Dissertação Max Scheler

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    PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO

    PUC-SP

    Emerson Ginetti

    A crise dos valores ticos segundo Max Scheler

    Dissertao apresentada Banca Examinadora,como requisito parcial obteno do grau deMestre em Filosofia, pelo programa de Ps-

    Graduao emMESTRADO EM FILOSOFIA

    Dissertao apresentada Banca Examinadora,como requisito parcial obteno do grau deMestre em Filosofia, pelo programa de Ps-Graduao em Filosofia e Cincias Humanas,da Pontifcia Universidade Catlica de SoPaulo, sob a orientao do Prof. Dr. MrioAriel Gonzlez Porta.

    SO PAULO

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    Livros Grtis

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    PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO

    PUC-SP

    Emerson Ginetti

    A crise dos valores ticos segundo Max Scheler

    Dissertao apresentada Banca Examinadora,como requisito parcial obteno do grau deMestre em Filosofia, pelo programa de Ps-

    Graduao emMESTRADO EM FILOSOFIA

    Dissertao apresentada Banca Examinadora,como requisito parcial obteno do grau deMestre em Filosofia, pelo programa de Ps-Graduao em Filosofia e Cincias Humanas,da Pontifcia Universidade Catlica de SoPaulo, sob a orientao do Prof. Dr. MrioAriel Gonzlez Porta.

    SO PAULO

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    BANCA EXAMINADORA

    _______________________________Prof. Dr. Mrio Ariel Gonzlez Porta

    PUC-SO PAULO

    _______________________________Profa. Dra. Constana Terezinha Marcondes Csar

    PUC-CAMPINAS

    _______________________________

    Profa. Dra. Silvia Saviano Sampaio

    PUC-SO PAULO

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    AGRADECIMENTOS

    Primeiramente a Deus pela sade e sabedoria na realizao deste trabalho.

    Ao meu orientador, Prof. Mrio Ariel Gonzles Porta, pelo apoio,

    dedicao e pacincia durante o trabalho. Sua ajuda incansvel e o

    acompanhamento crtico do trabalho deixaram em mim a imagem da seriedade da

    pesquisa filosfica e incentivam-me a continuar pelo universo da pesquisa

    acadmica.

    Ao CNPq e PUC-SP, pelos auxlios concedidos, sem os quais este trabalho no

    poderia ter sido realizado.

    Profa. Constana Marcondes Csar, que alm do profissionalismo e sabedoria sempre

    demonstrou interesse e zelo por este trabalho.

    Profa. Silvia Saviano Sampaio, que me acompanhou na

    estada de pesquisa nessa universidade, minha admirao e respeito.

    Aos professores que participaram da comisso examinadora.

    A todos os professores e funcionrios do departamento de Filosofia da PUC-SP

    pelos ensinamentos e pela ajuda.

    A meus pais, pela educao, incentivo e carinho e minha famlia por estar

    sempre presente.

    Aos amigos que me acompanharam neste percurso acadmico, em especial

    Sandra Lcia, Pe. Altair Soares, Simia (secretria acadmica), Maria Jos (Zez), Arnold

    Cabrelli, Jos Roberto pelo apoio e incentivo.

    A meus colegas da PUC-SP

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    Em poca alguma foram as opinies sobre a essncia

    e a origem do homem to incertas, to indeterminadas como a nossa...

    Dentro de uma histria de aproximadamente dez mil anos, somos a primeira poca em que o

    homem se tornou completamente problemtico para si mesmo; na qual ele no sabe mais

    o que , mas ao mesmo tempo sabe que no sabe.

    Ferdinand Max Scheler

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    RESUMO

    O presente trabalho tem como objetivo tecer uma anlise da crise dos valores ticos,

    considerando-a como uma crise de valores histricos, segundo o pensamento de Ferdinand

    Max Scheler. H uma explicao da crise que tambm poder ser ainda uma possvel soluo:

    o resgate de uma tica material dos valores objetivos, que no se molda nas configuraes

    predominantes no seio do homem moderno, carente de referenciais capazes de sustentar uma

    tica que o conduza perfeio moral e sua prpria realizao. Nota-se que a crise marcada pelo secularismo, relativismo e subjetivismo, no campo axiolgico. Na crise atual

    d-se uma inverso na hierarquia dos valores. Tal tendncia a subordinao dos valores mais

    altos aos mais baixos, passando, estes, a serem considerados superiores. Esta inverso na

    hierarquia dos valores, segundo Scheler, motivada pela moral daqueles que se encontram

    acometidos pelo ressentimento e pelo humanitarismo. Nota-se a necessidade de uma

    moral sustentada por valores que sejam mais estveis, duradouros, no impregnados de

    interesses ou elaboraes subjetivas onde o ato moral, que deve orientar a conduta humana,

    sustentado nos paradigmas apresentados pela modernidade. Os valores mais altos esto

    submetidos aos que esto ligados sensibilidade, matria. Desse modo, Scheler prope sua

    tica objetivista como possvel substituto para o subjetivismo predominante na tica da

    sociedade moderna, aspirando-se a algo que sustente o ser e o agir humanos e d razo aos

    mesmos.

    PALAVRAS-CHAVE: Axiologia; tica; Relativismo; Subjetivismo; Secularismo

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    ABSTRACT

    This work aims to make an analysis of the crisis of ethical values while considering it

    to be a crisis of historical values, according to Ferdinand Max Scheler. There exists an

    explanation to the crisis, as well as a possible solution: the rescue of material ethics of

    objective values, which are shaped in configurations prevalent within modern man, lacking

    references capable of sustaining an ethic that will lead to perfect morality and its own

    achievement. Note that the crisis is marked by secularism, relativism and subjectivism in theaxiological field. The current crisis gives a reversal in the hierarchy of values. This trend is

    the subordination of the highest to the lowest. This reversal in the hierarchy of values,

    according to Scheler, is motivated by the morale of those who are affected by "resentment"

    and "humanitarianism". Note that the need for sustained moral values is more stable and

    durable. Non-impregnated interests or subjective elaborations where the moral act is sustained

    by the paradigms presented by modernity. The highest values are subject to those associated

    with sensitivity to the matter. Thus, Scheler proposes his objectivist ethics as a possible

    replacement for subjectivism predominant in modern society, aspiring to something that

    sustains human life and work.

    KEYWORDS: Axiology Ethics Relativism Subjectivism; Secularism

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    SUMRIO

    INTRODUO.......................................................................................................... 007

    01 CAPTULO I: OS FUNDAMENTOS DOS VALORES TICOS........................ 014

    1.1 Diviso do esprito com a razo e a ordem hierrquica dos valores...................... 017

    1.2 O ressentimento..................................................................................................... 0201.3 O juzo dos valores................................................................................................ 024

    1.4 A relatividade dos valores...................................................................................... 025

    1.5 Personalismo tico................................................................................................. 025

    02 CAPTULO II: O CONCEITO DE VALOR E O PROBLEMA DA

    HISTORICIDADE.....................................................................................................

    027

    2.1 Historicidade e Universalidade.............................................................................. 0332.2 Absolutismo e relativismo ticos........................................................................... 036

    2.3 O ethos e sua historicidade................................................................................. 042

    2.4 Variaes do ethos e captao de valores.......................................................... 046

    03 CAPTULO III PRINCPIOS DE UMA UNIVERSALIDADE TICA NA

    HISTRIA.................................................................................................................

    054

    3.1 Racionalidade da vida histrica e historicidade da vida moral.............................. 054

    3.2 Os limites do relativo na moral e na histria......................................................... 058

    3.3 O apriorismo material dos valores ou uma hierarquia vivencial na histria......... 067

    3.4 A realizao dos valores na histria...................................................................... 082

    04 CAPTULO IV PROLEGMENOS DE UMA TICA NA AXIOLGIA

    HISTRICA...............................................................................................................

    091

    4.1 Scheler e o problema da Axiologia........................................................................ 091

    4.2 Historicidade e existncia pessoal......................................................................... 094

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    4.3 O a priori material como recuperao da historicidade dos valores...................... 096

    4.4 Variaes axiolgicas e revelao dos valores na histria.................................... 099

    4.5 A infinitude do valor e a histria 102

    05 CAPTULO V - HISTRIA E A TEORIA DOS VALORES.............................. 104

    5.1 Razes do pensamento histrico de Scheler........................................................... 105

    5.2 Descobrir e realizar valores................................................................................... 110

    06 CAPTULO VI A CRISE HISTRICO AXIOLGICA................................... 112

    6.1 Subjetivismo e relativismo ticos.......................................................................... 112

    6.2 O valor e o seu sentido moderno........................................................................... 1166.3 Decadncia do ethos........................................................................................... 119

    6.4 Manifestaes modernas no pensamento de Scheler ............................................ 121

    6.5 A crise de valores no juzo da moral...................................................................... 122

    CONCLUSO............................................................................................................ 125

    BIBLIOGRAFIA....................................................................................................... 131

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    INTRODUO

    Um dos assuntos mais importantes na atualidade o problema tico. Fala-se em uma

    crise tica, prpria do modo de ser da sociedade contempornea, profundamente marcada pelo

    subjetivismo, no campo dos valores, especialmente no que concerne moral .

    Etimologicamente, o termo tica deriva do vocabulrio Grego ethos, que significa

    costume da ter sido a tica definida freqentemente como a doutrina dos costumes. A

    evoluo sofrida por esse termo fez com que, atravs do tempo, a tica fosse identificada com

    a moral, considerando-se como filosofia moral a cincia que se ocupa dos atos morais em

    todas as formas. possvel elaborar, margem das ideias morais, uma histria da tica comocincia filosfica. Esta abrange somente o estudo das teorias morais filosoficamente

    justificadas, ou seja, examinadas em seus fundamentos, com uma explicao racional das

    ideias ou normas adotadas. Embora com Aristteles se tenha elaborado uma tica como

    disciplina filosfica, h precedentes nas reflexes de carter tico dos pr-socrticos, quando

    estes procuravam encontrar as razes pelas quais os homens tinham de comporta-se de uma

    determinada maneira. J nas escolas filosficas posteriores a Aristteles houve um

    fundamento de caractersticas comuns a todas elas, tais como tendncias de encontrarem umabase da tica na prpria natureza. Uma tentativa de estabelecer uma hierarquia entre os bens a

    que o homem deve aspirar (tica dos bens) e enfim o predomnio da busca da tranquilidade,

    do nimo e a primazia da existncia prtica sobre a terica. As teorias de Plato foram

    adotadas pelos neoplatnicos, embora estes tenham misturado a elas algumas ideias de

    Aristteles e, sobretudo, dos esticos. Com o neoplatonismo foram introduzidas considerveis

    modificaes no campo da tica e com o aparecimento do Cristianismo efetuaram profundas

    modificaes nas teorias precedentes. A principal caracterstica da tica crist foi a absorodo tico no religioso, fundamentaram-se em Deus os princpios da moral - tica tenoma.

