos",isto é, anódinos e insignificantes. Dificuldade da arte dostítulos: deveriam resumir algumas exigencias, tais como a deindicar sinteticamente o assunto central tratado, a de desper-tar interesse e curiosidade levando a que se leia a matéria.Também os títulos são determinados pelo público ao qual o

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jornal se dirige e pela atitude do jornal em face de seu pú-blico: atitude demagógica-comercial quando se quer exploraras tendências mais baixas; atitude educativa-didática, mas sempedantismo, quando se pretende explorar o sentimento do-minante no público como ponto de partida para sua elevação.O título "Breves notas sobre o universo" como caricatura detítulo pretensioso e pedante.

Cronistas. Dificuldade de criar bons cronistas, isto é,jornalistas tecnicamente preparados para compreender e ana-lisar á vida orgânica de uma grande cidade, inserindo nestequadro (sem pedantismo, mas sem superficialidades e sem"brilhantes" improvisações) todo problema singular á me-dida em que ele se torna de atualidade. O que se diz docronista pode ser dito igualmente de uma série de atividadespúblicas: um bom cronista deveria ter a preparação técnicasuficiente e necessária para se tomar administrador, ou mesmoprefeito, ou ainda presidente (efetivo) de um conselho pro-vincial de economia do tipo atual; e, do ponto de vista jor-nalístico, deveria se assemelhar ao correspondente local deuma grande cidade (e paulatinamente, na ordem de compe-tência e de amplitude decrescente dos problemas, das cidadesmédias, pequenas e das aldeias).

Em geral, as funções de um jornal deveriam ser equipa-radas ás funções correspondentes na direção da vida admi-nistrativa e, deste ponto de vista, deveriam ser articuladasas escolas de jornalismo, se se pretende que esta profissãosaia do estado primitivo e diletante em que hoje se encontrae se tome qualificada e possuidora de uma completa inde-pendência, isto é, se se pretende que o jornal esteja em con-dições de oferecer ao público informações e julgamentos nãoligados a interesses particulares. Se um cronista informa opúblico "jornalisticamente", como se diz, isto significa queo cronista aceita sem crítica e sem julgamento independentesinformações e julgamentos — através de entrevistas e detuyaux ^ de pessoas que pretendem servir-se do jornal parapromover determinados interesses particulares.

Deveriam existir dois tipos de crônica: 1) o tipo orgâ-nico e 2) o tipo de atualidade mais intensa. Em relação aotipo orgânico, para dar um ponto de vista compreensivo, de-

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veria ser possível compilar volumes sobre os aspectos maisgerais e constantes da vida de uma cidade, após ter depu-rado os artigos daqueles elementos de atualidade que devemsempre existir em toda publicação jornalística; mas, para quefique claro, devemos dizer que nesses artigos "orgânicos" oelemento de atualidade deve ser subordinado e não principal.Por isso, esses artigos orgánicos não devem ser muito fre-qüentes. O cronista estuda o organismo urbano em seu con-junto e em sua generalidade, a fim de obter sua qualificaçãoprofissional. (só muito limitadamente pode um cronista mu-dar de cidade: sua qualificação superior não pode deixar deestar ligada a uma cidade determinada): os resultados ori-ginais, ou úteis em geral, desse estudo orgânico não devemser completamente desinteressantes, não devem ser apenaspremissas, mas devem se manifestar também de um modoimediato, captando um motivo de atualidade.

A verdade é que o trabalho de um cronista é tão amploquanto o de um redator-chefe, ou de um serviço de chefianuma organização jornalística com divisão orgánica do tra-balho. Numa escola de jornalismo, dever-se-ia ter uma sériede monografias sobre grandes cidades e sobre o conjunto desua vida. O simples problema do abastecimento de uma ci-dade é capaz de absorver muito trabalho e muita atividade.°

Correspondentes do exterior. Em outra nota, referimo-nos aos colaboradores estrangeiros de revistas italianas. Otipo do "correspondente do exterior" de um jornal diário éalgo diverso; todavia, algumas observações da outra notasão válidas também para esta atividade. No entanto, nãoé preciso conceber o correspondente do exterior como ummero repórter ou transmissor de notícias do dia por telegra-ma ou por telefone, isto é, como um complemento das agên-cias telegráficas. O tipo moderno mais completo de corres-pondente do exterior é o publicista de partido, o crítico po-lítico que observa e comenta as correntes políticas mais vi-

e Cf. o livro de W. P. Hedden, How great Cities are fed Heath, Bos-ton, 1929, 2.80 dólares, recenseado no Giomale degli Economisti dejaneiro de 1931. Hedden examina o abastecimento de algumas cidadesdos Estados Unidos, particularmente de New York.

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tais de um país estrangeiro e tende a se tornar um "especia-lista" nas questões daquele determinado país (por isso, osgrandes jornais tem "escritórios de correspondencia" nos di-versos países, e o chefe do escritório é o "escritor político",o diretor do escritório). O correspondente deveria colocar-se em condições, num tempo determinado, de escrever umlivro sobre o país para o qual foi enviado a fim de nele re-sidir permanentemente, uma obra completa sobre todos osaspectos vitais da sua vida nacional e internacional. (Di-verso é o caso do correspondente em viagem, que vai ao paíspara informar sobre grandes eventos imediatos que nele seprocessam).

Critérios para a preparação e formação de um corres-pondente: 1) Julgar os eventos no quadro histórico do pró-prio país e não apenas com referencia ao seu país de origem.Isto significa que a posição de um país deve ser mensuradapelos progressos ou regressos verificados naquele mesmopaís, não podendo ser mecanicamente comparada à posiçãode outros países, no mesmo momento. A comparação entreEstado e Estado tem importancia, pois mede a posição rela-tiva de cada um deles: de fato, um país pode progredir, masse em outros o progresso foi maior ou menor, modifica-se aposição relativa e modifica-se a influencia internacional doreferido país. Se julgamos a Inglaterra pelo que era antes daguerra, e não pelo que hoje é em comparação com a Alema-nha, modifica-se o julgamento, se bem que o julgamento decomparação tenha também grande importância: 2) Os parti-dos em cada país tem um caráter nacional, além de interna-cional: o liberalismo inglês não é igual ao francês ou aoalemão, se bem que exista muito em comum. 3) As jovensgerações estão em luta contra as velhas na medida normalem que os jovens estão em luta contra os velhos, ou os velhospossuem um monopólio cultural que se tomou artificial e pre-judicial? Os partidos respondem aos novos problemas, ouestão superados e existe crise? Mas o erro maior e mais co-mum é o de não saber sair do próprio ambiente cultural, emedir o exterior com um metro que não lhe é próprio: nãover as diferenças sob as aparências iguais, e não ver a iden-tidade sob as diversas aparências.

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Resenha da imprensa. No jornalismo tradicional italia-no, a rubrica da "resenha da imprensa" foi sempre pouco de-senvolvida, apesar de que, nela, a parte polémica desempe-nhou sempre uma função exagerada: mas tratava-se, preci-samente, de polémica miúda, ocasional, ligada mais ao tem-peramento litigioso do individualismo italiano do que a umobjetivo programático de prestar serviço ao público leitor.

Deve-se distinguir entre a resenha da imprensa dos jor-nais de informação e a dos jornais de opinião: a primeira étambém um serviço de informação, isto é, o jornal em questãooferece diariamente aos seus leitores, ordinários e rubricados,os juizos sobre os eventos em curso publicados pelos outrosjornais (assim procedem muitos jornais franceses; os jornaisitalianos dão estas informações nos serviços de Roma paraos jornais da capital, etc., isto é, no corpo do próprio jornale como notícias auto-suficientes); nos jornais de opinião, arubrica tem uma outra função: serve para reafirmar os pró-prios pontos de vista, para detalhá-los, para apresentar, con-traditoriamente, todas as suas facetas e toda a casuística. Re-vela-se o quanto é útil, "didaticamente", este modo de "repe-tir" de um modo não mecânico e sem pedantismo as própriasopiniões: a "repetição" adquire um caráter quase "dramáti-co" e de atualidade, como obrigação de replicar a um adver-sário. Ao que eu saiba, a melhor "resenha da imprensa" éa da Action Française, tanto mais se se considera como re-senha da imprensa (como o é na realidade) também o arti-go diário de Maurras. Observa-se que, entre o escrito deMaurras e a "resenha da imprensa" propriamente dita daAction Française, existe uma divisão de trabalho: Maurrastoma para si as "peças" polémicas de maior importânciateórica.

Deve-se observar que a resenha da imprensa não podeser deixada a uma mesa qualquer da redação, como o fazemfreqüentemente alguns jornais: ela demanda o máximo deresponsabilidade politica e intelectual e o máximo de capa-cidade literária e de inventiva nos temas, nos títulos, etc., poisas repetições — necessárias — deveriam ser apresentadascom o máximo de variedade formal e exterior. (Exemplo:os Scampoli de G. M. Serrati que, a seu modo, eram umaresenha de imprensa: muito lidos, talvez fossem a primeiracoisa que o leitor buscava todo dia, se bem que não fossem

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sistemáticos e nem sempre possuíssem alto nível intelectual;as "Opiniões" de Missiroli no Resto del Carlino e na Stam-pa, em volume, bem como a rubrica do "Frombolieri" do Po-polo dItalia, a "Dogana" em Critica Fascista, a "Rassegnadella Stampa" na Italia Letteraria.)

A Crônica policial. Pode-se observar que a crônica po-licial dos grandes jornais é redigida como uma perpétua Mile urna noites, concebida de acordo com os esquemas do ro-mance em folhetim. Há a mesma variedade de esquemassentimentais e de motivos: a tragédia, o drama frenético, aintriga hábil e inteligente, a farsa. O Corriere della Seranão publica romances em folhetim, mas sua página policialtem todos os atrativos deste tipo de romance, com a vanta-gem de ter sempre presente que se trata de fatos verídicos.

Rubricas científicas. O tipo italiano do jornal diário édeterminado pelo conjunto das condições organizativas davida cultural no país: ausência de uma vasta literatura dedivulgação, tanto através do livro como da revista. O leitordo jornal, por isso, quer encontrar em sua folha um reflexode todos os aspectos da complexa vida social de uma naçãomoderna. Deve-se observar o fato de que o jornal italiano,relativamente mais bem feito e mais sério que o de outrospaíses, negligenciou a informação cientifica, ao passo queexiste um corpo notável de jornalistas especializados na li-teratura econômica, literária e artística. Mesmo nas revis-tas mais importantes (como a Nuova Antologia e a Rivistad'Italia), a parte dedicada às ciências era quase nula (ascondições, hoje, modificaram-se neste particular, e o Corrie-re della Sera tem uma série de colaboradores, muito grande,especializados nas questões científicas). Sempre existiramrevistas científicas especializadas, mas não havia revistas dedivulgação (deve-se cf, o Arduo, que saía em Bolonha, diri-gida por Sebastiano Timpanaro; muito difundida era aScienza per tutti da Casa Sonzogno, mas .— para formarmosum juízo sobre ela — basta recordar que foi dirigida durantemuitos anos por... Massimo Rocca).

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A informação cientifica deveria ser parte integrante dequalquer jornal italiano, seja como noticiário científico-técno-lógico, seja como exposição crítica das hipóteses e opiniõescientíficas mais importantes (a parte higiénico-sanitária de-veria constituir uma rubrica autônoma). Um jornal popular,mais do que os outros, deveria ter essa seção cientifica, afim de controlar e dirigir a cultura de seus leitores, que possuielementos de "bruxaria" ou é fantástica, e para "desprovin-cianizar" as noções correntes.

Dificuldade de possuir especialistas que saibam escreverpopularmente: poder-se-ia fazer o espólio sistemático de re-vistas gerais e especiais de cultura profissional, das atas aca-dêmicas, das publicações estrangeiras, bem como compilar es-tratos e resumos em apêndices especiais, escolhendo cuida-dosamente (e com conhecimento das exigências culturais dopovo) os assuntos e o material.

Almanaques. Dado que o jornalismo foi considerado,nas notas a ele dedicadas, como expressão de um grupo quepretende (através de diversas atividades publicisticas) difun-dir uma concepção integral do mundo, .pode-se, por causadisso, prescindir da publicação de um almanaque? No fundo,o almanaque é uma publicação periódica anual onde, ano porano, examina-se a atividade histórica global de um ano apartir de um certo ponto de vista. O almanaque é o "mínimo"de "publicidade" periódica que se pode fazer das própriasidéias e dos próprios juizos sobre o mundo, e sua variedademostra quanto se tenha especializado no grupo cada mo-mento singular desta história, bem como a organicidade mos-tra a medida de homogeneidade que o grupo adquiriu. Cer-tamente, para sua difusão, deve o almanaque levar em contadeterminadas necessidades do grupo de compradores ao qualse dirige, grupo que, freqüentemente, não pode gastar duasvezes para uma mesma necessidade. Dever-se-á, portanto,selecionar o conteúdo: 1) as partes que tornam inútil a aqui-sição de um outro almanaque; 2) a parte através da qual sepretende influir sobre os leitores, tendo em vista orientá-losnum sentido preestabelecido. A primeira parte será reduzi-da ao mínimo: o necessário para satisfazer a exigência em

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questão. A segunda parte insistirá sobre os assuntos consi-derados de maior peso educativo e formativo.

