EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS
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8/4/2019 EFETIVAO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS
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EFETIVAO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS
Por Marina Moura Pimentel do Nascimento
INTRODUO
So os direitos sociais que mais tm suscitado controvrsias no que diz respeito a sua
eficcia e efetividade, inclusive quanto problemtica da eficincia e suficincia dos
instrumentos jurdicos disponveis para lhes outorgar a plena realizao. Constitui um
paradoxo que o Brasil esteja entre os dez pases com maior economia do mundo e possua
uma constituio extremamente avanada no que diz respeito aos direitos sociais, enquanto
uma grande parcela de seus habitantes continuam vivendo abaixo da linha de pobreza. A
maioria dessas pessoas no encontram um atendimento de qualidade mnima nos servios
pblicos de sade, assistncia social vivem em condies precrias de habitao,
alimentam-se mal ou at passam fome.
A Constituio do Brasil sempre esteve numa relao de tenso para com a realidade vital da
maioria dos brasileiros e contribuiu muito pouco para o melhoramento da sua qualidade de
vida. Encontram-se em contradio flagrante a pretenso normativa dos direitos
fundamentais sociais e o evidente fracasso do Estado brasileiro como provedor dos servios
essenciais a vasta maioria da sua populao. Discute-se, cada vez mais, a complexidade do
processo de transformao dos preceitos do sistema constitucional mediante realizao de
programas e polticas governamentais.
A doutrina constitucional questiona criticamente o empenho dos poderes pblicos em
implementar as polticas relativas aos direitos fundamentais sociais e aos princpios
fundamentais da dignidade da pessoa humana e erradicao da pobreza, consagrados na
Constituio de 1988.
Ao mesmo tempo, surge a questo: est o Poder Judicirio brasileiro preparado para exercer
um papel mais expressivo no controle das polticas pblicas? A jurisprudncia e parte da
doutrina do pas tm aderido a teorias estrangeiras sobre a aplicao e eficcia dos direitos
sociais, que nem sempre se prestam a ser empregadas no Brasil.
2. OS DIREITOS SOCIAIS COMO DIREITOS FUNDAMENTAIS
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Os direitos fundamentais sociais no so direitos contra o Estado, mas direitos por meio do
Estado, exigindo do Poder Pblico certas prestaes materiais. O Estado, por meio de leis,
atos administrativos e da criao real de instalaes de servios pblicos, deve definir,
executar e implementar, conforme as circunstncias, as chamadas polticas sociais(educao, sade, assistncia, previdncia, trabalho, habitao) que facultem o gozo efetivo
dos direitos constitucionalmente protegidos.
As normas constitucionais programticas sobre direitos sociais que hoje encontramos na
maioria dos textos constitucionais dos pases europeus e latino-americanos definem metas e
finalidades as quais o legislador ordinrio deve elevar a um nvel adequado de concretizao.
Essas normas-programa
prescrevem a realizao por parte do Estado, de determinados fins e tarefas; no entanto,
elas no representam meras recomendaes ou preceitos morais com eficcia tico-polticameramente diretiva, mas constituem direito diretamente aplicvel.
Segundo Pontes de Miranda, as normas constitucionais programticas so dirigidas aos trs
poderes estatais: elas informam os parlamentos ao editar as leis, bem como a Administrao
e o Judicirio ao aplic-las, de ofcio ou contenciosamente. A legislao, a execuo e a
prpria jurisdio ficam sujeitas a esses ditames, que so como programas dados sua
funo .
Sem dvida, as normas sociais programticas requerem uma poltica pertinente satisfao
dos fins positivos nela indicados.
Vale ressaltar, que os direitos fundamentais sociais na Constituio brasileira esto longe de
formarem um grupo homogneo no que diz respeito a seu contedo e forma de sua
positivao. O constituinte no seguiu, na sua composio, nenhuma linha ou teoria
especfica, mas acabou criando um captulo bastante contraditrio no tocante relao
interna dos direitos e garantias.
