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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENGENHARIA DE SÃO CARLOS MARCOS EDUARDO SERRADOR Sustentabilidade em arquitetura: referências para projeto São Carlos, 2008

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO ESCOLA DE ENGENHARIA DE SO CARLOS

    MARCOS EDUARDO SERRADOR

    Sustentabilidade em arquitetura: referncias para projeto

    So Carlos, 2008

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    Marcos Eduardo Serrador

    SUSTENTABILIDADE EM ARQUITETURA: REFERNCIAS PARA PROJETO

    Dissertao apresentada ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de So Carlos, Universidade de So Paulo, para obteno do ttulo de Mestre em Arquitetura e Urbanismo

    rea de concentrao: Arquitetura, Urbanismo e Tecnologia

    Orientador: Prof. Dr. Eduvaldo Paulo Sichieri

    So Carlos 2008

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    AGRADECIMENTOS Ao Prof. Eduvaldo pela orientao, lanando-se comigo em um tema que quando

    proposto ainda parecia obscuro na opinio de muitos colegas.

    Aos professores Rosana Caram e Reginaldo Ronconi, pela disposio e participao

    na banca de qualificao, revelando aspectos do trabalho a serem melhor

    considerados.

    Ao Marcelo Suzuki e a Glaucia Sato, que me receberam para as entrevistas,

    concedendo-me pareceres imprescindveis ao encaminhamento do trabalho.

    Aos meus pais, Luis e Zez, pela pacincia durante este perodo de pesquisa e pelo

    incentivo nos momentos de desgaste.

    Ao meu irmo Fernando, que sempre apostou na minha carreira, presenteando-me

    com livros inesperados.

    A Ana Ldia, que no comeo desse trabalho era minha namorada e ao final j

    minha esposa: caminhamos juntos em nossos desafios.

    A todos que me apoiaram de alguma forma, cientes ou no de sua importante ajuda.

    Sobretudo a Deus, pela segurana de sua divina orientao.

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    Para tudo h uma ocasio certa; h um tempo certo para

    cada propsito debaixo do cu: (...) tempo de derrubar e

    tempo de construir (...) tempo de se espalhar pedras e

    tempo ajunt-las.

    Eclesiastes 3:1-5

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    SERRADOR, M. E. Sustentabilidade em arquitetura: referncias para projeto. Dissertao (mestrado) Escola de Engenharia de So Carlos, Universidade de So Paulo, So Carlos, 2008. RESUMO As questes ligadas construo sustentvel tm se mostrado de grande importncia entre as diversas consideraes necessrias ao campo da arquitetura atualmente. Do enfrentamento destas questes o prprio processo de projeto pode beneficiar-se, nutrindo-se de novos dados e condicionantes que o enriqueam e elevem o nvel da produo edilcia. No contexto nacional especificamente, onde a urgncia de suprimento das necessidades mais bsicas, sobretudo na rea social, coexiste com o desperdcio e a improvisao no setor da construo, estudar como responder a essas questes passa a ser crucial para o bom desenvolvimento do setor da construo civil. Os possveis benefcios alcanados na rea da construo certamente tm um amplo alcance, inclusive social. Partindo da constatao de que o tema da construo sustentvel ainda se mostra incipiente na prtica construtiva no contexto brasileiro, proposta neste trabalho a anlise da conjuntura do setor da construo civil no Brasil, das ferramentas e instrumentos existentes, voltados direta ou indiretamente implementao de prticas mais sustentveis na fase de projeto, considerada neste trabalho como elo fundamental de toda cadeia produtiva de edifcios. Assim, o objetivo deste trabalho sistematizar as informaes levantadas, compondo um estado da arte das questes ligadas construo sustentvel no Brasil, identificando possveis gargalos durante a concepo do projeto e estabelecer possveis referncias para a implementao do conceito na cultura construtiva. As referncias estruturam-se em experincias internacionais, referncias normativas ou relativas certificao, referncias sobre a produo dos principais materiais de construo no Brasil e referncias de experincias prticas realizadas recentemente no mercado nacional. Atravs do estudo destas diversas referncias levantadas, as diferenas entre a dinmica da cadeia da construo civil em pases onde o tema da sustentabilidade se encontra em pleno desenvolvimento e a realidade brasileira se torna clara. Os resultados revelam um problema conjuntural no contexto brasileiro, marcado principalmente pela ausncia dos setores governamentais na composio da cadeia da construo de maneira efetiva, seja na liderana das discusses, atravs do estabelecimento de planos e metas aos outros agentes, seja na criao de demanda, elevando os padres de qualidade na produo de edifcios. Esta ausncia governamental deixa espao para respostas a curto prazo nova demanda propostas pelo prprio mercado da construo, pela iniciativa algumas vezes isolada de profissionais e empresas, sem um planejamento efetivo para o desenvolvimento do setor na direo de uma forma mais sustentvel de construir. PALAVRAS CHAVE: sustentabilidade, projeto, arquitetura, construo sustentvel.

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    SERRADOR, M. E. Sustainability in architecture: project references. Dissertao (mestrado) Escola de Engenharia de So Carlos, Universidade de So Paulo, So Carlos, 2008. ABSTRACT Questions about sustainable construction have been showing themselves of great importance among the various considerations needed by the architecture field nowadays. From the confrontation of these questions the proper process of project can benefit, nourishing itself of new data and factors that enrich it and raise the level of the building production. In the national context specifically, where the urgency of supplying the most basic necessities, specially in the social area, coexists with wastefulness and improvisation in the construction sector, studying how to answer these questions becomes crucial to the good development of the civil construction sector. The possible benefits reached in the construction area certainly have an ample reach, including the social one. From the evidence that the sustainable construction subject still reveals itself incipient in the brazilians constructive practice context, it is proposed in this work the analysis of the civil construction sectors conjuncture in Brazil, of the tools and existing instruments, directly or indirectly related to the implementation of more sustainable practices in the phase of project, considered in this work as the basic link of the whole productive chain of buildings. Thus, the objective of this work is to systematize the gathered information, composing a state of the art of the questions related to the sustainable construction in Brazil, identifying possible problems during the conception of the project, and to establish possible references to the implementation of the concept in the constructive culture. The references are structured in international experiences, normative or certification related references, references about the production of Brazils main construction materials, and references of practical experiences recently made in the national market. Through the study of these various raised references, the differences between the dynamics of the civil construction chain in countries where the subject of sustainabilty finds itself in full development and the Brazilian reality become clear. The results disclose a conjuncture problem in the Brazilian context, mainly marked by the absence of the governmental sectors in the composition of the construction chain in a effective way, either in the leadership of the discussions, by the establishment of plans and goals to the other agents, either in the creation of demand, raising the quality standards in the production of buildings. This governmental absence leaves a space for short-term answers to the new demand proposed by the construction market itself, by the some times isolated initiative of professionals and companies, lacking an effective planning for the sectors development in the direction of a more sustainable way to construct. KEYWORDS: sustainability, project, architecture, sustainable construction.

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    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1. Esquema de iluminao natural do Shangai Bank de Norman Foster...........................27

    Figura 2. Esquema do ciclo de Vida..............................................................................................45

    Figura 3. Organograma representando principais objetivos de performance entre os

    agentes..........................................................................................................................................75

    Figura 4. A cadeia produtiva da construo civil.........................................................................108

    Figura 5. Linha de produo do ao............................................................................................114

    Figura 6. Linha de produo do cimento.....................................................................................117

    Figura 7. Produtos de madeira para construo civil...................................................................127

    Figura 8. Avaliao do ciclo de vida dos produtos de madeira na construo............................133

    Figura 9. Fases do processo produtivo de revestimentos cermicos..........................................144

    Figura 10. Fluxograma de processo produtivo de cermica vermelha........................................145

    Figura 11. Gerao dos principais produtos petroqumicos........................................................154

    Figura 12. Cadeia produtiva do PVC...........................................................................................155

    Figura 13. Estrutura bsica e estratgias de projeto...................................................................182

    Figura 14. Estratgias e elementos de projeto............................................................................183

    Figura 15. Componentes (upgrades) de projeto..........................................................................183

    Figura 16. Estratgias para diferentes formas de assentamento................................................184

    Figura 17. Concept Office (80% de autonomia energtica).........................................................187

    Figura 18. Museu das confluncias.............................................................................................187

    Figura 19. Escola em Qing Pu, China edifcios de linhas simples e ortogonais.......................188

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    Figura 20. Frum de Cuiab........................................................................................................194

    Figura 21. Corredor sombreado pelo tabuado de madeira (brises horizontais)..........................194

    Figura 22. Cobertura metlica do complexo forense...................................................................195

    Figura 23. Fachada composta com o tabuado de madeira.........................................................196

    Figura 24. Ptio interno ajardinado com os blocos laminares avarandados...............................196

    Figura 25. Estrutura metlica e instalaes aparentes no Frum de Cuiab..............................199

    Figura 26. rea do condomnio Gnesis e mata atlntica mineira..............................................202

    Figura 27. Construo de ponte empurrada de acesso ao Gnesis I.......................................208

    Figura 28. Seces da ponte empurrada.....................................................................................208

