Direito Empresarial - Circulação de Títulos de Crédito - Marcelo

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OBRIGAÇÃO CAMBIAL. A CIRCULAÇÃO DO CRÉDITO POR ELA REPRESENTADA. APLICAÇÃO DA INOPONIBILIDADE DAS EXCEÇÕES PESSOAIS AO TERCEIRO DE BOA-FÉ Por: Marcelo Capi Rodrigues (*) 1. LINHAS INTRODUTÓRIAS Tendo os títulos representativos de um crédito, em sua essência e por excelência, a forma inata de caracterizar a circulação da economia endo-mundial, peculiariza-se pela sua negociabilidade e executoriedade. Assim o sendo, o crédito é a troca no tempo em vez de ser no espaço de riquezas aptas à geração do crescimento global. O dinamismo da economia moderna é o responsável por essas características que proporcionam ao credor detentor de um título à certeza e segurança à sua exigibilidade na satisfação do seu respectivo recebível, decorrente deste papel-riqueza. A circulação de um crédito representado por um título não retrata uma operação financeira de grande vulto muito menos complexa, mas simples operação de aquisição futura de produtos ou bens, uma vez que o pagamento através de um título, em regra, tem efeito pro solvendo, isto é, para a solvência futura não tendo, destarte, o efeito extintivo da obrigação. Logo, à extinção da obrigação pela sua forma normal, que é o pagamento, referenda uma condição suspensiva, posto que, após a efetiva compensação, v.g., de um cheque dado em pagamento na aquisição de um determinado

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Material sobre circulação de títulos de crédito

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OBRIGAO CAMBIAL

OBRIGAO CAMBIAL. A CIRCULAO DO CRDITO POR ELA REPRESENTADA. APLICAO DA INOPONIBILIDADE DAS EXCEES PESSOAIS AO TERCEIRO DE BOA-F

Por: Marcelo Capi Rodrigues (*)

1. LINHAS INTRODUTRIAS

Tendo os ttulos representativos de um crdito, em sua essncia e por excelncia, a forma inata de caracterizar a circulao da economia endo-mundial, peculiariza-se pela sua negociabilidade e executoriedade. Assim o sendo, o crdito a troca no tempo em vez de ser no espao de riquezas aptas gerao do crescimento global.

O dinamismo da economia moderna o responsvel por essas caractersticas que proporcionam ao credor detentor de um ttulo certeza e segurana sua exigibilidade na satisfao do seu respectivo recebvel, decorrente deste papel-riqueza.

A circulao de um crdito representado por um ttulo no retrata uma operao financeira de grande vulto muito menos complexa, mas simples operao de aquisio futura de produtos ou bens, uma vez que o pagamento atravs de um ttulo, em regra, tem efeito pro solvendo, isto , para a solvncia futura no tendo, destarte, o efeito extintivo da obrigao. Logo, extino da obrigao pela sua forma normal, que o pagamento, referenda uma condio suspensiva, posto que, aps a efetiva compensao, v.g., de um cheque dado em pagamento na aquisio de um determinado bem ou satisfao de uma dvida, ocorrer quela forma referida extintiva das obrigaes.

A facilidade vida das pessoas quer nas suas atividades comerciais quer nas suas relaes no mercantis, ocasionada pelo surgimento do crdito, possibilita queles, que em certos momentos no dispe de recursos pecunirios necessrios para as suas atividades e disponibilidades presentes, a vantagem de que possam assim dispor deles em dado momento futuro.

Consequentemente justifica-se a insero dos ttulos creditrios no mundo jurdico econmico hodierno, em face do susto alcanado pelo trfico mercantil na Idade Mdia. Assim, a formao dos ttulos de crdito vem ser historiada, quando se tornou necessrio simplificar a circulao do dinheiro como instrumentos para diminuir os riscos e propiciar a garantia de maior certeza e segurana s relaes mercantis. Certeza quanto existncia do direito pelos crditos documentrios e segurana quanto sua eficcia jurdica.

Desse modo incompreensvel seria, com a ausncia dos ttulos de crdito, a vida econmica moderna. A impossibilidade de o direito romper os limites de tempo e espao a fim de transportar mais gil e facilmente para o presente as possibilidades de riquezas futuras, restaria praticamente impossvel sem a sua insurreio.

E em consrcio ao disposto nas linhas superiores, considerando-se que o ttulo de crdito um documento indispensvel para o exerccio literal e autnomo nele mencionado e que esse direito, ao ttulo no se incorpora, pois a declarao nele emitida de carter constitutivo de um direito autnomo e independente da relao subjacente fundamental, enfatiza-se que, portanto, trata-se de um verdadeiro elemento propiciador de circulao rpida e segura de riqueza e, em conseqncia, dinamizador da economia. E, por conseguinte, estimvel a sua contribuio para a formao e o desenvolvimento das modernas economias de mercado.

Assim, conforme Jos Maria Whitaker ao abordar o ttulo creditrio sob o enfoque econmico este trata-se de um documento capaz de realizar imediatamente o valor que representa [1] e, notadamente Tlio Ascarelli explica que graas ao ttulo de crdito, pode o mundo moderno mobilizar as prprias riquezas, vencendo o tempo e o espao e transportando, com maior facilidade, bens distantes e materializados, no presente, as possveis riquezas futuras [2].

2. A SUBJACENTE OBRIGAO FUNDAMENTAL QUE ORIGINA A OBRIGAO CAMBIAL

A par de as obrigaes terem como fontes os contratos, as declaraes unilaterais de vontades, inclusive os atos ilcitos, dolosos ou culposos incluindo-se o antigo quase-delito e o delito -, embora todos emanem da mesma fonte primria do Estado ou imediata que a lei, sendo esta, considerada por Pothier, o mapeamento retilneo das que dela decorrem, a obrigao cambial deriva, umbilicalmente, de uma obrigao subjacente originria daquela, que por sua vez tem como fonte criadora, em sua quase generalidade, a vontade das partes confluenciada num sinalagma mpar.

Revigorando-se assim, a obrigao pretrita obrigao cambial, de uma confluente manifestao de vontade, estas so como as demais criaes do direito, nada mais do que fatos, fatos estes que, para criarem, modificarem ou extinguirem direitos ou obrigaes, so denominados como fatos jurdicos.

Portanto, por fatos jurdicos so compreendidos todos os acontecimentos naturais ou participativos do homem, capazes de influrem na criao de um sistema jurdico, devidamente ordenado, uma vez que o direito a ordenao das relaes sociais.

Logo, colocando-se o direito no mundo da cultura, no mundo do dever-ser, conforme Slvio de Salvo Venosa dentro da realidade das relaes humanas que se justifica a existncia de tal direito, pois, s existe direito porque h sociedade ubi societas, ibi ius [3].

Decorrendo o direito, assim, de uma sociedade, mais especificamente, dos fatos que geram essa sociedade, surgem as obrigaes que podem ter no s cujo pessoal como real, bem como de ordem tributria ou repressiva. Os fatos so, por conseguinte, o mago da criao da sociedade e, reflexamente, do direito.

Fato jurdico lato sensu o elemento que d origem aos direitos subjetivos, impulsionadores da criao da relao jurdica, concretizando as normas jurdicas. Realmente, conforme Maria Helena Diniz ao citar Trabucchi do direito objetivo no surgem diretamente os direitos subjetivos; necessrio uma fora de propulso ou causa, que se denomina fato jurdico [4].

Desse modo todo acontecimento da vida relevante para o direito, mesmo que seja ilcito, bem como natural conceitua-se como fato jurdico. Logo, qualquer alterao decorrente da natureza ou da vontade do homem capaz de criar, extinguir ou at mesmo modificar um direito ou uma obrigao, recebe a alcunha de fato jurdico em sentido amplo.

Em especificao desta conceituao, embora sejam capazes de produzirem alteraes significantes aos direitos ou obrigaes, tm-se os fatos emanados da natureza fatos jurdicos em sentido estrito - e os atos ou negcios jurdicos que emanam exclusivamente da vontade humana fatos humanos.

Embora os fatos relevantes ao direito, emanados da mesma vontade humana, derivam de um mesmo tronco comum, qual seja, inserem-se na classificao dos fatos humanos, apresentam salutares diferenciaes, quer quanto vontade como aos efeitos gerados.