Jornalismo. Mark Twain, quando era diretor de umjornal na Califórnia, publicou uma vinheta que representavaum burro morto, no fundo de um poço, com a seguinte le-genda: "Este burro morreu porque não zurrou." Twain que-ria evidenciar a utilidade da réclame jornalística, mas a vi-nheta pode ter também outros significados.

Os jornais alemães. Tres grandes concentrações jorna-lísticas: Ullstein, Masse, Scherl, as duas primeiras democrá-ticas, a terceira de direita (imprensa de Hugenberg).

A Casa Ullstein imprime a Vossische Zeitung, para opúblico culto, com escassa tiragem (40.000 exemplares?) masde importância européia, dirigida por Georg Bernhard (é con-siderada muito francófila); a Morgenpost, o mais.difundidojornal de Berlim e talvez da Alemanha (provavelmente500.000 exemplares), para a pequena-burguesia e os opera-rios; a Berliner Allgemeine Zeitung, que se ocupa de ques-tões urbanas; a Berliner Illustrierte (similar à Domenica delCorriere), divulgadissima; a Berliner Zeitung am Mittag,sensacionalista, cujo público diário é de 100.000 leitores; oUltu, o Quersschinitt ("A transversal") e Die Koralle, dotipo de Lettura; e outras publicações sobre moda, comércio,técnica, etc. A Ullstein é ligada com o Telegraf de Amster-dão, com o Az East de Budapeste, com a Neue Freie Presse(o Corriere della Sera, para suas informações de Berlim, seapóia na Ullstein).

A casa editora Rudolph Mosse publica o grande coti-diano democrático Berliner Tageblatt (300.000 exemplares),dirigido por Theodor Wolf e que possui dezessete suplemen-tos (Beilagen) e edições especiais para o exterior, em ale-mão, francés, inglés; é um jornal de importância européia,caro e difícil para a gente pequena; publica ainda BerlinerMorgenzeitung, Berliner Volkszeitung, em estilo popular, mascom as mesmas diretrizes políticas. La Stampa, de Turim,apóia-se sobre a casa Mosse,

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Casa Editora Scherl: Lokal-Anzeiger, leitura prediletados botiqueiros e da pequena-burguesia fiel à velha Alema-nha imperial; o Tag, para um público mais seleto; a Woche,a Gartenlaube.

Jornais, da direita à esquerda: Deutsche Zeitung, ultra-nacionalista, mas pouco difundido; Võlkischer Beobatcher, deHitler, pouco difundido (20.000). Pouco difundido, também,é o Neue Preussische Zeitung (10.000), que continua a serchamado de Kreuz-Zeitung: é o órgão clássico dos junkers(latifundiários prussianos), ex-oficiais nobres, monarquistase absolutistas, que se mantiveram ricos e sólidos porque seapóiam na propriedade territorial; mas, pelo contrario, tira100.000 exemplares a Deutsche Tageszeitung, órgão do Bandder Landwirte ( Federação dos Agrários), que está nas mãosde pequenos proprietários e de capatazes, e contribui paramanter a opinião pública rural fiel ao antigo regime. Alemão-Nacionais: o Tag (100.000) ; Lokal-Anzeiger (180.000) ;Schlesische Zeitung; Berliner Bõrsen Zeitung (jornal bancá-rio de direita); Tãglische Rundschau (30.000), importantepor ser o jornal oficioso de Stresemann; Deutsche AllgemeineZeitung, órgão da indústria pesada, também alemão-popular.Outros jornais alemães-populares, isto é, de direita modera-da, com adesão condicional ao atual regime e difundidos en-tre os industriais, são: o Magderburgische Zeitung, o Kõl-nische Zeitung (52.000), de fama européia pela sua auto-ridade em política externa, o Hannoverscher Kurier, os Miin-chner Neueste Nachrichten (135.000) e os Leipziger NeuesteNachrichten (17.000). Jornais de centro: o Germania(10.000); mas muito difundidos são os jornais católicos deprovíncia, como a Kõlnische Volkszeitung. Os jornais demo-cráticos são os mais bem feitos: Vossiche Zeitung, BerlinerTageblatt, Berliner Bõrsen-Karier, Frankfurter Zeitung. Ossocial-democratas têm um jornal humorístico: Lachen links("Riso à esquerda").

Um manual de jornalismo. ALBERT RIVAL, Le journa-

lisme appris en 18 leçons, Albin Michel, 1931, 3,50 Frs. Emquatro partes: 1) História do jornalismo: Origens do jor-nalismo. Os grandes jornalistas. 2) Como se faz um jornal:

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Redação-Impressão: composição, revisão, paginação, clicheria,tiragem. 3) Qualidades exigidas a um jornalista: Que é umjornalista? Aptidões exigidas. Qualidades exigidas. A mu-lher pode aspirar ao jornalismo? 4) O estilo do jornalista:Estilo em geral. Gêneros de estilo. Da composição. A des-crição. Como não se deve escrever. O artigo de informa-ção. A grande reportagem: como é feita. O artigo de fun-do. O artigo polêmico. Organização de um jornal.

Esquema elementar e defeituoso. Falta a referência aosdiversos tipos de jornal.

Jornalismo. Cf. LUIGI VILLARI, "Jornalismo britânico deontem e de hoje", Nuova Antologia, D de maio de 1931.

IV

Apêndice

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Lorianismo

Sobre alguns aspectos deteriorados e bizarros da men-talidade de um grupo de intelectuais italianos e, portanto,da cultura nacional (desorganicidade, ausencia de espiritocritico sistemático, negligência no desenvolvimento da ati-vidade científica, ausência de centralização cultural, debili-dade e indulgencia ética no campo da atividade científico-cultural, não adequadamente combatidos e rigorosamentecondenados: irresponsabilidade, portanto, em face da forma-ção da cultura nacional), aspectos que podem ser descritossob o título geral de "lorianismo".

Registro dos principais "documentos", nos quais se en-contram as principais "bizarrias" de Aebile'Loria (recorda-dos de memória: existe agora a Bibliografia de Achite Leria,

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compilada por Luigi Einaudi, suplemento ao n o 5, setembro-outubro de 1932, da- Riforma Sociale).

A lista não é completa, evidentemente, e talvez faltem"bizarrias" bem mais significativas.do que as recordadas. Otrabalho de Einaudi é também significativo, pois valoriza a"dignidade" científica de Loria, e coloca necessariamentediante do leitor-jovem contemporâneo todos os escritos deLoria num mesmo "plano", incentivando a fantasia graças àgrande quantidade do "trabalho" feito por Loria: 884 títulosnestes tempos de civilização "quantitativa". Einaudi merece,por este seu trabalho, ser inscrito ad honrem na lista dos lo-rianos; ademais, deve-se notar que Einaudi, como organiza-dor de movimentos culturais, é responsável pelas "bizarrias"de Loria e, a respeito deste problema' particular, dever-se-iaescrever uma nota.

Os referidos "documentos" principais são:I) "As influências sociais da aviação (Verdade e fan-

tasia) ", in Rassegna Contemporanea (dirigida por Colonnade Cesare) e por V. Picardi), Roma, III fascículo, 19 de ja-neiro de 1910, págs. 20-28, republicado no vol. II de Pelajustiça social (Idéias, batalhas e apóstolos), que tam comotítulo próprio Na aurora de um século (1904-1915), Milão,Sociedade Editora Livraria, 1915, in 89, 522 págs. Ao queme parece, não existe na publicação da Rassegna Contem-poranea o subtítulo Verdade e fantasia: dever-se-ia ver se areimpressão em livro apresenta modificaçóes no texto. Esseartigo é todo ele uma obra-prima de "bizarrias": aí se encon-tra a teoria da emancipação operária da coerção do salárioda fábrica não mais obtida por meio da "terra livre", maspor meio dos aeroplanos que oportunamente untados devisgo -- permitiriam a evasão da presente sociedade graçasà nutrição assegurada pelos pássaros presos no visgo; umateoria sobre a queda do crédito bancário, sobre o desenca-deamento dos excessos sexuais (adultérios sem punição, se-duções, etc.); sobre a morte sistemática dos porteiros porcausa da queda de binóculos; um resumo da teoria, desen-volvida alhures, sobre o grau de moralidade de acordo coma altitude do nivel do mar, com a proposta prática de re-generar os delinqüentes levando-os às altas camadas atmos-féricas em imensos aeroplanos (corrigindo assim uma ante-rior proposta de construir os presidios em montanhas eleva-

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das), etc. Este artigo, dada a amenidade do conteúdo, podese tomar "livro de texto negativo" numa escola de lógicaformal e de bom senso científico.

2) Uma conferência pronunciada em Turim durante aguerra e publicada logo após na Nueva Antologia?

Loria falou da "dor universal" de um modo muito "bi-zarro", como se revela pelo fato de que o único documentoconcreto por ele exibido a fim de demonstrar uma lei univer-sal da dor foi a lista de quanto custa a claque aos atores deteatro, segundo uma estatística elaborada por Reina (conse-qüentemente: monstruosa dor dos atores). E verdade que,de acordo com seu método habitual, Loria fez entrever aparte positiva do problema, afirmando seriamente que a na-tureza providencial cria uma defesa e um antídoto contra oenvenenamento universal da dor, como se revela pelo fatode que os pobres obrigados a pernoitar no ar livre e na cal-çada nua têm a pele mais grossa do que os homens que dor-mem em plumas macias.

3) Artigo: "Porque os venezianos não duplicam e osvaltelinenses triplicam"?

O artigo fora enviado por Loria ao Comitê triestino parahomenagear Attilio Hortis no cinqüentenário de sua ativida-de literária; o Comitê não podia inserir o artigo na Miscelâ-nea, por causa de sua ridícula tolice, mas tampouco quis des-respeitar Loria, que era em Trieste um expoente "ilustre" daciência italiana. Assim, comunicou-se a Leria que sua "con-tribuição" não podia ser publicada na Miscelánea, já im-pressa na tipografia, mas que seria publicada pelo (periódi-co) literário II Palvese. O estrato catalogado por Einuadi édo Palvese, de onde se deveria exumá-lo por curiosidade.O artigo expõe um aspecto (o lingüístico) da doutrina lo-

Na Bibliografia de Einaudi, no n° 222, é citada uma conferência,"A piedade de ciência", pronunciada em 13 de dezembro de 1915 embeneficio dos hospitais territoriais da Cruz Vermelha de Turim, e publi-cada em Conference e Prolusioni, IX, n° 1, e que pode ser aquela àqual nos referimos.2 Einaudi cita-o no n.9 097 e, após o titulo, acrescenta: "em Misce-Mnea de estudos em honra de Anillo Hortis", anotando: "Há a separata,maio de 1909, 2 vols., 1.050 págs., com fotografias, não se encontranum folheto re uma coluna, mas na Miscel4nea, editada em Trieste,este artigo".

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riana sobre a influência da "altitude" no desenvolvimento dacivilização (o que demonstra, entre outras coisas, que nãofalta em Loria espirito de sistema e uma certa coerência, eque, portanto, suas "bizarrias" não são casuais e devidas aimpulsos de diletantismo improvisador, mas correspondem aum substrato "cultural" que aflora continuamente): os mon-tanheses, moralmente mais puros, fisicamente mais robustos,"triplicam" as consoantes; a gente das planicies, pelo contrá-rio (e pior ainda se se trata de populações que estão ao niveldo mar, como os venezianos), além de moralmente deprava-da, ê também fisicamente degenerada e não consegue nem se-quer "duplicar". Loria recorre ao "testemunho da própriaconsciência" e afirma que, quando doente, não consegue pe-dir à camareira mais do que uma simples tazza 4 de sopa.

4) 0 prefácio à 14 edição de uma das primeiras obras"científicas" de Loria, no qual ele fala de sua aula inauguralna Universidade de Siena, e da impressão causada no pú-blico académico pela exposição de suas "originais" doutri-nas materialistas: aí se encontra mencionada sua teoria daconexão entre "misticismo" e "sífilis'. (Por "misticismo",Loria entende todas as atitudes que não são "positivistas"ou materialistas em sentido vulgar.) Sobre este assunto, ci-ta-se um artigo na Bibliografia: "Sensualidade e misticismo",in Rivista Popolare, XV, 15 de novembro de 1909, págs.577-578.

5) "Documentos posteriores em apoio do economicismohistórico", na Riforma Sociale de setembro-outubro de 1929.

