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    Direito Constitucional (A)A Forma da Repblica, Maria Lcia Amaral

    Captulo IIntroduo ao conceito de constituio

    1. A constituio como Ordem

    1.1. Um termo muito antigoO que uma constituio?No seu significado mais amplo, a ordem fundamental de uma comunidade poltica.O termo to antigo como a reflexo humana sobre a vida em sociedade.

    A 1 referncia ao termo foi feita por trs autores gregos:1. Tucdides narra o discurso de Pricles, em que este elogia o ideal pelo qual

    os soldados atenienses teriam perdido a vida. Empregando o termo constituio comodefinio do modo de vida prprio de Atenas.

    2. Aristteles prope uma definio para o conceito, afirmando que a

    constituio e o governo teriam o mesmo significado.3. Plato idealiza a comunidade poltica ideal.- Todos utilizaram a palavra grega politeia (tambm significa forma da cidade,

    ou estrutura real da comunidade poltica) que posteriormente foi traduzida como constituio.

    1.2. O significado o termo antigo e o significado do termo modernoExiste uma diferena profunda entre os significados que foram sendo atribudos ao

    termo constituio ao longo dos tempos.- Antes do sc. XVIII: ordem fundamental de uma comunidade poltica (de

    acordo com os textos clssicos gregos, j referidos acima).- Depois do sc. XVIII: lei fundamental de um Estado (termo utilizado para

    designar uma realidade mais precisa).No h uma relao de oposio entre estes dois significados, simplesmente o primeiro

    mais vasto do que o segundo.Actualmente, o segundo significado remete-nos para duas ideias essenciais:

    1. As comunidades polticas tomam a forma e designao de Estados.2. A ordem fundamental estatuda por uma lei especialssima designada de

    constituio.

    1.3. A acepo ampla da palavra: a ordem fundamental de uma comunidadepoltica

    1.3.1. Os problemas de definio da comunidade polticaUma comunidade um conjunto estvel de relaes humanas. Quando estas tm ocunho prprio e especfico do fenmeno poltico, estamos perante uma comunidade poltica.

    difcil responder a em que que a comunidade poltica se distingue das restantes,uma vez que , tambm, difcil abordar o carcter distintivo do fenmeno que lhe subjaz.

    - Designao antiga:O termo poltico estava sempre associado ao termo grego polis(= cidade).A cidade distinguia-se das restantes comunidades humanas porque s ela

    permitia a realizao de uma totalidade de fins vitais, no s os relativos subsistncia, comotambm os relativos condio de cidado.

    A essncia de fenmeno poltico estaria na amplitude de bens humanos

    apenas realizveis pela comunidade poltica.Esta definio de ndole teleolgica, por assentar fundamentalmente numcritrio de finalidades/fins, foi aceite at poca moderna.

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    - Designao moderna:A novidade da abordagem moderna do fenmeno poltico est no facto de ela

    passar a ser, agora, uma ordem dos meios.Tendncia para isolar o fenmeno do poder. Sendo este, a capacidade que

    alguns tm para ditar os comportamentos que outros devem seguir.Em sociedades de grau de complexidade elevado, essa capacidade

    organizada de modo tal que pode vir a ser imposta de forma autoritria, at com o recurso fora fsica, se necessrio.

    A definio de comunidade poltica deixou de se centrar na matriz teleolgica parapassar a organizar-se em torno da matriz moderna, relacional ou inter-subjectiva.

    Esta mudana de perspectiva ocorre no sc. XVI com Maquiavel.Todos os Estado, todos os domnios que tiveram e tm imprio sobre os

    humanos foram e so ou repblicas ou principatos (O Prncipe).Pela primeira vez, utilizado o termo Estado, com o significado que detm

    actualmente, para designar a forma das comunidades polticas existentes.Maquiavel distingue duas formas de exerccio do poder:

    1. PrincipatoComunidades polticas governadas por um homem s (o

    Prncipe).2. RepblicaComunidades polticas governadas pela maioria dos

    seus membros.Nesta distino, Maquiavel mantm o pensamento de Aristteles, na medida

    em que concorda que as principais diferenas entre as constituies das cidades se deviamencontrar no nmero e na qualidade dos governantes.

    Em tudo o resto, diverge do filsofo grego.- Defende um fenmeno de meios ou de instrumentos;- Considera que o carcter distintivo do fenmeno poltico reside na existncia

    de poder de uns homens sobre outros (imprio ou domnio).

    O que levou mudana de prepectiva?1. Concepo igualitria do ser humano por oposio concepo natural da

    desigualdade igualitria do ser humano.2. A partir do Renascimento, o tema do poder assim como a sua legitimidade e

    fundamento torna-se o tema por excelncia.3. O tema do poder ganha agora uma centralidade que antes nunca tinha tido.

    1.3.2. A constituio como ordem fundamental de uma comunidade polticaUma comunidade poltica necessita de se dotar de uma ordem fundamental. Significa

    isto que as relaes tm de ser orientadas de forma a responder a trs questes:1.Quem que na comunidade detm o poder?2.Quem que pertence comunidade e quem dela est excludo?3.Por que valores colectivos se rege tal comunidade?A resoluo destas questes essencial para a sustentabilidade de qualquer

    comunidade poltica.Na sua acepo mais ampla, a constituio a ordem da comunidade poltica que

    resulta do modo pelo qual estas so resolvidas. Nesta acepo sempre houve constituies.

    2. A Constituio como Lei

    2.1. Um documento escrito com autor e dataNo mundo contemporneo, as comunidades polticasadquirem a designao de

    Estados.Nestas comunidades, as questes acima referidas encontram-se resolvidas. Como tal,

    so e esto constitudas, ou seja, tm uma constituio.

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    No entanto, existe uma grande diferena entre a forma da constituio actual e a dostempos antigos.

    Actualmente, a forma da constituio um documento escrito adoptado poruma certa autoridade num tempo e espao bem identificados, e onde esto sistematizadas asquestes relativas ordem colectiva.

    Essas questes vitais so resolvidas, normalmente, no prembulo e nosprimeiros artigos de cada constituio.

    Obviamente que o contedo varia de constituio para constituio, mas aforma sempre igual.

    As constituies actuais s surgiriam aps o sculo XVIII.

    2.2. Uma ordem fundamental decretada e legitimada por um poder constituinteO facto de as constituies modernas serem escritas no a nica diferena entre este

    e o significado antigo. Existe uma outra diferena mais profunda:- Constituies modernas:

    Decretada num tempo e espao bem definidos;No se limitam a descrever o modo essencial da vida da comunidade

    poltica. Desempenham funes de regulao do modo de vida que descrevem. (Esta amarca distintiva do fenmeno moderno da constituio).

    - Constituies antigas:No tinham essa inteno reguladora, porque no resultavam de um

    acto de poder concreto.Decorriam de prticas, tradies, convices ou narrativas mitolgicas.No eram decretadas, iam-se formando e transformando.Diferente das constituies modernas, pois estas pretendem ser a lei

    bsica do Estado e regul-la de forma a justificar a sua legitimidade como nova ordem.Ao poder que originou o surgimento das constituies modernas, d-se o nome de

    poder constituinte.

    No s define como que a vida se vai orientar, como lhe confere legitimidade.Exercido em momentos de profunda viragem histrica. um fenmeno moderno por excelncia.- Idade Moderna:

    Veio a alterar as formas generalizadas de concepo do fenmenopoltico.

    Nova concepo de igualdade entre as pessoas.Crescimento do antropocentrismo. O Homem sente-se capaz de, por

    vontade prpria, traar o futuro individual ou colectivo. Tal no acontecia no mundo antigo.- Renascentismo (ou rebelio renascentista):

    O desejo de liberdade humana o tema que marca toda a cultura

    moderna europeia.

    O Homem colocado o centro do mundo, mas artfice de si mesmo.Deve ser ele a fazer as leis que o iro regular.

    A constituio fica disposio da racionalidade e da vontade humana.O seu contedo pode ser decretado, j no necessita de ser revelado pela tradio. Encontra-se, aqui, a gnese funda da teoria do poder constituinte.

    - Reforma protestante:Acentua esta gnese (que viria a ter consequncias histricas no

    surgimento de constituies modernas, como, por exemplo, a norte-americana).O movimento religioso viria a renovar a tradio do pensamento

    contratualista. Este entendia que a origem e legitimidade do poder poltico s poderia decorrer,numa determinada sociedade, de um pacto voluntariamente aceite pelos seus membros.

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    2.3. Uma ordem jurdica fundamental do Estado e da soberaniaMaquiavel, 1513D um novo significado ao termo Estado na sua obra O Prncipe.

    Agora, passa a designar toda a comunidade poltica.Como tal, o termo Estado tem hoje o mesmo significado que a palavra polis tinha

    para os gregos ou res publica para os romanos.

    O mesmo se verificou com o termo constituio. Ambos so termos j utilizados pelosantigos, e que acabam por ganhar novos sentido. Diferena entre o surgimento do novosignificado:

    1. Estado a partir do Renascimento.2. Constituio a partir do Iluminismo.Esta diferena mostra que o referente estado surgiu mais cedo do que o

    referente constituio e foiseu pressuposto. Nunca teria surgido a ideia actual de constituiose esta no fosse antecedida da ideia actual de Estado.

    O que um Estado?Ente social que se forma quando, num determinado territrio, se organiza

    juridicamente um povo que se submete vontade de um governo.Trs elemento do Estado:

    1. Povo;2. Territrio;3. Poder poltico.A doutrina dos trs elemento necessria ao Direito Internacional e

    pressuposta pelo Direito Constitucional.A constituio confere ao Estado a forma que este adquire. Nenhuma

    constituio precisa de justificar a estadualidade do seu objecto.CRP - identificao dos trs elementos:

    - art. 1 e 2 (define o que Portugal );- art. 4 (define o seu povo);- art. 5 (define o seu territrio);

    - art. 3 (define o seu poder poltico).Surge uma palavra neste contexto que indissocivel do ser do Estado. Essa

    palavra soberania. S poderemos compreender os termos Estado e constituio secompreendermos o que esta palavra significa.

    CRPutilizao do termo soberania:- art. 1;- art. 3;- art. 110;- art. 111.

    A palavra soberania utilizada nos textos constitucionais com uma dupla funo:1. Como qualificativo de comunidade poltica. Tal verifica-se no artigo 1 da

    CRP.Ao dizer que o Estado soberano, est adirigir uma mensagem aos outro Estado, a deque este no depende de nenhum poder exterior.

    2. Como critrio de identificao do titular ltimo do poder. Tal verifica-se noartigo 3 da CRP. Ao identificar este titular ltimo como soberano, est a dirigir umamensagem aos seus prprios cidados, a de que na ordem interna do prprio Estado, detm atitularidade ltima do poder.