    Adaptaram-se princpios e normas dos platnicos e esticos (como a classificao das

    virtudes) e, em geral, esta classificao foi acolhendo paulatinamente o pensamento moral da

    tica grega, suprimindo o que era incompatvel com a doutrina crist. Em ambos os

    pensamentos, grego e cristo, logo se evidenciaram vrios pontos de contato, dos quais um

    dos mais importantes foi a equiparao do bom ao verdadeiro, questo que o cristianismo

    desenvolveu amplamente, com a elaborao da teoria dos transcendentais.

    Partindo da distino platnica entre um mundo do a priori e um mundo de

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    bsica, com sua doutrina do a priori relativo1. Os contedos de essncia material

    encontram-se numa ordem de fundao hierarquicamente organizada, na qual os contedos

    so sempre a priori, relativamente aos contedos fundados.

    Scheler entende a doutrina do ethos em diversas culturas e pocas histricas, como a

    concepo mais radical do perspectivismo dos valores. Ela no se relaciona mudana das

    valoraes particulares, que foram assumidas por determinados indivduos, classes sociais ou

    povos. Tambm no atinge a adaptao de concepes de valores a condies histrico-

    sociais modificadas, porm procura descobrir a mudana na estrutura vivencial dos valores e

    das regras de preferncia a ela imanentes2, a qual mudana ocorre por trs da moral praticada

    ou da tica formulada. Scheler acredita reconhecer, na esfera terica, uma funcionalizao da

    razo, ele reconhece, na esfera dos valores, uma histrica funcionalizao do sentir3.* * * *

    A escolha da tica como objeto de investigao e da contribuio de Scheler

    decorreu de dois fatores. Em primeiro lugar, a tica constitui, segundo reconhecem todos

    os estudiosos de Scheler, a sua Obra mais completa. Em segundo lugar, porque a tica

    constitui o ponto central de entroncamento de todo o seu pensamento: tudo quanto escreveu

    antes ou escreveria depois do perodo 1913-1916 est de algum modo relacionado tica.

    Alm disto, cabe mencionar que Scheler jamais condenou ou retirou da tica qualquerpalavra ou ideia, em revises posteriores, tendo sempre afirmado, at a poca da publicao

    de suas ltimas obras em vida, que a tica refletia fielmente seu pensamento, cujas linhas

    centrais, extremamente densas, procurou ramificar e desenvolver nas obras que elaborou entre

    1916 e 1928, quando veio a falecer.

    Metodologicamente, no foi possvel elaborar um resumo das principais ideias da

    tica pelo simples fato de que se trata de uma obra to abrangente e ampla que seu

    contedo poderia ser encarado sob dezenas de aspectos.Poderia ser dito mesmo que a tica constituda de vrios livros ou, pelo menos, de

    vrias camadas de pensamento que se superpem e se completam, de forma excntrica, como

    as sucessivas camadas de um tronco de rvore.

    1Scheler mencionou a distino entre o a priori relativo e o absoluto no Livro do Formalismo da tica e ticamaterial dos valores, mas no desenvolveu sistematicamente; tambm no o fez em seus outros escritos. Noartigo de publicao pstuma, Phnomenologie und Erkenntnistheorie (Fenomenologia e teoria do

    conhecimento), de 1914, Scheler estabelece o a priori relativo, relacionando-o com a ordem rgida, na qualessncias a priori se nos tornam reais.2 SCHELER Max Formalismo da tica e tica material dos valores p 30

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    Partindo de uma ideia central, de que o a priori tico no necessariamente formal,

    como em Kant, podendo ser material, em um sentido tambm diverso daquele atribudo por

    Kant, Scheler construiu uma tica que trata desde o problema da imperatividade e do

    eudemonismo, temas tradicionalmente ticos, at o problema do valor e da pessoa, temas que

    ganharam grande originalidade em seu pensamento.

    Scheler, filsofo de origem alem, escreveu a tica tendo como um de seus

    propsitos fundamentais a preocupao de enfrentar o problema do relativismo tico

    decorrente da introduo da histria como novo elemento explicativo da vida prtica

    universal.

    Estes so, pois, os principais motivos pelos quais a tica foi escolhida para este

    exame do pensamento axiolgico de Scheler. Embora Scheler tenha elaborado outrostrabalhos posteriormente, em que trata do tema da histria, como Die Stellung des Menschen

    in Kosmos, Wissensformrn und die Gesellschaft e El gnio de la guerra4, e outras5, a

    tica a obra que rene todo o ncleo de seu pensamento, cujo ponto de partida j se

    encontra em sua tese de doutoramento de 1899 e cujos prolongamentos alcanaram at

    mesmo as ltimas obras escritas entre 1926 e 1927.

    Procurei efetuar um exame de contribuies do problema da crise da tica pela obra

    intitulada O Formalismo em tica e a tica Material dos Valores, publicada originalmentesob o ttulo Der Formalismus in der Ethik und die materiale Werthik6.

    Esta obra de Scheler foi lida e analisada em sua edio francesa de 1955, atravs da

    traduo de Maurice de Gallimard7 sob o ttulo Le Formalisme em thique et lthique

    materiale des valerus Essai pour fonder un personalisme thique, confrontada com a edio

    alem de 19668

    Tratando-se de ttulo extenso e apenas para efeito de referncia obra mencionada,

    todas as citaes ou menes a O Formalismo em tica e a tica Material dos Valoresdoravante sero feitas apenas atravs de meno palavra tica, que indica simbolicamente

    o contedo da obra, tal como j consta do prprio ttulo do presente trabalho.

    4Publicado em 1915.5 "O transcendental e o mtodo psicolgico" (1901); "O ressentimento e o juzo moral dos valores" (1912);"Escritos e esboos" (2 volumes, 1915 e Segunda edio com o ttulo: "Crise dos valores", 1919); "Guerra eConstruo" (1916); "O eterno no homem"(1921); "Essncia e formas de simpatia" (1923); "Escritos desociologia e da doutrina da Weltanschauung" (4 volumes - 1923/24); "As formas do saber e a sociedade" (1926);"Intuio filosfica do mundo" (1928); "A ideia da paz e o pacifismo" (1931); Escritos pstumos (1933).6Berlim, 19167 SCHELER, M. Le formalisme em thique et l'thique materiale ds valeurs: essai noveau pour fonder umpersonnalisme thique Paris: Gallimard 1955

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    As citaes da tica so feitas em funo da edio francesa de 1955, seguidas da

    numerao da edio original, tal como aparece margem esquerda da edio francesa de

    1955.

    Deve ser dito, por fim, que este trabalho constitui apenas uma tentativa de salientar um

    aspecto da obra de Scheler que, apesar de sua extrema atualidade, vem sendo esquecido tanto

    por aqueles que procuram examinar filosoficamente o problema da implicao dos valores

    ticos, quanto pelos prprios comentrios de Scheler. So inmeros os prolongamentos

    possveis dos resultados da reflexo histrica e axiolgica de Scheler. Entre estes

    prolongamentos, parece ser possvel entrever inclusive os lineamentos para uma nova

    interpretao filosfica, tarefa to extensa quanto fascinante que, sem caber no mbito das

    dimenses atuais, abre a esperana de vir a constituir um futuro desdobramento.Quanto ao mtodo adotado para a elaborao do presente trabalho, deve ser dito que a

    obra de certos filsofos, para ser melhor compreendida, solicita a elaborao de um mtodo

    que se ajuste natureza de sua filosofia. Sem excluir qualquer possibilidade de adoo de

    mtodos no-procedentes de um determinado filsofo para a anlise de sua obra, convm

    esclarecer que o pensamento de Scheler inclui-se entre aqueles que resistem aplicao de

    mtodos que no procedam pelos mesmos instrumentos de reflexo.

    Assim sendo, no seria possvel adotar, para a anlise do pensamento de Scheler, omtodo lgico-educativo de inspirao aristotlica, nem o mtodo dubitativo-dedutivo, de

    inspirao cartesiana, nem o mtodo emprico-indutivo, de inspirao baconiana e nem ainda

    o mtodo crtico, de inspirao kantiana.

    O mtodo adotado tem inspirao dialtica, acrescido da inspirao intuitivista de

    procedncia fenomenolgica. O mtodo adotado, portanto, poderia ser identificado como

    dialtico-intuitivo, que pode ser assim explicado quanto natureza de seus procedimentos:

    partindo da intuio imediata da essncia de uma ideia, procura-se encontrar, atravs deelementos opostos que permitam dialeticamente o desenvolvimento de snteses sucessivas, o

    resultado pressentido na prpria intuio inicial, que desencadeou a procura filosfica.

    No caso presente, a intuio inicial pode ser assim definida: a histria torna-se

    novamente inteligvel, filosoficamente, a partir de Scheler, como autocompreenso do homem

    a respeito do carter absoluto de sua ao de realizar valores, ao esta que relativiza o

    passado e se constitui em uma sntese entre um a priori axiolgico que intui e uma realidade

    histrico-material que a condiciona.

    A partir desta intuio inicial, foi iniciada uma pesquisa destinada a efetuar uma

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    numa maneira de suprir ou fugir da prpria impotncia diante das realidades valorativamente

    superiores e que no se pode alcanar.

    No Captulo II, partindo do valor que surgiu como ponto terminal da reflexo

    anteriormente elaborada, desenvolve o tema do carter axiolgico do conhecimento e da

    realidade histrica, atravs de dois elementos dialeticamente opostos: o carter axiolgico e o

    carter histrico do valor. No primeiro destes dois componentes, feita uma anlise de uma

    crise da filosofia da Histria na atualidade que, por sua vez, foi o resultado dialtico de

    imprecises historiogrficas dos filsofos da Histria e da inaptido filosfica dos

    historiadores. Como reconstituio da tradio filosfica do problema, construdo o tema do

    carter histrico do valor. A indagao busca, aqui, retroceder ao passado filosfico a fim de

    procurar descobrir elementos que possam indicar em que medida o valor j tem sido encaradocomo um elemento inspirador das aes histricas ou explicativo do significado inteligvel

    das aes histricas. Aqui, o resultado alcanado permitiu apresentar um confronto entre uma

    tradio filosfica em que j pressentida a influncia do valor na vida histrica, e uma

    filosofia relativista que colocou em dvida a possibilidade de integrao do valor no plano

    histrico.

