EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

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    EFETIVAO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

    Por Marina Moura Pimentel do Nascimento

    INTRODUO

    So os direitos sociais que mais tm suscitado controvrsias no que diz respeito a sua

    eficcia e efetividade, inclusive quanto problemtica da eficincia e suficincia dos

    instrumentos jurdicos disponveis para lhes outorgar a plena realizao. Constitui um

    paradoxo que o Brasil esteja entre os dez pases com maior economia do mundo e possua

    uma constituio extremamente avanada no que diz respeito aos direitos sociais, enquanto

    uma grande parcela de seus habitantes continuam vivendo abaixo da linha de pobreza. A

    maioria dessas pessoas no encontram um atendimento de qualidade mnima nos servios

    pblicos de sade, assistncia social vivem em condies precrias de habitao,

    alimentam-se mal ou at passam fome.

    A Constituio do Brasil sempre esteve numa relao de tenso para com a realidade vital da

    maioria dos brasileiros e contribuiu muito pouco para o melhoramento da sua qualidade de

    vida. Encontram-se em contradio flagrante a pretenso normativa dos direitos

    fundamentais sociais e o evidente fracasso do Estado brasileiro como provedor dos servios

    essenciais a vasta maioria da sua populao. Discute-se, cada vez mais, a complexidade do

    processo de transformao dos preceitos do sistema constitucional mediante realizao de

    programas e polticas governamentais.

    A doutrina constitucional questiona criticamente o empenho dos poderes pblicos em

    implementar as polticas relativas aos direitos fundamentais sociais e aos princpios

    fundamentais da dignidade da pessoa humana e erradicao da pobreza, consagrados na

    Constituio de 1988.

    Ao mesmo tempo, surge a questo: est o Poder Judicirio brasileiro preparado para exercer

    um papel mais expressivo no controle das polticas pblicas? A jurisprudncia e parte da

    doutrina do pas tm aderido a teorias estrangeiras sobre a aplicao e eficcia dos direitos

    sociais, que nem sempre se prestam a ser empregadas no Brasil.

    2. OS DIREITOS SOCIAIS COMO DIREITOS FUNDAMENTAIS

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    Os direitos fundamentais sociais no so direitos contra o Estado, mas direitos por meio do

    Estado, exigindo do Poder Pblico certas prestaes materiais. O Estado, por meio de leis,

    atos administrativos e da criao real de instalaes de servios pblicos, deve definir,

    executar e implementar, conforme as circunstncias, as chamadas polticas sociais(educao, sade, assistncia, previdncia, trabalho, habitao) que facultem o gozo efetivo

    dos direitos constitucionalmente protegidos.

    As normas constitucionais programticas sobre direitos sociais que hoje encontramos na

    maioria dos textos constitucionais dos pases europeus e latino-americanos definem metas e

    finalidades as quais o legislador ordinrio deve elevar a um nvel adequado de concretizao.

    Essas normas-programa

    prescrevem a realizao por parte do Estado, de determinados fins e tarefas; no entanto,

    elas no representam meras recomendaes ou preceitos morais com eficcia tico-polticameramente diretiva, mas constituem direito diretamente aplicvel.

    Segundo Pontes de Miranda, as normas constitucionais programticas so dirigidas aos trs

    poderes estatais: elas informam os parlamentos ao editar as leis, bem como a Administrao

    e o Judicirio ao aplic-las, de ofcio ou contenciosamente. A legislao, a execuo e a

    prpria jurisdio ficam sujeitas a esses ditames, que so como programas dados sua

    funo .

    Sem dvida, as normas sociais programticas requerem uma poltica pertinente satisfao

    dos fins positivos nela indicados.

    Vale ressaltar, que os direitos fundamentais sociais na Constituio brasileira esto longe de

    formarem um grupo homogneo no que diz respeito a seu contedo e forma de sua

    positivao. O constituinte no seguiu, na sua composio, nenhuma linha ou teoria

    especfica, mas acabou criando um captulo bastante contraditrio no tocante relao

    interna dos direitos e garantias.

    A Constituio confere ao legislador uma margem substancial de autonomia na definio da

    forma e medida em que o direito social deve ser assegurado.