A Constituio confere ao legislador uma margem substancial de autonomia na definio da
forma e medida em que o direito social deve ser assegurado.
Em princpio, o Poder Judicirio no deve intervir em esfera reservada a outro Poder para
substitu-lo em juzos de convenincia e oportunidade, querendo controlar as opes
legislativas de organizao e prestao, a no ser, excepcionalmente, quando haja uma
violao evidente e arbitrria, pelo legislador, da incumbncia constitucional.
No entanto, parece necessria a reviso do vetusto dogma da separao dos poderes em
relao ao controle dos gastos pblicos e da prestao dos servios sociais bsicos no Estado
Social, visto que os Poderes Legislativo e Executivo no Brasil se mostram incapazes de
garantir o cumprimento racional dos respectivos preceitos constitucionais. No obstante se
falar aqui da efetividade dentro de uma reserva do possvel, para significar a dependncia
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dos direitos econmicos, sociais e culturais dos recursos econmicos, a efetivao dos
direitos econmicos no se reduz a um simples apelo ao legislador. Imbricam-se, portanto,
os dois caminhos o da efetividade normativa (aplicabilidade) com a da efetividade material
(concretizao).
3. NORMAS PROGRAMTICAS SOBRE DIREITOS SOCIAIS: MERO SIMBOLISMO?
Questiona-se se um direito ainda pose ser chamado de direito quando o seu
reconhecimento e sua efetiva proteo so adiados sine die, alm de confiados vontade de
sujeitos cuja obrigao de executar um programa apenas uma obrigao moral ou, no
mximo, poltica.
Limitar normas constitucionais a expressar a realidade de fato seria a sua negao. Mas o
direito tem seus prprios limites e por isso no deve normatizar o inalcanvel; ele se forma
com elementos colhidos na realidade que precisam de ressonncia no sentimento social. O
equilbrio entre esses dois extremos que conduz a um ordenamento jurdico eficaz.
Reconhece-se que promessas constitucionais exageradas mediante direitos fundamentais
sociais sem a possibilidade real da sua realizao so capazes de levar a uma frustrao
constitucional, o que desacredita a prpria instituio da Constituio como sistema de
normas legais vigentes e pode abalar a confiana dos cidados na ordem jurdica como um
todo.
Os direitos fundamentais da Carta de 1988 exercem um importante papel, cumprindo, ao
lado de sua funo jurdico- normativa, uma funo sugestiva, apelativa, educativa e
conscientizadora. Em muitos dispositivos, h uma exacerbao intencional do preceito
normativo alm do limite da sua exeqibilidade racionalmente possvel.
Sua supresso do texto constitucional enfraqueceria aposio dos integrantes da sociedade
civil organizada na reivindicao desses direitos junto aos governos federal,estaduais e
municipais. Uma concepo material de Constituio d valor tambm aos efeitos polticos e
culturais da Carta mediante incluso de princpios programticos que necessitam de umaconcretizao posterior.
Dessa forma, a Constituio deixa de servir somente como ordem jurdica de procedimento
para o poder estatal, mas assume tambm a funo de um documento para a integrao da
comunidade para a formao de conscincia poltica.
4. FALHAS NA PRESTAO DOS SERVIOS PBLICOS BSICOS
A eficcia social reduzida dos direitos fundamentais sociais no se deve falta de leis
ordinrias; o problema maior a no-prestao real dos servios sociais bsicos pelo PoderPblico. A grande maioria das normas para o exerccio dos direitos sociais j existe. O
problema parece estar na formulao, implementao e manuteno das respectivas
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polticas pblicas e na composio dos gastos nos oramentos da Unio, Estados e
Municpios.
Onde j foi implantado o servio pblico necessrio para a satisfao de um direito
fundamental, a sua no prestao pode ser atacada com o mandado de segurana. A
situao se torna mais complicada onde o Poder Pblico mantm-se inerte, no instalou os
servios necessrios ou onde os mesmos funcionam precariamente (omisso parcial ou total
ex.: hospitais pblicos).