Assim, o negcio jurdico, que o realmente interessa ao presente artigo, pois dele que deriva a obrigao cambial, gera um efeito previamente querido e controlado pela vontade das partes prevalecendo o intuito negocial, ou seja, so elas quem diro as diretrizes da criao, modificao ou da extino da obrigao. Em outros termos, no negcio jurdico a manifestao de vontade das partes tem a finalidade negocial, podendo esta vontade afastar a norma jurdica disciplinando-a diferentemente, desde que no contrarie os princpios constitucionais do direito civil, como a dignidade da pessoa humana, a solidariedade e a justia social.

Mas urge frisar que no negcio jurdico no h incidncia da lei, pois a vontade negocial, que prevalece, afasta, porm, ressalvando, o ordenamento jurdico. Portanto, a vontade negocial, que denominada de vontade qualificada decide a prtica e os efeitos que sero produzidos pelo negcio jurdico.

Por outro lado, nos atos jurdicos os efeitos se produzem independentemente da vontade da pessoa, ou seja, os efeitos so impostos pela lei. Desse modo, nos atos jurdicos os efeitos no so previstos nem controlados pela vontade das partes, que igualmente no afasta a incidncia da lei, logo, no se verifica a finalidade negocial nos atos jurdicos.

Verifica-se, assim, que o ato jurdico menos rico de contedo e pobre na criao de efeitos, consequentemente, ele no constitui o exerccio da autonomia privada e a sua satisfao se concretiza pelos modos legalmente determinados, ou seja, seus efeitos restringem-se reserva legal.

Concluindo-se essa dicotomia entre o que negcio jurdico e ato jurdico, em considerao vontade e aos seus efeitos, observa-se que, embora aqueles e estes sejam classificados como fatos humanos, decorrentes do gnero fato jurdico em sentido amplo, pois so acontecimentos derivados da vontade humana, capazes de promover modificaes, criaes ou extines de direitos e obrigaes, ambos se diferem na exata medida que nos primeiros, os efeitos so queridos, controlados e desejados pela vontade negocial, que impera, ao passo que nos segundos no vislumbrada essa vontade qualificada, que naqueles capaz de afastar a norma jurdica, mas sim, verifica-se uma vontade legal, decorrente da lei, j que os efeitos do ato jurdico esto predispostos por ela.

Agora, ao lado dessa classificao dos fatos humanos, alguns doutrinadores distinguem o ato jurdico do ato-fato jurdico, tendo este efeitos decorrentes independentemente do querer da parte, isto , os efeitos emanam da lei e no h como evit-los, mesmo que a vontade seja decida a sua prtica. Portanto, no ato-fato jurdico a vontade irrelevante, logo, o agente no decide nem mesmo a sua prtica e, os efeitos so impostos pela lei.

Note-se, no ato-fato jurdico a vontade no capaz nem de decidir a prtica deles, caso em que no se verifica no ato jurdico onde a vontade existe, embora em ambos os efeitos decorram da lei. Assim, ambos diferem-se no seguinte aspecto: no ato jurdico verifica-se a vontade da parte no sentido de conduzir sua prtica, enquanto que no ato-fato jurdico sequer existe essa vontade que conduz para a prtica do ato. A titulo exemplificativo do que venha a ser um ato-fato jurdico, oportuno observar a situao em que descoberto ocasionalmente um tesouro, tornando-se automaticamente o dono dele, bem como o ato praticado por uma criana, mas socialmente aceito como a compra de um sorvete.

Por outro lado, um tema de grande valia composio de uma obrigao que, decorrentemente, constituir a obrigao cambial, e igualmente relacionado aos negcios jurdicos, uma vez que, como dito, estes so confluncias de vontades negociais, refere-se na capacidade para a prtica do fato humano cuja vontade dirige aos efeitos predeterminados por ela.

Tendo, pois a vontade o condo de decidir a prtica de seus efeitos, o negcio jurdico exige que as partes tenham capacidade para tal constituio obrigacional. Contudo, em regra, no se exige essa mesma capacidade para a prtica de atos jurdicos, pois os efeitos emanam da lei. Agora, quando a lei assim exigir, faz-se necessrio que o ato jurdico seja praticado por quem legitimamente tenha capacidade.

Neste contexto, sendo o casamento e o testamento genunos atos jurdicos, uma vez que os seus efeitos emergem da lei e no da vontade das pessoas, embora essa vontade seja idnea para decidir a sua prtica, exige-se, consequentemente a capacidade da pessoa. Ressoa neste sentido o inc. IV do art. 1.550 do Cdigo Civil que dispe sobre a anulao do casamento quando o nubente for incapaz de consentir ou manifestar o seu consentimento, bem como redao do art. 514 do mesmo diploma civil, uma vez que o casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam a sua vontade de estabelecer vnculo conjugal.

Logo, se para a prtica de um ato jurdico no se exige a capacidade da pessoa, pois os efeitos so deflagrados da lei, em tese, um louco com a posse de um bem, poder adquiri-lo atravs da usucapio. Agora, convm ser observado que sobre a tica do ordenamento civil de 1916, que no considerava a usucapio como um ato jurdico, o louco no poderia usucapir. Mas, para o novel Cdigo Civil que considera a posse como sendo um ato jurdico, cujos efeitos independem da vontade do ato praticado, ser possvel a usucapio pelo louco.

Retomando-se o rumo sobre obrigao, nada obstante as consideraes acimas dispostas sejam necessrias a correta compreenso do tema, uma vez que retratam um negcio jurdico, o recurso etimologia bom subsdio da designao de obrigao: obrigao, do latim ob + ligatio, contm uma idia de vinculao, de liame, de cerceamento da liberdade de ao, em benefcio de pessoa determinada ou determinvel.

Como dito por Caio Mario da Silva Pereira vislumbra-se na obrigao uma norma de submisso, que tanto pode ser autodeterminada quando o prprio agente escolhe dada conduta, como pode provir de uma heterodeterminaao, quando o agente a sofre em conseqncia ou como efeito de uma norma que o dita [5].

Assim, num ou noutro caso, uma pessoa denominada de sujeito passiva ou devedor, est adstrita a uma prestao positiva ou negativa em favor de outra pessoa que se diz sujeito ativo ou credor, a qual adquire a faculdade de exigir o seu cumprimento.

Portanto todo o direito, seja qual for a sua natureza, pessoal ou real, encerra sempre uma idia de obrigao, como anttese natural. Para Washington de Barros Monteiro pode-se deixar assentado, efetivamente, que no existe direito sem a respectiva obrigao, nem obrigao sem o respectivo direito [6].

Neste sentido o Cdigo Civil de 1916 dispunha em seu art. 1 que este Cdigo regula os direitos e obrigaes de ordem privada concernentes s pessoas, aos bens e s suas relaes, consagrando o velho adgio jus et obligatio sunt correlata.

Agora, embora referido artigo no contenha correlata normatizao no novel diploma civil, a disposio continua de grande valia como esprito da sistemtica deste novo Cdigo Civil, posto que confere direitos de ordem privada atinentes s pessoas, aos bens e s suas relaes.

Encerrando-se o tpico em anlise, conjuga-se ao que tudo foi discorrido, enfim, o conceito do que venha a ser uma obrigao: a relao jurdica, de carter transitrio, estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestao pessoal econmica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento atravs de seu patrimnio.

Portanto, obrigao o crdito considerado sob o ponto de vista jurdico e crdito, a obrigao sob o ponto de vista econmico.

3. A OBRIGAO CAMBIAL PROPRIAMENTE DITA

Em linha inicial de dissertao convm trazer baila a celebre frase de Ascarelli, como base de toda argumentao: se nos perguntassem qual a contribuio do direito comercial formao da economia moderna, outra no poderamos, talvez, apontar que a que mais, tipicamente, tenha infludo nessa economia fora e continua sendo o instituto dos ttulos de crdito.

Neste sentido, uma obrigao cambial enaltece a prtica secular da circulao do crdito retratada pelos ttulos creditrios, ainda mais quando dessa circulabilidade gera-se um crdito recebvel por um terceiro de boa-f.

Em uma estrutura econmica, como a atual, em que o tempo j se constitui em recursos econmicos inacumulveis, no se pode fazer estoque de tempo como feito estoque de capital, posto que a celeridade, gerada pelo racionamento de tempo, nas operaes econmicas, impostergvel.