    Esta palavra foi inventada, no sculo XVI, para descrever algo que se comeava averificar: a independncia e emancipao do poder do Rei face ao poder do Papa (que lhe eraexterior), e a concentrao e supremacia do mesmo poder face aos poderes feudais(existentes no interior do Estado). Este processo culminaria na formao do Estado absoluto.

    A dupla face do processo de soberania:

    1. Instrumento estratgico para a solidificao da prpria realidade que maistarde ir evoluir para um Estado limitado por constituies escritas.

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    2. Legitimado como coisa boa e justa em si mesma.O que agrada ao prncipe tem valor de lei;O Prncipe est livre ou liberto da lei.Certos pensadores polticos, como Thomas Hobbes, defendem esta

    legitimidade.Por detrs destas ideias, est um movimento histrico de transformao do

    modelo tpico de organizao das comunidades polticas medievais num outro tipo decomunidades, preparada para os grandes processos da modernidade. Marcado por uma maiornacionalizao, institucionalizao e monopolizao das formas do exerccio do poder.

    Sem isto, nunca teriam surgido documentos escritos com autor e data quevisavam limitar e regular o exerccio da autoridade.

    O movimento do constitucionalismo moderno devolve a titularidade dasoberania ao o povo, a todo o povo ou nao.

    3. A Constituio como NormaO ideal racional-normativo de constituio

    Nos termos modernos, a constituio a lei fundamental de um Estado. Esta acepo prpria do universo jurdico e d sentido disciplina de Direito Constitucional.

    No entanto, esta acepo s tem em conta a forma e no o contedo. Como tal umanoo lata, na qual cabem realidades diversas.

    O primeiro texto constitucional, que se gerou aps a Revoluo Francesa, foi aDeclarao do Direitos do Homem e do Cidado (DDHC) de 1789. O seu artigo 16determinava que apenas a sociedade que tivesse garantida os direitos, e determinada aseparao dos poderes, teria uma constituio.

    Este artigo foi muito criticado, pois era apenas um conceito ideolgico, incapaz de viverpara alm da efmera ideologia que lhe dera vida. Esta opinio posta em causa aoobservarmos os textos constitucionais europeus contemporneos.

    CRP (como exemplo):1. Parte IDireitos e Deveres Fundamentais (aqui se asseguram a

    garantia dos direitos das pessoas).2. Parte IIIOrganizao do poder poltico (comea com a

    enunciao do princpio da separao dos poderes, princpio presente no artigo 111 da CRP)Vrias constituies actuais continuam a mostrar o que o artigo 16 da DDHC

    mostrava, surgindo estes elementos como estruturantes da ordem jurdica.1. Parte subjectiva (destinada a assegurar a garantia dos direitos das

    pessoas).2. Parte orgnica (destinada a regular o modo de exerccio do poder no

    seio do Estado).

    O mesmo se verifica na constituio dos Estados Unidos da Amrica, sendoque a primeira parte adopta o nome de Bill of Rightse a segunda de Frame of Government.

    A concretizao histrica desta ideia essencial sofreu transformaes ao longo de doissculos. A forma como as normas constitucionais so agora interpretadas muito diferente daforma como eram na altura em que a ideia foi estabelecida.

    H outras necessidades, porm os termo em si continuam de acordo com os princpioscentrais de um certo conceito de constituio.

    Este conceito no meramente formal, mas sim material. Apreende mais do que aforma do fenmeno constitucional, apreende o contedo da constituio.

    Tal como j visto, a diferena especfica entre a acepo moderna do termoconstituio reside na ideia de poder constituinte. Este permite ao Homem imaginar para si

    mesmo um ser e viver de outro modo, , como tal, indissocivel do tema moderno da liberdade.No entanto, nenhum destes temas compreensvel se no se juntar um terceiro, o da

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    racionalidade. O fundamento da liberdade est na racionalidade das escolhas que so feitas.A este conceito, assim definido, designamos de conceito racional-normativo de

    constituio. Este conceito no meramente formal, mas material, uma vez que define anorma constitucional atribuindo-lhe um certo contedo.

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    Captulo IIO constitucionalismo e as origens da Constituio de 1976

    1. Os significados do termo constitucionalismo

    A expresso constitucionalismo tem origem anglo-saxnica e pouco difundida quer

    na cultura jurdica europeia quer na portuguesa.Crescente difuso a partir da ltima dcada do sculo XX.

    Dcada de 90 Surgimento de novas constituies nas democracias daEuropa de Leste, incluso do ideal do conceito racional-normativo. Pela primeira vez, ostextos constitucionais europeus so uniformes.

    A partir de 1992O processo de integrao europeia, depois de ter sidoinstituda a Unio com o Tratado de Maastricht, levou a uma reflexo acerca da ordemfundamental da comunidade poltica nascente que a Europeia. Precisar a Europa de umaconstituio?

    No entanto, o direito no feito apenas por textos. prprio do universo jurdico asnormas.

    A converso do texto em norma no um processo simples nem ocorremecanicamente.Decorre do modo e da efectividade da aplicao do texto vida. Nesse modo

    ou no processo de normatizao das constituies, intervm de forma intensa o impondervelda histria. A reflexo feita sobre estes novos textos constitucionais procura ir alm destes.Pretende ir raiz da problemtica.

    O sentido de constitucionalismo nem sempre uniforme.a) Constitucionalismo como uma certa tradio de pensamento, pertencente ao

    domnio da histria das ideias.b) Constitucionalismo para evocar certos instrumentos de tcnica ou prtica

    jurdica, pertencente ao domnio da linguagem do direito.Ambos os sentidos esto estreitamente ligados.Independentemente do domnio, o objectivo limitar, equilibrar ou moderar o

    exerccio do poder poltico, de forma a que este respeite a autonomia e a liberdade dosindivduos.

    Pode dizer-se que o constitucionalismo o ideal e a prtica do governo limitadopara fins de garantia. O ideal inspirou a prtica.

    No domnio da evocao histrica, a ideia por ser uniforme, mas a prtica no.

    2. O Constitucionalismo ou a ideia do Governo Moderado. Da teoria clssicada constituio mista ao Programa do constitucionalismo moderno.

    2.1. A teoria da constituio mistaA constituio est para a liberdade como a gramtica est para a lngua.Esta frase contm o ideal do constitucionalismo, enquanto tradio do

    pensamento.Esta tradio sustenta que prefervel a existncia de um poder poltico

    limitado, equilibrado e moderado a um poder forte ou eficaz mas imoderado.A primeira formulao desta ideia de preferncia aparenta estar na teoria da

    constituio mista, prpria do mundo antigo.Havendo em cada comunidade poltica grupos, interesses e faces diferentes,

    esta deveria ser organizada a fim que todos participassem.De forma a uma maior estabilidade e justia.Levaria diminuio da corrupo e a uma menor degradao da vida

    poltica.Segundo Aristteles, as constituies do seu tempo ora eram monrquicas,

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    facilmente desviadas para tiranias, ora aristocrticas, que levariam a oligarquias, orademocrticas, que cairiam na demagogia.

    Para este pensador a melhor constituioseria a moderada. A que no fossepura, mas sim que combinasse elementos das vrias formas de organizao.

    2.2. O programa do constitucionalismo moderno. Nove postulados.A noo moderna de soberania, que, tal como vimos, indispensvel para oconstitucionalismo moderno, no compatvel com a teoria da constituio mista.

    O constitucionalismo moderno formou-se como um programa que integrava postuladosde ruptura face tradio clssica.

    Novas condies de:a) Estadualidade soberana.b) Individualizao dos seus destinatrios.

    Nove postulados do programa do constitucionalismo (moderno):

    1. Fundamento do podera razo do poder poltico provm da vontade dosseus membros.

    2. Forma da constituioa ordem fundamental deve constar num documentoescrito resultante da deciso soberana.

    3. Legitimidade dos poderes constituintesos poderes s so legtimosquando exercidos de acordo com a constituio que os regula.

    4. Pertena comunidade poltica a condio de cidado que determina apertena, ou no, a uma comunidade.

    5. Valores fundamentaisos direitos do Homem, e dos cidados, tm primado

    sobre qualquer valor e o poder poltico deve respeit-los.

    6. Separao entre o poder religioso e o poder polticoa esfera poltica autnoma da esfera religiosa.

    7. Separao entre os poderes polticos- os poderes do Estado no devemestar concentrados num nico rgo.

    8. Supremacia da leio poder legislativo deve ser o poder mais importante edeve ser entregue a titulares que representem a vontade soberana.

    9. Princpio da maioriaas decises polticas tomadas devem corresponder vontade da maioria.

    Por detrs desta enunciao, encontram-se muitos problemas. Uma vez que todos ospostulados podem ser contrariados. Tal levou a tenses que atrasaram a realizao doconstitucionalismo na Europa.

    Cinco principais tenses:

    1. Vontade vs naturezaA fundamentao de todo e qualquer poder depende da vontade de

    aceitao dos seus destinatrios.a) Anteriormente, estes assuntos eram entregues ao domnio

    do transcendente. b) Actualmente, esto relacionados com o tema moderno da

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    liberdade humana, hominizao do mundo. Levado s ltimas consequncias peloconstitucionalismo moderno.

    O postulado da origem voluntria do poder quer dizer que a razopela qual os homens obedecem a outros homens est na humanidade da mesma.

    Por tal razo, o primeiro postulado relaciona-se com o sexto. O Estadoe a Igreja devem estar separados.

    O poder do Estado algo estritamente mundano face a obedinciassuperiores ou exteriores ao mundo.

    Os princpios fundamentais ordenadores da vida das comunidadespolticas teriam que ser estabelecidos como se Deus no existisse.

    O primeiro postulado do constitucionalismo acrescenta a imagemcontratualista da vontade. Sendo esta uma espcie de metfora, pretende explicar as razespelas quais obedecemos a poderes polticos institudos. A existncia de comunidadespoliticamente organizadas no natural mas artificial.

    2. Constituio escrita vs constituio histrica ou reveladaNa realidade, a constituio nunca se faz. Vai-se fazendo e a certa

    altura encontra-se feita.Com ordem fundamental de uma comunidade, s pode resultar da

    histria, do elos geracionais e das circunstncias culturais. algo que uma Assembleia no pode reduzir a escrito.

    3. Soberania popular ou nacional vs princpio monrquicoO grande conflito constitucional no sculo XIX entre a ideia de

    soberania presente numa Assembleia e o princpio democrtico.Os dois princpios de legitimidade estavam em conflito. Este foi

    resolvido com as constituies do sculo XX.

    4. Comunidade de indivduos versus cidade de burgueses. O homem egosta eo homem social

    As comunidades polticas pr-modernas eram comunidades de grupo.No havia a ideia de indivduo como um s.