    Deste confronto, resulta novamente uma sntese inacabada, incompleta e insatisfatria:

    retomar a tradio de demonstrao do carter histrico do valor, sendo necessrio fundaruma tica e uma filosofia da histria que sejam capazes de superar tanto o relativismo tico,

    produzido pela cincia moderna, quanto as prticas da moral tradicional, sem negar a

    historicidade que a filosofia da poca moderna demonstrou haver na existncia humana e sem

    recair, para isto, em um relativismo que impossibilite uma tica de pressupostos universais e

    uma filosofia da Histria que torne inteligvel o conjunto das aes histricas.

    O Captulo III, sob o ttulo de Os Princpios de uma Universalidade tica da Histria,

    apresenta o segundo elemento do conjunto dialtico: procurar demonstrar que Scheler atribui Histria uma universalidade tica fundada sobre o carter absoluto do valor, sem que, com

    isto, fosse necessrio incidir em um absolutismo tico que negasse a historicidade em nome

    do propsito de atribuir Histria uma inteligibilidade.

    Assim, no Captulo IV, caminha-se do relativo para o absoluto, numa revalidao do

    carter imprescindivelmente absoluto dos pressupostos ticos, numa rejeio s concluses do

    relativismo tico e do ceticismo historicista.

    J no captulo V, apresenta alguns pontos relevantes da filosofia dos valores de Max

    Scheler, segundo a qual, para Scheler, pode-se ter uma tica capaz de responder aos anseios

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    hierarquizados, podendo ser acessveis a quaisquer homens, isentos de impedimentos morais e

    racionais, pois os mesmos so apreendidos apenas atravs da intuio emocional intencional.

    Em seguida, no captulo VI, aborda-se a crise histrico-axiolgica propriamente dita.

    Esta profundamente marcada pelo secularismo, relativismo e subjetivismo, no campo

    axiolgico. Tal maneira de conceber a tica provoca uma inverso na hierarquia dos valores,

    em que os referenciais que regem o comportamento humano no obedecem mais aos valores

    que esto submetidos e ligados sensibilidade, a matria. Este processo, no entanto, teve seu

    primeiro impulso com o desenvolvimento das cincias e, posteriormente, da indstria. No

    que estes elementos sejam indesejveis ou negativos, mas o que se mostrou foi que os

    homens deixaram-se influenciar negativamente por aquilo que eles prprios criaram. Isto

    equivale a afirmar que o referencial tico valorativo no so mais os valores humanos massim a cincia e a tcnica criadas pelos prprios homens. Scheler, como pudemos notar,

    protesta contra esta forma de se configurar a vida moral do mundo contemporneo.

    A concluso a ser alcanada, embora j implcita em toda recomposio do

    pensamento tico de Scheler com relao teoria dos valores, identifica-se com a sntese,

    finalmente exposta por Scheler, entre o carter relativo da tica e da Histria e o carter

    absoluto do valor. Esta sntese seria ento idntica intuio inicial que presidiu toda a

    elaborao do trabalho: a crise dos valores e a crise Histrica tornam-se novamenteinteligveis, filosoficamente, a partir de Scheler, como uma auto compreenso do homem a

    respeito do carter absoluto de sua ao de realizar valores, ao esta que relativiza o passado,

    constituindo-se em uma sntese entre um a priori axiolgico que intui e uma realidade

    histrico-material que a condiciona.

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    01 CAPTULO I: OS FUNDAMENTOS DOS VALORES TICOS

    Max Scheler, em vez de falar sobre uma realidade referida a valores, critica uma tica

    material de valores, a existncia de um mundo do ser totalmente separado do mundo do

    dever-ser, onde os valores, enquanto bem, esto completamente separados da existncia,

    entendida como mero suporte dos valores, e estes, perspectivados como realidades soltas,

    absolutas9.

    Os valores, como as ideias platnicas no so estruturas formais, carentes de contedo,

    mas de contedos, matrias, estruturas, que determinam um especfico quale em coisa,

    relaes ou pessoas.

    Para o idealismo intelectualista da tradio platnico-socrtica, o fato moral oculta-se

    numa ideia que precisa ser conhecida10. Conhecida a ideia do bem, a ao necessariamente

    ser boa. Algum somente faz o mal por desconhecimento do bem. Esta tica otimista ignora

    as contradies internas no homem, e que no somente a razo comanda as aes. Por outro

    lado, sendo o bem ideal, nega o valor, na existncia, como realizao; nega o fato do mal, na

    existncia. O valor moral, porm, somente surge como um ato concreto da pessoa, como

    realizao de um valor no mundo.Scheler admite um a priori material, isto , que tanto h essncias formais como

    essncias materiais. Se Husserl considera que esse a priori material pode ser captado por

    intuio intelectual, j Scheler admite que podemos atingi-lo atravs de uma intuio

    emocional, completamente independente de qualquer processo indutivo radicado na

    experincia sensvel. O a priori scheleriano, , portanto

    "um contedo essencial do conhecimento que nos direciona aocontedo absoluto do ser e do valor do mundo, posto que j notem razo para a separao radical entre a coisa em si e ofenmeno11

    Os valores so descobertos pela experincia fenomenolgica, que a priori no sentido

    de que no so conhecidos pela experincia sensvel ou observao emprica e se subtraem a

    todo procedimento de induo.

    9Reviravolta dos Valores, pg. 6510ET.I. Pg. 21911 Juan Llambias de Azevedo La Fenomenologia como mtodo de la filosofia Ed Nova Buenos Aires 1965

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    A experincia fenomenolgica dos valores, ainda que concernente a contedos

    intuitivos imediatos, difere essencialmente da intuio das restantes essncias eidticas ou

    racionais.

    Os valores, por conseguinte, no pertencem ao domnio do pensamento, nem so

    captados por uma intuio racional. O mundo dos valores possui uma objetividade igual a das

    essncias e , como elas, um "a priori" material, suscetvel de apreenso, relaes e conexes.

    Tais qualidades axiolgicas diferem das demais qualidades, propriedades ou fora das coisas,

    no pertencentes esfera do valor. Elas se distinguem tanto das coisas mesmas como dos bens

    fundados nelas, os quais so chamados portadores dos valores - sejam pessoas, coisas ou

    aes.

    , portanto, em um mbito onde s o esprito pode ter acesso, que os valores existem epodem ser captados. O suporte a ocasio para a captao dos valores, a qual decorrente da

    percepo emocional e se funda num "a priori" emocional.

    Os valores s podem ser conhecidos no sentir, a saber, no sentir intencional12. Por

    isso tambm se fala de uma teoria dos valores, contraposta a uma teoria intelectualista, ou

    seja, a teoria neo-escolstica dos valores13.

    O ponto de partida da tica de Scheler reside na reviso do processo do conhecimento

    deixado por Kant. Para este, s h duas vias para o conhecimento da verdade: pelos sentidosou pela razo. Atravs dos sentidos, possvel atingir os objetos externos ao sujeito, na

    medida em que estejam presentes na extenso do mundo e que possam ser representados pela

    mente. Atravs da razo, Kant admite que seja possvel conhecer determinados princpios

    lgicos e determinadas categorias mentais, mas amplia essa possibilidade quando atribui

    razo o papel de orientar a ao, enquanto razo prtica. A esta cabe alcanar o princpio do

    dever, sobre o qual se funda no apenas sua regra de conduta para a moralidade, como

    tambm o fundamento para uma tica aplicvel a todo e qualquer ser humano, em qualquertempo ou lugar.

    O desconhecimento, por parte de Kant, da experinciafenomenolgica, a nica que lhe daria acesso ao a priorimaterial constitudo pelos valores14

    Excludas essas duas vias, nenhuma outra h para Kant, como caminho de acesso

    verdade, tanto no que se refere ao conhecimento como no que diz respeito ao papel da

    12SCHELER, Max. O personalismo tico. Pg. 3913 Newman J H Fundamentao da religio Max Scheler Freiburgo 1923

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    vontade na produo do conhecimento. Viu Scheler que no h, na teoria do conhecimento e

    na teoria da ao elaboradas por Kant, lugar para os valores e muito menos para uma terceira

    via para o conhecimento, de carter intuitivo ou emocional. Antes dos sentidos e da razo, o

    ser humano sente. Trata-se de um sentir independente dos sentidos e no condicionado pela

    razo. Essa percepo emocional alcana o que os sentidos no tocam e entende o que a razo

    no explica. Scheler entende que a percepo emocional antecede e condiciona todas as

    formas e os contedos do conhecimento. Aderindo ao mesmo propsito kantiano de construir

    uma tica sobre algum princpio de validade universal, encontra, na noo de valor, o

    fundamento que buscava. Segundo sua interpretao, os valores so objetos to reais quanto

    os objetos da percepo sensorial e os objetos inteligveis da razo pura. Aplica ao valor o

    mesmo carter apriorstico que Kant atribui aos princpios e s categorias. Segundo Kant, s material aquilo que captado pelos sentidos e s formal aquilo que elaborado pela razo.

    Scheler afirma que no mundo dos valores, essa oposio entre formal e material no ocorre,

    pois os valores so igualmente objetos a priori da intuio emocional, e tambm podem ser

    percebidos atravs de sua realizao material15.

    Mais ainda, os valores no pertencem ao formalismo da razo, como tambm no

    perdem seu contedo apriorstico pelo fato de se realizarem materialmente. Ao contrrio,

    necessitam de sua realizao material para serem conhecidos, embora sempre permaneamcomo objetos ideais. Nenhuma realizao material de valor esgota ou suprime seu carter

    ideal, na medida em que, a cada valor, corresponde uma infinita srie de realizaes materiais.

    Os valores, na concepo objetivista de Scheler, podem ser, portanto, simultaneamente,

    materiais e a priori.

