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DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO Aulas 9 e 10 - Reenvio Referências: Decreto nº 4657 - Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro +++ Noções Gerais O Direito Internacional Privado de um Estado indica o direito aplicável a uma situação específica que envolva interesses de diversas nações. Entretanto, como compõem o ordenamento nacional as próprias disposições a respeito do direito aplicável, pode haver divergência em relação aos sistemas de conflitos de leis. Isto se configura em reenvios de 1º e 2º graus. O reenvio é a indicação de um caso, pelas normas de um país a que se transmitiu a competência para resolvê-lo, a um terceiro ordenamento (reenvio de 2º grau) ou ao Estado originário (reenvio de 1º grau). Ao reenvio se opõem os argumentos de que a indicação do direito estrangeiro pelo sistema do foro resolve em si a questão da competência; de que a aceitação de norma estrangeira fere a soberania do foro; de que o reenvio seria mera “cortesia internacional”, não revestido de caráter jurídico no ordenamento interno; de que poderia o reenvio levar a um ciclo vicioso; e de que o instituto não evitaria decisões divergentes por foros diversos. Contra-argumentos a essas posições são que a restrição da competência do foro de origem é feita pelo próprio ordenamento nacional; que a aceitação do reenvio não implica em prejuízo à soberania porque se faz em obediência às normas internas; e que a sua rejeição, bem como a aceitação, pode levar a posições divergentes. Ainda a favor da aceitação do reenvio, pesam a teoria da subsidiariedade, pela qual a lei do foro sempre age subsidiariamente à impossibilidade de se aplicar norma estrangeira, resultando no mesmo que o reenvio de 1º grau, e a tese de que não se pode aplicar o direito de um país estrangeiro sem seu consentimento. Corrente francesa sustenta que a subsidiariedade da lei do foro baseia-se na necessidade de manutenção da ordem pública, que restaria ameaçada pela indefinição de ordenamento competente. Atente-se, ainda, que o reenvio deve ser realizado observando-se a necessidade de coordenação dos sistemas: deve-se ter em vista, por exemplo, a fragmentação do judiciário estadunidense quando da aplicação das normas desse país em foro estrangeiro. Exceções à aceitação do reenvio incluem a soberania da vontade das partes, que podem explicitar em contrato o direito aplicável. A forma dos atos, que sempre rege -se pelo local de sua realização – locus regit actum – também por presumir-se ser da vontade das partes realizar o ato de acordo com essas regras. De acordo com a Nova Consolidação das Leis Civis, no seu artigo 25, consolidou o princípio da nacionalidade, dispondo que “prevalecerão as disposições estrangeiras de Direito Civil ainda que que outra seja a disposição de Direito Internacional Privado.” Sign ifica dizer que o reenvio não foi previsto na norma acima.

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A doutrina, em contra partida, defende a aceitação do reenvio. O Decreto nº 4657, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, reformou as regras de Direito Internacional Privado e determinou a proibição do reenvio. O artigo 16 dispõe que “se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei.” Tal artigo é a tradução exata do artigo 30 das “Disposições sobre as Leis em Geral” da Itália, de 1942. Contudo, em 1995 esse dispositivo já sofreu alteração pela nova lei italiana, admitindo categoricamente a possibilidade de reenvio. Doutrinadores e especialistas de Direito Internacional Privado Brasileiro mantém uma acalorada discussão sobre o dispositivo da LINDB que proíbe o reenvio. Clóvis Beliláqua, por exemplo, afirma que o legislador brasileiro “amputa a lei estrangeira que a lei pátria manda aplicar”. No Anteprojeto de Lei Geral de Aplicação das Normas Jurídicas, em seu artigo 77, Haroldo Valladão aceita as hipóteses de reenvio de 1º e de 2º graus, resolvendo o problema de potenciais emissões sucessivas que cheguem a um sistema de resolução de conflitos que não reconheça a sua competência. O Projeto de Lei nº 4905, de 1995, também se posiciona a favor do reenvio de 1º e de 2º grau, como disposto no seu artigo 15, parágrafos 1º e 2º, respectivamente. Caso Collier vs Rivaz Fonte Jurisprudencial do Reenvio - Caso Collier Vs. Rivaz, Inglaterra, 1841 Primeiro caso em que se verificou o conflito de 2º grau de caráter negativo. Consistia em uma sucessão de um cidadão inglês que falecera na Bélgica. De acordo com o direito britânico, que preza a lei do domicilio, o caso deveria ser regido pelo direito belga visto que a Bélgica tinha sido o ultimo domicilio do sujeito. O direito belga, por sua vez, alegava que o falecido não tinha permissão formal do governo para ter se fixado no dito país e, portanto, seu domicilio legal ainda seria o inglês. Além de todas as questões de domicilio, estavam ainda em discussão as questões formais de seus atos. A sucessão, julgada em corte britânica, revelou que quatro codicilos do falecido haviam