    Figura 29. Clube e reas comuns do residencial Gnesis II.......................................................209

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    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1. Estimativa das emisses de CO nos pases em desenvolvimento................................50

    Tabela 2. Produo de madeira em 1989 (milhes de m)............................................................51

    Tabela 3. Necessidades de investimentos em infra-estrutura, saneamento e habitao social, 2007-

    2010...............................................................................................................................................60

    Tabela 4. Funes de coordenao..............................................................................................73

    Tabela 5. Consumo de madeira amaznica pelo Estado de So Paulo em 2001.......................127

    Tabela 6. Diferenas entre agendas marrom e verde.................................................................179

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1. Princpios e estratgias gerais da sustentabilidade......................................................31

    Quadro 2. Princpios ambientais da construo sustentvel.........................................................32

    Quadro 3. Princpios sociais da construo sustentvel...............................................................34

    Quadro 4. Princpios econmicos da construo sustentvel......................................................35

    Quadro 5. Princpios polticos da construo sustentvel.............................................................37

    Quadro 6. Princpios culturais da construo sustentvel.............................................................38

    Quadro 7. Estrutura analtica para construo sustentvel...........................................................76

    Quadro 8. As 10 fases do Protocolo de Processos.......................................................................81

    Quadro 9. Consumo de energia na produo de materiais de construo no Brasil..................112

    Quadro 10. Principais insumos da indstria cermica por setor..................................................142

    Quadro 11. Plano de aes Y. Takaoka Empreendimentos........................................................205

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    LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1. Emisses de CO2 per capita das vrias regies do mundo.................................................51

    Grfico 2. Potenciais de eficincia energtica.......................................................................................52

    Grfico 3. Uso de eletricidade no Brasil.................................................................................................54

    Grfico 4. Consumo de energia pela indstria de materiais de construo em relao ao consumo total

    de energia pela indstria no Reino Unido..............................................................................................69

    Grfico 5. Participao do consumidor domiciliar no total do consumo aparente de cimento e diviso por

    faixa de renda (em %)..........................................................................................................................107

    Grfico 6. Participao do Brasil no consumo mundial de cimento(%)................................................123

    Grfico 7. Comparao internacional entre dados de consumo especfico de energia trmica e eltrica -

    2003......................................................................................................................................................124

    Grfico 8. Evoluo da taxa de desflorestamento bruto na Amaznia.................................................125

    Grfico 9. Variaes na extenso das florestas 1990 -1995................................................................125

    Grfico 10. Impacto ambiental relativo a uma tpica casa em estrutura de madeira (100% da linha base)

    para casas equivalentes em estrutura metlica leve e concreto..........................................................136

    Grfico 11. Participao percentual da demanda de energia no setor cermico no R.S.: perodo de

    1991 a 2000..........................................................................................................................................142

    Grfico 12. Principais aplicaes dos plsticos no contexto brasileiro.................................................146

    Grfico 13. Distribuio da produo de plsticos commodities no Brasil............................................149

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    SUMRIO

    . RESUMO

    . ABSTRACT

    . LISTA DE FIGURAS

    . LISTA DE TABELAS

    . LISTA DE QUADROS

    . LISTA DE GRFICOS

    .INTRODUO...............................................................................................................................17

    . CAPTULO 1. SISTEMATIZAO DO CONCEITO DE CONSTRUO SUSTENTVEL..........25

    1.1. A evoluo do conceito de construo sustentvel........................................................................28

    1.2. Princpios da construo sustentvel..............................................................................................31

    1.3. Desenvolvimento de indicadores de sustentabilidade para a construo ......................................39

    1.4. Avaliao do ciclo de vida na construo civil................................................................................42

    1.5. Eficincia energtica nas edificaes.............................................................................................50

    1.6. O contexto dos pases em desenvolvimento..................................................................................58

    . CAPTULO 2. EXPERINCIAS INTERNACIONAIS NA IMPLEMENTAO DO CONCEITO DE

    SUSTENTABILIDADE NA CONSTRUO CIVIL..........................................................................67

    2.1. Exemplos que vm de cima: iniciativas governamentais...............................................................67

    2.2. Framework: integrao da cadeia produtiva..................................................................................74

    2.3. Instrumentos normalizadores e certificadores...............................................................................82

    2.3.1. HQE Haute Qualit Environmentalle (CSTB)..90

    2.4. Informao para os tomadores de deciso: cartilhas de boas prticas........................................99

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    . CAPTULO 3. CONSTRUO SUSTENTVEL NO CONTEXTO BRASILEIRO......................105

    3.1. A cadeia da construo civil no Brasil.........................................................................................105

    3.2. A indstria de materiais de construo........................................................................................110

    3.2.1. A cadeia produtiva do ao............................................................................................................113

    3.2.2. A cadeia produtiva do cimento.....................................................................................................116

    3.2.3. Cadeia produtiva da madeira para a construo civil..................................................................124

    3.2.4. Cadeia produtiva de componentes cermicos.............................................................................140

    3.2.5. Cadeia produtiva de componentes polimricos...........................................................................146

    3.2.5.1. Principais aplicaes de polmeros na construo civil......................................................148

    3.3. Instrumentos normalizadores e certificadores..............................................................................157

    3.3.1. Projeto de Norma para edificaes at 5 pavimentos..................................................................160

    3.3.2. Programa Nacional de Conservao de Energia Eltrica Procel..............................................163

    3.3.3. Programa da qualidade da construo habitacional do Estado de So Paulo - Qualihab...........167

    3.3.4. Programa brasileiro de qualidade e produtividade do habitat - PBQP-H.....................................171

    3.3.5. Srie de Normas ISO 14.000.......................................................................................................173

    . CAPITULO 4. PROJETO: O ELO DA CADEIA PRODUTIVA.....................................................175

    4.1. Princpios da construo sustentvel para a fase de projeto.......................................................176

    4.2. Sustentabilidade desenhada em projeto: experincias internacionais.........................................178

    4.2.1. ZedFactory: Bill Dunster...179

    4.2.2. Jacques Ferrier............................................................................................................................185

    4.3. Projeto e sustentabilidade: referncias para um desenvolvimento possvel no Brasil.................189

    4.3.1. Marcelo Suzuki.............................................................................................................................193

    4.3.2. Y.Takaoka Empreendimentos......................................................................................................201

  • 15

    . CAPITULO 5. DISCUSSES.....................................................................................................211

    . CAPITULO 6. CONCLUSO......................................................................................................221

    . CAPITULO 7. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS....................................................................227

    . CAPITULO 8. SUGESTES PARA FUTUROS TRABALHOS..................................................235

    . ANEXO A :Entrevista com arquiteto Marcelo Suzuki...............................................................237

    . ANEXO B: Entrevista Y.Takaoka Empreendimentos ..............................................................255

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    INTRODUO

    O conceito de desenvolvimento sustentvel apresentado pelo WCED (World

    Commission on Environment Development) atravs do relatrio Our Common

    Future (Relatrio Bruntland) em 1987, alcanou o setor da Construo Civil em

    meados dos anos 90.

    Se o conceito, que se caracteriza pela generalizao, busca abarcar toda forma de

    atividade humana transformadora do ambiente, nada mais adequado que tratar do

    setor da Construo Civil cuja funo essencialmente a transformao do

    ambiente com enfoque especial. Se num primeiro momento este enfoque limitou-

    se ao estudo do desempenho energtico dos edifcios, hoje busca envolver todos os

    agentes constituintes do setor, desde a extrao da matria-prima e sua

    transformao at o desmonte do edifcio.

    Schiller et al (2003) destaca que a produo do habitat construdo requer uma

    grande proporo dos recursos energticos e materiais em suas distintas fases,

    escalas e processos. Desde a extrao e produo de materiais, o projeto, a

    construo operao e manuteno, at a desmontagem, os edifcios provocam

    importantes impactos ambientais ou contribuem direta ou indiretamente a eles.

    Dados numricos indicam que 75% dos recursos naturais mundiais so consumidos

    pelo Construbusiness, chegando a gerar cerca de 500 kg/ habitante.ano de resduos

    provenientes do processo de construo. Alm disso, cerca de 50% do consumo de

    energia eltrica absorvido por edifcios em funcionamento, que contribuem

    tambm com 21% do consumo de gua. S na cidade de So Paulo, o custo social

    da gesto do RCD (resduos da construo e demolio) para a Prefeitura chega a

  • 18

    R$ 1.500,00/ habitante.ano (informao verbal)1. Portanto, vislumbrar o ciclo de vida

    do edifcio, desde seus materiais constituintes e componentes, at seu desmonte ou

    readequao, torna-se uma questo de ao responsvel sobre o meio ambiente,

    tendo reflexos inclusive sociais e econmicos.

    Para Schiller et al. (2003, p.13)

    A edificao sustentvel promove diversos benefcios que se estendem alm de sua participao no melhoramento das condies ambientais e mitigao do impacto ambiental, uma vez que representam o estabelecimento de uma nova ordem de princpios bsicos de desenho em todas e cada uma de suas escalas. Tais princpios se fundamentam em sistemas e ciclos naturais, maior dependncia de recursos locais, particularmente para a gerao, distribuio e uso de energia e gua, com dimenso social e projeo ao futuro.

