DOSSIER - Espiral do Tempo · de qualquer linha imaginária traçada de pólo a pólo –...

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43 Experimente fazer uma busca na Internet sobre as ilhas Diomedes. Poderá ficar surpreendido, ao descobrir um arquipélago num dos sítios mais remotos do mundo, entre a América e a Ásia, composto pela Pequena Diomedes e pela Grande Diomedes – duas ilhas separados apenas por um canal de água com cerca de 4 quilómetros. O mais interessante é que ficará ainda a saber que se passar de uma ilha para a outra, vai não só mudar de país, como também mudar de dia, pelo que terá de ter o cuidado de acertar o seu relógio... Na verdade, enquanto a Pequena Diomedes é uma ilha americana, a Grande Diomedes é uma ilha russa e precisamente entre elas passa a Linha Internacional de Data, criando uma diferença horária de 24 horas entre dois locais com uma distância terrestre de apenas alguns quilómetros. A Linha Internacional de Data é também chamada de antimeridiano, pois está em oposição ao meridiano zero ou de referência, que passa pelo Observatório Astronómico de Greenwich, a norte de Londres. Quando se escolheu o meridiano zero, houve a preocupação de ver por onde passava o seu respetivo antimeridiano, ou seja, a linha onde há mudança de data, para que esta não atingisse zonas muito povoadas, dada a confusão que isso iria gerar. O antimeridiano passa essencialmente pelas águas do Pacífico e por arquipélagos mais ou menos remotos. Foi Júlio Verne, no seu conhecido A Volta ao Mundo em 80 Dias, quem utilizou pela primeira vez as aparentes contradições do sistema de fusos horários. Quando os heróis chegam de regresso a Londres, estão no 79.º dia do calendário, e não no 80.º, pois ganharam um dia ao andar sempre para oriente, embora tenham na realidade viajado 80. Mas como é que começou o sistema de fusos horários? Se, por um lado, a latitude de um lugar é sempre medida a partir da linha do Equador, o que nunca ofereceu polémica, já a longitude pode ser calculada a partir de qualquer linha imaginária traçada de pólo a pólo – partindo-se dela para leste ou oeste. Do ponto de vista cartográfico, as várias potências marítimas foram usando vários meridianos de referência – Mercator, por exemplo, usou o da ilha do Corvo para desenhar os seus mapas. DOSSIER Fusos horários, GMT, UTC, horas do mundo… Por Fernando Correia de Oliveira, ilustração Magda Pedrosa A única hora verdadeira é a determinada pela posição do Sol, e apenas é considerada certa para o sítio onde estamos. Tudo o resto são convenções, mais ou menos afastadas da natureza. Os transportes e as comunicações criaram necessidades novas quanto ao tempo. A relojoaria tem-lhes dado respostas mais ou menos complicadas.

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Experimente fazer uma busca na Internet sobre as ilhas Diomedes. Poderá ficar surpreendido, ao descobrir um arquipélago num dos sítios mais remotos do mundo, entre a América e a Ásia, composto pela Pequena Diomedes e pela Grande Diomedes – duas ilhas separados apenas por um canal de água com cerca de 4 quilómetros. O mais interessante é que ficará ainda a saber que se passar de uma ilha para a outra, vai não só mudar de país, como também mudar de dia, pelo que terá de ter o cuidado de acertar o seu relógio...

Na verdade, enquanto a Pequena Diomedes é uma ilha americana, a Grande Diomedes é uma ilha russa e precisamente entre elas passa a Linha Internacional de Data, criando uma diferença horária de 24 horas entre dois locais com uma distância terrestre de apenas alguns quilómetros.

A Linha Internacional de Data é também chamada de antimeridiano, pois está em oposição ao meridiano zero ou de referência, que passa pelo Observatório Astronómico de Greenwich, a norte de Londres.

