Direito Internacional Privado2012-2013

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Direito Internacional Privado Fonte Principal do DIP: parte geral do CC DIP é direito civil. Objecto: regulação das relações privadas internacionais. Direito civil será relações familiares, reais ou comerciais. o Nas relações internacionais, a feição da relação jurídica não se confina ao ordenamento jurídico interno. Há um ponto de contacto com qualquer outro ordenamento jurídico. Ex: dois jovens querem casar e pretendem fazer convenção antenupcial – A e B são portugueses e vivem em Portugal. Todos os efeitos do casamento encontram-se regulados no CC. Se A e B forem italianos e residentes em Milão mas pretendem casar em Portugal esta hipótese tem a mesma natureza jurídica (condições, efeitos e forma da convenção antenupcial) mas assume cunho internacional. A questão está em contacto com mais que um ordenamento jurídico. Pode haver conflito de leis no espaço - constitui objecto do DIP. Qual o direito a aplicar a cada relação? A possibilidade de aplicar direito estrangeiro nos tribunais portugueses é provável. Como resolver um conflito de leis? Que lei aplicar quando a mesma questão jurídica está em contacto com mais que um ordenamento jurídico? Lei do foro: lei do lugar a que pertence o órgão de aplicação do direito perante o qual a questão foi suscitada. Objecto do DIP: relações jurídicas privadas que estão em contacto com mais que um ordenamento jurídico. Reconhecimento de direitos ≠ objecto do DIP o Ex: casal espanhol casado em Espanha quer ver o seu casamento reconhecido em Portugal. Jitta fez classificação quanto ao reconhecimento de direitos. Dividiu relações privadas quanto ao objecto do DIP: o Relações internas: desde a sua génese não têm nenhum ponto de contacto com outro ordenamento jurídico. o Relações relativamente internacionais: quando está em contacto com um único ordenamento jurídico internacional. Só há conflitos de leis no espaço quando se está em contacto com mais que um ordenamento jurídico. Ex: espanhóis casados em Espanha que querem ver o casamento reconhecido em Portugal. Não provoca conflitos de leis no espaço. Trata-se do reconhecimento de uma relação jurídica já constituída. o Relações absolutamente internacionais: Ex: discussão do regime de bens de um casal em que um é francês e o outro é português e casaram em Espanha mas cuja questão foi suscitada em Portugal. Estamos aqui perante uma verdadeira questão de DIP – decide qual o território de vigência das leis. Magalhães Collaço refere-se a estas relações como relações atravessadas por fronteiras. 1

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Direito Internacional Privado

Fonte Principal do DIP: parte geral do CC DIP é direito civil. Objecto: regulação das relações privadas internacionais. Direito civil será relações familiares, reais ou comerciais.

o Nas relações internacionais, a feição da relação jurídica não se confina ao ordenamento jurídico interno. Há um ponto de contacto com qualquer outro ordenamento jurídico.

Ex: dois jovens querem casar e pretendem fazer convenção antenupcial – A e B são portugueses e vivem em Portugal. Todos os efeitos do casamento encontram-se regulados no CC. Se A e B forem italianos e residentes em Milão mas pretendem casar em Portugal esta hipótese tem a mesma natureza jurídica (condições, efeitos e forma da convenção antenupcial) mas assume cunho internacional.

A questão está em contacto com mais que um ordenamento jurídico. Pode haver conflito de leis no espaço - constitui objecto do DIP. Qual o direito a aplicar a cada relação?

A possibilidade de aplicar direito estrangeiro nos tribunais portugueses é provável. Como resolver um conflito de leis? Que lei aplicar quando a mesma questão jurídica está em contacto com mais que

um ordenamento jurídico? Lei do foro: lei do lugar a que pertence o órgão de aplicação do direito perante o qual a questão foi suscitada. Objecto do DIP: relações jurídicas privadas que estão em contacto com mais que um ordenamento jurídico. Reconhecimento de direitos ≠ objecto do DIP

o Ex: casal espanhol casado em Espanha quer ver o seu casamento reconhecido em Portugal. Jitta fez classificação quanto ao reconhecimento de direitos. Dividiu relações privadas quanto ao objecto do DIP:

o Relações internas: desde a sua génese não têm nenhum ponto de contacto com outro ordenamento jurídico.o Relações relativamente internacionais: quando está em contacto com um único ordenamento jurídico

internacional. Só há conflitos de leis no espaço quando se está em contacto com mais que um ordenamento jurídico.

Ex: espanhóis casados em Espanha que querem ver o casamento reconhecido em Portugal. Não provoca conflitos de leis no espaço. Trata-se do reconhecimento de uma relação jurídica

já constituída.o Relações absolutamente internacionais:

Ex: discussão do regime de bens de um casal em que um é francês e o outro é português e casaram em Espanha mas cuja questão foi suscitada em Portugal. Estamos aqui perante uma verdadeira questão de DIP – decide qual o território de vigência das leis.

Magalhães Collaço refere-se a estas relações como relações atravessadas por fronteiras.

A diversidade de direitos materiais também existe ao nível das normas de conflitos, isto é, o DIP português pode mandar aplicar a lei da residência habitual das partes, o francês manda aplicar a LN e a lei espanhola manda aplicar a lei do local onde foi celebrado o contrato. Estas leis não se entendem. Em princípio, é o tribunal no qual a questão foi suscitada que aplicará o DIP. O tribunal do foro aplica regras de conflitos do foro, isto é, em princípio não aplicamos regras de conflitos estrangeiras. Se o tribunal tem de aplicar direito estrangeiro tem que saber qual é esse direito estrangeiro.

Princípio da paridade entre ordenamentos jurídicos: é o tribunal do foro que decide qual o ordenamento jurídico que deve resolver o conflito através da aplicação do DIP português.

O problema próprio do DIP é um problema de escolha de lei (no espaço). DIP = Private International Law = Conflicts of law

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LEI DO FORO

Quando há conflito de leis não se está a falar apenas do tribunal. Podemos estar perante uma conservatória de Registo Civil ou até mesmo perante um Pároco. Vamos ter problema de conflito de leis sempre que o conflito surja, seja num tribunal, consulado, notário ou conservatória. O órgão fica legitimado para aplicar a lei desde que seja suscitada a questão.

Quando falamos no “foro” estamos a falar de um órgão de aplicação do direito. A lei do foro será a lei do ordenamento jurídica à qual pertence o órgão de aplicação do direito perante o qual a questão foi suscitada.

PROBLEMA DA COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES

Perante situações completamente internacionais será que os tribunais portugueses têm legitimidade para se pronunciar? Os tribunais portugueses só resolvem a questão se tiverem competência internacional para tal. (Pressupostos da competência internacional dos tribunais portugueses em princípio estarão verificados nos casos práticos que iremos resolver nas aulas).

O DIP não é uma matéria que tenha sofrido grandes desenvolvimentos ao longo do tempo. Só no século XIX, com Savigny e a pandectística alemã é que temos o DIP a surgir como forma de resolver conflitos espaciais de leis. Esta lentidão no desenvolvimento do DIP compreende-se num mundo completamente fechado. Com o fenómeno da globalização o DIP ganhou importância acrescida.

Autores que contribuíram para o desenvolvimento do DIP:o Batista Machadoo Ferrer Correiao Magalhães Collaço

Importância das relações privadas internacionais: o fenómeno da globalização levou ao maior desenvolvimento destas relações. As relações privadas internacionais têm de ser olhadas de uma perspectiva diferente das relações privadas internas. Ficcionar que as relações privadas internacionais são internas seria inadmissível.

Princípios do direito civil: coordenadas tempo e espaço.o Tempo: princípio da irretroatividade das leis (art.12ºCC) – protecção das expectativas das partes;o Espaço: princípio da não transatividade das leis – só se deve aplicar uma lei aos factos quando essa lei esteja

impregnada aos próprios factos. O princípio da não transatividade obriga a não aplicar uma lei estranha espacialmente aos factos. O problema é que este princípio não diz qual a lei a aplicar. Esse problema é resolvido pelo DIP.

A necessidade de termos um DIP mais aperfeiçoado é hoje uma evidência pelo progressivo desenvolvimento de relações privadas internacionais e por uma questão de princípios gerais de direito (princípios da não retroatividade e da não transatividade).

A partir da assinatura do tratado de Amesterdão passou a haver competência da UE para decidir questões de DIP. Com este tratado surge competência em matéria conflitual, isto é, tenta-se harmonizar as regras de conflitos dos países da União Europeia. Se os tribunais de vários ordenamentos jurídicos são competentes para a mesma relação jurídica, pode suscitar uma incerteza na situação. Naturalmente, as partes vão procurar que se aplique a lei do ordenamento jurídico que mais lhes interesse. Chama-se a isso “forum shopping” – a União Europeia entendeu que é desejável, no espaço europeu, uma uniformização das regras de conflitos.

A diversidade é tão grande que, arranjar uniformização é difícil. Criando regras uniformes de conflitos de leis, consegue-se uniformização do DIP, isto é, de regras de conflitos através de Regulamentos Internacionais (não necessitam de transposição).

o Regulamento Roma I – obrigações contratuaiso Regulamento Roma II – obrigações extracontratuaiso Regulamento Roma III – divórcio e separação

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o Regulamento Roma IV – sucessões internacionais Comunitarização do DIP: passou a ser fonte comunitária. A lei aplicável na prática tanto pode ser a lei de um EM como a

de um Estado de fora da União Europeia. Regulamentos comunitários não unificam o direito material no âmbito dos EM. Esta nova solução provocou uma certa

confusão na prática – houve quem pensasse que unificasse o direito material dos EM da União Europeia (o que não é verdade).

Será que relações privadas internacionais têm de ser resolvidas a partir de determinado sistema conflitual? Criação de direito privado especial internacional.

o Ius Gentium – direito específico que atendia às particularidades daqueles que não se encontravam ao abrigo do “Ius Civile”

o A tentativa de criar direito privado especial não se fez sem critério. No direito comercial internacional criou-se normas internacionais privadas, como é o caso da Convenção de Viena sobre compra e venda de mercadorias.

o Houve criação de direito material uniforme para certas relações jurídicas: é o caso da LULL e da LUC em direito comercial. Aqui temos uma convenção (fonte internacional), mas cria direito uniforme material.

o As regras de conflitos dizem qual a lei aplicável a cada tipo de relação jurídica. Há normas que têm feição diferente das RC – art.54º/2 CC refere-se ao problema da modificação dos regimes de bens e

trata-se de uma norma remissiva que manda aplicar o art. 52º CC.o Ex: A e B são casados. Um é português e outro espanhol e vivem no Porto. O art. 54º/2 (e o art.1714º CC)

manda aplicar a lei da RH o que implica que eles não podem alterar o regime de bens na constância do matrimónio.

o Trata-se de um problema de DIP resolvido por direito internacional privado. O art. 54º/2 mostra que, perante a possibilidade de mudar o regime de bens, essa modificação não pode prejudicar direitos de terceiros. Esta norma é uma norma material específica que admite aplicação de lei estrangeira e que se encontra prevista numa RC.