    Em relao s questes que envolvem o conceito de sustentabilidade na

    construo, Segawa apud Sabbag (2005) reconhece que existem novas exigncias

    s quais os arquitetos talvez ainda no estejam respondendo. Segawa ressalta que

    [...] existem arquitetos que fazem arquitetura com sensibilidade, com sustentabilidade, preocupados com os problemas do sculo 21, em poupar energia (...) No Brasil em geral faz-se arquitetura do desperdcio (...) h uma inrcia para estas pautas. Isso ainda muito incipiente, embora existam arquitetos engajados em movimentos ambientalistas, mas em cujos projetos no os incorporam com muito rigor.

    Para Segawa essas novas demandas ambientais precisam ser incorporadas j no

    processo de projeto.

    Uma anlise da cadeia da Construo Civil revela a importncia da fase de projeto

    como fundamental ao desenvolvimento do processo construtivo de um edifcio, uma

    vez que nesta fase analisado o contexto de implantao, so elaboradas diretrizes

    1 Informao fornecida por Vanderley John durante a palestra Conceitos gerais sobre construo sustentvel realizada no workshop Construo Sustentvel: o futuro pode ser limpo, no CTE, So Paulo, 30 maio 2006.

  • 19

    e definidos os meios e processos, materiais e sistemas, para responder a

    determinado programa. Melhado (2005, p.14) entende que

    Dentro da busca da qualidade, envolvendo mudanas nas relaes entre os diversos agentes, o processo de projeto vem se destacando como elo fundamental da cadeia produtiva. Alm de instrumento de deciso sobre as caractersticas do produto, influi diretamente nos resultados econmicos dos empreendimentos e interfere na eficincia de seus processos.

    Como a articulao dos vrios agentes envolvidos na construo de um edifcio

    passa pelo processo de projeto e, diante da necessidade de atendimento por parte

    do setor da construo civil das novas demandas ambientais, a mudana de

    referncias para fase de projeto torna-se necessria para que se estabelea uma

    cultura construtiva voltada ao desenvolvimento sustentvel.

    Vrias pesquisas tm sido desenvolvidas no campo da construo sustentvel

    dentro e fora do pas. Grande parte destas pesquisas concentra-se no estudo de

    materiais e tecnologias alternativas dentro de nichos muito especficos de mercado.

    Outras esto centradas na reutilizao de resduos industriais na produo de

    materiais de construo. Nota-se, no entanto, uma carncia de foco na fase de

    projeto como possvel gatilho para mudana de forma estratgica do processo

    produtivo de edifcios e das prticas correntes no mercado.

    Em relao introduo de materiais classificados como alternativos na construo,

    a aceitao de tais propostas tem se mostrado negativa principalmente junto

    populao de baixa renda. Um exemplo a baixa aceitao diagnosticada pelo

    grupo de pesquisa Habis, aos sistemas construtivos em madeira propostos como

    habitao de carter social na Fazenda Pirituba, em Itapeva (informao verbal)2. Da

    mesma maneira, outros sistemas construtivos considerados alternativos, ou que

    2 Fornecida pela Prof Akemi Ino em sua disciplina Aplicaes da madeira e seus derivados em edificaes, ministrada em 2005 no Programa de Ps-Graduao da EESC-Usp.

  • 20

    fogem das prticas correntes no mercado, s encontram boa receptividade em

    nichos muito definidos entre os consumidores de habitao. Portanto, atuar

    diretamente com os tomadores de deciso atuantes no mercado de construo,

    conferindo ferramentas e instrumentos para melhor desempenho no

    desenvolvimento do produto projeto, pode ser uma alternativa mais vivel para o

    estabelecimento de uma cultura construtiva com vistas sustentabilidade.

    O cenrio destacado por Segawa reala uma situao de possvel falta de preparo

    quanto s questes de sustentabilidade na construo de grande parte dos

    profissionais de projeto no contexto nacional. Esta constatao no reflete

    necessariamente a falta de interesse dos profissionais quanto a essas questes,

    mas uma possvel falta de integrao entre os diversos agentes envolvidos no setor

    da construo, inclusive de agentes governamentais na liderana das discusses.

    Experincias internacionais para promoo de uma construo mais sustentvel so

    conhecidas. Segundo Nossent, o CSTB elaborou cartilhas de boas prticas na

    construo civil direcionadas qualidade e ao bom desempenho energtico das

    edificaes, seguindo com uma metodologia de certificao de todas as fases da

    construo, incluindo a fase de projeto (informao verbal)3. H exemplos como o

    de Enfield, um dos maiores bairros londrinos, cujo conselho desenvolveu junto a

    empresas de consultoria, um documento de boas prticas para os profissionais de

    projeto e de construo atuantes no bairro. Evidentemente so experincias

    especficas em determinados contextos, mas exemplos de iniciativas e de tentativa

    3 Informao concedida por Patrick Nossent em palestra intitulada Certificaes francesas para agentes do setor da construo civil e para empreendimentos no I Workshop Projeto USP / COFECUB Construo sustentvel: avaliao e formas de obteno. Escola Politcnica da USP, So Paulo, 8 de dezembro de 2005.

  • 21

    de integrao entre os interesses dos vrios agentes do setor em favor de um bem

    comum.

    Neste contexto, proposta a anlise da conjuntura do setor da construo civil e das

    atuais ferramentas e instrumentos correntes, direta ou indiretamente voltados para

    implementao de prticas mais sustentveis na fase de projeto, considerada neste

    trabalho como elo fundamental de toda a cadeia produtiva de edifcios.

    O objetivo deste trabalho sistematizar as informaes levantadas, compondo um

    estado da arte das questes ligadas construo sustentvel no Brasil,

    identificando possveis gargalos na implementao do conceito de sustentabilidade

    durante a concepo do projeto e estabelecer possveis referncias para que esta

    implementao se concretize.

    Estas referncias estruturam-se a princpio em experincias internacionais, em

    referncias normativas ou relativas certificao, em referncias relativas

    produo dos principais materiais de construo utilizados no contexto brasileiro e

    suas abrangncias, e referncias de experincias realizadas no Brasil na atualidade.

    Para tanto, os objetivos intermedirios so:

    Analisar a indstria de materiais de construo no Brasil no que tange a sustentabilidade, analisando a cadeia produtiva dos principais produtos,

    sendo os impactos gerados no processo produtivo relevantes como dados

    para a tomada de decises na fase de projeto;

    Analisar o entendimento do conceito de construo sustentvel e sua insero no contexto brasileiro;

  • 22

    Levantar os instrumentos legais (normalizaes) e mercadolgicos (avaliaes de desempenho/ certificaes) que possam direcionar o setor ao

    desenvolvimento sustentvel;

    Conhecer a estratgia adotada por alguns profissionais da rea de projeto para implementao de solues mais sustentveis no processo de projeto.

    Como este trabalho procura levantar o estado da arte do conceito de

    sustentabilidade aplicado a construo civil com foco na fase de projeto, a proposta

    de uma anlise exploratria global. Assim, o mtodo de pesquisa compe-se de:

    1. pesquisa bibliogrfica sobre o conceito de sustentabilidade aplicado ao

    setor da construo civil;

    2. entrevistas de carter exploratrio com profissionais de projeto

    atuantes no setor da construo civil, com envolvimento com as

    questes de sustentabilidade. Estas entrevistas procuram levantar as

    estratgias adotadas pelos profissionais, o entendimento do conceito

    aplicado construo e os principais gargalos da implementao do

    conceito na prtica do projeto;

    3. pesquisa bibliogrfica sobre as caractersticas da produo dos

    principais materiais de construo no contexto brasileiro, analisando os

    avanos tecnolgicos bem como os principais impactos causados pela

    explorao e beneficiamento das matrias primas;

    Foram elaborados os seguintes captulos para desenvolver estas questes:

  • 23

    O Capitulo 1 procura apresentar o conceito de sustentabilidade aplicado atividade

    de construo civil da origem do conceito ao entendimento atual, uma vez que o

    conceito intrinsecamente abrangente e dinmico. So resgatados para a formao

    de um repertrio os conceitos de indicadores de sustentabilidade e sua aplicao a

    mtodos de avaliao de desempenho das vrias fases do processo construtivo de

    edifcios. Como componente deste repertrio apresentado tambm o conceito de

    eficincia energtica nas edificaes.

    O Captulo 2 busca levantar algumas experincias internacionais na aplicao do

    conceito ao setor da construo civil. So apresentadas estratgias para

    implementao do conceito e os resultados atingidos nestes contextos especficos.

    No o objetivo do captulo buscar nessas experincias o caminho para o contexto

    brasileiro, mas levantar de forma crtica referncias para anlise entre as diferentes

    realidades dos pases desenvolvidos e dos perifricos.

    O Captulo 3 apresenta o contexto do setor da construo civil no Brasil, procurando

    analisar o parque industrial nacional atravs dos impactos ambientais gerados nas

    cadeias produtivas dos principais materiais de construo. Esta anlise seguida da

    apresentao de boas prticas aplicadas a cada cadeia produtiva. Procura tambm

    levantar os mecanismos legais e de mercado, disponveis atualmente no contexto

    brasileiro, para o incentivo aplicao de boas prticas de sustentabilidade no

    processo construtivo. O objetivo do captulo gerar informaes que alimentem a

    qualidade do processo de projeto e repertrio para os tomadores de deciso.