Estes cinco "documentos" são os mais vistosos que re-cordo neste momento: mas deve-se recordar que, no caso deLoria, não se trata de algum caso de "adormecimento" inte-lectual, ainda que com recaídas nos mesmos delirios: trata-sede um filão "profundo", de uma continuidade bastante sis-temática que acompanha toda sua carreira literária. Nem sepode negar que Loria seja um homem de talento e que te-nha juízo. Em toda uma série de artigos, as "bizarrias eexotismos" aparecem aqui e ali, extemporaneamente, masexistem as de um certo tipo, isto é, ligadas a determinadas"conexões de pensamento". Por exemplo, vê-se a teoria "al-a Taça, em italiano, escreve-se com dois zz, isto é, com dupla consoan-te. ( N. do T.).

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timétrica" aparecer na questão "carcerária" e na "lingüísti-ca". Assim, num artigo publicado na Prora, que saía emTurim durante a guerra (dirigida por um certo Cipri-Romanó, jornaleco um pouco desonesto, certamente debaixa especulação às margens da guerra e do antiderrotis-mo), dividiam-se os protagonistas da guerra mundial emmísticos ( Guilherme e Francisco José, ou Carlos) e positi-vistas ( Clemenceau e Lloyd George) e falava-se do fim dotzarismo como de um destino antimistico (no mesmo númeroda Prora, apareceu "II vipistrello disfattista" de EsuperanzoBallerini) . Rica de elementos cômicos é a poesia "Al mio bas-tone — Nel XXXV anno di possesso", in Nuova Antologiade 16 de novembro de 1909.

O "adocicamento literário" notado por Croce é um ele-mento secundário do desequilíbrio loriano, mas tem uma certaimportância: 1) porque se manifesta continuamente; 2) por-que a imagem e a ênfase literárias conduzem mecanicamenteLoria ao grotesco, como nos seiscentistas, e são a origem ime-diata de algumas "bizarrias". Outro elemento deste gêneroé a pretensão infantil e sem critérios a uma "originalidade"intelectual a todo custo.

Não falta em Loria, além do "grande oportunismo",também uma notável dose de "pequeno oportunismo" damais baixa extração: recorde-se, a propósito, de doisartigos quase similares, publicados a breve distância detempo na Gazzeta del Popolo (ultra-reacionária) e noTempo de Pippo Naldi (então nittiano), nos quais a ima-gem de Macaulay era elaborada, em cada um deles, numsentido diametralmente oposto.'

A respeito das observações de Croce sobre a doutrinaloriana dos "servos desocupados" e de sua importância nasociologia loriana, deve-se recordar uma crônica da Gazzetadel Popolo de 1918 (ou dos anos subseqüentes, mas antesde 1921), na qual Loria fala dos intelectuais como dos queconservam de pé a "escada de ouro" pela qual sai o povo,com advertências ao povo para que este conserve bons estesintelectuais, etc. etc.4 Tratava-se da Rússia, e os artigos talvez sejam de 1918: sobre aRússia, Loria escreveu no Tempo de 10 de março de 1918 e na Gazettede 1.0 de ;,mho do mesmo ano.

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Loria não é um caso teratológico individual: pelo con-trário, é o exemplar mais completo e acabado de uma sériede representantes de uma certa camada intelectual de umdeterminado periodo histórico; em geral, daquela camada deintelectuais positivistas que se ocuparam da questão operáriae que estavam mais ou menos convencidos de terem aprofun-dado, revisto e superado a filosofia da praxis.

Mas deve-se notar que cada periodo tem o seu Iorianis-mo mais ou menos completo e perfeito, e que cada país temo seu: o hitlerismo revelou que a Alemanha alimentava, sobo aparente dominio de um grupo intelectual sério, um loria-nismo monstruoso que rompeu a crosta oficial e se difundiucomo concepção e método científico de uma nova "oficiali-dade". Que Loria pudesse existir, escrever, elucubrar e pu-blicar a suas expensas livros e livraços, nada de estranho;existem sempre os descobridores do movimento perpétuo eos párocos que publicam continuações de Jerusalém Liberta-da. Mas que ele se tenha tornado um pilar da cultura, um"mestre", e que tenha encontrado "espontaneamente" umimenso público, eis algo que nos leva a refletir sobre a de-bilidade, mesmo em épocas normais, dos obstáculos críticosque, não obstante, existiam: deve-se pensar como, em épocasanormais, de desencadeamento de paixões, seja fácil aos Lo-ria -- apoiados por forças interessadas — superar todos osobstáculos e apodrecer por décadas um ambiente de civili-zação intelectual ainda débil e frágil.

Tão-somente hoje (1935), após as manifestações de bru-talidade e de ignominia inauditas da "cultura" alemã domi-nada pelo hitlerismo, alguns intelectuais tomam consciênciade quanto era frágil a civilização moderna -- em todas suasexpressões contraditórias, mas necessárias em sua contradi-ção — que tivera suas origens no primeiro Renascimento(depois do ano mil) e se impusera como dominante atravésda Revolução Francesa e do movimento de idéias conhecidocomo "filosofia clássica alemã" e como "economia clássicainglesa". Daí a critica apaixonada de intelectuais comoGeorges Sorel, como Spengler, que enchem a vida culturalde gases asfixiantes e esterilizadores.

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O senhor Netuno. No início desta série de notas sobreo lorianismo, poderá ser citada a novela narrada pelo bar-beiro nos primeiros capítulos da segunda parte de Don Qui-xote: o louco que recorre ao bispo para ser libertado do hos-picio, afirmando -- numa carta razoabilissima — ser sadioe, portanto, mantido arbitrariamente segregado do mundo; oarcebispo envia uma pessoa de sua confiança, que se con-vence de estar realmente em face de um homem de mentesadia, até que -- quando o pretenso sadio se despede dosseus amigos do hospicio -- ocorre a catástrofe. Um louco,que afirma ser Júpiter, ameaça, se o amigo for embora, denão mais fazer chover sobre a terra; o amigo, temendo queo enviado do bispo recue de seu propósito de libertá-Io, diz:"Não se aflija, porque se de é Júpiter e não quer que chova,eu sou Netuno e mandarei chover tanto quanto me der nagana". — Pois bem, estas notas dizem respeito, precisamen-te, a escritores que -- em um ou em muitos instantes de suaatividade científica demonstraram ser o "senhor Netuno".

A altimetria, os bons costumes e a inteligência. Na "uto-pia" de Ludovico Zuccolo, Il Belluzzi o la città Felice, reim-presso por Amy Bernardy nas "Curiosidades Literárias" daEditora Zanichelli (que não é precisamente uma utopia, poisse fala da República de San Marino), faz-se referenda àteoria loriana das relações entre altimetria e costumes hu-manos. Zuccolo acredita que "os homens de Animo modestoou de cérebro obtuso unem-se mais facilmente para cuidardos negócios comuns": esta seria a razão da solidez das or-ganizações de Veneza, dos suíços e de Ragusa; já os homensde natureza vivaz e aguda, como os florentinos, são levadosao domínio ou "a se ocuparem com interesses privados semse ocuparem absolutamente com os públicos". Como entãoexplicar que os habitantes de San Marino, de natureza vivaze aguda, tenham conservado todavia, durante tantos séculos,um governo popular? A razão está no fato de que, em SanMarino, a rarefação do ar — que torna os corpos bem com-postos e vigorosos — produz também "espíritos puros e sin-ceros". L verdade que Zuccolo fala também de motivos eco-nômicos, isto é, da mediocridade das riquezas individuais,pelo que o mais rico tem "pouca vantagem" e ao mais pobre

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não falta nada. Esta igualdade é assegurada por boas leis:proibição da usura, inalienabilidade da terra, etc.

Zuccolo escreveu uma "Utopia" propriamente dita: LaReppublica di Evandria, situada numa península nos antípo-das da Itália, que -- segundo Gargáno ("Um utopista desentido prático", em Marzocco de 2 de fevereiro de 1930) --teria ligações com a Utopia de Thomas Mortis e teria ori-ginado 1l Belluzzi.

A respeito das teorias "altimétricas" de Loria, poder-se-ia recordar, para rir, que — segundo Aristóteles — "as acró-poles são oportunas para os governos oligárquicos e tiránicos,e as planícies para os governos democráticos".

Atividades improdutivas. Em 12 de dezembro de 1931,no apogeu da crise mundial, Achile Loria discute no Sena-do a respeito de uma sua indagação, a saber, se o Ministé-rio do Interior "não considera oportuno evitar os espetáculosde equilibrismo, que não preenchem nenhuma função educa-tiva, e que são com muita freqüência oportunidade de aciden-tes mortais". Pela resposta do Deputado Arpinati, pareceque "os espetáculos de equilibrismo fazem parte daquelas ati-vidades improdutivas que o Senador Loria analisou no Tra-tado de Economia"; a questão, portanto, segundo Loria, po-deria ser uma contribuição para a solução da crise econômi-ca. Poder-se-ia fazer ironia barata sobre os espetáculos deequilibrismo do próprio Loria, que não lhe causaram atéagora nenhum acidente mortal.

Lorianos. Juntamente com Loria, deve-se examinar En-rico Ferri e Lumbroso-Arturo Labriola. O próprio Turati po-deria proporcionar uma certa dose de observações e anedotas.Deve-se ver, em outro campo, Luzzatti. Guglielmo Ferrero.Corrado Barbagallo (em Barbagallo, as manifestações "lona-nas" são talvez mais ocasionais e episódicas: não obstante,seu escrito sobre o capitalismo antigo, publicado na NuovaRivista Storica de 1929, é extremamente sintomático, cam aapostila um pouco cómica do Prof. G. Sanna, que se segueao artigo). Muitos documentos do "Iorianismo em sentido

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amplo podem ser encontrados na Critica, na Voce e na Unitàflorentina.

Enrico Ferri. O modo de julgar a música e Verdi porEnrico Ferri é contado originariamente por Croce, nas Con-versações Criticas:° "Noto naquela (memória) sobre o cen-tenário de Leopardi uma felicíssima invectiva contra os crí-ticos literários da chamada escola lombrosiana: invectiva que,ademais, parece-me atualmente supérflua, tendo eu escuta-do há algumas semanas -- um destes solenes críticos,Enrico Ferri, numa comemoração de Zola ocorrida em Ná-poles, declarar o seguinte sobre a questão de se Verdi é ounão um génio: que ele, Ferri, não entendendo nada de mú-sica, ou seja, não estando exposto às seduções do fascínio.daquela arte, podia por isso pronunciar a respeito 'um juízosincero em sua objetividade' e afirmar, com consciência tran-qüila, que Verdi é um `talento' e não um `génio'; tanto éassim que ele costuma manter em perfeita ordem as contasda economia doméstica!" A anedota foi contada também deoutra forma, ou seja, que Ferri se considerava o mais capazde julgar objetiva e desapaixonadamente qual dos dois eraum grande génio, Wagner ou Verdi, precisamente porquenão entendia absolutamente nada de música.°

Guglielmo Ferrero. Recordar os despropósitos contidosnas primeiras edições de alguns de seus livros de história:por exemplo, uma unidade de medida persa considerada comose fosse uma rainha, de quem se escreve a biografia roman-ceada, etc. E o mesmo que, se daqui a mil anos, numa épocade puritanismo, se descobrisse uma marca de aldeia com sua6 Série II, pá 314, num pequeno capitulo sobre Recordações e a etos,de Alessandra d'Ancona, publicados por Treves em 190E e que apare-ceu na Critica dos primeiros anos.e Pode ser que a conferência de Ferri sobre Zola, na qual está contidaa afirmação da "objetividade" !baseada na ignorância, seja o escrito"Emile Zola, artista e cidadão", incluído no volume: Os delinqüentesna arte e outras conferências, publicado pela União Tipográfica Ed.Turinense, em 1926. No volume, poder-se-á talvez encontrar outros te-mas "lorianos" não menos característicos que o "musical". No volume,ademais, estão contidos escritos que terão significado para outras ru-bricas, como Recordações de fonwlismo e A ciência e a vida no SéculoXIX.

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"Regia Gabella" e a imagem de moça com o cachimbo naboca se tomasse uma "Regina [Rainha] Gabella", receptá-culo de todos os vicios. Ademais, Ferrero não mudou: emseu livro Fim das aventuras, que é de 1930, parece-me, acre-dita-se ser possível voltar à "guerra das rendas" e se exaltaa arte militar dos cavaleiros.

Credaro-Luzzatti. Recordar o episódio parlamentar Cre-daro-Luzzatti. Havia sido proposta uma cátedra especial naUniversidade de Roma de "filosofia da história", por Gugliel-mo Ferrero (em 1911 ou 1912). O Ministro Credaro, entreoutros, justificou a "filosofia da história" (contra Croce, quefalara no Senado contra a cátedra) alegando a importânciaque os filósofos haviam tido no desenvolvimento da história,citando como exemplo... Cícero. Luzzatti concordou grave-mente: "A verdade, é verdade!".

