DISCOS PEDIDOS CONTRA A SOLIDÃO NO INTERIOR · paia conseguir entrar", nota Sebastião, que...

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DISCOS PEDIDOS CONTRA A SOLIDÃO NO INTERIOR

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DISCOS PEDIDOS CONTRA A SOLIDÃO NO INTERIOR

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Trás-os-Montes Programas de discos

pedidos criam laços apertados entre

quem tem na radio a única companhia

MUSICAENGANASOUDAODOS DIAS

Eduardo Pinto(Textos e Fotos)

[email protected]

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Pedir um disco na rádio, can-tar em direto, concorrer aum prémio e desabafar como locutor são atitudes quoti-dianas de muitos portugue-ses. Sobretudo dos que sen-tem o triste aperto da soli-dão no Interior do país.

Podeser solidão físi-

ca ou psicológica,mas quando a ver-

gonha de ser ouvi-do por milhares é ultrapassa-da, ligar para a rádio torna-seum vício. Telefonam todos os

dias, várias vezes, para várias

emissoras, pedem para ouviruma canção, às vezes a mes-ma dias a fio, e dedicam-na,por norma, a uma extensa lis-ta de amigos. Alguns nunca os

conheceram pessoalmente."Se não fosse o rádio ficava

só a pensar nos meus proble-mas. Assim ouço, telefono,dedico discos e divirto-me

muito. É uma coisa que metira da solidão", assume Fáti-ma Macedo, de Vale de Ago-dim, Alijo. É invisual, já foi

operada várias vezes a umaperna, o marido colecionadoenças e é obrigado a dormirtodos os dias com uma másca-

ra de oxigénio. "Para que o co-

ração não pare"."As pessoas têm necessida-

de de falar com alguém quelhes dê um pouco de aten-ção", nota Tozé Pimentel, lo-cutor da Rádio Terra Quente,de Mirandela. Salienta que a

maior parte dos ouvintes são

"idosos, têm família ausente e

estão sós em suas casas". Nu-no Miguel, da Rádio DouroSul de Lamego, concorda. Jus-tifica a dependência dos dis-

cos pedidos como "reflexo danecessidade de falar com al-

guém, criar laços de amizade,combater a solidão e desaba-

far sobre a sua vida".Remédios Pereira, da Rádio

Clube de Lamego, fez tama-nha amizade com um casal de

idosos que se tornaram seus

ouvintes que agora vai "todos

os fins de semana vê-los ao larde idosos" . A colega da mesmarádio, Manuela Cardoso, diz-

se, porém, "preocupada" pelofacto da participação em rá-dios ser "umas das poucas for-

mas de as pessoas combate-rem a solidão".

"Partir o telefone"É por isso que as colegas Susa-

na Pinto e Julieta Durão, naRádio Ansiães, fazem por en-tender sempre o outro lado,nomeadamente quando os

participantes não têm pressade desligar. "Percebemos queprecisam de uma voz amiga.Confessam-nos coisas quenão dizem a mais ninguém".

O problema é quando não

conseguem entrar. "Ficomuito nervosa e apetece-mepartir o telefone", salienta

Olga Duarte, ouvinte de La-

mego que participa em todas

as rádios que pode. Carrazedade Ansiães, São João da Pes-

queira, Alijo, Armamar, Re-sende e as duas de Lamegosão as preferidas e são co-muns aos amigos que fez: Se-bastião Fonseca, da Régua;Maria Ester, de Armamar; e

Fátima Macedo, de Alijo."É preciso dar muito ao dedo

//MICROFONE AOS LOCUTORES

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paia conseguir entrar", notaSebastião, que começou nestavida há cerca de um ano, con-vencido por Olga. Ela come-

çou a sua maratona diária detelefonemas há cinco anos."Como gaguejo bastante ti-nha vergonha. A primeira rá-dio para que liguei foi a de Ar-

mamar. Incentivar-me a con-tinuar e agora toda a gente meacha piada. Mas não só piada.

Olga angariou tamanha sim-

patia na região que os amigosmultiplicam-se. "O telefonede casa não para de tocar. Às

vezes tenho de o desligar se-

não não consigo fazer nada".

Maria Ester já era ouvinte dediscos pedidos mas não parti-cipava. Tinha vergonha."Hoje já é um vício. Distraio-me muito com o rádio en-quanto faço a minha vidinhade casa", realça. Dos quatro a

que tem a lista de dedicatóriasmaior é Olga Duarte. E todos

com beijos aditivados: "Umabeijoquinha com lulas grelha-das para o Filipe Ricardo, umabeijoquinha muito docinhacom mousse de chocolatepara a Julieta ou com marme-lada e queijo para o Zé Luís" e

por aí adiante. Todos a tratampor "Olga beijoqueira". •

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RADIOGRAFIA

Há 320 emissorasDas 320 emissoras existen-tes em Portugal, cerca de

200 são associadas da As-

sociação Portuguesa de Ra-

diodifusão. A Associaçãodas Rádios de InspiraçãoCristã é outra coletividadeque reúne umas boas deze-nas de estações. Prestam-lhes apoio em diversasáreas.

Crise também apertaA ARIC alertou para orisco de despedimentode 30% dos trabalhadoresdo setor e revelou ter jápedido ajuda ao Governo.

Apresentou um estudo queindica que a maioria das

rádios baixou este ano a

sua faturação entre os 20 e

os 50%.

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"Ouvintes querem tudoe servido de forma caseira"

1 Até que ponto a criseatual afeta o setor e, emparticular, as rádios locais?

O principal efeito negativoda crise começou a sentir-se

primeiro nos mercados de

proximidade onde estão as

rádios locais. Estas sentirammais rapidamente o decrés-cimo das receitas publicitá-rias do que as rádios de cober-

tura nacional. Desde 2010caíram 50%, o que as coloca

em dificuldades tremendas.

Algumas tiveram de reajus-tar-se em termos de pessoal,com a dispensa de funcioná-rios, situação que este anotem visto a intensificar-se.2 Há rádios que já fecha-ram ou foram vendidaspor não resistirem à con-juntura?

É preciso dizer que a crisetambém faz retrair os gran-

des grupos na altura de com-

prar. Por isso tem havidouma menor apetência. Noentanto, penso que as com-pras que estavam para acon-tecer já foram feitas. Quantoao encerramento, refira-se

que a maior parte das rádiossão cooperativas e têm sem-

pre uma forte ligação às co-munidades. Há sempre al-guém que pega na rádio, fazum novo projeto, e consegueviabilizá-la.3 O fim das rádios locais éanunciado há muito. Há fu-turo?

Há. Mas não podem funcio-nar à imagem das rádios na-cionais, que têm outras re-ceitas e recursos. Estou con-vencido que as rádios queconseguirem sobreviver têmde ser dimensionadas à real

capacidade do mercado onde

estão inseridas e com umaestrutura de custos muitoreduzida.4 As rádios locais conti-nuam a ser importantespara as populações?

Como rádios de proximi-dade têm uma grande liga-ção com os seus ouvintes.Daí que exista uma grandefacilidade na adaptação da

programação das rádios ao

gosto dos seus ouvintes.Porque, ao contrário do quese pensa, a apetência destesé múltipla. Não querem só

conteúdos de informação,desporto ou música. Que-rem tudo e servido de umaforma caseira, coisa queuma rádio de cobertura na-cional não consegue fazer.Pode ser esta simbiose a quepode viabilizar as rádios nofuturo.