    O Captulo 4 resgata os princpios de sustentabilidade aplicados ao processo de

    projeto dos edifcios e procura analisar as experincias em andamento no contexto

  • 24

    brasileiro. Atravs do confronto entre os dados levantados atravs de bibliografia e

    os dados coletados em campo, procura identificar as principais dificuldades para a

    implementao do conceito de sustentabilidade na prtica projetual e estabelecer

    algumas referncias para a aplicao do conceito ao processo de projeto de

    edifcios no Brasil.

    Analisando o conjunto das investigaes realizadas, so posteriormente elaborados

    o Captulo 5 onde so feitas as discusses e o Captulo 6, onde so apresentadas

    as concluses finais da dissertao. O Captulo 7 composto pelas referncias

    bibliogrficas e o Captulo 8 traz sugestes para o desenvolvimento de futuros

    trabalhos sobre o tema aqui pesquisado.

  • 25

    CAPITULO 1

    SISTEMATIZAO DO CONCEITO DE CONSTRUO SUSTENTVEL

    As questes que envolvem o desenvolvimento de atividades humanas e seu impacto

    sobre o ambiente tm sido tratadas de forma isolada, embora problemas ambientais

    estejam muitas vezes relacionados. O tema ambiental vem sendo amplamente

    abordado desde uma primeira conferncia realizada pelas Naes Unidas em

    Estocolmo no ano de 1972. Desde ento, novas discusses foram realizadas nesse

    mbito, com o lanamento em 1987 do relatrio Nosso Futuro Comum (Relatrio

    Bruntland), que trouxe consigo o conceito de desenvolvimento sustentvel e uma

    nova abordagem para o tema do meio ambiente, deslocando as discusses para

    uma abordagem mais sistmica. Para Giansanti (1998), o mrito deste relatrio foi o

    diagnstico de uma crise social e ambiental em escala global e a valorizao de

    princpios como democracia, igualdade social e de um sistema de trocas

    internacional mais eqitativo. Alm disso, o conceito de desenvolvimento

    sustentvel, em sua verve econmica, refere-se capacidade das sociedades

    sustentarem-se de forma autnoma, gerando riquezas e bem-estar a partir de seus

    prprios recursos e potencialidades, mas resguardando os recursos e o patrimnio

    natural dos diferentes povos e pases (GIANSANTI, 1998).

    Em 1992 realizou-se no Rio de Janeiro a Conferncia das Naes Unidas sobre o

    meio Ambiente e Desenvolvimento Humano, tambm conhecida como Cpula da

    Terra ou ECO-92. Como produtos desta conferncia foram assinados cinco

    documentos, entre eles a Agenda 21, aprovada pelos 170 pases participantes,

  • 26

    definindo compromisso entre governos e sociedade pelo planejamento estratgico

    universal para alcanar o desenvolvimento sustentvel no sculo XXI.

    As discusses alcanaram o setor da Construo Civil de forma mais direta em 1994

    com a primeira conferncia centrada na eficincia energtica das edificaes

    patrocinada pelo CIB (International Council for Research and Innovation in Building

    and Construction), em Tampa.

    O tema alcana peridicos e magazines especializados. Artigo publicado no

    peridico The Architectural Review (2003, p. 36-37) trazia os dados alarmantes que

    edifcios consomem metade de toda energia em uso; acrescentam mais poluio

    atmosfrica que transportes e indstrias combinadas e acrescentava que

    [...] isto teria efeitos profundos na maneira como projetamos. Por exemplo, deveramos projetar para a reciclagem e com elementos reciclados; deveramos tentar usar materiais locais para reduzir as emisses por transporte [...]; deveramos padronizar partes do edifcio [...]. As virtudes tradicionais das propriedades trmicas da massa, resposta apropriada orientao solar e ventilao natural so partes essenciais do bom projeto.

    Nos anos seguintes primeira conferncia de 1994, o foco foi ampliado e as

    discusses tornaram-se gradualmente mais abrangentes, chegando ao conceito

    atual de Construo Sustentvel (CIB 1999), ou edifcios de alto desempenho.

    Pode-se dizer, no entanto, que projetos com nfase na questo da eficincia

    energtica j vinham sendo desenvolvidos desde o incio da dcada de 80 na

    Europa. O edifcio do Shangai Bank, por exemplo, projeto de Norman Foster com

    obra iniciada em 1983, tinha como partido principal, e maior inovao, o

    aproveitamento total da luz natural atravs de mecanismos de projeto. Ao longo dos

    anos 80 e 90, arquitetos como Norman Foster, Jean Nouvel, Renzo Piano e Nicolas

    Grinshaw, autores de obras conhecidas como High Tech realizaram projetos que,

    para alm da adequao tecnolgica, tiravam das questes de eficincia energtica

  • 27

    partido para uma arquitetura inovadora. Sobre essa produo Sola Morales (1995)

    destaca que

    [...] a misso que a arquitetura High Tech parece haver se proposto justamente a de responder positivamente, com o otimismo dos profetas, necessidade de uma renovada relao entre nova tecnologia e nova arquitetura, mas tambm, em certos casos, recolher as crticas de situacionistas e ecologistas propondo arquiteturas limpas e energeticamente controladas.

    Mais que o setor pblico ou o mundo privado da casa, o espao privilegiado para a

    arquitetura High Tech foi o das grandes empresas monopolistas, as firmas

    multinacionais que representam os poderes de fato das sociedades do capitalismo

    mais desenvolvido (SOL MORALES, 1995). Evidentemente, a imagem das grandes

    corporaes deveria ter refletida na eficincia de recursos energticos presente em

    seus edifcios -smbolos a essncia de seus processos e atividades.

    Figura 1: Esquema de Iluminao natural do Shangai Bank, de Norman Foster Fonte: Meirio in http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp227.asp acessado em 01/03/2007

  • 28

    1.1. A evoluo do conceito de construo sustentvel

    As discusses alcanam o mbito da construo civil de forma mais direta em 1994

    com uma primeira conferncia centrada na eficincia energtica das edificaes

    patrocinada pelo CIB (International Council for Research and Inovation in Building

    and Construction), realizada em Tampa.

    O mesmo organismo produziria em 1998 a Agenda 21 para Construo

    Sustentvel, documento que procura orientar os vrios agentes do setor da

    construo civil no sentido da sustentabilidade e traz o conceito de Construo

    Sustentvel: a criao e gerenciamento responsvel de um ambiente construdo

    saudvel baseado em princpios ecolgicos e de eficincia de recursos (CIB, 1999).

    Esta definio traz a compreenso da sustentabilidade como um conceito ainda

    focado essencialmente na manuteno das condies ambientais atuais, ou seja, o

    raio de impacto relacionado atividade de construir edifcios restringiria- se ao

    carter ambiental, natural ou no. Esta seria a principal demanda apresentada ao

    setor. A agenda define tambm uma srie de responsabilidades para os diversos

    agentes da cadeia da construo, como uma abordagem mais integrada por parte

    dos projetistas, a conscincia da sustentabilidade como fator de competitividade

    pelos contratantes, o maior cuidado com o ciclo de vida e os impactos gerados na

    produo de materiais pela indstria, a conscincia da sustentabilidade como um

    dos aspectos do conforto pelos usurios, a liderana em pesquisas e na divulgao

    de boas prticas pelas autoridades e demandas mais sustentveis pelos

    proprietrios ou incorporadores.

  • 29

    Embora o conceito apresentado fosse amplo, havia ainda a necessidade de se

    considerar a realidade presente nos pases chamados perifricos, diametralmente

    oposta dos pases desenvolvidos. Se a busca pela eficincia energtica nestes

    pudesse ser alcanada atravs de alta tecnologia e investimentos privados, era

    preciso lembrar que naqueles a sustentabilidade passava por necessidades bsicas,

    como alimentao, educao e moradias para uma populao que, por vezes, no

    tinha acesso ao mnimo de servios sociais (SCHILLER ET AL, 2003). Assim, em

    2002, CIB e UNEP lanam a Agenda 21 para Construo Sustentvel nos Pases

    em Desenvolvimento (pases com PIB per capita menor que US$ 7000 dlares),

    com a seguinte definio de construo sustentvel (CIB E UNEP-IETC, 2002,

    P.06): a condio ou estado que permitiria a existncia do homo sapiens provido de

    segurana, sade e vida produtiva para todas as geraes em harmonia com a

    natureza e com os valores culturais e espirituais locais. Portanto, so agregadas

    definio outras dimenses, como aspectos sociais, econmicos, culturais e

    polticos.

    Apesar de algumas similaridades entre os desafios propostos pelas duas Agendas,

    h diferenas significativas nas prioridades, nos nveis de potencialidades, na

    capacidade da indstria de construo e atuao governamental e na abordagem

    que deve ser seguida nos pases em desenvolvimento. De maneira geral, a Agenda

    21 para Construo Sustentvel nos pases em desenvolvimento procura definir

    estratgias para ao que garantam que a contribuio do Setor da Construo ao

    desenvolvimento destes pases apie ou respeite os princpios da sustentabilidade.