O sistema conflitual não é a única forma de resolver um problema de DIP. A “lex mercatória” não tem fonte estadual. É um conjunto de usos a que as partes aderem e que não tem fonte

definida. É cada vez mais aplicada pelos tribunais arbitrais. A via material serve pontualmente determinados interesses mas não é exaustiva. As relações privadas internacionais

estão em contacto com vários ordenamentos e dificilmente eles estão de acordo. A via por excelência para resolver o problema é a via conflitual.

A plurilocalização tem de ocorrer em mais que um ordenamento jurídico. Há elementos de contacto que tornam a relação plurilocalizada mas que são irrelevantes para tornar a relação absolutamente internacional.

O DIP, enquanto conflito de leis, é convocado. No espaço europeu não há normas materiais uniformes (excepto LULL e LUC). Para que os EM cheguem a acordo é difícil. Tentativas de uniformização são limitadas.

Art. 14º a 65º CC – entre estas normas encontramos algumas normas materiais. Uma RC típica é aquela que resulta do art. 46º CC: “O regime da posse, propriedade e demais direitos reais é definido

pela lei do Estado em cujo território as coisas estão situadas.”o Sempre que surja um litigio que envolva uma destas matérias e essa situação é plurilocalizada, temos uma

situação internacional. Se isso acontecer e o Estado do foro for o estado português, não vamos aplicar a lei material portuguesa mas sim o DIP português, isto é, o art. 46º CC.

o Ex: imóvel situado na Corunha e questão é suscitada nos tribunais portugueses: juíz tem que aplicar a lei espanhola.

Via indirecta para resolução da situação plurilocalizada. Para saber em Portugal qual a disciplina dos direitos reais aplicável, temos que questionar o direito material do Estado onde se situa a coisa objecto de litigio.

Batista Machado diz que se trata de uma via directa: a RC não tem como função primeira atribuir competência a uma determinada lei. A função é prevenir o conflito de leis através de um reconhecimento prévio do âmbito de competência territorial das leis atribuída pela especial relação que essa lei tem com a situação jurídica em causa. O legislador conflitual orienta-se por critérios

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formais – questão da localização dos factos em relação aos ordenamentos jurídicos. Não olha para o resultado material da aplicação da lei.

A escolha do elemento de conexão relevante é que mostra a internacionalidade da situação – através de critérios formais de localização.

Para as questões pessoais, temos a LN como a lei competente. Já no Brasil, a lei competente para regular as relações pessoais é a lei do domicílio. Tem a ver com as condições sócio-económicas do país. O Brasil, por receber muitos emigrantes, tem interesse em ver aplicada a sua lei interna às relações pessoais.

A via maioritária para resolução das situações é a via conflitual. Os conflitos de leis constituem o núcleo de estudo do DIP. Lei da Nacionalidade – no direito português a LN é a lei eleita para resolução de conflitos pessoais.

o Em caso de conflitos de nacionalidades há que definir qual a nacionalidade que prevalece.o Questão prévia da nacionalidade: estrangeiro que case com português pode adquirir nacionalidade portuguesa

desde que verificados determinados requisitos. Regras sobre competência internacional e princípios gerais sobre os direitos dos estrangeiros (conjunto de normas que

regulam capacidade de gozo dos estrangeiros)o Em Portugal vigora o Princípio da Equiparação (15º CRP): no âmbito do direito privado este princípio tem

reflexos no art. 14º.o O art. 14º/1 CC diz que os estrangeiros são equiparados aos nacionais. Primeiro actuam as RC para sabermos

qual a lei aplicável, no entanto há o problema do art. 22º CC (ordem pública). Aplicação do direito estrangeiro não pode contrariar os princípios fundamentais da ordem pública do

estado português. Art. 14º/2 CC – reciprocidade

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIP

A) ANTIGUIDADEa. No Império Romano: relações entre romanos e peregrinos eram reguladas pelo “ius gentium”. Tratava-se de

uma via substancialista para regular as relações privadas internacionais.B) ÉPOCA MEDIEVAL

a. Séc XI e XII: monarquias bárbaras europeias – vigorava o princípio da Personalidade do direito. Não havia territórios com contornos definidos, logo cada pessoa vivia segundo a sua própria lei. Não havia conflitos de leis.

i. Professio Iuris = Autonomia Conflitual: possibilidade de as partes determinarem qual a lei aplicável às suas relações jurídicas.

ii. Cada um diz qual a sua lei;b. Populações tendem a fixar-se e a celebrar uniões/casamentos – as pessoas oriundas de diferentes grupos

étnicos tendem a juntar-se a ponto de já não se saber a lei segundo a qual se vive. Passamos para o sistema da territorialidade das leis, isto é, as normas vigoram para um território definido e serão aplicadas nesse território.

i. Perante o sistema da territorialidade das leis surge o verdadeiro problema do DIP. Cada tribunal aplicava a lei vigente no território ao qual pertence.

C) A PARTIR DO SÉCULO XI EM ITÁLIA:a. Com o desenvolvimento das relações comerciais, há a recuperação dos valores da Antiguidade Clássica que

leva à redução a escrito do direito consuetudinário e dos usos locais – torna visível a colisão de estatutos de cada cidade = conflito de leis.

b. O código Justiniano vem pôr o princípio da territorialidade em causa.c. A Escola Estatutária dá contributos diferentes até ao século XIX (com Savigny)

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i. Propostas de soluções para conflitos de estatutos:1. Balduíno: há diferença entre a lei do processo e a lei do mérito da causa. A lei do processo é

necessariamente a lei do foro ao passo que a lei do mérito da causa pode ou não ser estrangeira.

2. Alderico: formulou a primeira questão de DIP. Para ele deve aplicar-se sempre a lei mais justa – olha-se ao resultado material da aplicação da lei.

3. Bártolo: é necessário olhar para os estatutos e determinar se, atendendo à sua natureza, eles devem aplicar-se territorialmente ou se são pessoais, acompanhando a pessoa onde quer que ela vá.

a. Distingue:i. Estatutos reais – aplicação territorial

ii. Estatutos pessoais – aplicação extraterritorialiii. Estatutos mistos – de aplicação territorial ou extraterritorial consoante o

estatuto que predomine.4. Dumoulin (francês): colocado perante um litígio quanto aos regimes de bens de um casal e

estando os bens localizados em sítios diferentes tendo os cônjuges domicilio noutro local, ele veio a sugerir o princípio da territorialidade, isto é, em princípio os imóveis devem ser regulados pela lei do local onde se encontram. No entanto este autor sugere a primeira formulação daquilo que mais tarde ficou conhecido como autonomia conflitual, isto é, as partes devem poder escolher uma lei hipotética para aplicar-se às relações entre elas.

Nota característica da Escola Estatutária: ponto de partida é a indagação dos limites de aplicação das regras jurídicas através da análise dessas mesmas regras. Afirmar sem mais que um estatuto tem natureza pessoal, real ou mista é difícil. A “ratio legis” da norma nem sempre nos fornece essa informação.

D) Séc. XIX e XXa. Savigny faz nova teoria sobre limites de aplicação da lei no espaço e no tempo da norma jurídica. (Escreveu

“Sistema do Direito Romano Actual”, vol.III)i. Teoria da Norma: problema da retroactividade e da não transatividade

ii. Criou Revolução Coperniciana: há viragem de perspectiva. Deixamos de olhar para a norma para passar a olhar para a relação jurídica e a sua sede. Toda a relação jurídica tem uma sede e, consequentemente essa sede terá uma lei que lhe é aplicável.

iii. Relação Jurídica _ sede (território jurídico)_lei aplicáveliv. Savigny consideram que todas as normas materiais de todos os ordenamentos jurídicos são fungíveis

– Há comunhão de valores e princípios, o que leva a que as soluções sejam mais ou menos idênticas. Tem de haver paridade entre os direitos. Era desejável que houvesse uma harmonia internacional de decisões. Evitando o “forum shopping” consegue-se que os países apliquem uma certa solução à relação jurídica. Savigny parte da sede da relação jurídica.

v. Distingue entre:1. Direitos reais: sede é o lugar onde as coisas estão situadas – Lex Rei Sitae2. Direito das obrigações: sede é o lugar do cumprimento da obrigação3. Direito da família: sede é o lugar do cumprimento da obrigação4. Direito das sucessões: extensão da personalidade jurídica justifica que as sucessões sejam

reguladas pela lei do último domicilio do “de cujus”.vi. Criação de um sistema universal e abstracto leva a uma harmonia de soluções.

vii. Em geral, as matérias do estatuto pessoal são regidas pela lei do domicílio.viii. Quanto à forma dos negócios jurídicos, Savigny adopta a fórmula de Bártolo, isto é, aplica-se a lei do

luar onde o negócio é celebrado – “locus regit actum”ix. Savigny admitiu que há normas que têm natureza imperativa das quais os Estados não podem

prescindir.x. Este modelo superou todas as limitações do modelo estatutário.

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xi. O modelo de Savigny não conseguiu totalmente a harmonia jurídica uma vez que cada ordenamento jurídico tem uma RC diferente.

b. Mancini: Conferência da Haia de DIP (1893)i. Os conflitos de leis devem ser resolvidos pela lei da nacionalidade.

ii. Cada ordenamento jurídico tem o seu sistema de DIP diferente – as motivações de cada sistema conflitual são diferentes.

iii. Nacionalidade como elemento de conexão relevante para relações do estatuto pessoal.

No espaço europeu está-se a voltar à ideia Savigniana de uniformização do sistema conflitual através da aplicação dos regulamentos comunitários.

Com a Revolução Americana surgiram alguns autores a criticar o modelo de Savigny: Escola Americana do Conflito de Leis.

Cavers e Currie criticaram o sistema Savigniano das regras de conflitos:

- Método savigniano das RC é um método arbitrário sem qualquer critério substancial; “slot machine”; este método não atendia ao caso concreto; a aplicação de uma lei ignorava que, para a mesma questão, o caso concreto tivesse elementos de localização específicos que levariam à aplicação de outras leis com ele mais relacionadas. A rigidez da RC é fortemente criticada.

- Método completamente cego ao resultado material da aplicação daquela lei.