Os direitos fundamentais sociais educao e sade no so simplesmente normas
programticas, mas foram regulamentados por meio do estabelecimento expresso de
deveres do Estado e, correspondentemente, de direitos subjetivos dos indivduos. O direito
educao, est definido como dever do Estado e da famlia no art. 205 da CF/88,
especificando, em seguida, no art. 208 do mesmo diploma legal, sua forma de efetivao. Odireito sade, por sua vez, sofreu uma regulamentao constitucional menos forte. Nos
artigos 196 a 200 da Carta, no consta que ele seja um direito subjetivo pblico, nem que
haja responsabilidade da autoridade quando da falta ou insuficincia do servio. A qualidade
dos servios pblicos de sade depende do fornecimento de remdios, vagas, e leitos nos
hospitais, da contratao de mdicos especializados, de enfermeiros suficientes, etc.
Questiona-se, assim, se a tolerncia da deteriorao ou no-estruturao de um servio
social bsico pode ser questionada na justia. Outro problema o da no-execuo dos
oramentos pblicos, isto , a no aplicao, por parte dos agentes do Poder Executivo nostrs nveis federativos, dos recursos financeiros previstos pela lei oramentria para
determinadas tarefas e servios pblicos.
Constata-se que ainda so poucos os meios jurdicos eficientes para combater a m
aplicao dos recursos pblicos.
Nesse contexto, aes de improbidade administrativa
normalmente no procedem. A ao popular em defesa da moralidade administrativa
igualmente apresenta grandes dificuldades. O controle dos Tribunais de Contas, ondehouver, restringe-se aos aspectos formais dos gastos.
5. EFICCIA DOS DIREITOS SOCIAIS- APLICABILIDADE IMEDIATA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS SOCIAIS?
As normas sobre direitos fundamentais so de aplicao imediata, conforme disposto no art.
5., 1. da Constituio Federal. Esse dispositivo serve para salientar o carter preceptivo e
no-programtico dessas normas, deixando claro que os direitos fundamentais podem ser
imediatamente invocados, ainda que haja falta ou insuficincia de lei. O seu contedo no
precisa ser concretizado por lei; eles possuem um contedo que pode ser definido na
prpria tradio da civilizao ocidental.
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A sua regulamentao legislativa, quando houver, nada acrescentar de essencial: apenas
pode ser til pela certeza e segurana que criar quanto s condies de exerccio dos direitos
ou quanto de limitao frente a outros direitos.
Acentuada a preocupao da Constituio em conferir aplicabilidade imediata a seus
preceitos, no sendo mais admissvel exigir-se do destinatrio da norma que aguarde, em
espera indefinida, a confeco das normas regulamentadoras faltantes. Se assim o fosse,
configurar-se-ia verdadeira subverso da ordem jurdica, apresentando-se a omisso do
legislador infraconstitucional mais eficaz que a atuao do constituinte, a inexistncia de
norma regulamentadora mais vinculante que a existncia de norma constitucional.
O legislador ordinrio, ao concretizar os direitos fundamentais, goza de uma relativa
liberdade de conformao, sendo esta bem maior relativamente a normas programticas.
Em relao aos direitos sociais, o dispositivo de aplicao imediata no ganha importnciamaior, visto que esses devem ser tratados de maneira diferente dos direitos clssicos na
defesa contra o poder estatal. O art. 5., 1., impe aos rgos estatais a tarefa de
maximizar a eficcia dos direitos fundamentais, tornando concreta a sua realizao,
acentuando o papel da Constituio enquanto instrumento a favor do desenvolvimento
social.