    Busca, portanto oferecer aos agentes envolvidos na cadeia produtiva da construo

    solues que dem suporte s decises voltadas ao desenvolvimento sustentvel,

    ou seja, um processo contnuo de manuteno de um balano dinmico entre as

  • 30

    necessidades e demandas das pessoas por equidade, prosperidade e qualidade de

    vida e o que mais ecologicamente possvel (CIB E UNEP-IETC, 2002).

    Nessa mesma perspectiva, uma definio de construo sustentvel trazida por

    Gibberd (2004) diz que a edificao e construo sustentveis buscam maximizar

    os efeitos sociais e econmicos benficos enquanto minimizam os impactos

    ambientais negativos.

    Como o conceito de desenvolvimento sustentvel, a construo sustentvel tambm

    tem um carter pluridimensional, ou seja, no se restringe apenas a questes

    ambientais, que geralmente so mais discutidas. Alm da dimenso ambiental, da

    social e econmica, ganham fora pela Agenda 21 para os Pases em

    Desenvolvimento as dimenses cultural e poltica.

    Silva e Shimbo (2004 apud Yuba, 2005) sintetizam, portanto, como principais

    dimenses da sustentabilidade a ambiental, a social, a econmica, a poltica e a

    cultural. Estas dimenses so indissociveis quando se trata de avaliar o carter

    sustentvel ou no de alguma atividade. Aes no ambiente tm efeitos

    econmicos, que por sua vez podem gerar efeitos sociais e polticos e ter reflexos

    culturais, por exemplo. O quadro 1 destaca os princpios gerais da sustentabilidade

    relacionados s cinco dimenses citadas.

  • 31

    Aspectos Princpios e estratgias gerais de sustentabilidade

    ambiental

    Manuteno da integridade ecolgica por meio da preveno das vrias formas de poluio, da prudncia na utilizao dos recursos naturais, da preservao da diversidade da vida e do respeito capacidade de carga dos ecossistemas.

    social

    Viabilizao de uma maior equidade de riquezas e de oportunidades, combatendo-se as prticas de excluso, discriminao e reproduo da pobreza e respeitando-se a diversidade em todas as suas formas de expresso.

    econmico

    Realizao do potencial econmico que contemple prioritariamente a distribuio de riqueza e renda associada a uma reduo das externalidades scio-ambientais, buscando-se resultados macro-sociais positivos.

    poltico

    Criao de mecanismos que incrementem a participao da sociedade nas tomadas de decises, reconhecendo e respeitando os direitos de todos, superando as prticas e polticas de excluso e que promovam o desenvolvimento da cidadania ativa.

    cultural

    Promoo da diversidade e identidade cultural em todas as suas formas de expresso e representao, especialmente daquelas que identifiquem as razes endgenas, propiciando tambm a conservao do patrimnio urbanstico, paisagstico e ambiental, que referenciem a histria e a memria das comunidades.

    Quadro 1. Princpios e estratgias gerais de sustentabilidade

    Fonte: Silva e Shimbo apud Yuba (2005, p.18)

    1.2. Princpios da construo sustentvel

    A amplitude do conceito de Construo Sustentvel exige que alguns princpios

    sejam definidos claramente a fim de nortear as decises a serem tomadas durante o

    processo de projeto e para que se possa distinguir o valor real entre diferentes

    posturas projetuais para alm de rtulos. Vale lembrar que a idia de

  • 32

    sustentabilidade no esttica, mas dinmica, ou seja, descobertas e inovaes de

    processos podem trazer novas questes discusso e assim mudar estratgias e

    princpios.

    Yuba (2005) relaciona uma srie de princpios de sustentabilidade para toda a

    cadeia de produo da construo em suas diversas dimenses. A questo

    ambiental possui objetivos bem desenvolvidos e delineados, centrando-se

    principalmente na busca pela reduo da gerao de poluio desde a extrao das

    matrias-primas at o processo construtivo dos edifcios. Outro ponto importante a

    reduo da gerao de resduos durante a construo, atravs da melhora de

    qualidade do processo construtivo utilizando-se sistemas e tecnologias mais limpas

    e sem desperdcio. Neste aspecto, uma alternativa para os pases em

    desenvolvimento, seria o resgate e desenvolvimento de tcnicas vernaculares de

    menor impacto ambiental. Os princpios ambientais so relacionados a seguir no

    Quadro 2:

    Princpio / desafio / ao e estratgias da dimenso ambiental da construo sustentvel

    Reduzir o uso de recursos em todo o ciclo de vida:

    Reduzir a produo de resduos; Promover a eficincia energtica na produo e nas edificaes; Reduzir o consumo de gua; Reduzir a explorao de minrios; Aumentar a durabilidade; Aumentar o cuidado com a manuteno.

    Reduzir a liberao de emisses ambientalmente perigosas:

    Reduzir a emisso de gases txicos que contribuem para o efeito estufa; Reduzir a emisso de efluentes.

  • 33

    Promover o funcionamento saudvel dos ecossistemas, em escala local, regional e global:

    Desenvolver pesquisas sobre os impactos ao meio ambiente causados por materiais e acabamentos;

    Desenvolver estratgias para lidar com materiais perigosos. Vencer a barreira de inrcia tecnolgica dos pases em desenvolvimento;

    Vencer a dependncia tecnolgica em relao aos pases desenvolvidos;

    Vencer a falta de polticas de suporte s tecnologias nacionais:

    Inovar os materiais e mtodos de construo. Melhorar a qualidade do processo de construo e seus produtos.

    Adotar o conceito de sistema regenerativo (Lyle).

    Incentivar o desenvolvimento e a difuso de tecnologias ambientalmente amigveis.

    Quadro2. Princpios ambientais da construo sustentvel

    Fonte: Yuba (2005)

    Com relao dimenso social da construo sustentvel, alm das questes

    diretamente relacionadas interao dos trabalhadores com o processo de trabalho

    (direitos trabalhistas, encargos, etc.), enfatiza-se o acesso universal e a flexibilidade

    da edificao a possveis mudanas de uso no futuro.

    As questes trabalhistas so de especial importncia nos pases em

    desenvolvimento, onde impera a informalidade no setor da construo civil. No

    contexto brasileiro, por exemplo, onde o setor tem um peso fundamental no PIB

    nacional (13% aproximadamente) e acumula 15% dos empregos, so comuns

    situaes de sonegao fiscal, problemas de ordem trabalhista e no conformidades

    intencionais (informao verbal)4. Por tal representatividade do setor na economia

    nacional, numa perspectiva de sustentabilidade, demanda-se sua contribuio para

    4 Informao fornecida por Vanderley John durante a palestra Conceitos gerais sobre construo sustentvel realizada no workshop Construo Sustentvel: o futuro pode ser limpo, no CTE, So Paulo, 30 maio 2006.

  • 34

    a reduo da pobreza, de desigualdades e discriminao dentro da populao

    envolvida na cadeia produtiva. , portanto esperado das empresas que compem os

    Construbusiness aes de responsabilidade social que tenham impacto nos

    envolvidos na atividade, na comunidade local e tenham reflexos, mesmo que

    mnimos, na comunidade global. Os princpios que contribuem para a dimenso

    social da construo sustentvel esto relacionados no Quadro 3:

    Princpio/ desafio / ao e estratgias da dimenso social da construo sustentvel

    Promover ambiente de trabalho saudvel e seguro:

    Desenvolver pesquisas sobre impactos sade por materiais de construo e de acabamento;

    Desenvolver pesquisa de impactos causados pelas atividades de obra; Apoiar e respeitar a proteo de direitos humanos reconhecidos internacionalmente; Assegurar sua no participao em violaes dos direitos humanos; Apoiar a eliminao de todas as formas de trabalho forado ou compulsrio; Apoiar a erradicao efetiva do trabalho infantil; Apoiar a igualdade de remunerao e a eliminao da discriminao no emprego.

    Atendimento s necessidades dos usurios no futuro:

    Promover flexibilidade e adaptabilidade Capacitar e encorajar a conscincia e o aprendizado contnuo dentro e fora das organizaes do

    setor privado para implementar aes mais sustentveis:

    Elaborar campanhas de informao sobre uso de produtos mais sustentveis; Desenvolver treinamento; Desenvolver parcerias com instituies de pesquisa e educao; Apoiar programas de capacitao. Promover habitao saudvel e segura: Considerar a acessibilidade universal.

    Quadro3. Princpios sociais da construo sustentvel

    Fonte: Yuba (2005)

  • 35

    A perspectiva econmica da sustentabilidade na construo traz, alm dos princpios

    listados no Quadro 4 a seguir, a preocupao com a perda de autonomia produtiva

    das realidades locais em favor das grandes economias. Neste sentido pode-se citar

    a desnacionalizao de setores produtivos nacionais com a abertura ao capital

    estrangeiro, transferindo-se os centros de deciso e as iniciativas de inovao

    tecnolgica para fora do pas (LEROY et al apud YUBA, 2005).

    Neste caso, o setor da construo civil pode desempenhar um papel importante no

    incentivo economia local, fortificando e diversificando- a.