    Por outro lado, as comunidades modernas tm como ideia-matriz oindividualismo.

    O modo como o constitucionalismo moderno retoma o ideal dogoverno moderado inteiramente novo quanto seguinte questo: limitar o poder para garantiro qu para quem?

    Visa realizar a garantia dos direitos dos indivduos, sendoestes livres e iguais.

    a) Que homem esse que tido por livre e igual?b) Como pode o indivduo ser tomado como um ser isolado,

    margem das circunstncias da sua pertena social?Com a sua inicial formulao, o constitucionalismo moderno

    no sabia responder a estas e outras questes. Tal gerou tenses e ambiguidades.

    5. Primado (estvel) da lei vs supremacia (instvel do poder constituinteO artigo 28 da Constituio Francesa de 1793 (que determinava o

    direito do povo a rever, reformar ou mudar a sua constituio, e que uma gerao no poderiasubmeter as suas leis s seguintes) sempre recordado e citado por exprimir umaambiguidade do programa do constitucionalismo.

    Se a soberania reside no povo, o que este hoje quer amanh pode noquerer. Como tal, cada gerao escreve a sua constituio. Qual a estabilidade da leiconstitucional?

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    O constitucionalismo americano foi a primeira expresso histrica do constitucionalismomoderno.

    A revoluo americana culmina com a redaco da constituio de 1787. Neste textono havia qualquer declarao de direitos, apenas o Frame of Government(sete artigosdestinados a regular o exerccio dos poderes legislativo, executivo e jurisdicional nos recmcriados E.U.A.)

    Diferente situao se passaria com a revoluo francesa. So duas as principaisdiferenas entre estas revolues.

    1. O seu primeiro texto contm uma declarao de direitos e no um modelo deorganizao.

    2. So feitas vrias referncias lei. Sendo ela o principal instrumento dosdireitos e das liberdades. tambm a expresso da vontade geral; a voz da soberania popular.

    A lei, para os E.U.A., outra coisa diferente. O Bill of Rights(declarao de direitosamericana), que viria a ser adoptado mais tarde, s referia a lei para determinar os seuslimites.

    c) O contratualismo norte-americano

    A razo pela qual a Constituio americana de 1787 no contm um Bill of Rightsestna natureza do principal problema poltico que havia para resolver.

    Seria possvel fundar uma Repblica s num territrio to vasto?A Amricaremava contra a marsendo a nica Repblica e tendo apenas por

    referncia as Repblicas antigas.Como tal, o debate que rodeou a Conveno de Filadlfia foram em termos clssicos.De um lado estavam os anti-federalistas, que entendiam que uma Repblica

    necessitava da dedicao de todos para o bem comum, e como tal, no era possvel numterritrio to vasto. A qualidade e a sanidade de uma Repblica era associada, por estes, virtude dos seus cidados.

    Por outro lado, estavam os federalistas, que defendiam que as instituies do poder

    poltico, comuns a todos os Estados, impediria que fossem cometido excessos e a fora daUnio e o equilbrio do poder estivessem assegurados. A virtude da Repblica esta nasinstituies.

    Em 1787, os federalistas foram vitoriosos. No entanto, o problema constitucional noestava totalmente resolvido.

    Em 1791, os anti-federalistas conseguem acrescentar constituio os 10 primeirosaditamentos (Bill of Rights). Inicialmente pensando para limitar verdadeiramente os rgos daFederao, mais tarde foi entendido como a carta dos direitos de todos os americanos.

    No entanto, o problema do contrato federal no foi totalmente resolvido. S a guerracivil o resolveria completamente.

    Os E.U.A. demoraram um sculo a constituir-se.

    No caso norte-americano, a eficcia normativa da Constituio dependeu dainveno" e da prtica do instituto da judicial review of laws. Este poder-dever dos juzes deexaminar a constitucionalidade de uma norma de lei aplicvel a um caso concreto, e de recusara uma aplicao aps a formulao de um juzo de inconstitucionalidade, uma inveno doconstitucionalismo norte-americano.

    d) O legiscentrismo e o estadualismo francsO primeiro problema dos revolucionrios franceses, diferente dos americanos, estava

    em liquidar a estruturas e mentalidades herdadas pelo Antigo Regime.Era necessrio uma profunda reforma da sociedade. Era precisa a aco condutora do

    Estado realizada por intermdio da lei e executada pela administrao pblica. Tambm

    precisava de um poder judicial neutro, no havia espao para o exerccio da judicial review oflaws.O seu desenvolvimento fez-se atravs do primado da lei e no atravs do primado da

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    constituio.Em Frana, diferente constituies iam-se sucedendo. Havia a dificuldade em conciliar

    a afirmao nascente do princpio da soberania popular com a resistncia histrica da tradiomonrquica.

    Entre 1791 e 1958, sucederam-se constituies que tentaram resolver o problema dasoberania. Como tal, o seu contedo incidiu mais sobre as diferentes maneiras de ordenar ospoderes do Estado do que sobre como exprimir os direitos das pessoas.

    Sob este segundo apecto, a histria constitucional francesa permaneceu estvel desde1789 com a Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado. Em 1791, foi dotada de umacerta eficcia normativa de forma a impedir a entrada em vigor de leis que a contrariassem.

    As palavras legiscentrismo e estadualismo marcam o esprito do constitucionalismofrancs.

    3.2. O nosso mundo: do Estado de Legalidade ao Estado ConstitucionalPortugal foi maioritariamente influenciado pelo mundo europeu continental, apesar de

    adoptar algumas tradies norte-americanas.No mundo europeu continental, havia dois tipos-ideais de Estado:

    1. Estado-de-Legalidade.2. Estado Constitucional.

    A compreenso desta distino reside em trs afirmaes:

    1. At segunda metade do sculo XX, o constitucionalismo francs explica osgrandes traos da cultura jurdico-constitucional da europa continental.

    Esses traos podem ser recordados atravs do tipo de Estado-de-legalidade.A sua caracterstica essencial est no seu sistema de fontes, que caracterizado pelo

    primado hierrquico-normativo da lei.

    2. Depois da segunda metade do sculo XX, o Estado-de-legalidade comea a

    transformar-se no Estado Constitucional.A diferena especfica deste ltimo est na diferente ordenao hierrquica do seu

    sistema de fontes.Ordena-se a partir do primado da constituio, no da lei ordinria.

    3. Em Portugal, a transformao do Estado-de-legalidade para o Estado-constitucionalopera-se com a vigncia da Constituio de 76.

    3.2.1. O Estado-de-legalidade: necessidades histricas e possibilidadestericas

    O constitucionalismo moderno, tal como enunciado na tradio do pensamento

    ocidental, continha em si mesmo tenses e ambiguidades presentes nos prprios postuladosdo ideal constitucional.

    O paradoxo mximo do iderio constitucionalista manifestou-se no destino jurdico queveio a ser dado s prprias constituies escritas na Europa continental.

    De acordo com os postulados do constitucionalismo moderno, a constituio no sdeveria ser fonte de direito, como deveria ser a fonte primeira e superior do ordenamento doEstado. Esta deveria vincular o exerccio dos poderes menores.

    Porm, no sculo XIX e na primeira metade do sculo XX, isto no acontece. A leiordinria est acima da lei constitucional. As constituies no eram mais do que simplesfolhas de papel.

    O Estado-de-legalidade foi aquilo que as sociedades do sculo XIX precisavam. Houve

    uma adequao s necessidades histricas da poca.

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    a) A poltica da legalidade. Monismo de concepes do mundo e dualismo de princpiosde legitimidade

    A poltica da lei era necessria realidade da poca.As sociedades eram tendencialmente monistas e no pluralistas. No havia uma

    profunda diviso de ideais.As foras sociais activas eram consensuais em relao s pretenses que

    endereavam ao Estado. Tal consenso repercutia-se nas leis ordinrias. Estas eram em menornmero, de vigncia mais alongada no tempo e com maior coerncia intra-sistemtica.

    Os Estados da poca eram dualistas, e sofriam do conflito entre a soberania popular ea tradio monrquica.

    Este debate surgia no Parlamento, por ser o lugar do espao pblico por excelncia. Adominncia poltica do Parlamento condizia com a dominncia jurdica da lei.

    b) A cultura da legalidade. As grandes codificaes, a legalidade da administrao e oambiente positivista

    No mbito da cultura jurdica, tambm havia necessidade do primado da lei.O sculo XIX foi o sculo das grandes codificaes. O instrumento tcnico-jurdico

    usado para a efectivao do movimento codificador tinha que ser a lei ordinria.No domnio do direito privado, a tarefa a cumprir estava na codificao das normas de

    direito comum.No domnio do direito pblico, a tarefa a cumprir estava na construo do direito

    administrativo, atravs da afirmao do princpio da legalidade da administrao.O Estado-de-legalidade tambm costuma ser designado como Estado liberal clssico.

    Esta designao relaciona-se com a extenso, a natureza e a qualidade de fins e tarefas que, altura, a sociedade exigia que o Estado realizasse e cumprisse.

    Pedia-se administrao estadual que assegurasse a ordem interna, a seguranaexterna e um ncleo de servios e bens colectivos. Como tal, o direito pblico deste Estado eracentrado no princpio da legalidade da administrao. Ou seja, da crescente subordinao da

    actuao do executivo s ordens do Parlamento, expressas na lei. Racionalizou-se o direito,tornando-o estvel e previsvel.

    O termo positivismo, coloca uma questo central, ao ser analisado numa certaacepo, e adaptado ao domnio do direito, que a seguinte: como que os juristas sabemque sabem?

    A forma de resolver esta questo residia na viso do direito segundo a qualeste s poderia ser rigorosamente realizado se fosse concebido atravs de uma categoria queseparasse o momento da criao das normas do momento da sua aplicao.

    Assim, a criao de direito era um acto livre sem prestar obedincia a nenhumparmetro jurdico que lhe fosse superior.

    3.2.2. O Estado-constitucional. Uma diferente concepo do DireitoActualmente, a viso do direito com dois momentos distintos no pode existir. O

    processo da criao no pode ser entendido como um acto inteiramente livro. O momento daaplicao no pode ser algo mecnico e no-criador.

    A concepo do direito, no Estado-constitucional, no pode ser assim to simples,porque a realidade no o .

    A constituio ocupa o lugar cimeiro na hierarquia das normas.O princpio da legalidade d lugar ao princpio da constitucionalidade.

    Segundo este segundo, as leis devem ser feitas em conformidade com aconstituio. As constituies contm expresses vagas e conceitos indeterminados. Ostribunais interpretam as normas e automaticamente so fonte criadora de Direito.