Turati. O discurso parlamentar sobre as "assalariadasdo amor". Discurso desonroso e abjeto. Os traços do "maugõsto" de Turati são numerosos em suas poesias.

Alberto Lumbroso. Lumbroso deve ser incluido na sérieloriana, mas noutro campo e sob outro ponto de vista.

Poder-se-ia fazer uma introdução geral à rubrica, a fimde demonstrar como Loria não é uma exceção, em seu campo,mas trata-se de um fenômeno geral de deteriorização cultu-ral, que teve talvez no campo "sociológico" sua expressãomais vistosa. Assim, devem ser recordados Tomaso Sillanie sua "casa das partes", a "borracha de Vallombrosa" deFilippo Carli, do qual é notável também um grande artigona Perseveranza de 1918-19 sobre o próximo triunfo da na-vegação a vela sobre a navegação a vapor; a literatura eco-nômica dos protecionistas de tipo antigo é cheia destas pre-ciosidades, que tiveram muitos continuadores mesmo em épo-cas mais recentes, como se pode ver nos escritos de Belluzzosobre as possíveis riquezas ocultas nas montanhas italianase sobre o desencadeamento de simplicidade provocada pelaprimeira campanha em favor do ruralismo e do artesanato.

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Estes elementos genéricos e marginais do " lorianismo"

poderiam servir para tomar o assunto agradável. Poder-se-iarecordar como caso limite e absurdo, pois pertencente à técni-ca clínica patológica, a candidatura de Lenzi ao IV colégiode Turim, em 1914, com o "aerocisne", o "filopresentaneis-mo" e a proposta de cortar .as montanhas italianas, queocupam muito espaço, a fim de transportar o seu materialpara a Líbia e fertilizar assim o deserto (porém, ao que meparece, também Kropotkin, na "luta pelo pão", propõe dimi-nuir as calçadas para ampliar a área cultivável).

O caso de Lumbroso é muito interessante, porque seupai (Giacomo) era um erudito de grande nivel; mas a me-todologia da erudição (e da seriedade científica), ao queparece, não se transmite de geração em geração e nem mes-mo pelo contato intelectual mais assíduo. Deve-se indagar,no caso de Lumbroso, como é que seus dois imensos volumessobre as Origens diplomáticas e políticas da guerra puderamser acolhidos na coleção Gatti: a responsabilidade do siste-ma é, neste caso, evidente. O mesmo vale para Lona 'e aRiforma Sociale, para L. Luzzatti e o Corriere della Sera.Sobre Luzzatti, deve-se recordar o caso do "fioretto" deSão Francisco, publicado como inédito pelo Corriere (de1913, parece-me, ou de antes), com um imenso comentárioeconômico próprio de Luzzatti, que pouco antes havia pu-blicado uma edição dos Fioretti na Coleção Notari; o cha-mado inédito era uma variante enviada a Luzzatti por Sa-batier. (Frases famosas de Luzzatti, como "Quem sabe é obacalhau", num artigo do Corriere, que foi a origem casualdo livro 'de Bachelli.)

Roberto Ardigô e a filosofia da praxis. G. Marchesinicoleta uma parte dos escritos de ocasião° tanto da épocaem que Ardigó era padre (por exemplo, uma interessantepolêmica com Luigi De Sanctis, padre católico que abando-nou a batina e se tomou um dos propagandistas mais ver-bosos e acríticos do evangelismo), quanto da época poste-rior ao abandono da batina pelo próprio Ardigó e de seu

7 Cf. o volume Escritos vários, coletados e ordenados por GIOVANNIMARcHE4nir, Florença, Le Monnier, 1922.

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pontificado positivista — que o próprio Ardigó ordenara edispusera para publicação. Estes escritos podem ser interes-santes para um biógrafo de Ardigó e para estabelecer comexatidão suas tendências políticas; mas, em grande parte,são velharias sem nenhum valor e pessimamente escritas.

O livro é dividido em várias seções. Entre as polêmicas(1+ seção) é notável a contra a maçonaria, escrita em 1903;

Ardigó era antimaçom e em forma vivaz e agressiva. Entreas cartas (4+ seção), é interessante a que foi dirigida áGazzetta di Mantova a respeito da peregrinação ao túmulode Vittorio Emanuele II (na Gazzetta di Mantova de 29 denovembro de 1883). Ardigó aceitara fazer parte de um co-mitê promotor da peregrinação. "A peregrinação, porém, nãoagradava a muitos revolucionários impacientes, que acredita-vam que eu pensasse como eles e que, portanto, renegasse aminha crença político-social com a referida adesão. E, destemodo, expressaram-se privada e publicamente com as maisferozes invectivas contra mim" . As cartas de Ardigó são en-fáticas e altissonantes: "Ontem, porque supunham fazer-mepassar por um dos seus, o que jamais fui (e eles sabem oudevem sabê-lo), proclamaram-me, com louvações que me da-vam nojo, o seu mestre; e isto sem entender-me, ou enten-dendo-me deformadamente. Hoje, porque não me encontramdisposto a prostituir-me aos seus objetivos parricidas, querempuxar a minha orelha para que escute e aprenda a lição que(muito ingenuamente) pretendem me recitar. Oh! quanta ra-zão tenho em dizer com Horacio: Odi prolanun valgus etarceol"

Numa carta posterior (de 4 de dezembro de 1883) aoBacchiglione, jornal democrático de Padua, escreve: "Comosabeis, fui amigo de Alberto Mario; venero-lhe a memória eacalento com toda minh'alma aquelas idéias e sentimentosque tive em comum com ele. E, por conseguinte, repudio semhesitações as baixas facções anárquicas anti-sociais... Estemeu repúdio, tenho-o sempre expressado de modo muito cla-ro. Há alguns anos, numa reunião da Sociedade da Igual-dade Social de Mantua, assim falei: 'A síntese das vossastendências é o ódio, a síntese da minha é o amor; por isso,não estou convosco'. Mas continuava-se a querer afirmar mi-nha solidariedade com o socialismo anti-social de Mantua.Foi por isso que me senti no dever de protestar, etc.". A carta

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foi republicada na Gazzetta di Mantova (de 10 de dezem-bro de 1883; a Gazzetta era um jornal conservador de extre-ma-direita, então dirigido por A. Luzio), com um outro finalviolentissimo, pois os adversários lhe haviam recordado osacerdócio, etc.

Em julho de 1884, ele escreve a Luzio: "Nada me im-pediria de concordar" com a proposta que lhe fora feita deentrar na lista moderada para as eleições comunais de Man-tua. Escreve também que acredita ser Luzio "mais radicalque muitos dos auto-intitulados democratas... Muitos se di-zem democratas e não são mais do que tolos rufiões... ". Emjunho-agosto de 1883, contudo, ele se servia do jornal so-cialista de Imola, Il Moto, para responder a uma série deartigos anônimos publicados pela liberal (fora conservado-ra) Gazzetta dell'Emilia de Bolonha, na qual se afirmavaser Ardigó um liberal de data recente, além de desancá-lobrilhantemente, ainda que com evidente má-fé polémica. OMoto de Imola, "naturalmente", defende Ardigò de armas namão e o exalta, sem que Ardigò busque diferenciar-se dasposições do jornal.

Entre os pensamentos, todos triviais e banais, destaca-seaquele sobre o materialismo histórico (pág. 271), que se deve-colocar indubitavelmente ao lado do artigo sobre a In-fluéncia social do aeroplano de Loria. Eis o pensamento com-pleto: "Com a Concepção materialista da História, preten-de-se explicar uma formação natural (!), que dela (sic) de-pende só em parte e só indiretamente, negligenciando outroscoeficientes essenciais. Explico-me. O animal não vive, senão tem seu alimento. E pode obtê-lo, porque nele nasce osentimento da fome, que o leva a buscar o alimento. Masnum animal, além do sentimento da fome, produzem-se mui-tos outros sentimentos, relativos a outras operações, os quaistambém atuam no sentido de fazê-lo operar. Com a alimen-tação, conserva-se um dado organismo, que tem especiaisaptidões, que variam de espécie a espécie. Uma queda d"águafaz mover um moinho, que produz a farinha, e faz mover umtear, que produz um tapete. De modo que, para o moinho,além da queda d'água, é necessário o grão para moer; e, parao tear, as linhas para tecer conjuntamente. Mantendo-se como movimento um organismo, o ambiente — com suas impor-tações de outro género (!?) -- determina, como dissemos,

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muitos funcionamentos, que não dependem diretamente daalimentação, mas da estrutura especial do aparelho funcio-nante, por um lado, e da ação (ou seja, da nova importação)do ambiente, por outro. Um homem, portanto, por exemplo,é incitado em vários sentidos. E. em todos eles, irresistivel-mente. É incitado pelo sentimento da fome, é incitado poroutros sentimentos, produzidos em razão da sua estrutura es-pedal e das sensações e idéias que a ação externa fez nascernele, e pela domesticação recebida, etc. etc. (sic). Deve obe-decer ao primeiro, MAS DEVE OBEDECER TAMBÉM AOS OUTROS,queira ou não queira. E os equilibrios que se formam entreo impulso do primeiro e o destes outros, pela resultante daação, revelam-se muito diversos, de acordo com uma infini-dade de circunstâncias, que fazem jogar mais um que outrodos sentimentos incitadores. Numa manada de porcos, a pri-mazia cabe ao sentimento da fome; já numa população dehomens, as coisas são muito diferentes, pois estes têm outraspreocupações além da de engordarem. No •próprio homem,o equilibrio se diversifica de acordo com as disposições quepodem atuar nele e, portanto, com o sentimento da fome, oladrão rouba e o cavaleiro trabalha: possuindo o que lhe énecessário para saciar a fome, o avaro busca ainda o não-necessário, enquanto o filósofo contenta-se com isto e dedicaseu trabalho à ciência. Portanto, o antagonismo pode ser detal monta que atuam primariamente os sentimentos diversosdo da fome, até fazê-lo calar completamente, até se chegara suportar a morte, etc. etc. (sic). A força, onde está e ageo animal, é a da natureza, que o domina e o leva a agir cmmúltiplos sentidos, transformando-se de modo variado em seuorganismo. Suponhamos que a concepção materialista da his-tória, ao invés de dever se reduzir à razão económica, se re-duzisse à luz do sol. A luz do sol entendida de tal modo,que também a ela se pudesse referir o fato da idealidade im-pulsiva do homem".

O trecho foi publicado pela primeira vez em um númeroúnico (impresso talvez pelo Jornal da Itália), em beneficioda Cruz Vermelha, em janeiro de 1915.E interessante nãosó para demonstrar que Ardigò jamais se preocupou em in-formar-se diretamente sobre o assunto tratado, e não havialido mais do que um artiguinho de algum jornaleco, comotambém porque serve para documentar as estranhas opiniões

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difundidas na Itália sobre a "questão do ventre". Por quesomente na Itália se difundira esta estranha interpretação"ventriolesca"1 Ela não pode deixar de ser ligada aos mo-vimentos para a fome; mas, deste modo, a acusação de "ven-trismo" é mais humilhante para os dirigentes que a faziam doque para os governados que realmente tinham fome. E, ape-sar de tudo, Ardigó não era o primeiro.

Graziadei e o Eldorado. Cf. no opúsculo de Graziadei,Capital e Salários, a cómica resposta à nota de Croce sobreo Eldorado graziadeiano, quase trinta anos depois. A res-posta, cómica, mas não desprovida de uma boa dose de je-suitismo politico (croceanismo tardio de um certo grupelhode personagens laschianos — Lasca dizia que o homem éum pedaço de bosta sobre dois gravetos), foi determinadaindubitavelmente pelo ensaio publicado em 1926, pela Unterund Banner", sobre "Preço e superpreço", que se iniciavaprecisamente com a citação da nota croceana. s

O motivo do Eldorado indicado por Croce em Graziadeipossui um certo interesse geral, pois serve para desenterraruma corrente subterrânea de romantismo e de fantasias po-pulares, alimentada pelo "culto da ciência", pela "religião doprogresso" e pelo otimismo do Século XIX, que foi tambémuma forma de ópio. Neste sentido, deve-se observar se nãofoi legitima e de ampla importância a reação de Marx, que-- com a lei tendencial da queda da taxa de lucro e com ochamado catastrofismo -- lançava muita água na fogueira;deve-se observar também em que medida a "opiomania" im-pediu uma análise mais cuidadosa das proposições de Marx.

Estas observações nos reportam à questão da "utilida-de" ou não de uma exposição do loganismo. A parte o fatode um julgamento "desapaixonado" da obra global de L.oriae da aparente "injustiça" que consiste em destacar apenasas manifestações exageradas de seu talento, existe ainda —para justificar estas notas -- uma série de razões.a Seria interessante investigar, na produção literária de Graziadei, aspossíveis referências a Croce: ele jamais respondeu a Croce, mesmoindiretamente? Não obstante, a pancada fora forte! De qualquer mo-do, o to à autoridade cientifica de Croce, expresso com tantaunção trinta anos, é verdadeiramente cômico.

