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DIREITO ELEITORAL VOLUME 6

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DIREITO ELEITORAL

VOLUME 6

Brasília, 2019

Organizado por matérias

2014-2018TESES E FUNDAMENTOS

INFORMATIVOS STF

Direito Eleitoral

volume 6

Secretaria-Geral da Presidência

Daiane Nogueira de Lira

Secretaria de Documentação Naiara Cabeleira de Araújo Pichler

Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência Andreia Fernandes de Siqueira

Equipe Técnica: Diego Oliveira de Andrade Soares, Fernando Carneiro Rosa Fortes, João de Souza Nascimento Neto, Ricardo Henriques Pontes e Tiago Batista Cardoso

Revisão: Amélia Lopes Dias de Araújo, Camila Lima Canabarro, Juliana Silva Pereira de Souza, Letycia Luiza de Souza, Lilian de Lima Falcão Braga, Márcia Gutierrez Aben-Athar Bemerguy, Rochelle Quito e Rosa Cecilia Freire da Rocha

Capa: Patrícia Amador Medeiros

Projeto gráfico: Eduardo Franco Dias

Diagramação: Camila Penha Soares, Eduardo Franco Dias e Neir dos Reis Lima e Silva

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)Supremo Tribunal Federal – Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal

Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF).

Informativos STF 2014-2018 [recurso eletrônico] : teses e fundamentos : direito eleitoral / Supremo Tribunal Federal. -- Brasília : STF, Secretaria de Documentação, 2019.

Organizado por matérias. Modo de acesso: < http://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=informativoSTF >.

1. Tribunal Supremo, jurisprudência, Brasil. 2. Direito eleitoral, jurispru-dência. I Título.

CDDir-341.4191

Ministro José Antonio Dias Toffoli (23-10-2009), Presidente

Ministro Luiz Fux (3-3-2011), Vice-Presidente

Ministro José Celso de Mello Filho (17-8-1989), Decano

Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello (13-6-1990)

Ministro Gilmar Ferreira Mendes (20-6-2002)

Ministro Enrique Ricardo Lewandowski (16-3-2006)

Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha (21-6-2006)

Ministra Rosa Maria Pires Weber (19-12-2011)

Ministro Luís Roberto Barroso (26-6-2013)

Ministro Luiz Edson Fachin (16-6-2015)

Ministro Alexandre de Moraes (22-3-2017)

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

APRESENTAÇÃO

Tanto nas faculdades de Direito como nos manuais das disciplinas desse ramo do conhecimento, é notável o destaque que vem sendo dado aos posicionamentos ju-diciais. Na mesma esteira, a atuação dos profissionais do Direito é cada vez mais lastreada em precedentes dos tribunais superiores e, notadamente, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Nesse contexto, é possível inferir que há crescente interesse por obras que fran-queiem, de forma organizada e de fácil consulta, o acesso à jurisprudência emanada pelo STF.

Com o intuito de atender tal demanda, o Tribunal vem publicando, desde 1995, o Informativo STF, espécie de “jornal jurídico” que veicula resumos, originalmente semanais, das circunstâncias fáticas e processuais e dos fundamentos proferidos oral-mente nas sessões de julgamento.

Conforme consta do cabeçalho de todas as edições do periódico, os boletins são elaborados “a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário”, de modo que contêm “resumos não oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal”. Faz-se tal observação para esclarecer ao leitor que, embora o conteúdo não possa ser considerado oficial, baseia-se estritamente em informações públicas.

A obra que ora se apresenta é uma edição especial, que abarca um período de cinco anos – 2014 a 2018. Cada volume contém um ramo do Direito e tem por referência casos que foram noticiados no Informativo STF. O acesso aos argumentos de Suas Excelências, na exatidão precisa do vernáculo escrito, permite explorar a riqueza técni-ca neles contida e estudar com mais rigor a fundamentação das decisões do Tribunal.

É bom ressaltar que o leitor pode acompanhar mensalmente este trabalho ao aces-sar o Boletim de Acórdãos Publicados disponível no site do Tribunal (Portal do STF/Jurisprudência/Boletim de Acórdãos Publicados).

Um novo ponto de vista sobre a jurisprudência

É da essência do Informativo STF produzir uma síntese de decisões proferidas pela Corte durante as sessões de julgamento, sem avançar em análise abstrata da juris-

prudência do Tribunal. Já o livro Teses e fundamentos percorre caminho diverso e se aprofunda nos julgados do STF para oferecer um produto mais complexo.

Desse modo, o livro tem por objetivos: I – Elaborar teses, redigidas com base no dispositivo1 dos acórdãos e abstraídas das notícias de julgamento; e II – Analisar a fundamentação adotada pelo Tribunal e, na sequência, esboçar um panorama do entendimento da Corte sobre os ramos do Direito.A proposta é que as teses apontem como caminhou a jurisprudência da Suprema

Corte brasileira ao longo dos anos e, ainda, permitam vislumbrar futuros posiciona-mentos do Tribunal, tendo por referência os processos já julgados. Cumpre destacar que essas teses – com os respectivos fundamentos – não traduzem necessariamente a pacificação da jurisprudência num ou noutro sentido. Elas se prestam simplesmente a fornecer mais um instrumento de estudo da jurisprudência e a complementar a função desempenhada pelo Informativo STF.

Tendo isso em vista, os textos que compõem o livro estruturam-se em: tese ju-

rídica extraída do julgado2 e resumo da fundamentação2. Pretende-se, com esse padrão, que o destaque dado aos dispositivos dos acórdãos seja complementado por seus respectivos fundamentos.

Os dados do processo em análise2 são apresentados no cabeçalho de cada resu-mo e, com o objetivo de garantir acesso rápido ao conteúdo de teses fixadas, no fim da obra foi incluída uma lista de todas as teses contidas no livro.

As decisões acerca da redação e da estrutura do livro foram guiadas também pela busca da otimização do tempo de seu público-alvo. Afinal, a leitura de acórdãos, de votos ou mesmo de ementas demandaria esforço interpretativo e tempo dos quais o estudante ou o operador do Direito muitas vezes não dispõe. Assim, deu-se pre-ferência a formato de redação que destacasse o dispositivo do acórdão e seus funda-mentos, ao mesmo tempo que traduzisse de forma sintética o entendimento do STF.

Em busca de mais fluidez e concisão, decidiu-se retirar do texto principal as refe-rências que não fossem essenciais à sua redação. Assim, foram transpostos para notas

de fim2, entre outras informações pertinentes: relatórios de situações fáticas e obser-vações processuais, quando necessários à compreensão do caso; precedentes jurispru-denciais; e transcrições de normativos ou de doutrina3.

A mesma objetividade que orientou a estrutura redacional dos resumos norteou a organização dos julgados em disciplinas do Direito e em temas. Estes, por sua vez, foram subdivididos em assuntos2 específicos. Tal sistematização do conteúdo visa,

mais uma vez, facilitar o trabalho dos estudantes e dos operadores do Direito, que compõem o público-alvo desta obra.

A esse respeito, sob o ângulo dos ramos do Direito, optou-se pela análise vertical dos julgados em cada ano, o que propicia rápida visualização e comparação de maté-rias semelhantes decididas pelos órgãos do STF. A obra permite, assim, que o leitor verifique, de forma fácil e segura, a evolução jurisprudencial de um dado tema ao longo do tempo.

A ideia foi, em resumo, aliar a objetividade característica do Informativo STF com a profundidade e a riqueza técnico-jurídica contida nos acórdãos e nos votos dos ministros. Para cumprir tal finalidade, foi necessário interpretar os acórdãos dos jul-gamentos.

Todavia, se por um lado é certo que a redação de resumos demanda algum grau de liberdade interpretativa dos documentos originais, por outro a hermenêutica reco-nhece ser inerente à interpretação jurídica certa dose de subjetividade.

Nessa perspectiva, embora os analistas responsáveis pelo trabalho tenham se es-forçado para – acima de tudo – manter fidelidade aos entendimentos do STF, ao mes-mo tempo que conciliavam concisão e acuidade na remissão aos fundamentos das decisões, não se deverá perder de vista que os resultados do exame da jurisprudência aqui expostos são fruto de interpretação desses servidores.

Espaço para participação do leitor

Os enunciados aqui publicados tanto podem conter trechos do julgado original – na hipótese de estes sintetizarem a ideia principal – quanto podem ser resultado ex-clusivo da interpretação dos acórdãos pelos analistas responsáveis pela compilação. Na obra, estão disponíveis os links de acesso à íntegra dos acórdãos, o que facilita a conferência da acuidade dessa interpretação. O leitor poderá encaminhar dúvidas, críticas e sugestões para o e-mail: [email protected].

Ademais, entre as razões que motivaram a edição deste trabalho está justamente o propósito de fomentar a discussão e de contribuir para a difusão do “pensamento” do Tribunal e para a construção do conhecimento jurídico. Com isso, promove-se maior abertura à participação da sociedade no exercício da atividade constitucionalmente atribuída ao STF.

1 Deve-se ter em mente que muitas vezes os dispositivos dos acórdãos se limitam a “dar (ou ne-gar) provimento ao recurso” ou, ainda, “conceder (ou não) a ordem”. Embora esses comandos jurisdicionais efetivamente componham o dispositivo da sentença, do ponto de vista da análise das decisões judiciais – e da jurisprudência – eles significam muito pouco. Por evidente, o objeto deste trabalho é o tema decidido pela Corte, seja ele de direito material, seja de direito processual, e não o mero resultado processual de uma demanda específica. Nesse sentido, talvez seja possível discer-nir entre o conteúdo formal da decisão, que seria, exemplificativamente, o resultado do recurso (conhecido/não conhecido, provido/não provido) ou da ação (procedência/improcedência), e o conteúdo material da decisão, que efetivamente analisa a questão de direito (material ou proces-sual) debatida e possui relevância para a análise da jurisprudência. Em outras palavras, o conteúdo material da decisão corresponderia aos fragmentos do provimento jurisdicional que têm aptidão para transcender ao processo em análise e constituir o repertório de entendimentos do Tribunal sobre o ordenamento jurídico brasileiro.

2 Ver Infográfico, página 8.

3 Informações entre colchetes não constam do texto original.

Os pagamentos devidos, em razão de pronunciamento judicial, pelos conse-

lhos de fiscalização não se submetem ao regime de precatórios.

O art. 100 da Constituição Federal (CF)1, que cuida do sistema de precatórios, diz res-peito a pagamentos a serem feitos não pelos conselhos, mas pelas Fazendas Públicas.

Os conselhos de fiscalização profissionais são autarquias especiais, possuem perso-nalidade jurídica de direito público e estão submetidos às regras constitucionais, tais como a fiscalização pelo Tribunal de Contas da União e a submissão ao sistema de concurso público para arregimentação de pessoal.

1 “Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.”