Por eficcia jurdica entendemos a capacidade de uma norma constitucional para produzir
efeitos jurdicos. A efetividade, por sua vez, significa o desempenho concreto da funo
social do Direito; representa a materializao, no mundo dos fatos, dos preceitos legais esimboliza a aproximao entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social. H, ainda,
que se abordar o princpio da proibio de retrocesso. Os defensores desta concepo,
dentre os quais Gomes Canotilho, sustentam que aps sua concretizao em nvel
infraconstitucional, os direitos fundamentais sociais assumem, simultaneamente, a condio
de direitos subjetivos a determinadas prestaes estatais e de uma garantia institucional, de
tal sorte que no se encontram mais na esfera de disponibilidade do legislador, no sentido
de que os direitos adquiridos no mais podem ser reduzidos ou suprimidos, sob pena de
flagrante infrao do princpio da proteo da confiana, que, de sua parte, implica a
inconstitucionalidade de todas as medidas que inequivocadamente venham a ameaar opadro de prestaes j alcanado.
Assim, os direitos fundamentais sociais concretizados assumem a condio de verdadeiros
direitos de defesa, na medida em que justificam o recurso proteo judicial contra os atos
dos poderes pblicos que tenham por objetivo sua reduo ou mesmo sua destruio.
Conclui-se, salientando que a nova ordem constitucional vem a instaurar aos preceitos
programticos uma fora obrigatria e vinculante, geradora de direitos subjetivos e
asseguradora de sua eficcia essencialmente positiva.
6. A DOUTRINA ALEM DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUA RECEPO NO BRASIL
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As instituies jurdico constitucionais de um povo somente podem ser compreendidas a
partir das idias morais e dos princpios polticos que o animam e do sentido histrico com
que se desenvolveram. Atravs da Sociologia do Direito deve-se analisar o real
funcionamento e feitos das instituies jurdicas como os Direitos Fundamentais nosdiferentes mbitos sociais, as quais de longe, podem parecer muito semelhantes. Ordens
jurdicas concretas no representam apenas variantes distintas da realizao dos mesmos
direitos e princpios; nelas refletem-se tambm diferentes paradigmas jurdicos.
O mesmo texto constitucional ou um direito fundamental concreto pode ter contedos bem
diversos de um pas para outro. Esse fenmeno de recepo no se limita s ordens ou
instituies constitucionais, mas inclui igualmente a jurisprudncia das Cortes e as doutrinas
e teorias, devendo ser necessariamente um processo criativo.
Nesse ponto, de suma importncia ressaltar que a recepo de um conceito jurisprudencialoriundo de um outro sistema jurdico capaz de atribuir ao mesmo a aparncia de um
princpio geral ou universal que foi meramente descoberto, e no voluntariamente criado
pelos juzes do pas receptor, aumentando assim a legitimidade da deciso; isto acontece
especialmente nos casos de um texto constitucional pouco claro.
A dogmtica constitucional alem certamente , em muitos aspectos transponvel ou
adaptvel para o Brasil, j que muitos preceitos e formulaes das Cartas de 1988 e
anteriores foram fortemente inspirados pela lei fundamental de 1949.
O modelo de Estado Social vigente na Alemanha de hoje tem como pontos bsicos a
industrializao, a tecnologia, a comunicao e a racionalidade na gesto dos servios
pblicos. O Estado no chamado somente para preservar e proteger o funcionamento livre
da ordem econmica, mas para desenhar e planejar a vida social e o futuro da sociedade
como um todo.
Esse tipo de Estado Social j ultrapassa nas suas finalidades e pretenses o modelo clssico
do Welfare State e procura a harmonia entre num lado idias liberais e de uma economia
livre e , no outro, a igualdade de chances e a distribuio de riquezas. Estes novos desafios
provocados sobretudo pelo progresso das cincias naturais cada vez mais dominantes pem
em cheque toda a estrutura procedimental e a racionalidade material do Estado de Direito
na ps moderninade.
7. A NO INCLUSO DE DIREITOS SOCIAIS NA LEI FUNDAMENTAL DE BONN: SOLUES DA
DOUTRINA ALEM
A lei fundamental da repblica Federal da Alemanha (de 1949) no incorporou nenhum
ordenamento sistemtico dos direitos sociais da segunda gerao, fato que se deve s ms
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experincias com a Carta anterior de Weimar. Essa Constituio de 1919 tida , no mundo
inteiro, como uma das primeiras Cartas que incorporam os direitos sociais a prestaes
estatais no seu texto.