Quando se escolheu o meridiano zero, houve a preocupação de ver por onde passava o seu respetivo antimeridiano, ou seja, a linha onde há mudança de data, para que esta não atingisse zonas muito povoadas, dada a confusão que isso iria gerar. O antimeridiano passa essencialmente pelas águas do Pacífico e por arquipélagos mais ou menos remotos.

Foi Júlio Verne, no seu conhecido A Volta ao Mundo em 80 Dias, quem utilizou pela primeira vez as aparentes contradições do sistema de fusos horários. Quando os heróis chegam de regresso a Londres, estão no 79.º dia do calendário, e não no 80.º, pois ganharam

um dia ao andar sempre para oriente, embora tenham na realidade viajado 80.

Mas como é que começou o sistema de fusos horários?

Se, por um lado, a latitude de um lugar é sempre medida a partir da linha do Equador, o que nunca ofereceu polémica, já a longitude pode ser calculada a partir de qualquer linha imaginária traçada de pólo a pólo – partindo-se dela para leste ou oeste. Do ponto de vista cartográfico, as várias potências marítimas foram usando vários meridianos de referência – Mercator, por exemplo, usou o da ilha do Corvo para desenhar os seus mapas.

DOSSIER

Fusos horários, GMT, UTC, horas do mundo…Por Fernando Correia de Oliveira, ilustração Magda Pedrosa

A única hora verdadeira é a determinada pela posição do Sol, e apenas é considerada certa

para o sítio onde estamos. Tudo o resto são convenções, mais ou menos afastadas da natureza.

Os transportes e as comunicações criaram necessidades novas quanto ao tempo. A relojoaria

tem-lhes dado respostas mais ou menos complicadas.

Quando essa indicação é válida, em simultâneo, para todos os fusos horários, aí sim, está-se perante um relógio horas do mundo.

As horas do mundo, em relógios de bolso e de pulso, são uma complicação relativamente recente. Foi o francês Louis Cottier quem inventou o sistema. Em 1931, fabricou o primeiro relógio de bolso world timer e vendeu depois calibres a várias marcas, incluindo a Patek Philippe ou a Vacheron Constantin. O sistema, baseado num aro de 24 horas, com indicação de dia e noite, funciona com o acerto de um fuso horário em relação ao GMT (mais ou menos horas). Automaticamente, todos os restantes fusos horários ficam teoricamente acertados. Pode ainda haver um ponteiro que use como referência esse aro ou bisel, e que anda a metade da velocidade do ponteiro das horas.

O sistema inventado por Louis Cottier tem vários problemas. Por um lado, nem todos os países usam saltos de uma hora no sistema de fusos horários. Há os que usam diferenciações de meia hora, , como a Índia, e os que usam diferenças de quarto de hora. Depois, há as decisões políticas de manter vastos territórios sob o mesmo fuso horário (a República Popular da China, por exemplo) ou de alterar de um momento para o outro o regime de hora de verão e hora de inverno.

Recentemente, surgiram dois modelos que procuraram resolver de forma

mecânica a questão dos fusos horários. O Vacheron Constantin Patrimony Traditionnelle World Time é o primeiro relógio mecânico a permitir acertos de quarto de hora (por detrás deste projeto está um mestre relojoeiro luso-suíço, Jean-Paul Duarte, responsável pelo Atelier Complications da manufatura genebrina). O relógio indica 37 zonas horárias e não apenas 24. Quando, por decisão política, a Rússia decidiu não regressar à hora de inverno, no ano passado, a Vacheron Constantin viu-se obrigada a desenhar novo mostrador para o relógio e a mudar Moscovo de fuso horário, embora nada garanta que a decisão russa não venha a ser derrogada. Esteticamente, o Vacheron Constantin é muito bem conseguido, não só pelo policromado do mapa-mundo no mostrador, como também pela ideia de colocar um vidro em parte escurecido, para dar o efeito de dia e noite nas várias partes do mundo.

Já o François-Paul Journe Octa UTC, não sendo um world timer, dá de forma tradicional e com leitura analógica, tempos em dois fusos horários, sendo um deles, como é habitual, em mostrador de 24 horas. A inovação está no acrescentar de um mapa-mundo, para melhor acerto da hora de verão e de inverno.