Segundo estes autores, é possível aperfeiçoar o método conflitual de modo a que não sofra destas patologias. Ambos os autores inspiraram-se num famoso caso americano “Babcock VS Jackson” de 1963. Neste caso discutiu-se o pedido de indemnização resultante de um acidente de viação. Estes cidadãos eram americanos e residiam em Nova Iorque mas tiveram acidente em Ontário (Canadá). O tribunal de Nova Iorque decidiu em primeira instância que devia aplicar-se a lei canadiana por ser a lei do local onde se deu o acidente. Como tal, a lei canadiana não concedia qualquer indemnização aos transportados gratuitamente. Babcock perdeu em primeira instância e recorreu da referida decisão. O tribunal de recurso concedeu indemnização com base nestas duas conclusões:

A RC manda aplicar em geral a lei do lugar onde foi praticado o ilícito. Mas não há mais elementos além deste que relacionem o facto ao Canadá. A nacionalidade, lugar de residência, companhia de seguros, são todos de Nova Iorque. O único elemento que liga o Canadá é o lugar do acidente, os restantes elementos ligam a situação a Nova Iorque.

No caso concreto temos uma situação de facto ligada em muitos aspectos com Nova Iorque. A ligação com o Canadá é meramente acidental.

Deve aplicar-se a lei nova iorquina. A razão de ser da norma do Estado do Ontário era a suspeição de possível conluio entre o tomador do seguro e a seguradora.

o Como a companhia de seguros é americana, a lei canadiana não tem interesse em aplicar-se.o Olhando para o resultado material das normas em confronto: o tribunal de Nova Iorque decidiu

aplicar a lei nova iorquina.

Ex: art. 45º/3 CC – tenderá a ser substituído pelo Regulamento Roma II. Para situações que tenham ocorrido anteriormente à entrada em vigor do regulamento, aplica-se o art. 45º/3. Este artigo prevê a conjugação de elementos de conexão com o resultado material da aplicação da lei (aquela que confere maior protecção à vítima).

As objecções levantadas pelo tribunal de Nova Iorque dão razão aos dois autores:

Cavers diz que não se pode ignorar o resultado material da aplicação das leis; propõe um método.

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o Numa primeira fase (1933): Conflitos de leis devem ser resolvidos através da comparação dos resultados da aplicação hipotética

das leis em contacto com a situação. Para além da lei de Nova Iorque estar em contacto com a situação, a lei canadiana tem uma

razão de ser que não justifica a sua aplicação ao caso concreto. Método inseguro: nunca se sabe qual será o critério a utilizar pelo juiz.

o Numa segunda fase (1965): Admite casuísmo e insegurança da primeira fase; Cria “Principles os preference”: perante uma questão jurídica, deve-se elaborar conjunto de critérios

que devem guiar o juiz na escolha da lei aplicável: elementos de conexão poderão estar numa relação de subsidiariedade ou alternatividade condicionados ao resultado que se pretende alcançar.

Escolha poderá recair sobre:o Lei do lugar do danoo Lei do lugar da prática do ilícitoo Lei da residência do réuo Lei de uma especial relação que una a vítima e o agente do ilícito (ex: relação de

família ou de trabalho) Aqui temos vários elementos de conexão em relação de subsidiariedade – a escolha deveria

ser sempre escalonada. Tentativa de combinar a segurança jurídica com a flexibilidade.

o Ex: 36º e 65º CC – forma do negócio/testamento – oferecem vários elementos de conexão em alternativa – o juiz tanto pode aplicar um como outro desde que se consiga obter objectivo final estipulado na própria RC.

Há intenção de se aplicar a lei que favoreça – materialmente orientada.o Ex: 52º CC tem vários elementos de conexão mas aqui há um critério de subsidiariedade entre eles.

Currie: a sua proposta é mais radical – é mais defensor da aplicação da lei do foro. Preocupa-se menos com a harmonia jurídica internacional de julgados.

o Se o tribunal olhar para a lei mais justa, essa apreciação vai variar de tribunal para tribunal, de ordenamento jurídico para ordenamento jurídico. Qualquer direito de filiação que estabeleça/facilite ao máximo o estabelecimento da filiação deve ser esse a aplicar-se. Cada ordenamento jurídico escolherá a lei que considere mais favorável dependendo do código de valores do ordenamento jurídico no qual a lei se insere.

o Vem apenas considerar que as normas materiais do ponto de vista da aplicação territorial, nunca olha a critérios como a protecção das expectativas das partes. O que interessa é o interesse que os Estados têm em aplicar em determinadas situações a sua lei (governamental interest). Partiu de uma decisão do Supremo Tribunal Norte-americano de 1956 que opunha um cidadão americano a uma petrolífera americana sedeada na Arábia Saudita. Estava em causa um acidente de viação e considerou-se que ao cidadão americano caberia fazer prova dos factos alegados. O cidadão não conseguiu fazer prova da existência de uma norma da Arábia Saudita que justificasse o seu pedido de indemnização.

o Currie diz que as coisas não funcionaram porque os EUA esqueceram-se do interesse estadual em ver aplicada a sua lei. Para Currie, só há verdadeiro conflito de leis quando há mais que um Estado que está interessado em ver aplicada a sua lei. Ele é “lex forista”. Defende a abolição das RC. Há que analisar o direito material. Se o estado tem interesse em ver aplicada a sua lei e é o Estado do foro, então deve ser esse Estado a aplicar a sua lei.

o A mesma situação jurídica pode ter, se privilegiar o interesse da defesa das partes, essa norma deve ser aplicada a todos os nacionais do Estado – será de aplicação extraterritorial. Se dermos prevalência à segurança jurídica, então aplicar-se-á a norma segundo o critério do local da celebração do negócio (aplicação territorial). A norma material em si mesma levanta dificuldades quanto aos seus limites de aplicação espacial dada a “ratio” da norma.

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o Currie diz que a maior parte das normas devia ser Normas de Aplicação Imediata (designação criada por Franceskakis)

O sistema Savigniano continua a ser o sistema por excelência do conflito de leis. As críticas ao sistema savigniano fizeram com que o sistema conflitual como hoje o entendemos tenha uma configuração diferente.

Duas tendências: novos métodos:

Cláusulas de Excepção: começa-se pela flexibilização da RC. O art. 15º do IPRG (lei suiça de DIP de 1987) trouxe uma novidade no espaço ocidental: a lei aplicável nos termos da RC presente no código suíço poderá não ser aplicada pelo julgador se no caso concreto se verificar que há relação muito ténue entre essa lei e os factos em causa (ligação acidental) e houver outra lei que se encontre mais próxima aos factos em causa (conexão mais forte), esta dupla circunstância justifica que o julgador se afaste da RC e aplique a lei que apresenta uma conexão mais forte com os factos.

No direito português não se pode dizer que haja verdadeiramente uma cláusula de excepção. O que temos é RC que são mais abertas e que não impõem a aplicação da mesma lei. Dois casos típicos são os do art. 52º/2 e o art. 60º/2 CC. São duas regras que surgem no nosso ordenamento jurídico depois da Reforma de 77. O legislador criou uma cláusula aberta (RH comum e, na falta desta, aplica-se a lei do país com o qual a vida familiar esteja mais conexa). Aqui não há identificação “a priori” de uma lei a aplicar. Esta abertura é idêntica áquela que se encontra nas Cláusulas de Excepção. Não se oferece critérios para aferir dessa proximidade. São normas “em branco”: referem critérios gerais de proximidade mas não indicam concretamente qual a lei a aplicar.

O art. 52º/2 e o 60º/2 não são cláusulas de excepção na medida em que só intervêm nestes casos da RC e apenas subsidiariamente. Se os cônjuges têm nacionalidade comum ou RH comum então não intervém a cláusula aberta. A flexibilidade está presente, a técnica é que não é propriamente a mesma.

Características das Cláusulas de Excepção: Natureza conflitual: o seu “modus operandi” continua a ignorar o resultado material da aplicação da

lei. Apesar da RC se tornar aberta a outras soluções melhores para o caso concreto essa abertura não resulta de saber se essa lei é melhor que as outras. Critério de proximidade (é um critério de ordem formal).

Correcção no sistema dentro do próprio sistema. Resposta que visa apenas a flexibilização

Não é “lex forista”: não pretende maximizar a aplicação da lei do foro. Intervém em concreto e excepcionalmente: apesar de se entender que é uma cláusula geral vai fazer

a sua intervenção perante o caso em concreto. Tem de ter aplicação fundamentada; é excepcional. Os seus pressupostos são normalmente cumulativos: não basta dizer que a lei mandada aplicar tenha

relação muito ténue com a situação. Temos de afirmar que existe uma outra lei mais próxima, temos que aplicar a RC.

A cláusula de excepção não se aplica em duas situações: Autonomia conflitual: quando as partes escolhem a lei aplicável às suas relações. Essa

escolha à partida é livre. Não faz sentido usar uma cláusula de excepção nestes casos pois as escolha das partes, em princípio, reflecte a maior proximidade da lei às suas relações.

RC Substancialista: permite ao julgador escolher uma de entre várias leis condicionando tal escolha ao seu resultado material. “Favor negotii” (art.36º e 65º CC)

Se a RC está comprometida com determinado resultado material, a cláusula de excepção pode desvirtuar o sentido presente na norma.

Pode concluir-se que mais nenhuma legislação previu uma cláusula de excepção nos mesmos moldes que o sistema suíço. A verdade é que os sistemas jurídicos recentes têm vindo a admitir cláusulas abertas. As cláusulas de excepção trazem novidade: permitem uma margem de manobra ao julgador. Há uma maior defesa das expectativas das partes.

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Normas de aplicação imediata: o problema da aplicação das leis no espaço pode ser resolvido por normas de direito material. Pode haver uma autolimitação espacial do seu âmbito de aplicação. São normas materiais espacialmente autolimitadas que, à partida, prescindiriam do próprio sistema conflitual. Mas não basta isso.

EX: DL 248/86 de 25 de Agosto veio regular o E.I.R.L. - não há RC dedicada a este tipo de figura. Aplicando por analogia o art. 33º CC, a lei pessoal da pessoa colectiva será a lei do lugar da sua sede real/efectiva. O disposto no diploma só irá aplicar-se quando o EIRL tiver sede real/efectiva em Portugal e tenha sido constituído em Portugal. É um diploma espacialmente autolimitado na medida em que restringe o âmbito espacial de aplicação e não vai contra a RC. Está de acordo com o sistema conflitual português mas vai mais longe: o EIRL tem que se ter constituído em Portugal para que o DL 248/86 se aplique na medida em que define os critérios de aplicação no espaço da RC.

O disposto no DL 248/86 não se trata de uma N.A.I. mas é apenas uma norma espacialmente autolimitada. Uma norma de aplicação imediata vai além disso.

Características das normas de aplicação imediata: Tem campo de aplicação autolimitado Tem sentido intervencionista, isto é, contraria a RC – aplicam-se imediatamente e necessariamente

por se tratar de matérias sensíveis em que o Estado do foro não prescinde da aplicação do seu direito interno. Trata-se de matérias indisponíveis.