    Em princpio, o Poder Judicirio no deve intervir em esfera reservada a outro Poder para

    substitu-lo em juzos de convenincia e oportunidade, querendo controlar as opes

    legislativas de organizao e prestao, a no ser, excepcionalmente, quando haja uma

    violao evidente e arbitrria, pelo legislador, da incumbncia constitucional.

    No entanto, parece necessria a reviso do vetusto dogma da separao dos poderes em

    relao ao controle dos gastos pblicos e da prestao dos servios sociais bsicos no Estado

    Social, visto que os Poderes Legislativo e Executivo no Brasil se mostram incapazes de

    garantir o cumprimento racional dos respectivos preceitos constitucionais. No obstante se

    falar aqui da efetividade dentro de uma reserva do possvel, para significar a dependncia

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    dos direitos econmicos, sociais e culturais dos recursos econmicos, a efetivao dos

    direitos econmicos no se reduz a um simples apelo ao legislador. Imbricam-se, portanto,

    os dois caminhos o da efetividade normativa (aplicabilidade) com a da efetividade material

    (concretizao).

    3. NORMAS PROGRAMTICAS SOBRE DIREITOS SOCIAIS: MERO SIMBOLISMO?

    Questiona-se se um direito ainda pose ser chamado de direito quando o seu

    reconhecimento e sua efetiva proteo so adiados sine die, alm de confiados vontade de

    sujeitos cuja obrigao de executar um programa apenas uma obrigao moral ou, no

    mximo, poltica.

    Limitar normas constitucionais a expressar a realidade de fato seria a sua negao. Mas o

    direito tem seus prprios limites e por isso no deve normatizar o inalcanvel; ele se forma

    com elementos colhidos na realidade que precisam de ressonncia no sentimento social. O

    equilbrio entre esses dois extremos que conduz a um ordenamento jurdico eficaz.

    Reconhece-se que promessas constitucionais exageradas mediante direitos fundamentais

    sociais sem a possibilidade real da sua realizao so capazes de levar a uma frustrao

    constitucional, o que desacredita a prpria instituio da Constituio como sistema de

    normas legais vigentes e pode abalar a confiana dos cidados na ordem jurdica como um

    todo.

    Os direitos fundamentais da Carta de 1988 exercem um importante papel, cumprindo, ao

    lado de sua funo jurdico- normativa, uma funo sugestiva, apelativa, educativa e

    conscientizadora. Em muitos dispositivos, h uma exacerbao intencional do preceito

    normativo alm do limite da sua exeqibilidade racionalmente possvel.

    Sua supresso do texto constitucional enfraqueceria aposio dos integrantes da sociedade

    civil organizada na reivindicao desses direitos junto aos governos federal,estaduais e

    municipais. Uma concepo material de Constituio d valor tambm aos efeitos polticos e

    culturais da Carta mediante incluso de princpios programticos que necessitam de umaconcretizao posterior.

    Dessa forma, a Constituio deixa de servir somente como ordem jurdica de procedimento

    para o poder estatal, mas assume tambm a funo de um documento para a integrao da

    comunidade para a formao de conscincia poltica.

    4. FALHAS NA PRESTAO DOS SERVIOS PBLICOS BSICOS

    A eficcia social reduzida dos direitos fundamentais sociais no se deve falta de leis

    ordinrias; o problema maior a no-prestao real dos servios sociais bsicos pelo PoderPblico. A grande maioria das normas para o exerccio dos direitos sociais j existe. O

    problema parece estar na formulao, implementao e manuteno das respectivas

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    polticas pblicas e na composio dos gastos nos oramentos da Unio, Estados e

    Municpios.

    Onde j foi implantado o servio pblico necessrio para a satisfao de um direito

    fundamental, a sua no prestao pode ser atacada com o mandado de segurana. A

    situao se torna mais complicada onde o Poder Pblico mantm-se inerte, no instalou os

    servios necessrios ou onde os mesmos funcionam precariamente (omisso parcial ou total

    ex.: hospitais pblicos).