    Max Scheler busca uma continuidade do pensamento moral kantiano, no sentido de

    atestar o fundamento apriorstico, porm, tentando corrigir sua identificao com o formal e o

    racional, atravs de uma tica material dos valores e um apriorismo emotivo. Kant estariaassociando, erroneamente, a noo de fim ao de valor. Segundo Scheler, os bens so "coisas"

    valiosas16. Atenta para a distino entre bens e valor, no sentido em que aqueles tm validez

    indutiva e emprica e esto sujeitos ao da Histria e da natureza, logo, impossibilitados de

    constiturem-se em princpios universais17. Bem como no se pode conceber os fins de uma

    ao moral separadamente dos valores a serem realizados. Caber tica axiolgica

    15SCHELER, Max. O personalismo tico. Pg. 4416 SCHELER Max tica Material dos Valores I Pg 35

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    scheleriana, portanto, apresentar a independncia entre os valores em relao aos bens e aos

    fins.

    Scheler define os termos bens e fins de um modo particular. Por bens, compreendem-

    se objetos que dispem da presena de valor. Por fins, compreende-se todo contedo: do

    pensar, do perceber, do representar, que est dado a se realizar. Estes esto fundados nos

    objetivos que, por sua vez, no so representativos e pertencem ordem do querer 18. Os

    objetivos caracterizam-se, ento, como tendncia a algo, e tm os valores enquanto

    fundamento. Neste sentido, os valores, que no podem ser extrados dos fins e tampouco ter

    contedos representativos, encontram-se includos nos objetivos. Assim, o conceito de bom

    ou mal, anterior a toda experincia.

    Os valores, como qualidade independente, a priori, dos bens, relacionam-se tanto aosobjetos do mundo quanto s nossas reaes frente a eles. Esta independncia designa-os

    como imutveis e, deste modo, Scheler mostra-se contrrio s formas de subjetivismos

    axiolgicos que relativizam os valores, bem como as doutrinas que os compreendem como

    imperativos. Para superar tais teses, lana mo do conceito de intencionalidade do

    pensamento fenomenolgico. O perceber sentimental, abertura captao do valor como fato

    psquico, tende a um objeto irredutvel vivncia. Deste modo, a supresso do perceber

    sentimental no equivale extino do ser do valor.

    1.1 Diviso do esprito com a razo e a ordem hierrquica dos valores

    Recusando as formas de intelectualismo que se baseiam na estrita diviso do esprito

    em razo e sensibilidade, Scheler adverte para um terceiro modo - a ordem do corao - j

    descrita por Pascal, que seria a via de acesso captao dos valores. Estes se apresentam

    inacessveis razo por constiturem-se como objetos emocionais; logo, sua apreenso s

    possvel por um meio que se ajuste a eles, ou seja, atravs de um perceber sentimental.

    Conexes formais de valores so as primeiras evidncias obtidas a partir da evidncia

    da intuio da essncia pura do valor em geral. So conexes formais porque puramente

    lgicas. So essenciais, porque independentes de depositrio, de toda qualidade e modalidade

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    de valores,19modalidade que, como veremos, constitui o a priori material de uma tica. Aqui

    no estamos falando de tica, ou seja, de realizao de valores, mas sim dos valores como

    essncias puras. Estas conexes existem entre os valores mesmos, independentemente se

    estes valores existam ou no20.

    As conexes formais so relativas essncia pura ou geral do valor, a pura ideia de

    valor, independente de sua realizao. So conexes formais as seguintes evidncias: Todos

    os valores - ticos, estticos, religiosos; - ou so positivos (tambm chamados simplesmente

    valores), ou so negativos (ou desvalores); para cada valor positivo h um seu correlato

    negativo. o que tambm se chama a polaridade dos valores. Assim, h a relao de valor

    do bom-mau, belo-feio, justo-injusto, etc. Alm disso, um mesmo valor no pode ser positivo

    e negativo simultaneamente, (mas, como veremos, apenas superior ou inferior em relao aoutros valores, permanecendo no entanto positivo, se for este o caso).

    A partir de Brentano, Scheler identifica quatro relaes essenciais fundamentais e

    necessrias na relao entre a pura conexo essencial da polaridade e a dimenso da

    existncia21:

    a) A existncia de um valor positivo , em si mesma, um valor positivo tambm;

    b) A existncia de um valor negativo , em si mesma, um valor negativo;

    c) A inexistncia de um valor positivo , em si mesma, um valor negativo;d) A inexistncia de um valor negativo , em si mesma, um valor positivo.

    Alm disso, h uma relao essencial entre valor e dever-ser ideal. Primeiramente,

    todo dever-ser ideal est fundado num valor. Somente os valores que devem ser (valores

    positivos) ou no- ser (valores negativos ou desvalores). A partir da surge a relao entre o

    dever ser ideal e o ser justo. O ser justo o ser de um algo que tem sua origem em um dever

    ser positivo, isto o ser de um algo que tem sua origem na essncia do valor. por isso que o

    ponto de partida da tica no pode ser simplesmente um dever ser, seja um dever serpuramente ideal, como o imperativo formal que decorre de uma lei lgica da razo, muito

    menos um dever ser normativo ou prtico, isto , positivado. Porque o dever ser tem sua

    origem no valor. por isto que, na crtica a Kant, Scheler observa que este desconhece que

    as leis (leis formais de onde Kant pretende tirar a ideia de bom; aquilo que depois de

    Husserl se conhece como intenes categoriais, universalizantes, etc.).

    19ET-II,p.145: Todos los sentimientos de felicidad y infelicidad est fundados en la percepcin sentimental delos valores, y la felicida ms honda, la beatitude ms acaabad, es absolutamente dependiente en su ser de la

    consciencia de la propia bondad moral. Solo el bueno es dichoso.20ET-Ip.124: esas conexiones existen entre los valores mismos, independientemente por comlpeto de que estosvalores existan o no existan

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    Os valores do bom e do mau, em sentido moral, somente podem ter como depositrios

    originais pessoas ou atos, isto , os portadores que nunca podem ser objetivveis, como o so

    as coisas, bens ou fins. Quando chamamos as coisas de boas somente o fazemos em relao

    mediada pessoa, mas no que as coisas tenham um valor moral. Somente podemos dizer que

    determinada coisa ou fim bom no sentido de que atravs deles se realizam valores materiais,

    da mesma forma que o ato moral da pessoa aquele que realiza valores materiais, e surge,

    portanto da, por analogia, o valor moral da pessoa. Mas o valor moral do ato pode ser bom ou

    mau; o valor da pessoa, no entanto, sempre positivo, bom. O bom, na coisa ou no fim,

    apenas indica, por mediao, algo que deve ser realizado para que surja o nico bom, que o

    valor moral da pessoa que realiza. A realizao da pessoa mesma.

    Valores que se referem mais propriamente s coisas so os do agradvel-desagradvel,e, aos fins, valores como os do til-intil. Pessoas no podem ser depositrios destes valores,

    porque no so coisas. Da mesma forma, os seres vivos, para Scheler, no so coisas. Por

    outro lado, no so pessoas. Por isso no se pode aplicar o valor de agradvel ou til aos seres

    vivos como seus depositrios, mas somente os valores de nobre-vulgar, no sentido de valores

    da vida ou vitais.

    Os valores apresentam-se ordenados hierarquicamente, segundo Scheler. Tal

    hierarquia a priori e escalonada por meio do ato de preferncia, base dos juzos axiolgicos.Distintamente do ato de eleger, que se d entre aes, exige contedos de fins e supe o

    conhecimento da superioridade do valor. O preferir refere-se a bens e valores, sendo estes de

    modo apriorstico. Assim, no ato de preferir, intuitivamente ou consciente, acompanhado de

    reflexo, que se d a superioridade de um valor. Apesar de este ato determinar a superioridade

    de um valor sobre o outro, Scheler desenvolve ainda cinco critrios para determinar a

    hierarquia axiolgica: durabilidade, divisibilidade, fundao, profundidade da satisfao e

    relatividade. A durabilidade do valor, contrrio ao fugaz e passageiro, no se refere aos bens,mas quilo que manifesta o eterno.

    O critrio da divisibilidade aponta para o fato de que quanto maiores os valores menos

    fracionados se apresentam. A fundao designa que, se um valor se apia em outro, menor

    que ele, assim os valores so mais altos por fundarem previamente outros. A profundidade da

    satisfao estabelece que, quanto mais alto o valor, mais profunda a satisfao, sendo que por

    satisfao entende-se uma vivncia de cumprimento de um valor; e por profundidade, a

    independncia do perceber sentimental entre os valores. Sobre o critrio de relatividade faz-

    se necessrio notar que os valores no so relativos, mas sim o conhecimento que temos

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    Dos cinco critrios mencionados, juntamente com o dado da preferncia, teremos uma

    sucesso hierrquica dos valores que se estabelecem da seguinte maneira, em ordem

    crescente: valores sensoriais (alegria-tristeza, prazer-dor); valores da civilizao (til-danoso);

    valores (nobre-vulgar); valores culturais ou espirituais - estticos (belo-feio), tico-jurdicos

    (justo-injusto), especulativos (verdadeiro-falso); valores religiosos (sagrado-profano).

    1.2 O Ressentimento

    Um ato especfico de vivncia o ressentimento22. Toma a significao da expresso

    francesa, ressentimento, que indica dois elementos em sua etimologia: a repetio de uma

    vivncia que suprassume as emoes que a envolvem, e o dado da qualidade desta emoo ser

    de ordem hostil. Ao iniciar sua anlise do termo, resgata textos da Genealogia da Moral em

    que Nietzsche apresenta o ressentimento como fonte dos juzos morais de valor, na civilizao

    ocidental, determinado pela moral crist. Neste primeiro momento atenta estrutura da

    vivncia do ressentimento, que se baseia em alguns movimentos internos e afeies como: avingana, o dio, maldade, inveja, cobia e a malcia. O sentimento e impulso vingana,

    base primeira para o ressentimento, traz duas especificidades: uma retrao de durao

    determinada e a conscincia de um sentimento de impotncia. Neste sentido, o ato de

    vingana no se realiza imediatamente como impulso a uma reao contrria, mas se d como

    reflexo.