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Os "autodidatas", notadamente, são inclinados, pela au-sência de uma disciplina critica e científica, a brincar de El-dorados e de soluções fáceis para todos os problemas. Comoreagir? A melhor solução seria a escola, mas é solução a lon-go prazo, particularmente por causa das grandes massas dehomens que se deixam levar pela opiomania. Deve-se, -entre-mentes, destruir a "fantasia" mediante tipos "grandiosos" deexceção intelectual, criar a aversão "instintiva" pela desor-dem intelectual, acompanhando-a com o senso do ridículo:isto pode ser obtido, como se viu experimentalmente em ou-tros campos, inclusive com uma certa facilidade, pois o bomsenso -- despertado por um oportuno peteleco -- aniquilaquase fulminantemente os efeitos do ópio intelectual. Estaaversão é ainda pouco, mas já ê premissa necessária para ins-taurar uma indispensável ordem intelectual: por isso, o meiopedagógico indicado tem sua importância.

Recordar alguns episódios típicos: A Interplanetária de1916-17, de Rabezzana — o episódio do "movimento perpé-tuo" em (parece-me) 1925. Figuras como Pozzoni di Comoe outras, que resolvïam tudo partindo do aluguel da casa;etc. (Ademais, um episódio clamoroso foi o da "Baronata",que ofereceu um motivo ao Diavolo al Puntelungo deBacchelli) .

A falta de sobriedade e de ordem intelectual é muitofreqüentemente acompanhada pela desordem moral. A ques-tão sexual traz, com suas fantasias, muita desordem: poucaparticipação das mulheres na vida coletiva, atração de me-retrizes para iniciativas sérias, etc. (recordar o episódio nar-rado por Cecilia De Tourmay, que é verossímil, mesmo queseja inventado) . Em muitas cidades, notadamente meridio-nais, nas reuniões femininas, organizadas com muito esfor-ço, apareciam de repente os defensores do amor livre, comseus opúsculos neomalthusianos, etc., e devia-se fazer tudode novo.

Todos os mais ridículos fantasistas, que em seus escon-derijos de génios incompreendidos fazem descobertas bri-lhantíssimas e definitivas, atiram-se sobre todo movimentonovo, persuadidos de poder vender suas tolices. Outrossim,todo colapso traz consigo desordem intelectual e moral. Ênecessário criar homens sóbrios, pacientes, que não se deses-perem diante dos piores horrores e que não se exaltem em

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face de qualquer tolice. Pessimismo da inteligência, otimis-mo da vontade.

Alfredo Trombetti. Por muitos aspectos, ele pode serincluído no lorianismo, com a advertência de que isso nãosignifica um juízo global sobre sua obra, mas um simples re-gistro de desequilibrio entre a "logicidade" e o conteúdo con-creto de seus estudos.

Trombetti era um formidável poliglota, mas não um glo-tólogo; ou, pelo menos, seu glotologismo não se identificavacom seu poliglotismo: o conhecimento material de inúmeraslínguas tomava sua mão no que toca ao método cientifico.Ademais, era um iluminado: a teoria da monogênese da lin-guagem era a prova da monogênese da humanidade, comAdão e Eva na cabeça. Por isso, os católicos o aplaudirame ele se tornou popular, isto é, foi "ligado" á sua teoria porum ponto de honra não científico, mas ideológico. Nos úl-timos tempos, obteve reconhecimentos oficiais e foi exalta-do pelos jornais como uma glória nacional, particularmentepelo anúncio feito a um Congresso Internacional de Lingüís-tica (de Haia, em princípios de 1928) sobre a decifração doetrusco. Ao que me parece, porém, o etrusco continua tãoindecifrável como antes e tudo se reduz a mais uma tentati-va fracassada.

Na Nuova Antologia de 16 de julho de 1928, publicou-se um artigo de Pericle Ducati, "O primeiro congresso in-ternacional etrusco" (27 de abril-3 de maio de 1928), noqual se fala de um modo muito estranho, mas up to date,da "descoberta" de Trombetti. Na página 129, fala-se de"completa decifração do etrusco" graças sobretudo aos esfor-ços de um italiano, de "Alfredo Trombetti". Na pág. 204,a "completa decifração" é reduzida todavia a "um passo gi-gantesco na interpretação do etrusco". A tese de Trombettié a seguinte, já anunciada por ele na Convenção NacionalEtrusca de 1926: o etrusco é uma língua intermediária, jun-tamente com outros idiomas da Asia Menor e pré-helênicos,entre o grupo caucásico e o grupo ário-europeu, com maioresafinidades com este último; por isso, o lênio — tal como apa-rece nas duas inscrições da famosa estrela — e o etruscosão quase idénticos. Esta tese faz parte do sistema geral de

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Trombetti, que pressupõe estar provada a monogênese e, por-tanto, tem uma base fragilíssima. Mais ainda: pressupõecerta origem transmarina dos etruscos, e esta opinião (aindaque seja a mais difundida) tão é universal: Gaetano DeSanctis e Luigi Pareti defendem, pelo contrário, a origemtransalpina, e não são estudiosos a desprezar.

No Congresso Internacional Etrusco, Trombetti passoua uma mais precisa determinação da gramática e à herme-nêutica dos textos, esboço de seu livro A lingua etrusca, quesaiu logo após.. Teve grande sucesso. Contraditores, não en-tre os estrangeiros, nota Ducati, mas entre os nacionais, "hon-rando todavia o excepcional talento de Trombetti". "Um jo-vem e agora valoroso glotólogo, Giacomo Devoto, preocupou-se com o método, pois o rigor do método pareceu-lhe com-prometido pelas investigações e pelos resultados de Trom-betti". Neste ponto, Ducati faz uma série de consideraçõesverdadeiramente brilhantes sobre o método da glotologia,contra Devoto, e conclui: "Olhemos, pois, para os resultadosde Trombetti e esqueçamos as sutilezas". Já se viu, ademais,o que significa esquecer as sutilezas.

Nas ciências, em geral, o método é a coisa mais impor-tante: além disso, em certas ciências, que devem basear-senecessãriamente sobre um conjunto restrito ds dados positi-vos, restrito e não homegéneo, as questões de método sãoainda mais importantes, quando não são simplesmente tudo.Não é difícil, com um pouco de fantasia, construir hipótesese mais hipóteses e dar uma brilhante aparência de logicidadea uma doutrina: mas a critica destas hipóteses derruba todoo castelo de cartas e revela a vacuidade por baixo do bri-lhantismo. Trombetti descobriu um novo método? Esta é aquestão. Este novo método faz progredir a ciência mais do queo método antigo, interpreta melhor? Nada disso.

Também aqui se revela como o nacionalismo introduzdesvios danosos na valorização cientifica e, portanto, nascondições práticas do trabalho científico. Bartoli descobriuum método novo, mas ele não pode alardeá-lo, interpretan-do o etrusco; Trombetti, pelo contrárip, afirma ter decifradoo etrusco, ter portanto resolvido um dos maiores e mais apai-xonantes enigmas da história: aplausos, popularidade, aju-das económica etc.

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Ducati repete, aprovando, o que lhe disse 'no Congressoum glotólogo "muito eminente" : "Trombetti é uma exceção:_le se eleva muito acima de nós, e o que não nos parecelicito tentar, a ele é possível realizar." E acrescenta as opi-niões muito profundas do paletnólogo Ugo Antonielli: paraAntonielli, Trombetti é um "bom gigante que indica um ca-minho direto e seguro" . E se, como argutamente (!) aduzo próprio Antonielli, nosso italianíssimo Trombetti, "para asupina sensibilidade de alguns, se chamasse Von Trombettingou Trombety..." Já que a questão se colocava assim, é pre-ciso convir que Devoto e outros opositores foram heróis e queexiste algo sadio na ciência italiana. Ducati apóia esta ten-dência nacionalista na ciência, sem perceber as contradiçõesem que cai: se Trombetti indicasse um caminho direto e se-guro, teria precisamente renovado (ou desenvolvido) e aper-feiçoado o método, e então seria licito que todos os estudio-sos tentassem o que ele tentou. Das duas, uma: ou Trom-betti está acima da ciência graças a seus dotes peculiares deintuição, ou indica um caminho para todos. "Curioso isto:entre os glotólogos reunidos em Florença. Trombetti mereceuo aplauso mais incondicionado entre os estrangeiros". Nestecaso, por que Ducati refere-se ao Von Trombetting? Ou istonão quer dizer que a glotologia italiana é mais séria e avan-çada do que a estrangeira? Pode ocorrer precisamente o se-guinte ao nacionalismo científico: não perceber as verdadei-ras "glórias" nacionais e ser precisamente ele o escravo, omais supino servo dos estrangeiros!

Trombetti e a monogénese da linguagem. A Nuova An-tologia, que no artigo de Pericle Ducati acima referido exal-tara a obra de Trombetti no sentido da interpretação doetrusco, publica -- no número de 14 de março de 1929 --uma nota de V. Pisani, "Divagações etruscas " , inteiramentecontrária a Trombetti.

Pisani recorda, contra Trombetti, alguns cánones ele-mentares para o estudo critico da ciência das línguas:

1) 0 método puramente etimológico carece de consis-tência cientifica: a lingua não é o puro léxico, erro comume muito difundido. As palavras singulares tomadas abstra-tamente, ainda que muito semelhantes numa determinada fase

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histórica, podem: a) ter nascido independentemente uma daoutra: exemplo clássico, mysterion grego e hebraico, com omesmo significado: mas em grego o significado é dado pormyst- e erion é o sufixo dos abstratos, ao passo que em he-braico é exatamente o contrário: erion (ou tenon) é a radi-cal fundamental, myst-(ou mys-) é o prefixo genérico. Assimtambém o haben alemão não tem a mesma origem de ha-bere latino, nem to call inglês de xaxim grego ou de calarelatino (chamar), nem ãnnlich alemão pode unir-se a &v&aoyoqgrego, etc.; 9 b) podem ter sido importadas de uma línguapara outra, em épocas relativamente pré-históricas; por exem-plo: a América foi descoberta por Cristóvão Colombo "ape-nas" do ponto de vista da civilização européia em seu con-junto, isto é, Cristóvão Colombo fez com que a América en-trasse na zona de influência da civilização européia, da his-tória européia; mas isso não exclui, pelo contrário, que ele-mentos europeus, ou de outros continentes, pudessem ter es-tado na América, inclusive em grupos relativamente consi-deráveis, e ter deixado "palavras", formas léxicas mais oumenos consideráveis; isto pode repetir-se no caso da Austrá-lia e de qualquer outra parte do mundo; como então é possí-vel afirmar, como o faz Trombetti, baseado em números re-lativamente escassos de formas léxicas (30-40), que tais for-mas sejam documentos da monogênese?

2) As formas léxicas e seus significados devem ser co-tejados por fases históricas homogêneas das línguas em ques-tão; para cada forma, por isso, deve-se "fazer" -- além dahistória fonológica -- também a história semântica e cote-jar com os significados mais antigos.

Trombetti não respeita nenhum destes cânones elemen-tares: a) contenta-se, nos cotejos, com significados genéri-cos afins, inclusive não muito afins (algumas vezes espicha-dos de modo ridículo: lembro-me de um caso curiosíssimo,de um verbo de movimento ário-europeu cotejado com umapalavra de um dialeto asiático que significa "umbigo" ouabaixo dele, que deveria corresponder, segundo Trombetti,pelo fato de que o umbigo se "move" continuamente poxv Littman publicou, na Zeitschrift der Deutschen Morgenl, Cessei-shaft, LXXVI, págs. 270 ss., uma lista destas aparentes concordânciaspara demonstrar o absurdo da etimologia anticientífica.

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causa da respiração!); b) basta, para Trombetti, que nas pa-lavras cotejadas se verifique a sucessão de dois sons con-sonantais semelhantes como, por exemplo, t, th, cl, dh, s, etc.,ou p, ph, f, b, bh, v, w, etc.; desembaraça-se das outras con-soantes eventuais considerando-as como prefixos, sufixos ouinfixos.

3) 0 parentesco de duas línguas não pode ser demons-trado pela comparação, mesmo fundada, de um número (ain-da que muito grande) de palavras, se faltam os temas gra-maticais de natureza fonética ou morfológica (e mesmo sin-tática, ainda que em grau menor) . Exemplo: o inglés, queé uma lingua germânica, embora o léxico seja muito neola-tino; o romeno, que é neolatino, ainda que tenha muitas pa-lavras eslavas; o albanés, que é ilírico, ainda que léxicoseja grego, latino, eslavo, turco, italiano; o arménio, que con-tém muito irónico, persa arabizado, mas que continua a serário-europeu etc.

