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  • Rafael Correia Fuso

    SELETIVIDADE TRIBUTRIA

    Mestrado em Direito Tributrio

    Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo

    2006

  • 2

    Rafael Correia Fuso

    SELETIVIDADE TRIBUTRIA

    Dissertao apresentada Banca Examinadora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, como exigncia parcial para obteno do ttulo de Mestre em Direito do Estado (Direito Tributrio), sob a orientao do Professor Doutor Paulo de Barros Carvalho.

    Pontifica Universidade Catlica de So Paulo

    2006

  • 3

    BANCA EXAMINADORA

    1_________________________________________

    2_________________________________________

    3_________________________________________

  • 4

    O jurista o semntico da linguagem

    do Direito. (Alfredo Augusto Becker)

  • 5

    AGRADECIMENTOS

    Agradeo aos meus pais, Wallace e Mara, com o respeito, o amor e a admirao de sempre.

    A Vivien Lys, com todo meu carinho, amor e companheirismo.

    Aos mestres Celso Campilongo, Roque Carrazza e Heleno Trres, pelas lies no mestrado.

    Aos professores e amigos Trek Moussallem, Maria Rita Ferragut e Eurico de Santi.

    Ao orientador, mestre e amigo Prof. Dr. Paulo de Barros Carvalho, pelos ensinamentos, e a

    quem eu dedico este trabalho.

  • 6

    RESUMO

    O presente trabalho, intitulado Seletividade Tributria, busca trazer a anlise das

    acepes semnticas contidas nesse princpio constitucional, aplicvel em trs impostos

    apontados na Constituio Federal de 1988, quais sejam, o Imposto sobre Produtos

    Industrializados (IPI), o Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Servios (ICMS) e o

    Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).

    A acepo semntica atribuda seletividade no IPI e no ICMS distinta da que se

    atribui ao IPTU. Nos dois primeiros tributos, a seletividade vista do prisma da necessidade

    do consumo do produto, mercadoria ou servio, enquanto no terceiro tributo o critrio

    diferenciador est no uso e na localizao do bem imvel.

    Neste trabalho, percorremos as principais questes que envolvem esse princpio

    constitucional, analisando seu papel e sua importncia no subsistema jurdico tributrio

    brasileiro.

    Vislumbramos que a Carta Magna de 1988 dirige-se, em um primeiro momento,

    quando trata do princpio, ao legislador ordinrio. Entretanto, o mesmo Colex estende sua

    obrigatoriedade ao Executivo e ao Judicirio, que expediro normas jurdicas para regular

    condutas intersubjetivas.

    O princpio deve ser aplicado pelo legislador e por aqueles que julgam no plano

    administrativo ou judicial. Para que seja possvel identificar a aplicao da seletividade,

    devemos buscar no contexto da regra os critrios objetivos e subjetivos para se aplicar as

    conotaes do princpio. Munidos desses elementos, o prximo passo ser a exegese

    sistemtica da seletividade de forma a nos possibilitar fazer as escolhas mais exatas das

    significaes.

  • 7

    Assim, se a concluso do exegeta for no sentido de no-atendimento ao princpio

    pela regra, poder questionar sua aplicao, como maneira de preservar direitos e garantias

    constitucionais.

  • 8

    SUMMARY

    This paper, entitled Tax Selectivity, analyses the semantic meanings included in this

    constitutional principle, applicable in three taxes appointed in the Federal Constitution of

    1988, to wit, the Tax on Manufactured Products (IPI), Tax on Distribution of Goods and

    Services (ICMS) and the Municipal Property Tax (IPTU).

    The semantic meaning attributed to the selectivity in the IPI and in the ICMS is

    separate from the attributed to the IPTU. In the first two taxes, the selectivity is foreseen from

    the prism of the need of the excise of the product, goods or services, while in the third tax, the

    criteria of differentiation is in the use and in the localization of the real estate property.

    In this paper, we will go through the main questions that involves such constitutional

    principle, analyzing its roles and its importance in the Brazilian legal tax subsystem.

    We identified that the Brazilian Federal Constitution of 1988 focuses, in a first

    moment, when mentioning of the principle, in the ordinary legislator. However, such Federal

    Constitution extends its obligation to the Executive and the Judiciary Branches, that will issue

    legal rulings to regulate intersubjective conducts.

    The principle shall be applied by the legislator and by those that judge in the

    administrative or judicial spheres. In order to be possible to identify the application of the

    selectivity, we shall seek in the context of the rules of the objective and subjective criteria to

    apply the connotations of the principle. With the supply of such elements, the next step shall

    be the systematic interpretation of the Law of the selectivity in a way to allow us to make the

    most exact choices of the significations.

    Therefore, if the conclusion of the ones that governs is in a way of non-attendance to

    the principle by the rule, may question its application in order to preserve the constitutional

    rights and guarantees.

  • 9

    NDICE SISTEMTICO

    Introduo.................................13

    Captulo 1. Propedutica geral..................................................................................................20

    1.1. Delimitao do objeto...........................................................................20

    1.2. A linguagem no direito.............................20

    1.3. Norma jurdica..............................................23

    1.3.1. Enunciados e proposies............................................................................23

    1.3.2. Conceito de norma jurdica......................25

    1.3.3. A estrutura lgica das normas jurdicas.......................27

    1.3.4. Normas primrias e secundrias.......................28

    1.3.5. Normas gerais e abstratas, individuais e concretas......................................33

    1.4. Fato jurdico e ato jurdico........................................................................................37

    1.5. Relao jurdica........................................................................................................39

    1.6. Validade (pertinncia), vigncia e eficcia: tcnica, jurdica e social......................42

    1.7. Noo de sistema e classificao..............................................................................45

    1.8. O processo de interpretao das regras jurdicas......................................................52

    1.9. A aplicao do direito...............................................................................................59

    Captulo 2. Princpios e o subsistema constitucional tributrio................................................62

    2.1. Regras de comportamento e regras de estrutura...............................62

    2.2. Noo de princpios..............................................65

    2.3. Valor e limite objetivo..............................70

    2.4. O subsistema constitucional tributrio e o IPI..........................................................73

    2.5. O subsistema constitucional tributrio e o ICMS.....................................................80

    2.6. O subsistema constitucional tributrio e o IPTU......................................................89

    Captulo 3. O princpio da seletividade no subsistema tributrio brasileiro.....................96

  • 10

    3.1. Consideraes sobre a seletividade..............................96

    3.2. Conceito e funo da seletividade....................97

    3.3. As necessidades de bens e servios da sociedade de consumo............99

    3.4. A manifestao de riqueza e a incidncia tributria...............................................100

    Captulo 4. A seletividade e a extrafiscalidade...........................103

    4.1. O conceito de extrafiscalidade no sistema jurdico tributrio........103

    4.2. A extrafiscalidade na Constituio Federal de 1988......107

    4.3. A seletividade como critrio implementador da extrafiscalidade...................111

    4.4. A extrafiscalidade no IPI........................................................................................113

    4.5. A extrafiscalidade no ICMS...................................................................................115

    4.6. A extrafiscalidade no IPTU....................................................................................118

    Captulo 5. A seletividade em funo da essencialidade do produto e do servio..................122

    5.1. O conceito de essencialidade (necessidade) como critrio de tributao.......122

    5.2. A seletividade e os princpios constitucionais........................................................123

    5.2.1. A legalidade...............................................................................................124

    5.2.2. A capacidade contributiva..........................................................................125

    5.2.3. A razoabilidade..........................................................................................127

    5.2.4. A proporcionalidade...................................................................................128

    5.2.5. A igualdade................................................................................................129

    5.2.6. A uniformidade..........................................................................................131

    5.3. A seletividade no IPI..................................................................................133

    5.3.1. A seletividade como critrio obrigatrio no IPI.........................................133

    5.3.2. A seletividade do IPI e a alquota zero...................................................136

    5.3.3. A variao das alquotas do IPI conforme a etapa da circulao ou a

    destinao do produto..........................................................................................138

  • 11

    5.3.4. A seletividade do IPI e a tutela do meio ambiente.....................................139

    5.4. A seletividade no ICMS.........................................................................................139

    5.4.1. A seletividade como critrio obrigatrio no ICMS....................................139

    5.4.2. A aplicabilidade do poder-dever no ICMS................................................143

    5.4.3. A seletividade na energia eltrica..............................................................146

    5.4.4. A seletividade no servio de telecomunicao...........................................149

    Captulo 6. A seletividade em razo do uso e localizao do imvel.....................................152

    6.1. A seletividade como critrio obrigatrio no IPTU.................................................152

    6.2. A acepo semntica da seletividade quanto ao uso do imvel.............................154

    6.3. A acepo semntica da seletividade quanto localizao do imvel...................156

    6.4. A seletividade e os princpios constitucionais no IPTU.........................................158

    6.4.1. A progressividade.......................................................................................158

    6.4.2. A capacidade contributiva..........................................................................163

    6.4.3. A razoabilidade..........................................................................................165

    6.4.4. A proporcionalidade...................................................................................167

    6.4.5. A igualdade................................................................................................167

    6.5. A seletividade como princpio determinante das alquotas do IPTU.....................169

    Captulo 7. Interpretao e aplicao da seletividade.............................................................171

    7.1. A interpretao do princpio da seletividade..........................................................171

    7.2. A aplicao do princpio da seletividade no direito positivo..................................174

    7.3. As regras produzidas pelo Poder Executivo sujeitas seletividade.......................177

    7.3.1. No IPI.........................................................................................................177

    7.3.2. No ICMS....................................................................................................178

    7.3.3. No IPTU.....................................................................................................180

    7.4. As regras produzidas pelo Poder Legislativo sujeitas seletividade.....................181

  • 12

    7.4.1. No IPI.........................................................................................................181

    7.4.2. No ICMS....................................................................................................183

    7.4.3. No IPTU.....................................................................................................184

    7.5. As normas produzidas pelo Poder Judicirio sobre a seletividade.........................187

    7.5.1. No IPI.........................................................................................................189

    7.5.2. No ICMS....................................................................................................194

    7.5.3. No IPTU.....................................................................................................196

    7.6. O dever de corrigir distores no exerccio jurisdicional.......................................198

    7.6.1. A funo tpica do Poder Judicirio...........................................................198

    7.6.2. A impossibilidade de se aplicar alquotas diferentes pela equidade..........200

    7.6.3. A suspenso da eficcia tcnica e a invalidade da regra que no atenda

    seletividade...........................................................................................................206

    Concluses..............................................................................................................................212

    Bibliografia.........................................................................224

  • 13

    INTRODUO

    A maior parte dos estudos realizados no Brasil quanto incidncia dos impostos

    sobre o consumo e o patrimnio conclui que nosso sistema tributrio est em regresso. A

    Carta Magna de 1988 tentou, sem sucesso, amenizar esse problema, ao estabelecer o princpio

    da seletividade tributria.