    Os direitos fundamentais sociais educao e sade no so simplesmente normas

    programticas, mas foram regulamentados por meio do estabelecimento expresso de

    deveres do Estado e, correspondentemente, de direitos subjetivos dos indivduos. O direito

    educao, est definido como dever do Estado e da famlia no art. 205 da CF/88,

    especificando, em seguida, no art. 208 do mesmo diploma legal, sua forma de efetivao. Odireito sade, por sua vez, sofreu uma regulamentao constitucional menos forte. Nos

    artigos 196 a 200 da Carta, no consta que ele seja um direito subjetivo pblico, nem que

    haja responsabilidade da autoridade quando da falta ou insuficincia do servio. A qualidade

    dos servios pblicos de sade depende do fornecimento de remdios, vagas, e leitos nos

    hospitais, da contratao de mdicos especializados, de enfermeiros suficientes, etc.

    Questiona-se, assim, se a tolerncia da deteriorao ou no-estruturao de um servio

    social bsico pode ser questionada na justia. Outro problema o da no-execuo dos

    oramentos pblicos, isto , a no aplicao, por parte dos agentes do Poder Executivo nostrs nveis federativos, dos recursos financeiros previstos pela lei oramentria para

    determinadas tarefas e servios pblicos.

    Constata-se que ainda so poucos os meios jurdicos eficientes para combater a m

    aplicao dos recursos pblicos.

    Nesse contexto, aes de improbidade administrativa

    normalmente no procedem. A ao popular em defesa da moralidade administrativa

    igualmente apresenta grandes dificuldades. O controle dos Tribunais de Contas, ondehouver, restringe-se aos aspectos formais dos gastos.

    5. EFICCIA DOS DIREITOS SOCIAIS- APLICABILIDADE IMEDIATA DOS DIREITOS

    FUNDAMENTAIS SOCIAIS?

    As normas sobre direitos fundamentais so de aplicao imediata, conforme disposto no art.

    5., 1. da Constituio Federal. Esse dispositivo serve para salientar o carter preceptivo e

    no-programtico dessas normas, deixando claro que os direitos fundamentais podem ser

    imediatamente invocados, ainda que haja falta ou insuficincia de lei. O seu contedo no

    precisa ser concretizado por lei; eles possuem um contedo que pode ser definido na

    prpria tradio da civilizao ocidental.

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    A sua regulamentao legislativa, quando houver, nada acrescentar de essencial: apenas

    pode ser til pela certeza e segurana que criar quanto s condies de exerccio dos direitos

    ou quanto de limitao frente a outros direitos.

    Acentuada a preocupao da Constituio em conferir aplicabilidade imediata a seus

    preceitos, no sendo mais admissvel exigir-se do destinatrio da norma que aguarde, em

    espera indefinida, a confeco das normas regulamentadoras faltantes. Se assim o fosse,

    configurar-se-ia verdadeira subverso da ordem jurdica, apresentando-se a omisso do

    legislador infraconstitucional mais eficaz que a atuao do constituinte, a inexistncia de

    norma regulamentadora mais vinculante que a existncia de norma constitucional.

    O legislador ordinrio, ao concretizar os direitos fundamentais, goza de uma relativa

    liberdade de conformao, sendo esta bem maior relativamente a normas programticas.

    Em relao aos direitos sociais, o dispositivo de aplicao imediata no ganha importnciamaior, visto que esses devem ser tratados de maneira diferente dos direitos clssicos na

    defesa contra o poder estatal. O art. 5., 1., impe aos rgos estatais a tarefa de

    maximizar a eficcia dos direitos fundamentais, tornando concreta a sua realizao,

    acentuando o papel da Constituio enquanto instrumento a favor do desenvolvimento

    social.

    Por eficcia jurdica entendemos a capacidade de uma norma constitucional para produzir

    efeitos jurdicos. A efetividade, por sua vez, significa o desempenho concreto da funo

    social do Direito; representa a materializao, no mundo dos fatos, dos preceitos legais esimboliza a aproximao entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social. H, ainda,

    que se abordar o princpio da proibio de retrocesso. Os defensores desta concepo,

    dentre os quais Gomes Canotilho, sustentam que aps sua concretizao em nvel

    infraconstitucional, os direitos fundamentais sociais assumem, simultaneamente, a condio

    de direitos subjetivos a determinadas prestaes estatais e de uma garantia institucional, de

    tal sorte que no se encontram mais na esfera de disponibilidade do legislador, no sentido

    de que os direitos adquiridos no mais podem ser reduzidos ou suprimidos, sob pena de

    flagrante infrao do princpio da proteo da confiana, que, de sua parte, implica a

    inconstitucionalidade de todas as medidas que inequivocadamente venham a ameaar opadro de prestaes j alcanado.