No entanto, para a doutrina constitucional alem ps- guerra, ela serve como modelo de
uma Carta fracassada que, inclusive, contribuiu para a radicalizao da poltica desse pas
nos anos 20 e a tomada do poder pelos nazistas em 1993.
Os modernos artigos da Carta de Weimar sobre os direitos sociais foram ridicularizados
por parte dos integrantes da extrema-direita e esquerda poltica, como promessas vazias do
Estado burgus e contos de lenda. Como conseqncia, o legislador fundamental de 1949
renunciou deliberadamente formulao de normas que conferem direitos subjetivos a
prestaes positivas por parte do Estado. Por outro lado, quase todas as constituies dos
dezesseis estados federados alemes (Lnder) contm direitos sociais.
A maioria dos autores alemes de dirige contra Direitos Fundamentais Sociais na
constituio, porque estes seriam, na sua maioria, no realizveis na atualidade por parte do
Estado, provocando a impresso do cidado de que todo texto constitucional seria nada
mais do que uma construo de frases ou um catecismo popular, cheio de utopias que
resultaria na perda da normatividade da Carta e da sua fora de estabelecer valores. O medo
do igualitarismo e coletivismo de um estado Social que ameaa o Estado de Direito e tende a
afogar as liberdades individuais um trao comum de partes expressivas da doutrina alem
do Direito Pblico ps- guerra e tem sua base nas experincias amargas com o Estadoditatorial nazista e os regimes do socialismo real do Leste Europeu durante a Guerra Fria,
especialmente a Repblica Democrtica Alem.
No Estado moderno, os Direitos Fundamentais clssicos esto cada vez mais fortemente
dependentes da prestao de determinados servios pblicos, sem os quais o indivduo sofre
srias ameaas de sua liberdade. Os Direitos Fundamentais de defesa somente podem ser
eficazes quando protegem, ao mesmo tempo, as condies materiais mnimas necessrias
para a possibilidade da sua realizao.
A doutrina moderna d nfase em afirmar que qualquer Direito Fundamental constitucional
seja ele direito civil e poltico ou econmico, social e cultural contm, ao mesmo tempo,
componentes de obrigaes positivas e negativas para o Estado. Nessa viso, a tradicional
diferenciao entre os direitos da primeira e os da segunda gerao meramente
gradual, mas no substancial, visto que muitos dos Direitos Fundamentais tradicionais foram
reinterpretados como sociais, perdendo sentido as distines rgidas.
A no-incluso de direitos sociais na Lei Fundamental alem, no entanto, no significa uma
recusa do seu iderio subjacente. Assim, o conceito do Estado Social, representa uma
norma fim de Estado que fixa, de maneira obrigatria, as tarefas e a direo da atuaoestatal presente e futura, sem, no entanto, criar direitos subjetivos para sua realizao. A
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doutrina alem se refere a essas normas constitucionais como mandados e no
propriamente direitos.
O texto da Lei Fundamental brasileira ao contrrio da alem no permite tal interpretao. O
Poder Constituinte de 1988, face aos enormes desafios do poder pblico na rea social,
inseriu uma vasta gama de direitos sociais, localizando-os no Captulo II do Ttulo II da Carta,
denominando Dos direitos e Garantias Fundamentais. Segundo todas as regras de
interpretao, esses direitos sociais, no Brasil, so tambm fundamentais,com todas as
conseqncias dessa sua natureza.
8. A FALCIA DA RESERVA DO POSSVEL: FRUTO DE UM DIREITO CONSTITUCIONAL
COMPARADO EQUIVOCADO
A interpretao dos direitos sociais no uma questo lgica, mas de conscincia social de
um sistema jurdico como um todo. Canotilho v a efetivao dos direitos sociais,
econmicos e culturais dentro de uma reserva do possvel e aponta a sua dependncia dos
recursos econmicos. Nessa viso, a limitao dos recursos pblicos passa a ser considerada
verdadeiro limite ftico efetivao dos direitos sociais prestacionais.