Franceskakis entendia que haviam normas no ordenamento jurídico que diziam que se aplicavam qualquer que seja o lugar e o tempo da ocorrência dos factos.

Imediata: ignoram a RC Necessária: estas normas aplicam-se imperativamente/ são intervencionistas –

imperatividade internacional. Pode a imperatividade decorrer da própria lei ou da interpretação da própria norma. As N.A.I. estão para além da RC.

As N.A.I. são normas de direito material que estão para além das normas de conflitos, que são espacialmente autolimitadas; dotadas de particular intensidade valorativa (imperativas/intervencionistas); não são normas axiologicamente neutras (defendem certos valores – há ordem valorativa que está na base destas normas). As N.A.I. podem ser do próprio foro como também podem ser de um ordenamento jurídico estrangeiro que comungue dos mesmos valores. Normalmente há um interesse público/geral subjacente às N.A.I.

O professor Marques dos Santos considera o art. 1682º_A/2 uma Norma de Aplicação Imediata.

As N.A.I. surgem como resposta ligada ao resultado material da aplicação das leis. Trata-se de um método interventivo que constitui excepção ao sistema conflitual. O sistema conflitual reparte aplicação das leis no espaço mas há normas imperativas que não devem estar sujeitas ao sistema conflitual. Aplicam-se mesmo que as RC não as considere aplicáveis.

Ex: tribunal A é chamado a regular uma situação de carácter internacional e verifica que a questão tem pontos de contacto com mais que uma ordem jurídica. O julgador recorre ao DIP vigente em A. A lei mandada aplicar é a lei X. Sucede que o DIP do tribunal A, atendendo a determinados interesses públicos, considera que existem normas materiais de A que são imperativas e que, portanto, devem aplicar-se. É o caso de normas de protecção dos consumidores. Se considerarmos que estas normas materiais são internacionalmente imperativas, temos uma sobreposição do direito material de A sobre o direito de conflitos. Tem aplicação imediata e necessária: nem as partes nem o tribunal podem ignorar estas normas; aplicam-se sem atender ao resultado material da aplicação da lei mandada aplicar pela RC. Há aplicação de direito material à situação concreta.

As N.A.I. são:

- Normas materiais

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- Espacialmente autolimitadas: dizem quais os casos, do ponto de vista territorial, em que elas se aplicam. Há normas que não ultrapassam o sistema conflitual porque se aplicam apenas quando for determinado que o ordenamento jurídico ao qual pertencem for o aplicável. Elas vão delimitar espacialmente a sua aplicação mas não são N.A.I. uma vez que estas últimas derrogam o sistema conflitual.

- São dotadas de particular intensidade valorativa: não são normas neutras.

- Podem ser do foro ou de ordenamento estrangeiro. O tribunal do foro pode atender à intensidade valorativa de normas estrangeiras. Mas como é que se sabe que uma norma é imperativa do ponto de vista internacional? Normalmente a própria norma o dirá de forma directa ou indirecta. Tem de ser a própria norma a dizer em que lugar e face a que situação deve ser aplicada. Deve indicar que é imperativa mesmo que o sistema conflitual indique como competente outra norma.

Segundo o professor Marques dos Santos o 1682º_A/2 CC é uma N.A.I.: um dos cônjuges não pode alienar a casa de morada de família do outro cônjuge. Trata-se de uma norma de direito interno. À partida seria aplicável internacionalmente quando o direito português fosse considerado aplicável (é o caso de se aplicar o art. 52º CC que manda aplicar a lei da nacionalidade comum dos cônjuges, isto se estivermos a falar de cônjuges portugueses). O professor diz que esta norma tem particular intensidade valorativa que protege o direito à habitação. Ou o direito à habitação é suprido e satisfeito no seio do direito da família, ou tem de ser garantido pelo Estado. Interessa que a casa de morada de família se situe em Portugal para que essa norma seja sempre aplicada pelos tribunais portugueses.

As ideias das N.A.I. remontam ao contributo de Breinard Currie: o que interessa é a razão de ser da norma; interessa que o tribunal do foro constate que o direito interno deve aplicar-se independentemente de a situação ser internacional.

As N.A.I. são normas protecionistas: há desagregação da harmonia jurídica internacional mas são normas de aplicação excepcional. Derrogam o sistema conflitual porque a norma é de aplicação autolimitada. Revelam uma proposta alternativa da regulação das relações internacionais.

RELAÇÃO DO DIP COM OUTROS RAMOS DOS DIREITO

DIP e o Direito Constitucional O DIP situa-se num plano formal de mera escolha de lei em função dos factos e da sua localização espacial.

o Em qualquer situação, se não vamos olhar à solução material alcançada por uma lei, então o direito constitucional não vai interferir de forma alguma. – Esta foi a primeira teoria em relação ao problema, mas cedo surgiram críticas.

A tendência de “imunidade” do DIP face ao direito constitucional foi criticada. Todas as RC estão ao mesmo nível que as regras materiais e, por isso, devem obediência à constituição.

Não é verdade que toda a RC seja completamente neutra. São normas axiologicamente comprometidas.o Reforma de 77: adequação da legislação civil às normas constitucionais. Deixou de se fazer referência à lei do

domicílio do marido por violação do princípio da igualdade entre cônjuges.o Considerou-se que nas relações internacionais o princípio da igualdade não podia ser desvirtuado.o Devem as RC respeitar valores constitucionais.

Conclui-se que:

1. As RC em si mesmas devem obediência à constituição.2. A lei estrangeira mandada aplicar pela RC deve obediência à constituição do Estado do foro?

a. Esta questão foi suscitada na Alemanha face a um casal cujo marido era espanhol e a mulher era alemã. A cidadã alemã era divorciada. Em Espanha, o divórcio ainda não era admitido. O cidadão espanhol tinha

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capacidade matrimonial mas havia impedimento: ele ia casar com alguém que, do ponto de vista do direito espanhol, ainda era casado. Trata-se de um impedimento bilateral.

b. O tribunal Alemão aplicaria a lei espanhola ao cidadão espanhol e a lei alemã à cidadã alemã. No entanto, o tribunal considerou que a lei espanhola violava a constituição alemã no que toca ao princípio da igualdade, pelo que não devia aplicar-se ao caso.

Do exposto afere-se que todas as normas estão sujeitas ao controlo da constitucionalidade mesmo que se trate de normas que não se encontram ao abrigo dessa mesma constituição.

O professor Moura Ramos invoca neste caso que deve haver um controlo prévio e autónomo da constitucionalidade da lei mandada aplicar pela RC. Já o professor Ferrer Correia invoca a reserva de ordem pública internacional do Estado português. No entanto, é preferível fazer-se um controlo autónomo da constitucionalidade uma vez que a reserva de OPI é de aplicação demasiado restrita e excepcional.

Noutros ordenamentos jurídicos com evolução legislativa semelhante à nossa, os tribunais não aplicam as antigas RC por serem incompatíveis com as actuais Constituições.

3. Será que o tribunal pode aplicar lei estrangeira quando ela é inconstitucional face ao próprio ordenamento ao qual pertence?

a. Verdadeiramente é um problema de aplicação do direito estrangeiro – aplica-se o art. 22ºCCb. Se não é aplicada no ordenamento jurídico de origem, não deve ser aplicada no ordenamento jurídico do

foro.

Em suma, há uma intervenção do direito constitucional no DIP a dois níveis:

1. Na própria interpretação da RC: tem que ter elementos de conexão que não violem a constituição do ordenamento jurídico a que pertencem.

2. Se a RC é bilateral e manda aplicar a lei estrangeira: tem de haver controlo da constitucionalidade face ao direito pátrio e face ao direito estrangeiro.

Comunitarização do DIP Harmonização a nível comunitário quanto aos conflitos de leis. Tratado de Amesterdão: começou a actividade legislativa nesta matéria.

o Art. 65º Tratado de Amesterdão Regulamentos:

o Roma I: obrigações contratuaiso Roma II: obrigações extracontratuaiso Roma III: divórcio e separação de pessoas e benso Roma V: Sucessõeso Proposta do Roma IV: regimes de bens

Praticamente todo o direito civil está harmonizado a nível comunitário no que toca à lei aplicável a cada tipo de relações privadas.

Têm aplicação limitada no tempo: antes da entrada em vigor do Regulamento ter-se-á de olhar às RC internas de cada EM.

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PARTE GERAL DO DIP PORTUGUÊS

No direito de conflitos temos uma sistematização semelhante àquela que temos na parte especial do CC.

FONTES DO DIPo Internas:

Essencialmente temos o código civil. No código de Seabra não havia sistematização da RC. A Jurisprudência e a Doutrina eram

consideradas fontes internas. O professor Alberto dos Reis defendia a submissão do estatuto sucessório à lei da

nacionalidade do “de cujus” (antes do código de 66)o Internacional:

8º/1 CRP + 249º , parágrafo 2 do TUE Convenção da Haia relativa à representação voluntária e à mediação. Convenções de direito uniforme – se forem aplicadas às relações internacionais então são fonte

de DIP LULL e LUC – aplica-se quer se trate de relação interna quer internacional. Regulamentos comunitários

ÓRGÃOS DE APLICAÇÃO DO DIPo Órgãos judiciais – tribunaiso Cartórios notariaiso Párocoo Conservatórias de registo civil

FUNÇÃO DA REGRA DE CONFLITOSo A RC determina a aplicabilidade de uma determinada lei face a uma relação jurídica.o A RC pode ser unilateral ou bilateral

Quase todas as RC portuguesas são bilaterais, isto é, remetem para um elemento localizável no espaço que permite a aplicação de uma qualquer lei, seja ela a lei do foro seja uma lei estrangeira.

o Rolando Quadri e Roberto Ago recusaram-se a ver na RC qualquer bilateralidade. Aplicação no foro do direito estrangeiro implicaria a cedência à lei estrangeira.

Rolando Quadri foi defensor do Unilateralismo Introverso: a RC tinha a função de resolução do conflito de leis no espaço mas só resolvia o conflito de leis no espaço da lei do foro, isto é, só dizia em que situações é que a lei do foro se aplicaria. Da RC não resultava o chamado elemento da aplicação da lei estrangeira. EX: A, italiano, reside habitualmente em França e celebra negócio jurídico no qual se questiona a sua capacidade. A RC italiana só se aplica aos residentes em Itália e a RC francesa só se aplica aos nacionais franceses. Ora, aqui, nem a lei francesa nem a italiana são aplicáveis, o que leva a uma situação de vácuo jurídico. Esta forma de entender a RC leva tanto a situações de vácuo como de cumulo jurídico.