    Ns no utilizamos a palavra RESSENTIMENT por uma

    predileo pela lngua francesa, advinda de nosso interior, maspor no nos ser suficiente a tradio alem da mesma. Concorrepara isso o fato de a palavra ter sido cunhada atravs deNietzsche como um termo tcnico. Na atual significao dapalavra francesa eu encontro dois elementos: primeiramenteque, no ressentimento, se estabelece a repetio, atravs e apartir do viver, de uma determinada reao de respostaemocional contra um outro. Atravs destas reaes, cada

    22 importante notar como, no decorrer de sua obra, abordada a problemtica do ressentimento na moral moderna cominmeros exemplos. Alm disso so feitas, pelo autor, constantes aluses comparativas com o pensamento de F. Nietzsche,contrastando-o com seu pensamento. Alm disso, convm antes exortar que particularmente esta sua obra Da Reviravolta

    dos Valores tem por objetivo no s, como ele mesmo diz: ... a libertao da alma da juventude alem de todo o venenotrazido pelo ressentimento, mas, tambm, de responder s duras crticas apresentadas nas teses nietzscherianas contra suaconcepo de moral crist, pois, segundo Max Scheler, em contrapartida com seu rival, esta no se apresenta acometida emressentimento Defendendo o ponto de vista do pensamento scheleriano procurar se manter fidelidade ao seu

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    emoo recebe um elevado aprofundamento e descida ao centroda personalidade, tanto como um manifestante afastamento daexpresso e da zona de sustentao da pessoa. Este sempre-de-novo-atravs e a partir do viver da emoo e dos antecedentessobre os quais ela responderia. O ressentimento um

    revivenciar da emoo mesma um sentir de novo. Destarte, apalavra traz em si o fato da qualidade desta emoo ser umnegativo, o que significa dizer, um movimento dahostilidade...23

    Neste trecho, Scheler expressa com maior detalhe as razes originais pelas quais ele

    aplica o termo ressentimento da maneira como at o presente momento foi aplicada. Na

    verdade ele assim continuar a ser aplicado. Num primeiro momento, aps apresentar

    algumas particularidades de natureza lingustica a respeito do uso do termo, ele prprioadmite o fato de Nietzsche t-lo utilizado pela primeira vez em seu sentido tcnico.

    Posteriormente, e de modo bem compreensvel, ele expe o aspecto emocional do

    ressentimento, que, de fato, lhe uma caracterstica inseparvel, conforme j exposto. Mais

    adiante Scheler, com maior preciso, conclui seu pensamento, sustentado em todo o

    desenrolar de sua obra. tambm, importante citar este fragmento integralmente:

    Coloquemos agora, no lugar de uma definio da palavra, uma

    curta caracterizao e descrio da coisa. Ressentimento umenvenenamento pessoal da alma, com causas e conseqnciasbem determinadas. Ele uma introjeo psquica contnua, queatravs de um exerccio sistemtico de recalcamento dedescargas desperta certos movimentos internos e afeces, queem si so normais e pertencem estrutura fundamental danatureza humana, bem como uma srie de introjees contnuassob a forma de iluses de valor, que trazem como conseqnciaos juzos de valor...24

    Ao fundamentar sua axiologia em bases formais, Scheler parte de uma interpretao

    kantiana. Kant considera que toda tica material seja eudaimonista em oposio tica formal

    que, uma vez racional, afastaria a inconsistncia e os erros da vida emocional como

    determinante. Para Scheler tal compreenso tem suas razes nas noes insuficientes que Kant

    teria sobre a vida emocional, os valores e a relao entre ambos. Mesmo com a ausncia de

    estudos especficos acerca do tema, pode-se extrair a identificao entre o fato de algo possuir

    valor e o correlativo estado de prazer do sujeito ao atribuir tal valor, o que Kant considera

    como uma lei natural, ou seja, o homem tende ao prazer espontaneamente. Resultado desta lei

    23 SCHELER Max Da Reviravolta dos Valores Pg 45

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    a impossibilidade de separar a tendncia do prprio prazer, do prazer alheio, o que Scheler,

    por sua vez, abordar no sentido de classificar como prazer ou desprazer sensveis, cuja

    essncia o no poder ser pressentido, mas unicamente ser dado percepo afetiva como

    sentimento atual e prprio. Deste modo no h sensao dos sentimentos sensveis alheios,

    mas somente uma ressonncia do sentimento respectivo25. O que em primeira instncia ir

    defender - partindo da precria formulao kantiana de que no possvel o a priori em uma

    tica baseada em vivncias emocionais - o carter objetivo do valor, o qual no s pode ser

    o fundamento de uma relao, mas o somar-se relaomesma, e o fundamento estaria na

    categoria valorativa de um perceber sentimental de algo. Para refutar a ideia de que o ser

    valioso de algo representa uma relao dos objetos com as vivncias de prazer ou desprazer,

    apresenta as seguintes teses:

    Em primeiro lugar os valores podem constituir o fundamentode uma relao, mas no so relaes. Assim a plenitude dovalor das coisas no est na relao vivificada, pois nossosestados sentimentais tendem a ocultar as qualidades valiosasdas coisas. Um dos paradigmas desta incapacidade de vivificaro valor de algo est na imagem do egosta, pois reduz-se aocomo referncia valorativa. Em segundo lugar - contrrio ideia de que o os valores so capacidades existentes nas coisaspara produzir prazer e atrair a ao humana argumenta que ohomem tende sobretudo aos bens, mas no ao prazer que h nos

    bens26

    H uma intrnseca relao, portanto, entre o valor, a percepo sentimental do valor e

    o estado sentimental. Sendo que os valores nos objetos so anteriores experincia dos

    estados sentimentais - j efetuados - que produzem tais objetos. H de se notar que Scheler

    no considera o valor e nem tampouco os bens operantes por si mesmos, mas, os valores

    como valores e os bens como bens so operantes na vivncia, ou como motivos que surgem

    como atraente e repugnante. A vivncia (de prazer ou desprazer) opera segundo uma

    ordenao constante, permanente e interindividual - que a prpria essncia do valor -

    provocando estados sentimentais ao mesmo tempo atuais e recorrentes.

    Para Max Scheler, o ressentimento a negao dos valores pela inverso dos valores,

    uma tica material dos valores. Ele busca a tica material, a tica que tem contedo e o

    contedo consiste na realizao dos valores.

    25O termo, da maneira empregada por Scheler, adquire significado prprio, no qual ele comea a esboar suanoo acerca do ressentimento (cf Max SCHELER Da Reviravolta dos Valores p 43)

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    Pois bem, o contrrio da moral, a forma suprema de atitude no moral ou antimoral,

    precisamente o ressentimento, que consiste na negao dos valores. Na negao dos valores

    ou na sua inverso. Suponham que algum no realiza valores ou se oponha a eles: isto no

    seria propriamente ressentimento. Ressentimento negar que aquilo seja valor. A bondade ou

    a beleza ou a elegncia ou a santidade ou qualquer valor, um valor. Ressentido quem diz:

    "No, no, que no um valor, no desejvel, no valioso". Isto, ou tambm a inverso:

    ou colocar o valor inferior por cima do superior; ou inverter a direo: tomar o negativo como

    positivo.

    Quem aspira a uma viso de mundo fundada filosoficamentetem de ter a coragem de apoiar-se na sua prpria razo. Deve

    duvidar tentativamente de todas as opinies herdadas e nodeve reconhecer nada que no lhe seja pessoalmente inteligvele fundamentvel27

    De modo geral, no pensamento de Max Scheler, o ressentimento abordado como

    unidade de vivncia. Isto corresponde a dizer que o mesmo atribui-se enquanto parte de um

    todo. Este, por sua vez, pode formar-se por pensamentos complexos (mais amplos), que

    derivam de percepes da realidade das vivncias dos homens. atravs deste procedimento

    que as ento chamadas unidades de vivncia e resultado

    28

    , experimentadas por homens,adquirem real significado, visto que se vinculam a um todo significante, que no deixa de ser

    a totalidade das experincias ou vivncias humanas. Torna-se, ento, parte integrante e

    constituinte da realidade dos homens, mas especificamente na sua dimenso tica e elemento

    constitutivo de variedade de atos.

    Grollen o escuro na alma do viandante, a zanga retida eindependente da atividade do eu, zanga esta que atravs de umrepetido perpassar de intenes de dio ou de outras emoeshostis, acaba por se formar, sem ainda abarcar nenhuma precisainteno hostil.29

    Sob certo aspecto, este fragmento da obra de Scheler revela que o ressentimento em seu

    incio pode no ter intenes de hostilidade, pois neste estgio no passaria de uma simples

    constatao de no-pertena ou inferioridade, por exemplo. Porm torna-se nocivamente

    hostil quando cativado e desenvolvido.

    27Cf. Max SCHELER, Da reviravolta os valores,, p.5428O termo, da maneira empregada por Scheler, adquire significado prprio, no qual ele comea a esboar suanoo acerca do ressentimento (cf Max SCHELER Da reviravolta dos valores p 43)

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    1.3 O juzo dos valores

    Scheler aponta para o que chama de prejuzo, o fato da ciso entre as noes de razo

    e sensibilidade marcar as fronteiras do modo de pensar desde a antiguidade. As consequncias

    partem do modo de compreender toda a vida emocional unicamente no mbito da

    sensibilidade, e, portanto, relegada ao plano do relativo. A tica foi demarcada a partir desta

    diviso tornando-se, por um lado, absoluta, racional e apriorstica; e por outro, emprica e

    emocional. Alguns dos poucos autores que se colocaram contra este prejuzo foram Santo

    Agostinho e Blaise Pascal. neste ltimo autor que encontramos a expresso ordre du

    coeur ou logique du coeur, entendendo que o corao teria uma determinada espcie de

    razo na qual exprime uma legalidade eterna e absoluta do sentir, amar e odiar. Refere-se a

    um tipo de experincia que deflagra uma ordem eterna entre os objetos (inacessveis razo)

    que correspondem aos valores e sua ordem hierrquica.

    Essas ideias sobre os valores e sua hierarquia permitem aScheler, por um lado, refinadas anlises crticas dosubjetivismo tico no mundo moderno e delineamento agudoda antropologia do burgus (isto , do homem ressentido edesconfiado, fanatizado pelo valor do til e insensvel ao valordo trgico)30

    Scheler, porm, faz uma distino entre o sentir (ou perceber sentimental) dos outros

    estados sentimentais. Enquanto aquele intencional e pertence s funes de apreenso de

    contedos e de fenmenos, estes pertencem somente aos contedos e fenmenos. Sendo que

    h um perceber sentimental intencional primrio, ou seja, surge na simultaneidade com osentimento (aquele ao qual se dirige o perceber sentimental). A percepo sentimental, neste

    sentido, est associada a um movimento do sentir no qual algo chega a sua concretizao.