Assunto

Tese jurídica extraída do julgado

Resumo da fundamentação

Dados do processo em análise

Nota de fim

INFOGRÁFICO

Direito Administrativo Ȥ Organização da Administração Pública

Ȥ Administração Indireta Ȥ Autarquias – Repercussão Geral

RE 938.837RG ‒ Tema 877red. p/ o ac. min. Marco AurélioPlenárioDJE de 25-9-2017Informativo STF 861

SUMÁRIO

Siglas e abreviaturas ........................................................................................ 10

Siglas de classes e incidentes processuais ......................................................... 11

Campanha eleitoral ...........................................................................................13

Inelegibilidades .................................................................................................23

Partidos políticos ..............................................................................................30

Propaganda política ...........................................................................................44

Índice de teses ...................................................................................................51

SIGLAS E ABREVIATURAS

ac. acórdão1ª T Primeira Turma2ª T Segunda TurmaDJ Diário da JustiçaDJE Diário da Justiça Eletrônicoj. julgamento emP Plenáriored. p/ o ac. redator para o acórdãorel. min. relator o ministroRG Repercussão GeralT Turma

SIGLAS DE CLASSES E INCIDENTES PROCESSUAIS

AC Ação CautelarACO Ação Cível OrigináriaADC Ação Declaratória de ConstitucionalidadeADI Ação Direta de InconstitucionalidadeADO Ação Direta de Inconstitucionalidade por OmissãoADPF Arguição de Descumprimento de Preceito FundamentalAgR Agravo RegimentalAI Agravo de InstrumentoAO Ação OrigináriaAP Ação PenalAR Ação RescisóriaARE Recurso Extraordinário com AgravoCC Conflito de CompetênciaED Embargos de DeclaraçãoEDv Embargos de DivergênciaEI Embargos infringentesEP Execução PenalExt ExtradiçãoHC Habeas CorpusIndCom Indulto ou ComutaçãoInq InquéritoMC Medida CautelarMI Mandado de InjunçãoMS Mandado de SegurançaPet PetiçãoProgReg Progressão de RegimeQO Questão de OrdemRcl ReclamaçãoRE Recurso ExtraordinárioREF ReferendoRG Repercussão GeralRHC Recurso em Habeas CorpusRMS Recurso em Mandado de SegurançaRp RepresentaçãoSE Sentença Estrangeira

DIR

EEL

EIT

DIR

EIT

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DIR

EEL

EIT

CAMPANHA ELEITORAL

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Direito Eleitoral

Ȥ Campanha eleitoral

Ȥ Financiamento

Ȥ Financiamento privado

Há indícios de inconstitucionalidade na norma que autoriza doações de origem

não identificada a campanhas eleitorais, o que justifica a suspensão da norma

com eficácia ex tunc até a decisão final de mérito na ação direta de inconstitu-

cionalidade.

Embora existam inúmeras controvérsias a respeito do modelo de financiamento mais apropriado para afastar a influência predatória do poder econômico sobre as eleições, um aspecto do debate parece livre de maiores discussões. Trata-se da necessidade de se dar maior efetividade ao sistema de controle de arrecadação de recursos por partidos e candidatos. Sem as informações necessárias, entre elas a identificação dos particulares que contribuíram originariamente para legendas e candidatos, o processo de prestação de contas perde sua capacidade de documentar “a real movimentação financeira, os dispêndios e recursos aplicados nas campanhas eleitorais”1.

Obstrui-se, assim, o cumprimento, pela Justiça Eleitoral, da relevantíssima com-petência estabelecida no art. 17, III, da Constituição Federal (CF)2 de fiscalizar se o desenvolvimento da atividade político-partidária realmente assegura a autenticidade do sistema representativo.3

Nesse aspecto, cabe destacar que as informações sobre as doações de particulares a candidatos e a partidos não interessam apenas às instâncias estatais responsáveis pelo controle da regularidade das contas de campanha, mas à sociedade como um todo, na medida em que qualificam o exercício da cidadania.

A indispensável transparência das contas eleitorais permite uma decisão de voto mais bem informada, já que confere ao eleitor um elemento a mais para que exerça, com pleno esclarecimento, o direito de escolha dos representantes políticos, bem como para avaliar a seriedade das propostas de campanha.

A divulgação de informações sobre a origem dos recursos recebidos por partidos também capacita a sociedade civil, inclusive aqueles que concorrem entre si na disputa eleitoral, a cooperar com as instâncias estatais na verificação da legitimidade do pro-cesso eleitoral. Fortalece, assim, o controle social sobre a atividade político-partidária.

ADI 5.394 MCrel. min. Teori Zavascki

PlenárioDJE de 10-11-2016Informativo STF 807

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Além disso, o acesso a esses dados ainda aperfeiçoa a política legislativa de combate à corrupção eleitoral, ajudando a denunciar as fragilidades do modelo e a inspirar propostas de correção futuras.

Por fim, a identificação fidedigna dos particulares responsáveis pelos aportes finan-ceiros é informação essencial para que se possa constatar se as doações procedem, de fato, de fontes lícitas e se observam os limites de valor previstos no art. 23 da Lei 9.504/1997.

Diante do exposto, está suspensa, com efeitos ex tunc, a eficácia da expressão “sem individualização dos doadores” constante da parte final do § 12 do art. 28 da Lei 9.504/ 19974, acrescentado pela Lei 13.165/2015.

1 Lei 9.096/1995: “Art. 34. A Justiça Eleitoral exerce a fiscalização sobre a prestação de contas do par-tido e das despesas de campanha eleitoral, devendo atestar se elas refletem adequadamente a real movimentação financeira, os dispêndios e os recursos aplicados nas campanhas eleitorais, exigindo a observação das seguintes normas: I – obrigatoriedade de designação de dirigentes partidários espe-cíficos para movimentar recursos financeiros nas campanhas eleitorais; II – (revogado); III – relatório financeiro, com documentação que comprove a entrada e saída de dinheiro ou de bens recebidos e aplicados; IV – obrigatoriedade de ser conservada pelo partido, por prazo não inferior a cinco anos, a documentação comprobatória de suas prestações de contas; V – obrigatoriedade de prestação de contas pelo partido político e por seus candidatos no encerramento da campanha eleitoral, com o recolhimento imediato à tesouraria do partido dos saldos financeiros eventualmente apurados.”

2 CF/1988: “Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos: (...) III – prestação de contas à Justiça Eleitoral;”

3 Lei 9.096/1995: “Art. 1º O partido político, pessoa jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal.”

4 Lei 9.504/1997: “Art. 28. A prestação de contas será feita: (...) § 12. Os valores transferidos pelos partidos políticos oriundos de doações serão registrados na prestação de contas dos candidatos como transferência dos partidos e, na prestação de contas dos partidos, como transferência aos candidatos, sem individualização dos doadores.”

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Direito Eleitoral

Ȥ Campanha eleitoral

Ȥ Financiamento

Ȥ Financiamento privado

São inconstitucionais as contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais.

O exercício de direitos políticos é incompatível com a essência das pessoas jurídicas.O exercício da cidadania, em seu sentido mais estrito, pressupõe três modalidades

de atuação cívica: o ius suffragii (i.e., direito de votar), o jus honorum (i.e., direito de ser votado) e o direito de influir na formação da vontade política por meio de instrumentos de democracia direta, como o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular de leis.1

Por suas próprias características, tais modalidades são inerentes às pessoas naturais, afigurando-se um disparate cogitar a sua extensão às pessoas jurídicas. O Supremo Tribunal Federal (STF) sumulou entendimento segundo o qual as “pessoas jurídicas não têm legitimidade para propor ação popular” (Enunciado 365 da Súmula do STF), por não ostentarem o status de cidadãs.2

É certo que uma empresa pode defender bandeiras políticas, como a de direitos humanos, causas ambientais, entre outras. Daí a proclamar sua indispensabilidade no campo político, investindo vultosas quantias em campanhas eleitorais, vai uma considerável distância.3

Assim, autorizar que pessoas jurídicas participem da vida política é, em primeiro lugar, contrário à essência do próprio regime democrático.

Por outro lado, a participação de pessoas jurídicas só encarece o processo eleitoral, sem oferecer, como contrapartida, a melhora e o aperfeiçoamento do debate.

Ao vertiginoso aumento dos custos de campanhas não se segue o aprimoramento do processo político, com a pretendida veiculação de ideias e de projetos pelos can-didatos. Pelo contrário, essa elevação dos custos possui uma justificativa pragmática, mas verdadeira: os candidatos que despendem maiores recursos em suas campanhas possuem maiores chances de êxito nas eleições.

Considerando-se que existe uma correlação de quase 100% entre a quantidade de dinheiro empregada na campanha eleitoral e os votos amealhados pelos candidatos4, conclui-se que há irrefragável dependência de partidos políticos e candidatos com relação ao capital dessas empresas.5

ADI 4.650rel. min. Luiz Fux

PlenárioDJE de 24-2-2016Informativo STF 799

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Diversamente do alegado nas informações prestadas6, a doação por pessoas jurídicas consubstancia, sim, fator de desequilíbrio nos certames eleitorais. Os limites máximos previstos na legislação, em vez de inibir, estimulam que as maiores empresas façam maiores doações.

Dessa forma, não se mostra salutar, à luz dos princípios democrático e republica-no, a manutenção de um modelo como esse, que permite a captura do político pelos titulares do poder econômico.

Não bastasse isso, outra consequência da adoção desse modelo é que o peso político atribuído à participação de uma pessoa jurídica variará de acordo com a sua renda. Quanto maior o poderio econômico da empresa doadora maior será a sua capacidade de influenciar decisivamente no resultado das eleições, o que induziria à indesejada “plutocratização” da política brasileira.7

Além disso, a excessiva penetração do poder econômico no processo político com-promete esse estado ideal de coisas, na medida em que privilegia alguns poucos can-didatos que possuem ligações com os grandes doadores em detrimento dos demais.

Trata-se de um arranjo que desequilibra, no momento da competição eleitoral, a igualdade política entre os candidatos, repercutindo, consequentemente, na formação das bancadas representativas.

O quadro empírico também demonstra a situação descrita, uma vez que, examinando as informações acerca dos principais doadores de campanhas no País, eliminam-se quais-quer dúvidas quanto à ausência de perfil ideológico das doações por empresas privadas.

Da lista com as dez empresas que mais contribuíram para as eleições gerais em 2010, a metade realizou doações para os dois principais candidatos à Presidência e suas respectivas agremiações. O que se verifica, assim, é que uma mesma empresa contribui para a campanha dos principais candidatos em disputa e para mais de um partido político, razão pela qual a doação por pessoas jurídicas não pode ser concebida, ao menos em termos gerais, como um corolário da liberdade de expressão.8

A práxis, antes de refletir as preferências políticas, denota um agir estratégico destes grandes doadores que visam a estreitar suas relações com o poder público, de forma não republicana.9

Deve-se considerar também a inconstitucionalidade dos critérios de doação a cam-panhas por pessoas jurídicas sob o enfoque da isonomia entre pessoas jurídicas.

A Lei das Eleições (Lei 9.504/1997), em seu art. 2410, não estende tal faculdade a toda e qualquer espécie de pessoa jurídica.

Em verdade, o preceito estabeleceu um rol de entidades que não podem realizar

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doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro a candidatos e a partidos políticos. Proscreveu, por exemplo, contribuições por associações de classe e sindicais, bem como por entidades integrantes do denominado terceiro setor.

E como resultado dessa vedação, as empresas privadas, cuja esmagadora maioria se destina à atividade lucrativa, são as protagonistas entre as pessoas jurídicas em detrimento das entidades sem fins lucrativos e dos sindicatos.

Com efeito, ao vedar que associações civis sem fins lucrativos e entidades sindicais realizem doações, a legislação eleitoral cria, sem qualquer fundamento constitucional, desequiparação entre pessoas jurídicas, razão por que a violação à isonomia é manifesta.

O princípio geral de igualdade, encartado no art. 5º, caput, da Constituição Federal, se afigura como limite material, e não apenas formal, ao legislador. Ele impõe que exista uma razão constitucional suficiente que justifique a diferenciação, bem como reclama a necessidade de que esse tratamento diferenciado guarde pertinência com a causa jurídica distintiva.11

Na realidade, não existem princípios contrapostos que demonstrem a autorização de doações a campanhas por parte de empresas, mas que não franqueiem similar possibilidade às entidades sindicais.

A mesma racionalidade pode ser estendida à proibição de doações por entidades não governamentais que recebam recursos públicos, prevista no art. 24, X, da Lei 9.504/1997.