    Aplicvel ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), ao Imposto sobre

    Circulao de Mercadorias e Servios (ICMS) e ao Imposto Predial e Territorial Urbano

    (IPTU), deparamo-nos, nesse princpio, com acepes semnticas distintas. Nos dois

    primeiros impostos, o critrio tributrio de distino a essencialidade do produto,

    mercadoria ou servio. No terceiro, a distino devida ao uso e localizao do bem imvel.

    Encontramos em nosso sistema jurdico algumas falhas normativas, justificadas pela

    atecnia do legislador. Porm, o fato de haver palavras e expresses incorretas no impedem o

    intrprete e o aplicador do direito de cumprirem sua funo, qual seja, apontarem a

    significao mais exata ao princpio, revelada nas alquotas das regras de conduta.

    Apesar de o texto constitucional atribuir certa liberdade ao legislador ordinrio, este

    est sob o manto da imposio legal no atendimento ao princpio.

    Para no editar regras inconstitucionais, o legislador ordinrio deve mergulhar na

    axiologia e identificar os critrios objetivos do princpio. Poder, assim, fazer a melhor

    escolha, a que atenda s intenes do legislador constituinte e, conseqentemente, aos direitos

    daqueles que suportam a carga fiscal.

    Ressalte-se que a seletividade um princpio eivado de carga valorativa, sendo

    interpretado sob o manto da discricionariedade, mas limitado a critrios que impedem a

    liberalidade do legislador.

    Ao explicitar esse princpio, a Constituio Federal de 1988 tentou impor parmetros

    para atender seletividade nos casos que envolvem o IPI, o ICMS e o IPTU. Entretanto, esses

  • 14

    parmetros, traduzidos, amparados e delimitados no arqutipo constitucional do princpio,

    acabam no sendo ou sendo mal interpretados e compreendidos pelo legislador e pelo

    aplicador do direito.

    Como forma de registrar as falhas, e at mesmo a no-aplicao desse princpio

    constitucional, a doutrina vem entendendo que, na prtica, no temos uma seletividade

    efetivamente estabelecida.1

    A no-observncia desse princpio d-se por culpa do legislador, do aplicador e

    daqueles que devem fazer do seu direito uma arma de questionamentos.

    A Cincia do Direito vem buscando abrir os olhos dos legisladores e dos aplicadores

    do direito quanto necessidade de desonerar os produtos e servios essenciais

    sobrevivncia, ao bem-estar social e ao crescimento econmico dos consumidores, que so, de

    fato, os verdadeiros contribuintes dos tributos. Mas esse trabalho s produzir efeitos quando

    aqueles a quem dirigido o princpio aplicarem-no efetivamente.

    Em comentrios sobre os captulos, apontamos, inicialmente, os principais

    fundamentos que serviram de base para o desenvolvimento do estudo, como forma de fixar

    preceitos bsicos que sero utilizados na identificao, na interpretao e na aplicao desse

    fundamental princpio.

    Conceituamos norma jurdica e fato jurdico, analisamos o processo de subsuno do

    conceito fato ao conceito norma, com a criao da norma individual e concreta a partir da

    norma geral e abstrata.

    1 MACHADO. Hugo de Brito. IPTU. Ausncia de progressividade. Distino entre progressividade e seletividade. Revista Dialtica de Direito Tributrio n. 31. So Paulo: Dialtica, 1998, p. 83-84.

  • 15

    Tratamos do processo de interpretao, que se inicia no texto legal, percorremos

    caminhos imprescindveis para chegar compreenso do contexto2 das regras, com o objetivo

    de aplicar as significaes mais exatas quando da produo de normas jurdicas.

    No segundo captulo, apresentamos o conceito de princpio como forma de fixar

    premissas, destacando o critrio axiolgico e objetivo que essas regras jurdicas estruturais

    apresentam.

    Identificamos no sistema jurdico alguns princpios que carregam consigo grande

    carga de valor, e outros que so identificveis por limites objetivos.

    Discorremos brevemente sobre o tratamento constitucional dado ao IPI, ao ICMS e

    ao IPTU, como forma de identificar os tributos sujeitos seletividade tributria.

    No terceiro captulo, passamos a conceituar a seletividade e destacamos sua funo

    no subsistema tributrio brasileiro, considerando que tal princpio deve ser observado pelo

    legislador ordinrio, pelo Executivo e pelo Judicirio, haja vista tratar-se de um direito

    constitucional do contribuinte.

    Ao aplicar-se a seletividade tributria no tempo, percebem-se mutaes no plano das

    necessidades de bens e servios da sociedade de consumo, haja vista que em um processo

    histrico e evolutivo passou-se a considerar essenciais produtos e servios antes considerados

    teis e suprfluos, assumindo esses produtos e servios outra conotao.

    Encerramos o terceiro captulo identificando a manifestao de riqueza, considerada

    como elemento definidor da incidncia tributria. No IPI e ICMS, diante da sistemtica

    indireta de repasse da carga tributria para o preo dos produtos e servios, constata-se que a

    manifestao de riqueza o preo do produto industrializado ou comercializado, bem como

    2 Contexto pode ser definido como um conjunto de elementos que condicionam, de um modo qualquer, o significado de um enunciado. ABBAGNANO, Nicola. Dicionrio de filosofia. 3 ed. So Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 199.

  • 16

    do servio prestado no plano da competncia estadual, sujeitos ao balizamento estabelecido

    pela seletividade.

    No caso do IPTU, a manifestao de riqueza est atrelada capacidade econmica

    do contribuinte, sujeita tributao de acordo com o uso e a localizao do bem imvel.

    No quarto captulo, identificamos, nas regras jurdicas, a presena de critrios fiscais

    e extrafiscais em conjunto, aplicados em harmonia, podendo haver prevalncia de um sobre o

    outro, mas sem interferir em suas funes e identidades.

    Constatamos que a extrafiscalidade visa a atender ao desenvolvimento

    socioeconmico, justia social e proteo ao meio ambiente, elementos extrnsecos que

    no so includos nos anseios arrecadatrios do Estado.

    Na Constituio Federal, identificamos nas regras de estrutura a extrafiscalidade dos

    tributos. Especial ateno foi dada s regras dirigidas ao legislador competente para instituir,

    modificar ou extinguir as regras-matrizes do IPI, do ICMS e do IPTU.

    No quinto captulo, analisamos o conceito da essencialidade, vista como critrio

    definidor da tributao dos produtos (IPI), das mercadorias e dos servios (ICMS).

    No IPI, demonstramos que o texto constitucional imps ao legislador ordinrio

    obrigao de aplicar o princpio nas regras jurdicas. As alquotas devem ser aplicadas na

    razo inversa da necessidade de consumo do produto ou do servio.

    Discorremos, ainda, sobre a relao da seletividade com a alquota zero, a

    impossibilidade de distinguirem-se alquotas conforme a etapa da circulao ou a destinao

    do produto, e a falta de critrio direto de aplicao da seletividade para atender a tutela ao

    meio ambiente.

    No caso do ICMS, o legislador constituinte tambm atribuiu uma obrigao aos

    editores das regras de conduta, em atendimento ao princpio. No haveria porque no se

  • 17

    aplicarem os mesmos critrios a esse tributo nacional, que onera da mesma forma mercadorias

    e servios essenciais.

    Valorizamos a interpretao do exegeta e demonstramos que a Carta Magna, quando

    cria um poder, acaba criando, na verdade, um dever ao legislador ordinrio. Da considerar-se

    a seletividade tambm obrigatria para o ICMS.

    A ttulo de exemplificao, aprofundamos os estudos da seletividade nas operaes

    com a energia eltrica e na prestao dos servios de telecomunicao, considerados

    essenciais a todos os brasileiros em uma sociedade moderna.

    No sexto captulo, investigamos a seletividade quanto ao IPTU. Por meio da

    interpretao sistemtica, conclumos que o legislador constituinte derivado tambm imps

    uma obrigao, quando da edio da Emenda Constitucional n. 29/2000. Em um primeiro

    momento, essa regra dirigida ao legislador ordinrio, mas foi estendida aos aplicadores do

    direito, de forma mediata.

    O fundamento est na criao do poder/dever, no se permitindo regras obsoletas no

    texto constitucional que possibilitem ao legislador a escolha de instituir ou no os tributos.

    Outro fundamento que se pode acrescer a possibilidade de atender-se a capacidade

    econmica do contribuinte por meio da progressividade de alquotas em face do valor do

    imvel.

    No momento em que foram inseridos no mesmo pargrafo enunciados tratando da

    progressividade e da seletividade em face do uso e da localizao do bem imvel, o

    constituinte derivado almejou a aplicao harmnica desses dois subprincpios,

    implementadores da capacidade contributiva. Sendo possvel atender capacidade

    contributiva no IPTU, devem-se ento ser aplicadas a progressividade e a seletividade

    tributria.

  • 18

    O critrio de distino das alquotas em face do uso do imvel a destinao dada

    pelo proprietrio, possuidor ou detentor do bem imvel: se para fim comercial, industrial,

    especial ou residencial.

    No caso da localizao, a distino de alquotas, a ser implementada pelo legislador

    municipal, deve ater-se infra-estrutura, ao desenvolvimento socioeconmico e ao patrimnio

    histrico e cultural de certas regies, a fim de implementar critrios objetivos de discrmen da

    tributao.

    Assim, o legislador possui como meio para atender seletividade no IPTU a variao

    de alquotas, a serem aplicadas juntamente com a progressividade, em conformidade ao

    princpio da capacidade contributiva, por tratar-se de um imposto pessoal, e no real.