Geralmente, pensa-se que a hora de verão é a que está mais próxima da hora verdadeira: a solar. Mas é exatamente o contrário. A hora de inverno é a que mais

se aproxima da realidade da natureza, e, no verão, os relógios estão adiantados em pelo menos uma hora em relação à hora solar. Nos anos 80, nos governos de Cavaco Silva, também Portugal decidiu não voltar à hora de inverno, ficando durante algum tempo com duas horas de desvio em relação à hora solar (UTC+1). Os protestos da sociedade civil foram imediatos (as crianças iam de madrugada para a escola, às 22 h ainda o Sol ia alto…) e tudo voltou ao sistema que ainda hoje nos rege (UTC).

Há em Portugal, especialmente nos meios económicos e financeiros, quem continue a defender que o País devia ter o tempo da Europa Central (UTC +1), como os seus principais parceiros (Espanha, Alemanha….). Mas, em Espanha, mais propriamente na Galiza, reivindica-se um fuso horário diferente do resto do país, o UTC…

O Sol, esse, continua a andar, como se nada se passasse.

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DOSSIER

Do ponto de vista de tempo, e a partir da segunda metade do século XIX, as nações começaram a usar como meridiano zero o que passava pelos respetivos observatórios astronómicos nacionais. Em Portugal, esse meridiano começou por ser o que passava pelo observatório astronómico que foi construído no início do século XIX no Castelo de São Jorge, em Lisboa (destruído em 1938, aquando obras de restauro no monumento). Ao mesmo tempo, para a zona centro e norte do país, vigorava como meridiano zero (para efeitos horários), o Observatório da Universidade de Coimbra. Só a partir de 1878 se passou a utilizar um único meridiano zero para todo o País – o do Observatório Astronómico de Lisboa.

É precisamente em 1878 que Sir Sandford Fleming, um engenheiro dos caminhos de ferro canadianos, apresenta a sua proposta de divisão do globo terrestre em 24 fusos horários, de 15 graus cada um, vigorando dentro de cada um uma mesma hora.

Por essa altura, o meridiano de Greenwich, a norte de Londres, onde estava localizado o Observatório Astronómico britânico, começava a impor-se como referência na navegação marítima. A grande resistência ao uso desse meridiano de referência à escala global vinha da França, que não só insistia em usar o meridiano do Observatório de Paris, como queria impô-lo em qualquer

convenção internacional que pudesse haver sobre o assunto.

Em carta de 23 de outubro de 1882, o Departamento de Estado norte-americano, em nome do presidente dos Estados Unidos, e através do Ministério português dos Negócios Estrangeiros, sonda Portugal sobre o seu interesse em fazer-se representar numa futura reunião, em Washington, em data a marcar.

A reunião de Washington teria um único ponto na ordem dos trabalhos: «fixing upon a meridian proper to be employed as a common zero of longitude and standard of time reckoning throughout the globe» (fixação de um meridiano apropriado a ser usado como zero comum de longitude e tempo-padrão, reconhecido em todo o Globo).

O mundo tinha agora amplas redes transnacionais de caminhos de ferro e redes transatlânticas de telégrafo, mas não dispunha ainda de um sistema global de coordenadas geográficas ou temporais. Era urgente chegar-se a um acordo.

Nessa Conferência de Washington, em que Portugal não participou, aprovou-se, por larga maioria, o uso do meridiano de Greenwich como referência. Para fins geográficos e temporais. Rapidamente as nações representadas começaram a mudar o seu sistema nacional de Hora, passando a usar Greenwich como meridiano zero de referência, substituindo-o, assim, ao seu meridiano

zero nacional. A França viria a fazê-lo apenas a 11 de março de 1911 (nesse sábado, os relógios franceses atrasaram 9 minutos e 21 segundos, a diferença horária correspondente em graus entre os meridianos de Paris e de Greenwich). E Portugal, só viria a fazê-lo a 1 de janeiro de 1912, quando os relógios nacionais foram adiantados de 36 minutos e 44,68 segundos a partir das 00h 00 desse dia.