Se as empresas privadas que contratam com o governo não apenas podem doar como também figuram entre os maiores doadores, é inelutável que entidades não governamentais também devem poder realizar doações a campanhas políticas. Daí por que, se a mens legislatoris do art. 24, X, da Lei 9.504/1997 quis impedir a formação de pactos antirrepublicanos entre associações que recebem recursos governamentais com o poder público, a permissão de doações por empresas privadas colide frontalmente com a sua finalidade subjacente.

Trata-se, destarte, de critérios injustificáveis que, além de não promover quaisquer valores constitucionais, deturpam a própria noção de cidadania e de igualdade entre as pessoas jurídicas.

Em virtude disso, são inconstitucionais:a) o art. 24 da Lei 9.504/199712, na parte em que autoriza, contrario sensu, a doação

por pessoas jurídicas a campanhas eleitorais;b) o art. 24, parágrafo único13 e 14, e o art. 81, caput e § 1º, da Lei 9.504/199715;c) o art. 31 da Lei 9.096/199516, na parte em que autoriza, contrario sensu, a reali-

zação de doações por pessoas jurídicas a partidos políticos.

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d) as expressões “ou pessoa jurídica”, constante no art. 38, III17, e “e jurídicas”, inserta no art. 39, caput e § 5º, todos os preceitos da Lei 9.096/199518.

As contribuições de pessoas físicas regulam-se de acordo com a lei em vigor.

Os critérios normativos vigentes relativos à doação a campanhas eleitorais feitas por pessoas naturais bem como o uso próprio de recursos pelos próprios candidatos não vulneram os princípios fundamentais democrático, republicano e da igualdade política.

Diante disso, foi reconhecida a constitucionalidade do art. 23, § 1º, I e II, da Lei 9.504/199719 e do art. 39, § 5º, da Lei 9.096/199520.

Ademais, não foram modulados os efeitos da decisão, uma vez que não se alcançou o quorum exigido pelo art. 27 da Lei 9.868/199921.

Consequentemente, a decisão aplica-se às eleições de 2016 e às seguintes, a partir da sessão de julgamento, independentemente da publicação do acórdão.

Por outro lado, mostra-se também desnecessário proceder à modulação, porquanto as doações feitas por pessoas jurídicas em eleições passadas já se exauriram no tempo.

1 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 347.

2 “Com invulgar felicidade, o professor titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universi-dade do Estado do Rio de Janeiro Gustavo Tepedino preleciona: ‘as pessoas jurídicas são sujeitos de direitos (...) dotadas de capacidade de direito e de capacidade postulatória, no plano processual (...). Todavia, a fundamentação constitucional dos direitos da personalidade, no âmbito dos direitos

humanos, e a elevação da pessoa humana ao valor máximo do ordenamento não deixam dúvidas sobre a preponderância do interesse que a ela se refere, e sobre a distinta natureza dos direitos

que têm por objeto bens que se irradiam da personalidade humana em relação aos direitos (em regra patrimoniais) da pessoa jurídica, no âmbito da atividade econômica privada’. (...) (TEPE-DINO, Gustavo. A crise de fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do Código Civil de 2002. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). A parte geral no Novo Código Civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. XXVII-XXVIII.).” (Trecho do voto do rel. min. Luiz Fux no presente julgamento – Grifos do original.)

3 “É o que defende o saudoso filósofo norte-americano Ronald Dworkin: as ‘empresas são ficções legais. Elas não têm opiniões próprias para contribuir e direitos para participar com a mesma voz e voto na polí-tica’ (Do original: ‘Corporations are legal fictions. They have no opinions of their own to contribute and no rights to participate with equal voice or vote in politics.’) (DWORKIN. Ronald. The Devastating Decision. In: The New York Tomes Review of Books, 25-2-2010, disponível em: <http://www.public.iastate.edu/~jwcwolf/Law/DworkinCitizensUnited.pdf>.” (Trecho do voto do rel. min. Luiz Fux no presente julgamento.)

4 “(...) como restou demonstrado pelo professor e cientista político Geraldo Tadeu, na Audiência Pública (...).” (Trecho do voto do rel. min. Luiz Fux no presente julgamento.)

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5 “Este cenário se agrava quando se constata que as pessoas jurídicas, nomeadamente as empresas privadas, são as principais doadoras para candidatos e partidos políticos. Deveras, as pessoas jurídicas são as grandes protagonistas no financiamento das campanhas eleitorais, respondendo pela absoluta maioria das doações. E os dados a este respeito são bastante eloquentes. De acordo com a substan-ciosa petição apresentada pela entidade Clínica de Direitos Fundamentais da prestigiada Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Clínica UERJ Direitos, nas eleições de 2012, por exemplo, as pessoas naturais doaram pouco menos de 5% dos recursos. Mesmo entre as pessoas jurídicas existe uma forte concentração entre os principais doadores. No pleito de 2010, por exem-plo, apenas 1% dos doadores, o equivalente a 191 empresas, foi responsável por 61% do montante doado. Não bastasse, os dez principais financiadores – em geral construtoras, bancos e indústria – contribuíram com aproximadamente 22% do total arrecadado (Fonte: Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e Transparency International, em estudo intitulado A responsabilidade das empresas no processo eleitoral, 2012, p. 34). Diante desse quadro empírico, não é difícil constatar que um número restrito de pessoas jurídicas – aproximadamente 20 mil empresas, o que corresponde a menos de 0,5% do total de empresas brasileiras, segundo informações do IBGE – financia as campa-nhas políticas no Brasil.” (Trecho do voto do rel. min. Luiz Fux no presente julgamento.)

6 “(...) [pela] Presidência da República, por intermédio da Consultoria-Geral do Ministério da Justiça e da Consultoria-Geral da União (...).” (Trecho do voto do rel. min. Luiz Fux no presente julgamento.)

7 “Em alentado estudo sobre o tema, o cientista político norte-americano David Samuels afirma que a competitividade dos candidatos na disputa eleitoral (i.e., o sucesso ou o fracasso) é diretamente proporcional aos gastos feitos nas campanhas (SAMUELS, David. Pork barrelling is not credit claiming or advertising: campaign finance and the sources of the personal vote in Brazil. The Journal of Politics, 64 (3): 845-63, 2002). A esse respeito, a metáfora criada pelo professor da King’s College London Keith D. Ewing, citada por Marcin Walecki, ilustra bem como deve ser compreendida a competição eleitoral em um cenário de penetração irrestrita do poder econômico no processo eleitoral: seria o mesmo que convidar duas pessoas para participar de uma corrida de automóveis, em que uma delas disputará a competição com uma bicicleta e a outra com um carro esportivo (EWING, Keith D. Ewing. Money, Politics and Law. Oxford: Oxford University Press, 1992; WALECKI, Marcin. Politi-cal, Money and Corruption. In: International Foundation for Election Systems (IFES). Political Finance White Paper Series, p. 7).” (Trecho do voto do rel. min. Luiz Fux no presente julgamento.)

8 “Há, porém, um complicador no ponto: consiste em saber se há algum interesse constitucional contraposto que, a um só tempo, autorize a doação por pessoas jurídicas e justifique essa proteção insuficiente aos princípios democrático e republicano? Ou, como sustentam os defensores do modelo, o âmbito de proteção da liberdade de expressão abarca um direito fundamental das pessoas jurídicas realizarem doações em campanhas? Mais uma vez, a resposta é desenganadamente negativa.” (Trecho do voto do rel. min. Luiz Fux no presente julgamento.)

9 “Além disso, e como destacou Daniel Sarmento e Aline Osório, esse pragmatismo empresarial ob-jetiva também evitar ‘represálias políticas’, que podem acarretar a perda de concessões e benefícios concedidos pelo Estado. Nesse sentido, os dois juristas, reportando-se ao estudo ‘Corrupção no Brasil: A perspectiva do setor privado’, sustentam ‘que mais de 25% das empresas entrevistadas alegaram terem sido coagidas a fazerem doações a campanhas e, destas, a metade relatou terem sido prome-tidos favores em troca da contribuição’. (SARMENTO, Daniel; OSÓRIO, Aline. Eleições, dinheiro e

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democracia: a ADI 4.650 e o modelo brasileiro de financiamento de campanhas eleitorais, 2013. p. 5; ver também ABRAMO, Claudio Weber. Corrupção no Brasil: A perspectiva do setor privado, 2003. Transparência Brasil, 2004).” (Trecho do voto do rel. min. Luiz Fux no presente julgamento.)

10 Lei 9.504/1997: “Art. 24. É vedado, a partido e candidato, receber direta ou indiretamente doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de: I – entidade ou governo estrangeiro; II – órgão da administração pública direta e indireta ou funda-ção mantida com recursos provenientes do Poder Público; III – concessionário ou permissionário de serviço público; IV – entidade de direito privado que receba, na condição de beneficiária, contribuição compulsória em virtude de disposição legal; V – entidade de utilidade pública; VI – entidade de classe ou sindical; VII – pessoa jurídica sem fins lucrativos que receba recursos do exterior. VIII – entidades beneficentes e religiosas; IX – entidades esportivas; X – organizações não governamentais que recebam recursos públicos; XI – organizações da sociedade civil de interesse público. XII – (VETADO).”

11 “Como bem explica Robert Alexy, ‘a assimetria entre a norma de tratamento igual e a norma de tratamento desigual tem como consequência a possibilidade de compreender o enunciado legal de igualdade como um princípio de igualdade, que prima facie exige tratamento igual e que permite um tratamento desigual apenas se isso for justificado por princípios contrapostos’ (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008). No caso, porém, ocorre justamente o oposto: se o telos que orienta a norma proibitiva for evitar o surgimento de relações promíscuas entre as referidas entidades e o sistema político, deveria a fortiori ser proscrita qualquer doação por empresas privadas.” (Trecho do voto do rel. min. Luiz Fux no presente julgamento.)

12 Lei 9.504/1997: “Art. 24. É vedado, a partido e candidato, receber direta ou indiretamente doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de: I – entidade ou governo estrangeiro; II – órgão da administração pública direta e indireta ou funda-ção mantida com recursos provenientes do Poder Público; III – concessionário ou permissionário de serviço público; IV – entidade de direito privado que receba, na condição de beneficiária, contribuição compulsória em virtude de disposição legal; V – entidade de utilidade pública; VI – entidade de classe ou sindical; VII – pessoa jurídica sem fins lucrativos que receba recursos do exterior; VIII – entidades beneficentes e religiosas; IX – entidades esportivas; X – organizações não governamentais que recebam recursos públicos; XI – organizações da sociedade civil de interesse público; XII – (VETADO).”

13 Lei 9.504/1997: “Art. 24. É vedado, a partido e candidato, receber direta ou indiretamente doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, proce-dente de: (...) Parágrafo único. Não se incluem nas vedações de que trata este artigo as cooperativas cujos cooperados não sejam concessionários ou permissionários de serviços públicos, desde que não estejam sendo beneficiadas com recursos públicos, observado o disposto no art. 81. (Incluído pela Lei n. 12.034, de 2009)”

14 Renumerado para art. 24, § 1º, por força do art. 2º da Lei 13.165/2013.

15 Lei 9.504/1997: “Art. 81. As doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais poderão ser feitas a partir do registro dos comitês financeiros dos partidos ou coligações. (Revoga-do pela Lei n. 13.165, de 29-9-2015) § 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição. (Revogado pela Lei n. 13.165, de 29-9-2015)”

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16 Lei 9.096/1995: “Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de pu-blicidade de qualquer espécie, procedente de: I – entidade ou governo estrangeiros; II – autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38; III – autarquias, empresas públicas ou concessionárias de serviços públicos, sociedades de economia mista e fundações instituídas em virtude de lei e para cujos recursos concorram órgãos ou entidades governamentais; IV – entidade de classe ou sindical.”