    No Estado-constitucional, tudo mais complexo.As constituies no s so fontes de Direito como so a fonte superior de

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    Direito.Este teve incio em 1945 com o fim da II Guerra Mundial.

    a) A poltica da constitucionalidade. Pluralismo de vises do mundo e monismo delegitimidade

    O Estado-constitucional um estado pacfico quanto questo da titularidade ltimada soberania ao contrrio do que sucedia no Estado-de-legalidade. Todas as suasconstituies consagram o povo como detentor da soberania.

    As sociedades que integram estes Estados tm como realidade o pluralismo da visesdo mundo.

    As pretenses endereadas ao Estado so muitas e diferentes, os grandes conflitosno ocorrem dentro do poderes do Estado, mas numa fronteira entre sociedade e o Estado.Nessa fronteira movem-se os partidos polticos, grupos, associaes, entre outros. aqui quese trava o combate pela conquista e exerccio de poder.

    Estas sociedades necessitam de:a) Constituies que vinculam as prprias leis.b) Leis fundamentais com valor hierrquico superior ao das leis ordinrias.

    c) Expresso estvel da democracia de forma a garantir a unidade do Estado.As sociedades referidas necessitam, portanto, de uma poltica da constitucionalidade.

    b) A cultura da constitucionalidade. Aplicabilidade directa dos direito fundamentais etribunais constitucionais

    A poltica acima referida conduz a uma cultura jurdica de constitucionalidade.Agora conferida fora jurdica imediatamente vinculativa s normas presentes nas

    declaraes de direito. Deciso tomada pela primeira vez pela Alemanha em 1949 com a LeiFundamental de Bona.

    Estas declaraes no so proclamaes de boa-vontade, so direito.O Estado-constitucional veio tornar evidente o que no o era no Estado-de-legalidade,

    que a lei que depende dos direitos e no o contrrio.Hans Kelsen dizia que a pretenso substantiva de atribuir fora jurdica a uma norma

    sem, de seguida, lhe conferir uma garantia adjectiva jurisdicional seria umaingenuidadepoltica.

    Os textos constitucionais conferem ao poder judicial a competncia para fiscalizar esancionar os actos do Estado que atentassem contra a Constituio.

    A instituio que exerce, na Europa continental, o poder referido chama-seTribunal Constitucional.

    Existem para garantir o primado normativo da constituio.Nos E.U.A., tal como j vimos, existe o instituto da judicial review of laws.

    Este diferente dos Tribunais Constitucionais europeus no s no

    tempo, mas tambm porque todos os juzes americanos podem aplic-lo enquanto que nomundo europeu-continental no.

    O Estado-constitucional aparece pelo sentimento de necessidade de nosreencontrarmos com valores comuns que regulem o presente e garantam o futuro. Elementoscaracterizadores do ideal de supralegalidade.

    A lei no a nica fonte de Direito. No consegue garantir a unidade poltica.Esta , pois, garantida pelo primado da constituio.

    4. As origens da Constituio de 1976 e o desenvolvimento do Estado-constitucional em Portugal

    4.1. O Estado NovoNa Europa do sculo XX, a mudana do Estado-de-legalidade para o Estado-

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    constitucional foi um processo pouco suave. Houve trs vagas de renovao da tradioconstitucional.

    1. Anos 40.2. Anos 70.3. Anos 90.Dolorosos processos de ruptura histrica contra ordenamentos anteriores.

    Em Portugal, ao contrrio de outras ditaduras, o Estado Novo teve a preocupao dese dotar de uma constituio escrita.

    Com formas prprias da tradio constitucionalista apesar de estas nuncaterem ganho substncia material ou normativa.

    Sedimentao nos portugueses de uma estranha relao entre as palavras eos actos.

    Princpio de um Estado forte e ditatorial, incompatvel com o Estado-constitucional.Embora um governo moderado e limitado no seja capaz de aniquilar os conflitos sociais, prefervel procurar viver com o conflito do que procurar anul-lo com recurso imposio dafora.

    esta a alma profunda do constitucionalismo. E dela decorrem formas e

    prticas jurdicas que defendem:a) A necessidade de consagrao nos textos constitucionais de um

    elenco de liberdades das pessoas;b) A necessidade de consagrao de instrumentos que garantam a

    separao de poderes;c) A necessidade de consagrao de limites interveno do Estado

    na vida da sociedade.O Estado Novo considerava que o conflito social era mau, e como tal, o Estado deveria

    intervir na vida da sociedade em nome de uma harmonia superior.A Constituio de 1933 estava repleta de ambiguidades. O Estado retirava com uma

    mo o que dava com outra.

    4.2. O pacto inicial da ConstituioA Constituio de 1976 visava corresponder aos sentimentosprofundos do povo

    portugus.Do texto que veio a ser aprovado, diz-se que foi o resultado de um compromisso entre

    projectos de Estado e de sociedade, entre si contraditrios. Estes tero transformado a CRPnuma constituio compromissria.

    Esta definio tpica das constituies do Estado-constitucional.A sua primeira verso, que vigorou at 1982, resultou da convergncia entredois

    princpios distintos de legitimidade do poder.1. A democrtica fundada na soberania popular e exercida atravs do sufrgio.

    2. A revolucionria fundada na persistncia do Conselho da Revoluo que,apesar de no ter uma base electiva, exercia importantes funes do Estado.

    O texto inicial continha em si mesmo duas concepes opostas da ordemconstitucional:

    1. Concepo racional-normativa do constitucionalismo.2. Constituio como instrumento do poltico para a realizao da aco

    transformadora da sociedade.

    4.3. As revises constitucionaisA CRP de 1976 resultou em, at agora, sete revises constitucionais.As trs primeiras (de 1982, 1989 e 1992) so de grande necessidade, e inscrevem-se

    naquilo a que se pode chamar de o longo ciclo constituinte portugus.1982Reviso historicamente obrigatria. O terminar da revoluo viria a

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    terminar a funo do seu Conselho. Esta reviso procedeu eliminao do Conselho daRevoluo e instituio do Tribunal Constitucional.

    1989Reviso substancial da Parte II da Constituio, referente Organizao Econmica. Certos artigos desta Parte j no correspondiam s exigncias daordem econmica do pas. De tal forma, esta reviso procurou estabelecer umacorrespondncia entre o texto e a realidade constitucional.

    1992Reviso que visava permitir a ratificao do Tratado de Maastricht.As quatro ltimas (de 1997, 2001, 2004, 2005) so de pouca necessidade, cada vez

    mais complicado compreender o sistema de cada reviso constitucional.1997Preparar Portugal para os desafios constitucionais do fim do sculo. O

    objectivo geral da reviso pareceu ser a chamada reforma do sistema poltico.2001 e 2004O mesmo que ocorrera com a de 1997 verificou-se com estas

    revises. A necessidade de preparar Portugal para as transformaes da ordem internacional,em geral, e da ordem europeia, em particular.

    A intranquilidade do texto constitucional portugus no ajuda sedimentao daconfiana dos portugueses no Estado-constitucional.

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    Captulo IIIO sistema normativo da Constituio

    1. A fora normativa da ConstituioContrariamente Constituio de 1933, que carecia de eficcia normativa, todo o

    articulado da CRP contm normas jurdicas que revelam direito quotidianamente interpretado,

    concretizado e aplicado pelos operadores jurdicos.Estas normas ocupam o lugar cimeiro da hierarquia das fontes.A constituio, para alm de ser fonte em si, a fonte superior de todo o ordenamento

    jurdico. Como tal, a Repblica Portuguesa pode ser integrada no tipo ideal de Estado, queacima estudmos, que o tipo do Estado-constitucional.

    Neste, a constituio ponto de partida e de chegada da unidade do sistema jurdico.Tudo o resto deve estar de acordo com a constituio.

    A norma fundamental , portanto, directa ou indirectamente, parmetro devalidade de todo o direito num duplo sentido: quanto legitimidade do seu modo de emisso equanto legitimidade do seu contedo.

    O uso de expresses como normatividade da constituioou fora

    normativa da constituio, entre outras, est-se a falar de uma ordem jurdica em que todas asnormas nela existentes podem ser reconduzidas a uma norma fundamental nica. esta a realidade do direito face CRP.

    Resta-nos responder seguinte pergunta: Como que algo que foi objecto de tantadiscrdia, como a CRP de 1976, pode representar a unidade do ordenamento jurdico?

    O facto da CRP ser norma e vrtice do ordenamento jurdico no significaque:

    a) Todo o direito seja Direito Constitucional;b) Todos os aspectos da vida juridicamente relevantes tenham o seu incio de

    regulao na prpria Constituio;c) O texto constitucional tenha resposta para tudo o que sucede no direito

    portugus;d) O sistema constitucional seja um sistema exaustivo, fechado, codificado.

    A CRP no pode, nem quer, sufocar as restantes fontes de direito.

    2. Pressupostos internos e externos da fora normativa da constituio:princpio democrtico, liberdade de conformao poltica do legislador e vontadesocial de aceitao da constituio

    2.1. Normatividade por imposio do texto?Como que podemos afirmar que a CRP fonte, e fonte superior de todo o

    ordenamento?

    A resposta encontra-se no artigo 3, n3 do texto constitucional.Este consagra o princpio da constitucionalidade. E segundo o mesmo,tudo tem de estar conforme CRP.

    O seu cumprimento assegurado pela via adjectiva da garantia jurisdicional daConstituio.

    Que institui um sistema de controlo da constitucionalidade.a) Art. 202 (pelos tribunas).b) Art. 221 (pelo Tribunal Constitucional).

    Os tribunais podem declarar certas normas inconstitucionais de acordocom o artigo 277, n1.

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    Afirmar o primado da constituio outra forma de afirmar o primado dos actos do

    poder constituinte sobre os actos dos poderes constitudos.Dos actos dos poderes constitudos, o poder de legislador o mais importante.

    A lei o acto normativo do Estado dotado de maior fora e valorhierrquico logo a seguir CRP.

    A CRP vincula o legislador ao ncleo de bens, valores e princpios indisponveis que opoder constituinte no quis colocar disposio do poder constitudo.

    No Estado-constitucional, estes confundem-se com os direitos fundamentais que olegislador constituinte quis que fossem directamente aplicveis.

    Na CRP, tal deciso est expressa no artigo 18, n1.A CRP no uma constituio normativa apenas porque o seu texto assim o

    prescreve. Para alm dos artigos da CRP enunciados (recordando, artigos 3, n1, 277, n1 e18, n1), esta depende dos seus pressupostos quer internos quer externos.

    2.2. Pressupostos internos. Princpio democrtico e liberdade de conformaopoltica do legislador

    1. O primeiro pressuposto, da normatividade de uma constituio, encontra-seno sistema de separao dos poderes constitudos e no controlo democrtico de cada um.