Por que Trombetti obteve tanta fama? 1) Naturalmen-te, tem méritos, antes de mais nada por ser um grande poli-glota. 2) Porque a tese da monogênese é defendida peloscatólicos, que vêem em Trombetti "um grande cientista deacordo com a Bíblia" e, portanto, colocam-no nas nuvens.3) A vaidade nacional. Todavia, Trombetti é mais aprecia-do pelos profanos do que por seus colegas de ciência. Porcerto, a monogênese não pode ser excluida a priori, mas nãopode tampouco ser provada, ou pelo menos Trombetti não aprovou "

O método acritico de Trombetti aplicado ao etrusco nãopodia, evidentemente, proporcionar resultados corretos. Suainterpretação pode ser colocada na série das muitas outras in-terpretaçóes já dadas: "por acaso" poderia ser verdadeira,mas não se pode demonstrar esta verdade.

Os estudos sobre os etruscos. Cf. LuIGI PARED, "Nasvésperas do P Congresso Internacional Etrusco, Marzoccode 29 de abril de 1928, e PARETI, "Após o Congresso etrusco",

ra Recordar os epigramas de Voltaire contra o famigerado etimolo-gista Ménage (Gilles, 1633-1692), sobre a etimologia de alfana equa,por exemplo.

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Marzocco de 13 de maio de 1928, e "Concordâncias e dis-cordancias históricas arqueológicas no Congresso etrusco",Marzocco de 20 de maio de 1928.

A respeito das pesquisas lingüísticas, escreve Pareti noprimeiro artigo: "Assegurados pela precisão dos textos trans-critos e pela completicidade de nossa coletânea, poder-se-áreelaborá-los, de maneira não comum, no que concerne à lin-güística. Pois é indispensável, agora, não só levar adianteas tentativas de interpretação, como proceder de modo his-tórico, isto é, considerando os termos léxicos e os fenóme-nos fonéticos no espaço e no tempo: distinguindo o antigodo recente, e determinando as diferenças dialetais de cadaregião. Fixada esta base histórico-lingüística, será mais fá-cil e seguro, tanto partir dos termos e dos fonemas mais an-tigos para cotejá-los com outras línguas que interessem porcausa do problema dos parentescos originários, quanto, aoinvés, partir de algumas peculiaridades dos dialetos etruscosem sua última fase para aproximar delas termos e fonemasdialetais atuais. Igualmente meticulosa há de ser, natural-mente, a pesquisa visando a desenterrar os vários estratos,utilizáveis historicamente, da toponomástica. Dado que, emteoria, para cada nome, deve-se estabelecer a época e o es-trato étnico ao qual se relaciona, é indispensável que paracada um deles sejam recolhidos os mais antigos testemunhos,bem como registrada a forma inicial precisa, ao lado das pos-teriores deformações. E isto para evitar as perigosas com-parações entre termos cuja incomparabilidade se pode de-monstrar, ou pela real disformidade fonética, ou pela impos-sibilidade cronológica. De todo o material coletado, ademais,será oportuno redigir léxicos e cartas topográficas, de con-sulta fácil e perfeita".

Estes artigos de Pareti são muito bem feitos e dão umaidéia precisa das atuais condições dos estudos etruscos.

O capitalismo antigo e uma polêmica entre modernos.Pode-se expor, em forma de resenha crítico-bibliográfica, achamada questão do capitalismo antigo. 1) Uma comparaçãoentre as duas edições, a primeira em francês (posteriormentetraduzida em algumas outras línguas européias), e a segun-da, recente, em italiano, do livrinho de Salvioli sobre o Capi-

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talismo antigo, com prefácio de G. Brindisi (ed, Laterza);2) artigos e livros de Corrado Barbagallo (por exemplo, Oouro e o fogo, os volumes referentes à época clássica da His-tória Universal que vai ser publicada pela Utet de Turim,etc.) e a polémica ocorrida há algum tempo, sobre o assunto,na Nuova Rivista Storica, entre Barbagallo, Giovanni Sannae Rodolfo Mondolfo.

Em Barbagallo, deve-se notar particularmente, nesta po-lémica, o tom desencantado de quem sabe demais sobre ascoisas deste mundo. Sua concepção do mundo é a de quenada é novo sob o sol, de que "todo o mundo é uma aldeia",de que "quanto mais se modificam as coisas, mais elas sãoas mesmas". A polémica parece uma continuação farsescada famosa "polémica entre os antigos e os modernos". Masesta polêmica teve uma grande importância cultural e umasignificação progressista; foi a expressão da constiéncia di-fusa de que existe um desenvolvimento histórico, que entãose entrara plenamente numa nova fase histórica mundial, com-pletamente renovadora de todos os modos de existência, etinha uma ponta envenenada contra a religião católica, a qualdeve defender a teoria de que, quanto mais retrocedamos nahistória, tanto mais deveremos encontrar os homens perfei-tos, pois mais próximos das comunicações do homem comDeus, etc.

Sobre isto, deve-se ver o que escreveu Antonio La-briola, no fragmento póstumo do livro não escrito De umséculo a outro, sobre a significação do novo calendário ins-taurado pela Revolução Francesa; entre o mundo antigo e omundo moderno, jamais existira uma tão profunda consciên-cia de separação, nem mesmo quando do advento do cris-tianismo.

A polêmica de Barbagallo, ao contrário, era justamenteo oposto de progressista; tendia a difundir ceticismo, a retirardos fatos económicos qualquer valor de desenvolvimento ede progresso. A análise desta posição de Barbagallo podeser interessante, pois Barbagallo se declara ainda seguidor dafilosofia da praxis (cf. sua polémica com Croce na NuovaRivista Storica de alguns anos atrás) e escreveu um opúsculosobre este assunto na Biblioteca da Federação das Bibliote-cas Populares de Milão. Mas Barbagallo liga-se por fortesvínculos intelectuais a Guglielmo Ferrero (e é um pouco lo-

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dano). E curioso que seja professor de história da economiae se empenhe em escrever uma História Universal quem temda história uma concepção tão pueril e superficialmente acrí-tica; mas não seria de espantar se Barbagallo atribuísse esteseu modo de pensar à filosofia da praxis.

G. A. Fanelli. Um livro que pode ser considerado comocaso-limite teratológico da reação dos intelectuais de provin-cia às tendências "americanistas" de racionalização da eco-nomia ê o de G. A. Fanelli (cujo semanário representa a ex-trema-direita reacionária na atual situação italiana): O arte-sanato — Síntese de uma economia corporativa, ed. Spes,Roma, 1929, in 80, págs. XIX-505, 30 Liras. A Civiltà Cat-tolica de 17 de agosto de 1929 publica uma recensão destelivro, na rubrica Problemas sociais (de P. Brucculeri). De-ve-se notar que o padre jesuíta defende a civilização moder-na (pelo menos em algumas de suas manifestações) contraFanelli.

Trechos característicos de Fanelli, citados pela CiviltàCattolica: "O sistema (do industrialismo mecanizado) apre-senta o inconveniente de reabsorver, por via indireta, neutra-lizando-a, a maior parte das vantagens materiais que possaoferecer. Dos cavalos-vapor instalados, três quartos são uti-lizados nos transportes rápidos, tornados indispensáveis pelanecessidade de evitar o apodrecimento causado pelas grandesconcentrações de mercadorias. Da quarta parte restante, uti-lizada na produção de mercadorias, cerca de metade é em-pregada na produção das máquinas; deste modo, feitas assomas, de todo o enorme desenvolvimento mecánico que opri-me o mundo com o peso de seu aço, não mais do que umoitavo dos cavalos instalados é empregado na produção dasmanufaturas e das substâncias alimentares" (págs. 205 dolivro) . "O italiano, temperamento assistemático, genial, cria-dor, avesso às racionalizações, não se pode adaptar aquelametodicidade da fábrica, na qual só conta o rendimento dotrabalho em série. Aliás, o horário de trabalho para ele tor-na-se puramente nominal, graças ao escasso rendimento queele dá num trabalho sistemático. Espírito eminentemente mu-sical, o italiano pode acompanhar com o canto seu trabalho

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livre, obtendo desta recreação novas forças e inspirações.Mente aberta, caráter vivaz, coração generoso, levado aoatelier... pode o italiano explicitar suas próprias virtudescriadoras, nas quais, por outro lado, apóia-se toda a econo-mia do atelier. Sóbrio como nenhum outro povo, o italianosabe realizar, na independência da vida de atelier, qualquersacrifício ou privação para fazer frente às necessidades daarte, ao passo que -- mortificado em seu espírito criador pelotrabalho desqualificado da fábrica -- gasta o salário na aqui-sição de um esquecimento e de uma alegria que lhe abreviama existência" (pág. 171 do livro).

No plano intelectual e cultural, o livro de Fanelli cor-responde à atividade literária de certos poetas de provínciaque ainda continuam a escrever continuações, em oitavarima, da Jerusalém Libertada e Vitoriosa ( Conquistada), paranão falar de certa vaidade altiva e bufa. Deve-se notar queas "idéias" expostas por Fanelli tiveram, durante certo tem-po, uma grande difusão, o que estava em curioso contrastecom o plano "demográfico", por um lado, e com o conceitode "nação militar", por outro, pois é impossível pensar emcanhões e encouraçados construídos por artesãos ou em mo-torização com carros de boi, bem como no plano de uma Itália"artesa" e militarmente impotente em meio a Estados alta-mente industrializados e bem aparelhados militarmente: tudoisto demonstra que os grupos intelectuais que expressavamestas Iorianadas desprezavam, na realidade, não só a lógica,mas a vida nacional, a política e tudo mais.

Não é muito difícil responder a Fanelli. O próprio Bruc-culeri observa, corretamente, que o artesanato liga-se agoraà grande indústria e dela depende: desta recebe matérias-primas semitrabalhadas e utensílios aperfeiçoados. Pode serverdade que o operário italiano (em média) dê uma produ-ção relativamente baixa: mas isto depende do fato de que,na Italia, o industrialismo -- aproveitando-se da massa cres-cente de desempregados (que só parcialmente a emigraçãoconseguia eliminar) — tenha sido sempre um industrialismode rapina que especulou com os baixos salários e negligen-ciou o desenvolvimento técnico; a proverbial "sobriedade"dos italianos é tão-somente uma metáfora para significar quenão existe um padrão de vida adequado ao consumo de ener-gia requerido pelo trabalho fabril (e que há, portanto, bai-

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xos rendimentos). O "italiano" típico, apresentado por Fa-nelli, é coreográfico e falso em todos os aspectos: na ordemintelectual, foram os italianos que criaram a "erudição" e opaciente trabalho de arquivo: Muratori, Tiraboschi, Baronia,etc. eram italianos e não alemães; a "fábrica", como grandemanufatura, teve certamente na Itália suas primeiras mani-festações orgânicas e racionais. Outrossim, todo este discur-so sobre artesanato e artesãos funda-se num equívoco gros-seiro: existe no artesanato um trabalho em série, estandar-tizado, do mesmo tipo "intelectual" do da grande indústriaracionalizada; o artesão produz móveis, arados, facas, casascamponesas, sempre de um mesmo tipo, que está de acordocom o gosto secular de uma aldeia, de uma vila, de um dis-trito, de uma província, no máximo de uma região. A grandeindústria busca estandartizar o gosto de um continente oudo mundo inteiro durante uma estação ou um ano; o arte-sanato sofre uma estandartização já existente e mumificadade um setor ou de um ângulo do mundo. Um artesanato de"criação individual" arbitrária incessante é tão restrito, quecompreende tão-somente os artistas no sentido estrito da pa-lavra (mais ainda: tão-somente os "grandes" artistas que setornam "protótipos" para seus discípulos).

Paolo Orano. Duas "esquisitices" de P. Orano (lem-bradas de memória) : o "ensaio" "Ad Metalla", no livro Alto-relevos (ed. Puccini, Milão), no qual propõe aos mineiros(após uma catástrofe mineira) abandonarem definitivamentea exploração das minas, de todas as minas: propõe isso como"sindicalista", como representante de uma nova moral dosprodutores modernos, isto é, propõe -- como se isso não fossenada — interromper e destruir toda indústria metalúrgica emecânica; o livrinho sobre a Sardenha (que foi, ao que pa-rece, o primeiro escrito publicado de Orano), onde se falade um cómico "liquido ambiente", etc. Nos "medalhões" (Osmodernos) e em outras publicações de Orano, há muito ainvestigar, inclusive em sua mais recente produção (recordaro discurso de resposta à Coroa após a Concordata, ondeexiste uma teoria do "arbitrário", ligada ao bergsonismo, real-mente divertida).

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Um artigo de P. Orano sobre Ibsen na Nuova Antologiade 19 de abril de 1928. Um aforisma carregado da vacuida-de: "O autêntico (isto é, o sinónimo reforçado do tão de-sacreditado 'verdadeiro') esforço moderno da arte dramáticaconsistiu em resolver cenicamente (I) os absurdos (1) davida consciente (1). Fora disto, o teatro pode ser um belís-simo jogo consolador (1), um agradável passatempo; nadamais".