    Assim, os direitos fundamentais sociais concretizados assumem a condio de verdadeiros

    direitos de defesa, na medida em que justificam o recurso proteo judicial contra os atos

    dos poderes pblicos que tenham por objetivo sua reduo ou mesmo sua destruio.

    Conclui-se, salientando que a nova ordem constitucional vem a instaurar aos preceitos

    programticos uma fora obrigatria e vinculante, geradora de direitos subjetivos e

    asseguradora de sua eficcia essencialmente positiva.

    6. A DOUTRINA ALEM DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUA RECEPO NO BRASIL

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    As instituies jurdico constitucionais de um povo somente podem ser compreendidas a

    partir das idias morais e dos princpios polticos que o animam e do sentido histrico com

    que se desenvolveram. Atravs da Sociologia do Direito deve-se analisar o real

    funcionamento e feitos das instituies jurdicas como os Direitos Fundamentais nosdiferentes mbitos sociais, as quais de longe, podem parecer muito semelhantes. Ordens

    jurdicas concretas no representam apenas variantes distintas da realizao dos mesmos

    direitos e princpios; nelas refletem-se tambm diferentes paradigmas jurdicos.

    O mesmo texto constitucional ou um direito fundamental concreto pode ter contedos bem

    diversos de um pas para outro. Esse fenmeno de recepo no se limita s ordens ou

    instituies constitucionais, mas inclui igualmente a jurisprudncia das Cortes e as doutrinas

    e teorias, devendo ser necessariamente um processo criativo.

    Nesse ponto, de suma importncia ressaltar que a recepo de um conceito jurisprudencialoriundo de um outro sistema jurdico capaz de atribuir ao mesmo a aparncia de um

    princpio geral ou universal que foi meramente descoberto, e no voluntariamente criado

    pelos juzes do pas receptor, aumentando assim a legitimidade da deciso; isto acontece

    especialmente nos casos de um texto constitucional pouco claro.

    A dogmtica constitucional alem certamente , em muitos aspectos transponvel ou

    adaptvel para o Brasil, j que muitos preceitos e formulaes das Cartas de 1988 e

    anteriores foram fortemente inspirados pela lei fundamental de 1949.

    O modelo de Estado Social vigente na Alemanha de hoje tem como pontos bsicos a

    industrializao, a tecnologia, a comunicao e a racionalidade na gesto dos servios

    pblicos. O Estado no chamado somente para preservar e proteger o funcionamento livre

    da ordem econmica, mas para desenhar e planejar a vida social e o futuro da sociedade

    como um todo.

    Esse tipo de Estado Social j ultrapassa nas suas finalidades e pretenses o modelo clssico

    do Welfare State e procura a harmonia entre num lado idias liberais e de uma economia

    livre e , no outro, a igualdade de chances e a distribuio de riquezas. Estes novos desafios

    provocados sobretudo pelo progresso das cincias naturais cada vez mais dominantes pem

    em cheque toda a estrutura procedimental e a racionalidade material do Estado de Direito

    na ps moderninade.

    7. A NO INCLUSO DE DIREITOS SOCIAIS NA LEI FUNDAMENTAL DE BONN: SOLUES DA

    DOUTRINA ALEM

    A lei fundamental da repblica Federal da Alemanha (de 1949) no incorporou nenhum

    ordenamento sistemtico dos direitos sociais da segunda gerao, fato que se deve s ms

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    experincias com a Carta anterior de Weimar. Essa Constituio de 1919 tida , no mundo

    inteiro, como uma das primeiras Cartas que incorporam os direitos sociais a prestaes

    estatais no seu texto.

    No entanto, para a doutrina constitucional alem ps- guerra, ela serve como modelo de

    uma Carta fracassada que, inclusive, contribuiu para a radicalizao da poltica desse pas

    nos anos 20 e a tomada do poder pelos nazistas em 1993.