    A ideia de normatividade constitucional pressupe no s a capacidade daforma em regular a matria como a efectividade dessa regulao.

    A diferena especfica do tipo Estado-constitucional est na que nele, arealidade constitucional (domnio do ser) segue as prescries do texto constitucional (domniodo dever-ser).

    Esta correspondncia no pode ser s assegurada pela simples imposio dotexto, este no anula a autonomia do ser.

    Como tal, podem haver actuaes contra ou margem da constituio.Um dos instrumentos para impedir que tal se suceda encontra-se

    dentro do prprio sistema constitucional.Pois decorre do cumprimento do princpio democrtico, tal como ele

    vivido e organizado no Estado-constitucional, e garante a normatividade da CRP.O exerccio peridico do direito de voto e a estrutura separada

    dos poderes do Estado assegura esta garantia porque impedem que um s poder constitudopossa subverter, ou interpretar a seu favor, as normas de competncia que o textoconstitucional atribui.

    este o primeiro pressuposto interno.

    2. O segundo pressuposto interno resume-se liberdade de conformaopoltica do legislador.

    Entre a CRP e o legislador existem espaos de vazio que permitem que olegislador, democraticamente legitimado, possa fazer escolhas polticas livres nos quadrosamplos traados pela Constituio.

    Esta oferece ao legislador as margens da sua liberdade poltica que no podemdeixar de existir.

    2.3. Pressupostos externos: a cultura social e a aceitao da ConstituioPara a constituio ser fonte superior de direito, necessrio que a comunidade

    poltica ,ao qual ela pertence, se reveja nos valores fundamentais que o texto jurdico consagra.Portanto, tem que haver uma coincidncia cultural entre as necessidades de integrao

    efectivamente sentidas pela sociedade e o modo pelo qual o texto constitucional responde a

    tais necessidades.Constituir significa unir, integrar,formar. No mundo do pluralismo jurdico, a

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    No h direito sem interpretao. Esta a actividade central do jurista.Pede-se a este uma fidelidade absoluta ao sentido do objecto da

    interpretao.O significado conferido ao texto tem de coincidir objectivamente com o sentido

    da norma.O mtodo utilizado na interpretao tem de ser fidedigno.

    Quatro regras da interpretao jurdica (por Savigny):1. Interpretao literaldeterminao do significado atravs das palavras

    usadas pelo legislador.2. Interpretao histricadeterminao do significado atravs da

    reconstituio histrica do processo que levou formulao de tal norma.3. Elemento sistemticodeterminao do significado atravs do lugar que ela

    ocupa no contexto da regulao em que se insere.4. Elemento teleolgicodeterminao do significado atravs da interrogao

    do seu fim.O procedimento interpretativo tanto mais simples quanto mais determinante for o

    elemento literal. A letra do texto o ponto de partida e de chegada de todas as

    interpretaes.O texto constitucional por ser o texto fundamental, e pelas questes da

    fundamentalidade, tem de ser amplo, mais abrangente, e portanto mais indeterminado do queaquilo que o no .

    O elemento literal no pode ser o elemento principal da interpretao constitucional.So requeridos modos de interpretao prprios.

    Estes modos so mtodos tpicos, que visam complementar os elementos tradicionais,ajudando-os nos casos verdadeiramente difceis.

    Ajudam a ver o problema sobre outro ponto de vista. A argumentar comrazoabilidade e a obter uma soluo que se mostre mais adequada ao sistema da constituio.

    Os trs tpicos que vo ser apresentados permitem a especificao de diversos pontos

    de vista. Cada um deles adequado a sustentar diversos tipos de argumentao. Decorremtodos de uma ideia comum.

    1. Unidade da constituio:Sendo que a constituio s pode ser entendida no seu todo, devem-se evitar

    interrogaes ou dvidas de um preceito de forma isolada.Isto , sem relacionar com os outros preceitos presente no texto constitucional.

    2. Concordncia prtica:Quando num caso concreto se apresentem em conflito dois, ou mais, bens

    jurdicos constitucionalmente protegidos, o intrprete deve procurar a soluo que impea o

    sacrifcio de um s bem.Fazer concordar praticamente os valores em conflito significa procurar

    compatibiliz-los de modo a que cada um no perca a sua identidade.Esta tarefa obriga a que o intrprete pondere cada um dos bens ou valores, e

    tente aferir a importncia que, face situao, ser dada pela Constituio a cada um deles.De forma a alcanar a soluo adequada.

    3. Adequao ou correco funcional:Nenhuma interpretao lcita se com ela se obtiverem resultados que alterem

    ou no respeitem a distribuio dos poderes do Estado que fixado pela prpria Constituio.

    O argumento unidade vale para fundar ainda outro tpico auxiliar da interpretao.O tpico do mximo efeito integrador:O intrprete deve optar pela soluo que lhe parea que vai resultar numa

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    integrao maior no seio da comunidade.Em ltimo caso, quem interpreta a Constituio deve sempre saber que dividir

    mau e unir bom.

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    Captulo IVA forma da repblica. Um Estado de direito, democrtico, unitrio eempenhado no reforo da identidade europeia

    Os princpios gerais do sistema auxiliam descoberta da norma aplicvel, mas no oso. Tambm no so fonte de direito.

    So meros instrumentos de obteno e revelao de direito a aplicar ao casoconcreto.

    Por outro lado, os princpios constitucionais so fonte de direito, tm uma funodentica prpria, e integram directamente o universo do dever-ser.

    Eles prprios contm normas jurdicas. No se limitam a ajudar descobertade outras normas.

    Estes princpios devem dar a conhecer o programa da constituio.Os princpios fundamentais da CRP so quatro:

    1. e 2. Princpio do Estado de direito e Princpio democrticoambosconsagrados nos artigos 1 e 2 da CRP.

    3. Princpio do Estado unitrioartigo 6 da CRP.

    4. Princpio do reforo da identidade europeiaartigo 7, n5 da CRP.

    esta a forma da Repblica Portuguesa que se descobriu face a uma longainterpretao da CRP.

    Portugal uma nao soberana, mas empenhada no reforo da identidade europeia. por opo prpria que aliena parte da sua soberania a algo supra-estadual (U.E.)

    O princpio do Estado de direito democrtico comum a todos os pases da Unio. J ode Estado unitrio, no. uma opo prpria.

    Nota: Os autores desta sebenta optaram por um resumo mais simplista deste captulo, em

    comparao com os outros, uma vez que este serve apenas de introduo aos temas tratadosnos captulos seguintes.

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    Captulo VO princpio do Estado de direito

    1. As primeiras origens. Estado de direito, Estado de no direito e soberaniada lei

    O termo Estado de direito no pertence apenas ao lxico dos juristas. Pelo contrrio,

    muito utilizado na linguagem comum. O que dificulta a sua compreenso.O oposto deste seria o Estado do arbtrio. Tal Estado contrrio natureza humana,

    pois a necessidade bsica de conseguir antever o futuro , neste, negada.Desta distino podemos concluir que sempre prefervel numa comunidade poltica a

    soberania da lei sobre os homens do que a soberania de homens sobre i mesmos.Esta ideia, j formulada por Aristteles, ressurge no constitucionalismo ingls

    condensada no aforismoA Rule of Law and not of men. O contedo desta ideia desdobra-seem dois tpicos:

    1. As leis devem valer para uma generalidade de casos e para categoriasindeterminadas de pessoas.

    2. O exerccio do poder poltico deve ser exercido pelas leis e no por uma

    vontade arbitrria.

    2. A gnese do princpio. O Rechtsstaat e o Estado liberal clssico

    2.1. Formulao filosfica, concepo formal e concepo materialO termo Estado de direito corresponde traduo da palavra alem Rechtsstaat.Esta expresso comeou a ser utilizada nas primeiras dcadas de 1800 e

    desenvolveu-se a partir da em trs fases essenciais:

    1. Nas primeiras dcadas de 1800, o significado que foi atribudo expressotinha essencialmente uma conotao filosfica.

    2. Ao longo do sculo XIX, os juristas afastaram-se cada vez mais do seusignificado inicial e conferiram-lhe um sentido identificvel para a cincia do direito.

    Este correspondia s necessidades da poca e estrutura de fontes tpicas doEstado-de-legalidade.

    3. Depois da segunda metade do sculo XX, com a afirmao do Estado-constitucional, a cincia do direito sentiu a necessidade de retomar o princpio.

    Conferindo-lhe um significado mais amplo do que aquele que lhe era atribudopela cultura do sculo XIX.

    Para esta ltima acepo, a doutrina designa de Estado de direito em sentidomaterial distinguindo-a do Estado de direito formal, caracterstico do perodo de800.

    2.2. Kant e a formulao filosficaPara compreender a primeira formulao do conceito de Estado de direito necessrio

    referir o nome de Kant.Da sua filosofia moral decorre a ideia de que s haver uma comunidade poltica justa

    onde todo o seu poder se encontrar subordinado ao direito.Segundo este filsofo, o mais difcil problema que faltava resolver era o de formular

    uma constituio universalmente justa.Para Kant, so trs os princpios fundamentais de uma constituio justa:

    1. LiberdadeConsiste na faculdade de cada um procurar a sua prpriafelicidade de acordo com os ditames da sua conscincia. Tendo como nico limite a faculdadedos outros fazerem o mesmo que ele.

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    lei cabe a funo de garantir a igual liberdade de todos.

    2. IgualdadeEstritamente formal, como princpio de justia, ou jurdica, quese traduz na igual submisso de todos mesma lei.

    3. Independncia como cidadoO cidado o seu prprio senhor. Esta ideiacomplementa-se com a ideia inicial de liberdade.

    Sou livre, na exacta medida em que obedeo lei geral qual dei o meuconsentimento.

    2.3. O primeiro uso do termoNos escritos dos primeiros autores, Estado de direito era antes de mais aquele que se

    caracterizada pela racionalidade de fins e de meios de actuao.A filosofia kantiana oferecia os argumentos morais necessrios para a rejeio da

    monarquia esclarecida. E fazia-o graas ao princpio da dignidade da pessoa humana, princpioorientador de todas as distines entre o certo e o errado, quer na moral quer na poltica.

    Assim descrito, este Estado de direito correspondia mais ao ideal filosfico do anti-despotismo.

    Nesta acepo, as caractersticas institucionais, ou tcnico-jurdicas, que poderiamservir este tipo de Estado no so muito desenvolvidas. Os autores limitavam-se a sublinhar oque decorria dos postulados filosficos que tinham como partida.

    Para viver de acordo com uma ideia da racionalidade de fins e de meios e de meios deaco, o Estado de direito deveria organizar-se a partir de trs instrumentos essenciais:

    1. Decorrente do princpio da separao dos poderes.2. Decorrente da prevalncia da lei geral do Parlamento sobre a aco do

    executivo.3. Decorrente da necessria proteco da propriedade e liberdade dos

    cidados.