Outro aforisma similar: "Com ele e por ele (Ibsen), co-meçamos a acreditar na eternidade do instante, porque o ins-tante é pensamento, e tem o valor absoluto da personalidadeindividual, que é agente e juiz fora do tempo e do espaço,além dos fatos temporais e do nada espacial, momento eduração inatingíveis para o critério da ciência e da religião".

A propósito das relações entre os intelectuais sindicalis-tas italianos e Sorel, deve-se cotejar os juízos que Sorel re-centemente publicou sobre eles, recenseando seus livros (noMouvement socialiste e alhures), e os expressos em suas car-tas a Croce. Estes últimos iluminam os primeiros com umaluz freqüentemente irónica e reticente: cf. o juízo sobre"Cristo e Quirino", de P. Orano, publicado no Mouvementsocialiste de abril de 1908 e o expresso na carta a Crocedatada de 29 de dezembro de 1907: evidentemente, o juízopúblico era irónico e reticente, mas Orano o reproduz — naedição Campitelli, Foligno, 1928 - como se fosse de apro-vação. Nas cartas de G. Sorel a B. Croce, pode-se desen-cavar mais de um elemento de lorianismo na produção lite-rária dos sindicalista§ italianos. Sorel afirma, por exemplo,que na tese de doutoramento de Arturo Labriola este escre-ve como se O Capital (de Marx) tivesse sido elaborado apartir da experiência econômica francesa, e não da inglesa.

Benito Mussolini. Na introdução ao artigo sobre o "Fas-cismo", publicado pela Enciclopédia Italiana, introdução es-crita pelo chefe do governo, pode-se ler: "Uma tal concepçãoda vida leva o fascismo a ser a decidida negação daqueladoutrina que constitui a base do chamado socialismo cien-tífico ou marxismo: a doutrina do materialismo histórico, se-

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gundo a qual a história da civilização humana explicar-se-iaapenas através das lutas de interesses entre os diversos gru-pos sociais e através da modificação dos meios e dos instru-mentos de produção. Que os fatos econômicos (descobertade matérias-primas, novos métodos de trabalho, invençõescientíficas) tenham alguma importância, é algo inegável; masé absurdo julgar que sejam suficientes para explicar a histó-ria humana, excluindo-se todos os demais fatores. O fascis-mo ainda crê, e sempre crerá, na santidade e no heroísmo,isto é, em atos nos quais nenhum motivo econômico -- pró-ximo ou remoto -- exerce influência".

A influencia das teorias de Loria é evidente.

G. A. Borgese. "Quase todas as guerras e revoltas, emúltima instância, podem ser reduzidas a baldes roubados; oimportante é ver que coisa raptores e defensores viam nobalde"."

O áureo aforisma de Borgese poderia ser citado comocomentário auténtico ao livrinho no qual G. A. Borgese faladas novas correntes de opinião científicas (Eddigton) e anun-cia que elas deram um golpe mortal no materialismo histó-rico. Pode-se escolher: ou a "última instancia" econômica,ou a "última instancia" do balde roubado."

Os livros perdidos de Tito Livio. Deve-se ligar à cor-rente loriana a famosa controvérsia sobre os livros perdidosde Tito Lfvio, que teriam sido encontrados em Nápoles, háalguns anos, por um professor que adquiriu assim um instan-te de celebridade que talvez não desejasse.

A meu ver, as causas desse escandaloso episódio devemser buscadas nas intrigas do Prof. Francesco Ribezzo e naabulia do professor em questão, do qual não lembro o nome.Este professor publicava uma revista, e o Prof. Ribezzo umaoutra, concorrente, ambas inúteis ou quase (vi a revista de

11 Corriere della Sera, 8 de março de 1932 (Psicologia da proibição).12 Gramsci refere-se à conhecida expressão de Engels, segundo a quala economia determinaria, "em última instancia " , os fenômenos histé-ricos. ( N. do T.).

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Ribezzo durante muitos anos e conheci Ribezzo naquilo queinteressa): os dois disputavam entre si por uma cátedra naUniversidade de Nápoles. Foi Ribezzo quem anunciou emsua revista a descoberta feita (1) pelo colega, que assim setornou o centro da curiosidade dos jornais e do público, efoi liquidado científica e moralmente.

Ribezzo não tem a menor capacidade científica: quandoo conheci, em 1910-11, havia esquecido quase completamenteo grego e o latim, t era um "especialista" em lingüística com-parada ario-européia. Esta sua ignorancia era tão evidente,que Ribezzo teve freqüentes e violentos conflitos com os alu-nos. No liceu de Palermo, foi implicado no escândalo doassassinato de um professor por um aluno (parece-me queem 1908 ou 1909). Enviado a Cagliari como punição, en-trou em conflito com os estudantes, conflito que — em1912 — se tornou tão agudo, com polêmicas nos jornais, amea-ças de morte a Ribezzo etc., que ele teve de se transferir'para Nápoles. Ribezzo devia ser fortemente sustentado pelaigrejinha universitária napolitana (Cocchia & Cia.). Partici-pou no concurso para a cátedra de glotologia da Universi-dade de Turim: porque o nomeado foi Bartoli, publicou umacoisa ridícula.

As sementes americanas e o petróleo. Numa nota sobreo lorianismo, fiz referência à proposta de um coronel de cul-tivar com sementes oleoginosas 50.000 km2 a fim de supriro mercado italiano de óleo combustível. Trata-se do coronelde Engenharia Naval Barberis, que falou sobre isso numaconferência, "O combustível líquido e seu futuro", no Con-gresso das Ciências ocorrido em Perugia, em outubro de1927. 13

Luigi Valli. Sobre as interpretações sectárias da Comé-dia de Dante e do dolce stil nuovo por parte de Luigi Valli,cf. -- para uma informação rápida "Una nuova interpre-tazione delle rime di Dante e del dolce stil nuovo", de Be-

la Cf. MANFAEDI CRAVINA, "óleo, petróleo e benzina", na Nueva An-tologia de 1 ° de janeiro de 1927, pág. 71, nota.

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nedetto Migliore, na Nuova Antologia de 16 de fevereirode 1928.

Luigi Valli, com sua interpretação conspiratória e maçó-nica do dolce stil nuovo (com os precedentes de Rosseti ede Pascoli) deve ser colocado numa determinada seção dolorianismo. Ao contrário, Giulio Salvadori — que descobre,em Os Noivos de Manzoni, o drama de Henriqueta Blondel(Lucia) oprimida pela Sra. Condorcet, por D. Giulia e pelopróprio Manzoni (Don Rodrigo, o Anónimo, etc.) -- devetalvez ser antes considerado como um "seguidor" inconscien-te das teorias de Freud, fenómeno, por sua vez, bastantecurioso sob muitos aspectos. (De Giulio Salvadori e de suainterpretação, cf. um artigo em Arte e vita de junho de 1920,bem como o livro póstumo Henriqueta Manzoni-Blondel e oNatal de 33, Treves, 1929).

O osso de Cuvier. Exposição do principio de Cuvier.Mas nem todos são Cuvier, e a "sociologia", particularmen-te, não pode ser comparada às ciências naturais. As gene-ralizações arbitrárias e "bizarras" são nela muito mais pos-síveis (e mais danosas para a vida prática.).

Lorianismo na ciência geográfica. Recordar o livro doProf. Alberto Magnaghi (fora de comércio) sobre geógrafosdespropositados. Parece-me que o livro seja um modelo nogénero.

A. O. Olivetti. Nesta rubrica, ao que parece, não mereferi à memória de A. O. Olivetti, que a ela pertence portodos os aspectos; como inventor de pensamentos genialíssi-mos e como desconexo e pretensioso erudito de botequim.

Giuseppe De Lorenzo. Também alguns aspectos da ati-vidade intelectual de De Lorenzo fazem parte da categoriado lorianismo. Todavia, com ele, devemos ser discretos.

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Domenico Giuliotti. A "doutrina" loriana da conexãonecessária entre misticismo e sífilis, aproxima-se (até certoponto) Domenico Giuliotti que, no prefácio a Perfis de San-tos, editado pela Casa Editora Renascimento do Livro, es-creve: "E, todavia, ou edificamos unicamente em Cristo. ou,de outro modo, edificaremos na morte. Nietzsche, por exem-plo, o último anticristão confesso, é bom não esquecer, ter-minou epiléptico e louco". Ao que parece, segundo Gui-liotti, Nietzsche é apenas um caso numa série, isto é, trata-se de uma lei, e "é bom não esquecer" a conexão. Giuliottidiz: "Ficai atentos, rapazes, não sejais anticristãos, pois se-não morrereis epilépticos e loucos". E ainda: "Atentai, ra-pazes, para os anticristãos: eles são epilépticos e loucos" .

O prefácio de Giuliotti é publicado na Italia Letterariade 15 de dezembro de 1929: ao que parece, o livro é umacoletânea de vidas de santos traduzidas por Giuliotti.

Corso Bovio. Corso Bovio deve ser colocado no quadrodo lorianismo, mas deve-se, ao mesmo tempo, não esquecerde guardar as distâncias para ter uma boa perspectiva. Noquadro, Loria é um "elefante"; o que é Corso Bovio? Certosflamengos colocam sempre um cachorrinho em seus quadros,mas talvez o cachorrinho seja um animal muito grande e con-siderável: uma barata talvez seja mais adequada para re-presentar Corso Bovio,

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índice Onomástico

Addison, Joseph. — 176Agapito I, Papa — 36Agnelli, Giovanni — 6Alberti, Leon Battista — 41sAlfieri, Vittorio — 63Algarotti, Francesco — 47Amatucci, A. G. — 36Amicucci, Ermanno — 192Antici (Cardeal) — 80Antonielli, Ugo — 225Anzilotti, Antonio — 51Ardigó, Roberto — 217ssArezio, Luigi — 44, 46Aristóteles — 6, 107, 214Arpinati, Leandro — 214Augusto III de Saxónia — 47

Bacchel i, Ricardo — 217, 222Balbo, Cesare — 66, 75sBalzan, Ugo — 41Barbadoro, Bruno — 39sBarbagallo, Corrado — 169, 214,

229sBarbarich, Eugenio — 73

Barberis (Coronel) — 235Barbi, Michele — 63Barbusse, Henri — 85Barrett, Giuseppe — 177Bargagli-Petrucci, Gino — 59Barocelli, Pietro — 61Barrels, Maurice — 83Baronio, Card. Cesare — 232Bartoli, Matteo — 224, 234Basta, Giorgio — 72sBeccaria Manzoni, Giulia — 238Bellini, Vincenzo — 62Belluzzo, Giuseppe — 216Benco, Silvio — 188Benda, Julien — 81ssBenedito de Norcia, Santo — 37sBenni, António Stefano — 6Benvenuti, Leo — 75Berge, André — 84Bergson, Henri — 82Berle, Emmanuel — 84sBemardy, Amy — 213Bernhard, Georg — 202Bertoni, Giulio — 44nBibboni, Francesco — 80

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Blondel Manzoni Enrichetta — 238Boccaccio, Giovanni — 45Bollo, Andrea — 80Bonzi (Monsenhor) — 79Borgese, G. A. — 94, 234Botero, Giovanni — 66, 77Bourgain, L. — 27nBournac, Olivier — 89nBovio, Corso — 237Brandileone, Francesco —i 31nsBrindisi, G. — 229Brucculeri, (Padre) — 151, 230sBruno, Giordano — 45, 47Brunot, Ferdinand — 59, 183Billow (Von), Bernhard — 59Buonaccorsi, Filippo — 80Buonarroti, Michelangelo — 43nBurckhardt, Jacob — 44, 46

Chiappelli, Alessandro — 184Chu-Mi — 106Cicero, Marco Tólio — 135, 216Chie — 94Cipri-Romano — 211Clemenceau, Georges — 211Cocchia, Enrico — 235Cohn, Mels — 90Colombo, Cristóváo — 40, 70, 226Colonna de Cesaro — 208Condorcet (de), Sophie — 236Confócio — 106, 108Constantini, Celso — 109Constantino (Imperador romano)

— 30Coppola, F. — 169Couchoud, P. L. — 184Cousinet — 151Credaro, Luigi — 216Croce, Benedetto — 6, 41, 54, 76ss,

83, 142, 147, 169, 215s, 221,229, 233

Cuvier, Georges — 236

Drew., A. — 184Dreyfus, Alfred — 22Ducati, Bruno — 96sDucati, Petiole — 223ssDuchesne, Louis — 38

Eddington, Arthur — 234Einaudi, Luigi — 208, 209nEnnio, Quinto — 135Erasmo, Desidério — 45Erkes, Eduard — 105sEnnini, Filippo — 29s, 37