    No ltimo captulo, buscamos demonstrar o processo de interpretao e aplicao do

    princpio da seletividade, tanto pelo legislador quanto por aqueles que expedem normas

    individuais e concretas (Executivo e o Judicirio).

    Transcrevemos algumas regras jurdicas que tratam da seletividade. No caso do IPI,

    foram analisados atos normativos primrios (Lei Ordinria) e secundrios (Decreto),

    considerando que nesse ltimo caso h previso constitucional que permite a alterao de

    alquotas pelo Executivo nos limites estabelecidos em lei.

    No caso do ICMS, foram analisados Convnios expedidos pelo Conselho Nacional

    de Poltica Fazendria e leis editadas pelas Assemblias Legislativas dos Estados, a ttulo de

    demonstrar como vem sendo aplicado o princpio da seletividade tributria.

    No caso do IPTU, por sua vez, as regras jurdicas foram limitadas ao legislador

    municipal, diante da falta de competncia jurisdicional do aplicador administrativo, a quem

    est vedado declarar ou no a inconstitucionalidade das regras jurdicas.

    Por fim, investigamos o papel do Poder Judicirio quanto ao seu exerccio

    jurisdicional. Analisamos suas funes tpicas e atpicas no sistema jurdico brasileiro.

  • 19

    Constatamos que o critrio utilizado pelos contribuintes nos questionamentos das

    alquotas em razo da seletividade d-se pela comparao. Objetiva-se, quando muito,

    estender isenes, reduzir alquotas de certos produtos e servios, aplicar a eqidade de

    alquotas etc.

    Esses argumentos so inacatveis pelo Judicirio, haja vista que a funo

    jurisdicional no reduzir alquotas, restabelecer isenes, dar tratamento semelhante pela

    eqidade, mas sim realizar o controle de legalidade e constitucionalidade repressivo, por meio

    da expedio de normas individuais e concretas pelo controle difuso, atacando a eficcia

    sinttica das regras que no atendem ao princpio.

    No caso do controle concentrado, pelo fato de ser atribudo pela Carta Magna

    controle de validade das regras jurdicas, o Supremo Tribunal Federal acaba expedindo norma

    geral e concreta para excluir as regras invlidas do sistema jurdico, tanto pelo seu vcio

    formal quanto pelo seu vcio material.

    Portanto, este mais um trabalho que tenta trazer para a Cincia do Direito no s

    uma anlise dogmtica do princpio da seletividade no subsistema tributrio brasileiro, mas

    busca respeito ao atendimento dessa regra de estrutura constitucional por aqueles que

    legislam, interpretam e aplicam as regras jurdicas.

  • 20

    Captulo 1. Propedutica geral

    1.1. Delimitao do objeto

    No presente trabalho, objetiva-se apresentar fundamentos cientficos em relao ao

    princpio da seletividade previsto na Constituio Federal de 1988, especificamente sobre o

    Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto sobre Circulao de Mercadorias e

    Servios (ICMS) e sobre o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).

    Ressalte-se, porm, que no objeto do presente estudo a seletividade em relao ao

    Direito Previdencirio Brasileiro, nem a seletividade das mercadorias destinadas

    importao, decorrentes de restries impostas pela extrafiscalidade dos decretos e portarias

    expedidos pelos rgos federais de controle e fiscalizao do comrcio exterior, nos termos

    do artigo 237 da Constituio Federal de 1988.

    Dessa forma, passamos a tratar da linguagem, do conceito de norma, do fato jurdico,

    da relao jurdica, da leitura, interpretao e compreenso do texto (funes hermenuticas),

    bem como da aplicao da regra jurdica no caso concreto, no sendo o objetivo deste

    trabalho esgotar qualquer desses assuntos.

    A fixao de certas premissas importante, porque utilizaremos o tempo todo

    conceitos, classificaes e descries trazidas no momento inaugural deste trabalho, que

    serviro para o desenvolvimento e a compreenso do estudo sobre a seletividade tributria.

    1.2. A linguagem no direito

    Iniciemos a questo da construo da linguagem, conceituando signo como unidade

    de um sistema que permite a comunicao inter-humana. Signo um ente que tem o status

    lgico de relao.3

    3 CARVALHO, Paulo de Barros. Lngua e linguagem signos lingsticos funes, formas e tipos de linguagem hierarquia de linguagens. Filosofia do direito I apostila de lgica jurdica. So Paulo: PUC/SP, 2003, p. 13.

  • 21

    Aplicando-se a terminologia de EDMUND HUSSEL, em que sob o prisma de um

    tringulo encontram-se trs elementos (suporte fsico, significado e significao), pode-se

    afirmar que um suporte fsico associa-se a um significado e a uma significao.

    O suporte fsico da linguagem a palavra falada ou escrita, tendo natureza fsica ou

    material. O significado refere-se a algo do mundo exterior ou interior do homem, podendo ser

    concreto ou imaginrio. A significao a noo, a idia que surge em nossas mentes quando

    nos deparamos com o objeto.

    O homem, a partir dos signos, altera o mundo social por meio da produo de

    significados, transforma e constri realidades por meio da interpretao dos signos.

    A semitica, denominada de cincia que estuda os signos, apresenta um sistema

    sgnico dividido em trs planos: (i) o sinttico, que estuda as relaes entre os signos; (ii) o

    semntico, que estuda a relao dos signos com seus objetos; e (iii) o pragmtico, que

    examina a relao dos signos com seus utentes, quais sejam, o emissor e o receptor.4

    Dessa forma, os signos so elementos importantes para o conhecimento,

    principalmente para a comunicao entre os homens, feita somente por meio da linguagem.

    ALF ROSS descreve que, de todos os sistemas de smbolos5, a linguagem o mais

    plenamente desenvolvido, o mais eficaz e o mais complicado. A linguagem pode manifestar-

    se como uma srie de formas auditivas ou visuais (fala e escrita).6

    S conseguimos transformar as coisas no mundo e dar sentido realidade quando

    utilizamos a linguagem. LUDWIG WITTGENSTEIN, na proposio 5.6 de sua obra

    Tractatus Lgico Philosophicus, traduziu muito bem a importncia da linguagem na vida do

    homem, ao afirmar: os limites da minha linguagem significam os limites do meu mundo.

    4 Charles Sanders Peirce e Charles Morris foram os mentores da distino em trs planos na investigao dos sistemas sgnicos. Signo, linguagem e conduta. Ed. Losada (Cf. Idem, ibidem, p. 14). 5 Conceituamos smbolo como uma construo artificial arbitrariamente construda, que no guarda, em princpio, qualquer relao com o objeto que o smbolo representa. 6 ROSS, Alf. Direito e justia. Trad. Edson Bini. Bauru-SP: Edipro, 2003, p. 140.

  • 22

    Da o papel fundamental da linguagem para que o ser humano construa as normas

    gerais e abstratas, e, em decorrncia destas, as individuais e concretas, no processo de

    positivao do direito. Se no conseguirmos traduzir em linguagem o fato social, no

    podemos sequer consider-lo no mundo do direito como fato jurdico, pela ausncia de

    traduo em linguagem competente.

    A linguagem no direito positivo possui forma prescritiva (prescreve

    comportamentos), com funo reguladora de condutas intersubjetivas, juridicizando fatos e

    condutas. A Cincia do Direito possui linguagem descritiva (descreve normas jurdicas),

    sendo uma linguagem de sobrenvel, pois est acima da linguagem do direito positivo e a

    toma como linguagem objeto (Lo). Portanto, podemos afirmar que a Cincia do Direito uma

    metalinguagem.

    Note-se, no plano da linguagem, que podemos construir uma escala hierrquica. Os

    enunciados prescritivos dos textos de lei so: a linguagem-objeto (Lo); a Cincia do Direito,

    que tem como objeto os textos de lei, uma sobrelinguagem (L1); a linguagem que fala da

    linguagem da Cincia do Direito uma outra sobrelinguagem (L2), e assim sucessivamente.

    A Lgica Jurdica, como metalinguagem, poder estar tanto no nvel L2, quando

    formaliza a linguagem do direito positivo, como no nvel L3 (Dogmtica) ou at L4

    (Filosofia).

    PAULO DE BARROS CARVALHO descreve que o direito positivo no , em si,

    metalinguagem. Suas proposies prescritivas apontam para fatos e para condutas

    intersubjetivas, entidades extralingsticas. Sua natureza, portanto, de linguagem-de-objeto.

    E continua: ali onde houver uma linguagem existir sempre a possibilidade de falar-se a

    respeito dela, e sendo a Lgica Jurdica uma camada de linguagem, encontraremos em

    sobrenvel a Metalgica Jurdica.7

    7 Filosofia do direito I apostila de lgica jurdica, p. 42.

  • 23

    Como forma de melhor entender a investigao sobre as caractersticas e formas da

    linguagem do Direito Positivo e da Cincia do Direito, vejamos o quadro abaixo:

    Critrios Linguagem do Direito Positivo Linguagem da Cincia do Direito

    a) tipo de linguagem tcnica cientfica

    b) tipo de discurso prescritivo descritivo

    c) hierarquia objeto sobrelinguagem

    d) Lgica dentica (dever-ser) apofntica (lgica das cincias)

    Assim, devemos ter sempre em mente que a linguagem do direito positivo no

    passiva de empirismo, vez que apresenta estrutura de linguagem correspondente lgica

    dentica, podendo ser vlida ou invlida. Na Cincia do Direito, a linguagem passiva de

    valorao e verificabilidade, apresentando uma estrutura lgica altica ou apofntica, podendo

    ser verdadeira ou falsa.

    1.3. Norma jurdica

    1.3.1. Enunciados e proposies

    O direito positivo apresenta-se em linguagem na forma enunciativa. Enunciado o

    produto da atividade psicofsica de enunciao. Trata-se de um conjunto de grafemas e

    fonemas que, sob o manto de regras gramaticais em um determinado idioma, consubstancia-se

    em uma mensagem que emitida por um sujeito a um destinatrio, no contexto da realizao

    da comunicao.8

    A enunciao o processo para a produo de enunciados. o prprio ato de fala,

    que produz o enunciado, ou seja, aquilo que se fala.9

    8 Ibidem, p. 143. 9 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadncia e prescrio no direito tributrio. 2 ed. So Paulo: Max Limonad, 2001, p. 64-65.