    Os modernos artigos da Carta de Weimar sobre os direitos sociais foram ridicularizados

    por parte dos integrantes da extrema-direita e esquerda poltica, como promessas vazias do

    Estado burgus e contos de lenda. Como conseqncia, o legislador fundamental de 1949

    renunciou deliberadamente formulao de normas que conferem direitos subjetivos a

    prestaes positivas por parte do Estado. Por outro lado, quase todas as constituies dos

    dezesseis estados federados alemes (Lnder) contm direitos sociais.

    A maioria dos autores alemes de dirige contra Direitos Fundamentais Sociais na

    constituio, porque estes seriam, na sua maioria, no realizveis na atualidade por parte do

    Estado, provocando a impresso do cidado de que todo texto constitucional seria nada

    mais do que uma construo de frases ou um catecismo popular, cheio de utopias que

    resultaria na perda da normatividade da Carta e da sua fora de estabelecer valores. O medo

    do igualitarismo e coletivismo de um estado Social que ameaa o Estado de Direito e tende a

    afogar as liberdades individuais um trao comum de partes expressivas da doutrina alem

    do Direito Pblico ps- guerra e tem sua base nas experincias amargas com o Estadoditatorial nazista e os regimes do socialismo real do Leste Europeu durante a Guerra Fria,

    especialmente a Repblica Democrtica Alem.

    No Estado moderno, os Direitos Fundamentais clssicos esto cada vez mais fortemente

    dependentes da prestao de determinados servios pblicos, sem os quais o indivduo sofre

    srias ameaas de sua liberdade. Os Direitos Fundamentais de defesa somente podem ser

    eficazes quando protegem, ao mesmo tempo, as condies materiais mnimas necessrias

    para a possibilidade da sua realizao.

    A doutrina moderna d nfase em afirmar que qualquer Direito Fundamental constitucional

    seja ele direito civil e poltico ou econmico, social e cultural contm, ao mesmo tempo,

    componentes de obrigaes positivas e negativas para o Estado. Nessa viso, a tradicional

    diferenciao entre os direitos da primeira e os da segunda gerao meramente

    gradual, mas no substancial, visto que muitos dos Direitos Fundamentais tradicionais foram

    reinterpretados como sociais, perdendo sentido as distines rgidas.

    A no-incluso de direitos sociais na Lei Fundamental alem, no entanto, no significa uma

    recusa do seu iderio subjacente. Assim, o conceito do Estado Social, representa uma

    norma fim de Estado que fixa, de maneira obrigatria, as tarefas e a direo da atuaoestatal presente e futura, sem, no entanto, criar direitos subjetivos para sua realizao. A

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    doutrina alem se refere a essas normas constitucionais como mandados e no

    propriamente direitos.

    O texto da Lei Fundamental brasileira ao contrrio da alem no permite tal interpretao. O

    Poder Constituinte de 1988, face aos enormes desafios do poder pblico na rea social,

    inseriu uma vasta gama de direitos sociais, localizando-os no Captulo II do Ttulo II da Carta,

    denominando Dos direitos e Garantias Fundamentais. Segundo todas as regras de

    interpretao, esses direitos sociais, no Brasil, so tambm fundamentais,com todas as

    conseqncias dessa sua natureza.

    8. A FALCIA DA RESERVA DO POSSVEL: FRUTO DE UM DIREITO CONSTITUCIONAL

    COMPARADO EQUIVOCADO

    A interpretao dos direitos sociais no uma questo lgica, mas de conscincia social de

    um sistema jurdico como um todo. Canotilho v a efetivao dos direitos sociais,

    econmicos e culturais dentro de uma reserva do possvel e aponta a sua dependncia dos

    recursos econmicos. Nessa viso, a limitao dos recursos pblicos passa a ser considerada

    verdadeiro limite ftico efetivao dos direitos sociais prestacionais.

    Segundo o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, esses direitos a prestaes

    positivas esto sujeitos reserva do possvel no sentido daquilo que o indivduo, de

    maneira racional, pode esperar da sociedade.