    Gibbert (2004) aponta os possveis resultados positivos do setor regionalmente:

    reduo de custos de transporte e conseqente reduo da poluio e o reforo das

    relaes entre as pessoas e o lugar em que vivem, mitigando as migraes e altas

    concentraes nos grandes centros. Neste sentido, podem ser incentivados os

    pequenos empreendimentos individuais e coletivos, viabilizando novos negcios que

    gerem empregos ou ocupaes produtivas, aumentando a autonomia do lugar

    (SEBRAE apud YUBA, 2005). Os princpios gerais da dimenso econmica da

    construo sustentvel so destacados no Quadro 4:

    Princpios/ desafio / ao e estratgias da dimenso econmica da construo sustentvel

    Capitalizar sobre os benefcios da sustentabilidade para aumentar os lucros:

    Elaborar servios diferenciados. Considerar a conscincia ambiental como um fator de competitividade:

    Mudar o design, composio e embalagem dos produtos para oferecer benefcios ambientais e criar produtos totalmente novos para repor os antigos;

    Mudar os materiais usados na indstria para reduzir o uso de substncias txicas que podem ser usados somente no processamento e que podem permanecer nos produtos;

    Fazer melhoramentos em todos os processos, tecnologias, operaes e procedimentos para

  • 36

    reduzir e eliminar a gerao de todos os resduos na sua fonte; outros setores tambm

    devem mudar, incluindo a produo de energia, agricultura e transporte. Mobilizar recursos para apoiar pesquisas, mudanas tecnolgicas e estudos de adequao para a

    produo e comercializao de novos materiais e tecnologias:

    Conciliar recursos pblicos com recursos privados e setor acadmico para promover iniciativas;

    Realizar parcerias para pesquisa entre pases para reduzir custos e tempo. Avaliar riscos e benefcios da mudana para prticas mais sustentveis:

    Incorporar procedimentos de contabilidade de todos os custos no desenvolvimento das edificaes e bens construdos (custos diretos iniciais, custos sociais e ambientais diretos e

    indiretos). Encorajar e apoiar a implementao de prticas mais sustentveis:

    Criar demanda por materiais e servios ambiental e socialmente mais responsveis. Combater a corrupo

    Promover habitao com custos acessveis

    Quadro4. Princpios econmicos da construo sustentvel

    Fonte: Yuba (2005)

    Na esfera poltica da sustentabilidade na construo, Yuba (2005) cita como

    principal gargalo a falta de integrao entre os diversos agentes, que no se

    identificam como partes de um mesmo setor. Assim, para Bakens (2003 apud Yuba

    2005)

    A representao deficiente dos interesses de alguns agentes tomadores de deciso (governos locais, construtores, usurios e rgos de legislao) prejudica a operacionalizao da pluridimensionalidade, provocando o desequilbrio de importncia entre as dimenses. E os restantes planejadores urbanos, arquitetos, engenheiros, incorporadores, fornecedores e produtores, apesar de bem representados, raramente se mostram abertos cooperao para o objetivo comum da sustentabilidade.

    Alm da falta de integrao entre os agentes, a realidade de urgncia em questes

    sociais nos pases em desenvolvimento, acaba por gerar medidas de contingncia

    por parte dos rgos governamentais, que tendem a adotar uma abordagem de

  • 37

    gerenciamento da crise para o desenvolvimento, considerando pouco os impactos

    em longo prazo de suas aes no ambiente e na sociedade (CIB e UNEP-IETC,

    2002, p.21).

    So apresentadas no Quadro 5 as posturas que formam a dimenso poltica da

    sustentabilidade na construo.

    Princpios/ desafio / ao e estratgias da dimenso poltica da construo sustentvel

    Organizar as partes interessadas para conquistar a possibilidade de participar ativamente das

    decises:

    Assumir uma definio e terminologia chave clara e consensual do setor que inclua todos os agentes e que os faa sentirem-se parte dessa cadeia, com responsabilidade de se unirem;

    Representar equilibradamente todos os tomadores de deciso nos debates internacionais sobre o setor;

    Unir esforos de cooperao dentro do prprio setor para a busca de recursos para lidar com as questes decisivas e para a criao de estratgias para atender aos requisitos de

    sustentabilidade. Mudar os valores organizacionais da empresa:

    Apoiar a liberdade de associao e o reconhecimento efetivo do direito negociao coletiva.Constituir parcerias e cooperao para desenvolvimento e implementao de aes para construo

    sustentvel:

    Cooperar na implementao das aes de pesquisa e desenvolvimento; Constituir parcerias com instituies de pesquisa.

    Demandar sustentabilidade:

    Estabelecer critrios de sustentabilidade para aquisio de produtos tambm nas grandes empresas e governo.

    Monitorar e avaliar:

    Desenvolver e adotar relatrio de responsabilidade social corporativa; Participar de processos de certificao; Coletar informao para monitoramento e avaliao.

    Criar direcionadores para a maior sustentabilidade:

    Encorajar o desenvolvimento de comunidades altamente estruturadas, internamente relacionadas e mutuamente apoiadas.

  • 38

    Adotar uma abordagem preventiva para os desafios ambientais.

    Desenvolver iniciativas para promover a maior responsabilidade ambiental:

    Questionar e mudar os padres de consumo; Questionar e mudar os prprios impactos; Usar novas tecnologias e processos em suas prprias atividades.

    Quadro5. Princpios polticos da construo sustentvel

    Fonte: Yuba (2005)

    A dimenso cultural da sustentabilidade na construo aponta para a valorizao

    dos costumes locais, com a recuperao de materiais e tcnicas nativas e seu

    necessrio aprimoramento. Os princpios culturais so relacionados no Quadro 6.

    Princpios/ desafio / ao e estratgias da dimenso cultural da construo sustentvel

    Reavaliar o tradicional:

    Resgatar a capacidade de trabalho em mutiro; Adequar materiais e tcnicas tradicionais ao contexto contemporneo.

    Superar a resistncia a materiais e tcnicas nativos:

    Viabilizar econmica e tecnologicamente as tcnicas tradicionais para recuperar a confiana dos usurios.

    Recuperar valores ticos para o planejamento da construo e assentamento.

    Combinar o tradicional e o moderno.

    Internalizar a sustentabilidade:

    Abandonar a idia de que a sustentabilidade apenas uma varivel positiva a mais nos empreendimentos;

    Aumentar a percepo dos usurios para as questes de sustentabilidade. Quadro 6. Princpios culturais da construo sustentvel

    Fonte: Yuba (2005)

  • 39

    1.3. Desenvolvimento de indicadores de sustentabilidade para a construo

    Segundo Gallopin (1997, p.15) os indicadores ideais so aqueles que sumarizam ou

    simplificam informaes relevantes, tornam visveis ou perceptveis fenmenos de

    interesse e quantificam, medem e comunicam informaes relevantes. So,

    portanto variveis cujas funes principais so: avaliar condies e tendncias;

    comparao entre lugares e situaes; avaliar condies e tendncias em relao a

    determinados alvos ou objetivos; gerar informao de riscos antecipadamente;

    antecipar condies e tendncias futuras.

    Para serem considerados indicadores ideais, estes devem responder

    adequadamente aos seguintes requisitos:

    os valores dos indicadores devem ser mensurveis (ou pelo menos claramente observveis);

    dados devem ser j disponveis ou passveis de se obter; a metodologia para o levantamento dos dados, processamento e construo dos indicadores deve ser claro, transparente e padronizado;

    meios para construir e monitorar os indicadores deveriam ser financeiramente eficazes;

    aceitao poltica nos nveis apropriados (local, nacional e internacional) deve ser promovida (indicadores que no so aceitos por tomadores de deciso so

    incapazes de influenciar decises);

  • 40

    participao e suporte do pblico no uso de indicadores altamente desejvel, como um elemento dos requisitos gerais da participao da sociedade na busca pelo

    desenvolvimento sustentvel.

    Como se pode ver, os indicadores, e principalmente no caso de indicadores de

    sustentabilidade, devem ter longo alcance, desde o poltico atuante em nvel

    nacional, cujas decises afetam amplamente o desenvolvimento, a produo e os

    padres de consumo em grande escala, at o indivduo que deseja apenas avaliar a

    sustentabilidade das rotinas no lar.

    Segundo Yuba (2005, p.130), a introduo de indicadores nas avaliaes de

    sustentabilidade agregou simplificao na percepo do conceito e acrescenta que

    a elaborao de indicadores pode ajudar a compreender as vrias dimenses do

    desenvolvimento sustentvel e as complexas interaes entre as dimenses.

    Vale lembrar que no processo de avaliao de sustentabilidade de alguma

    atividade, no h medidas absolutas que possam ser aplicadas. Assim, a dificuldade

    de obteno de dados, a necessidade de prever resultados antecipadamente, a

    escala e complexidade da anlise dos casos e a importncia dos impactos indiretos

    so razes relatadas para o desenvolvimento de indicadores.

    Na tentativa de se considerar todas as dimenses definidas no conceito de

    sustentabilidade, tm sido sugeridas o uso de indicadores agregados, ou seja,

    formados a partir de uma agregao (usualmente uma soma ponderada) de vrios

    indicadores individuais ou agregados.