Logo, o princpio simples: quando a produtividade baixa, o tempo custa relativamente pouco; quando a produtividade elevada, o tempo torna-se relativamente caro. Assim, o desenvolvimento da economia acarreta um aumento geral na escassez de tempo, e essa conseqncia que refere-se circulao desta prpria obrigao, conflui-se na impossibilidade de um estoque de capital.

Assim, a circulabilidade, to expedita quanto possvel, a estandartizao, a despersonalizao do financiamento e a peculiaridade da propriedade, fazem do ttulo de crdito o mais interessante instrumento de mobilizao de economias individuais e de sua converso em capital produtivo.

Deste modo, o tratamento jurdico deste importante tema da economia mundial/nacional, h de ter o arejamento das posies mais aptas s exigncias da economia contempornea, uma vez que hodiernamente, em meio dessa exigente estrutura econmica, cada vez maior a necessidade de fortalecimento dos papeis-valores que carreiam capitais e energias desperdidas para a empresa privada, sobretudo as pequenas e mdias.

Na verdade, existe uma ligao necessria em cada poca entre as estruturas econmicas, j que a proteo jurdica economia natural troca in natura chegou-se, modernamente, economia creditcia, consubstanciada na mais variada gama de ttulos de crdito. Logo, o fruto da prtica posteriormente normatizada, diz que os ttulos de crditos tm contribudo mais que todas as minas do mundo para enriquecer naes, dada a circulabilidade dos crditos que neles se representa.

E, com a conjuntural crise de liquidez que caracteriza nosso tempo, mais do que nunca a possibilidade de negociao de uma obrigao futura, para satisfazer necessidade atuais de crdito, carece de expectativas que implementem o fluxo de capitais e do comrcio e, os ttulos de crditos so os mais hbeis instrumentos dessa indispensvel manuteno da atividade econmica.

Neste contexto, a obrigao cambial, que aquela que tem como objeto certa quantia em dinheiro subsumida num ttulo creditrio igualmente preenche, como todos os demais negcios jurdicos, validade e eficcia dos mesmos, vrios pressupostos, dentre os quais aquele por onde ela seja representvel num formalismo, demasiadamente solene ou no, prescrito ou no defeso em lei, dada sistemtica seguida pelo novel Cdigo Civil, que similar ao Cdigo Civil de 1916.

Assim, a forma , comumente, a configurao exterior, a aparncia da coisa. Numa linha filosfica idealista, Berkeley j acreditava que no existem corpos, no existe a matria em si, seno quando representada por uma forma, cuja toda a sua existncia cifra-se em ser percebida. Igualmente, Kant considerava-a como a universalidade do objeto e, para Hegel, no passa da totalidade da determinao.

E, trazendo essa linha filosfica ao plano jurdico a totalidade da determinao corresponde puntuao entabulada por entre as partes primitivas da obrigao fundamental subjacente e, posteriormente, entre o credor desta obrigao e o terceiro credor adquirente da obrigao subsumida no ttulo de crdito.

Portanto, tendo o direito se esforado, precisamente, em criar esse instrumento de ao social que satisfaz determinada necessidade, o aprimoramento dessas formas jurdicas nos dado por esse mesmo direito, sendo estas a pretenso de submeter aqueles fenmenos sociais sua regulao. Assim, a lgica jurdica , pois, a lgica da persuaso social. Desse modo, pressuposto necessrio a liberdade de deformar aos fenmenos da realidade social, ou seja, elaborao do direito positivo pressupe e faz necessria uma liberdade para deformar e transfigurar os fenmenos da realidade social. neste sentido que se diz que a criao do direito trabalho plstico, que con-forma a realidade fenomenal realidade jurdica, por critrios axiolgicos. Logo, o direito no um fim em si mesmo, mas um meio ou, mais precisamente, uma tcnica social especifica de realizao de fins determinados pela poltica.

Tambm certo que a vida e o esprito postulam um direito justo, um direito em harmonia com o ideal de justia, todavia a imperfeio do homem e do resto de suas obras, s lhe permite alcanar a justia do possvel ou a possvel justia. Da o coeficiente inevitvel de injustia, inerente a todo o direito: este justo no ideal que incorpora, mas, s vezes, injusto na maneira imperfeita por que o realiza.

Por outro lado, quando o direito regula as relaes sociais que estima dignas de regramento, leva em conta, ao lado de outros valores, o da garantia da paz social. Com efeito, a segurana constitui um dos fins do direito. Da o porqu, s vezes, o direito adota uma soluo de segurana sacrificando uma soluo de justia. No mais das vezes no h oposio substancial entre segurana e justia: seno entre justia e regras tcnico-jurdicas.

Nesta linha de raciocnio, a forma, em especial, da obrigao cambial, termo polissmico que, rio entanto, pode-se dizer, est no plano dos significantes, opondo-se, ento, ao plano dos significados, como o contedo e a substncia. Em direito por forma entende-se tanto o modo de proceder, segundo certas regras de procedimento, quanto exteriorizao de determinado sentido relevante para o direito.

Assim, como ensina Pontes de Miranda todos os fatos jurdicos tm contedo e forma, mas s a dos atos jurdicos relevante para o direito [7]. Portanto, a tendncia ao privilgio da forma, em detrimento do contedo o que se tem chamado formalismo jurdico. na vertente da exteriorizao de determinado sentido aparncia que a forma se mostra de interesse.

A forma , pois, a aparncia das coisas, a maneira pela qual se manifestam e se tornam sensveis. Assim, como o pensamento se objetiva pela linguagem, que a sua forma, o direito se objetiva pela norma, que , sua forma. Ento o direito formalista exatamente porque sua destinao con-formar a conduta humana e institucionaliz-la. Logo, esse formalismo condio de controle social em bases isonmicas. A preterio da forma redunda no arbtrio e o ato arbitrrio jamais se con-forma s pautas do direito. Modernamente, as formas esto mais para a representao da manifestao vontade, que para a feio da norma jurdica.

Com efeito, forma em direito se exprime fundamentalmente como conjunto de solenidades, que devem ser observadas, para que a manifestao da vontade tenha eficincia jurdica.

Assim, a forma da obrigao cambiria, bem como a sua aparncia interessa, mais especificamente, nos ttulos de crditos, que inseridas elas esto em seu bojo.

4. TTULO DE CRDITO COMO DOCUMENTO REPRESENTATIVO DA OBRIGAO CAMBIAL

Com o intuito de balizar a orientao dissertativa deste artigo, convm trazer as conceituaes de ttulos de crditos, nos dada por Vivante e Whitaker, uma vez que ser dessa conceituao que extrair-se- os institutos da inoponibilidade das excees pessoais ao terceiro de boa-f, bem como a circulao do crdito neles comedidos.

Portanto, ttulo de crdito para Vivante o documento necessrio para exercitar o direito literal e autnomo que ali mencionado [8], e para Whitaker o documento capaz de realizar, imediatamente, o valor que representa [9].

O ttulo de crdito , essencialmente, um documento, isto , um registro juridicamente qualificado que representa uma obrigao. Num passado um quanto remoto, este registro teve sempre por suporte um papel a crtula. Porm, hodiernamente, e com o largo emprego da informtica para a memria dos crditos, os ttulos tm sido paulatinamente despapelizados. Contudo, este fenmeno, o da virtualizao dos ttulos de crdito, no altera a essncia do instituto jurdico, ou seja, ele continua sendo um documento, de suporte varivel e representativo de uma obrigao cambial.

Do conceito vivanteano acima disposto, observa-se que de grande aclamao pela doutrina, inclusive a brasileira, por destacar exatamente a natureza documental dos ttulos de crdito. Ademais, esta conceituao embora seja abarcada pela doutrina nacional, foi normatizada pelo novo Cdigo Civil, onde em seu art. 877 dispe que o ttulo de crdito, documento necessrio ao exerccio do direito literal e autnomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei.

Agora, a mais importante implicao da classificao dos ttulos de crdito como documento autnomo o seu distanciamento em relao obrigao documentada. Ou seja, o ttulo no se confunde com a obrigao nele registrada. Assim, uma coisa o vinculo jurdico que faz algum ser credor de outrem obrigao; coisa diversa o documento que o representa ttulo.

Por outro lado, embora uma obrigao possa ser representada por mais de um documento, assim como um s documento pode representar vrias obrigaes, mostra-se, destarte, que so coisas inconfundveis a obrigao, de um lado, e o documento que a representa, de outro.