sido efetuados na forma da lei britânica e não na belga. Acontece que segundo as normas britânicas, a forma dos atos de ultima vontade devem obedecer á lei do Direito Internacional Privado belga. Porém, segundo o direito belga, a forma de testamento feita por estrangeiro na Bélgica, que não tenha permissão para ali se fixar, é regida por lei de sua nacionalidade. Por fim, a corte britânica, depois de reconhecidos todos os atos e todas as formas da lei belga, considerou validos os atos e aceito o reenvio, aplicando a lei britânica a que os tribunais belgas se referiam. Caso Forgo, França, 1878 Forgo era cidadão bávaro, filho natural nascido na Alemanha, tendo vivido na França e lá falecido aos 68 anos na cidade de Pau. Não deixou testamento para sua expressiva fortuna, tendo sido reivindicada pelos colaterais de sua mãe, com fundamentos na lei bávara, que incluía o dito grau de parentesco entre os herdeiros, mesmo quando decorrente de uma relação paternal natural, como no caso. A lei francesa, por sua vez, dispunha que apenas irmãos ou irmãs herdavam em caso de filiação natural. Como Forgo não tinha parentes de tal grau, o Estado francês clamou a sucessão para seu tesouro. Pela lei bávara, os parentes herdariam, pela francesa, não. Acontece que ambos os sistemas estabeleciam que o domicilio era o que regia toda a sucessão e seu ultimo tinha sido a França. Ocorre que de acordo com o

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artigo 13 do Código Civil francês e sua redação da época, a aquisição de domicilio francês dependia da obtenção pelo interessado de um decreto de admissão, o que Forgo não tinha nem havia solicitado. A França foi, portanto, considerado um domicilio de fato, e a Baviera, seu local de origem, o de direito. A lei que iria reger o caso seria, portanto, a bávara. Acontece que o direito da Baviera não faz diferença entre domicilio de fato ou de direito, portanto Forgo era considerado efetivamente domiciliado na França e que sua sucessão fosse regida pelo direito francês. A Corte de Cassação francesa decidiu aceitar o reenvio do direito bávaro e acabou aplicando sua lei interna de forma que a sucessão se deu em favor do Estado francês. Aplicabilidade da Lei Estrangeira: Reenvio e Reforma da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Segundo Dolinger, três são princípios orientadores: da efetividade, da harmonia e da uniformidade. O primeiro diz respeito à necessidade de verificação da decisão proferida, uma vez que essa pode contrariar ordem pública da jurisdição executante. O segundo princípio, por sua vez, visa assegurar a continuidade e uniformidade das decisões devendo, pois, aplicar o mesmo direito às situações idênticas. A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro proíbe expressamente em seu artigo 16 o reenvio. O referido artigo é uma tradução literal das normas gerais do código italiano de 1942, que foi alterado em 1995 passando a aceitar o reenvio. Grande parte da doutrina e da jurisprudência brasileiras sempre se manifestaram a favor do reenvio. É importante ressaltar que até 1942, com a edição da LICC, a prática do reenvio no Brasil era aceita, pois não havia lei que regulasse o assunto, e por isso; quando surgia um caso que demandava o aceite de reenvio por parte do Brasil, este era recepcionado. O principal argumento da parte da doutrina que não é a favor do reenvio se baseia no critério de valoração do legislador, porém para que tal argumento fosse vál ido, as leis de cada país acerca de Direito Internacional Privado deveriam prever todas as situações que poderiam surgir do relacionamento entre Estados. A doutrina majoritária defende , portanto, que enquanto a legislação não é atualizada, cabe aos tribunais modernizar o Direito, incorporando novas tendências. Em 1964 foi proposto por Haroldo Valladão um anteprojeto de reforma da LICC. Tal documento previa em seu artigo 78 que tanto as regras de direito material quando as de direito internacional privado estrangeiro seriam consideras, o que caracteriza uma referência global. Pode-se perceber que o referido artigo trazia considerável evolução à LICC. Em 1995 o projeto de lei nº 4905/1995 foi elaborado por uma comissão de professores e previa em seu artigo 15 a possibilidade de reenvio. O projeto teve vários indícios de aprovação, porém foi “misteriosamente” retirado da pauta do Congresso pelo Poder Executivo. Pode -se concluir, portanto, que adotar o reenvio seria um método indispensável para o bom funcioname nto do direito internacional privado brasileiro, pois considerar a integralidade da lei estrangeira é apenas aplicar a lei que o direito pátrio indicou. O direito internacional privado evolui para um pensamento universalista, em que toda relação jurídica ultrapassa a fronteira nacional e exige que se encontre a lei mais apropriada para regê-la, é o princípio da proximidade. O reenvio representa um dos passos necessários à adequação do direito internacional privado brasileiro ao crescimento das relações interestatais que podem demandar o poder judiciário nacional.