  • 24

    H tambm a enunciao enunciada, que pode ser definida como as marcas que se

    podem identificar no texto de lei, remetendo-se instncia da enunciao, como forma de

    identificarmos e reconstruirmos o processo de reproduo do enunciado, que consiste nas

    referncias de tempo, lugar, pessoa. J os enunciados enunciados so o contedo da lei,

    desprovidos das marcas da enunciao.10

    Entendemos por proposio o juzo de valor que formamos na mente humana quando

    nos deparamos com o contedo dos enunciados prescritivos dos textos de lei, ou seja,

    proposio a significao do enunciado. Os enunciados prescritivos ingressam na estrutura

    sinttica da norma jurdica, na condio de antecedente e conseqente. Isso quer dizer que

    proposio a significao dos enunciados, presente na comunicao.

    Portanto, proposio uma carga semntica de contedo significativo que o

    enunciado, a sentena, a orao ou a assero exprimem.11

    Para NORBERTO BOBBIO, proposio um conjunto de palavras que possuem

    um significado em sua unidade. Sua forma mais comum o que na lgica clssica se chama

    juzo, uma proposio composta de um sujeito e de um predicado, unidos por uma cpula (S

    P).12

    Se as normas jurdicas so formadas de proposies, pois nem sempre as

    significaes construdas a partir de um artigo de lei so suficientes para compor a norma

    jurdica,13 afirmamos que a norma uma construo feita pelo homem em um plano superior

    ao do enunciado prescritivo, sendo sempre implcita, pois essas entidades esto sempre nas

    implicitudes dos textos de lei, at mesmo porque a significao algo construdo

    abstratamente pela mente humana.

    10 Idem, ibidem, p. 65-66. 11 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributrio: fundamentos jurdicos da incidncia. 2 ed. So Paulo: Saraiva,1999, p. 20. 12 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurdica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. Apresentao Alar Caff Alves. Bauru: Edipro, 2001, p. 73. 13 FERRAGUT, Maria Rita. Presunes no direito tributrio. So Paulo: Dialtica, 2001, p. 20.

  • 25

    H normas jurdicas lato sensu, no caso a definio dada em epgrafe, e norma

    jurdica estricto sensu, em que so necessrios elementos mnimos (unidades de significao

    do dentico-jurdico), formados por enunciados prescritivos, presentes no antecedente e no

    conseqente da norma, para configurar sua completude.

    A norma jurdica completa, conforme bem descreve EURICO MARCOS DINIZ DE

    SANTI14, formada por proposies prescritivas, com caracterstica bimembre, formada por

    uma norma primria e por uma norma secundria, com mesma estrutura sinttica, mas

    composio semntica distinta, mais bem analisada a seguir.

    1.3.2. Conceito de norma jurdica

    Norma jurdica lato sensu a significao que produzimos em nossa mente a partir

    dos textos do direito positivo, construda pelo intrprete quando se depara com os textos de

    lei. Consideramos norma jurdica a significao extrada do texto legal que prescreve: Braslia

    a Capital Federal ou a alquota do IPI de 15%. Observe-se que no h juzo hipottico-

    condicional completo.

    Norma jurdica stricto sensu a significao organizada numa estrutura lgica

    hipottica-condicional, construda pelo intrprete quando se depara com os textos do direito

    positivo, dotada de coercitividade e bilateralidade.15

    A questo da coercitividade da norma est presente quando a conduta prescrita no

    cumprida, podendo ser exigida sua obedincia mediante o exerccio jurisdicional. J a

    bilateralidade est presente na prpria essncia da norma, quando regula necessariamente

    condutas entre sujeitos, sendo formada por uma norma primria e uma norma secundria.

    Cabe ainda uma distino importante entre enunciados prescritivos e normas

    jurdicas. Enunciado prescritivo no significao, mas sim suporte fsico que a norma

    14 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lanamento tributrio. 2 ed. So Paulo: Max Limonad, 2001, p. 41. 15 Maria Rita Ferragut entende como norma jurdica o mesmo que definimos como norma jurdica stricto sensu. Para esta autora, norma jurdica lato sensu denominada de proposio prescritiva, vez que possui contedo dentico incompleto, in Presunes no direito tributrio, p. 19.

  • 26

    jurdica se baseia para ser construda em um plano da abstrao. A norma jurdica est no

    plano do contedo, enquanto os enunciados esto no plano da literalidade dos textos de lei.

    Muitas vezes o intrprete, para construir a norma jurdica estricto sensu, que a partir

    de agora ser denominada apenas norma jurdica, precisa observar vrios enunciados

    prescritivos, para chegar a um juzo condicional completo.

    Quando nos depararmos com textos de lei que no apresentam estrutura mnima

    formadora de um juzo hipottico-condicional completo, denominaremos esses textos de

    norma jurdica lato sensu ou regra jurdica, tratando-se de critrio de diferenciao.

    Tomando como norma jurdica a significao organizada em uma estrutura lgica

    hipottica-condicional (juzo implicacional), construda pelo intrprete a partir do direito

    positivo (seu suporte fsico), e dotada de bilateralidade e coercitividade, podemos afirmar que

    necessrio, para que a estrutura normativa seja completa, a existncia de uma norma

    primria e uma norma secundria.

    A norma primria estabelece relaes jurdicas entre sujeitos sobre direto material. A

    norma secundria processual, formadora de uma relao jurdica angular entre o sujeito de

    direito e o Estado Juiz, que aplicar a sano decorrente de descumprimento de um dos

    modais denticos Permitido (P), Obrigatrio (O) ou Proibido (V), presente no conseqente

    normativo da norma primria.

    Portanto, o antecedente da norma secundria formado pelo descumprimento do

    conseqente da norma primria ou material.

    Quanto sano, devemos afirmar que no faz parte da dicotomia da norma jurdica,

    vez que a norma sancionadora seria outra regra, com antecedente e conseqente prprios.

    Estudaremos esses conceitos quando tratarmos de normas primrias e secundrias.

  • 27

    1.3.3. A estrutura lgica das normas jurdicas

    Vimos, em um primeiro momento, que a norma jurdica necessita de uma estrutura

    lgica hipottica-condicional de sentido completo, apresentando uma proposio-antecedente,

    descritiva de possvel evento que ocorre no mundo social, bem como uma proposio-

    conseqente, que implicada pela primeira.

    A norma jurdica apresenta uma composio dual (antecedente e conseqente), que

    unida pela atividade do legislador ou do aplicador quando criam normas, por meio de um

    dever-ser neutro, que no aparece como modalizado em proibido, permitido ou

    obrigatrio, por tratar-se de relao interproposicional.

    Diante disso, podemos afirmar que, se ocorrer o antecedente da norma, ento, por

    uma relao de implicao teremos seu conseqente, formando nesse ltimo uma relao

    jurdica entre sujeitos de direitos.

    A relao de implicao do antecedente no conseqente decorre da estrutura: se se

    d um fato F, recolhido numa proposio p, um sujeito se pe em relao dentica com outro

    sujeito; se se verifica conduta oposta (contrria ou complementar) conduta estabelecida

    como deonticamente devida, formulada na proposio no-q, ento outra relao de sujeito

    para sujeito, deonticamente especificada, vem se estabelecer, recolhida na proposio r.16

    Em uma linguagem formalizada teremos: pq, no-qr. Cada proposio possui antecedente e conseqente, e cada relao de implicao que ocorre dentro de cada

    proposio vem modalizada deonticamente.

    LOURIVAL VILANOVA descreve que se., ento a forma lgica de revestir a

    relao de causa/efeito. Podemos modalizar essa implicao dizendo necessrio (N), ou

    possvel (M) que p implique q.17

    16 VILANOVA, Lourival. As estruturas lgicas e o sistema do direito positivo. So Paulo: Max Limonad, 1997, p. 112. 17 Idem, ibidem, p. 112.

  • 28

    A hiptese ou antecedente uma parte da norma cuja funo descrever situao de

    possvel ocorrncia no mundo; j a tese ou conseqente prescreve uma relao modalizada

    pelo functor relacional dentico, em um de seus trs modos relacionais especficos: permitido,

    proibido ou obrigatrio.

    O legislador pode selecionar fatos sobre os quais vo incidir as hipteses, mas no

    pode construir a hiptese sem a estrutura sinttica. Pode-se combinar uma s hiptese com um

    s conseqente, ou vrias hipteses para um s conseqente, ou uma hiptese com vrios

    conseqentes, ou vrias hipteses com vrios conseqentes, mas no se ter uma quinta

    possibilidade.

    Em uma viso interna da norma jurdica, temos como estrutura formalizada da

    linguagem lgica a seguinte frmula: se se d um fato F qualquer, ento o sujeito S deve

    fazer ou deve omitir ou pode fazer ou omitir conduta C ante outro sujeito.18

    Em uma linguagem totalmente formalizada da norma jurdica, temos: D[F (S R S)]. O D denominado functor-de-functor, tratando de indicador da operao dentica que ocorre na relao de implicao entre o antecedente e o conseqente da norma; F o

    fato descrito no antecedente da norma; o conectivo implicacional; S e S so os sujeitos da relao jurdica que se forma no conseqente normativo, R varivel relacional

    que, no mundo dentico, pode apresentar-se sob os seguintes modais: obrigatrio (O),

    permitido (P) e proibido (V).

    1.3.4. Normas primrias e secundrias

    HANS KELSEN19 corrigiu metodologicamente algumas questes estruturais da

    norma jurdica, isolando do Direito todas as questes metafsicas que no fossem

    essencialmente jurdicas, como forma de demonstrar uma teoria estrutural pura do direito.

    18 Idem, ibidem, p. 95. 19 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. Joo Baptista Machado. 6 ed. So Paulo: Martins Fontes, 2003.