Neste sentido, convm trazer a distino da declarao fundamental da cartular. Quando uma pessoa, sujeito de direito, emite uma declarao intencional de vontade celebra um negcio jurdico, e, na maioria das vezes, assume obrigaes. Agora, ao assinarem ttulos creditrios para representar o vnculo obrigacional nascido destas declaraes, emitem outras declaraes, que so, declaraes cartulares. A ttulo de exemplo, quando qualquer pessoa civilmente capaz, e assim deve ser para no ser o negcio eivado de vcio, manifesta a sua vontade negocial em adquirir dirias de hospedagem, e essa inteno tem receptividade, configurada esta uma declarao fundamental. Porm, ao postar a sua firma em qualquer espcie de ttulo de crdito para representar esse vnculo de obrigao, originrios desta relao fundamental, emite, por sua vez, declaraes cambiais, que em nada assemelham-se obrigao fundamental, to somente, representando-as.

Portanto, destaca-se o ttulo de crdito da relao fundamental que o precede, para torn-lo o documento constitutivo de uma declarao autnoma e, por isso, em torn-lo em direito cartular e em declarao cartular, em oposio ao direito constitutivo da relao fundamental e ao negocio fundamental. Esta aparente duplicao constitui, intil neg-lo, o ponto de partida de todas as teorias modernas; o ponto de chegada da evoluo dogmtica dos ttulos de crdito e o conceito inspirador da conveno de Genebra [10].

Agora note-se que ningum , no direito brasileiro, obrigado a emitir declarao cartular em nenhuma circunstancia. Ela sempre facultativa. Em outros termos, a declarao cartular s emitida quando resulta do acordo de vontades das partes do negcio jurdico fundamental. Somente quando elas quere usufruir as vantagens da documentao atravs de um ttulo de crdito, este sacado. Assim, a principal vantagem do documento cambial a facilitao da negociao do crdito nele representado.

O ttulo de crdito, ao contrrio dos demais documentos representativos de obrigaes, se desliga da relao jurdica originria quando posto em circulao. Esta a especificidade do instituto jurdico. Quando a obrigao creditcia est documentada num ttulo de credito e no num contrato, por exemplo -, as relaes jurdicas decorrentes submetem-se a um regime especfico direito cambirio -, caracterizado pelos princpios da cartularidade, literalidade e autonomia das obrigaes. Logo, as regras emanadas destes princpios asseguram a rpida circulao do credito, na medida em que protegem os terceiros de eventuais vcios existentes na relao jurdica originria.

Em razo das especificaes do regime cambial, o credor que titulariza crdito documentado num ttulo de crdito tem mais facilidade para negoci-lo com terceiros, como instituies financeiras que descontam ttulos ou empresas de fomento mercantil atravs de contratos de factoring. Por outro lado, o credor que titulariza crdito documentado num contrato, nem sempre consegue encontrar facilmente interessados em negoci-lo. Portanto, como o regime cambirio resguarda os adquirentes do crdito com a regra da inoponibilidade das excees pessoais, maior nmero de pessoas se motivam a negociar crditos representados em cheques, letras de cmbio, duplicatas, notas promissrias e outros ttulos.

5. A CIRCULAO DO CRDITO DA OBRIGAO CAMBIAL

Como visto, no tocante aos ttulos de crditos que a aparncia das obrigaes cambiais, que os representam, se revela de interesse imaculado. A funo prtica destes ttulos a circulao, que se tornou plena aps a insero da clusula ordem, rpida e segura de direitos.

O ttulo de crdito sacado , em regra, emitido com a clusula ordem. Isto significa que o seu credor pode negociar o crdito por ele representado mediante um ato jurdico traslador da titularidade do crdito, de efeitos cambiais, chamado de endosso.

Conceitua-se, ento, o endosso como sendo o ato cambirio que opera a transferncia do crdito representado por ttulo ordem. Contudo, a alienao do crdito fica, ainda, condicionada tradio do ttulo, em decorrncia do princpio da cartularidade, uma vez que conforme este princpio, para que o credor de um ttulo de crdito exera os direitos por ele representados indispensvel que se encontre na posse do documento, ou seja, sem o preenchimento dessa condio, mesmo que a pessoa seja efetivamente a credora, no poder exercer o seu direito de crdito valendo-se dos benefcios do regime jurdico-cambial [11].

Portanto, basta que no tenha sido inserida a clusula no ordem no ttulo de crdito para que ele seja transfervel por endosso. Assim cumpre observar que o sacador, ao emitir o ttulo que representa a vinculao jurdica da obrigao fundamental, se no quisesse faz-lo circular, inseriria a clusula no ordem. Porm, se tal faculdade no for exercida e no constar no ttulo, conforme a literalidade do mesmo, referida clusula neste sentido verifica a clusula ordem, que autoriza o tomador a endoss-lo. Assim, conforme o art. 11 do Decreto 57.663/66 e o art. 17 e seu pargrafo primeiro da Lei n. 7357/85, o credor pode negociar o crdito pelo ttulo representado mediante o ato jurdico traslador da titularidade do crdito, salvo se existente a clusula no ordem.

Assim, o direito declarado no ttulo adquire autonomia e passa a ser regulado, exclusivamente, pelo teor da crtula, desprendendo-se em razo da propriedade da abstrao, do complexo de relaes havidas anteriormente, isto , extra-ttulo, objetivando-se, desta forma, o direito que, assim, pode circular como coisas mveis. Logo, ttulo e direito, por assim dizer, andam conjugados.

No entanto, frise-se que, no h negcio jurdico que no tenha causa; o que ocorre e que no se confundem, essa causa dos negcios de primeiro grau ou relao fundamental com a causa negcio de segundo grau da criao ou da emisso do ttulo que, por sua vez, decorre da chamada conveno executiva, que, alis, determinar a funo dos ttulos emitidos, como a funo de garantia de pagamento, de declarao e de crdito. Da a possibilidade processual de impugnaes de ordem causal, porm quando circunspecta s duas partes primitivas, ou a terceiro, desde que ciente do vcio do negcio fundamental, originrias de ambos os negcios.

Por conseguinte, a alegao de vcios ou excees pessoais e comuns, de fato, podem ser opostas s partes entrelaadas, bem como a terceiros, porm, quanto a este, to somente se estiver de m-f.

De tal sorte, por serem os ttulos de crdito constitutivos de um direito, incomumente, distinto da prpria causa, que esses mesmos ttulos carecem de normas especiais, muitas vezes derrogantes do direito comum. Referida derrogabilidade decorre em razo da segurana e certeza na circulao tradio e endosso destes papis-direito, o que no ocorre com os direitos de crdito representado por outros documentos, uma vez que nestes domnios impera a forma clssica de cesso, cuja grande inconvenincia moderna economia reside no fato de que com ela se adquire o risco das excees pessoais e das decorrentes do prprio negcio subjacente ou relao extracartular.

Portanto, a literalidade que d aos ttulos de crdito a certeza do contedo, da extenso e da modalidade do direito, expresso no documento, o seu valor exclusivo regulador do direito nele expresso. Indiscutivelmente o princpio da literalidade visa proteger terceiros que confiam no teor do ttulo. A executividade do processo funda-se, exatamente, neste rigor formal, que protege a aparncia que, por sua vez, exterioriza a verdade jurdica.

Assim, no h prova contra a aparncia, a favor do que concorreu para essa, isto , sem a forma no surge a obrigao cambiria. A literalidade certamente tem como escopo a aparncia que confere confiabilidade social aos ttulos de crdito. As regras que regulam tais ttulos se formaram a partir das necessidades pragmticas da prtica mercantil, que buscava apenas bons resultados.

Desse modo, com a introduo do endosso, as cambiais tornaram-se circulantes, isto , instrumentos de pagamento. Neste contexto, indiscutivelmente, a terceiros, que confiam no teor do ttulo, que as preocupaes oriundas a este, reflitam queles. Por outras palavras, nos aspectos da segurana e certeza na circulao destes documentos que reside a maior parte das inquietudes, uma vez que para a utilizao esttica do crdito existem os velhos e revelhos quirgrafos, onde um credor tem um direito de crdito contra certo e determinado devedor. J nos ttulos destinados circulao, o direito de crdito ultrapassa os limites da mera confiana pessoal e raia na moderna confiana documental.