    Ao abordar os princpios de relatividade e subjetividade dos valores, Scheler recusa

    por um lado, a tese de um ontologismo absoluto, em que h objetos inapreensveis por

    qualquer conscincia; mas tambm recusa a doutrina da subjetividade, quando compreendida

    sobre o lastro da concepo de um eu transcendental, ou uma conscincia geral, ou quando

    luz de uma perspectiva em que os valores so frutos de uma organizao humana. Quanto

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    mais nos distanciamos da esfera espiritual, mais os valores sero dados como signos das

    coisas, bem como o risco que se tem ao ocultar-se no convencionalismo da sociedade. O

    subjetivismo est, em certo modo, atrelado ao homem histrico e suas necessidades e no a

    uma categoria a priori do sujeito em si.

    1.4 A relatividade dos valores

    Sobre a relatividade dos valores com respeito ao homem, Scheler se mostra, por

    conseguinte, contrrio chamada tica humana. Assim como Kant, considera que a

    humanidade seja apenas um objeto dentre outros, e no um sujeito necessrio que teria

    unicamente para si a capacidade de apreenso de valores. Assim como tambm no cr poder

    definir a humanidade como princpio das estimativas morais, no sentido de que o bom e o mal

    so o que fomenta, ou impede a tendncia de evoluo radicada naquele como gnero.

    A crtica doutrina tica kantiana ir ser o objetivo secundrio de sua obra, a qual ser

    submetida aos pontos de insuficincia, na inteno de extrair-lhe contedos objetivos

    verdadeiros. A tica de Kant figura, para Scheler, como a mais bem acabada dentre os

    modernos, no na forma de concepo do mundo ou conscincia religiosa, mas sim, na forma

    do conhecimento mais estrito e cientfico que cabe tica filosfica, porm cr na

    determinao tnica e histrica que orientou sua formulao na razo pura de validade

    universal. Portanto merece ser repensada nas suas bases essenciais.

    1.5 Personalismo tico

    O personalismo tico, centrado na pessoa individual, o que indica ser para Scheler

    efetivamente uma das bases de seu pensamento. Com a teoria da corresponsabilidade

    primitiva, relativa ao princpio de solidariedade, afasta a possvel interpretao de

    individualismo que poderia ser gerado a partir das noes de bem individual e objetivamente

    vlido, e da deciso moral individual de cada pessoa. Segundo esta teoria, cada pessoa

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    assenta em um fundamento metafsico (o que ser rechaado posteriormente) ao evocar uma

    constituio espiritual do universo (mesmo que recriado na esfera pessoal), como aponta:

    "O princpio mais importante e essencial que esta obra pretendeu fundamentar e

    transmitir com a maior integridade que o sentido e o valor finais de todo este universo se

    mede, em ltima instncia, exclusivamente pelo puro ser (no pela rendio) e pela bondade

    mais perfeita que seja possvel, dentro da rica plenitude, na mais pura beleza e na harmonia

    mais ntima das pessoas, nas que se concentram e potencializam as vezes todas as energias do

    cosmos"31.

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    02 CAPTULO II: O CONCEITO DE VALOR E O PROBLEMA DA

    HISTORICIDADE

    Os valores passam a constituir, como j foi examinado, um tema constante da

    investigao filosfica. O conceito de valor passou a conter um significado pouco definido:

    ora uma sensao, ora uma norma tica, ora um critrio de diferenciao de objetos.

    No se trata propriamente aqui de apresentar um conceito de valor nem as diferentes

    conceituaes trazidas pelas diferentes axiologias, e sim demonstrar como, na tica, Max

    Scheler encarou o problema da variabilidade histrica das normas ticas, e como alcanou

    uma nova perspectiva de compreenso da vida histrica, atravs de uma nova conceituao do

    valor. O conceito de valor na tica de Scheler aparecer com maior clareza aps esta

    demonstrao. No momento, basta salientar que Histria e valor aparecem na tica como

    elementos interdependentes que se integram dentro de uma totalidade explicativa da

    existncia e do dever ser.

    Esta interdependncia entre a histria e o valor supe um elemento comum a ambos: a

    tica, o dever ser das aes humanas e os princpios que o regem. A Histria supe valores na

    medida em que estes se constituem em critrios diferenciadores dos atos histricos e do

    prprio relato das aes histricas. A tica supe valores, na medida em que os atos so

    movidos por critrios preferenciais. Contudo, o problema axiolgico da Histria coloca de

    pronto, um dilema: ou os valores so determinados pela Histria e o resultado o relativismo

    tico, ou os valores so determinados pela tica, e o resultado a negao da variabilidade

    histrica dos princpios ticos. Assim, ora se nega a tica por condicion-la histria, ora se

    nega a Histria, por torn-la um movimento aleatrio, em torno de uma tica eterna. Em

    outras palavras: ora o absoluto a Histria, ora o absoluto a tica. Sendo a Histria umabsoluto, os valores ticos so entendidos como variveis, em decorrncia das variaes

    histricas e a tica torna-se determinada por insondveis desgnios. Quando o absoluto a

    tica, os valores so entendidos como imutveis, determinando as mudanas histricas que

    ora se afastam, ora se aproximam de um ponto fixo identificado como o conjunto universal

    das normas ticas. Neste caso, a histria apenas um movimento que ora se afasta, ora se

    aproxima das mesmas normas ticas, sem que estas sejam superadas.

    A atualidade do problema axiolgico da Histria tem acarretado, portanto, posiesabsolutistas, ora do lado da tica, ora do lado da Histria, resultando, no primeiro caso, numa

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    Para chegar a esta fundamentao Scheler no precisou condenar a tica ao relativismo

    histrico, embora no tenha adotado, como pensam alguns33, posies absolutistas com

    relao ao valor.

    Para Scheler s possvel fundar a tica quando seus princpios procedem de algum

    pressuposto universal e sua aplicabilidade tenha carter universal. Toda reflexo tica uma

    busca de princpios universais em que se possa fundar. Ainda que se trate de uma tica

    relativista, mesmo assim a universalidade o seu propsito: demonstrar que tudo relativo,

    universalmente relativo, ou seja, a universalidade do propsito relativista.

    A tica de Scheler tambm se prope uma universalidade de princpios e, mais do que

    isto, estabelecer uma universalidade dentro da tica que seja capaz de explicar o que h de

    histrico na prpria tica. Assim, a filosofia tica de Scheler se prope fundar uma novauniversalidade tica, capaz de conter uma compreenso de sua historicidade e de atribuir um

    significado prpria Histria.

    A tica de Scheler pode ser considerada a mais importante elaborao da filosofia

    tica depois de Kant. comparvel, pelas propores e pela sua importncia, elaborao

    tica de Aristteles, de Santo Toms e do prprio Kant.

    A importncia da tica de Scheler decorre no s da sua universalidade quanto aos

    princpios em que se funda, mas tambm do fato de ter acrescentado algo busca deuniversalidade das ticas anteriores. Pode-se dizer mesmo que o pensamento tico de Scheler

    e toda a fundamentao axiolgica com que Scheler a apresenta contm um elemento que fora

    desconhecido por todas as grandes ticas anteriores: a historicidade. Esse pressuposto no fora

    sequer conhecido por Aristteles, nem por Santo Toms, nem por Kant. O prprio Kant no

    levara em considerao qualquer implicao da Histria sobre o comportamento tico. Ao

    contrrio, historicidade sempre fora vista, na poca de Kant, como uma concesso aos

    postulados das chamadas ticas materiais e, conseqentemente, historicidade significariarelativizar os princpios ticos. O esforo de Kant resume-se em procurar um imperativo de

    carter racional que evite as ticas materiais.

    A historicidade assumida por Scheler como um pressuposto de toda sua reflexo

    tica. Para Scheler, necessrio partir do fato de que o homem um ser histrico e este

    pressuposto tem sido visto pelos analistas de seu pensamento como um dado especfico, uma

    peculiaridade, ou mesmo um avano do pensamento filosfico em relao a elaboraes

    anteriores. No que a historicidade da condio humana tenha sido uma ideia nova, quando

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    considerada por Scheler. O que h de novo est na construo de uma tica no relativista e

    capaz de se fundar em postulados universais (como Aristteles e como Kant) sem afastar de si

    as ideias a respeito da historicidade da condio humana que se tornaram frequentes e

    amplamente aceitas a partir de Hegel.

    Poder-se-ia dizer mesmo que a historicidade compareceu como tema ao pensamento

    de Kant sem vincular-se tica, e sim como um simples demonstrativo da evoluo da

    racionalidade. O imperativo categrico racional, mas no histrico: o que h de histrico

    o momento com que a evoluo da racionalidade humana se defronta e revela a existncia do

    imperativo categrico. Kant chegou a esforar-se, pelo desdobramento da razo, a tentar uma

    reconstituio da origem plausvel da histria universal, na qual a origem do universo e da

    vida histrica da humanidade so recriadas no como vivncia nem como reconstruo factualde uma realidade observada empiricamente, e sim pelo poder autodefinidor e pan-elucidativo

    inerente faculdade racional do homem.

    No entanto, a razo prtica de Kant no leva em considerao a historicidade da vida

    tica. Esta se define pelo cumprimento constante de um imperativo categrico que se constitui

    em um absoluto extra-histrico, ainda que presente em apenas um determinado momento da

    prpria histria. O imperativo categrico tambm no influi nos rumos da Histria porque

    exterior a ela .Quem atribuiria ao imperativo categrico um papel atuante na Histria seria Hegel,

    para quem o imperativo categrico perde o seu carter meramente tico, transformando-se em

    um esprito autodefinidor de si mesmo, para quem a tica e a histria so resultados deste

    processo de autorrevelao. Com Hegel, a Histria passa a ser fundadora dos princpios

    ticos, tal como seria afirmado pelas filosofias de tipo historicista.

    Marx e Nietzsche constituram-se em tentativas de restituir Histria uma

    fundamentao tica. Tanto Marx como Nietzsche tiveram um importante papel na crtica aohistoricismo de origem idealista por mostrarem ambos que a Histria um fruto de um fazer e

    que, sem a ao do homem no possvel , da mesma forma que sem o homem inexistiria a

    prpria tica. tica, em Nietzsche e em Marx, algo que o homem faz.

    Scheler procurou dar a este fazer um carter efetivamente universal: no um fazer

    voltado apenas para o justo no plano dos valores teis (ou econmicos) e nem tampouco um

    fazer voltado para a destruio de tudo quanto seja histrico. Se certo que a Histria adquire

    um sentido pela ao prtica em Marx, perde este sentido em Nietzsche.