17 Lei 9.096/1995: “Art. 38. O Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) é constituído por: (...) III – doações de pessoa física ou jurídica, efetuadas por intermédio de depósitos bancários diretamente na conta do Fundo Partidário;”

18 Lei 9.096/1995: “Art. 39. Ressalvado o disposto no art. 31, o partido político pode receber doações de pessoas físicas e jurídicas para constituição de seus fundos. (...) § 5º Em ano eleitoral, os partidos políticos poderão aplicar ou distribuir pelas diversas eleições os recursos financeiros recebidos de pessoas físicas e jurídicas, observando-se o disposto no § 1º do art. 23, no art. 24 e no § 1º do art. 81 da Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997, e os critérios definidos pelos respectivos órgãos de direção e pelas normas estatutárias. (Incluído pela Lei n. 12.034, de 2009).”

19 Lei 9.504/1997: “Art. 23. A partir do registro dos comitês financeiros, pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei. (Redação originária) § 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limita-das: I – no caso de pessoa física, a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição; (Revogado pela Lei n. 13.165, de 29-9-2015) II – no caso em que o candidato utilize recursos próprios, ao valor máximo de gastos estabelecido pelo seu partido, na forma desta Lei. (Revogado pela Lei n. 13.165, de 29-9-2015)”

20 Lei 9.096/1995: “Art. 39. Ressalvado o disposto no art. 31, o partido político pode receber doações de pessoas físicas e jurídicas para constituição de seus fundos. (...) § 5º Em ano eleitoral, os partidos políticos poderão aplicar ou distribuir pelas diversas eleições os recursos financeiros recebidos de pessoas físicas e jurídicas, observando-se o disposto no § 1º do art. 23, no art. 24 e no § 1º do art. 81 da Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997, e os critérios definidos pelos respectivos órgãos de direção e pelas normas estatutárias.”

21 Lei 9.868/1999: “Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.”

INELEGIBILIDADES

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Direito Eleitoral

Ȥ Inelegibilidades

Ȥ Inelegibilidades constitucionais

Ȥ Inelegibilidade reflexa

A vedação ao exercício de três mandatos consecutivos de prefeito pelo mesmo

núcleo familiar1 aplica-se na hipótese em que tenha havido a convocação do

segundo colocado nas eleições para o exercício de mandato-tampão.

Inexiste tratamento diferenciado em relação ao mandato regular, de tal modo que, em virtude da inelegibilidade por parentesco [Constituição Federal (CF), art. 14, §§ 5º e 7º2], descabe o exercício da chefia do Poder Executivo local, pela terceira vez conse-cutiva, por membros integrantes do mesmo grupo familiar.3 e 4

O constituinte revelou-se claramente hostil a práticas ilegítimas que denotem o abuso de poder econômico ou que caracterizem o exercício distorcido do poder po-lítico-administrativo. Sendo assim, buscou proteger a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência, sempre censurável, do poder econômico ou contra o abuso, absolutamente inaceitável, do exercício de função pública. Para isso, definiu situações de inelegibilidade, destinadas a obstar, precisamente, entre as várias hipóteses possíveis, a formação de grupos hegemônicos que, ao monopolizar o acesso aos man-datos eletivos, virtualmente patrimonializam o poder governamental e convertem-no em verdadeira res domestica, uma inadmissível inversão dos postulados republicanos.

As formações oligárquicas constituem grave deformação do processo democrático. A busca do poder não pode limitar-se à esfera reservada de grupos privados, notada-mente de índole familiar, sob pena de frustrar-se o princípio do acesso universal às instâncias governamentais. Além disso, legitimar-se o controle monopolístico do poder por núcleos de pessoas unidas por vínculos de ordem familiar equivaleria a ensejar, em última análise, o domínio do próprio Estado por grupos privados. Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, que a questão do Estado é, por essência, a questão do poder.

A patrimonialização do poder constitui situação de inquestionável anomalia, e a consagração de práticas hegemônicas na esfera institucional do poder político con-duziria o processo de governo a verdadeiro retrocesso histórico, o que constituiria, na perspectiva da atualização e modernização do aparelho de Estado, situação de todo inaceitável.

RE 1.128.439 AgRrel. min. Celso de Mello

2ª TurmaDJE de 14-12-2018Informativo STF 921

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1 RE 158.314, rel. min. Celso de Mello, 1ª T; RE 236.948, rel. min. Octavio Gallotti, P; RE 756.073 AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, 2ª T.

2 CF/1988: “Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: (...) § 5º O Presidente da Repú-blica, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subsequente. (...) § 7º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.”

3 “(...) quem analisa detidamente os princípios que norteiam a Constituição na parte atinente às inele-gibilidades há de convir que sua intenção, no particular, é evitar, entre outras coisas, a perpetuidade de grupos familiares, ou oligarquias, à frente dos executivos.” (Trecho do voto do rel. min. Cordeiro Guerra no julgamento do RE 98.935, P.).

4 “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ELEITORAL. ART. 14, § 7º, DA CONSTITUIÇÃO. CUNHADA DE GOVERNADOR DE ESTADO, CANDIDATA A CARGO ELETIVO MUNICIPAL. INELEGI-BILIDADE. A causa de inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º, da Constituição alcança a cunhada de governador quando concorre a cargo eletivo de Município situado no mesmo Estado. Recurso extraordinário não conhecido.” (RE 171.061, rel. min. Francisco Rezek, P.)

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Direito Eleitoral

Ȥ Inelegibilidades

Ȥ Inelegibilidades constitucionais

Ȥ Inelegibilidade reflexa – Repercussão Geral

O Enunciado 18 da Súmula Vinculante, segundo o qual “a dissolução da socie-

dade ou do vínculo conjugal, no curso do mandato, não afasta a inelegibilidade

prevista no § 7º do artigo 14 da Constituição Federal”, não se aplica aos casos

de extinção do vínculo conjugal pela morte de um dos cônjuges.

O que orientou a edição da Súmula Vinculante 18 e os recentes precedentes do Su-premo Tribunal Federal foi a preocupação de inibir que a dissolução fraudulenta ou simulada de sociedade conjugal seja utilizada como mecanismo de burla à norma da inelegibilidade reflexa prevista no § 7º do art. 14 da Constituição.

RE 758.461 RG – Tema 678rel. min. Teori Zavascki

PlenárioDJE de 30-10-2014Informativo STF 747

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Direito Eleitoral

Ȥ Inelegibilidades

Ȥ Inelegibilidades constitucionais

Ȥ Inelegibilidade reflexa – Repercussão Geral

As hipóteses de inelegibilidade previstas no art. 14, § 7º, da Constituição Fe-

deral (CF)1, inclusive quanto ao prazo de seis meses, são aplicáveis às eleições

suplementares.2 O dispositivo constitucional não prevê qualquer distinção entre

eleições ordinárias e eleições suplementares.

Assim, aplica-se a seguinte norma de hermenêutica do Direito: onde o legislador não distingue não cabe ao intérprete fazê-lo.

O dispositivo constitucional prevê as hipóteses de inelegibilidade reflexa ou indireta, restringindo a capacidade eleitoral passiva. O intuito é impedir a hegemonia política de um mesmo grupo familiar, dando efetividade a preceito básico do regime demo-crático: a alternância no poder.

Trata-se, assim, de hipótese constitucional que busca proteger a normalidade e a legitimidade das eleições contra a apropriação da res publica por núcleos estamentais ou por grupos familiares.

Possui o desiderato ético, político e social de prevenir o apoderamento familiar dos mandatos eletivos, inclusive com utilização indevida da estrutura administrativa.

A busca do poder não pode limitar-se nem restringir-se à esfera reservada de gru-pos privados, sob pena de frustrar-se o princípio do acesso universal às instâncias governamentais.

Por essas razões – e diferentemente do que pode ocorrer com os prazos de desin-compatibilização para a disputa de eleições suplementares –, o art. 14, § 7º, da CF é insuscetível de mitigação em favor dos seus destinatários.

Nesse sentido, o cônjuge do prefeito afastado por irregularidades está impedido

de se candidatar nas eleições suplementares que ocorrerem a menos de seis

meses, contados do afastamento do então titular do cargo.

O afastamento do então titular se deu a menos de seis meses do pleito complementar.

RE 843.455 RG – Tema 781rel. min. Teori Zavascki

PlenárioDJE de 30-10-2014Informativo STF 802

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Assim, incide a inelegibilidade do prazo fixado no § 7º do art. 14 da Constituição, a qual constitui uma condição de fato inalcançável para o cônjuge.

A questão não pode ser vista pelo ângulo da desincompatibilização, uma vez que não se trata de cargo do qual deva o cônjuge, ele próprio, desincompatibilizar-se. A hipótese é de inelegibilidade, e, como tal, deve ser considerada para todos os efeitos.

O cônjuge pode candidatar-se à sucessão quando o titular causador da inele-

gibilidade puder, ele mesmo, candidatar-se à reeleição. No entanto, deve ser

observada a necessidade de afastamento do cargo até seis meses antes do pleito

a fim de não incidir a vedação do art. 14, § 7º, da CF3.

Negar essa possibilidade seria consagrar o paradoxo de impor-se ao cônjuge ou parente do causante da inelegibilidade o que a este não se negou: permanecer todo o tempo do mandato, se candidato à reeleição, ou afastar-se seis meses antes para concorrer a qualquer outro mandato eletivo.

Nas hipóteses em que a reeleição de um dos cônjuges for constitucionalmente autorizada, a inelegibilidade do outro soaria incongruente.

Assim, quem puder se reeleger pode ser sucedido pelo cônjuge; e, diversamente, quem não puder se reeleger não pode ser sucedido por ele.

1 CF/1988: “Art. 14. (...) § 7º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.”

2 Na espécie, o marido da recorrente, então prefeito, teve seu mandato cassado pela Justiça Eleitoral, em razão da prática de abuso do poder econômico. Convocadas eleições suplementares, sua esposa lançou-se candidata e teve indeferido o registro de candidatura em razão do contido no art. 14, § 7º, da Constituição Federal. Neste recurso extraordinário, alegava que, em caso de eleições suple-mentares, os prazos do dispositivo constitucional deveriam ser mitigados. Entretanto, como – no caso – a perda do mandato de prefeito se deu em menos de seis meses do pleito complementar, a desincompatibilização no prazo fixado pelo § 7º do art. 14 da Constituição Federal constituiria uma condição inalcançável para a recorrente, mesmo que ela desejasse. Assim, a questão em análise não diz respeito à desincompatibilização da esposa candidata, já que ela não exerceu o cargo do qual deveria, ela própria, desincompatibilizar-se. A hipótese seria de inelegibilidade e, nessa condição, deveria ser considerada para todos os efeitos.

3 RE 344.882, rel. min. Sepúlveda Pertence, P.

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Direito Eleitoral

Ȥ Inelegibilidades

Ȥ Inelegibilidades infraconstitucionais

Ȥ Lei Complementar (LC) 64/1990 –

Art. 1º, I, g1 – Rejeição de contas

Discussão acerca da valoração de julgamento efetuado pelo Tribunal Superior

Eleitoral (TSE) a respeito de rejeição de contas de candidato, porque depen-

dente da análise de normas infraconstitucionais, configura hipótese de ofensa

meramente reflexa à Constituição.2

A solução da controvérsia depende da análise de normas infraconstitucionais, uma vez que, no caso, a decisão proferida pelo TSE, acerca da eventual elegibilidade do agravante para o pleito eleitoral que estava a disputar, foi fundamentada no exame das circunstâncias assinaladas no acórdão regional, a partir das quais se concluiu pela sanabilidade das irregularidades que ensejaram a rejeição das contas do agravado, o que foi feito, ainda, com supedâneo nas normas do art. 1º, I, g, da LC 64/1990.