O formalismo que se baseia na segurana da aparncia, fator preponderante para a existncia vlida dos ttulos de crditos, posto que eles s so vlidos na medida em que se submetem, se conformam, na forma estereotipada da lei. Consequentemente, no haver fora para os princpios bsicos, como o da autonomia das obrigaes, literalidade e abstrao, sem a observncia dos traos mnimos requisitos essenciais que a forma plena da lei impe. A lei, como tal, fixa o modelo a ser seguido, para que o fluxo do devenir no provoque confuses que, em matria de circulao de riquezas, seriam altamente danosas economia moderna, cuja caracterstica marcante a extrema exigncia de rapidez e segurana dos negcios.

Portanto, a importncia fundamental da segurana do direito moderno e, com efeito, mais ainda exigida na ordem econmica, vem como verdadeiro postulado que a lei h de consagrar positivamente. Assim, quando concorrem de um lado o interesse do devedor, doutro o instituto da segurana referendado pela confiana documental, que na realidade a fora do progresso econmico, sempre se h, de lgica apurada, de optar pelo sacrifcio do devedor, responsvel que pelo surgimento da aparncia em que muitos confiaram. Logo, o interesse da generalidade que prevalecer, na medida exata de sua satisfao. , pois, a aparncia elemento material da circulao do direito creditcio.

Assim, o ato que faz gerar um ttulo de crdito ato de extremo risco de quem o gerou, de vez que tais ttulos exigem plena certeza e mxima segurana, que pairam por sobre ocasionais incidentes de verdade absoluta. A obrigao de que, com sua firma, cria um ttulo de crdito, emerge da prpria lei, que impe no resguardo do interesse da generalidade, sendo, portanto, obrigao inteiramente baseada na lei.

A aparncia, deste modo, elevada realidade por obra exclusiva da lei. uma verdade legal que ostenta uma situao objetiva, a obrigao do devedor, que pode at mesmo inexistir, no plano da absoluta verdade, mas em ateno ao princpio da legtima aparncia vale para o terceiro de boa-f como realidade, uma vez que tem na forma do documento a nica instncia de confiabilidade. Desse modo, a aparncia o mais importante dogma da economia moderna, eis que crescente a necessidade de segurana e celeridade na circulao de valores.

No desenvolvimento econmico do Pas, notadamente a circulao do crdito fonte direta do incremento da produo e expanso do escoamento que se produz. Por isso, a vida econmica moderna seria incompreensvel com a ausncia dos ttulos de crdito. Sem eles seria praticamente impossvel o direito romper os limites do tempo e espao a fim de transportar mais facilmente para o presente as possibilidades de riquezas futuras.

Desse modo, o crdito surgiu para facilitar a vida das pessoas no s diante das suas atividades comerciais como tambm em sua relaes no mercantis, possibilitando aqueles que em certos momentos no dispe de recursos pecunirios suficientes para as suas necessidades presentes, ainda que possam dispor deles em certo momento futuro.

Baseando-se o crdito em dois elementos que so a confiana e o tempo, o credor confia que o devedor tenha capacidade financeira de adimplir, no prazo acertado, o bem a ele entregue. Para a sua garantia o credor troca o seu bem material por um documento formal chamado ttulo de crdito, que tem como principal funo a circulao do crdito. Assim, as transaes comerciais ficam mais rpidas, dinmicas.

Desse modo, decorrente de sua importncia comercial e econmica, so os ttulos de crdito, via de regra, livres para a circulao do crdito neles representados. Assim, o endosso a declarao cambial lanada na letra de cmbio ou em qualquer ttulo ordem pelo seu proprietrio, a fim de transferi-lo a terceiro.

O endosso o meio de circulao de ttulo de crdito. bem verdade que a prtica do endosso est ligada prpria razo de ser da circulao dos ttulos de crdito, no seu aspecto translativo. Hoje, o endosso desempenha relevante funo no sentido de facilitar a circulao do crdito. , pois, o ttulo de crdito um documento com caractersticas eminentemente de circulao dos direitos que dele emergem e estes se transferem juntamente com o ttulo que os representa.

A regularidade da circulao decorrer da livre e inequvoca declarao unilateral de vontade por parte de seu portador, e pela qual o adquirente do ttulo conta com direito novo, abstrato, autnomo e o que primordial, totalmente desvinculado da relao causal que lhe deu origem.

luz dessas premissas, conclui-se que o endosso o meio cambirio especfico para a transferncia dos direitos consubstanciados em um ttulo de credito, inclusive e principalmente a sua propriedade, desde que, claro, cumpre ressaltar, seja translativo.

Por outro lado, nunca demais acrescentar-se que o Decreto n. 57.663/66 dispensa qualquer solenidade para a caracterizao do endosso, podendo-se, com isso, identific-lo por qualquer frmula que traduza a vontade do endossante, como, simplesmente, a assinatura do prprio endossante no dorso da crtula sem determinao da pessoa em favor de quem passado.

Operado o endosso, o novo titular do crdito poder, de posse do ttulo, apresent-la a pagamento, reendoss-la, ou at mesmo, transferi-la a terceiro sem qualquer tipo de solenidade, bem como protest-la, sendo esta, juntamente como a apresentao para pagamento, desde que expirado o prazo de vencimento ordinrio, formas de exigibilidade do crdito.

V-se, pois, que a grande caracterstica do endosso emprestar ao ttulo de crdito aspectos de um ttulo ao portador, operando-se a sua transmissibilidade pela simples tradio manual, uma vez que, por conferir a esses ttulos esta caracterstica inata, o endosso d ao seu detentor, aquele que se apresenta com a crtula, o direito de exigir o cumprimento da obrigao delineada no documento de todos os coobrigados, devendo ser observado que a partir do saque, o prprio emitente, atravs de sua firma lanada no ttulo, assume a responsabilizao pelo adimplemento da obrigao por ele gerada, seja cambial ou no. Isso, porque, presume-se a boa-f do titular da posse, caracterstica essa que prevalecer.

Assim, inegvel que a prtica do endosso est ligada prpria razo de ser da circulao dos ttulos de crdito, em especial no seu aspecto translativo. A utilizao do endosso como modo de transmisso das obrigaes cambiais, representadas pelos ttulos de crdito, constitui um marco importante em sua prpria histria, j que, tornados facilmente transferveis, estes ttulos creditrios podem ser remetidos diretamente pelos comerciantes a seus credores como modo de pagamento.

O endosso desempenha relevante funo no sentido de facilitar a circulao do crdito e por isso evoluiu de mero instrumento de pagamento para a concepo mais moderna de instrumento de crdito, sendo assim a sua negociabilidade a caracterstica fundamental.

Corresponde, pois, o endosso, a uma declarao unilateral e acessria, adquirindo a eficcia relacionada no documento por intermdio do endossante. Analogamente, o endosso se identifica com a projeo de um novo saque, com a transferncia de todos os direitos inerentes cambial e, desta forma, o endossador responde solidariamente pela obrigao assumida, a tal ponto de criar maior garantia em prol do endossatrio.

Em razo da transferibilidade do ttulo de um detentor para outro assemelhando-se essa transferncia cesso comum certa confuso entre cesso e o endosso. Porm, a fim de no delongar-se quanto a esta diferenciao, mais acertadamente convm trazer, para o caso em tela, to somente as caractersticas primordiais desse instituto cambirio. Assim, o endosso um ato unilateral de declarao de vontade que se impe de forma escrita lanada no verso da crtula. Ainda h que se destacar que o endosso, quanto aos seus efeitos, confere direitos autnomos e, igualmente, no endosso, a eventual imprestabilidade de uma obrigao subjacente no contamina as demais, isso em razo da j citada autonomia da relao cambial.

Portanto, o endosso um negcio acessrio, posto que se lastreia numa antecedente relao entre o titular do crdito e o seu respectivo devedor, estabelecendo um vnculo de subordinao formal, ou seja, o endosso o ato cambirio abstrato e formal correspondente a uma declarao unilateral de vontade, eventual, sucessiva, lanada no ttulo de crdito ainda que do mesmo no conste a clusula ordem, pela qual o seu subscritor, denominado endossante, transfere a outra pessoa, designada endossatrio, que pode ou no ser identificado pelo endossante, os direitos emergentes do ttulo, sendo, em regras, o endossante responsvel no pelo aceite como tambm pelo seu pagamento.