    Para no precisar negar por completo a efetividade dos direitos sociais sob o argumento dareserva do possvel, Amaral recomenda a exigncia de que o Estado demonstre,

    judicialmente, que tem motivos fticos razoveis para deixar de cumprir, concretamente, a

    norma constitucional assecuratria de prestaes positivas; demonstrada a

    ponderabilidade dessas razes, no poderia o Judicirio se substituir ao Administrador.

    No Brasil, como em outros pases perifricos, justamente a questo de analisar quem

    possui a legitimidade para definir o que seja o possvel na rea das prestaes sociais

    bsicas face composio distorcida dos oramentos dos diferentes entes federativos. O

    condicionamento da realizao de direitos econmicos, sociais e culturais existncia decaixas cheios do Estado significa reduzir a sua eficcia a zero, a subordinao aos

    condicionantes econmicos relativiza sua universalidade, condenando-os a serem

    considerados direitos de segunda categoria.

    O mundo em desenvolvimento ou perifrico de que o Brasil (ainda) faz parte, significa uma

    realidade especfica e sem precedentes, qual no se podem descuidadamente aplicar as

    teorias cientficas nem as posies polticas transladas nos pases ricos. Assim, a discusso

    europia sobre os limites do Estado Social e a reduo de suas prestaes e a conteno dos

    respectivos direitos subjetivos no pode absolutamente ser transferida para o Brasil, onde o

    Estado Providncia nunca foi implantado. Nesse ponto, importante ressaltar tambm que

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    no podemos igualar a densidade normativa de todos os direitos sociais, que se define por

    condies e pressupostos econmicos bem diferenciados.

    Segundo von Mnch, a qualidade de uma constituio no se define pela sua pletora de

    dispositivos, mas pela sua credibilidade.

    Na base do acima exposto, fica claro que uma transferncia mal refletida do conceito da

    reserva do possvel de do entendimento dos direitos sociais como mandados (e no

    legtimos Direitos Fundamentais) constituiria uma adoo de solues estrangeiras, nem

    sempre coerentes com as verdadeiras necessidades materiais do pas, que, h muitas

    dcadas, pode ser observada na elaborao judiciria brasileira.

    9. O PADRO MNIMO SOCIAL PARA UMA EXISTNCIA DIGNA: GARANTIA EFETIVA PARAOS INDIGENTES?

    Os defensores de uma interpretao progressiva dos Direitos Fundamentais sociais alegam a

    sua qualidade como direitos subjetivos perante o Poder Pblico, obrigando-o a prestar

    determinados servios de bem-estar social, os quais devem ser realizados de maneira

    progressiva.

    Segundo a teoria do Estado Social, o Poder Pblico tem o dever de transpor as liberdades da

    Constituio para a realidade constitucional. Na vida moderna, que regida pela tecnologia

    e a indstria, a prestao dos servios pblicos se torna cada vez mais importante para o

    exerccio dos direitos sociais (escolas, cultura, comunicaes, fornecimento de energia, gua,

    transportes). Onde o Estado cria essas ofertas para a coletividade, ele deve assegurar a

    possibilidade de participao do cidado. Onde a legislao no concede um direito expresso

    ao indivduo de receber uma prestao vital, ele pode recorrer ao direito fundamental da

    igualdade em conexo com o princpio do Estado Social. Dessa maneira, os direitos

    fundamentais da primeira gerao foram tomados como fonte de direitos subjetivos a

    prestaes positivas do Estado. A teoria que liga a prestao do mnimo social aos direitos

    fundamentais de liberdade (primeira gerao) fruto da doutrina alem ps-guerra quetinha de superar a ausncia de qualquer direito fundamental social na Lei Fundamental de

    Bonn, sendo baseada na funo de estrita normatividade e jurisdicionalidade do texto

    constitucional. Assim, a Corte Constitucional Alem extraiu o direito a um mnimo de

    existncia do princpio da dignidade da pessoa humana, do direito vida e integridade

    fsica, mediante interpretao sistemtica junto ao princpio do Estado Social. No h

    dvidas que ela parte de um direito fundamental a um mnimo vital. Ao mesmo tempo, a

    Corte deixou claro que esse padro mnimo indispensvel no poderia ser desenvolvido

    pelo Judicirio como sistema acabado de soluo, mas por meio de uma casustica gradual e

    cautelosa. A teoria do mnimo existencial, que tem a funo de atribuir ao indivduo umdireito subjetivo contra o Poder Pblico em casos de diminuio da prestao dos servios

    sociais bsicos que garantem a sua existncia digna, at hoje foi pouco discutida na doutrina

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    constitucional brasileira e ainda no foi adotada com as suas conseqncias na

    jurisprudncia do pas.