1 LC 64/1990: “Art. 1º São inelegíveis: I – para qualquer cargo: (...) g) os que tiverem suas contas rela-tivas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;”

2 RE 160.432, rel. min. Celso de Mello, 1ª T.

AI 747.402 AgRrel. min. Dias Toffoli

1ª TurmaDJE de 19-8-2014Informativo STF 748

PARTIDOS POLÍTICOS

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Direito Eleitoral

Ȥ Partidos políticos

Ȥ Filiação partidária

Ȥ Infidelidade partidária

Há indícios de inconstitucionalidade no art. 22-A da Lei 9.096/1995, introduzido

pela Lei 13.165/2015, que regula a perda de mandato por infidelidade partidária,

no tocante à sua incidência sobre os partidos políticos registrados até a entrada

em vigor da Lei 13.165/2015, quando o prazo de trinta dias para as filiações de

detentores de mandato eletivo ainda estava transcorrendo.

Há forte plausibilidade jurídica no que se refere à violação ao princípio da segurança jurídica e, mais especificamente, ao direito adquirido e às legítimas expectativas das agremiações recém-fundadas.

A proteção da segurança jurídica designa um conjunto abrangente de ideias e con-teúdos, que está positivado em diversos dispositivos da Constituição de 1988, como os que preveem o direito à segurança [Constituição Federal (CF), art. 5º, caput] e a prote-ção ao direito adquirido, à coisa julgada e ao ato jurídico perfeito (CF, art. 5º, XXXVI).

Do ponto de vista objetivo, ela se refere (i) à anterioridade das normas jurídicas em relação às situações às quais se dirigem; (ii) à estabilidade do Direito, que deve ter como traço geral a permanência e continuidade das normas; e (iii) à não retroati-vidade das leis, que não deverão produzir efeitos retrospectivos para colher direitos subjetivos constituídos.

Já do ponto de vista subjetivo, a segurança jurídica refere-se à proteção da con-fiança relativamente aos atos do poder público, tendo como corolário a tutela das expectativas legítimas.

A cláusula do direito adquirido constitui conteúdo elementar do direito à segurança jurídica. Ela veicula a proibição de que nova norma se aplique a direitos constituídos pela concretização dos requisitos necessários ao seu surgimento, regidos pela nor-ma anteriormente vigente. Em outras palavras, eventuais alterações legislativas não podem pretender desconstituir um direito subjetivo cujo ciclo aquisitivo já tenha se consumado, integrando-se ao patrimônio de seu titular.

No caso, a incidência do art. 22-A sobre situações jurídicas pendentes de partidos políticos recém-criados parece violar o direito adquirido dessas legendas.1 Há, aqui,

ADI 5.398 MC-REFrel. min. Roberto Barroso

PlenárioDJE de 20-11-2018Informativo STF 901

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uma questão de direito intertemporal, relativa ao conflito de leis no tempo. Se, por ocasião da edição do dispositivo impugnado, já tivesse sido consumado o registro do estatuto partidário de diversos partidos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), teria surgido o direito de receberem em seus quadros detentores de mandato eletivo, ao abrigo da justa causa então vigente. Tal direito não poderia ser desconsiderado por eventual alteração legislativa.

Assim, em razão da ausência de disposições transitórias para regular as situações jurídicas pendentes, a possibilidade de aplicação da Lei 13.165/2015 a esses partidos, quando ainda em curso o prazo de trinta dias para filiações de detentores de mandato eletivo, constitui uma indevida retroatividade da lei, para alcançar direitos constituídos de acordo com a disciplina normativa anterior.

Muito embora não exista direito adquirido a regime jurídico nem direito à perma-nência indefinida de uma mesma disciplina normativa sobre determinada matéria2, tal circunstância não impede que direitos sejam adquiridos na constância de um dado regime jurídico ou que alterações futuras possam atingir situações constituídas ante-riormente de forma ilimitada. Há, por óbvio, direitos que devem ser conservados em face de mudanças normativas. Mais do que isso, ainda que não se pudesse caracterizar cabalmente a existência de um direito adquirido neste caso, seria necessário proteger as situações estabilizadas pela previsão normativa anterior, assegurando-se uma transição razoável, em respeito às legítimas expectativas geradas nas novas agremiações e nos parlamentares em vias de se filiarem a elas.

A proteção das legítimas expectativas3 criadas em particulares por atos do próprio poder público decorre da obrigação estatal de agir com boa-fé. Trata-se, logicamente, de uma exigência do Estado Democrático de Direito. A boa-fé demanda que as autori-dades públicas protejam a confiança e as legítimas expectativas suscitadas, até mesmo diante de alterações legislativas posteriores, sempre que estas estejam fortemente amparadas em comportamentos objetivos do Estado.

Portanto, ainda que não se queira identificar um direito adquirido na hipótese, a incidência do art. 22-A sobre os partidos políticos registrados no TSE imediatamente antes da entrada em vigor da Lei 13.165/2015 violou a legítima expectativa dessas agremiações e dos detentores de mandato eletivo.

Além da forte plausibilidade jurídica do direito invocado, por violação ao princípio da segurança jurídica, o perigo na demora está igualmente configurado.

Com efeito, ao não incluir no rol de “justas causas” para desfiliação a “criação de novo partido”, o art. 22-A inviabilizou a imediata migração de parlamentares eleitos

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às agremiações recém-fundadas. Com isso, o dispositivo impugnado estabeleceu obs-táculos ao desenvolvimento e fortalecimento das novas agremiações. Em primeiro lugar, porque impedir a filiação desses parlamentares aos novos partidos4 sem perda de cargo inviabilizaria que tais agremiações tivessem, desde logo, direito à realização de propaganda partidária e à maior participação na distribuição do fundo partidário e do horário de propaganda eleitoral gratuita5 para as eleições municipais de 2016. Em segundo lugar, porque a nova norma causava embaraço ao funcionamento parla-mentar dos novos partidos, na medida em que, somente com a migração de parlamen-tares, as legendas recém-criadas poderiam obter, desde sua criação, funcionamento parlamentar, i.e., o direito de se fazer representar nas casas legislativas, de se organizar em bancadas, sob a direção de um líder, e de participar das suas diversas instâncias.6

1 “Na data em que a Lei 13.165 foi editada, em 29-9-2015, 3 (três) novos partidos haviam sido registra-dos no Tribunal Superior Eleitoral, de modo que estavam correndo seus prazos de 30 dias para que recebessem parlamentares detentores de mandato eletivo, ao abrigo da justa causa de desfiliação, conforme fixado pelo TSE na Resolução 22.610/2007 e na Consulta 755-35. São eles: (i) o Partido Novo (registrado no TSE em 15-9-2015), (ii) a Rede Sustentabilidade (registrada no TSE em 22-9-2015), e (iii) o Partido da Mulher Brasileira (registrado no TSE em 29-9-2015). Tome-se de forma exemplificativa o caso da Rede Sustentabilidade. A legenda obteve registro no TSE em 22-9-2015. Cumprido este requisito, nos termos da Consulta TSE 755-35, o partido teria 30 dias – ou seja, até 22-10-2015 – para receber filiados detentores de mandatos eletivos, sem que estes perdessem o cargo. Todavia, quando alcançou o 7º dia do prazo, a Lei 13.165/2015 entrou em vigor, excluindo a possibili-dade de imediata migração de parlamentares amparada pela justa causa de ‘criação de novo partido’. Passou, assim, a sujeitar os que mudassem de partido à perda de mandato eletivo por infidelidade partidária. Como é intuitivo, tal alteração inibiu novas filiações e a obtenção de representatividade pela nova agremiação.” (Trecho do voto do rel. min. Roberto Barroso no presente julgamento.)

2 ADC 29, rel. min. Luiz Fux, P; ADC 30, rel. min. Luiz Fux, P; ADI 4.578, rel. min. Luiz Fux, P.

3 “Na situação em análise, referida expectativa legítima foi gerada nos partidos novos não apenas pelas manifestações do TSE, na Resolução 22.610, de 2007, e na Consulta 755-35, de 2011, mas também por sucessivos pronunciamentos do STF, que implícita ou explicitamente assentaram que a migração a legendas recém-criadas constituía justa causa para desfiliação.” (Trecho do voto do rel. min. Roberto Barroso no presente julgamento.)

4 ADI 4.430, rel. min. Dias Toffoli, P; ADI 4.795 MC, rel. min. Dias Toffoli, P.

5 Lei 9.504/1997: “Art. 47. As emissoras de rádio e de televisão e os canais de televisão por assinatura mencionados no art. 57 reservarão, nos trinta e cinco dias anteriores à antevéspera das eleições, horário destinado à divulgação, em rede, da propaganda eleitoral gratuita, na forma estabelecida neste artigo. (...) § 2º Os horários reservados à propaganda de cada eleição, nos termos do § 1º, serão distribuídos entre todos os partidos e coligações que tenham candidato, observados os seguintes

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critérios: I – 90% (noventa por cento) distribuídos proporcionalmente ao número de representantes na Câmara dos Deputados, considerados, no caso de coligação para eleições majoritárias, o resulta-do da soma do número de representantes dos seis maiores partidos que a integrem e, nos casos de coligações para eleições proporcionais, o resultado da soma do número de representantes de todos os partidos que a integrem; II – 10% (dez por cento) distribuídos igualitariamente.”

6 Art. 49 da Lei 9.096/1995, aplicável aos partidos recém-criados, por força do Acórdão do TSE de 6-11-2012, na Propaganda Partidária 1.458.

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Direito Eleitoral

Ȥ Partidos políticos

Ȥ Filiação partidária

Ȥ Infidelidade partidária

A perda do mandato em razão de mudança de partido não se aplica aos candi-

datos eleitos pelo sistema majoritário.

A dinâmica do sistema majoritário, adotado para a eleição de presidente, governador, prefeito e senador, é diversa da que ocorre no sistema proporcional.1 As características daquele2, com ênfase na figura do candidato, fazem com que a perda do mandato, no caso de mudança de partido, frustre a vontade do eleitor e vulnere a soberania popular [Constituição Federal (CF), arts. 1º, parágrafo único, e 14, caput].

Como a regra aplicável é a da maioria de votos e não a do quociente eleitoral, o candidato eleito é o mais bem votado. Logo, não é necessário impor a fidelidade par-tidária como medida para preservar a vontade do eleitor.

Nesse sentido, no sistema majoritário, a imposição da perda do mandato por infi-delidade partidária é antagônica à soberania popular, uma vez que nos pleitos dessa natureza os eleitores votam em candidatos e não em partidos (CF, art. 77, § 2º).

Foi declarada, portanto, a inconstitucionalidade do termo “ou vice” constante do art. 1.032 e da expressão “e, após 16 (dezesseis) de outubro corrente, quanto a eleitos pelo sistema majoritário” constante do art. 1.333, ambos da Resolução 22.610/2007 do Tribunal Superior Eleitoral.

Por outro lado, o termo “suplente” constante do citado art. 10 recebeu interpre-tação conforme à Constituição, com a finalidade de excluir do seu alcance os cargos do sistema majoritário.