    Nem Marx, nem Nietzsche lograram produzir uma tica de pressupostos universais e

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    homem e que fosse capaz de ajustar-se historicidade, sem retroceder s ticas materiais

    anteriores a Kant. Com Scheler h, por influncia de Hegel, de Marx e de Nietzsche, entre

    outros, uma retomada do carter material da tica.

    A tica material reaparece em Scheler em decorrncia da incapacidade do formalismo

    em adequar-se realidade e s condies histricas da existncia. Esta descoberta feita por

    Scheler, ao se propor levar adiante o projeto Kantiano de superao do impasse criado entre o

    absolutismo das ticas formais e o empirismo das ticas materiais.

    A historicidade surge como o primeiro argumento que Scheler atira contra as ticas

    de bens e de fins, logo no incio da tica: o mundo dos bens est sujeito a alteraes

    constantes34. Ainda a, Scheler est ao lado de Kant, auxiliando-o com uma argumentao que

    j no apenas a de Kant, desacreditar as ticas que se contentam em falar de bens e fins.Scheler j tinha em mente partir da historicidade por ser este um dos pontos mais

    fortes da argumentao empirista. Parece evidente a predisposio de Scheler a no perder a

    historicidade, ao se afastar do empirismo tico: seu propsito era no se desvincular do

    aspecto concreto da existncia, que marcante no empirismo. A inspirao de Husserl est

    aqui presente: Scheler quer apoiar-se em um dado que seja acessvel ao conhecimento

    imediato, ao procurar desenvolver uma explicao do homem e do mundo.

    No entanto, Scheler pretende mais do que uma simples adoo dos elementosempricos em que se baseiam as ticas materiais. Pretende super-las, dando a elas uma

    universalidade que no carea da fora da evidncia que os dados empricos atribuem

    construo de uma tica de tipo indutivo.

    A tica de Scheler se inicia e se encerra abordando o problema da historicidade.

    Logo s primeiras pginas, h uma referncia que denuncia esta preocupao dele pela

    influncia que as variaes histricas tm sobre os princpios ticos:

    A alterao deste mundo dos bens modifica o sentido e osignificado do bom e do mau. Dado que a histria nos mostraque este mundo de bens est submetido a uma alteraoconstante e a um movimento continuo, o valor moral do querere dos seres humanos participariam tambm do destino destemundo35

    Nesse momento Scheler retoma a crtica de Kant s ticas materiais e mostra sua

    preocupao pela influncia da histria sobre os princpios ticos. Ao final da tica, esta

    34 tica 4/34

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    preocupao persiste, como se todo o seu esforo tivesse girando sempre em torno do tema

    da historicidade:

    Renuncio aqui... a um estudo sobre o papel essencial quedesempenham os tipos de pessoas de valor no interior dasociedade e da histria... de modo a fundar uma tica dasvocaes humanas em que se distinga o que constante do que historicamente varivel nesta vocaes.....36

    O projeto da tica de Scheler teve, como um dos seus propsitos centrais, a

    colocao do problema da Histria diante da tica, procurando distinguir aquilo que, na tica,

    historicamente varivel daquilo que constante, como afirma nas linhas finais da obra.

    A preocupao com o que h de varivel na tica estabelece a necessidade de fixar limites

    para a variabilidade histrica da tica, tal como faz em vrios momentos da tica e

    principalmente no Captulo V, item 6, onde, sob o ttulo Relatividade histrica dos valores

    ticos e parmetros desta relatividade, exprime textualmente aquele propsito:

    Como j foi visto, uma das pretenses fundamentais da ticaformal e de seu a priori formal consiste em serem capazes, porsi ss, e em decorrncia de seus prprios pressupostos, detornar compreensveis a variabilidade histrica e a diversidadetnica ou racional dos valores morais, sem extrair

    necessariamente, desta variabilidade, concluses cticas37

    Atravs da tica, Scheler pretendia, portanto, tornar compreensvel a variabilidade

    histrica sem que, com isto, sua tica se tornasse relativista ou perdesse as bases universalistas

    que reconhecia tica de Kant.

    O ingresso da questo da variabilidade histrica leva, como j foi examinado,

    indagao tica quanto ao dilema de optar por uma afirmao da historicidade e,

    consequentemente, perder a validade universal dos princpios ticos, ou ento afirmar esta

    validade universal dos princpios ticos e portanto negar validade afirmao de que, na

    histria, a tica alterada.

    Scheler tem, como parte integrante de seu projeto, a superao do dilema, ou seja: no

    negar a variabilidade histrica da tica, nem abdicar de uma tica fundada em um principio

    universalmente vlido.

    36 tica 620/305

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    homem apresentadas pelas filosofias anteriores, dentre asmencionadas no primeiro captulo, pode ser suficiente paraScheler. Estas filosofias no conseguem alcanar e unir o serdo homem em seu todo. Todas as ideias filosficas a respeitodo homem se tornam sintomticas apenas para certas pocas

    ou unidades culturais e sempre falharam por no entender ohomem como sendo um ser histrico39

    Para John N. Nota40, a obra de Scheler converge para uma Filosofia da Histria em

    toda a sua parte final (entre 1922 e 1928) mas considera tambm muito importante o perodo

    entre 1912 e 1922, durante o qual foi elaborada a tica. Nota mostra que uma explcita

    filosofia da histria estava por surgir quando Scheler escreveu, em 1906, uma carta a Georg

    Von Hertling, onde h um trecho muito citado pelos estudiosos da obra de Scheler: dizia de

    sua preferncia pela teoria do conhecimento, pela metafsica e pela tica. Nota v nestafrase o prenncio de uma filosofia que estava por surgir e que seria essencialmente

    relacionada com a Histria. Escreve Nota: Uma explicita filosofia da histria estava por

    surgir e a primeira clara colocao do problema encontrada na mais importante obra de

    Scheler: O Formalismo em tica e a tica Material dos Valores41

    John Nota v a historicidade como uma caracterstica marcante da obra de Scheler,

    sendo mesmo um elemento a partir do qual foi possvel a viso scheleriana do homem.

    Percebe-se ainda que foi da fenomenologia que Scheler extraiu esta categoria:

    Efetivamente, isto novamente a aplicao do conhecimentoque (Scheler) adquiriu de sua experincia fenomenolgica: ohomem um ser histrico que, pelo simples fato de saber-sehistrico, transcende o meramente histrico, a pura sucesso dotempo. meta-histrico na histria 42

    correta esta presena de uma filosofia da histria na tica de Scheler, tal como

    apontam Frings e John Nota.

    Antes da publicao de Ser e tempo de Heidegger e antes da fase da Lebenswelt

    da obra de Husserl, j Scheler escrevia sobre a natureza histrica da existncia, textos como

    este:

    39Manfred Frings, Max Scheler A concise introducion to the world of a great thinker, Duquesne Press University, Eds. E.Nauwelaerts, Louvain, 1965. p. 19540

    John N. Nota, Max Schelers Philosophy of History, in Acts of XIV Internacional Congress of Philosophy, IV, pgs. 572-580.41John N. Nota, Max Schelers Philosophy of History, in Acts of XIV Internacional Congress of Philosophy, IV, pgs. 572-580 p 573

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    e o valor enquanto universalidade44. A forma no tem validade universal, mas sim o valor. A

    norma, enquanto forma concreta de aplicao de valores, transforma-se em uma moralidade

    cujas disposies so tomadas como sendo a tica de um determinado crculo humano45.

    Scheler faz uma distino entre essencialidade e universalidade em que uma

    essencialidade universal quando se manifesta de modo idntico em uma pluralidade de

    objetos diferentes entre si46. A universalidade tem assim, para Scheler, um carter de

    aplicao universal de uma essncia. A norma tica pode ter uma validade universal, mas no

    necessariamente universal esta sua validade. Ser universal na razo direta de sua efetiva

    universalidade de aplicao. Como ser visto adiante, necessrio distinguir a no-necessria

    universalidade tica da norma, da necessria universalidade do valor sobre o qual se fundam,

    como diferentes formas histricas de realizao concreta, em suas manifestaes, queassumem diferentes variaes sob a forma de moralidade ou de normatividade prtica. Esta

    confuso entre aplicabilidade universal de uma essncia e a sua aplicao universal efetiva

    conduz a dois diferentes conceitos de universalidade. A falta de uma distino entre a

    universalidade de aplicabilidade e a universalidade de aplicao poderia ser apontada como

    uma das origens da divergncia entre aquelas diferentes concepes ticas que Scheler

    igualmente condena: o absolutismo tico e o relativismo tico.

    2.2 Absolutismo e relativismo ticos

    Tanto o absolutismo como o relativismo ticos fundam-se, portanto, sobre um

    equvoco a respeito da noo de universalidade.

    Para o absolutismo tico, ou a norma universal ou no pertence tica. Enquanto

    isto, o relativismo tico encara a norma como inteiramente procedente de variaes histricas

    e completamente mutvel. No caso do absolutismo tico, a norma um absoluto e todas as

    variaes histricas so relativas.

    No caso do relativismo tico, o absoluto a histria e relativo, a tica, por ser gerada

    pelas variaes ocorridas dentro da histria.

    44tica, 281 /28645 tica 281/ 285

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    O relativismo tico se baseia, certo, em pressuposto inaceitvel para Scheler. Porm

    da influncia indutivista das ticas materiais que julgaram ser possvel extrair os princpios

    ticos da observao e da experincia. As ticas materiais e relativismos so bastante afins

    quanto aos seus postulados.

    O relativismo e as concluses das ticas materiais a respeito da Histria dedicam toda

    sua ateno ao factual e anotao as mutaes e das diversidades da aplicao s normas

    ticas. Atendo-se que toda tica material tende a no procurar um elemento essencial, comum

    ou universal das normas, esta atitude leva, inevitavelmente, ao relativismo. Escreve Scheler:

    parecia que toda tica material estava destinada a conduzir ao ceticismo tico de vez que

    toda as valoraes materiais se mostravam relativas historicamente47.

    Relativismo, ceticismo, mutabilidade aleatria e ininteligvel dos elementos da ticapela fora das mudanas histricas algo inaceitvel para Scheler. Chega mesmo a procurar

    as causas que possam explicar o aparecimento de ticas do tipo relativista.