Dessa forma, quando se adquire um ttulo de crdito est se adquirindo um documento formal, constitutivo de um direito nele materializado que autnomo e literal desvinculado do direito dos possuidores anteriores, e cada assinatura dada cria uma obrigao autnoma em relao outra.

Cumpre frisar que, ao se endossar, transfere-se o ttulo com seus direitos incorporados, mas no os vcios contidos ou as relaes com qualquer obrigado anterior. Assim, o Decreto 2044/1908, que dispe sobre as letras de cmbio e notas promissrias, em seu art. 43 estabelece que as obrigaes cambiais so autnomas e independentes umas das outras. E que o signatrio da declarao cambial fica, por ela, vinculado e solidariamente responsvel pelo aceite e pagamento da letra de cmbio, sem embargo da falsidade, da falsificao ou da nulidade de qualquer outra assinatura. Neste contexto, corrobora tambm o disposto no art. 47 do Decreto n. 57.663/66 e no art. 51 e 1 da Lei n. 7357/85.

Ainda neste diapaso, cumpre observar que conforme o art. 265 do Cdigo Civil a solidariedade no se presume, mas sim decorre da lei ou da vontade das partes. Sendo assim, os dispositivos supra citados trazem a fonte legal de solidariedade na obrigao cambial, entre o endossante e a sacadora emitente.

Assim, por se tratar de uma obrigao cambial solidria, pela solidariedade passiva, o credor tem o direito a exigir e a receber de um ou de alguns dos devedores, total ou parcialmente a dvida comum. Portanto, o principal efeito da solidariedade passiva reside no direito do credor poder exigir de um ou se todos os devedores a integralidade da obrigao. Logo, a solidariedade passiva confere ao devedor o nus de satisfazer a obrigao por inteiro ou parcialmente, conforme a exigncia do credor.

Consequentemente, apesar de ter sido desapossado do ttulo, o endossante no se desliga das obrigaes contidas no ttulo, porque o endosso uma promessa de pagamento indireta. Assim, quanto maior o nmero de endossantes maior a garantia do credor em ver satisfeito o seu crdito.

Igualmente, reforando a posio de credora e devedora, gerada pelo endosso, o art. 9 da Lei Uniforme de Genebra dispe que o sacador garante principal tanto da aceitao como do pagamento da letra e, continua dizendo que o sacador pode exonerar-se da aceitao, mas, no pode eximir-se da garantia do pagamento.

Ora como se v a obrigao gerada pela firma lanada num ttulo de crdito quanto ao pagamento do mesmo, decorrido o seu vencimento ordinrio, bem como as vicissitudes originrias que no so oponveis ao terceiro credor de boa-f, remonta-se desde os primrdios dos fins das ordenaes portuguesas que regravam o ordenamento jurdico brasileiro.

Desse modo, desde aquela poca, e em especial pelo surgimento da Lei de Introduo do Cdigo Civil que aplicvel a todos os ramos do direito, pois trata-se de uma norma de sobre direito ou de apoio, nenhuma pessoa, conforme o seu art. 3, no pode alegar ignorncia da norma por ela contemplada e abarcada, uma vez que h uma fico jurdica no sentido de que todos a conhecem. No mais, coaduna-se com essa assertiva o brocardo turpitudinem suam allegans non auditur o sujeito no pode valer-se da prpria torpeza -, que vedada pelo direito.

6. A INOPONIBILIDADE DAS EXCEES PESSOAIS AO TERCERIO DE BOA-F

Pelo que se extrai do inc. II do art. 5 da Constituio Federal, esta magna Carta assegura a liberdade de ao, a liberdade-matriz, liberdade-base de atuar, segundo o qual ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno em virtude de lei. Portanto, esse princpio dispe que todos tm a liberdade de fazer e de no fazer o que bem entender, salvo quando a lei determinar em contrrio.

Assim, a liberdade no incompatvel com um sistema coativo, e at se pode acrescentar que ela pressupe um sistema dessa ordem, traduzido no ordenamento jurdico. Ora, sendo esse ordenamento jurdico um corolrio do Estado Democrtico de Direito, o pretenso devedor que, atravs do judicirio, tenta, com a possvel inexigibilidade do crdito, coagir judicialmente o credor, terceiro de boa-f, a deixar de fazer algo placidamente assegurado por lei e pela Magna Carta de 1988, de cara pratica um ato abusivo de direito.

O inc. I do art. 188 do Cdigo Civil dispe que no constituem atos ilcitos os praticados no exerccio regular de um direito, portanto, o exerccio de exigibilidade do direito creditrio por parte do credor, a fim de assegurar o adimplemento e a satisfao de se respectivo crdito, de longe configura uma atitude abusiva, mas sim um exerccio de crdito.

Ou seja, a lei assegura que, dada autonomia do ttulo de crdito, dada a circulabilidade dos mesmos pelo endosso, e dado os artigos e as leis supra citadas, possa o terceiro de boa-f garantir o seu crdito.

Desse modo, para que qualquer credor possa exercer o seu direito de crdito contra o sacador e os demais coobrigados do ttulo, faz-se mister que o credor proteste o ttulo de crdito a fim de resguardo do seu crdito, perante os coobrigados. Neste sentido, vem a redao do inc. II do art. 47 da Lei n. 7.357/85. Ou seja, em caso de ausncia de pagamento, o ttulo dever ser levado a protesto, sob pena de o credor perder o seu direito de crdito em face dos coobrigados.

Assim, os sacadores bem como os aceitantes e os endossantes so obrigados solidariamente e responsveis, neste sentido, para com o portador de um ttulo de crdito. Logo, este portador tem o direito de acionar e demandar, se assim quiser, bem como buscar um composio amigvel, quaisquer um dos coobrigados, individualmente, sem, contudo, estar adstrito a observar a ordem por que elas se obrigaram, sendo tal assertiva similar ao art. 47 do Decreto n. 57.663/66, uma vez que o mesmo dispe que os sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas de um letra so todos solidariamente responsveis para com o portador. O portador tem o direito de acionar todas estas pessoas individualmente, sem estar adstrito a observar a ordem por que elas se obrigaram.

Portanto, no resta nenhuma surpresa ao devedor do ttulo quando, em qualquer forma de exigibilidade do crdito cambirio se valha o credor, para que possa requerer o ser crdito, ainda mais quando, como dito alhures, o devedor, devido a no oposio de clusula ordem, aquiesceu tacitamente com a circulao do ttulo por ele emitido e, conforme os deveres anexos de todos os negcios jurdicos - venire contra factum no potest no pode vir buscar, judicialmente, a acobertao de sua prpria torpeza, no sentido de anular uma obrigao cambial legitimamente vlida.

O venire contra factum proprium uma vedao decorrente do princpio da confiana. Trata-se de um tipo de ato abusivo de direito. Referida vedao assegura a manuteno da situao de confiana legitimamente criada nas relaes jurdicas contratuais, onde no se admite a adoo de condutas contraditrias. Trata-se de uma regra de coerncia, por meio do qual se veda que se aja em determinado momento de uma certa maneira e, ulteriormente, adote-se um comportamento que frustra, vai contra aquela conduta tomada em primeiro lugar. Portanto, o venire contra factum proprium no potest significa a proibio de ir contra fatos prprios, anteriormente j praticados [12].

Afirma, neste contexto, Menezes de Cordeiro que a pessoa que, mesmo fora do caso nuclearmente exemplar do sinalagma, desequilibre, num momento prvio, a regulao material instituda, expressa, mas s em parte, no seu direito subjetivo, no pode pois pretender, como se nada houvesse ocorrido, exercer a posio que a ordem jurdica lhe conferiu. Distorcida o equilbrio da base, sofre-lhe a conseqncia [13].

Agora, como dito anteriormente noutras palavras, a vida econmica moderna seria incompreensvel com a ausncia dos ttulos de crdito. Sem eles seria praticamente impossvel o direito romper os limites de tempo e espao a fim de transportar mais facilmente para o presente as possibilidades de riquezas futuras.

O crdito surgiu para facilitar a vida das pessoas no s diante das suas atividades comerciais como tambm em suas relaes no mercantis, possibilitando queles que em certos momentos no dispe de recursos pecunirios suficientes para as sua necessidades presentes, oportunidade para que possam dispor deles em certo momento futuro.