1 O sistema proporcional, adotado para eleição de vereador, deputado estadual e deputado federal, contempla os partidos políticos. O número de cadeiras que cada um deles tem na Casa Legislativa está relacionado à votação obtida na circunscrição. No sistema de lista aberta, em vigor no Brasil, o eleitor escolhe um candidato do partido, sem ordem predeterminada. A ordem das cadeiras é ditada pela votação que os candidatos, individualmente, obtenham. Porém, o sucesso individual depende impreterivelmente da quantidade de votos recebida pelo partido a que seja filiado (quociente parti-dário). Esse sistema apresenta várias disfunções, tais como o custo elevado de campanha e o fato de cerca de apenas 7% dos candidatos serem eleitos. A Constituição optou por desenho institucional que

ADI 5.081rel. min. Roberto Barroso

PlenárioDJE de 19-8-2015Informativo STF 787

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fortalecesse os partidos políticos, inclusive mediante a criação do fundo partidário e da garantia do acesso gratuito ao rádio e à televisão (CF, art. 17, § 3º). Esse cenário, somado à possibilidade de criação de coligações nas eleições proporcionais, permite que partidos sem densidade mínima para atingir o quociente eleitoral consigam representatividade. Assim, há multiplicidade de partidos, a destacar as chamadas “legendas de aluguel”, existentes somente para obter dinheiro do fundo partidário e acesso aos meios de comunicação. A política fica afastada do interesse público e se torna negócio privado. Nesse contexto, surgiu a tradição de infidelidade partidária, a culminar em posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema (MS 26.602, rel. min. Eros Grau, P; MS 26.603, rel. min. Celso de Mello; e MS 26.604, rel. min. Cármen Lúcia, P).

2 O sistema majoritário, utilizado para eleição de prefeito, governador, senador e presidente da Repú-blica, contempla o candidato que obtiver o maior número de votos. A votação dos demais candidatos é desconsiderada.

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Direito Eleitoral

Ȥ Partidos políticos

Ȥ Fundo partidário

Ȥ Quota eleitoral de gênero

O art. 9º da Lei 13.165/20151 recebeu interpretação conforme à Constituição

Federal (CF) no sentido de que:

a) Ao patamar legal mínimo de candidaturas femininas (hoje o do art. 10, § 3º,

da Lei 9.504/19972, isto é, ao menos 30% de cidadãs) deve ser equiparado o

mínimo de recursos do Fundo Partidário a lhes serem destinados, que deve

ser interpretado como também de 30% do montante do fundo alocado a cada

partido, para eleições majoritárias e proporcionais; e

b) Havendo percentual mais elevado de candidaturas femininas, o mínimo de

recursos globais do partido destinados a campanhas lhes seja alocado na

mesma proporção.

Inexistem justificativas razoáveis ou racionais para a diferença na distribuição de re-cursos do Fundo Partidário destinados ao financiamento das campanhas eleitorais voltadas a candidaturas de mulheres, tal qual previsto no dispositivo.

Com efeito, a prevalecer o comando impugnado, o estabelecimento de um piso de 5% significaria, na prática, que, na distribuição dos recursos públicos que a agremiação partidária deve destinar às candidaturas, os homens poderiam receber no máximo 95%. No entanto, caso se optasse por fixar a distribuição máxima às candidaturas de mulheres, apenas 15% do total de recursos do fundo poderiam ser-lhes destinados, hipótese em que os recursos reservados às candidaturas masculinas seriam de 85%.

Em virtude do princípio da igualdade, o partido político não pode criar distinções na distribuição desses recursos exclusivamente baseadas no gênero. A autonomia par-tidária não consagra regra que exima o partido do respeito incondicional aos direitos fundamentais. Noutras palavras, a autonomia partidária não justifica o tratamento discriminatório entre as candidaturas de homens e mulheres, pois o art. 17 da CF3 dispõe ser livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, “res-guardados os direitos fundamentais da pessoa humana”.

Da mesma forma, é certo que, enquanto pessoas jurídicas de direito privado, con-forme preceitua o art. 44, V, do Código Civil (CC)4, aplicam-se aos partidos políticos

ADI 5.617rel. min. Edson Fachin

PlenárioDJE de 3-10-2018Informativo STF 894

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não só a garantia da plena autonomia, nos termos do art. 17, § 1º, da CF5, mas também a própria liberdade de associação livre da interferência estatal (CF, art. 5º, XVIII6).

Entretanto, o respeito à igualdade não é obrigação cuja previsão somente se aplica à esfera pública. Incide, aqui, a ideia de eficácia horizontal dos direitos fundamentais, sendo importante reconhecer que é precisamente nesta artificiosa segmentação entre o público e o privado que reside a principal forma de discriminação às mulheres.7

Finalmente, descabe argumentar que a disposição dos recursos destinados às cam-panhas de mulheres da forma como prevista na norma impugnada revelariam o “con-senso possível”. Em caso de proteção deficiente de direitos fundamentais, a liberdade de conformação do legislador é reduzida, incumbindo ao Judiciário zelar pela sua efetiva promoção. Nessa perspectiva, a inexistência de consenso revela não um limite à atuação do legislador, mas uma omissão inconstitucional, na medida em que priva as candidaturas de mulheres dos recursos públicos que irão custear suas aspirações políticas de ocupar uma posição democraticamente representativa, apenas pelo fato de serem mulheres.

Da mesma forma, não cabe sustentar que o percentual de candidaturas para as mu-lheres limita-se a reconhecer uma igualdade de oportunidades, no sentido de garantir iguais condições a partir de uma posição inicial, nomeadamente as candidaturas. Vale ressaltar, nesse aspecto, a “igualdade transformativa”, prevista no Comentário Geral 25 do Comitê para Eliminação da Discriminação contra a Mulher8.

São inconstitucionais, por arrastamento, o § 5º-A9 e o § 7º10 do art. 44 da Lei

9.096/1995, os quais, em tese, conferia discricionariedade, quer às agremiações

partidárias, quer às secretarias da mulher, para autorizar-lhes a utilizar os re-

cursos destinados à promoção e difusão da participação política das mulheres

em suas campanhas.

A utilização dos recursos destinados à promoção e difusão da participação política das mulheres em suas campanhas é, na verdade, uma obrigação que não está no âmbito da discricionariedade dos partidos políticos.

É preciso reconhecer que ao lado do direito a votar e ser votado, como parte subs-tancial do conteúdo democrático, a completude é alcançada quando são levados a efeito os meios à realização da igualdade. Só assim a democracia se mostra inteira. Caso contrário, a letra constitucional apenas alimentará o indesejado simbolismo das intenções que nunca se concretizam no plano das realidades. A participação das mulhe-

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res nos espaços políticos é um imperativo do Estado e produz impactos significativos para o funcionamento do campo político, uma vez que a ampliação da participação pública feminina permite equacionar as medidas destinadas ao atendimento das de-mandas sociais das mulheres.

Não se pode deixar de reconhecer que a presença reduzida de mulheres na vida política brasileira “colabora para a reprodução de concepções convencionais do ‘femi-nino’, que vinculam as mulheres à esfera privada e/ou dão sentido a sua atuação na esfera pública a partir do seu papel convencional na vida doméstica” e “coloca água no moinho da reprodução de posições subordinadas para as mulheres e da naturalização das desigualdades de gênero”.11 “Precisamos de uma nova forma de pensar sobre as representações legais que desafiem os estereótipos de gênero que estão por trás dos abusos de direitos humanos baseados no gênero.”12 Daí por que a atuação dos parti-dos políticos não pode, sob pena de ofensa às suas obrigações transformativas, deixar de se dedicar também à promoção e à difusão da participação política das mulheres.

É inconstitucional a expressão “três” contida no art. 9º da Lei 13.165/201513.

O critério de distribuição de recursos oriundos do Fundo Partidário deve obedecer à composição das candidaturas e deflui diretamente da cota fixada no art. 10, § 3º, da Lei de Eleições.

Ademais, embora a legitimidade das políticas afirmativas dependa de seu caráter temporário14, a distribuição não discriminatória dos recursos deve perdurar enquanto for justificada a composição mínima das candidaturas. Na hipótese, a temporariedade recai sob as cotas de candidaturas, não sob a distribuição de recursos que não está sujeita ao tratamento discriminatório.

1 Lei 13.165/2015: “Art. 9o Nas três eleições que se seguirem à publicação desta Lei, os partidos reser-varão, em contas bancárias específicas para este fim, no mínimo 5% (cinco por cento) e no máximo 15% (quinze por cento) do montante do Fundo Partidário destinado ao financiamento das campanhas eleitorais para aplicação nas campanhas de suas candidatas, incluídos nesse valor os recursos a que se refere o inciso V do art. 44 da Lei n. 9.096, de 19 de setembro de 1995.”

2 Lei 9.504/1997: “Art. 10. Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher, salvo: (...) § 3º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.”

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3 CF/1988: “Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos: I – caráter nacional; II – proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes; III – prestação de contas à Justiça Eleitoral; IV – funcionamento parlamentar de acordo com a lei.”

4 CC: “Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: (...) V – os partidos políticos.”

5 CF/1988: “Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos: (...) § 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.”

6 CF/1988: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XVIII – a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;”

7 “As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. (...) A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de trans-gredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais.” (RE 201.819, red. p/ o ac. min Gilmar Mendes, 2ª T.)

8 “7. Primeiramente, as obrigações dos Estados-partes são garantir que não haja discriminação direta ou indireta contra as mulheres nas suas leis e que as mulheres sejam protegidas contra a discriminação – praticada por autoridades públicas, o judiciário, organizações, empresas e entidades privadas – nas esferas públicas ou privadas pelos tribunais competentes assim como sanções e outros remédios. Em segundo lugar, a obrigação dos Estados-partes é a de melhorar a posição de fato das mulheres por meio de políticas concretas e eficazes. Em terceiro lugar, a obrigação dos Estados-partes é a de enfrentar

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as relações prevalentes de gênero e a persistência de estereótipos baseados no gênero que atingem as mulheres não apenas por meio de atos individuais por indivíduos, mas também por meio da lei, e das estruturas legais e sociais e das instituições. 8. Na visão do Comitê, uma atuação puramente legal e forma ou programática não é suficiente para atingir a igualdade de fato entre homens e mulheres, a qual o Comitê interpreta como igualdade material. Além disso, a Convenção exige que as mulheres te-nham garantidas iguais oportunidades e que elas sejam empoderadas por um ambiente que as permita alcançar a igualdade de resultados. Não é suficiente garantir às mulheres tratamento que é idêntico ao dos homens. Ao contrário, diferenças biológicas e as que são social e culturalmente construídas entre homens e mulheres devem ser levadas em conta. Em certas circunstâncias, tratamento não idêntico de mulheres e de homens será exigido para resolver tais diferenças. O objetivo de alcançar a igualdade material também convoca uma estratégia efetiva para superar a sub-representação das mulheres e a redistribuição de recursos e poderes entre homens e mulheres. 9. A igualdade de resultados é o co-rolário lógico da igualdade de fato ou material. Esses resultados podem ser de natureza quantitativa ou qualitativa; ou seja, mulheres gozando de seus direitos em vários campos em número e de forma igualmente justa em relação aos homens, gozando de mesmos padrões remuneratórios, igualdade na tomada de decisões e na influência política, e mulheres gozando de liberdade contra toda violência. 10. A posição das mulheres não será melhorada enquanto as causas que sustentam a discriminação contra as mulheres, e sua desigualdade, não forem efetivamente enfrentadas. As vidas das mulheres e dos homens devem ser consideradas em seu contexto, e as medidas adotadas para a real transformação de oportunidades, instituições e sistemas a fim de que eles não mais tenham por base os paradigmas masculinos historicamente determinados de poder e de padrões de vida.” (Tradução livre, apud rel. min. Edson Fachin em seu voto, no presente julgamento.)

9 Lei 9.096/1995: “Art. 44. Os recursos oriundos do Fundo Partidário serão aplicados: (...) § 5º-A A critério das agremiações partidárias, os recursos a que se refere o inciso V poderão ser acumulados em diferentes exercícios financeiros, mantidos em contas bancárias específicas, para utilização futura em campanhas eleitorais de candidatas do partido.”

10 Lei 9.096/1995: “Art. 44. (...) § 7º A critério da secretaria da mulher ou, inexistindo a secretaria, a critério da fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política, os recursos a que se refere o inciso V do caput poderão ser acumulados em diferentes exercícios financeiros, mantidos em contas bancárias específicas, para utilização futura em campanhas eleitorais de candidatas do partido, não se aplicando, neste caso, o disposto no § 5º.”