    Uma das causas do relativismo apontada por Scheler na inadequada separao entre

    razo e sensibilidade48. Na medida em que se atribui sensibilidade funes totalmente

    alheias racionalidade e na medida em que nenhuma vivncia de tipo emocional pode ser

    alcanada atravs da racionalidade, a existncia torna-se eticamente encarada de modo

    relativista. Na medida em que a razo afastada da vida emocional, toda alterao ocorrida noplano real adquire uma autonomia prpria, em funo de uma causalidade de tipo vitalista.

    Assim, separando razo e sentimento, lgica e emotividade, a filosofia moderna tende a

    considerar como fator determinante destas funes no-lgicas a alterao real da estrutura

    orgnica, em sua evoluo atravs da vida e da histria49.

    Outra causa apontada por Scheler reside no aparecimento das teorias vitalistas para as

    quais a vida considerada o valor supremo. Ao referir-se ao vitalismo, escreve Scheler:

    Se no se admite qualquer valor acima do biolgico, ento,apesar de toda sua civilizao, preciso definir o homem comoum animal que se tornou enfermo e ver no pensamento humanouma forma desta enfermidade50

    O vitalismo, como o relativismo, recebem de Scheler a condenao por no terem sido

    capazes de captar a prpria racionalidade inerente vida em sua grandeza, vendo esta adoo

    de valores como uma enfermidade ou um ressentimento. Os vitalizas so incapazes, por

    47tica, 306/30548tica, 260/26649 tica 260/266

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    partir do dever, apresenta um carter negativo, crtico e repressivo55. So ticas que contm

    uma desconfiana intrnseca, no s com relao natureza humana, como tambm prpria

    essncia dos atos morais em geral56, a ponto de construir suas bases sobre um terreno que

    conduz inevitavelmente ao ceticismo e ao relativismo. A relao entre tica imperativa e

    relativismo tico surge precisamente pela intervenincia da historicidade na aplicao de tal

    tica. Quando uma tica afirma o-que-no-deve-ser-feito, sua validade histrica persiste

    enquanto o ato no permitido no praticado, ou pelo menos, enquanto o ato no permitido

    sempre condenado quando praticado. Basta o ato no permitido passar a ser permitido para

    haver propenso a se ver na mutabilidade histrica uma variao essencial da conscincia

    moral, raiz de qualquer relativismo tico.

    Lembrando o paradoxo de Goethe a respeito da no vinculao entre a ao e aimperatividade da norma57, Scheler mostra que nenhuma conduta moral fundada na vontade

    pode orientar-se por uma simples imperatividade tica, mesmo que esta norma imperativa

    proceda de mandamentos divinos. Em realidade, nenhum imperativo, inclusive nenhum

    imperativo categrico, caso exista, pode ser justificado sem ser por referncia a uma

    obrigao ideal e, indiretamente, ao valor correspondente58. O agir uma forma de buscar o

    valor e no de fugir ao valor. Em consequncia, toda tica imperativista, contrariando a

    essncia do comportamento tico do homem, gera sua prpria destruio, porque

    o homem bom, que age espontaneamente realizando aquiloque seu discernimento apontava como bom, coloca-se nadefensiva diante de um contedo que tome a forma imperativa,resultando da uma tendncia ao mau59.

    Scheler mostra que a tendncia do comportamento moral sempre o de realizar um

    valor positivo, e toda tica imperativa uma tica que no reconhece este aspecto por

    prescrever inclusive aquilo que j constitui uma tendncia. Quando nos prescrevem algo quevai no mesmo sentido do nosso amor, esta prescrio j sentida por ns como uma grande

    agresso60. Ao mostrar esta natureza do comportamento moral, Scheler fulmina todas as

    ticas que se baseiam em imperativos ou em condenaes de formas de comportamento,

    porque todas essas ticas contrariam a prpria essncia da vida moral. Escreve textualmente:

    55tica, 216/22756tica, 215/22757tica, 214/226 (quem age nunca tm conscincia moral)58tica, 217/22859 tica 218/229

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    reino das valoraes66que a Histria, da mesma forma que se possa ver, na mistura de

    tintas na tela, um quadro que se possa apreciar e compreender.

    Scheler coloca-se, portanto, contra o absolutismo tico e contra o relativismo tico.

    Sua alternativa para superar este dilema abrir a perspectiva para uma historicidade no

    relativista da tica. assim que surge a noo de ethos: Por seu lado, os defensores de uma

    tica da pura forma repousam sobre um outro erro... ignoram as variaes deste ethos67. As

    variaes do ethos so o prprio fundamento da historicidade sobre a qual se baseia o

    pensamento tico de Scheler. Esta historicidade no apenas uma superficial alterao

    externa e sim uma historicidade essencial, uma historicidade que se funda em uma

    mutabilidade universal, uma historicidade construda sobre uma prxis que muda e cujo

    mudar caracteriza-a e condiciona. No deixando lugar algum para o ethos, um lugar entre atica e a moralidade prtica68, a tica absolutista dos bens e dos fins uma tica esttica,

    cega para uma das dimenses mais importantes da realidade humana.

    2.3 O ethos e sua historicidade

    O equvoco, tanto do absolutismo como do relativismo, repousa sobre uma

    conceituao errnea de universalidade e de historicidade. O absolutismo tico procura uma

    universalidade tica que desconhece a historicidade, enquanto o relativismo desconhece a

    necessidade de uma universalidade, por considerar apenas a historicidade. A universalidade

    do relativismo reside na prpria unicidade da historicidade, enquanto o absolutismo termina

    por dissolver-se pela fora de uma historicidade que lhe corri o absoluto proposto.Para Scheler h uma universalidade e h uma historicidade. Contudo, a universalidade

    encontrada pela tica de Scheler no se ope historicidade, nem desta provm, e nem

    tampouco a exclui. A universalidade tica de Scheler est implcita na historicidade e, com

    esta, forma um conjunto harmnico e unitrio, apesar de evolutivo. A universalidade da tica

    de Scheler no causa nem produto da historicidade e sim a historicidade a reveladora de

    uma universalidade que procura dentro de si mesma.

    66tica, 306/30767 tica 315/314

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    O ethos aponta a historicidade tica. No apenas variao, mas a variao moral,

    em decorrncia da natureza essencialmente histrica das prprias normas morais.

    Contm uma historicidade que, segundo Scheler, ignorada pelos defensores do

    absolutismo tico, ao afirmarem a aplicabilidade universal da norma. Na medida em que a

    norma histrica, desenrola se uma percepo interna de onde nasce o mundo tico, do qual

    fazem parte a prpria tica, as normas, os usos e costumes e as instituies. Todas estas

    formas ticas procedem de um centro, de uma fonte do conhecimento moral. Este centro o

    ethos.

    Sendo histrico, o ethos no sempre o mesmo: tem uma variao, uma mutao

    histrica e, como decorrncia disto, gera normas ticas que variam consideravelmente ao

    longo do tempo. Os defensores do absolutismo tico

    ...ignoram naturalmente as variaes deste ethos,imaginando que haja apenas um ethos nico e invarivel,exprimindo-se por novas frmulas, de maneira tal que oshomens, sempre e em todo lugar, teriam sabido distinguir domesmo modo em que consiste o bom e o mau. Pordesconhecer a historicidade essencial do ethos em si mesmo,como forma de vivencia dos valores e de sua hierarquia, sonecessariamente levados a pensar que em todos os tempos umatica perfeita deve ser possvel, tica esta que esgote todos os

    valores morais e o esprito que os capta e que,conseqentemente, deve poder exprimir-se por um nicoprincipio, que seria o principio absoluto da moralidade70

    O absolutismo, segundo Scheler, no tem acesso ao ethos que uma percepo

    social de valores da qual nasce todo o mundo tico. Sendo histrico, torna histrico o mundo

    tico, suas normas e seus costumes.

    O relativismo ignora o ethos por

    ...acreditar que possvel fazer depender de umdesenvolvimento no somente das valoraes de carter moral,mas tambm os prprios valores e sua hierarquizao, tendopor fonte o fato de que aplica retrospectivamente aos sujeitosmorais do passado histricos valores morais que obteve porabstrao das valoraes atuais e toma aquilo que constituiefetivamente a variao do ethos por uma simples adaptaode vontades e de aes e de aes ao que corresponde asvaloraes atuais ou sua suposta unidade 71.

    70 tica 315/314

  • 7/26/2019 Dissertao Max Scheler

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    O relativismo desconhece o ethos tal como o faz o absolutismo. Ambos ignoram que

    o ethos constitui por si mesmo a prpria Histria, contm em si uma historicidade

    essencial72, caracterizada por uma varivel e evolutiva captao de valores, ou seja de

    essncias de aplicabilidade universal que se revelam a ele mesmo . Absolutismo e relativismo

    ticos, portanto,

    ... ignoram a histria interna do prprio ethos, esta histriamais central e situada no prprio corao de todas as demais 73

    O ethos, portanto, constitui-se o centro da Histria. No apenas h nele uma

    historicidade, mas sim a sua historicidade procede do fato de que nele est a Histria em si

    mesma, mais central do que estar no centro de todas as demais. No centro do ethos

    possvel encontrar a Histria produzindo a si prpria . Pode-se, pois, dizer que no ethos

    unificam-se os conceitos de Histria e de historicidade em um centro do qual tudo o mais

    decorre. Este centro, que visvel atrs da expresso, esta histria mais central, tem uma

    total coeso, um carter totalmente unificador. Existe porque uno, unificante e indivisvel. O

    ethos enquanto histria central e enquanto historicidade essencial preserva apenas sua

    prpria unidade, mas no a tica que dele provm. A tica varivel, as normas e os costumes

    tambm o so. Mas todas estas variaes procedem de uma variao central, de uma variao

    que funde-se a prpria variao da histria, a variao do ethos.

    O conceito de ethos unifica assim Histria e tica. No centro do ethos est a

    Histria e do centro do ethos nascem as normas ticas. Toda tica ora aparece

    ... como um corolrio constante de todo ethos; ora...aparece por estar ligada a um processo de decomposio de umethos existente74

    A tica procede do ethos e este se constitui em fonte emanadora de normas. No h

    normas porque estas procedem de dedues lgico-ticas sobre princpios abstratos, como

    demonstrava Kant, e sim porque o ethos cria as normas. Nenhuma norma, para Scheler,

    procede de fora da vida tico-histrica. Tudo procede de uma histria central, de um ncleo

    que, ao mesmo tempo, variao constante e fonte permanente para a elaborao dos

    preceitos ticos.

    72tica, 315/31473 tica 316/315

  • 7/26/2019 Dissertao Ma