Segundo o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, esses direitos a prestaes
positivas esto sujeitos reserva do possvel no sentido daquilo que o indivduo, de
maneira racional, pode esperar da sociedade.
Para no precisar negar por completo a efetividade dos direitos sociais sob o argumento dareserva do possvel, Amaral recomenda a exigncia de que o Estado demonstre,
judicialmente, que tem motivos fticos razoveis para deixar de cumprir, concretamente, a
norma constitucional assecuratria de prestaes positivas; demonstrada a
ponderabilidade dessas razes, no poderia o Judicirio se substituir ao Administrador.
No Brasil, como em outros pases perifricos, justamente a questo de analisar quem
possui a legitimidade para definir o que seja o possvel na rea das prestaes sociais
bsicas face composio distorcida dos oramentos dos diferentes entes federativos. O
condicionamento da realizao de direitos econmicos, sociais e culturais existncia decaixas cheios do Estado significa reduzir a sua eficcia a zero, a subordinao aos
condicionantes econmicos relativiza sua universalidade, condenando-os a serem
considerados direitos de segunda categoria.
O mundo em desenvolvimento ou perifrico de que o Brasil (ainda) faz parte, significa uma
realidade especfica e sem precedentes, qual no se podem descuidadamente aplicar as
teorias cientficas nem as posies polticas transladas nos pases ricos. Assim, a discusso
europia sobre os limites do Estado Social e a reduo de suas prestaes e a conteno dos
respectivos direitos subjetivos no pode absolutamente ser transferida para o Brasil, onde o
Estado Providncia nunca foi implantado. Nesse ponto, importante ressaltar tambm que
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no podemos igualar a densidade normativa de todos os direitos sociais, que se define por
condies e pressupostos econmicos bem diferenciados.
Segundo von Mnch, a qualidade de uma constituio no se define pela sua pletora de
dispositivos, mas pela sua credibilidade.
Na base do acima exposto, fica claro que uma transferncia mal refletida do conceito da
reserva do possvel de do entendimento dos direitos sociais como mandados (e no
legtimos Direitos Fundamentais) constituiria uma adoo de solues estrangeiras, nem
sempre coerentes com as verdadeiras necessidades materiais do pas, que, h muitas
dcadas, pode ser observada na elaborao judiciria brasileira.
9. O PADRO MNIMO SOCIAL PARA UMA EXISTNCIA DIGNA: GARANTIA EFETIVA PARAOS INDIGENTES?
Os defensores de uma interpretao progressiva dos Direitos Fundamentais sociais alegam a
sua qualidade como direitos subjetivos perante o Poder Pblico, obrigando-o a prestar
determinados servios de bem-estar social, os quais devem ser realizados de maneira
progressiva.
Segundo a teoria do Estado Social, o Poder Pblico tem o dever de transpor as liberdades da
Constituio para a realidade constitucional. Na vida moderna, que regida pela tecnologia
e a indstria, a prestao dos servios pblicos se torna cada vez mais importante para o
exerccio dos direitos sociais (escolas, cultura, comunicaes, fornecimento de energia, gua,
transportes). Onde o Estado cria essas ofertas para a coletividade, ele deve assegurar a
possibilidade de participao do cidado. Onde a legislao no concede um direito expresso
ao indivduo de receber uma prestao vital, ele pode recorrer ao direito fundamental da
igualdade em conexo com o princpio do Estado Social. Dessa maneira, os direitos
fundamentais da primeira gerao foram tomados como fonte de direitos subjetivos a
prestaes positivas do Estado. A teoria que liga a prestao do mnimo social aos direitos
fundamentais de liberdade (primeira gerao) fruto da doutrina alem ps-guerra quetinha de superar a ausncia de qualquer direito fundamental social na Lei Fundamental de
Bonn, sendo baseada na funo de estrita normatividade e jurisdicionalidade do texto
constitucional. Assim, a Corte Constitucional Alem extraiu o direito a um mnimo de
existncia do princpio da dignidade da pessoa humana, do direito vida e integridade
fsica, mediante interpretao sistemtica junto ao princpio do Estado Social. No h
dvidas que ela parte de um direito fundamental a um mnimo vital. Ao mesmo tempo, a
Corte deixou claro que esse padro mnimo indispensvel no poderia ser desenvolvido
pelo Judicirio como sistema acabado de soluo, mas por meio de uma casustica gradual e
cautelosa. A teoria do mnimo existencial, que tem a funo de atribuir ao indivduo umdireito subjetivo contra o Poder Pblico em casos de diminuio da prestao dos servios
sociais bsicos que garantem a sua existncia digna, at hoje foi pouco discutida na doutrina
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constitucional brasileira e ainda no foi adotada com as suas conseqncias na
jurisprudncia do pas.