11 MOTA, Fernanda Ferreira; BIROLI, Flávia. O gênero na política: a construção do “feminino” nas eleições presidenciais de 2010. Cadernos Pagu, n. 43, jul.-dez. 2014, p. 227.

12 OTTO, Dianne. Women’s Rights (22.03.2010). U. of Melbourne Legal Studies Research Paper, n. 459. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.1576229>, tradução livre.

13 Lei 13.165/2015: “Art. 9º Nas três eleições que se seguirem à publicação desta Lei, os partidos reser-varão, em contas bancárias específicas para este fim, no mínimo 5% (cinco por cento) e no máximo 15% (quinze por cento) do montante do Fundo Partidário destinado ao financiamento das campanhas eleitorais para aplicação nas campanhas de suas candidatas, incluídos nesse valor os recursos a que se refere o inciso V do art. 44 da Lei n. 9.096, de 19 de setembro de 1995.”

14 ADPF 186, rel. min. Ricardo Lewandowski, P.

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Direito Eleitoral

Ȥ Partidos políticos

Ȥ Registro

Ȥ Fusão

Para o registro de partido político, é constitucional a exigência de que o apoia-

mento mínimo seja preenchido exclusivamente por eleitores não filiados a par-

tido político.1 e 2

O objetivo da restrição é a garantia de coesão, coerência e substância ao modelo repre-sentativo instrumentalizado pela atuação partidária. Trata-se, portanto, de cidadãos distintos em seu exercício cívico e livres em relação a suas opções políticas.

A limitação criada está em conformidade com o regramento constitucional relativo ao sistema representativo, uma vez que busca o exclusivo efeito de conferência de legitimidade do apoio oferecido à criação de novos partidos políticos.

É constitucional a norma que prevê prazo mínimo de cinco anos – a contar

da constituição do partido – para permitir a fusão entre as siglas partidárias.3

A exigência temporal para se levar a efeito fusões e incorporações entre partidos assegu-ra o atendimento do compromisso do cidadão com a sua opção partidária, o que evita o estelionato eleitoral ou a reviravolta política contra o apoio dos eleitores, então filiados.

Embora esteja garantida no ordenamento jurídico-constitucional a liberdade dos partidos políticos de se articularem, esses devem observar a imperatividade do caráter nacional das agremiações (controle quantitativo) e do cunho democrático de seus programas (controle qualitativo ou ideológico).

A proliferação indiscriminada de partidos sem coerência ou respaldo social importa em risco institucional e conduz ao desalento democrático. Além disso, pode transfor-mar o sadio pluripartidarismo em caos político.

Diante disso, as normas analisadas têm como fundamento a tentativa de incentivar a utilização de mecanismos da democracia representativa, a reforçar a legitimidade e o compromisso do eleitor e do partido no qual se depositou aval.

A Constituição Federal (CF) assegura a liberdade de criação, fusão, extinção e incorpora-ção de partidos políticos, como expressão do princípio democrático e do pluripartidarismo.4

ADI 5.311 MCrel. min. Cármen Lúcia

PlenárioDJE de 4-2-2016Informativo STF 801

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Nada obstante, há agremiações intituladas formalmente como partidos políticos sem qualquer substrato eleitoral. Essas legendas estão habilitadas a receber parcela do fundo partidário e a disputar tempo de televisão sem difundir, contudo, ideias e programas. Elas atuam em deferência a outros interesses partidários, especialmente para obtenção de vantagens particulares para os seus dirigentes.

A disseminação de práticas antidemocráticas que iriam desde a compra e venda de votos ao aluguel de cidadãos e de partidos inteiros deveria ser combatida pelo legisla-dor, sem prejuízo da autonomia partidária.

Há a necessidade de aperfeiçoamento do controle quantitativo e qualitativo dos partidos, o que justifica o advento das normas impugnadas.

Nesse sentido, as normas objurgadas tendem a enfraquecer essa lógica mercantilista e nada republicana de prática política, não havendo se falar em ingerência estatal na autonomia constitucional dos partidos políticos.

1 Decisões proferidas em sede de medida cautelar.

2 Lei 9.096/1995: “Art. 7º O partido político, após adquirir personalidade jurídica na forma da lei civil, registra seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral. § 1º Só é admitido o registro do estatuto de partido político que tenha caráter nacional, considerando-se como tal aquele que comprove o apoiamento de eleitores não filiados a partido político, correspondente a, pelo menos, 0,5% (cinco décimos por cento) dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos em branco e os nulos, distribuídos por um terço, ou mais, dos Estados, com um mínimo de 0,1% (um décimo por cento) do eleitorado que haja votado em cada um deles.”

3 Lei 9.096/1995: “Art. 29. Por decisão de seus órgãos nacionais de deliberação, dois ou mais partidos poderão fundir-se num só ou incorporar-se um ao outro. (...) § 9º Somente será admitida a fusão ou incorporação de partidos políticos que hajam obtido o registro definitivo do Tribunal Superior Eleitoral há, pelo menos, 5 (cinco) anos.”

4 CF/1988: “Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa hu-mana e observados os seguintes preceitos: I – caráter nacional; II – proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes; III – prestação de contas à Justiça Eleitoral; IV – funcionamento parlamentar de acordo com a lei. § 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária. § 2º Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral. § 3º Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei. § 4º É vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar.”

PROPAGANDA POLÍTICA

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Direito Eleitoral

Ȥ Propaganda política

Ȥ Propaganda eleitoral

Ȥ Rádio e televisão

Os candidatos aptos a participar de debate eleitoral não podem deliberar pela

exclusão dos debates de candidatos cuja participação seja facultativa, quando

a emissora tenha optado por convidá-los.

O art. 46, § 5º, da Lei 9.504/19971, com a redação dada pela Lei 13.165/2015, deve ser interpretado restritivamente com o fito de ampliar o debate político e conferir maior densidade democrática ao processo eleitoral. Permitir a exclusão de candidatos convi-dados pela emissora de televisão ou rádio resultaria em evidente conflito de interesses: o poder de decidir sobre a participação de um competidor ficaria nas mãos de seus próprios adversários, que, por óbvio, não têm nenhum estímulo para conceder espaço nos meios de comunicação de massa a quem possa subtrair seus votos e visibilidade.

Em relação à definição dos participantes dos debates, é válida a fixação, por lei, de critério objetivo que conceda a parcela dos candidatos (os “candidatos aptos”) direito subjetivo à participação nos debates, não podendo a emissora de televisão ou de rádio a ele se opor, ainda que com a concordância de outros candidatos.

O critério adotado pela legislação brasileira, tal como interpretado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), assegura a participação nos debates dos candidatos de parti-dos ou coligações que tenham representatividade mínima de dez deputados federais. Trata-se de critério razoável, que é coerente com as normas relativas à propaganda eleitoral vigentes no País e que cumpre as finalidades constitucionais acima citadas.

Todavia, o legislador não fechou as portas do debate político a candidatos de par-tidos ou coligações que tenham menos de dez deputados federais, tampouco tolheu por completo a liberdade de programação das emissoras de televisão e rádio. Unindo essas duas preocupações, a Lei 9.504/1997 facultou que as emissoras convidem para os debates candidatos com representatividade inferior à exigida na lei. No caso de competidores bem colocados nas pesquisas de intenção de voto, é razoável concluir que as emissoras terão estímulos para promover a sua inclusão, tanto como forma de

ADI 5.487red. p/ o ac. min. Roberto Barroso

ADI 5.488rel. min. Dias Toffoli

PlenárioDJE de 19-12-2017Informativo STF 836 e 837

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aumentar a audiência quanto de garantir a credibilidade do programa. Com efeito, a participação de candidato bem colocado nas pesquisas enriquece o embate de ideias e permite que o programa reflita, com maior fidelidade, as tensões ideológicas presentes no debate público em torno das propostas dos candidatos com maior percentual de intenção de votos.

Essa é a interpretação que já se extraía da legislação eleitoral antes da minirreforma de 2015 e que deve permanecer possível diante do atual cenário normativo. Basta que se confira interpretação conforme à Constituição à nova redação do art. 46, § 5º, da Lei 9.504/1997, dada pela Lei 13.165/2015, no sentido de somente possibilitar que dois terços dos “candidatos aptos” acrescentem novos participantes ao debate – can-didatos que não tenham esse direito assegurado por lei nem tenham sido previamente convidados pela emissora. Além disso, a autonomia da empresa de rádio ou televisão relativamente à convocação de candidatos não enquadrados no critério do caput do art. 46 deve observar critérios objetivos que atendam aos princípios da imparcialidade e da isonomia e o direito à informação, a serem fixados pelo TSE.

1 Lei 9.504/1997: “Art. 46. Independentemente da veiculação de propaganda eleitoral gratuita no horário definido nesta Lei, é facultada a transmissão por emissora de rádio ou televisão de debates sobre as eleições majoritária ou proporcional, assegurada a participação de candidatos dos partidos com representação no Congresso Nacional, de, no mínimo, cinco parlamentares, e facultada a dos demais, observado o seguinte: (...) § 5º Para os debates que se realizarem no primeiro turno das eleições, serão consideradas aprovadas as regras, inclusive as que definam o número de participantes, que obtiverem a concordância de pelo menos 2/3 (dois terços) dos candidatos aptos, no caso de eleição majoritária, e de pelo menos 2/3 (dois terços) dos partidos ou coligações com candidatos aptos, no caso de eleição proporcional.”

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Direito Eleitoral

Ȥ Propaganda política

Ȥ Propaganda eleitoral

Ȥ Rádio e televisão

São constitucionais os incisos I e II do § 2º do art. 47 da Lei 9.504/19971, que dis-

ciplinam a distribuição dos horários reservados à propaganda eleitoral gratuita

nas emissoras de rádio e de televisão e nos canais de televisão por assinatura.

Os incisos I e II do § 2º do art. 47 da Lei 9.504/1997, em consonância com a cláusula de-mocrática e com o sistema proporcional, estabelecem regra de equidade, resguardando o direito de acesso à propaganda eleitoral das minorias partidárias e pondo em situação de benefício não odioso aquelas agremiações mais lastreadas na legitimidade popular. Ademais, ao editar os referidos dispositivos, o legislador se ateve a um padrão equitativo de isonomia, ponderando os aspectos formal e material do princípio da igualdade.2

Não há que se falar em igualdade material entre agremiações partidárias que contam com representantes na Câmara Federal e legendas que, submetidas ao voto popular, não lograram eleger representantes para a Câmara dos Deputados. Assim, não se pode exigir tratamento absolutamente igualitário entre esses partidos, porque eles não são materialmente iguais, quer do ponto de vista jurídico, quer da representação política que têm. Embora iguais no plano da legalidade, não são iguais quanto à legitimidade política.

Apesar disso, é certo que a legislação não pode instituir mecanismos que, na prá-tica, excluam das legendas menores a possibilidade de crescimento e de consolidação no contexto eleitoral, devendo ser assegurado um mínimo razoável de espaço para que esses partidos possam participar e influenciar no pleito eleitoral, propiciando, inclusive, a renovação dos quadros políticos. Dessa perspectiva, o tempo outorgado proporcionalmente à representatividade, embora dividido de forma distinta entre as agremiações, não nulifica a participação de nenhuma legenda concorrente.