    Lbo Torres quer ligar o conceito do mnimo social ao status positivus libertatis,

    entendendo-o como conditio sine qua non s condies iniciais da liberdade. Citando a

    doutrina constitucional alem, ele alega que, sem o mnimo necessrio existncia, cessaria

    a possibilidade da prpria sobrevivncia. Esse mnimo garantido nas condies materiais de

    existncia estaria baseado no prprio conceito da dignidade humana. De um lado vlida a

    tentativa do autor de fecundar, dentro da doutrina brasileira, o princpio fundamental da

    dignidade da pessoa humana, expresso no art. 1., III da CF/88, visto que jurisprudncia e

    doutrina ainda no criaram linhas firmes de interpretao desses princpios. Ao mesmo

    tempo, o autor reconhece que os direitos fundamentais e o mnimo existencial, nos pases

    em desenvolvimento, tm uma extenso maior do que nas naes ricas, pela necessidade da

    proteo estatal aos bens essenciais sobrevivncia das populaes miserveis e que as

    pretenses dos pobres assistncia social requerem a interpretao extensiva .

    Contrariamente ao entendimento da Corte Constitucional Alem, h autores brasileiros,

    como Lus Roberto Barroso, que sustentam que esse padro mnimo no cumprimento das

    tarefas estatais poderia, sem maiores problemas, ser ordenado por parte do Judicirio, o

    que deixa de acontecer devido apenas a motivos ideolgicos e no jurdico-racionais.

    10. EST VIVA A CONSTITUIO DIRIGENTE?

    Na sua obra Constituio Dirigente e Vinculao do Legislador, publicada em 18982,

    Canotilho defendia a tese que as normas programticas constitucionais sobre direitos

    sociais, econmicos e culturais seriam capazes de obrigar o legislador a criar as respectivas

    leis ordinrias que fixassem as prestaes positivas e o Poder Executivo a oferecer os

    servios e prestaes para realizao dos preceitos constitucionais. Ao mesmo tempo, o

    autos no quis permitir a reduo dos direitos sociais a um simples apelo ao legislador,

    mas os entendeu como verdadeira imposio constitucional, legitimadora de

    transformaes econmicas e sociais, na medida em que estas forem necessrias para a

    efetivao desses direitos. Ultimamente Canotilho revidou esse seu posicionamento

    declarando-se agora adepto de um constitucionalismo moralmente reflexivo em virtude

    do descrdito de utopias e da falncia de cdigos dirigentes, que causariam a

    preferncia de modelos regulativos tpicos de subsidiariedade, de autodireo social

    estatalmente garantida. O entulho programtico e as metanarrativas da Carta

    Portuguesa, segundo ele, impediram aberturas e alternativas polticas, tornando necessrio

    desideologizar o texto constitucional.

    Essa mudana de viso se deve certamente forte influncia da doutrina tradicional alem e situao social alterada de Portugal no seio do processo de integrao econmica e poltica

    na Unio Europia, que proporcionou ao pas uma prosperidade e estabilidade econmica e

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    social jamais vivenciada antes, mas que definitivamente no transfervel sem os devidos

    ajustes, ao sistema jurdico e social do Brasil.

    11. A TRADIO DO FORMALISMO NO PODER JUDICIRIO BRASILEIRO

    Normas constitucionais sobre direitos fundamentais contm, por natureza, conceitos vagos

    abstratos, de textura aberta, que constituem frmulas valorativas, as quais no podem ser

    interpretadas adequadamente mediante os mtodos tradicionais da hermenutica jurdica.

    Talvez o maior impedimento para uma proteo mais efetiva dos direitos fundamentais seja

    a atitude ultrapassada de grande parte da magistratura brasileira para com a interpretao

    constitucional, cuja base at hoje consiste no formalismo jurdico que tem dominado

    geraes de operadores do Direito.