  • 29

    Para a doutrina kelseniana, a enunciao do Direito deve ser formulada com

    fundamento na chamada norma dupla ou norma complexa, composta de uma norma

    primria e de uma norma secundria. A norma primria descreveria a sano e a norma

    secundria estabeleceria o comportamento que a ordem jurdica desejaria. Em resumo,

    teramos na doutrina de KELSEN a seguinte frmula: norma primria dado certo

    comportamento humano, deve ser a sano (ato coativo por parte de um rgo do Estado

    pena ou execuo forada), norma secundria dado certo fato temporal, deve ser a

    prestao (ou comportamento que evite a conseqncia coativa).20

    Assim, a classificao de KELSEN quanto s normas primrias e secundrias tem

    grande funo, mais bem aproveitada pela Teoria Sistemtica quando passa a estudar o

    Direito relacionado com a Lgica, com a Linguagem, com a Filosofia, com a Sociologia etc.

    No sentido de facilitar nossa investigao, necessrio, para a completude da norma

    jurdica, haver uma norma primria ou material e uma norma secundria ou processual, feita

    por uma ciso ou corte metodolgico da estrutura complexa da norma.

    As estruturas sintticas da norma primria e da norma secundria so idnticas,

    apresentando tambm a mesma estrutura formal: [D(pq)], porm apresentam composio semntica distinta, porque o antecedente da norma secundria aponta para um comportamento

    que viola deveres prescritos no conseqente da norma primria, enquanto o conseqente da

    norma secundria prescreve uma relao jurdica entre o sujeito ativo da norma primria e o

    Estado-Juiz, que ocupa o papel de sujeito passivo da relao intranormativa.

    Devemos ficar, em um primeiro momento, com o conceito de que norma primria

    aquela que vincula deonticamente a ocorrncia de dado fato a uma prescrio (relao

    jurdica); j a norma secundria conecta-se sintaticamente primeira, prescrevendo: se se

    verificar o fato da no ocorrncia da prescrio da norma primria, ento deve ser uma

    20 CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributria. 4 ed. So Paulo: Max Limonad, 2002, p. 39-40.

  • 30

    relao jurdica que assegure o cumprimento daquela primeira, ou seja, dada a no

    observncia de uma prescrio jurdica deve ser a sano.21

    TREK MOUSSALLEM doutrina que uma norma prescreve o que deve-ser. Mas

    nem sempre o que deve-ser corresponde ao que .22 O que na verdade o jurista quer nos dizer

    que a violao do disposto no conseqente da norma primria, denominado de ilcito, ocorre

    diante de um descompasso entre a linguagem social (ser) e o que dispe a norma (dever-ser).

    Nesse sentido, o direito positivo fixa normas para fazer frente ao ilcito e possibilitar

    que o Estado-Juiz atue com o fim de exigir o cumprimento da norma, eliminando os efeitos do

    ilcito. Tais normas so chamadas de secundrias.

    Portanto, temos, em princpio, que as normas primrias descrevem fatos lcitos,

    estabelecendo direitos e deveres, e a norma secundria descreve apenas fatos ilcitos

    prescrevendo em seu conseqente a possibilidade de atuao do Estado-Juiz, sob o manto da

    sano que lhe outorgada pela lei.

    LOURIVAL VILANOVA ensina que norma primria (oriunda de normas civis,

    comerciais, administrativas) e a norma secundria (oriunda de normas de direito processual

    objetivo) compem a bimembridade da norma jurdica: a primria sem a secundria

    desjuridiciza-se; a secundria sem a primria reduz-se a instrumento, meio, sem fim material,

    adjetivo sem o suporte do substantivo.23

    J a questo da sano tratada por KELSEN como elemento indissocivel da

    norma jurdica, vez que norma jurdica a que prescreve uma sano, tendo como contedo

    um ato coercitivo, qualificado como devido, sem o qual se torna mero preceito moral.24

    21 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lanamento tributrio, p. 41. 22 MOUSSALLEM, Trek Moyss. Fontes do direito tributrio. So Paulo: Max Limonad, 2001, p. 87. 23 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relao no direito. 4 ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 190. 24 Comentrios de Eurico de Santi sobre Kelsen, in Lanamento tributrio, p. 41.

  • 31

    H juristas que evitam utilizar a palavra sano, substituindo-a pela expresso

    atuao do Estado-Juiz, vez que uma norma secundria preveria um ato de aplicao do

    direito, tendo por conseqncia a criao de normas jurdicas.25

    Ressalte-se que a sano poder tambm ser encontrada na norma primria

    sancionatria, com a funo de forar a eficcia dos deveres jurdicos previstos em outras

    normas primrias, como no caso das chamadas sanes administrativas, em que se

    vislumbra a presena de multas e outras penalidades, faltando, aqui, a presena do Estado-Juiz

    como sujeito passivo na relao dentica.

    Assim, temos como normas primrias as que estabelecem direitos e deveres, e como

    normas secundrias as que estatuem uma atuao do Estado-Juiz por meio do exerccio da

    coao.

    Alguns juristas consideram como espcies de normas primrias as chamadas norma

    primria sancionadora e norma primria dispositiva: (i) imposio de penalidade no Auto

    de Infrao e Imposio de Multa, diante de descumprimento de uma obrigao

    (sancionadora); (ii) a prpria obrigao tributria traduzida no Auto de Infrao e Imposio

    de Multa por meio de fundamentao legal que prescreva a incidncia tributria (dispositiva).

    A norma primria sancionadora tem por pressuposto o no-cumprimento de deveres

    ou obrigaes, apresentando pressuposto antijurdico (ilcito), vinculando uma sano.

    A norma primria dispositiva no apresenta aspecto sancionatrio e estabelece

    relaes jurdicas de direito material, tendo sempre em sua estrutura o lcito.

    Em uma linguagem formalizada, temos como norma primria sancionadora e

    dispositiva: D [(pq) v (-qr)]. Como norma primria dispositiva, temos (pq) e como norma primria sancionadora, (-qr).

    25 MOUSSALLEM, Trek Moyss. Fontes do direito tributrio, p. 90.

  • 32

    Podemos visualizar a estrutura da norma secundria da seguinte forma: o antecedente

    descreve o ilcito, qual seja, o descumprimento da relao jurdica prevista no conseqente da

    norma primria, e o seu conseqente prescreve uma atuao do Poder Judicirio. O objetivo

    da presena do Estado-Juiz produzir uma terceira norma, que (1) pode ser pressuposto de

    uma coao execuo forada em virtude de o contedo da sentena transparecer uma

    norma de conduta ou (2) pode se referir a uma norma para expuls-la do sistema (norma de

    reviso semntica).26

    A norma secundria sempre estar formalizada como uma proposio negada -p ou

    -r, pois decorre do descumprimento do conseqente da norma primria.

    EURICO DE SANTI trata com mrito a questo da norma secundria, ao descrever

    que h duas categorias possveis: "uma caracterizada pela sano como direito processual de

    ao do sujeito ativo ao rgo jurisdicional, outra, pela sano como resultado do processo

    judicial, a sentena condenatria, pressuposto da coao, atribuindo norma secundria as

    proposies "-q" ou "-r", formalizada da seguinte forma: [(-q v -r) S].27

    Porm, adotaremos como frmula da norma secundria: D [(p.-q) (S'RS''')], sendo p a ocorrncia do fato jurdico; ".", o conjuntor; -q, a conduta descumpridora do dever-ser;

    "", o condicional; S', o sujeito ativo; R, o relacional dentico; e S''', o Estado-Juiz. Em uma viso completa da norma jurdica, formalizamos a linguagem da seguinte

    forma: D {[(pq) v (-qr)] v [(p. -q) (S'R S''')]. Temos como norma primria dispositiva: (pq); "v" o disjuntor includente; (p. -q), a norma primria sancionatria; "", o operador implicacional; S', o sujeito ativo; R, o relacional dentico; e S''', o Estado-Juiz. Com isso,

    confirma-se que a norma jurdica apresenta estrutura sinttica homognea.

    26 Idem, ibidem, p. 88. 27 Lanamento tributrio, p. 44-45.

  • 33

    1.3.5. Normas gerais e abstratas, individuais e concretas

    As normas jurdicas podem ser classificadas em gerais e abstratas, gerais e concretas,

    individuais e abstratas e individuais e concretas. Essa classificao tem como justificativa

    facilitar a vida do intrprete na identificao de caractersticas que assumem as normas, sendo

    homogneas no seu plano sinttico, mas heterogneas no seu plano semntico.

    TREK MOUSSALLEM, ao comentar essa classificao, apontou diferena

    existente entre essas normas. Considerou que a norma ser abstrata ou concreta quando

    analisada do prisma do antecedente. Os atributos geral e individual apontam para a anlise do

    conseqente normativo.28

    Entendemos que a diferena existente na classificao adotada est no fato de que, na

    norma geral, o sujeito passivo indeterminado; j na individual, o sujeito passivo ou ativo

    determinado.

    A diferena entre a abstrata e a concreta est na conotao do fato jurdico no

    antecedente da norma, do prisma emprico, pois no se pode falar que na norma abstrata h a

    presena do fato jurdico, mas apenas uma conotao do mesmo.

    A norma ser abstrata quando houver apenas a indicao de classes com as notas

    que um acontecimento precisa ter para ser considerado fato jurdico (no antecedente),

    implicando a indicao de classes com as notas que uma relao tem de ter para ser

    considerada como relao jurdica (no conseqente).29

    A norma ser concreta quando houver efetivamente a subsuno do conceito fato ao

    conceito norma, passando da posio de fato do mundo fenomnico para o mundo da

    linguagem do direito. Com isso, esse fato traduzido em linguagem jurdica assume, no

    antecedente normativo, a figura de um enunciado denotativo.

    28 Fontes do direito tributrio, p. 103. 29 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributrio: fundamentos jurdicos da incidncia, p. 129.

  • 34

    Em breve sntese, podemos afirmar que a norma geral e abstrata possui antecedente

    normativo com descritor hipottico de uma classe de eventos de possvel ocorrncia, e com

    conseqente normativo amplo, que atinge pessoas indeterminadas, possuidoras de condies

    de serem sujeitos de direitos e obrigaes.

    Por norma individual e concreta, entendemos aquela que vincula antecedente

    realizado em um determinado tempo e espao, sendo fato passado, com conseqente

    individualizado, em que se identificam os sujeitos da relao jurdica.