Fabietti, Alfredo — 153nFabietti, Ettore — 153Faggi, A. — 108Fanelli, G. A. — 230sFamese, Alessandro (Duque de

Parma) — 71Famese, Elisabetta (Rainha da Es-

panha) — 74Famese, Ranuccio — 71Fauriel, Claude-Charles — 50Fedro — 135Ferrando, Guido — 88, 93, 149Ferrero, Guglielmo — 214ss, 229Ferri, Enrico — 214sFinck — 105Foi, Arturo — 59Ford, Henry — 63Forke, Alfredo — 106sFoscolo, Ugo — 50s, 59sFourmont — 104Fracehia, U. — 183FraneM, Carlo — 50Francisco José (Imperador da

Austria) — 211Francisco de Assis (Santo) — 217Francisco Saverio (Santo) — 111Frank, Hans — 87Frank, Leonhard — 88Frederico I, Barba-ruiva (Impera-

dor) — 39Frederico II (Imperador) — 39Freud, Sigmund — 88, 236Fueter, Eduard — 41

Galilei Galileo — 47Gargano, Giuseppe — 214Garibaldi, Giuseppe — 63Gatti, Angelo — 217Gautana — 107Gemel% Agostino (Padre) — 57nGentile, Giovanni — 129, 142ss,

147, 178, 183Gbisleri, Arcangelo — 178Giannone, Pietro — 48Gide, André — 81Giglioli, Giulio Quinino — 78Gioberti, Vincenzo — 51, 60Gioda — 68Giovanni (Santo) — 184Giuliotti, Domenico — 236Giusti, Giuseppe — 160Giustiniano, Pompeo — 72Glaeser, Ernst — 88Glarisegg — 151Glãser — 151Cobetti, Piero — 54Goethe, Wolfgang — 59, 82Gonzaga, Luisa Maria — 80Gonzales, Palencia Angel — 99Gore, Onusby — 94Cori, P. — 185Gozzi, Gaspare — 176Gravina, Manfredi — 235nGnaziadei, Antonio — 221nGroethuysen, Bernard — 50Guéhenno, Jean — 86Guériot, Paul — 190nGuicciardini, Francesco — 41, 51Guidi, Michelangelo — 97sGuilherme II — 211Guinigi, Paolo — 78Guisa (duque) — 72n

Hale (du) — 104Haller (von), Karl Ludwig — 58Hamp, Pierre — 85Hamack (von), Adolf — 38Hartmann, R. — 98Hauptmann, Gerhard — 88Redden — 197nHella — 69nHegel, Georg Friedrich Wilhelm

— 56, 143n

Calcaterra, Carlo — 47Calles, Plutarco Elias — 22Cambon — 63Campanella, Tommaso — 77Campi, Bartolomeo — 72nCampi, Scipione — 72 Dall'Oglio — 80Capasso, Aldo — 165 Dalton — 124, 150Capuana, Luigi — 63 D'Ancona, Alessandro — 215nCarducci, Giosue — 60, 63 Dante — 43, 45, 63, 68, 235Calif, Filippo — 216 Dazzi, Manlio Torquato — 41Carlos I (Imperador da Austria) — De Amicis, Edmondo — 183

211 De Bartholomaeis, Vincenzo — 43Carlos, O Gordo (Imperador) — DeeFelice, Giuffrida Giuseppe —

30Carlos Magno — 27, 30, 33 Degli Angeli, Pietro — 80Carlyle, Thomas — 63 D 'Elia, Pasquale — 109sCarson, Edward Henry — 171s Della Casa, Giovanni — 42sCasati, Gabrio — 132 Del Monte, Giambattista — 72Cassiodoro, Flavio Magno Aurelio Del Monte, Luigi — 80

(senador) — 36s De Lorenzo, Giuseppe — 236Casimiro III (Rei da Polônia) — De Nolhac, Pierre — 46

80 D ' Ercole, Pasquale — 168Castellani, Alberto — 105s, 108 De Roberto, Federico — 63Castiglione, Baldassare — 42 De Santis, Luigi — 217Castiglioni, Arturo — 5nCattaneo, Santis, Francesco — 121Cavalcanti,alcanti, Carlo

— 169nGuido — 45 De Sancti., Gaetano — 224

Cavallotti, Felice — 185 Descartes, René — 45Cellini, Benvenuto — 43 Devoto, Giacomo — 224sCésar, Gaio Giulio — 16, 35, 64 Di Sium, Giovanni — 76

240 241

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Henrique VI — 90Heidrich — 104Hitler, Adolf — 203Holik-Barabás, Ladislao — 78Hortis, Attilio — 209Horácio, Flacco Quinto — 218Hugenberg (von), Alfred — 202Hugo, Victor — 83, 88Hu Shi — 107Huxley, Aldous — 100

Ibsen, Henrik — 233Ikhal Ali Shah — 97, 99Inocêncio VIII — 80Intorcetta — 104Irnerio — 74

Jansênio, Comelio — 45Jaurès, jean — 85jebb, Richard — 46Jonhon, Vernon — 92Julien, Camille — 61sjulien, Stanilas — 104Jusserand,j J. — 93Justiniano (Imperador do Oriente)

— 35

Kampfmeyer — 98Kemal, Pachá — 99Kropotkin, Pjotr Aleksejevic — 217

Labriola, Antonio — 54, 142ss, 229Labriola, Arturo — 214, 233Ladislau II, jagellone (Rei da Po-

l0nia) — 80Ladislau IV — 80Lagnasco, Conde de — 80La Marche — 27nLanglois, Charles-Victor — 27nLanson, Gustave — 27nLanzoni, Francesco — 38sLao-Tse — 25, 108, 166Lasca — 221Lando — 135Lazzareschi, Eugenio — 78Léfèvre, Frédéric — 100Lensi, Giuseppe — 43

Lenzi — 217Leonardo da Vinci — 43nLeopardi, Giacomo — 215Lessing, Gothold Ephraim — 80Levi, Ezio — 62, 99Littman — 228nLittré, Emile — 29, 183Livio, Tito — 6, 234Lloyd George, David — 211Lojacomo, Vincenzo — 76Lombardo-Radice, Giuseppe — 142Lombroso, Cesare — 214Lorenzoni, Giovanni — 62Loria, Achille — 101, 207ss, 212,

214, 216s, 219, 234, 237Lorizio, F. L. — 60Lucchessini (Marquês) — 79Luis XV, (Rei da Franca) — 79Lumbroso, Alberto — 214, 216sLumbroso, Giacomo — 217Lutero, Martinho — 45Luzio, A. — 219Luzzati, Luigi — 214, 216s

Macaulay, Thomas Bahington —211

Madariaga (de), Salvador — 87Magnaghi, Alberto — 236Magni (irmãos) — 80Mann, Thomas — 88Manzoni, Alessandro — 31, 50,

66, 236Maquiavel, Nicolau — 41, 43, 45,

64, 167Marchesini, G. — 217Marchesi, Concetto — 30nMario, Alberto — 218Margueritte, Paul — 85Marx, Karl — 221, 233Masaryk, Thomas — 54Maurice, Jules — 25nMaurras, Charles — 64s, 199Mazzarino, Júlio — 79Mazzini, Giuseppe — 51Medid (Catarina e Maria de)

— 74Menage, Gilles — 227nMeozzi, Antero — 77s

Metastasio, Pietro — 63Matron — 148Michel, Paul-Henri — 41nMigliore, Benedetto — 236Mille, Pierre — 84Missiroli, Mário — 53ss, 200Molé — 62Mondolfo,. Rodolfo — 229Mondragone, Cristoforo — 72Montecuccioli, Raimond — 73Montessori, Maria — 150Monti (Marquês) — 79Morus, Thomas — 214Mortara, Giorgio — 184Mosca, Gaetano — 4nMuratori, Ludovico Antonio — 232Mussato, Albertino — 41Mussolini, Benito — 233

Naldi, Filippo — 211Napoleão I — 58, 73, 191Napoleão III — 190sNewman, John Henry — 145Nietzsche, Friedrich — 83, 237Nordau, Max — 82Nuziante, Ferdinando — 80

Ojetti, Ugo — 83Olivetti, A. D. — 238011ivier, Emílio — 43nOlschki, Leonardo — 87OjAodeo, Adolfo — 59, 184O'Neill, E. F. — 150Orano, Paolo — 232s

Paciotto di Urbino — 72Palaez, Mário — 43nPanini — 80Panizzi, Antônio — 74Panzacbi, Enrico — 48Panzini, Alfredo — 183Papini, Giovanni — 177Pamvesino (de), Giacomo — 80Pared, Luigi — 224, 227sPareto, Vilfredo — 4nParis, Gaston — 93Pascoli, Giovanni — 236

Pastor (von), Ludwig — 44Paulo (São). — 184Pedro, o Grande — 19Pestalozzi, Enrico — 141Petracco (ser) — 74Petrarca, Francesco — 74Pettazzoni, Raffaele — 111, 113Piacentino — 74Picardi, V. — 208Pirenne, Henri — 38Pio IX (Papa) — 2%Pisani, V. — 225Platão — 6, 37Plauto, Tito Maccio — 135Podrecca, Guido — 177Pompeati, Arturo — 77sPozzoni — 222Prestinenza, Antônio — 62Prezzolini, Giuseppe — 169Proudhon, Pierre seph — 54s, 86Provenzal, Dino — 78sPrzezdziecki, Renaud — 79Puoti, Basilio — 121

Quincey (de), Thomas — 88

Rabezzana — 222Rapisardi, Mário — 62sReina — 209Remarque, Erich Maria — 88Remusat, Abel — 104Renan, Ernest — 53ss, 82Reynaud, Louis — 84ssRibezzo, Francesco — 234sRicci, Corrado — 76Rignano, Eugênio — 169Rival, Albert — 203Rizzi, Giovanni — 64ssRocca, Massimo — 200Razed — 72nRoban, Carlos de — 155Roncalli, Domenico — 80Rosseti, Dante Gabriele — 238Rossi, Enrico — 46Rostagni, Augusto — 34Rothschild — 73Rougemont — 104

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Page 125: Direção MOACYR FELIX Os Intelectuais e a Organização Cultura · economia politica, o organizador de uma nova cultura, de 3. um novo direito, etc., etc. Deve-se anotar o fato de

Rousseau, Jean-Jacques — 141Russo, Luigi — 189

Sabatier, Auguste-Louis — 217Sacchetti, Franco — 4nSalaris, E. — 154Salústio, Gaio Crispo — 84Salvadori, Giulio — 238Salvatorelli, Luigi — 36s, 184Salvioli, Giuseppe — 228Sand, George — 86Saura G. — 214, 229Savorgan di Brazza, Francesco —

70Schiavi, Alessandro — 87Schipa, Michelangelo — 40Scialoja, Vittorio — 155Scolari, Fillipo — 79Se Carlo — 74Ser lloni, Cabrio — 72Serrati, G. M. — 199Sigismundo, Ref da Hungria — 79Sillani, Tomaso — 216Silvestre II — 30Sisto IV — 80Soffici, Ardengo — 177Sorel, Georges — 53ss, 62, 212,

233Spano, Pippo — 79Spaventa, Bertrando — 143, 145Spenpler, Otto — 212Spinola Ambrogio — 72Stanislao, Lesczinky, rei da PoiB-

nia — 79Stendhal (Henry Beyle) — 82Suckert Malaparte (Erich Kurt) —

59Sue, Eugène — 86SuetOnio, Tranquilo Gaio — 18Suen lien — 101, 111Sun Yat-Sen — 103, 110, 113Symonds, John Addington — 48Tácito, Públio Comélio — 84Taine, Hyppolite — 93Tarchiani, Nelo — 43n

Tavolato, Italo — 177Taylor, Friedrich Winslow — 7,

173Tertuliano — 135Thérive, André — 182Timpanaro, Sebastiano — 57, 200Tiraboschi, Gerolamo — 232Toffanin, G. — 44ssTrente, Galvano — 78Trombetti, Alfredo — 223, 237Turati, Tilisso — 214, 216Twain, Mark — 202

Valli, Evangelista — 235sVeo, Ettore — 28nVerdi, Giuseppe — 215Verga, Giovanni — 63Vettori, Piero — 47Vieusseux, Giampietro — 181Villari, Luigi — 204Virgilli, Filippo — 64VirOio, Marone Publio — 45sVite)li, Girolamo — 47Vittorio Emanuele II — 218Voigt, Georg — 44, 48Volpe, Gioacchino — WienVoltaire (François-Marie Arouet)

— 237

Wagner, Richard — 83, 215Washbume, Carleton — 149, 151Wassermann, Jakob — 88Weber, Max — 18nWechseler — 81Wells, H. G. — 80Werfel, Franz — 88Wieger — 106Wolf, Theodor — 202

Zanette, Emilio — 88Zola, Emile — 85s, 215Zuccolo, Ludovico — 213sZweig, Stefan — 89, 88 i mpresso na

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