Por outro lado, o critério de divisão adotado – proporcionalidade da representação na Câmara dos Deputados – guarda estreita relação com a finalidade colimada pela

ADI 5.423ADI 5.491rel. min. Dias Toffoli

DJE de 6-9-2017ADI 5.577rel. min. Rosa Weber

DJE de 19-12-2017PlenárioInformativo STF 836

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representatividade proporcional. Assim, dado que a Câmara dos Deputados é a Casa Legislativa de representação do povo, pode a eleição de seus membros servir de critério de aferição, tanto quanto possível, da legitimidade popular, sendo legítimo pressupor que a representatividade de seus membros se apresenta como medida adequada e razoável para a divisão do tempo de acesso ao rádio e à televisão.

Igualmente, o legislador andou bem ao estabelecer critérios distintos para o cál-culo da representatividade das coligações formadas para as eleições majoritárias e proporcionais, para efeito de distribuição do tempo de propaganda eleitoral gratuita, considerando, no caso de coligações para eleições majoritárias, somente os seis maio-res partidos que as compõem. Isso porque é próprio do sistema eleitoral majoritário refletir as correntes majoritárias da sociedade. O critério adotado mostra-se, ademais, tributário da própria essência desse sistema eleitoral, que é considerar as correntes políticas da maioria. De todo modo, tal perspectiva contribuirá para que se elimine a prática, tão comum no Brasil, de as legendas mais expressivas, ao lançar candidatos às eleições majoritárias, coligarem-se com inúmeros partidos pequenos, com o único objetivo de obter maior tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV.

É constitucional a expressão “superior a nove deputados” constante do caput do art. 46 da Lei 9.504/19973, na redação dada pela Lei 13.165/2015, que assegura a par-ticipação de candidatos dos partidos com representação superior a nove deputados em debates eleitorais transmitidos por emissoras de rádio ou televisão.

O legislador, ao conferir nova redação ao caput do art. 46 da Lei 9.504/1997, es-tabeleceu critério razoável de aferição da representatividade e da expressividade do partido político para efeito de assegurar a participação de seus candidatos nos debates eleitorais. Em realidade, o direito de participação em debates eleitorais – diferente-mente da propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão – não tem assento constitucional e pode sofrer restrição maior, em razão do formato e do objetivo desse tipo de programação.

Sendo assim, trata-se de espaço naturalmente restrito, no qual, no entanto, deve haver a exposição e o confronto de ideias com densidade tal que promova no eleitor maior esclarecimento a respeito das ideias e das propostas dos candidatos e das dife-renças entre essas. Munido de tais informações, o eleitor realiza o cotejo entre elas, podendo, assim, escolher de forma mais consciente em quem votará. Nesse cenário, o critério seletivo adotado pela norma impugnada quanto aos partidos políticos que te-rão assegurado o direito de seus candidatos participarem dos debates eleitorais poderá, até mesmo, contribuir para a redução da excessiva pulverização dos debates eleitorais.

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Por óbvio, ao prever o critério de representação superior a nove deputados, o dis-positivo em questão não obstou a participação nos debates de partidos políticos com menor representatividade, a qual ainda é facultada, estando a critério das emissoras de rádio e televisão.

É constitucional a redação dada pela Lei 13.165/2015 ao art. 46 da Lei 9.504/19974, o qual assegura a participação de candidatos dos partidos com representação superior a nove deputados em debates eleitorais transmitidos por emissoras de rádio ou televi-são, não implicando em afronta à anterioridade eleitoral a sua incidência nas eleições realizadas no ano de 2016.

Encontra amparo no texto da Constituição norma jurídica que contenha desiguala-ção não odiosa, como na espécie, em que o fator de discrímen – a observância da pro-porcionalidade à representação – justifica elevar o patamar mínimo de representação na Câmara dos Deputados, para fins de assegurar a participação em debates eleitorais.

Outrossim, ao entrar em vigor a Lei 13.165/2015, nos termos do seu art. 14, na data de sua publicação – em 29-9-2015 –, forçoso concluir ter sido observado o lapso temporal prévio de um ano exigido pela Constituição Federal (CF)5, dado que as eleições de 2016 foram marcadas para o dia 2-10-2016 (Lei 9.504/1997, art. 1º, caput).

A exigência constitucional da anterioridade da lei eleitoral consubstancia marco temporal objetivo, que tem por escopo impedir mudanças abruptas na legislação eleitoral, como forma de assegurar o direito das minorias, em particular a paridade de armas na disputa eleitoral. Se, por um lado, o referido princípio obsta que even-tual maioria parlamentar altere, no período de um ano que antecede as eleições, as regras que lhes serão aplicáveis; por outro, informa exatamente que as regras do processo eleitoral podem, sim, sofrer alterações pelo legislador, desde que respeitada a ressalva constitucional.

1 Lei 9.504/1997: “Art. 47. (...) § 2º Os horários reservados à propaganda de cada eleição, nos termos do § 1º, serão distribuídos entre todos os partidos e coligações que tenham candidato, observados os seguintes critérios: I – 90% (noventa por cento) distribuídos proporcionalmente ao número de repre-sentantes na Câmara dos Deputados, considerados, no caso de coligação para eleições majoritárias, o resultado da soma do número de representantes dos seis maiores partidos que a integrem e, nos casos de coligações para eleições proporcionais, o resultado da soma do número de representantes de todos os partidos que a integrem; II – 10% (dez por cento) distribuídos igualitariamente.”

2 ADI 4.430, rel. min. Dias Toffoli, P.

3 Lei 9.504/1997: “Art. 46. Independentemente da veiculação de propaganda eleitoral gratuita no horário definido nesta Lei, é facultada a transmissão por emissora de rádio ou televisão de debates

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sobre as eleições majoritária ou proporcional, assegurada a participação de candidatos dos partidos com representação no Congresso Nacional, de, no mínimo, cinco parlamentares, e facultada a dos demais, observado o seguinte:”

4 Idem.

5 CF/1988: “Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.”

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ÍNDICE DE TESES

DIREITO ELEITORAL

Campanha eleitoral

Financiamento

Financiamento privado

Há indícios de inconstitucionalidade na norma que autoriza doações de ori-

gem não identificada a campanhas eleitorais, o que justifica a suspensão da

norma com eficácia ex tunc até a decisão final de mérito na ação direta de

inconstitucionalidade..............................................................................................14

Campanha eleitoral

Financiamento

Financiamento privado

São inconstitucionais as contribuições de pessoas jurídicas às campanhas

eleitorais. .................................................................................................................16

As contribuições de pessoas físicas regulam-se de acordo com a lei em vigor. ....19

Inelegibilidades

Inelegibilidades constitucionais

Inelegibilidade reflexa

A vedação ao exercício de três mandatos consecutivos de prefeito pelo mesmo

núcleo familiar aplica-se na hipótese em que tenha havido a convocação do

segundo colocado nas eleições para o exercício de mandato-tampão. .................24

Inelegibilidades

Inelegibilidades constitucionais

Inelegibilidade reflexa – Repercussão Geral

O Enunciado 18 da Súmula Vinculante, segundo o qual “a dissolução da so-

ciedade ou do vínculo conjugal, no curso do mandato, não afasta a inelegibi-

lidade prevista no § 7º do artigo 14 da Constituição Federal”, não se aplica aos

casos de extinção do vínculo conjugal pela morte de um dos cônjuges. .............26

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Inelegibilidades

Inelegibilidades constitucionais

Inelegibilidade reflexa – Repercussão Geral

As hipóteses de inelegibilidade previstas no art. 14, § 7º, da Constituição Federal

(CF), inclusive quanto ao prazo de seis meses, são aplicáveis às eleições suple-

mentares. O dispositivo constitucional não prevê qualquer distinção entre elei-

ções ordinárias e eleições suplementares. .................................................................. 27

Nesse sentido, o cônjuge do prefeito afastado por irregularidades está impedi-

do de se candidatar nas eleições suplementares que ocorrerem a menos de seis

meses, contados do afastamento do então titular do cargo. .................................27

O cônjuge pode candidatar-se à sucessão quando o titular causador da inele-

gibilidade puder, ele mesmo, candidatar-se à reeleição. No entanto, deve ser

observada a necessidade de afastamento do cargo até seis meses antes do pleito

a fim de não incidir a vedação do art. 14, § 7º, da CF. ............................................28

Inelegibilidades

Inelegibilidades infraconstitucionais

Lei Complementar (LC) 64/1990 – Art. 1º, I, g – Rejeição de contas

Discussão acerca da valoração de julgamento efetuado pelo Tribunal Superior

Eleitoral (TSE) a respeito de rejeição de contas de candidato, porque depen-

dente da análise de normas infraconstitucionais, configura hipótese de ofensa

meramente reflexa à Constituição. ........................................................................29

Partidos políticos

Filiação partidária

Infidelidade partidária

Há indícios de inconstitucionalidade no art. 22-A da Lei 9.096/1995, introdu-

zido pela Lei 13.165/2015, que regula a perda de mandato por infidelidade par-

tidária, no tocante à sua incidência sobre os partidos políticos registrados até

a entrada em vigor da Lei 13.165/2015, quando o prazo de trinta dias para as

filiações de detentores de mandato eletivo ainda estava transcorrendo. .............31

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Partidos políticos

Filiação partidária

Infidelidade partidária

A perda do mandato em razão de mudança de partido não se aplica aos candi-

datos eleitos pelo sistema majoritário. ...................................................................35

Partidos políticos

Fundo partidário

Quota eleitoral de gênero

O art. 9º da Lei 13.165/2015 recebeu interpretação conforme à Constituição

Federal (CF) no sentido de que: a) Ao patamar legal mínimo de candidatu-

ras femininas (hoje o do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/1997, isto é, ao menos 30%

de cidadãs) deve ser equiparado o mínimo de recursos do Fundo Partidário

a lhes serem destinados, que deve ser interpretado como também de 30% do

montante do fundo alocado a cada partido, para eleições majoritárias e pro-

porcionais; e b) Havendo percentual mais elevado de candidaturas femininas,

o mínimo de recursos globais do partido destinados a campanhas lhes seja

alocado na mesma proporção. ................................................................................37

São inconstitucionais, por arrastamento, o §  5º-A e o §  7º do art.  44 da Lei

9.096/1995, os quais, em tese, conferia discricionariedade, quer às agremiações

partidárias, quer às secretarias da mulher, para autorizar-lhes a utilizar os re-

cursos destinados à promoção e difusão da participação política das mulheres

em suas campanhas. ...............................................................................................38

É inconstitucional a expressão “três” contida no art. 9º da Lei 13.165/2015. ........39

Partidos políticos

Registro

Fusão

Para o registro de partido político, é constitucional a exigência de que o apoia-

mento mínimo seja preenchido exclusivamente por eleitores não filiados a par-

tido político. ............................................................................................................42

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É constitucional a norma que prevê prazo mínimo de cinco anos – a contar da

constituição do partido – para permitir a fusão entre as siglas partidárias. .........42

Propaganda política

Propaganda eleitoral

Rádio e televisão

Os candidatos aptos a participar de debate eleitoral não podem deliberar pela

exclusão dos debates de candidatos cuja participação seja facultativa, quando a

emissora tenha optado por convidá-los. ................................................................45

Propaganda política

Propaganda eleitoral

Rádio e televisão

São constitucionais os incisos I e II do § 2º do art. 47 da Lei 9.504/1997, que dis-

ciplinam a distribuição dos horários reservados à propaganda eleitoral gratuita

nas emissoras de rádio e de televisão e nos canais de televisão por assinatura. ..... 47

Este livro foi produzido na Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência, vinculada à Secretaria de Documentação do Supremo Tribunal Federal. Foi projetado por Eduardo Franco Dias e composto por Camila Penha Soares e Neir dos Reis Lima e Silva. A capa foi criada por Patrícia Amador Medeiros.

A fonte é a Dante MT Std, projetada nos anos 1950 por Giovanni Mardersteig, influenciado pelos tipos cunhados por Francesco Griffo entre 1495 e 1516, e editada em versão eletrônica por Ron Carpenter em 1993.