    PAULO DE BARROS CARVALHO entende que costuma-se referir a generalidade

    e a individualidade da norma ao quadro de seus destinatrios: geral, aquela que se dirige a um

    conjunto de sujeitos indeterminados quanto ao nmero; individual, a que se volta a certo

    indivduo ou a grupo identificado de pessoas. J abstrao e a concretude dizem respeito ao

    modo como se toma o fato descrito no antecedente. A tipificao de um conjunto de fatos

    realiza uma previso abstrata, ao passo que a conduta especificada no espao e no tempo d

    carter concreto ao comando normativo.30

    NORBERTO BOBBIO ensina que h nas proposies prescritivas dois elementos

    constitutivos e imprescindveis: o sujeito a quem a norma se dirige e o objeto da prescrio,

    que a ao prescrita. As normas gerais so as universais em relao aos destinatrios, e as

    abstratas so universais em relao ao. As normas individuais so as que possuem

    destinatrio individualizado; j nas concretas o que individualizada a ao.31

    Nesses termos, podemos trazer exemplos de normas para melhor visualizar a

    classificao adotada. As normas gerais e abstratas so a maior parte das leis, a regra de

    iseno, a regra-matriz de incidncia,32 a regra de imunidade, a regra de competncia etc.

    30 Idem, ibidem, p. 33. 31 Teoria da norma jurdica, p. 178-181. 32 Expresso criada por Paulo de Barros Carvalho, referindo-se norma tributria em sentido estrito, classificada como geral e abstrata, formada por um antecedente e um conseqente com elementos mnimos, com a mesma estrutura sinttica inerente a toda norma jurdica.

  • 35

    As normas gerais e concretas so os veculos introdutores de normas, que inserem

    outras normas no sistema jurdico, sendo geral por atingir pessoas indeterminadas, e concreta

    por ter sido o fato traduzido em linguagem competente, especifico no tempo e no espao.

    Entendemos por veculos introdutores as normas jurdicas que introduzem outras

    normas no sistema jurdico, consideradas por alguns juristas como fontes formais de direito.

    PAULO DE BARROS CARVALHO destaca a importncia dos veculos

    introdutores, considerando que a norma s inserida no sistema jurdico por uma outra norma

    de mesma ou maior hierarquia. Da o fato de as normas andarem aos pares (uma introdutora e

    uma introduzida).

    O jurista citado considera ainda que os veculos introdutores podem ser classificados

    em primrios e secundrios. Os primrios so os nicos a promover o ingresso de regras

    inaugurais no sistema jurdico. Os secundrios, por sua vez, no possuem capacidade de

    alterar as estruturas do mundo do direito positivo, o que implica uma hierarquia prpria do

    sistema jurdico traduzida na impossibilidade de se alterarem leis, medidas provisrias,

    decretos legislativos, por meio de instrues normativas, portarias, decretos etc.

    Com razo, os juristas TREK MOUSSALLEM33e EURICO DE SANTI34

    descrevem que essa classificao insuficiente para abarcar o amplo espectro da

    fenomenologia das fontes do direito tributrio, isso porque o critrio da utilidade utilizado

    nessa classificao inaplicvel, pois as classificaes jurdicas apontam em dois planos, o da

    validade e invalidade para o Direito Positivo, e o da verdade ou falsidade para a Cincia do

    Direito.

    A crtica construtiva, haja vista que no foram contempladas nessa classificao as

    normas jurdicas individuais e concretas produzidas pelo Poder Judicirio e as normas gerais e

    33 Fontes do direito tributrio, p. 188. 34 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Anlise crtica das definies e classificaes jurdicas como instrumentos para compreenso do direito. Direito global. So Paulo: Max Limonad, 1999, p. 299.

  • 36

    abstratas produzidas pelo Poder Executivo, que so importantes decises a serem analisadas

    no presente estudo, quando tratarmos da aplicao do princpio da seletividade tributria.

    Nesse sentido, adotaremos a classificao utilizada por TREK MOUSSALLEM,

    que especifica os veculos introdutores de normas em: (1) veculo introdutor-legislativo; (2)

    veculo introdutor-judicirio; (3) veculo introdutor-executivo; e (4) veculo introdutor-

    particular.35

    Esse autor considerou como veculos introdutores-legislativos as normas concretas e

    gerais expedidas pelo Poder Legislativo, como a Constituio Federal, as emendas

    constitucionais, as leis, os decretos legislativos e as resolues do Senado.

    Os veculos introdutores-executivos so as normas concretas e gerais expedidas pelo

    Poder Executivo, como a lei delegada, a medida provisria, o decreto regulamentar, as

    instrues ministeriais, as circulares, as portarias, o lanamento de ofcio etc.

    Os veculos introdutores-judicirios so as normas gerais e concretas expedidas pelo

    Poder Judicirio, como as decises interlocutrias, as sentenas e os acrdos dos tribunais.

    Por fim, os veculos introdutores-particulares so as normas concretas e gerais

    expedidas pelos particulares, como o polmico lanamento por homologao.

    De volta s normas individuais e abstratas, podemos exemplific-las como as regras

    que tratam de benefcios fiscais de ICMS concedidos aos contribuintes localizados em

    determinado Estado da Federao. Caso a empresa se instale nesse Estado e atenda s

    exigncias legais, ento o ente poltico dever conceder aquele benefcio fiscal ao

    contribuinte.

    Por fim, como exemplo de normas individuais e concretas, tm-se decises (deciso,

    sentena ou acrdo) expedidas pelos magistrados, em que se aplica o direito ao caso

    concreto, atingindo pessoas determinadas, constituindo ou desconstituindo relaes jurdicas

    35 Fontes do direito tributrio, p. 189-190.

  • 37

    entre sujeitos de direitos e obrigaes, com a descrio no antecedente dessa norma de um

    fato jurdico j traduzido em linguagem competente. Outros exemplos podem ser trazidos,

    como o lanamento tributrio, os contratos, as declaraes fiscais feitas pelos contribuintes

    etc.

    Como bem assevera PAULO DE BARROS CARVALHO, no direito posto, h uma

    grande tendncia de as normas gerais e abstratas concentrarem-se em escales mais altos,

    surgindo as outras normas medida que o direito vai-se positivando.

    Entretanto, isso no quer dizer que se trata de uma hierarquia rgida. O exemplo

    maior de que essa hierarquia se inverte est nas decises prolatadas pelo Supremo Tribunal

    Federal, em que por meio da expedio de norma individual e concreta (via controle difuso)

    ou geral e concreta (via controle concentrado em sede liminar) pode-se afastar a incidncia de

    norma geral e abstrata prevista na Constituio Federal.

    1.4. Fato jurdico e ato jurdico

    Considerando a necessidade de traduzir o fato (realidade no mundo fenomnico) em

    linguagem competente, criou-se uma fenomenologia para que houvesse essa transposio da

    linguagem do mundo social (linguagem natural) para o mundo jurdico, relatado em

    linguagem tcnica, prescritiva, reguladora de condutas intersubjetivas. Somente aps a

    traduo do fato em linguagem do direito ser possvel falar-se em fato jurdico.

    O fato jurdico um enunciado protocolar, denotativo, posto na posio sinttica de

    antecedente de uma norma individual e concreta, emitido, portanto, com funo prescritiva,

    num determinado ponto do processo de positivao do direito.36

    J o evento considerado como os fatos da chamada realidade social, enquanto no

    forem constitudos na linguagem jurdica prpria.37

    36 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributrio, p. 105. 37 Idem, ibidem, p. 89.

  • 38

    Portanto, so conceitos distintos, em que o primeiro relatado em linguagem do

    direito que por fora da incidncia tributria torna-se jurdico e o segundo encontra-se em

    linguagem natural e social, sem sofrer a subsuno.

    LOURIVAL VILANOVA pontifica que: o fato jurdico porque alguma norma

    sobre ele incidiu, ligando-lhes efeitos (pela relao de causalidade normativa). Suprimam-se

    normativamente efeitos e o fato jurdico fica to-s como fato.38

    A incidncia da norma sobre o fato d-se por um processo de incluso de classes

    (no por identidade, como consideram alguns juristas), em que ocorre a subsuno do

    conceito fato ao conceito norma39.

    A subsuno uma operao lgica que ocorre entre linguagem de nveis diferentes.

    O processo de subsuno ocorre entre o fato e o antecedente da norma geral e abstrata, por

    meio de incluso da classe do fato classe descritiva do antecedente normativo. Com isso, o

    processo resulta no nascimento de uma norma individual e concreta, por meio da norma geral

    e abstrata.

    GREGORIO ROBLES descreve que a subsuno consiste em encaixar uma ao

    concreta na ao contemplada no texto. Entretanto, para subsumir necessrio interpretar.

    nessa ida e volta do olhar entre a ao realizada de fato e a ao contemplada no texto que

    consiste o mecanismo intelectual que configura a subsuno.40

    Segundo o ensinamento do saudoso mestre RUY BARBOSA NOGUEIRA: no

    basta apenas a existncia da norma de lei descritiva do fato, mas preciso que alm da norma

    in abstrato e prvia, o fato previsto ocorra com todos os elementos descritos na lei e possa

    38 Causalidade e relao no direito, p. 144. 39 CARVALHO, Paulo de Barros Carvalho. Curso de direito tributrio. 15 ed. So Paulo: Saraiva, 2003, p. 245-248. 40 ROBLES, Gregrio. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito. So Paulo: Manole, 2005, p. 38.

  • 39

    ser demonstrada essa vinculao ou juridicidade por meio do ato de subsuno do fato lei

    ou sua subjuno pela norma tipificadora.41

    Nesse sentido, entendemos que fato jurdico o fato ou o complexo de fatos em que

    incidiu a regra jurdica, formando-se no antecedente da norma produzida a descrio de um

    fato traduzido em linguagem competente, que ocorreu no mundo social.

    1.5. Relao jurdica

    Relao jurdica definida como um vnculo que une sujeitos em face da ocorrncia

    de determinado fato jurdico.