Roberto Ago foi defensor do Unilateralismo Extroverso: impossibilidade teórica de o tribunal do foro aplicar direito estrangeiro. A RC pode ser bilateral mas o que ela faz é uma integração do direito estrangeiro incorporando-o no direito interno/pátrio. Traz problemas: ao ser aplicado como direito interno ele passa a ser aplicado segundo os critérios interpretativos do direito do

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foro. Se porventura a lei do ordenamento de origem for alterada, o ordenamento jurídico do foro será indiferente a essa alteração porque já tem esse direito incorporado.

ESTRUTURA DA RC:o Previsão: conceito-quadroo Estatuição: determinação da lei aplicável à questão jurídica

Durante muitos anos a doutrina debateu-se sobre a estrutura das RC e a professora Magalhães Collaço procedeu a uma divisão das RC:

- Regras de Conflitos do tipo I: na previsão não havia identificação de uma questão jurídica. O que havia era uma havia era uma hipótese fáctica descrita.

- Regras de Conflitos do tipo II: há descrição factual mas na consequência temos remissão para um sector específico de normas (art. 3º, parágrafo 3 do CC francês)

- Regras de Conflitos do tipo III: na previsão temos a questão jurídica e na estatuição temos uma lei globalmente considerada – é o que acontece com a maioria das RC previstas no CC (ex: 46º CC)

Acabamos por ter, por via da qualificação, normas do tipo II: na questão jurídica temos a previsão mas na estatuição temos uma lei globalmente considerada mas que remete para um sector específico que regula aquela questão jurídica.

FRAGMENTAÇÃO DAS QUESTÕES JURÍDICAS – “DÉPEÇAGE”o Das normas do tipo III temos a fragmentação das questões jurídicas. Da RC vai resultar uma maior

especialização da lei que vai resolver a situação. Ex: temos uma lei para a validade, outra para a forma, outra para a capacidade etc.

Desta especialização decorrem consequências: na mesma hipótese podemos ter várias leis aplicáveis porque a própria questão fáctica vai fragmentar-se em várias questões.

o Ex: A, brasileiro celebra com B, argentino negócio sobre imóvel situado em Itália. Celebração em Portugal

Duas nacionalidades Celebração em 3º país Relativamente a um imóvel situado num 4º país.

o Podem convocar-se várias questões jurídicas: forma, capacidade, efeitos do contrato, validade, execução…

o Podemos ter várias leis diferentes a resolver a mesma questão de facto. Ao problema da capacidade, aplicar-se-ia a lei da nacionalidade; ao dos efeitos do contrato, a lei da residência habitual do vendedor ou a lei escolhida pelas partes; aos direitos reais transferidos, a lei italiana…etc

o A fragmentação da RC existe necessariamente o que leva a que haja colisão entre sistemas. Pode haver incompatibilidade entre dois sistemas. As situações jurídicas podem entrar em conflito.

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CLASSIFICAÇÃO DAS RC ATENDENDO AO ELEMENTO DE CONEXÃOo Há diferentes classificações: Batista Machado e Ferrer Correia (Escola de Coimbra)

RC = Conceito-quadro + Elemento de Conexão + Consequência Jurídica

Classificação:

O que são conflitos móveis? Estes conflitos surgem porque o elemento de conexão móvel vai determinar, para a mesma relação jurídica a aplicação de diversas leis ao longo do tempo. Há uma dinâmica que provoca a alteração da lei aplicável. Resolve-se o conflito móvel através da imobilização do elemento de conexão. Essa imobilização tem de estar presente na norma.

O professor Ferrer Correia fala em “petrificação do elemento de conexão” – o elemento é móvel mas isso é irrelevante para efeitos da aplicação da RC.

CLASSIFICAÇÃO DA RC ATENDENDO AO SEU MODO DE APLICAÇÃOo Batista Machado distingue:

RC com um só elemento de conexão: RC simples RC com vários elementos de conexão: RC múltiplas

As RC múltiplas podem ser:o Alternativas: se o julgador puder optar entre um ou outro elemento de conexão.

Ambos os elementos de conexão têm o mesmo fim. Tem a sua origem nos princípios de preferência de Cavers. Aqui tem-se em atenção o resultado material da aplicação da lei. Ex: art. 36º CC – ambas as leis estão numa relação de paridade. Temos 3 leis que podem vir a ser aplicadas com o objectivo de tornar o negócio formalmente válido. Ver art. 65º CC

o Subsidiárias: há várias leis potencialmente aplicáveis mas há aplicação sucessiva das diversas leis. É o caso do art. 52º CC – aplica-se a lei nacional comum, se não houver, aplica-se a lei da RH comum e, se esta não for comum então é que se aplica a lei com a qual a vida familiar de mostre mais estreitamente conexa. Há hierarquia entre as leis. O julgador é obrigado a aplicar primeiro uma lei e só depois as outras. A determinação da lei pessoal para os apátridas é a lei da RH (uma vez que ele não tem nacionalidade).

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- Elementos de conexão móveis: são elementos de conexão cujas características próprias originam mudança de lei aplicável. Conduzem aos chamados “conflitos móveis”. É o caso da residência; da nacionalidade; do lugar da situação dos imóveis; da sede da pessoa colectiva;

- Elementos de conexão imóveis: são, por exemplo, o lugar da celebração do negócio ou o lugar da situação dos imóveis;

- Elementos de conexão imobilizados: é o caso do regime de bens adoptado pelos cônjuges ao tempo da celebração do casamento. Em princípio, o elemento de conexão seria móvel mas o legislador imobiliza-o no tempo de forma a garantir certeza e segurança jurídicas evitando assim situações de fraude à lei. (art 53º CC)

- Elementos de conexão suspensos: é o caso do art. 62º CC relativo às sucessões por morte. A data da morte é imóvel mas está indeterminada quanto ao momento concreto da sua verificação.

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o Distributiva: é o caso do art. 49º CC. À mesma questão o juiz vai aplicar duas leis, uma para cada uma das partes.

o Cumulativa: podemos ter aplicação de duas leis simultaneamente. É o caso do art. 55º/2 CC.

Ex: cônjuges de nacionalidades diferentes que residem na Irlanda (país que não reconhecia o divórcio); em Portugal vêm a ter RH e pedem divórcio. Em Portugal há direito ao divorcio. Tendo havido mudança de lei competente – adultério cometido na Irlanda – adultério tinha que ser relevante à luz da lei irlandesa – apesar de a lei competente ser a portuguesa, vai chamar-se a lei irlandesa como lei anterior à altura da verificação dos factos (adultério). É necessário a concordância da lei irlandesa para que possa haver divórcio do casal em Portugal.

Ver art. 60º/ 1, 2 e 4 CCo Batista Machado ainda se refere ao fenómeno da Cumulação de Conexões (≠conexão cumulativa): o que existe

é a necessidade de haver concretização de um elemento de conexão para mais que uma pessoa. Se os cônjuges não têm a mesma nacionalidade, aplica-se a lei da RH comum, caso contrário aplica-se a lei com a qual a vida familiar tem uma conexão mais estreita. Aqui há aplicação de uma lei mas tem de se verificar o mesmo elemento de conexão em relação a ambas as partes.

PRINCÍPIOS GERAIS DO DIP PORTUGUÊSo Harmonia jurídica internacional: o DIP tenta, na medida do possível, que não haja desajustes entre os vários

ordenamentos jurídicos aplicáveis. Tem que haver um espaço comum de justiça. Os regulamentos da UE visam essencialmente a harmonia jurídica internacional. Visa-se assegurar a continuidade da relação jurídica. Aplicando-se a mesma lei consegue-se um

resultado material comum. Mesmo no direito interno, o art. 31º/2 CC visa a harmonia jurídica internacional. Há aqui uma ideia de

protecção dos direitos adquiridos. Em matéria de reenvio há sempre a consideração de que a lei que o foro considere competente e que

essa lei não se considere competente e reenvie para a lei y se ela se considerar competente. Assim o direito do foro aplicará a lei y garantindo-se a harmonia jurídica internacional (art. 17º e 18º).

Numa situação de retorno também se consegue harmonia jurídica internacional. O problema do reenvio nos Regulamentos Comunitários está em desacordo com a harmonia jurídica

internacional.o Harmonia jurídica interna: art. 26º CC – faz remissão para o direito interno (68ºCC). No nosso sistema jurídico

temos uma presunção de morte simultânea. Ex: A e B morrem no mesmo acidente de viação e têm nacionalidades diversas.

A lei de A diz que se presume sobrevivência do mais novo A lei de B diz que se presume sobrevivência do mais velho Havendo conflito, aplica-se o direito interno português – 68º CC – Presunção de Comoriência

o Jurisprudência de interesses: protecção do tráfego jurídico. Protecção do negócio jurídico; art. 28º CC – interesse em aplicar a lei que determine a validade do negócio.

Ex: art. 36º CC tem esta preocupação ao estabelecer conexões alternativaso Princípio da efectividade

Maior proximidade (47º e 17º/3 CC) Melhor competência (art. 46º CC)

Direitos reais; meios possessórios; transmissão as coisas;o Princípio da boa administração da justiça: é um princípio residual. Aplicação da lei mais bem conhecida pelo

legislador. É o caso do 18º/1 CC.

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INTERPRETAÇÃO DA RCo As RC de fonte internacional devem ser interpretados de acordo com os princípios de direito internacional

público.o Regulamentos comunitários: EM devem chegar a uma análise uniforme das normas.o DIP de fonte interna:

Reenvio Qualificação: art. 15º CC – é um problema interpretativo

INTEGRAÇÃO DE LACUNASo Será que a RC pode comportar casos omissos?

Não há uma RC sobre a UF no nosso CC A RC a aplicar em casos omissos será o art. 52º CC, por analogia, neste caso. Será que a UF comporta algum regime de bens? Este é um problema de qualificação

A validade/invalidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo –tem a ver com a tipologia de casamento vigente em casa Estado.

Promessa de casamentoo Para quem considere que há verdadeiramente um caso omisso – poderemos aplicar as RC por analogia (Ferrer

Correia e Magalhães Collaço – 10º/1 e 2 CC)o Batista Machado entende que a relação privada internacional carece de uma regulamentação específica. O DIP

actua sempre por analogia chamando uma lei competente aplicável ao caso. As lacunas em DIP são patentes. Se não há RC para determinado caso, deve recorrer-se à criação de uma norma dentro do espirito do sistema. Não deve recorrer-se à analogia das RC que já existem. Deve aplicar-se o nº 3 do art. 10º CC.

APLICAÇÃO NO TEMPO DAS REGRAS DE CONFLITOSo Ex: art. 39º CC veio a ser substituído pela Convenção da Haia.

A RC não foi revogada mas sim suspensa: se Portugal decidir denunciar a convenção voltará a ser aplicada a regra do art. 39º CC. O mesmo se diga em relação aos Regulamentos Comunitários.