A relojoaria e os fusos horáriosComo é lógico, a relojoaria não poderia ficar indiferente ao regime dos fusos horários e ao conceito de Tempo Universal.

Há uma certa confusão, ainda hoje, nos termos utilizados quando nos referimos à função de indicação de tempos suplementares. Quando o relógio dá apenas dois tempos, falamos da função GMT ou dual time. Muitas vezes, relógios que apenas nos dão essa indicação são apelidados erradamente de worldtimers ou horas do mundo.

Os relógios mecânicos de pulso dão-nos hoje até três tempos simultâneos em fusos horários diferentes. Trata-se de uma complicação relativamente… simples, se assim se pode dizer. A função GMT exige um ponteiro suplementar das horas, que se acerta independentemente dos outros ponteiros. Um terceiro fuso horário surge algumas vezes, mediante uma leitura suplementar noutra escala.

Experimente fazer uma busca na Internet sobre as ilhas Diomedes. Poderá ficar surpreendido, ao descobrir um arquipélago (...) entre a América e a Ásia, composto pela Pequena Diomedes e pela Grande Diomedes – duas ilhas separados apenas por um canal de água com cerca de 4 quilómetros. O mais interessante é que ficará ainda a saber que se passar de uma ilha para a outra, vai não só mudar de país, como também mudar de dia, pelo que terá de ter o cuidado de acertar o seu relógio... Na verdade, enquanto a Pequena Diomedes é uma ilha americana, a Grande Diomedes é uma ilha russa (...)

DOSSIER

Vacheron Constantin Patrimony Traditionnelle Horas do MundoReferência: 86060/000R-9640Movimento: 2460 WT de corda automática, reserva de corda de 40 horas, 28’800 vph.Funções: Horas, minutos, segundos centrais, indicação de dia/noite, hora mundialCaixa Ø 42.50mm: Ouro rosa 18 kt 5 N, estanque até 30 metros.Bracelete: Pele de aligátor com fecho dobrávelPreço: € 40.600

François-Paul Journe Octa UTCReferência: FPJ.OUTC(40)OV.VMovimento: Mecânico de corda automática FPJ 1300-3 em ouro rosa 18kt Funções: Horas, minutos, disco descentrado dos fusos horários, pequenos segundos, mostrador da terra dividido em fusos horários, hora de verão/inverno, grande data, indicação da reserva de corda Mostrador: ouro vermelhoCaixa Ø 40mm: ouro vermelho, vidro e fundo em safiraBracelete: Pele de crocodilo com fivela em ouroPreço: € 42.540

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Porsche Design P’750 WorldtimerReferência: 6750.6944.180Movimento: Mecânico de corda automática.Funções: Horas, minutos, segundos e segundo fuso horário à escolha mediante ajuste exclusivo patentado Porsche Design. Caixa Ø 45mm: Ouro rosa 18 kt. vidro de safira estanque até 100 metros.Bracelete: Cauchu com fecho de báscula em ouro rosa 18 kt.Preço: € 18.500

Jaeger-LeCoultre Master Compressor RenascerReferência: Q177.247.BMovimento: Mecânico de corda automática JLC 912Funções: Horas, minutos, segundos, data, horas universais com indicação da hora de Luanda, no lugar de Paris, e alarme com horas e minutos.Caixa Ø 46,3mm: Interior em titânio e exterior em ouro rosa de 18 kt, vidro de safira, estanque até 100 metros. No fundo o mapa de Angola no qual será cravado um diamante no local de nascimento do proprietário.Bracelete: Pele de aligator com fecho de báscula em ouro rosa de 18 quilates personalizado com a gravação da assinatura do proprietário. Fornecido com uma segunda bracelete em cauchu com fivela em ouro rosa de 18 kt.Preço: € 29.520