    Para LOURIVAL VILANOVA, relao jurdica um conceito fundamental e geral,

    cujo estudo pertence Teoria Geral do Direito.42 FRANCESCO CARNELUTTI descreve que

    relao jurdica uma relao entre dois sujeitos, constituda pelo direito, concernente a um

    objeto.43

    MARIA RITA FERRAGUT entende que, para a Teoria Geral do Direito, a relao

    jurdica definida como sendo o vnculo abstrato que se instaura por fora da imputao

    normativa, em que uma pessoa, denominada sujeito ativo, tem o direito subjetivo de exigir de

    outra, sujeito passivo, o cumprimento de determinada obrigao.44

    Acrescentemos definio de relao jurdica que no s o modal obrigatrio dever

    fazer parte dela, mas tambm podem estar presentes no lugar daquele os modais proibido ou

    permitido, podendo este ltimo ser de ao ou de omisso.

    Relao jurdica, em um primeiro plano, uma espcie de relao social, ou seja,

    trata-se de uma relao entre os homens sob fins diversos. Sendo o Direito mais um

    instrumento cultural, passa-se a explor-lo para alcanar fins no s jurdicos, mas morais,

    41 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributrio de acordo com a Constituio de 1988. 11 ed. So Paulo: Saraiva, 1993, p. 113 (os destaques so do autor). 42 Causalidade e relao no direito, p. 238. 43 CARNELUTTI, Francesco. Teoria geral do direito. Trad. Rodrigues Queir e Artur Anselmo de Castro. Coimbra: Armnio Amado, 1942, p. 184. 44 Presunes no direito tributrio, p.32.

  • 40

    sociais, dentre outros, sob o manto da linguagem prevista nas normas, como resguardo e

    segurana daquilo que anseia a sociedade.

    A regra jurdica assume, ento, papel de proteo da conduta humana e dos processos

    de estruturao e garantia. Poderamos dizer, apenas para facilitar a exposio, que as

    normas jurdicas projetam-se como feixes luminosos sobre a experincia social: e s enquanto

    as relaes sociais passam sob a ao desse facho normativo, que elas adquirem o

    significado de relaes jurdicas.45

    Cumpre-nos ressaltar que, para existir uma relao jurdica, so necessrios dois

    requisitos, quais sejam, que haja uma relao entre sujeitos e que o vnculo correspondente

    entre duas ou mais pessoas seja de uma hiptese descrita normativamente, suficiente para

    implicar conseqncias obrigatrias, permitida ou proibida.

    Segundo MIGUEL REALE,46 em toda relao jurdica destacam-se quatro elementos

    fundamentais:

    a) um sujeito ativo, que titular ou beneficirio principal da relao;

    b) um sujeito passivo, assim considerado por ser o devedor da prestao principal;

    c) o vnculo de atributividade capaz de ligar uma pessoa outra, muitas vezes de

    maneira recproca ou complementar, mas sempre de forma objetiva;

    d) finalmente, um objeto, que a razo de ser do vnculo constitudo.

    Quanto ao sujeito ativo e passivo, podemos afirmar que o primeiro, em uma viso

    civilista, seria o credor da prestao principal expressa na relao jurdica; j o segundo a

    pessoa fsica ou jurdica que se obriga a realizar a prestao.

    O vnculo de atributividade representado pelo instrumento que formaliza a relao

    jurdica, como, por exemplo, um contrato, em uma relao entre locador e locatrio, em que

    se visualiza o negcio jurdico diante das vontades das partes que se ligam em uma locao.

    45 REALE, Miguel. Lies preliminares de direito. 22 ed. So Paulo: Saraiva, 1995, p. 211. 46 Idem, ibidem, p. 213.

  • 41

    Por fim, o objeto de uma relao jurdica o motivo da constituio da relao,

    podendo configurar-se em uma obrigao de dar, de fazer, de omitir, dentre outras.

    A relao jurdica nasce de um processo de implicao entre o antecedente da norma

    jurdica, que descreve hipoteticamente um evento possvel do mundo social, com o

    conseqente normativo. Ocorre no antecedente normativo a subsuno do conceito fato ao

    conceito norma, produzindo em um momento nico o nascimento de fato jurdico e de uma

    relao jurdica entre os sujeitos de direito, desde que o fato seja traduzido em linguagem

    competente para o direito.

    Cumpre-nos expor que a relao jurdica advm de uma relao de causalidade

    normativa, sob um processo de juridicizao, em que se convoca a causalidade por um

    critrio de valor. Ocorre que uma relao de causalidade fsica, com o acontecimento de um

    fato, produzir efeito que o resultado ftico. No caso da causalidade normativa o processo

    o mesmo, s que o resultado apresenta relao jurdica que so efeitos jurdicos relevantes ao

    direito (ocorrida a hiptese, deve ser a tese).

    Contudo, as relaes previstas nos conseqentes das normas gerais e abstratas no

    so capazes de produzir obrigaes e direitos, possuindo, apenas, condies e critrios

    determinadores destes, at mesmo porque so voltados para o futuro, enunciando fato

    relacional que ainda no se realizou.

    No caso das normas individuais e concretas, ocorre a relao jurdica intranormativa,

    voltada para o passado, vez que j ocorreu a implicao dentica de um fato, descrito no

    antecedente do enunciado, e um prescritor individual e concreto.

    Diante disso, s podemos afirmar que se formou fato jurdico estricto sensu quando

    existir norma individual e concreta, vez que o fato jurdico relacional pertence norma geral e

    abstrata.

  • 42

    Portanto, a relao jurdica nasce quando o administrador, o administrado ou o Poder

    Judicirio expedem a norma individual e concreta, formando um vnculo relacional entre o

    sujeito ativo e o sujeito passivo no conseqente normativo.

    1.6. Validade (pertinncia), vigncia e eficcia: tcnica, jurdica e social

    Partindo da construo feita por KELSEN, de que o sistema jurdico formado pelo

    conjunto de regras jurdicas vlidas, a validade tornou-se indispensvel para se pensar sobre

    sistema jurdico positivo.47

    Validade, em nosso pensamento, vinculo relacional que se forma entre a

    proposio normativa e o sistema do direito positivo, portanto, critrio de pertinncia ao

    conjunto.48

    LUS CESAR DE QUEIROZ define validade como a qualidade de toda norma

    jurdica (no apenas norma, porm, norma jurdica) que pertence a um determinado sistema

    de Direito Positivo, em funo de ter sido regularmente produzida, ou seja, em virtude de ter

    sido produzida em consonncia com o prescrito pela correspondente norma de produo

    normativa.49

    Dessa forma, a regra jurdica ser vlida se pertencer ao sistema do direito posto, e

    invlida se no pertencer, no havendo contradio sinttica dentro desse sistema, sendo

    passvel, entretanto, de incoerncia no plano semntico e pragmtico.

    LOURIVA VILANOVA leciona que (...) norma no vlida per se, mas vlida

    porque tem relao de pertinncia a um dado sistema S, e tem essa relao porque proveio da

    fonte geratriz normativamente (o que exclui o costume como puro fato) estabelecida.50

    47 Entendimento de Paulo de Barros Carvalho. Direito tributrio, p. 49. 48 Nesse sentido, Trek M. Moussallem. Fontes do direito tributrio, p. 69. 49 QUEIROZ, Lus Cesar Souza de. Sujeio passiva tributria. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 123. 50 As estruturas lgicas e o sistema do direito positivo, p. 30.

  • 43

    HANS KELSEN pontifica que () o fundamento de validade de uma norma apenas

    pode ser a validade de uma outra norma.51

    Em estudo sobre a validade das regras jurdicas, GREGRIO ROBLES assevera que

    a regra deve ser considerada vlida quando resultar de uma deciso vlida, ou seja, condiciona

    a validade da regra a uma deciso que deve ser tomada no espao, no tempo, por sujeito

    competente, mediante a concreo do procedimento genrico estabelecido pela regra

    procedimental.52

    Portanto, validade pode ser definida como critrio de pertinencialidade de regra

    jurdica ao sistema de direito positivo, que foi produzida por rgo competente, mediante

    procedimento legal adequado previsto no prprio sistema.

    Porm, no sistema jurdico positivo brasileiro, a regra jurdica introduzida com

    presuno de validade, sendo sua verificabilidade feita em momento posterior, em que se

    constata se o rgo fonte de produo era competente e se foram adotas as regras de produo

    previstas no prprio ordenamento jurdico.

    O que possvel fazer para evitar que uma regra eivada de vcio formal venha a

    produzir efeitos jurdicos no sistema suspender sua eficcia, promovendo a no-incidncia

    da norma no caso concreto.

    As regras jurdicas somente so extirpadas do sistema jurdico por outra norma de

    igual ou maior hierarquia, produzida pelo poder competente, de regra o Legislativo, ou pelo

    Supremo Tribunal Federal, no controle concentrado de constitucionalidade repressivo.

    Validade e vigncia no podem ser confundidas. Vigncia aptido (qualidade) da

    norma atinente fora de disciplinar ou regular condutas intersubjetivas. Portanto, podemos

    51 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. Joo Baptista Machado. So Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 215. 52 Sobre o problema da validade das regras jurdicas. O direito como texto, p. 104-105.

  • 44

    ter no sistema jurdico norma vlida e no vigente. A falta de aptido disciplinadora da norma

    advm da perda ou da sua no-aquisio.

    PAULO DE BARROS cita a vacatio legis como exemplo de regra vlida e no

    vigente. Por mais que a regra seja vlida, no h juridicizao dos fatos ocorridos no mundo

    fenomnico, no incorrendo, portanto, irradiao dos efeitos no conseqente normativo.53

    A regra jurdica, no entendimento de TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR., poder

    manter sua vigncia para os casos do passado, mesmo sendo revogada. Outra construo

    desse cientista quanto ao impedimento de a norma atuar ou juridicizar o fato (ineficcia

    tcnica), impossibilitado de produzir efeitos por falta de regras regulamentadoras de igual ou

    inferior hierarquia (ineficcia tcnica sinttica) e por ausncia de ordem material, inexistindo

    condies de criar em linguagem a incidncia normativa (ineficcia tcnica semntica).54

    Em nossa concepo, o Poder Judicirio, quando expede norma, por meio do

    controle difuso ou concentrado (via liminar em ao cautelar),55 acaba, ao constituir ou

    desconstituir relaes jurdicas por critrio de (i)legalidade ou (in)constitucionalidade de regra

    jurdica, expedindo outra norma inibidora da incidncia da norma geral e abstrata.