A partir do momento em que os Regulamentos Comunitários têm soluções diferentes das regras internas, torna-se necessário saber a partir de que momento se deve aplicar essas normas.

o Há dois problemas que não se confundem com o da aplicação no tempo das RC, são eles: O problema do conflito móvel:

Muitas vezes há confusão entre o conflito móvel e a mudança de RC – o efeito é o mesmo mas a origem é diferente.

Ex: alteração de 1977 relativa aos art. 52º e 53º motivados pela entrada em vigor da CRP. Provocou alterações não só no direito interno como também nas RC. Fez-se desaparecer o elemento de conexão “a lei pessoal do marido”, e substituiu-se por “lei da primeira residência conjugar” e pela “lei mais próxima da vida familiar”. Houve aqui uma sucessão de leis no tempo:

- RC antes de 1977

- RC depois de 1977

Ex: marido português, mulher espanhola. Marido reside no Porto e Mulher em Salamanca. Casaram em 1966. Aplica-se às relações entre cônjuges a lei pessoal do marido (lei portuguesa). A partir de 1977 aplica-se a lei mais próxima da vida familiar uma vez que eles não têm nacionalidade comum nem RH comum. Eles passaram a viver em Paris entretanto. A lei mais próxima da vida familiar será então a lei francesa.

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Ex: português e espanhola, residentes no Porto e que, mais tarde, vão viver para Paris. Entre 1968 e 1971 não houve alteração da RC mas na mesma ocorreu alteração da lei aplicável. Eles tinham RH comum no Porto mas passou a aplicar-se a lei francesa dada a mudança da sua RH comum. Este é apenas um Conflito Móvel – não é a RC que muda, o que muda é a relação jurídica – não há dinâmica legislativa mas sim uma dinâmica da relação jurídica. A RC continua a ser a mesma. O que muda no conflito móvel é a concretização dos elementos de conexão – isto só ocorre em RC que contêm elementos de conexão móveis.

O problema da aplicação no tempo da lei mandada aplicar pela RC: reconduz-se ao art. 23º CC. A mudança legislativa no ordenamento jurídico para o qual o nosso direito de conflitos remete é um problema de aplicação do direito estrangeiro. Há que respeitar a aplicação da lei no tempo no sistema jurídico de origem.

Excluídas estas duas situações similares, passaremos então ao problema da aplicação da lei no tempo. A parte geral do DIP português não esclarece directamente sobre a aplicação da lei no tempo (art. 14º-25º CC).

A professora Magalhães Collaço defende que, não havendo regra específica, devem aplicar-se os princípios gerais vigentes no ordenamento jurídico do foro. Deve aplicar-se o princípio geral da não retroactividade das leis. Respeitando este princípio, a um casamento celebrado em 1968 vamos aplicar o CC de 1966 sem a reforma de 1977 - aqui levanta-se o problema da constitucionalidade desta RC depois de 1977. O art. 53º, na sua versão original, pode convocar o problema da constitucionalidade. (aplicação do art. 12º CC)

Batista Machado recorre à natureza da própria RC. Para ele as normas materiais são “regulae agendi”, isto é, regras de conduta pelo que o princípio da irretroactividade faz sentido em relação a elas por um princípio de adequação. O mesmo não acontece com as RC. As RC são “regulae decidendi”, isto é, fazem uma mera distribuição entre as leis que estão em contacto com a situação. As partes não têm nenhuma expectativa em relação à RC pelo que estas normas, em geral, não estão sujeitas ao princípio da não retroactividade. Assim, as RC devem ser de aplicação retroactiva uma vez que levam consigo um “doravante”. No entanto este autor admite excepções: em certas situações a RC passa a actuar como uma “regulae agendi” criando expectativas nas partes. No caso dos regimes de bens há uma certa expectativa dos intervenientes de que se vai aplicar a RC do foro na sua versão contemporânea dos factos. Quando haja uma forte ligação com o foro, admite que se possa aplicar a RC antiga, contemporânea aos factos.

Relativamente a esta questão, ver os acórdãos que a professora irá colocar no SIGARRA. As decisões dos tribunais nesta matéria têm sido divergentes: há uns que aplicam a nova RC e há outros que aplicam a RC antiga por aplicação do art. 12º CC. No entanto esta última solução levanta problemas quanto à constitucionalidade da lei antiga: será que deve fazer-se análise da constitucionalidade à luz da Constituição de 1933 ou à luz da Constituição de 1976?

ORDENAMENTOS PLURILEGISLATIVOS

Há ordenamentos onde coexistem vários sub-ordenamentos legislativos que podem ser tanto de âmbito territorial como pessoal.

Vejamos: O ordenamento X pode ter os sub-ordenamentos A, B e C. É o caso de Espanha, Reino Unido, Suíça, EUA, Ucrânia.

X

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A

BC

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Nos ordenamentos plurilegislativos pode ocorrer que tenham direito interlocal diferente. O direito interlocal pode ter soluções conflituais que diferem entre cada subordenamento. Há conflitos de leis por haver diversidade de ordenamentos jurídicos aplicáveis que têm soluções conflituais diferentes.

Os ordenamentos plurilegislativos convocam o problema do conflito de leis especialmente quando estiver em causa o elemento de conexão “nacionalidade”. Se a RC do foro disser que é aplicável a lei da RH do sujeito ou a lei do lugar onde o negócio foi celebrado, em qualquer caso temos uma individualização do subordenamento aplicável através do elemento de conexão.

X

Suponhamos que X é o Reino Unido. Que A corresponde a Gales, B à Escócia e C à Inglaterra. Neste caso, ou aplica-se a lei de A, ou de B ou de C, nunca a de X. Se é mandada aplicar a lei da RH, não vai aplicar-se a lei do Reino Unido. Se o sujeito vive em Liverpool, vai aplicar-se a lei Inglesa (C). O facto de o elemento de conexão individualizar um território de um ordenamento plurilegislativo, consegue facilitar-se a aplicação de determinada lei.

O problema surge quanto à nacionalidade. Se o sujeito é do Reino Unido, relativamente às sucessões por morte, não se sabe qual o ordenamento aplicável: ou é o de A, ou de B ou de C. O problema é resolvido pelo art. 20º CC que fala no elemento de conexão “nacionalidade”.

A professora Magalhães Collaço entende que o art. 20º diz mais do que devia. A remissão da RC para a lei de um Estado (lei X) é uma referência sempre a um Estado soberano. Deve ser o próprio Estado soberano (ex: Reino Unido) a decidir qual a lei dos seus subordenamentos é que pretende ver aplicada àquele caso. Na maior parte dos casos o problema coloca-se quando a lei chamada a aplicar-se é a lei nacional – não há regras comuns no ordenamento plurilegislativo em relação à nacionalidade.

O art. 20ºCC diz que é o direito interno desse Estado que fixa, em cada caso, qual o ordenamento aplicável. Mas o que é direito interno neste caso? Nos termos do art. 20º/1 significa “direito interlocal”, isto é, é uma espécie de DIP dentro do Estado plurilegislativo porque, dentro deste, também há conflitos internos uma vez que a diversidade legislativa é grande. No fundo trata-se de um direito que resolve os conflitos dentro da diversidade legislativa desse Estado plurilegislativo.

Quando se diz que em Portugal se vai aplicar a LN a um senhor americano (25º + 31º/1) vamos ter de recorrer à solução americana. Se o sujeito fosse residente na Califórnia, aplicar-se-ia a lei da RH. O art. 25º e o 31º/1 mandam aplicar a LN, mas como não existe LN americana, vai aplicar-se a lei da RH que é mandada aplicar pela lex causae (lei do Estado do qual ele é nacional). Em razão da nacionalidade a RC manda aplicar a lei de um Estado que não tem direito unificado. Devolve-se a questão para a lei em causa (LN) e vamos perguntar como é que ela resolveria um problema semelhante utilizando o mesmo elemento de conexão. Assim se a lei desse Estado soberano manda aplicar a lei da RH então vai aplicar-se esse elemento de conexão o que nos permite individualizar um subordenamento aplicável. Pode acontecer que não exista direito interlocal e, segundo o nº2 do art. 20ºCC, recorre-se ao DIP desse Estado. É o caso da lei Suíça – existindo uma lei federal de DIP utiliza-se o mesmo elemento de conexão para o mesmo tipo de conflitos. Se houver conflito de leis interlocal eles aplicam o mesmo elemento de conexão que aplicariam se houvesse um verdadeiro conflito entre Estados soberanos. A solução do art. 20º CC pressupõe que a solução do direito interlocal não basta – aplica-se a lei da RH porque é capaz de individualizar um território dentro desse ordenamento plurilegislativo. Acontece que cada subordenamento tem regras próprias: pode haver não só conflitos de leis como também conflitos de sistemas.

Ex: cidadão do Reino Unido reside habitualmente em Londres (Inglaterra). Celebra negócio em Bristol (Gales) relativo a um imóvel situado em Leslow (Escócia). Qual a lei aplicável? Pode questionar-se a lei inglesa como lei da RH, a lei galesa como lei do lugar da celebração do negócio e a lei escocesa como lei do lugar da situação do imóvel.

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A

BC

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O sistema do Reino Unido tem direito de conflitos interlocal. Se a situação é levantada junto do tribunal inglês, recorre-se ao direito interlocal inglês que manda aplicar a lei do lugar da celebração do negócio o que implica que se aplique a lei galesa. Sucede que, se a questão fosse colocada em tribunal galês, o direito de conflitos galês mandaria aplicar a lei da RH, isto é, a lei inglesa. Do exposto conclui-se que não há uma resposta unívoca por parte do ordenamento plurilegislativo – há reenvio. A ausência de resposta unívoca implica conflito. Não é possível que a “lex causae” dê uma resposta satisfatória. É nesta hipótese que funciona a parte final do nº 2 do art. 20ºCC – “quando não basta” – quando não é susceptível de dar resposta unívoca então aplica-se a lei da RH. Aplicação da lei da RH é susceptível de levar a uma solução paradoxal.

E se um americano reside em Paris? Vamos aplicar a lei francesa só por ser a lei da RH quando ele poderia vir a ter uma conexão mais estreita com um dos subordenamentos dos quais é nacional? Como é que se resolve este problema? É que aqui estaríamos a tratar o americano como se ele fosse um apátrida já que a solução conflitual portuguesa mandaria aplicar a um apátrida a lei da sua RH. A professora Magalhães Collaço não concorda com a solução conflitual do art. 20º/2 CC pelo que defende, nesta matéria, uma aplicação restritiva do art. 20º/2, ou seja, só deverá aplicar-se a lei da RH se o sujeito tiver RH num dos Estados que fazem parte do ordenamento plurilegislativo do qual ele é nacional. Já se o sujeito não tem RH no ordenamento plurilegislativo, vai aplicar-se, segundo a autora, a lei do subordenamento com o qual o sujeito tem uma relação mais estreita. Trata-se de uma aplicação análoga à do art. 28º da Lei da Nacionalidade Portuguesa. Aqui a RH só releva se o individuo reside efectivamente num subordenamento do Estado soberano do qual ele é nacional. O art. 18º do CC de Macau adopta a mesma posição.