    2.4. A construo tcnico-jurdica do princpio. Legalidade da administrao eindependncia do poder judicial

    Com o decorrer do sculo XIX, o termo Estado de direito sofrer uma mudana nanatureza do seu conceito. De uma ideia inicial filosfica, transforma-se numa forma, outcnica para uso do direito.

    Esta mudana seria definida nos finais de 1800:Estado de direito aquele no qual se encontram juridicamente ordenadas quer

    as relaes entre os particulares e a Administrao, quer as relaes entre os particulares e aJustia (Anschtz).

    Esta definio enuncia dois princpios. Esta a enunciao deles que se inicia a

    construo tcnico-jurdica do contedo do princpio do Estado de direito.

    1. Princpio da legalidade da administrao: essencial a qualquer Estado de Direito.A funo administrativa tem de estar inteiramente subordinada lei.

    Os actos administrativos nunca podero valer contra legem(contra a lei)primado da prevalncia da lei.

    Tambm nunca podero valerpraeter legem (para alm da lei)precedncia de lei.

    2. Princpio da submisso do poder judicial lei:

    Os particulares queriam ter a garantia que qualquer direito seu fossedevidamente defendido e salvaguardado pelos tribunais.

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    O poder judicial teria de ser independente face aos restantes poderesdo Estado.

    Esta uma condio essencial ao conceito de Estado dedireito.

    Portanto, a noo clssica e oitocentista distingue-se da que hoje partilhamos naoposio entre forma e substncia.

    A concepo de Estado de direito do sculo XIX era essencialmente formal. Aactual de ndole material ou substancial.

    3. O conceito material de Estado de direito e a CRP

    3.1. O entendimento contemporneo do princpio. As razes da suamaterialidade

    O Estado de direito, pensado pelos primeiros autores, era um Estado filosoficamenteracionalista e individualista.

    J aquele que fora sendo construdo pelos dois princpios, acima referidos, pretendiaser apenas um conceito jurdico.Nesta fase, os fundamentos kantianos j tinham que ser reduzidos a uma pura

    tecnicidade.No apenas pela acepo, mas porque um Estado constitudo s por vontades

    racionais, individuais e livres no seria um Estado de ordem.O instrumento da construo da ordem seria o direito. Era necessrio um

    Estado que trabalhasse para a construo do direito atravs da lei ordinria.As transformaes que ocorreram no incio do sculo XX, demonstraram as

    insuficincias da construo clssica do princpio do Estado de direito.Tal como ele fora definido em 1800, no continha elementos que permitissem a defesa

    das pessoas contra leis inquas. Defesa necessria a partir da segunda metade do sculo XX.

    3.2. O entendimento contemporneo do princpio. Uma proposta de definioA expresso Estado de direito significa que o poder do Estado s pode ser exercido

    com fundamento na Constituio, e em lei que formal e materialmente sejam conformes comela [constituio], e com o fim de garantir a dignidade da pessoa humana, a liberdade a justiae a segurana (Klaus Stern).

    Partindo desta definio, vamos compreender os dois elementos que compem oentendimento contemporneo do princpio do Estado de direito.

    1. Elementos formais.2. Elementos materiais.

    4. Elementos formais

    1. Constitucionalidade das leis (artigo 3, n3 da CRP).

    2. Legalidade de administrao (artigo 266, n2 da CRP).

    3. Separao dos poderes e reserva da funo jurisdicional aos tribunais (artigo2, 111, 202 e 221 da CRP).

    No Estado de direito, nenhum dos poderes se deve exercer margem das vinculaesjurdicas.

    Esta a ideia central que se desdobra em vrios princpios que encontram todosacolhimento na CRP.

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    Um deles a separao de poderes, uma vez que ser impossvel garantir ajuridicidade de todos os poderes se no existir uma prvia separao entre eles.

    Os trs poderes tpicos que devem ser distribudos por rgos diferentes:1. Poder legislativopartilhado pelo Parlamento, Governo e

    Assembleias Legislativas Regionais nos termos dos artigos 112, n1, 161, alnea c), 198 e297, n1, alnea a).

    2. Poder administrativopartilhado pelo Governo, autarquias locais eoutras entidades definidas por lei nos termos dos artigos 182, 235 e 266.

    3. Poder judicialreservado em exclusivo aos tribunais (artigo 202)

    A concentrao dos poderes num nico rgo levaria ao mau uso da fora.Por outro lado, a CRP no fala apenas da separao, mas tambm da

    interdependncia, estes esto separados mas controlam-se mutuamente.exemplos:a) Artigo 136 da CRPO Presidente da Repblica tem possibilidade

    de vetar ou no promulgar actos do Governo e da Assembleia da Repblica.b) Artigo 195 da CRPA Assembleia da Repblica pode provocar a

    demisso do poder.O poder judicial pela sua natureza de poder neutro, encontra-se fora desta

    densa rede de controlo.A CRP reserva a funo jurisdicional para os tribunais.

    S estes dizem direito, e s o dizem(no o criam).O poder que eles exercem simultaneamente uno e plrimo. Uno, pois s

    existe um poder judicial para todo o territrio nacional. Plrimo, porque tal poder no seencontra concentrado num s rgo.

    Os outros princpios, enumerados acima, j os abordmos anteriormente. Como tal,

    no necessrio voltarmos a referir o seu significado.

    5. Elementos materiais

    1. Dignidade da pessoa humana (artigo 1 da CRP).

    2. Liberdade (artigo 24 da CRP).

    3. Justia (artigo 13 da CRP).

    4. Segurana:

    a) Publicidade dos actos estaduais (artigo 119 da CRP).b) Determinabilidade das leis e regulamentos.c) Proporcionalidade do agir estadual (artigo 2 e 18, n2 da CRP).d) Proteco da confiana dos cidados do agir estadual (artigo 2 da

    CRP).

    Estes sete elementos materiais so a causa dos formais, e tpicos do Estado dedireito.

    5.1. Dignidade da pessoa humanaEste princpio rene em si a sntese da antropologia constitucional, uma vez que no

    Estado de direito no h nenhuma grande concepo constitucional que no se organize emtorno de uma certa imagem do homem.

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    Nunca o seu contedo foi determinado com rigor, apesar de vrias vezes ser invocadopelo Tribunal Constitucional.

    O que lhe reconhecido o lugar cimeiro que ocupa nas estruturas fundantes doEstado de direito.

    apresentado como a trave mestra da Repblica.Consideraes a reter:

    a) O Homem determina o seu destino pelos seus desgnios prprios.b) O Homem trata-se a si e aos outros como fim. responsvel por si e pela

    forma como trata os outros.c) O Estado existe para a pessoa e no a pessoa para o Estado.

    exemplo: uma pessoa no pode ser penhorada de tudo: o limite est novalor do salrio mnimo.

    5.2. LiberdadeSurge em consequncia do reconhecimento do princpio da dignidade humana (deve

    haver um espao de autonomia individual).Requer pressupostos mnimos:

    Direitos fundamentais (artigo 24 a 47 da CRP). preciso a garantia positivada destes direitos e da possibilidade de exerccio

    da liberdade individual perante toda a comunidade colectiva.No basta garantir uma liberdade fsica, mas tambm uma liberdade de

    conscincia, religio, entre outras.

    5.3. Justia

    5.3.1. As dificuldade de determinao do contedo do princpio e o mtodo dasua abordagem

    Na acepo material, ou seja, a contempornea, um Estado de direito tambm umEstado de justia. primeira vista parece impossvel saber como que hoje podemos estar de acordo

    com o sentido a atribuir ao termo, de tal modo que o aceitemos como elemento material.Qual o sentido a atribuir ao termo justia?

    Tal como os outros elementos materiais do Estado de direito, passou de umtema de reflexo filosfica para um tema do direito.

    5.3.2. A justia como igualdadeA justia sempre associada igualdade, algo intuitivo ao Homem.Dizia Aristteles que todo o justo um algo igual. Distingue, depois,dois tipos de

    igualdade:1. Igualdade absoluta (ou justia comutativa)compensao e a regularidade

    no trfico e na trocas.

    2. Igualdade proporcional (ou a justia distributiva) repartio dos bens entreas pessoas em proporo do valor de cada uma.

    A justia como igualdade um valor partilhado pelas constituies democrticascontemporneas.

    a) No h ningum que valha mais que outros. Todos devem ser tratados erespeitados pelo poder poltico de forma igual.

    b) um dever do poder poltico tratar todos de forma justa e igual.Este valor, que adquire particular centralidade na cultura jurdica contempornea,

    que confere materialidade ao conceito de Estado de direito.Num Estado assim, o direito existe para prosseguir certos objectivos e rejeitar outros.

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    Um dos que persegue exactamente este, a justia como igualdade.

    5.3.3. A justia como igualdade na CRPO princpio da igualdade surge consagrado no artigo 13, como princpio regulador do

    modo de exerccio dos direitos fundamentais.

    Na sua dimenso objectiva, vale como fim objectivo do Estado e instrumentoregulador da sua actuao.Para alm de na sua consagrao, h referncia igualdade em vrios outros artigos

    (exemplos: artigo 9, 10, 50, entre outros).A concepo de igualdade na CRP no igual defendida pelo Estado Liberal

    clssico, influenciada pela filosofia kantiana, apesar de haver alguma continuidade.A imagem do Homem que a CRP consagra a de um ser concreto,

    diferenciado nas suas condies e interesses, mas no hierarquizado.

    5.3.4. As tenses existentes entre a clusula de justiacomo igualdade e oprincpio do pluralismo

    Com esta explicitao do contedo do princpio da justia, como elemento material,no ficam resolvidos todos os problemas que a vida coloca ao direito.Estes problemas no so agora da nossa preocupao. Porm, duas notas devem ser

    acrescentadas:1. Em relao ao princpio da dignidade da pessoa humana.Quando o analismos, vimo-lo como um instrumento de proteco do valor da

    pessoa contra aces invasivas do Estado.Bastaria, portanto, que cada um de ns fosse deixado em pazquer pelo

    Estado, quer pela sociedade - para que todos pudssemos dignamente realizar os nossosplanos de vida.

    No entanto, no assim to simples.O Tribunal Constitucional j reconheceu que este princpio para alm

    de ter uma dimenso defensiva, tem tambm uma dimenso prestativa. Esta segunda capazde exigir uma actuao por parte do Estado.

    2. Relao de tenso estabelecida entre o princpio de justia e o princpio dopluralismo.

    O Estado de direito contemporneo socialmente empenhado, mas tambmde liberdade.