  • 41

    Alguns critrios importantes a serem considerados na escolha de indicadores

    agregados para avaliao de impactos so relacionados por Simes et al (2002):

    Vetores de sustentabilidade considerados: quanto capacidade de incluir todas as dimenses da sustentabilidade;

    Horizonte temporal; Estoques / fluxos (outputs/ inputs); Categorias de impacto ambiental consideradas; Transparncia e reprodutibilidade; Comunicao de incerteza: relativo a erros associados na avaliao

    dos dados;

    Aceitao pelos diversos stakeholders: relativo compreenso pelo pblico em geral e tomadores de deciso;

    Critrios de interpretao; Custos: relativo aos investimentos necessrios para obteno dos

    dados;

    Mtodos de clculo.

    Os principais propsitos dos indicadores de sustentabilidade para a Construo Civil

    so definidos por Hkkinen et al (2001):

    definir os critrios de sustentabilidade precisamente; medir o desempenho da indstria da construo e do ambiente construdo; permitir aos tomadores de deciso avaliar estratgias economicamente viveis e tecnicamente exeqveis para melhorar a qualidade de vida;

  • 42

    permitir aos agentes no processo de construo e desenvolvimento o uso de ferramentas e guias baseados em indicadores para melhorar as prticas e a

    qualidade da construo.

    Os indicadores de sustentabilidade da construo civil visam atender principalmente

    aos rgos pblicos (habitao, edificaes, trfego, ambiente), proprietrios,

    administradores, usurios de edificaes, empreiteiras, planejadores, construtores,

    projetistas e produtores de materiais (HKKINEN, 2001).

    1.4. Avaliao do ciclo de vida na construo civil

    Os indicadores de sustentabilidade podem integrar ou alimentar sistemas de

    avaliao de sustentabilidade ambiental. Ainda so poucos ou pouco efetivos os

    sistemas que, alm da dimenso ambiental, procuram avaliar a

    pluridimensionalidade do conceito (SIMES ET AL, 2002).

    Existem metodologias de avaliao que geram uma certificao, ou selo verde,

    sendo utilizadas internacionalmente como, na rea de energia, o selo norte-

    americano LEED (Leadership in Energy & Environmental Design), que utilizando o

    processo de pontuao, atravs de um extenso questionrio, atesta se o projeto

    sustentvel classificando-o em categorias como prata, ouro ou platina. Outra

    metodologia o selo francs HQE (Haute Qualite Environmentale), que desenvolve

    a avaliao das intenes do empreendedor, da qualidade do projeto arquitetnico e

  • 43

    complementares, do processo de construo e seu posterior uso. As anlises so

    feitas durante todas as fases do processo, desde a concepo at o uso do edifcio.

    No Brasil ainda no h nenhum sistema de avaliao especfico para a

    sustentabilidade em edifcios. No entanto algumas experincias junto a

    universidades vm sendo desenvolvidas.

    O mtodo LCA (Life Cycle Assessment), ou Anlise do Ciclo de Vida, aceito

    internacionalmente para quantificar o total de efeitos ambientais associados aos

    produtos, desde a extrao de matrias-primas at a manufatura e transportes,

    instalao, uso e manuteno em um edifcio, sua disposio final ou reuso. Trata-

    se de uma abordagem de gerenciamento para reduzir os impactos gerados de um

    produto ou atividade com foco no meio ambiente e na sade humana.

    Segundo Yuba (2005), o foco da metodologia LCA era o consumo de energia. O

    avano das discusses quanto aos impactos ambientais de atividades humanas

    trouxeram questes como a deposio de resduos slidos, consumo de recursos e

    emisses potenciais na forma de resduos. Yuba (2005, p.122) acrescenta que mais

    recentemente a nfase a utilizao do LCA para prevenir a poluio,

    proativamente.

    Os estgios do ciclo de vida analisados so (HENN e FAVA apud YUBA, 2005):

    Extrao de matria-prima e converso; Processamento (fabricao, montagem e acabamento); Operao (instalao, consumo de recursos, manuteno e reparos); Ps-uso (deposio, reciclagem e reuso).

  • 44

    Segundo a UNEP (2001), os benefcios da abordagem do ciclo de vida so:

    Para indstrias: ambientais, de sade e segurana, tecnolgicos e de gerenciamento, melhoria da imagem da empresa;

    Para os governos: benefcios ambientais sociedade e exemplo de uso e disseminao da responsabilidade global no apoio a iniciativas de

    implementao de anlises de ciclo de vida;

    Para os consumidores: informao para orientar o consumo de produtos e dar a oportunidade para o seu envolvimento em estratgias conjuntamente com

    as empresas e outros interessados, para aumentar a sustentabilidade.

    No caso especfico para os pases ainda em desenvolvimento, Kohler e Moffatt

    (2003 apud Yuba, 2005), defendem o uso do mtodo LCA segundo as seguintes

    prioridades:

    Utilizar o LCA como ferramenta para definir as prioridades na legislao; Auxiliar na determinao de taxas e impostos; Gerenciar a velocidade das mudanas (o LCA valoriza tipos de construo e

    tecnologias resistentes e duradouras, reduzindo perdas culturais

    irreversveis);

    Reduzir impactos associados com o desperdcio de material incorporado no ambiente construdo.

    Definir metas nas reas mais receptivas para as iniciativas regionais e nacionais e apoiar melhoramentos na inovao nas indstrias e na proteo

    ambiental;

    Enfatizar os problemas gerados pela introduo de substncias txicas.

  • 45

    Alm disso, Silva,V; Silva, M; Agopian (2003) propem o desenvolvimento de um

    sistema de avaliao ambiental para o contexto brasileiro baseado no LCA, pois

    apesar de demandar muito trabalho, seria o mais adequado para estimular o

    desenvolvimento de uma base de dados. No entanto, para o desenvolvimento de

    um sistema de avaliao para o Brasil alguns requisitos devem ser considerados na

    ponderao e que marcam a diferena entre o contexto dos pases perifricos aos

    centrais (SILVA, V; SILVA, M; AGOPYAN, 2003):

    a emisso de gs carbnico durante o uso da edificao menos importante no Brasil porque essa questo devida aos sistemas de aquecimento e com matriz

    de energia base de combustveis fsseis dos pases de clima frio;

    medidas de incentivo parecem ser mais adequadas nas fases iniciais da construo para posteriormente converterem-se em critrios de desempenho;

    pela falta de referncias de desempenho e dados ambientais, o grau de detalhamento da avaliao nacional seria menor do que em mtodos como o LEED;

    a importncia da incluso de um plano de manuteno ou de um manual para o usurio na avaliao, num contexto em que a responsabilidade tcnica limitada

    ao processo de projeto ou ao final da construo.

    Figura 2: Esquema do Ciclo de Vida Fonte: ATHENA INSTITUTE in http://www.athenasmi.ca/about/lcaModel.html em 18/05/06

  • 46

    Algumas consideraes, no entanto, so necessrias com relao ao mtodo LCA.

    A estrita orientao ambiental do mtodo, por exemplo, uma caracterstica da

    agenda para a sustentabilidade dos pases desenvolvidos. Questes sociais e de

    distribuio de riquezas j esto resolvidas em tais pases, onde a industrializao

    precedente impactou consideravelmente os estoques ambientais.

    Alm disso, o aperfeioamento do nvel das regulamentaes e de democratizao

    da tomada de decises orientadas produo, manuteno e renovao do

    ambiente construdo urbano nos pases desenvolvidos consideravelmente

    diferente dos pases perifricos.

    Para Silva, Silva e Agopyan (2003) o Brasil

    [...] tem um longo caminho a percorrer nestes dois aspectos, e as necessidades de reduo de desigualdade social e econmica juntam-se necessidade fundamental de equilbrio entre o custo e o benefcio ambiental envolvidos nas aes para o desenvolvimento da nao. Torna-se claro, portanto, que a nossa agenda para a sustentabilidade deve necessariamente contemplar as vrias dimenses da sustentabilidade e que qualquer iniciativa neste sentido, entre elas a avaliao de edifcios, deve alinhar-se a esta premissa.

    A pesquisa por sistemas de avaliao mais efetivos tem partido dos mtodos

    considerados market-friendly, ou seja, desenvolvidos para serem facilmente

    absorvidos por projetistas ou gerar reconhecimento do mercado atravs de uma

    estrutura bsica de checklists, para mtodos mais complexos baseados em critrios

    de desempenho. Isto porque, simplesmente desenvolver o projeto de um edifcio

    tendo-se uma lista de estratgias ou a indicao de uma srie de equipamentos

    voltados para o melhor desempenho ambiental do produto no garante que este

    desempenho seja realmente atingido. Silva, Silva e Agopyan (2003) ressaltam que

  • 47

    O problema que, apesar de ser mais market-friendly e de poder ser facilmente incorporada como ferramenta de projeto, o fato de um edifcio atender completamente lista de verificao no necessariamente garante o melhor desempenho global, ou em outras palavras: os checklists embutem o risco de favorecer a qualificao de edifcios que contenham equipamentos em detrimento de seu desempenho ambiental global.

