DRDufour - EgoGregarismo

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DRDUFOUR EGO GREGARISMO

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DRDUFOUR

EGO

GREGARISMO

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Isso pode levá-lo a um modo de ser que, além dos conflitos, o leva à depressão

ou a um comportamento. “esquizóide” segundo a expressão de Gilles Deleuze assim

analisada por Dany-Robert Dufour:

“É notável que, nas premissas da vaga neoliberal, Deleuze tenha podido acreditar ultrapassar o capitalismo (...) jogando-lhe entre as pernas essa figura do esquizofrênico que podia desregular e enlouquecer os fluxos normatizados. (...) O que Deleuze não tinha visto, que vemos porém hoje, é que seu programa, longe de permitir a superação do capitalismo, somente antecipava seu curso.(...) É preciso, de fato, que os fluxos de mercadorias circula cada vez mais rapidamente e largamente, e eles poderão fazer isso melhor desde que o velho sujeito crítico kantiano e o velho sujeito freudiano com suas fixações neuróticas serão substituídos por um ser aberto a todas as conexões. Penso que Deleuze foi alcançado pelo novo capitalismo quando esse se deu conta que as instituições de controle que ele tinha estabelecidas (...) produziam sujeitos proprietários de si mesmo além da conta. Ele entendeu então que ele devia quebrar essas instituições (aconteceu então a desregulação e a desinstitucionalização) para produzir um sujeito esquizóide.”1

Individualismo ou “egoísmo gregário”?

A fórmula é de Dany-Robert Dufour que escreve:

“Mais do que individualistas, estamos então numa época de promoção do egoísmo, de produção do ego tanto mais cegos ou cegados que as pessoas não percebem o quanto eles podem ser arrebanhados em conjuntos massificados. Dizendo de um modo diferente, vemos egos, quer dizer pessoas que se acham iguais e que, na realidade, passaram debaixo do controle do que é preciso chamar “o rebanho”. (...) Mas onde está a necessidade dessa mentira? Por que deve cada um fazer si próprio acreditar que é livre quando se vive em rebanho? Porque fazer os outros acreditarem que são livres quando serão organizados em manada? A resposta é simples. É preciso que cada um se dirija livremente para as mercadorias que o bom sistema de produção capitalista fabrica para ele. Digo bem “livremente” porque, forçado, ele resistiria.(...) A pressão permanente para consumir deve ser redobrada por um discurso incessante de liberdade, de uma falsa liberdade evidentemente, entendida como permitindo de fazer “tudo o que se quer”. Esse duplo discurso é exatamente o das democracias liberais, sejam elas de direita ou de esquerda. É pelo egoísmo que precisa apanhar os indivíduos para colocá-los em rebanho, porque é o meio mais econômico e mais racional de alargar sempre mais as bases de consumo de um conjunto de pessoas, em permanência conduzidas por necessidades reais ou, na maioria das vezes, supostas. Nossa sociedade está, portanto, inventando um novo tipo de agregado social colocando em jogo uma estranha combinação de egoísmo e de gregarismo. Eu designaria essa nova realidade com o oximoro de formação “ego-gregária”.”2

Essa denominação testemunha do fato de que os indivíduos vivem separados

uns dos outros, o que favorece seu egoísmo, embora ligados uns aos outros num modo

1 DUFOUR, Dany-Robert, Le divin marché, la revolution culturelle libérale, Paris, Denoël, 2007 p. 172

2 DUFOUR, Dany-Robert, Le divin marché, la revolution culturelle libérale, Paris, Denoël, 2007 p. 26-27. A

grafia é do autor.

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virtual notadamente graças, por exemplo, à televisão, Internet e às mensagens hoje

veiculadas pelos celulares. A televisão, nota o nosso autor, muda os contornos do espaço

doméstico, enfraquecendo o papel, já reduzido, da família real e criando uma espécie de

família virtual que se adiciona à precedente. Seria uma espécie de “terceiro parente”,

escreve Dufour citando vários estudos norte-americanos3. Ela constitui também os que a

assistem numa grande família onde as pessoas aprendem a se conhecer, no duplo

sentido de conhecer uns aos outros e de conhecer a si mesmo: assim muitos estão

dispostos a se expor publicamente na busca de uma hipotética melhoria do “auto-

conhecimento” proporcionada pela ajuda fervorosa do apresentador-guru de plantão.

Essa família do Big Brother pode ser recomposta a vontade pelo uso criterioso do

paredão!

Tudo isso porém,

“não passa de um ardil atrás do qual se esconde a única realidade consistente, a audiência (uma audiência fidelizada pelo simulacro), medida, retalhada em partes para poder ser vendida e comprada no Mercado das industrias culturais.

Tudo isso foi expresso muito claramente por Patrick Le Lay, presidente do

canal TF1:

“Nossos programas têm por vocação tornar [o cérebro do telespectador] disponível: quer dizer diverti-lo, relaxá-lo para prepará-lo entre duas mensagens. O que vendemos para Coca Cola, é o tempo de cérebro humano disponível. Nada mais difícil do que obter essa disponibilidade.”4

Nessa altura da análise, Dufour propõe uma distinção entre individuação e

individualização:

“faço questão de distinguir a individuação da individualização – concedo que os termos são arbitrários, mantenho, porém, que a diferença é bem real. Defino a individuação como o que permite de contar-se como um no “rebanho”. E a individualização, quer dizer o verdadeiro individualismo, como o que implica a saída do “rebanho” e o desabrochar de um sujeito autônomo, ousando falar e pensar no seu próprio nome.”5

Uma das modalidades de individuação seria, segundo o autor, a necessidade

de tornar-se famoso. Essa necessidade está ligada a uma grande preocupação com a

conformidade: só posso tornar-me famoso e conseguir os votos, por exemplo para

manter-me na “casa mais vigiada do país”, apresentando o maior número possível de

traços de identificação com o público. Torno-me famoso na medida em que respondo

3 Ibid. p. 30

4 Citado por DUFOUR, op. cit. p. 38, esse trecho de um comentário feito pelo executivo pode ser encontrado

em Les dirigeants face au changement, Paris, Éditions du Huitième Jour, 2004 p. 92 5 DUFOUR,op. cit. p. 50

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mais rapidamente ao que os outros querem de mim e posso escapar do vazio deixando o

rebanho dos que assistem para a “família” dos que são assistidos.

Último ponto importante: quando assisto à televisão, estou expondo-me ao

olhar do Outro:

“O habitual “vou relaxar um momento assistindo televisão” é, portanto, falacioso. Porque, então, é o Outro que olha você, e não somente você, porque ele olha ao mesmo tempo cada membro do rebanho. Porque, evidentemente, todos esses olhos cegos da televisão, espetados nos membros do rebanho virtual, são interconectados entre si. O que compõe uma imensa rede onde cada um está constantemente exposto e olhado por quem ele olha para ser diretamente conduzido em direção das fontes onde esse Outro quer que ele vá alimentar-se e desalterar-se com seus congêneres do rebanho. (...) Cada um é, portanto, intensamente olhado pelo que ele olha.”6

Assim, quem é assistido faz olhar cada um em determinadas direções muito

precisas que prometem a felicidade pela satisfação generalizada e automática de

determinadas necessidades, devidamente catalogadas e previsíveis. O preço a pagar,

segundo o autor, pode ser a renuncia ao processo de individualização (tal como ele a

definiu) e a generalização de uma relação de mentira consigo mesmo e com os outros.

6 DUFOUR, op. cit. p. 57