    A garantia da liberdade conduz garantia do pluralismo. Este ltimo traduz-sena existncia de vrias concepes sobre como realizar uma vida colectiva justa.

    por esta razo que no existe uma receita pronta na CRP, quanto ao modo de

    realizao da igualdade.O legislador tem a liberdade e legitimidade de seguir os seus prprios critrios que

    orientaro o modo como se dever resolve a tenso que existe entre a exigncia de liberdade ea exigncia de justia.

    5.4. Segurana

    5.4.1. Definio geralA actuao do Estado deve e tem de ser antevisvel, calculvel, e mensurvel.As pessoas tm de saber com o que contam, o comportamento dos poderes pblicos

    deve ser um comportamento confivel.

    O elemento segurana decorre obviamente dos outros elementos materiais, edesdobra-se em outros princpios.

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    5.4.2. Publicidade dos actos estaduais e determinabilidade do seu contedoO primeiro princpio o da publicidade dos actos estaduais.

    Este princpio encontra-se consagrado no, j referido, artigo 119 da CRP.A actuao do Estado tem de ser conhecida, se no o for, no ser de

    confiana. As leis so publicadas no jornal oficial, Dirio da Repblica. Um acto que noseja publica juridicamente ineficaz.

    O segundo princpio o que diz respeito clareza e determinabilidade do contedo dosactos do Estado.

    Para alm de serem pblicos, os actos estaduais tmm de ser compreensveise claros para todos.

    As normas que sejam obscuras, imprecisas ou contraditrias, podem serconsideradas inconstitucionais segundo este princpio.

    Encontra-se implicitamente consagrado no artigo 2 da CRP.

    5.4.3. Proteco da confiana legtimaPara que as pessoas saibam com o que contam, as normas no devem por princpio

    ter eficcia retroactiva.A CRP probe trs situaes diferentes de retroactividade:

    1. Leis restritivas de Direitos, Liberdades e Garantias (artigo 18, n3 daCRP).

    2. Leis penais incriminatrias (artigo 29, n1 da CRP).3. Leis referentes a impostos (artigo 103, n3 da CRP).

    As normas jurdicas devem reger para o futuro.A retroactividade apenas uma excepo e nem sempre negativa.

    Para que o princpio da proteco da confiana seja violado, so precisos quatropressupostos:

    1. Que o Estado tenha efectivamente criado expectativas de continuidade.2. Que os cidados tenham feito planos com fundamento nessas expectativas.3. Que essas expectativas sejam legtimas porque eram fundadas em boas

    razes.4. Que a mudana do Estado no seja exigida por um interesse pblico que,

    pela sua importncia e valor, sobreleve o valor da tutela das expectativas privadas.

    5.4.4. Proibio do excessoEste princpio encontra-se, como j enunciado, consagrado no artigo 18, n2 da CRP.No entanto, feita a referncia ao mesmo em vrios outros artigos, ao ser referido,

    directa ou indirectamente, o termo proporcionalidade (exemplos: artigo 19 e artigo 272, n2

    da CRP).O que este princpio postula que entre o contedo da deciso estadual e o fim que

    ela prossegue haja sempre um equilbrio, ponderao, justa medida.No se utilizam canhes para atirar a pardais, ou seja, as vantagens devem

    ser proporcionais s desvantagens que tal medida tenha causado.A ideia geral de proibio do excesso decompe-se analiticamente em trs vertentes:

    1. Ideia de adequaopara se saber se, num caso concreto, o Estado agiuou no de forma proporcional.

    Deve-se procurar saber se os meios escolhidos para a realizao de um certofim so meios apropriados, ou ajustados, para a obteno dos propsitos inscritos na finalidadeda aco.

    Requere-se um juzo da razoabilidade.

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    2. Necessidade ou exigibilidade do meio em relao ao fimno basta provarque as vias escolhidas pela aco estadual so, adequadas para a obteno de umdeterminado fim.

    necessrio testar a necessidade ou exigibilidade da medida estadual.Ou seja, trata-se de verificar se o Estado escolheu a medida que menos

    encargos impe aos cidados. Por outras palavras, a escolha do meio mais suave ou maisbenigno.

    3. Proporcionalidade em sentido estritodepois de se ter analisado os doispontos anteriores, necessrio, ainda, averiguar se existe ou no uma relao de justamedida entre a via que foi escolhida, a realizao do interesse pblico, e a medida derealizao do mesmo interesse.

    Para tal, pesam-se as desvantagens e as vantagens decorrentes da decisoque se pretende avaliar.

    Se se chegar concluso que os encargos sentidos apenas por algunsexcederam, de forma desproporcionada, os benefcios alcanados por todos, conclui-se quehouve excesso na actuao estadual.

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    Captulo VIO princpio democrtico

    Enunciao dos elementos do princpio democrtico:1. Soberania popular;2. Regra da maioria;3. Voto;

    4. Representao poltica;5. Referendo.

    1. Um problema de mtodoSe a expresso Estado de direito de contedo no mnimo equvoco, o que podemos

    deduzir ento do vocbulo democracia?H mais de vinte e cinco sculos que conhecido.

    Herdoto utiliza-lo pela primeira vez, e gera a controvrsia sobre qual ser amelhor forma de governo.

    O termo ento utilizado para designar os casos em que o poder poltico seencontra nas mos do maior nmero possvel de pessoas.

    Em geral, os pensadores antigos no consideravam que a democracia pudesseser tida como o melhor modo de constituio das comunidades polticas. Pois defendiam que

    levaria corrupo.Ao utilizarmos o termo hoje, no sentimos essa valorao negativa. Pelo contrrio, a

    sua valorao positiva parece ser um dado natural da nossa cultura.O que , afinal, a democracia?

    Esta ideia aparece ligada a ideais modernos como a igualdade, autonomia eliberdade.

    No entanto, esta simplificao no chega para que possamos compreenderbem o conceito.

    Esta dificuldade de compreenso uma dificuldade de mtodo. O conceito nocorresponde apenas a uma categoria central da cultura contempornea, para alm dissoesconde-se uma vulgar pluralidade de sentidos.

    2. O conceito constitucional de democraciaNa CRP, o termo democracia utilizado diversas vezes e para variadas matrias.No entanto, esta abundncia no pode contrariar a ideia de que o princpio democrtico

    no , para a nossa ordem constitucional, um princpio qualquer.Uma vez que este d resposta a questes centrais da constituio. No sentido mais

    amplo do termo, o seu contedo h de referir-se a estruturas centrais do ordenamento.Como j vimos, dentro do conjunto de preceitos que contribuem para a composio do

    contedo deste princpio, h uns que so mais determinantes que outros. O mais fundamental e determinante o que resulta da redaco do n1 do

    artigo 3 (A soberania, una e indivisvel, reside no povo, que a exerce segundo as formasprevistas na Constituio).

    A sedes materiae do princpio democrtico encontra-se aqui.Na sua redaco h duas afirmaes distintas:

    1. De intensidade assertiva, diz que a soberania reside no povo.2. Afirma que a soberania se exerce nos termos previstos na

    Constituio.A segunda afirmao no complementa a primeira, mas sim,

    suplementa-a.A linguagem da Constituio uma linguagem de autoridade. No descreve,

    prescreve. Como tal, a ausncia de complementaridade entre duas afirmaes no uma falhade lgica, mas um querer de autoridade, uma escolha constitucional, uma realidade do dever-ser.

    Esta escolha constitucional contm o que podemos chamar de conceito constitucionalde democracia.

    Podemos concluir que a CRP pressupe um certo conceito de democracia que noreleva da discusso filosfica, as que coincide com a ordem normativo-prtica atravs do qual

    se regula a nica forma lcita de exerccio do poder poltico em Portugal.O mtodo adequado para a anlise do princpio democrtico parece ser o seguinte:Em vez de procurarmos compreender o que a democracia partindo de

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    concepes metaconstitucionais sobre a sua essncia.Parte-se para a interpretao da CRP, para que a se revele qual o contedo a

    atribuir ao correspondente conceito constitucional.

    3. Um lxico constitucionalQuando hoje reconhecemos que a democracia corresponde a uma categoria que

    domina o espritos desde o sculo XIX.Do que estamos a falar basicamente de uma ideia que se situa no domnio primordialdo pensamento que busca uma razo de ser, uma justificao ou um princpio de legitimidadepara as ordens de domnio que e estabelecem na esfera das relaes polticas entre apessoas.

    A CRP ao determinar que o poder poltico em Portugal se exerce de acordo com asforma por ela prescritas, criou uma ruptura entre a titularidade da soberania e o exerccio dopoder poltico.

    A primeira pertence ao povo e o segundo depende das suas norma.Tal s sucedeu porque algo que lhe superior e anterior assim o justificou.Este algo a vontade popular, identificada no artigo 1 como sendo uma das bases

    da Repblica.Foi o poder constituinte que gerou a autoridade da constituio.

    A CRP existe e tem autoridade porque o povo portugus assim o quis. Estabeleceu queo poder poltico fosse exercido em Portugal s segundo as suas formas.Porm, que significado substancial pode ser conferido expresso: A soberania, una

    e indivisvel, reside no povo?. Quem esse povo? Como se forma e expressa a sua vontade?Porque que se deve entender que esta vontade que gera a autoridade da Constituio?

    Que capacidade tem o discurso jurdico para responder a este tipo dequestes?

    Estas perguntas inscrevem-se no corao dos problemas de todas asdemocracias. No s a regulada pela nossa Constituio, mas tambm outras reguladas porleis fundamentais com valores prximos dos nossos.

    A CRP responde a estas questes recebendo no eu seio um certo patrimniode cultura que corresponde ao que atrs designmos por constitucionalismo.

    Tal patrimnio pode ser conhecido atravs de um nmero contado de ideias,

    que se exprimem num lxico constitucional que hoje comum, pelo menos, a todas asconstituies dos Estados membros da Unio Europeia.

    Este lxico composto por expresses como soberania popular,regra da maioria, voto, representao poltica, referendo, entre outras.

    Estudar o contedo do princpio democrtico da CRP significa estudar o modo pelaqual a nossa ordem constitucional adaptou s necessidades histricas o contedo bsico decada uma destas ideias.

    4. Soberania popular

    4.1. Soberania nacional e soberania popularO termo soberania nem sempre teve a mesma percepo.

    a) At ao sculo XVIII, na Europa, s a coroa personificava a autoridade ltima,suprema, e independente de toda a colectividade poltica.

    b) Depois de finais de 1700, desenvolveu-se em torno de uma ideiaradicalmente diferente.

    O princpio que fundamenta o poder do Estado, e que justifica aobedincia que devemos ter ao mesmo, no se pode encontrar fora da comunidade doshomens que constituem o ente estadual.

    Os texto constitucionais portugueses anteriores a 1976 ilustram esta mudana na formade percepo da soberania.