Os artigos 27º e 28º da Lei da Nacionalidade Portuguesa são importantes nesta matéria. Em caso de conflito de nacionalidades, releva a nacionalidade na qual ele tem a sua RH. No entanto, se o interessado não tem RH em nenhum dos Estados dos quais é nacional será relevante a nacionalidade com a qual mantenha uma ligação mais estreita. A solução do art. 28º é passível de ser aplicada ao problema dos ordenamentos plurilegislativos. Se a RC manda aplicar a LN e esta é a Americana, não se sabe qual a lei dos subordenamentos a aplicar. Há que aferir qual das nacionalidades é a relevante. A referência à nacionalidade tem a ver com a própria dinâmica da relação e não tanto a matérias do Estatuto Pessoal. Há quem diga que a referência à LN tem atinente o estatuto pessoal, mas a professora Helena Mota não concorda com tal tese.

Quanto aos conflitos interpessoais o problema é outro: num determinado Estado, para cada grupo de pessoas, há leis diferentes. É o caso da Índia. O art. 20º/3 CC remete a solução à lex causae – pode ter um direito material para cada grupo de pessoas e normas interlocais para cada grupo.

QUALIFICAÇÃO EM DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

O art. 15º CC trata do problema da qualificação. Trata-se, essencialmente, de uma questão interpretativa. Este tema é uma das matérias elencadas na parte geral do CC.

O nosso CC é das poucas legislações que contem solução sobre o problema da qualificação (o CC da Venezuela também tem solução idêntica).

Contributos: Magalhães Collaço; Martin Wolff; Ernest Rabel; Ole Lando; Roberto Ago; Robertson; Riguase; Bartin;

O problema da qualificação é um problema comum a todos os ordenamentos jurídicos – no DIP, dada a estrutura da RC, a qualificação ganha uma dada dificuldade e várias interpretações.

O problema da qualificação consubstancia-se na subsunção/enquadramento dos factos à previsão da norma (factispecie: descrição factual que se apoia numa referência a uma situação típica da vida que vai concretizar-se na aplicação da norma aos factos tal como eles se apresentam)

Problema em geral da qualificação ganha especiais dificuldades no que toca às RC:

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o Ao contrário da norma material, na previsão da RC não temos uma factispecie/descrição típica dos factos – a RC é constituída por conceitos abstractos (questões jurídicas abstractas). Tem grau de abstração tal que não é possível subsumir os factos à previsão da norma. (interpretação do conceito-quadro e seus limites surge como uma primeira dificuldade).

Ex: âmbito dos direitos reais (art.46ºCC) – o que são direitos reais para este efeito? Aqueles definidos pelo direito material do foro? E se no ordenamento jurídico designado pela RC tiver direitos reais que não são considerados como tais no ordenamento do foro? Não há total identificação. É necessário saber a que ordenamento nos devemos referir quando se trate de concretizar o conceito-quadro. Há necessidade de delimitar/definir o conteúdo da previsão da RC.

o Há dificuldade a nível da estatuição da RC: Quando se faz referência a uma lei estrangeira, estamos a referir-nos apenas às normas que dizem respeito áquela questão jurídica prevista na RC. Simplesmente, nem sempre as normas materiais de cada ordenamento dizem respeito à mesma questão jurídica.

Ex: há normas que resolvem problema dos bens entre casal a nível sucessório, e há normas que resolvem o problema a nível do regime de bens.

Bartin pronunciou-se sobre o caso de uma cidadã de Malta que não tinha quaisquer direitos sucessórios legais como cônjuge sobrevivo segundo a lei de Malta. O marido da senhora tinha emigrado para Argélia onde deixou muitos bens (que na altura estava sobre o domínio de França pelo que se aplicava a lei francesa a esses bens, o que implicava que se considerasse que o cônjuge sobrevivo teria direito a protecção do ponto de vista do regime de bens).

o Há três momentos diferentes na resolução da qualificação: Problema da interpretação do Conceito-Quadro Caracterização das normas materiais aplicáveis – determinação e caracterização do objecto da

qualificação Aplicação da RC – resolução da questão da qualificação.

1. Interpretação do Conceito-Quadroa. Conceito-quadro, por ser abstracto, pode ter conteúdo variado.b. A RC, se pertence ao foro, deveria ser interpretada nos termos do direito do foro. O seu conteúdo deverá ser

idêntico ao do direito material do foro.c. Há ordenamentos jurídicos que consideram como direito real uma norma que não corresponde à mesma

concepção de direito real presente no CC.i. Ex: “limitation of actions” – instituto de natureza processual do direito anglo-saxónico que se traduz

na impossibilidade de exercer um direito mais de x vezes. Não é igual ao nosso instituto da prescrição apesar de ter o mesmo efeito. Será que podemos aplicar o “limitation of actions” apesar de não ter a mesma natureza que a prescrição, nas relações obrigacionais?

A primeira solução para esta questão foi a seguinte: se a RC pertence ao foro, em princípio cabe ao foro a definição conceptual do conceito-quadro. Se a RC se refere às relações entre cônjuges, vamos atender aos efeitos materiais entre cônjuges tal e qual como regulado no CC. Este problema está na base da concepção de Bartin.

Martin Wolff veio defender a este propósito que é possível interpretar o conceito-quadro através da lei que vier a ser aplicada. Se a lei aplicável reconhece o penhor sem entrega como um direito real, então aplica-se essa lei e ele é considerado um direito real. O problema desta concepção reside no facto de transformar a RC numa “norma em branco” porque o seu conteúdo dependeria sempre de qual seria, em concreto, a lei aplicável à situação.

Rabel defendeu que as RC deveriam ter conteúdos uniformes, isto é, a sua previsão deveria estar definida em termos universais. Análise de todos os direitos materiais existentes em média e encontrar uma linha comum/conceito comum relativamente a cada questão. É impossível – há geometria variável. Curiosamente, hoje, a nível da EU, os regulamentos delimitam, por exemplo, o que se entende por obrigações contratuais, para efeitos de aplicação do Regulamento Roma I. As questões estão pré-

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determinadas. Há uma série de exclusões no Roma I que tenta delimitar o âmbito de aplicação do Regulamento. A tentativa de encontrar no direito comparado, um conceito-quadro comum, acabou por se verificar hoje em dia.

Finalmente, e esta é a solução adoptada hoje em dia, segue-se a técnica do direito formal do foro (lex formalis fori). Aqui vamos admitir que o conceito-quadro da RC no fundo corresponde no essencial ao núcleo essencial do direito material do foro uma vez que o legislador é o mesmo.

Direito formal do foro não se confunde com o direito material do foro. O direito formal do foro faz uma abertura a instituições que sejam desconhecidas do direito material do foro, ao passo que o direito material do foro não tem semelhante abertura. Atende-se a instituições estrangeiras desconhecidas do foro mas que tenham o mesmo objectivo das normas homólogas do foro – admite-se alargamento a institutos estrangeiros com inserção sistemática diferente.

Ex: direito da coroa britânica às heranças vagas. A coroa Britânica não se assume como um dos herdeiros ao contrário do que ocorre com o Estado português. A coroa britânica fica com os bens de heranças vagas mas através de um direito de apropriação de um bem sem dono (forma de ordenação dominial). Este direito é conhecido como “right to escheat” e não é visto como um direito sucessório mas como um direito real. No direito inglês é regulado como direito real, no direito português é regulado como direito sucessório. Para nós, o direito do Estado aos bens do de cujus seria regulado pelo art. 62ºCC – aplicaríamos a LN do de cujus. Mas para o direito inglês aplicaríamos o art. 46ºCC como direito real, e teríamos de aplicar a Lex rei sitae.

A diferença de inserção sistemática nos diferentes ordenamentos vai criar problemas de inserção sistemática do conceito-quadro. A “lex formalis fori” permite que se trate de questões desconhecidas entre nós. No entanto há limites: há institutos estrangeiros cuja função não é compaginável (incomensurável) com o conceito-quadro do foro (Magalhães Collaço)

Ex: ordenamentos islâmicos estabelecem presunção de paternidade relativamente ao marido da mãe até 4 anos após a sua morte. Esta presunção de paternidade não assenta nas mesmas razões que levam o direito português a estabelecer a filiação – no direito islâmico tem razão de ser diferente (paternidade biológica não coincide com a paternidade presumida), isto é, não assenta no critério da verdade biológica.

O professor Ferrer Correia a este propósito refere que o conceito-quadro abrange todos os institutos aos quais convenha o tipo de conexão – deve haver adaptação entre elemento de conexão e conceito-quadro. A professora Magalhães Collaço refere que o conceito-quadro se regula pelo direito material do foro mas abre-se a outros institutos desconhecidos desde que a sua função não seja incomensurável com a razão de ser desse conceito-quadro no ordenamento do foro.

Devemos fazer interpretação lex formalis fori: segundo o direito de conflitos do foro – interpretação que se baseia no essencial no direito material do foro, mas deixamos margem de manobra para assimilar institutos jurídicos estrangeiros com inserção sistemática diferente.

2. Determinação do objecto da qualificaçãoa. Objecto são os factos da vida – no caso da RC, a norma não se aplica a factos. O que a RC faz é chamar uma lei

que vai, depois, regular essa situação – objecto são normas materiais de outros ordenamentos.i. São situações da vida reguladas juridicamente (Magalhães Collaço)

ii. Considerando que o objecto são normas materiais dos ordenamentos aplicandos, quem é que vai caracterizar essas normas?

iii. Há que encontrar similitude entre essas normas: na lei A vamos buscar normas relativas aos direitos reais – será que correspondem ao conceito-quadro tal como o enunciamos?

O objecto da qualificação são situações da vida. O objecto da qualificação será sempre caracterizado pela lex causae – informações acerca do instituto jurídico estrangeiro que se irá subsumir às RC dadas pelo ordenamento jurídico da lex causae.

Ex: limitation of actions – não terá a mesma função que a prescrição? Se a função é a mesma, ela corresponde à natureza do conceito-quadro. Há que saber a que sistema jurídico recorrer para aferir as características determinantes do preceito normativo a fim de definir a sua sede (Ferrer Correia) – inserção sistemático-conceptual.

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Se é a lex causae que vai dar essas características, ainda resta o problema de saber quem tem autoridade para afirmar que a sua inserção sistemático-conceptual é adequada ao conceito-quadro do foro? Essa decisão caberá sempre à lei do foro – cabe ao legislador do foro dizer se os preceitos da lei declarada competente pela RC se identificam/ se estão dentro do âmbito do conceito-quadro da RC. Foi o legislador do foro que, ao construir a RC fez, ele próprio, a delimitação do conceito-quadro.