    Podemos observar, at os dias de hoje, uma maneira extremamente formal de

    argumentao em grande parte da doutrina e jurisprudncia do Brasil, que se concentra

    quase exclusivamente em aspectos lgico-formais da interpretao jurdica e no permite a

    influncia de pontos de vista valorativos, ligados justia material.

    Apesar do fato da doutrina constitucional moderna no Brasil enfatizar que o Estado Social

    preconizado pela Carta de 1988 exige um novo entendimento das suas normas jurdicas, que

    seja orientado por valores, a maioria dos operadores ainda no passou a interpretar as

    normas constitucionais e ordinrias no esprito dos direitos fundamentais e seus valores

    subjacentes.

    A natureza poltico-social dessas normas impe a necessidade de mtodos de interpretao

    especficos. O modelo dominante no Brasil sempre foi de perfil liberal-individualista-

    normativista, que nega a aplicao das normas programticas e dos princpios da nova

    Constituio. Enquanto o positivismo jurdico formalista exigia a neutralizao poltica do

    Judicirio, com juzes racionais, imparciais e neutros, que aplicam o direito legislado de

    maneira lgico-dedutiva e no criativa, fortalecendo desse modo o valor da segurana

    jurdica, o moderno Estado Social requer uma magistratura preparada para realizar as

    exigncias de um direito material, ancorado em normas ticas e polticas, expresso de

    idias para alm das decorrentes do valor econmico. Dessa forma, especial relevo possui a

    assuno do juzo de equidade como forma de decidir. Ou seja, dever o magistrado, luz

    do bom senso, de sua experincia de vida, de sua responsabilidade poltica, considerados, no

    mais das vezes, os princpios da razoabilidade e da proporcionalidade, decidir a causa

    concreta, afastando, se for o caso, a inexequibilidade em tese da norma fundamental

    programtica, definindo, se motivo houver, obrigaes positivas para o Estado ou para um

    particular que venha a afrontar direito fundamental. Diante disso, deve-se concluir que das

    normas reconhecedoras dos direitos fundamentais deve-se buscar extrair o mximo de

    efetividade material. Deve o intrprete enfrentar, sim, as dificuldades oriundas da

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    caracterstica normativa (aplicabilidade) adversa efetivao de alguns desses direitos,

    oriundas da conformao constitucional dos mesmos e, ainda, as dificuldades relacionadas

    sua realizao concreta, material, no plano da relao entre o Estado e a sociedade, tendo

    em conta os dados da conjuntura socioeconmica. Mas deve ter sempre em mente que, emviso prospectiva, possui a obrigao de tentar superar esses obstculos, visando a

    concretizao dos princpios norteadores do Estado Democrtico e Social e Direito.

    12. NECESSIDADES DE UMA INTERPRETAO CONSTITUCIONAL MATERIAL- A

    CONSTITUIO COMO ORDEM DE VALORES

    No Brasil, entre as teorias existentes sobre os Direitos Fundamentais, so comentadas e

    relativamente aceitas a liberal e a institucionalista. No entanto, a Teoria dos Valores, que

    entende os Direitos Fundamentais como expresso de uma ordem objetiva de valores

    ainda encontra fortes ressalvas.

    Rudolf Smend, influente constitucionalista alemo da poca da Repblica de Weimar, criou a

    teoria dos Direitos Fundamentais como representantes de um sistema concreto de valores,

    de um sistema cultural que resume o sentido da vida estatal contido na Constituio. De

    acordo com essa teoria, que influenciou fortemente a Corte Constitucional Alem e foi

    adotada tambm em outros pases como Espanha, os Direitos fundamentais atuam sobre as

    relaes jurdicas diante dos poderes pblicos e dos cidados entre si.

    Esta compreenso jurdico objetiva tambm de fundamental importncia para os deveres

    do estado, pois a vinculao de todos os poderes aos Direitos Fundamentais contm no s

    uma obrigatoriedade negativa do Estado de no fazer intervenes em reas protegidas

    pelos Direitos Fundamentais, mas tambm uma obrigao positiva de fazer tudo para a sua

    realizao, mesmo se no existir um direito pblico subjetivo do cidado.