    Com o artigo 3, n1, A CRP consagra o povo como soberano. F-lo pela primeira vez, excepo da Carta Constitucional, todos os outros textos constitucionais declaravam que asoberania residia na Nao.

    a) Soberania nacionalao identificar este princpio imanente de justificao daautoridade com a ideia transpessoal da Nao, estavam a acolher a ideia segundo a qual aordem constitucional no se encontrava vinculada a atribuir a todos os portugueses um direitode participar no exerccio da soberania.

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    Este princpio de soberania nacional acabava por justificar a prtica do sufrgiorestrito.

    b) Soberania popularao consagrar este princpio na CRP, esta adoptou ocritrio de legitimidade do poder estadual com repercusses no seu conceito constitucional dedemocracia.

    O povo o conjunto de todo os portugueses, quer vivam em territrio nacionalquer se encontrem em territrio estrangeiro.Afirmar que a soberania reside na vontade deste grupo, implica afirmar que

    ningum que a ele pertena pode vir a ser excludo de participar no exerccio do poder poltico.Esta consagrao do princpio da soberania popular traduz-se na obrigao dos

    poderes polticos no fazerem qualquer diferenciao dos membros do povo.Encontra-se aqui o corao da ideia contempornea de democracia.A ideia segundo a qual um poder poltico s legtimo quando tiver o assentimento de

    todos os seus destinatrios atinge a sua completude com a afirmao do princpio da soberaniapopular.

    4.2. Dimenso negativa e dimenso positiva do princpio da soberania popularComo vimos anteriormente, para a CRP, o povo a reunio de todos os portugueses

    tomados em condies de igualdade absoluta.O estabelecimento de diferenas justas faz parte da ideia mesma de direito.Cumprir com a igualdade no significa abstrair das diferenas, significa, sim, tratar

    igualmente o que igual e desigualmente o que desigual.Porm, no domnio da participao poltica, parte-se do princpio segundo o qual todo o

    cidados so rigorosamente iguais entre si e devem ser tratados como tal.Aqui o direito ignora as diferenas reais existentes entre as pessoas.

    Do princpio da soberania popular decorrem consequncias jurdicas certas para aordenao da vida do Estado.

    a) Consequncia que pode ser enunciada de forma negativanum Estadodemocrtico, o poder poltico no uma realidade pr-existente ao direito.

    No pode ser exercido por nenhuma instncia situada margem dalegitimao popular. Esta sempre organizada por intermdio das formas jurdicas, no h

    actuaes lcitas de poder poltico que no sejam constitudas pelo ordenamento jurdico.

    b) Consequncia que pode ser enunciada de forma positivajustamente porno haver exerccio lcito margem da legitimao popular, o Estado encontra-se obrigado ainstituir formas de actuao destinadas a exprimir a legitimao das formas de domnio.

    a esta ltima obrigao que se refere a segunda parte do n1 doartigo 3 da CRP.

    5. A regra da maioria

    5.1. DefinioNum Estado democrtico as decises sero sempre maioritrias, nunca consensuais.A primeira forma que a CRP consagra para que a vontade popular se exprima as

    deliberaes.Estas consideram-se formadas assim que um maior nmero de vontades

    individuais convergir num determinado sentido.A CRP reconhece esta regra da maioria directa ou indirectamente, em vrios artigos e

    como diferentes nveis de expresso da vontade popular (exemplo: artigo 116, n3 da CRP).A instncia em que se opera a regra da maioria, segundo o artigo 116, a da

    expresso indirecta ou mediata da vontade popular.O povo exprime directamente a sua vontade atravs do sufrgio (escolha por votao).

    Em Portugal, tal escolha pode traduzir-se ou na eleio dos titulares dosrgos de poder, ou na resposta a uma pergunta dilemtica colocada em referendo.

    Seja de que forma for, sempre que a vontade popular se exprime directamenteatravs de sufrgio, chega-se a uma concluso assim que se obtm a maioria dos votos.

    5.2. FundamentaoEsta regra da maioria, quer indirecta ou directamente, suscita algumas dvidas.

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    Em relao ao fundamento da deciso maioritriacomo se justifica estadeciso?

    O Estado democrtico distingue-se dos outros tipos de Estado pelaformulao negativa da sua ideia de legitimidade do poder.

    O domnio dos homens sobre os homens s se justifica secorresponder ao assentimento de todos.

    Daqui decorre uma espcie de construo negativa quanto representao e modelao jurdicas da sede do poder.Como justificar que os mais importantes actos de poder dependam

    afinal da vontade da maioria?H uma resposta que intuitiva e insatisfatria: porque no

    pode ser de outro modo.O princpio da deciso maioritria um expediente tcnico que torna

    possvel aquilo que, de outro modo, seria inalcanvel.A regra da maioria , para este modo de ver as coisas, no mais do

    que uma racionalizao do elemento quantitativo.Procurar encontrar outra fundamentao tarefa to impossvel quanto

    desnecessria.O modo que defende uma fundamentao fraca para a regra da maioria,

    revela-se insuficiente para responder a duas questes essenciais:1. Diz respeito s maiorias diferenciadas que so exigidas pelaConstituio. Tendem a ser tanto mais exigentes quanto mais importante for a deliberao atomar.

    Se a arquitectura maioritria da Constituio s tivesse ajustific-la um argumento de inevitabilidade tcnica, no conseguiramos compreender a razopela qual as maiorias exigidas pela CRP variam consoante a importncia pblica da matria adeliberar.

    Temos como exemplo a eleio do Presidente da Repblica,para tal necessrio uma maioria absoluta da votao. Esta exigncia aparece consagrada noartigo 126, n1 da CRP.

    2. Diz respeito razo pela qual se considera em geral justa a deciso

    perfilhada pela vontade da maioria. evidente que o nmero superior ao menor nmero. Talsuperioridade no equivale logicamente a autoridade. O argumento da fora nada explica nemjustifica.

    A verdade que existe uma adequao estrutural entre a regrada maioria e o princpio democrtico.

    Aceitamos como justa a deciso do maior nmero por causa dasua especial capacidade em realizar a integrao de todas as pessoas, numa ordem colectivaque tanto uma ordem de igualdade quanto uma ordem de liberdade.

    O valor central da democracia reside tambm, alm de na igualcondio de todos aqueles que pertencem comunidade, na ideia de autogoverno.

    Esta ideia corresponde de liberdade: somos livres, na exactamedida em que participamos no processo de feitura das leis que regulam o exerccio da nossa

    liberdade.Ou seja, quanto maior for o nmero de pessoas que estiverem

    de acordo com a deliberao que foi tomada, maior ser o nmero daqueles que se mantmlivres.

    este o motivo que explica que na CR haja regras de maioria diferenciadas em funoda importncia da matria a deliberar. Justamente porque a democracia pressupe uma ordemde igualdade em liberdade.

    Quanto maior for a importncia colectiva da questo, maior ser tambm anecessidade da procura pelo consenso.

    5.3. As minoriasO termo democracia no quer dizer governo absoluto da maioria. Ou seja, a regra da

    maioria, por mais qualificada que seja, nunca pode vir a converter-se em regra de deciso

    absoluta.Como tal, o nosso conceito constitucional de democracia no pode deixar de incluir a

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    proteco jurdica dos interesses da minoria.Ao falar em minoria ou minorias temos em mente duas realidades distinguveis.

    1. Regra no pluralgrupo numericamente inferior ao resto da populao de umEstado, em posio no dominante, cujos membros possuem caractersticas tnicas, religiosasou lingustas que diferem do resto da populao.

    2. Realidade numrica ou quantitativanesta acepo, a minoria inclui todos

    aqueles que, numa deciso tomada pelo maior nmero, se exprimiram em sentido contrrio aodominante.A CRP reserva espaos prprios de proteco jurdica s minorias.

    Uma vez que, como dito acima, para a CRP a democracia no equivale agoverno absoluto da maioria, necessrio que as minorias gozem de alguma protecoconstitucional.

    Esta proteco encontra-se visvel no estatuto constitucional de oposio(consagrado no artigo 114, n2 da CRP).

    Por detrs desta formulao simples encontra-se um dos mais importanteselementos do conceito constitucional de democracia, que decorre logicamente daquilo queacima considermos ser a dimenso negativa do princpio da soberania popular.

    A ideia constitucional de democracia s se cumpre se houver umapossibilidade real de alternncia entre maiorias e minorias.

    Os direitos reconhecidos oposio democrtica servem estepropsito de alternncia.Estre estes conta-se desde logo a liberdade de expresso (consagrada

    no artigo 37 da CRP).Mas o princpio da alternncia no se realiza apenas atravs do

    exerccio da liberdade de expresso. Existem instrumentos jurdicos que tambm contribuempara esta alternncia:

    Exemplos: A estrutura do debate parlamentar (artigos 176 a180 da CRP), a liberdade de associao (artigo 46 da CRP) e de reunio e manifestao(artigo 45), entre outros.

    A razo profunda pela qual para a CRP a democracia no significa poder incontroladoda maioria encontra-se na expresso contida na epgrafe do artigo 2: Estado de direitodemocrtico.

    O princpio do Estado de direito difere do princpio democrtico por ser deordem substancial/qualitativa.A ideia de democracia para o princpio do Estado de direito tem um contedo

    fundamentalmente substancial por dizer respeito ao modo, ao contedo e qualidade do poderque exercido democraticamente.

    6. O voto

    6.1. DefinioA CRP refere o termo votosem duas ocasies distintas:

    1. Expresso indirecta da vontade popular - em relao ao funcionamento dosrgos colegiais nos quais tm assento os representantes elegidos pelo povo.

    2. Expresso directa da vontade popular - sufrgio (ou direito de sufrgio), este

    o modo de exerccio do poder poltico por parte do povo atravs do voto.A palavra sufrgio surge acompanhada dos adjectivos universal, igual,

    directo, secreto e peridico.E neste acto que se concretiza a dimenso negativa e positiva do princpio da

    soberania popular, conceitos j referidos.

    6.2. Trs modelos ideais de voto. A escolha da CRPColoca-se a questo de como organizar o exerccio do poder pertencente ao povo.

    Sendo que a titularidade de todos no pode nem deve ser apropriado por grupos ou pessoasdeterminadas.

    De uma forma ideal-tpica, poder-se-iam imaginar trs formas distintas de resolver esteproblema:

    1. Modelo tradicional da democracia directaas deliberaes colectivas seriamtomadas directamente por todos os membros do corpo eleitoral reunido em assembleia edecidindo por maioria.

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    eleitores.

    7. A representao poltica

    7.1. ConceitoA democracia portuguesa essencialmente indirecta ou representativa.

    Na linguagem comum, a palavra representar pode ser usada com mltiplossignificados. Quer designe o processo mental atravs do qual reproduzimos a i