    Para se migrar de critrios prescritivos (checklists) para critrios de desempenho

    necessrio o acmulo de dados para construo de desempenhos de referncia, ou

    benchmarks. A prtica do benchmarking traz a idia do levantamento das melhores

    prticas em determinadas reas ou tipos de construo em determinados contextos.

    A iniciativa do Green Building Challenge (GBC), consrcio internacional reunido com

    o objetivo de desenvolver um mtodo para avaliar o desempenho ambiental dos

    edifcios, procura criar um protocolo de avaliao com uma base comum, mas capaz

    de respeitar diversidades tcnicas e regionais (COLE; LARSSON apud SILVA, V;

    SILVA, M; AGOPYAN, 2003). O diferencial do GBC dos outros sistemas de

    avaliao a busca pela reflexo das diferentes prioridades, tecnologias, tradies

    construtivas e valores culturais de diferentes pases ou regies em um mesmo pas.

    Para alimentar o banco de dados referentes s particularidades locais, o GBC

    estabelece desempenhos de referncia (benchmarks) e equipes de avaliao devem

    indicar a melhor ponderao entre as categorias de impacto em cada caso (SILVA,

    V; SILVA, M; AGOPYAN, 2003).

    O Brasil integra o projeto GBC atravs do Programa Nacional de Avaliao de

    Impactos Ambientais de Edifcios (BRAiE), coordenado pela UNICAMP, procurando

    desenvolver uma rede nacional de pesquisa, cuja fase inicial procurou (SILVA, V;

    SILVA, M; AGOPYAN, 2003):

  • 48

    acumular experincia nacional na coleta e tratamento das informaes ambientais necessrias para sustentar a avaliao de edifcios;

    identificar itens da agenda ambiental regional/ local que devero sobrepor-se ao corpo genrico de parmetros de avaliao, em coerncia com os

    princpios do projeto GBC;

    estimar o impacto ambiental dos edifcios comerciais obtidos das prticas de construo vigentes em diferentes partes do Brasil, iniciando pela regio de

    Campinas/So Paulo. Esta fase possibilitaria a definio de um desempenho

    de referncia regional/ nacional (benchmark) para o estabelecimento de

    metas compatveis com a realidade brasileira e a identificao de

    possibilidades mais efetivas para intervenes no caso brasileiro alm da

    orientao de pesquisas dirigidas para outras tipologias de edificaes.

    Um dos objetivos principais da pesquisa, alm do estabelecimento de uma

    metodologia de avaliao ambiental prpria para o contexto brasileiro, o

    desenvolvimento de uma ferramenta de projeto que fornea subsdios para a tomada

    de decises j nas fases iniciais do processo projetual. Silva, Silva e Agopyan (2003)

    entendem que o delineamento da metodologia de avaliao adaptada s prticas

    de projeto e construo brasileiros permitir identificar e extrair as informaes de

    maior relevncia para alimentar o desenvolvimento de uma ferramenta de projeto

    adequada ao caso nacional. Diante desta premissa, so estabelecidas uma srie de

    princpios para a implementao da avaliao de edifcios sob o enfoque da

    construo sustentvel pertinentes ao contexto brasileiro:

  • 49

    1. realizar o salto da avaliao ambiental para a avaliao de

    sustentabilidade de edifcios, integrando agenda verde (bem-estar

    dos ecossitemas) a agenda marrom (bem-estar humano).

    2. definir os requisitos a serem avaliados de forma a refletir as

    prioridades da Agenda 21 nacional e setorial (construo civil).

    3. minimizar a subjetividade aproximando-se do conceito de LCA

    4. estrutura evolutiva no formato de pontuao, estabelecendo-se pr-

    requisitos que podem ser complementados por crditos ambientais e

    bnus. Assim, conforme a mudana gradual da cultura construtiva,

    bnus podem tornar-se crditos e estes podem tornar-se pr-

    requisitos na avaliao.

    5. Migrar dos critrios orientados a dispositivos a critrios orientados ao

    desempenho. Para tanto, necessrio o acmulo de dados para

    gerao de benchmarks, cujo processo torna-se difcil no Brasil pela

    falta de normas nacionais sobre eficincia energtica e desempenho

    global dos edifcios, pela desatualizao das normas existentes e pela

    falta de perfis ambientais de edifcios, materiais e produtos da

    construo.

    6. estabelecer um critrio para ponderao.

  • 50

    1.5. Eficincia Energtica nas edificaes

    Segundo Lamberts, Dutra e Pereira (1997)

    A eficincia energtica pode ser entendida como a obteno de um servio com baixo dispndio de energia. Portanto, um edifcio energeticamente mais eficiente que outro quando proporciona as mesmas condies ambientais com menor consumo de energia.

    A principal causa de problemas ambientais decorrentes do uso de energia, segundo

    Goldemberg (1998),

    [...] o uso de combustveis fsseis (carvo, petrleo e gs) seja na produo de eletricidade, no setor de transportes ou na indstria. A produo de hidroeletricidade e a energia nuclear criam alguns problemas especiais. O uso de lenha nos pases em desenvolvimento tambm uma fonte importante de poluio.

    Esses dados podem ser conferidos nas Tabelas 1 e 2 a seguir:

    Tabela 1: Estimativa das emisses de CO nos pases em desenvolvimento

    Fonte: M.K.Tolba et al , Chapman and Hall apud Goldemberg, 1998

    Fonte Quantidade (101 toneladas/ano)

    Queima de combustvel fssil 190

    Queima de madeira para coco 20

    Desmatamento, queima de savana, oxidao

    do metano

    460

    Total 670

  • 51

    Tabela 2: Produo de Madeira em 1989 (milhes de metros cbicos)

    Pases

    industrializados

    Pases menos

    desenvolvidos

    Total mundial

    lenha 268 1538 1786

    madeira industrial 1274 403 1677

    total 1542 1941 3463

    Fonte: M.K.Tolba et al , Chapman and Hall apud Goldemberg, 1998

    O Grfico 1 a seguir demonstra a relao entre as vrias regies do planeta na

    emisso de CO2 na atmosfera, decorrente de diversas atividades:

    0

    5

    10

    15

    20

    toneladas/ano

    Amrica doNorte

    Europa Central sia Ocidental Amrica Latina eCaribe

    sia e Pacfico frica

    Emisses de CO2 per capita das vrias regies do mundo

    19751995

    Grfico 1: Emisses de CO2 per capita das vrias regies do mundo

    Fonte: Goldemberg, 1998

    Para Goldemberg, tentar resolver o problema com a remoo da causa pode ser

    muito difcil, uma vez que os combustveis fsseis respondem por mais de 80% do

  • 52

    consumo atual de energia mundial. No entanto deve-se considerar a existncia de

    fontes renovveis de energia que podem substituir em boa parte os combustveis

    fsseis. A abordagem ao problema deve ser feita com o uso mais eficiente da

    energia sempre que possvel, reduzindo os problemas ambientais e prolongando a

    vida das fontes de combustvel fssil, cujas reservas so finitas. Alm disso,

    aumentar a eficincia energtica, ou conservao de energia, justifica-se por outras

    razes alm da proteo ambiental, pois ela em geral vantajosa em termos de

    retorno de investimento (GOLDEMBERG, 1998).

    As possibilidades para aumentar a eficincia energtica da utilizao das fontes

    primrias de energia podem acontecer nos seguintes nveis apresentados no Grfico

    2 (Goldemberg, 1998):

    Grfico 2: Potenciais de eficincia energtica

    Fonte: Goldenberg, 1998

  • 53

    Potencial terico: o limite que se pode atingir com base em consideraes termodinmicas, onde os servios decorrentes do uso de energia (como ar

    condicionado e produo de ao) no so reduzidos, mas a demanda por

    energia e as perdas so minimizadas por meio do processo de substituio,

    reutilizao de materiais, calor e perdas;

    Potencial tcnico: representa economias de energia que resultam do uso de tecnologias mais eficientes do ponto de vista energtico, as quais so

    comercialmente disponveis, sem levar em conta consideraes econmicas;

    Potencial de mercado: reflete os obstculos e imperfeies de mercado que fazem com que o potencial tcnico seja atingido;

    Potencial econmico: representa as economias de energia que seriam obtidas se todas as adaptaes e substituies fossem feitas utilizando as

    tecnologias mais eficientes e que fazem sentido econmico com os preos de

    energia do mercado. O potencial econmico implica um mercado que

    funcione bem com competio entre novos investimentos no suprimento e

    demanda de energia e no qual as informaes necessrias para a tomada de

    decises estejam disponveis;

    Potencial social: representa economias de energia nas quais externalidades so levadas em conta, tais como os custos dos danos causados ou evitados

    na sade, poluio do ar e outros impactos ecolgicos.

  • 54

    Devido ao grande aumento do preo do petrleo na dcada de 70 e ao medo da

    dependncia exagerada desse combustvel, um grande progresso tem sido obtido

    utilizando-se mtodos tcnicos de aumento de eficincia energtica em muitas reas

    da indstria e do setor de transporte, bem como na produo de eletricidade nos

    pases industrializados.

    Quanto ao setor de construo, sabe-se que, alm das indstrias de e