Desse modo, os ttulos de crdito se formaram em vista do susto alcanado pelo trfico mercantil na Idade Mdia, quando se tornou necessrio simplificar a circulao do dinheiro com instrumentos para diminuir os riscos e garantir maior certeza e segurana s atividades mercantis. Certeza quanto existncia do direito e segurana quanto sua eficcia jurdica.

Originariamente, tais ttulos geravam direitos inerentes apenas queles cujos nomes tivessem escritos nos documentos, como seus titulares/credores. Mas, posteriormente, passaram a ser transferidos por seus titulares a outras pessoas que uma vez de posse daqueles documentos, estavam aptos a exercer os direitos neles mencionados, como proprietrios. Essa transferncia facultada ao credor de transferir com o documento o seu direito de crdito a outra pessoa denominada, como j dito, clusula ordem, a qual marcou o incio da fase de circulao do crdito.

Assim, atualmente, tem-se nos ttulos de crdito muito mais que representaes documentadas de certos e determinados direitos. So eles os responsveis pela oportunidade dos direitos, neles incorporados, de circularem e serem transferidos facilmente de pessoa a pessoa, no obstante, repleto de garantias para credores e todos aqueles que figurem nesses papis.

Logo, compreendido o termo crdito como uma troca de valor atual por um valor futuro, ou ainda, mais tecnicamente, como o ato de negociar uma obrigao futura, entende-se que o ttulo de crdito o documento escrito no qual se materializa tal obrigao futura consistente na promessa feita pelo devedor de pagar a prestao atual que lhe realizou o credor.

Por outro lado, quando se diz que os ttulos de crdito so autnomos, sendo este um elemento que lhe caracterizador extrado do conceito de Vivante, conforme disposto outrora, tal autonomia no se refere relao de dbito e crdito que lhe deu origem, e sim ao relacionamento entre o devedor e terceiros. Portanto, h uma independncia dos diversos e sucessivos possuidores dos ttulos de crdito em relao a cada um dos outros.

Neste contexto, quando nossa lei fala em autonomia ela, realmente, quer traduzir a distino entre a obrigao resultante da declarao cambial e a decorrente da relao fundamental, da causa determinante daquela declarao. Logo, mesmo inexistente ou insubsistente esta obrigao fundamental, que deu origem ao ttulo ou a sua transmisso, pode ser eficaz a obrigao cartular que, embora conexa, autnoma em relao quela.

A autonomia foi criada em benefcio da livre circulao dos ttulos e, em linhas gerais, a grande maioria dos juristas a situa na inoponibilidade das excees pessoais decorrentes de convenes extracartulares em relao ao terceiro de boa-f.

Assim, todos que subscrevem um ttulo de crdito assumem obrigaes independentes, distintas das contradas por outros que, no mesmo ttulo, apuseram as suas assinaturas. Por conseguinte, como conseqncia, todos que assinam so garantes do pagamento. O consectrio lgico, ento, de que, quanto mais o ttulo venha a circular, maior certeza ter o seu dono de receber a quantia nele mencionada no vencimento estipulado, j que poder acionar tanto o obrigado principal como qualquer dos demais coobrigados.

Desse modo, ao adquirir um ttulo de crdito, passa o seu titular a ter um direito autnomo e independente da relao anterior entre os possuidores e, nesse diapaso, Pontes de Miranda, em aluso autonomia afirma que a necessidade de assegurar a circulao cambiria levou concepo da autonomia das obrigaes cambirias. Certamente, o ttulo cambirio unidade, e por vezes o designamos pela expresso ato unitrio; mas, coexistente com a aparncia do todo, h a aparncia dos outros singulares, cujo despregamento resulta do fato mesmo das assinaturas, que so diversas e lanadas em diversos tempos. Seria sem histria e, portanto, sem traos de trfico, ttulo em que, a despeito da multiplicidade das mos por que andou, recebesse declaraes bilaterais de vontade, sem lhes assegurar autonomia. O andar deu-lhe o ser solto, soltura que se reflete, na solidariedade cambiria [14].

Por sua vez, Ascarelli utiliza-se de clareza ao abordar a questo, estabelecendo que a proteo se d em duas situaes diferentes: ao fala em autonomia, o que se quer afirmar no poderem ser opostas ao subseqente titular do direito cartular as excees oponveis ao portador anterior, decorrentes de convenes extracartulares, inclusive, nos ttulos abstratos, as causais; e ao falar em autonomia, tambm o que se quer dizer no poder ser oposta ao terceiro possuidor do ttulo a falta de titularidade de quem lho transferiu [15], logo, uma situao completa a outra.

Consequentemente, o direito que cada titular sucessivo vai adquirindo sobre o ttulo e sobre os direitos que nele esto mencionados autnomo. A expresso autonomia, para a maioria da doutrina, indica que o direito do titular um direito independente no sentido de que cada pessoa, ao adquirir a crtula, recebe um direito prprio, diferente do direito que tinha ou podia ter quem lhe transferiu o mencionado ttulo.

Portanto, uma vez sendo os ttulos cambirios autnomos, o possuidor de boa-f exercita um direito prprio, que no pode ser restringido ou destrudo em virtude das relaes existentes entre os anteriores possuidores e o devedor. Ou seja, cada obrigao que deriva do ttulo autnoma em relao s demais.

Conglobando a este contexto, por inoponibilidade das excees pessoais entende-se que no permitido quele que se obrigou em ttulo de crdito recusar o pagamento ao portador alegando suas relaes pessoais com o sacador ou outros obrigados anteriores do ttulo.

O Cdigo Civil em vigor consagra a inoponibilidade das excees pessoais ao regular os ttulos ordem, no seu art. 917. Por outro lado, este critrio igualmente est consagrado no art. 17 do Decreto n. 57.66366, bem como no art. 25 da Lei n. 7.357/85. No obstante, onde se verifica maior amplitude referente matria, no Decreto n. 2.044/1908, que dispe em seu art. 51 que na ao cambial somente admissvel defesa fundada no direito pessoal do ru contra o autor, em defeito de forma do ttulo e na falta de requisito necessrio ao exerccio de ao.

Pode, ento, ater-se ao fato de que, neste texto, o legislador incluiu as hipteses em que permitida a oponibilidade, ainda que elas tratem de assuntos que no sejam estritamente de natureza cambiria. Destarte, de acordo com a lei, so apenas trs os casos em que podero ocorrer, com validade, as oponibilidades ao pagamento na ao cambiria: direito pessoal do ru contra o autor; defeito de forma de ttulo; falta de requisito ao exerccio da ao.

Assim, a matria de defesa restrita pelo que dispe o art. 51 do Decreto n. 2.044/1908. Por essa razo, a lei objetiva evitar que o cumprimento da obrigao seja retardado ou at mesmo frustrado por chicanas, devendo, desse modo, os magistrados continuarem atentos e repelirem, de plano, defesas manifestamente protelatrias ou com deficincias probatrias.

Por outro lado, exceo do art. 51 do diploma legal de 1908 os j citados artigos da Lei Uniforme de Genebra, da Lei do Cheque e do novel Cdigo Civil, trazem, em seu bojo, uma nica exceo oponvel ao terceiro credor dos ttulos creditrio, qual seja, que este os tenha havido em detrimento consciente ao devedor originrio, ou seja, esteja a aquisio eivada de erro, simulao, remisso, dolo, fraude, violncia, defesas estas que decorrem de relaes diretas e pessoais entre o devedor e o credor. Assim, a contrario sensu ao terceiro de boa-f so inoponveis, porque o mesmo desconhece a relao fundamental.

Por derradeiro, a respeito da inoponibilidade em relao s convenes extracartulares, sobreleva-se, antes de tudo, a distino feita entre os ttulos causais e os ttulos abstratos. Por ttulos abstratos se entende como sendo aqueles que podem ser criados por qualquer causa, para representar obrigaes de qualquer natureza no momento do saque. Sendo o cheque o exemplo mais gritante de ttulo abstrato. Nestes, portanto, as excees so inoponveis ao terceiro de boa-f, mesmo sabendo da existncia posterior dos vcios ou que a causa debendi esteja nele referida e tudo isto se d em virtude da sua prpria autonomia e abstrao.

Neste sentido, j dizia Pontes de Miranda que o portador de boa-f est inclume a qualquer objeo ou exceo concernente s transgresses no negcio jurdico extracambirio ... porque o ttulo cambirio abstrato [16].