Art.15ºCC – adequação dos conteúdos e fins ao conteúdo visado pelo conceito-quadro é decidido pela lei do foro. Leva a conflitos de qualificação.

Ex: A, italiano, veio a falecer sem testamento, sem parentes sobrevivos e deixa bens em Inglaterra, qual a solução a dar a esta questão?

Se a qualificação é vista como qualificação directa vamos enquadrá-los directamente na RC do nosso direito de conflitos pelo que, para nós, estamos diante de um problema de direito sucessório – art.62ºCC – manda aplicar a LN do de cujus.

No entanto, o direito inglês tem o instituto do right to escheat – enquadra-se no conceito-quadro do art. 46ºCC – lex rei sitae – pelo que se aplicaria a lei inglesa (questão de direitos reais)

Trata-se de um conflito positivo de qualificações: a doutrina portuguesa concluiu que é mais lógico nunca excluir uma qualificação tal como ela é dada pelos ordenamentos em presença. Vamos ter que admitir a manipulação de mais que uma RC.

É necessário subsunção das normas materiais aplicandas no conceito-quadro.

Qualificação primária: enquadramento dos factos na RC que chamará um determinado ordenamento como aplicável. Apenas uma RC era manipulada para determinar a lei aplicável a uma questão de facto controvertida. (defendida por Robertson e Roberto Ago) – qualificação de competência, isto é, olha-se para os factos e vemos qual a questão jurídica em causa; posteriormente faz-se subsunção à RC.

Qualificação secundária: procura no ordenamento aplicando de normas materiais que regulem aquele tipo de questões.

Durante muito tempo se acreditou que era necessário mediar os factos através de normas materiais do foro. Através dessa mediação chegamos à RC que através do conceito-quadro determina essa questão. Feita a qualificação primária (lege fori) aplicam-se as normas materiais do ordenamento aplicando relativas àqueles factos (qualificação secundária faz-se necessariamente através da lex causae).

Na doutrina portuguesa começou a questionar-se as teses acima expostas:

Ex: caso de um italiano que morre intestado e deixa bens em Londres. Tanto a Coroa Britânica como Estado italiano reclamam o seu direito aos bens. Se fizéssemos qualificação primária das questões: no direito material do foro (Portugal) faríamos mediação dos factos segundo o nosso direito material pelo que estaremos diante de uma questão sucessória. Aplicaríamos o art. 62ºCC que manda aplicar a lei pessoal do de cujus – aplica-se a lei italiana.

Se raciocinarmos directamente quanto aos direitos em contacto com a situação temos que: as normas inglesas sobre esta matéria não representam tratamento de questão sucessória mas sim de ordenação dominial – questão de direitos reais. (Right to Escheat tem natureza que corresponde ao art.46ºCC que manda aplicar a lex rei sitae, isto é, lei inglesa)

Se não olharmos para os factos mas para os direitos em contacto com a situação, concluímos que não há razão para preterir a pretensão da Coroa Britânica em detrimento do direito italiano.

Não há razão para preterir a lei inglesa em detrimento da lei italiana.

Ex: caso do britânico que deixa bens em Inglaterra. Ao subsumir os factos à RC sucessória – aplicamos LN do de cujus, isto é, a lei inglesa. Só que a lei inglesa não tem normas sucessórias – right to escheat é de natureza real – qualificação primária levaria a um vazio de regulamentação.

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Este paradoxo levou a que se depurasse o conceito de qualificação chegando àquele que temos no art. 15ºCC, isto é, apenas qualificação secundária A competência atribuída a determinada lei visa apenas a qualificação secundária (normas materiais desse ordenamento que têm a mesma função que a RC)

A qualificação primária é inútil e errada porque faz com que os factos se revistam de uma natureza jurídica que é dada pelo foro – contraria aquilo que é conceito-quadro (que por natureza deve ser amplo). Temos de nos questionar que questão jurídica as normas materiais visam resolver através do seu conteúdo e função.

Retomando o exemplo do italiano que deixa bens em Inglaterra:

Art.46ºCC – lex rei sitae – lei inglesa Art.62ºCC – LN – lei italiana

Chegamos a um conflito positivo de qualificações. Deve ser resolvido através de uma hierarquização dos estatutos em presença: qualificação vai partir das normas materiais dos ordenamentos aplicandos.

Casos típicos de conflitos de qualificações:

A. A e B são nacionais gregos e casam em Berlim. Segundo o art. 1367ºCC grego, a questão da forma do casamento é um requisito de validade do mesmo pelo que se subsume ao art. 49ºCC – aplica-se a LN dos nubentes pelo que é aplicável a lei grega e o casamento é considerado religioso. Já segundo o BGB, a questão subsume-se ao art. 50ºCC – lei do local da celebração do casamento, pelo que se aplicaria a lei alemã e o casamento seria civil.Estamos diante de um conflito positivo de qualificações pelo que, quando estejam em causa a qualificação forma e a qualificação substância, esta última deverá prevalecer sempre sobre a qualificação forma. No fim, aplicaremos a lei alemã.Pode convocar problema da OPI para o Estado do foro: em que medida é que o casamento tem de ser religioso.

B. Concorrência entre estatuto sucessório e regimes de bens:a. Art. 62ºCC – LN – lei alemãb. Art.53ºCC – LN comum ao tempo da celebração do casamento – aplica-se lei portuguesa.

Caso de portugueses que casam mas vêm a adquirir nacionalidade alemã mais tarde. Um dos cônjuges faleceu. Que tipo de questão é esta?

A lei reguladora do regime de bens deve prevalecer – só fará sentido se essas leis permitirem a cumulação. Se permitirem cumulação, aplicam-se sucessivamente.

C. Responsabilidade civil extracontratual e responsabilidade contratual

Ex: A e B, alemães, celebram contrato de esponsais. B rompe a promessa em Paris.

Segundo os art.25º e 31º/1 CC, aplica-se LN por se tratar de matéria do estatuto pessoal – aplica-se lei alemã. Segundo o art. 45ºCC – responsabilidade extracontratual – aplica-se lei do lugar o ilícito – lei francesa.

Magalhães Collaço defende que as partes podem optar entre responsabilidade contratual ou responsabilidade extracontratual.

Ferrer Correia defende que deve prevalecer a lei alemã por ser norma especial em relação à norma francesa.

E o que fazer em caso de conflito negativo?

Ex: A e B são franceses e B rompe promessa em Hamburgo.

Art. 25º 31º/1 CC – LN – lei francesa – não tem normas que regulamentem esta questão

Art. 45ºCC – Lei do lugar do ilícito – lei alemã – não tem regras de responsabilidade extracontratual

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Há um vazio jurídico: não se pode resolver o problema através da hierarquização de estatutos como acontece no conflito positivo. Estes conflitos negativos exigem a utilização de um mecanismo: ADAPTAÇÃO – compatibilização das RC de modo a obter uma solução satisfatória.

Pode conseguir-se uma conexão subsidiária ad hoc. A lei do foro cria a RC e diz qual a sua função; a lex causae mostra quais as normas aplicandas nessa matéria; cabe ao foro ver qual a questão a que se subsumem as normas aplicandas do ordenamento estrangeiro.

3. Aplicação da Regra de Conflitosa. Será que há equivalência entre a previsão e o seu conteúdo?

Aplicação do Direito Estrangeiro – art.23ºCC

Nota: Ver livro de Marques dos Santos – “Aplicação do direito estrangeiro” in Estudos de DIP e de Direito Público, Coimbra, Almedina, 2004 (pg.33-55)

Trata-se da aplicação eventual, pelo tribunal português, do direito material estrangeiro. O nosso sistema conflitual pode determinar a aplicação do direito interno português (por negação do reenvio).

Há que interpretar o direito estrangeiro se ele vier a ser aplicado pelo foro uma vez que ele não emana do nosso direito interno.

Problema resolvido pelo art. 23ºCC e art. 348ºCC (estatuto e prova do direito estrangeiro).

Tem que ser o direito válido e vigente nesse ordenamento. Envolve questões de direito internacional público, uma vez que leva a que tenhamos de aferir se o ordenamento jurídico em causa é considerado ou não um Estado soberano. Temos que dar como assente a questão da ordem pública e a constitucionalidade.

Fontes do direito estrangeiro aplicávelo Poderão não coincidir com as fontes do Estado português.o Fontes formais devem ser admitidas: é o caso da jurisprudência nos países de Common Law.o Costume como fonte de direito em certos países (ex: China)o Temos que atender às fontes formais do ordenamento estrangeiro.

Interpretação e integração de lacunas no ordenamento estrangeiroo De acordo com os cânones interpretativos do ordenamento jurídico estrangeiro aplicável.o Ex: testamento hológrafo (não sujeito a formalidades)

Direito francês e direito belga: Direito belga: testamento não datado ainda é considerado válido. Direito francês: testamento não datado não se considera válido.

Estatuto do direito estrangeiro:o Será visto como direito ou como facto?

Como facto: ónus da prova pertence às partes; Como direito: é de conhecimento oficioso dos tribunais;

o Em Inglaterra, o direito estrangeiro é visto como um facto pelo que as partes têm o ónus de o provar. É admitida prova testemunhal na qual as testemunhas são peritos no direito estrangeiro em causa (juristas) e que auxiliam as partes na prova.

o Ex: As partes fundamentam a questão no direito português – afere-se qual o direito aplicável - se for aplicável o direito estrangeiro – recorre-se ao 348ºCC

o Art. 23º/2 CC mostra situação-limite: Impossibilidade de averiguação – não resolve o problema do ónus da prova. Há que recorrer ao 348ºCC – na prova do direito estrangeiro:

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Àquele que invocar o direito consuetudinário, local ou estrangeiro, compete fazer prova do mesmo mas compete ao tribunal procurar obter o respectivo conhecimento (348º/1). Da segunda parte do nº1 do 348ºCC e do nº2 – tendencialmente o estatuto do direito estrangeiro em Portugal é um estatuto de verdadeiro direito pelo que o tribunal deve concluir oficiosamente.

No entanto, na 1ª parte do nº1 do 348ºCC, as partes têm o ónus de colaboração com o tribunal – se, eventualmente, o direito em causa for impossível averiguação e não houver colaboração então a decisão pode vir a ser tomada em desfavor das partes. Mediante impossibilidade, recorre-se à lei subsidiariamente competente (23ºCC) – conexão subsidiária.

Ferrer Correia: tem visão muito extrema em relação do art. 23ºCC – tenta-se aplicar o direito estrangeiro de forma presuntiva em vez de se recorrer à conexão subsidiária. Em último caso, é que se recorreria ao art. 348ºCC.

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