    A eficcia que falamos no aquela de ausncia de regras que regulamentam ou

    regulam a regra a ser aplicada, mas outra norma (individual e concreta), que atinge a

    incidncia da norma geral e abstrata.

    Ressalte-se que a eficcia jurdica est relacionada com o fato, no com a norma.

    Trata-se de propriedade do fato de provocar os efeitos que lhe so prprios.56 EURICO DE

    SANTI assevera que se o fato jurdico produz efeitos, ento tem eficcia jurdica.57

    53 Direito Tributrio, p. 52-53. 54 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introduo ao estudo do direito: tcnica, deciso, dominao. 4 ed. So Paulo: Atlas, 2003, p. 197-199. 55 Analisados no ltimo captulo. 56 Idem, ibidem, p. 55. 57 Lanamento tributrio, p. 63.

  • 45

    Portanto, a causalidade tributria dever estar presente na norma produzida, para que

    exista eficcia jurdica, s constatada quando da juridicizao do fato.

    Por fim, a eficcia social o atendimento do disposto na regra jurdica pelos

    administrados. Sabemos que existem regras jurdicas no ordenamento que nunca so

    obedecidas, o que implica sua ineficcia social. A norma somente poder ser considerada

    efetiva ou socialmente eficaz se for cumprida pela maior parte dos destinatrios.

    LUS CESAR SOUZA DE QUEIROZ considera que a eficcia social, alm de ser

    uma qualidade da norma, aponta para um critrio sociolgico e no jurdico de anlise de uma

    norma jurdica.58

    1.7. Noo de sistema e classificao

    A noo que devemos ter de sistema jurdico, considerando que se trata de uma

    expresso imprecisa ou vaga, que h dois sistemas: de Direito Positivo e da Cincia do

    Direito.

    No concordamos com a doutrina que no considera como sistema o direito positivo,

    entendido como o conjunto de regras prescritivas de condutas intersubjetivas, que apresentam

    um mnimo de organizao e racionalidade, que permita consider-las como sistema.

    J a Cincia do Direito mais organizada do que o direito positivo. Fundada em uma

    linguagem descritiva das regras jurdicas, atinge um nvel mais complexo de sistema.

    No entender de LOURIVAL VILANOVA, o sistema da Cincia do Direito, ao ter o

    direito positivo como objeto, passou a ser um sistema sobre outro sistema: um metassistema.59

    Sistema a reunio de elementos que expressam idias comuns, organizados sob um

    crivo de racionalidade e objetivismo, unidos por um princpio de unidade.

    KELSEN, ao isolar o direito positivo como forma de estud-lo como um sistema,

    acabou identificando que as regras jurdicas esto organizadas em uma estrutura

    58 Sujeio passiva tributria, p. 129. 59 As estruturas lgicas e o sistema do direito positivo, p. 175.

  • 46

    hierarquizada. Nela, a regra inferior encontra fundamento de validade em outra regra de maior

    hierarquia, a partir de um prisma dinmico, em que o direito gera direito por meio do prprio

    direito, regulando sua prpria criao e transformao.

    Para fechar esse sistema de regras jurdicas sob o molde piramidal, KELSEN

    construiu hipoteticamente a norma fundamental,60 localizada no plano superior

    Constituio.

    Portanto, o direito tem como princpio de unidade a norma fundamental, que no est

    dentro do direito positivo, pois se trata de uma norma pressuposta,61 no posta pelo prprio

    direito.

    A norma fundamental, na viso kelseniana, fecha o sistema das regras jurdicas

    (sistema do direito positivo) e, na viso de LOURIVAL VILANOVA, serve de unidade para a

    Cincia do Direito.62 De certa forma, essa unidade do objeto comunica-se com a cincia,

    adotando um sentido lgico-jurdico, que repousa em um nico fundamento-de-validade em

    ambos os sistemas.

    Concordamos com MARCELO NEVES63 ao propor classificar os sistemas como: (i)

    reais ou empricos; e (ii) proposicionais. Os reais possuem elementos extralingsticos,

    fsicos, sociais etc. Os proposicionais so formados por proposies, distinguindo-se em

    sistemas nomolgicos e nomoempricos. Os nomolgicos decorrem da deduo de

    proposies bsicas integrantes do sistema, sendo ricos apenas no plano sinttico. Os

    nomoempricos indicam linguagem aberta sujeita a incluses de enunciados consubstanciados

    no empirismo, sujeitos a dimenses sintticas, semnticas e pragmticas. Da subclasse

    60 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, p. 239. 61 Lourival Vilanova, utilizando a lgica moderna, considera que a norma fundamental uma proposio de metalinguagem, no advindo de nenhuma fonte tcnica, in As estruturas lgicas e o sistema do direito positivo, p. 175. 62 Idem, ibidem. 63 NEVES, Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis. So Paulo: Saraiva, 1988, p. 4.

  • 47

    nomoemprica, foram identificadas as proposies prescritivas (regras do direito) e as

    descritivas (normas jurdicas).

    TREK MOYSS MOUSSALLEM narra que os sistemas nomoempricos

    descritivos tm funo gnosiolgica (conhecimento) e por isso esto compostos de enunciados

    descritivos. (...) Os sistemas nomoempricos prescritivos possuem funo reguladora de

    condutas e por sua vez esto formados por enunciados prescritivos.64

    Dessa forma, trabalharemos com dois sistemas bem distintos: um formado pelos

    textos do direito positivo e outro da Cincia do Direito, os quais sero sempre diferenciados

    no presente estudo.

    Em uma outra viso mais complexa de sistema, bem diferente da que adotamos,

    NIKLAS LUHMANN criou a teoria dos sistemas, que pode ser aplicada no direito

    brasileiro com algumas adaptaes, sendo construda sob os moldes do sistema jurdico

    alemo.

    Esse autor segregou o sistema (comunicao) do ambiente (aquilo que no

    comunicao), considerando, em uma viso dinmica, a autoproduo da comunicao.65

    O direito considerado pela teoria luhmanniana como um subsistema social. A

    funo principal do sistema jurdico garantir as expectativas normativas e cognitivas,

    antecipando a soluo dos problemas. Cada deciso baseia-se em deciso anterior e cria

    condies para decises futuras, da o carter autopoitico do sistema jurdico.

    LUHMANN traz a diferenciao funcional entre o cognitivo e o normativo:

    Ao nvel cognitivo so experimentadas e tratadas as expectativas que, no caso

    de desapontamentos, so adaptadas realidade. Nas expectativas normativas

    ocorre o contrrio: elas so abandonadas se algum as transgride. No caso de

    64 Fontes do direito tributrio, p. 67. 65 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e democracia. 2 ed. So Paulo: Max Limonad, 2000, p. 73. Veja, tambm, o entendimento de Gustavo Sampaio Valverde. Coisa julgada em matria tributria. So Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 34 e ss.

  • 48

    esperar-se uma nova secretria, por exemplo, a situao contm componentes

    de expectativas cognitivas e tambm normativas. Que ela seja jovem, bonita,

    loura, s se pode esperar, quando muito, ao nvel cognitivo; nesse sentido

    necessria a adaptao no caso de desapontamentos, no fazendo questo de

    cabelo louro, exigindo que os cabelos sejam tingidos etc. Por outro lado espera-

    se normativamente que ela apresente determinadas capacidades de trabalho.

    () Dessa forma as expectativas cognitivas so caracterizadas por uma nem

    sempre consciente disposio de assimilao em termos de aprendizado, e as

    expectativas normativas, ao contrrio, caracterizam-se pela determinao em

    no assimilar desapontamentos.66

    Para que possamos ter expectativas normativas, o direito precisa ter decepes, pois

    por meio delas que o sistema jurdico vai buscar adaptar-se e resolver os problemas

    existentes.

    Assim, compete ao direito garantir a manuteno de expectativas normativas, mesmo

    que no haja a obedincia s normas jurdicas, incluindo as decises judiciais.

    A comunicao jurdica apresenta cdigos binrios especficos: direito/no-direito.

    Com eles, podemos observar que o sistema jurdico pode assimilar fatores do seu ambiente,

    que inclui os outros sistemas parciais. por meio do cdigo que se faz a filtragem dos

    elementos estranhos ao sistema jurdico, para que possam fazer parte do direito, porm com

    outra roupagem, atribuda pela comunicao especificamente codificada.

    Assim, os fatores do meio ambiente e de outros sistemas parciais no influenciam

    diretamente o sistema jurdico, o que implica dizer que os elementos polticos e econmicos

    66 LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito. Vol. I. Trad. Gustavo Bayer. Biblioteca Tempo Universitrio n. 75. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983, p. 56.

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    devem ser filtrados para fazer parte do sistema jurdico, sob pena de haver corrupo de

    cdigos e o rompimento do equilbrio entre os sistemas.67

    Corrupo de cdigos nada tem a ver com a corrupo quanto delito. Trata-se o

    cdigo de uma estrutura interna ao sistema, que no norma, mas apenas uma regra de

    conexo aos seus termos: direito/no-direito.

    Juntamente com os programas, os cdigos traduzem em especializada comunicao

    elementos trazidos do ambiente por meio da sensibilidade criada no interior dos sistemas,

    chamado irritaes.

    No caso do sistema jurdico, muitas vezes seu cdigo no consegue oferecer

    resposta, ou mesmo a apresenta de forma inadequada para alguns problemas. Isso ocorre em

    todos os outros sistemas parciais.

    Diante disso, havendo o obstculo da transcendncia do sistema, que no pode

    intervir em outro, na hiptese de um sistema dispor e valer-se de outro sistema, ignorando as

    possibilidades inerentes a ele, acaba ocorrendo o fenmeno que chamamos de corrupo de

    cdigos.

    Para melhor entender esse fenmeno, que rompe com a manuteno autopoitica dos

    sistemas, podemos mencionar a hiptese de o ncleo do sistema poltico, no caso o Estado,

    dispor sobre dinheiro ou sobre o direito.

    Neste sentido, o sistema poltico estaria valendo-se do sistema econmico e do

    sistema jurdico, o que vedado diante da incompatibilidade de cdigos que trabalham

    diferentemente esses trs sistemas parciais.

    Ressalte-se que o sistema poltico observa o direito da perspectiva do legislador,