Assim, enquanto a boa-f vista ora como uma crena ora como um comportamento indicativo de conduta honesta e reta, tpica de pessoa de bem, a m-f considerada uma ao fraudulenta. Procede assim, segundo Luiz Emygdio Franco da Rosa Jnior, de m-f o terceiro que, ao adquirir a cambial, no s tenha conhecimento da eventual exceo que poderia ser oposta pelo devedor ao seu credor, mas tambm tenha cincia de que existe uma impossibilidade de o devedor recuperar a soma que lhe vai pagar, daquela pessoa que era seu credor, mas que, com o citado pagamento ao terceiro, passaria a ser seu devedor [17].

Portanto, o momento mais adequado para se apurar a m-f o da aquisio do ttulo. Se o terceiro adquiriu a crtula sem ter o conhecimento de qualquer fato que pudesse inquin-la de vcio, agindo sem detrimento ao devedor, no se pode deixar de consider-lo terceiro de boa-f.

Como dito acima, o momento mais condizente para se apurar a m-f do terceiro adquirente de um ttulo de crdito, o da aquisio do mesmo. Neste sentido, exemplificativamente, suponha-se que o devedor primitivo do cheque tenha firmado um contrato de compra e venda de um bem mvel com o endossante no dia 14 de abril de 2003. Logo, nesta data inexistente era a figura do endossatrio na relao entre estas partes. Por outro lado, em virtude de algum motivo operou-se a resilio bilateral entre aqueles contratantes, sendo verificada em 14 de agosto de 2003. Contudo, neste entretempo surge a figura do terceiro credor como endossatrio do referido ttulo, uma vez que o recebeu do endossante na data de 16 de abril de 2003. Ou seja, a aquisio do cheque de emisso do emitente se verificou 2 (dois) dias aps a concluso do contrato de compra e venda de bem mvel, pactuado entre o emitente do cheque e o endossante e, 4 (quatro) meses anteriores ao distrato firmado por estas partes contratantes.

Portanto, neste exemplo tendo o endossatrio adquirido o cheque no dia 16 de abril de 2003, de longe incorre este como portador de qualidade engodativa, ou seja, em nenhum momento, conforme demonstram as datas, respectivamente, de feitura do contrato de compra e venda de bem mvel, aquisio do ttulo e distrato 14 de abril, 16 de abril e 14 de agosto, todas do ano de 2003 adquiriu o ttulo creditrio em detrimento consciente ao devedor/emitente.

Consequentemente, a tudo o que fora reportado linhas atrs, bem como a proteo jurdica legal ao terceiro adquirente de boa-f, conflui-se ao endossatrio, posto que este procedeu de ampla e irrestrita boa-f, amalgamando-se, destarte, aos pressupostos protetores que informam o princpio da inoponibilidade das excees pessoais ao terceiro de boa-f.

Assim, como substrato da boa-f, est o endossatrio igualmente no exemplo acima - abrangendo os deveres do homem para consigo mesmo, por corresponderem com o que h de permanente e universal na natureza humana, sendo perceptveis de imediato pela razo, como na generalidade dos homens, independentemente de sua cultura ou civilizao.

Desse modo, a segurana negocial e circulativa dos crditos retratados nos papis-direito , de fato, necessria manifestao da vontade de negociar que, uma vez encontrando-se viciada, torna o negcio maculado. Ou seja, a contratao e observncia da boa-f, portanto, a essncia do prprio entendimento entre os seres humanos, a presena da tica nos contratos. Por outras palavras, tudo aquilo que for legalmente previsto relao negocial ser acolhida, do contrrio ser afastada pelo princpio da boa-f.

Portanto, agindo sem detrimento ao devedor, no se pode deixar de consider-lo terceiro de boa-f. Assim, no terreno do crdito, ao ser proporcionada ampla circulao dos ttulos de crdito, d-se aos terceiros pautados de honradez plena garantia e segurana na aquisio dos mesmos. Logo, necessrio que na circulao do ttulo, aquele que o adquiriu, mas no conheceu ou participou da relao fundamental ou da relao anterior que ao mesmo deu nascimento ou circulao, fique assegurado de que nenhuma surpresa lhe venha perturbar o seu direito de crdito por quem com ele no esteve em relao direta.

Destarte, o ttulo deve passar-lhe s mos purificado de todas as questes fundadas em direito pessoal, que porventura os antecessores tivessem entre si, de forma a pertencer lmpido e cristalino nas mos do novo portador.

Dessa forma, a segurana do terceiro de boa-f essencial na negociabilidade dos ttulos de crdito. O direito, em diversos preceitos legais, realiza, como dito, essa proteo, impedindo que o subscritor ou devedor do ttulo se valha, contra o terceiro adquirente, de defesa que tivesse contra aquele com quem manteve direta e a favor de quem dirigiu a sua declarao de vontade.

Assim, a circulao do crdito se tornar dificultosa ou at mesmo praticamente impossvel se o direito creditrio no se libertar das amarras que o prende aos sujeitos primordiais da relao jurdica, ao negcio de que nasceu e ao conjunto das relaes havidas entre aqueles sujeitos. Logo, inadmissvel que, hoje em dia, diante do nosso progresso jurdico-comercial e de uma economia moderna essencialmente creditria, nos defrontemos com estes tipos de embargos.

Constata-se, desse modo, que o princpio da inoponibilidade das excees o que rege o sistema jurdico-cambirio. No entanto, com a finalidade de assegurar aos terceiros de boa-f e, consequentemente, fornecer circulao dos ttulos cambirios a garantia necessria para o crdito, de maneira que sem temor e riscos eles possam ser negociados, a lei, estritamente, regula as hipteses nas quais legitimado ao devedor de uma obrigao cambiria opor excees de defesa ao credor desta mesma obrigao e negar a este ao pagamento.

E, uma vez sendo a circulao de crdito muito alm do que uma necessidade, mas uma exigncia da economia moderna, mister que aquela se adapte aos moldes da evoluo desta. Deve-se seguir, pois, os caminhos da despersonalizao do direito que o torna, enfim, distinto da relao econmica que o originou. E justamente atravs do principio da inoponibilidade das excees que chegamos a esta finalidade.

Este princpio, portanto, confere segurana circulao dos ttulos de crdito. Sendo esta cada vez mais continente de relaes estranhas relao originria da obrigao, traz a inoponibilidade o respaldo necessrio para que no seja legitimado a qualquer devedor o direito de opor defesa ao credor e, assim, no pag-lo.

Consequentemente, o princpio da inoponibilidade das excees em direito pessoal do devedor contra o credor constitui a mais importante afirmao do direito moderno em favor, novamente, da segurana da circulao e negociabilidade dos ttulos de crdito.

7. NOTAS BIBLIOGRFICAS

[1] Jos Maria Whitaker, Letra de Cmbio, 1942, Saraiva, 3. Edio.

[2] Tlio Ascarelli, Teoria Geral dos Ttulos de Crdito, 1999, 2. Edio.

[3] Slvio de Svio Venosa, Direito Civil Vol. II, 2001, pg. 21.

[4] Maria Helena Diniz, Compndio de Introduo Cincia do Direito, 1997, pg. 520-521.

[5] Caio Mario da Silva Pereira, Instituies de Direito Civil Vol. II, 1999, pg. 2.

[6] Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil 4. Volume, 1999, pg. 3.

[7] Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado Parte Geral, 1954, pg. 346.

[8] Cesare Vivante, Trattato di Diritto Commercial, 1924, pg. 123.

[9] Jos Maria Whitaker, op.cit.

[10] Tullio Ascarelli, op.cit., pg. 55.

[11] Fbio Ulhoa Coelho, Manual de Direito Comercial, 2003, pg. 229.

[12] Marcelo Capi Rodrigues, Da Incidncia do Princpio da Boa-f Objetiva no Pagamento

Fracionado conforme o art. 314 do Novo Cdigo Civil, 2004, pg. 6.

[13] Menezes de Cordeiro, Da boa-f do Direito Civil, 1997, pg. 851.

[14] Pontes de Miranda, op.cit., pg. 119.

[15] Tullio Ascarelli, op.cit., pg. 270.

[16] Pontes de Miranda, op.cit., pg. 188.

[17] Luiz Emygdio Franco da Rosa Jnior, Letra de Cambio e Nota Promissria: Direito Cambirio, 1984, pg. 434.

(*) o autor advogado em So Paulo.