Lbo Torres quer ligar o conceito do mnimo social ao status positivus libertatis,
entendendo-o como conditio sine qua non s condies iniciais da liberdade. Citando a
doutrina constitucional alem, ele alega que, sem o mnimo necessrio existncia, cessaria
a possibilidade da prpria sobrevivncia. Esse mnimo garantido nas condies materiais de
existncia estaria baseado no prprio conceito da dignidade humana. De um lado vlida a
tentativa do autor de fecundar, dentro da doutrina brasileira, o princpio fundamental da
dignidade da pessoa humana, expresso no art. 1., III da CF/88, visto que jurisprudncia e
doutrina ainda no criaram linhas firmes de interpretao desses princpios. Ao mesmo
tempo, o autor reconhece que os direitos fundamentais e o mnimo existencial, nos pases
em desenvolvimento, tm uma extenso maior do que nas naes ricas, pela necessidade da
proteo estatal aos bens essenciais sobrevivncia das populaes miserveis e que as
pretenses dos pobres assistncia social requerem a interpretao extensiva .
Contrariamente ao entendimento da Corte Constitucional Alem, h autores brasileiros,
como Lus Roberto Barroso, que sustentam que esse padro mnimo no cumprimento das
tarefas estatais poderia, sem maiores problemas, ser ordenado por parte do Judicirio, o
que deixa de acontecer devido apenas a motivos ideolgicos e no jurdico-racionais.
10. EST VIVA A CONSTITUIO DIRIGENTE?
Na sua obra Constituio Dirigente e Vinculao do Legislador, publicada em 18982,
Canotilho defendia a tese que as normas programticas constitucionais sobre direitos
sociais, econmicos e culturais seriam capazes de obrigar o legislador a criar as respectivas
leis ordinrias que fixassem as prestaes positivas e o Poder Executivo a oferecer os
servios e prestaes para realizao dos preceitos constitucionais. Ao mesmo tempo, o
autos no quis permitir a reduo dos direitos sociais a um simples apelo ao legislador,
mas os entendeu como verdadeira imposio constitucional, legitimadora de
transformaes econmicas e sociais, na medida em que estas forem necessrias para a
efetivao desses direitos. Ultimamente Canotilho revidou esse seu posicionamento
declarando-se agora adepto de um constitucionalismo moralmente reflexivo em virtude
do descrdito de utopias e da falncia de cdigos dirigentes, que causariam a
preferncia de modelos regulativos tpicos de subsidiariedade, de autodireo social
estatalmente garantida. O entulho programtico e as metanarrativas da Carta
Portuguesa, segundo ele, impediram aberturas e alternativas polticas, tornando necessrio
desideologizar o texto constitucional.
Essa mudana de viso se deve certamente forte influncia da doutrina tradicional alem e situao social alterada de Portugal no seio do processo de integrao econmica e poltica
na Unio Europia, que proporcionou ao pas uma prosperidade e estabilidade econmica e
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social jamais vivenciada antes, mas que definitivamente no transfervel sem os devidos
ajustes, ao sistema jurdico e social do Brasil.
11. A TRADIO DO FORMALISMO NO PODER JUDICIRIO BRASILEIRO
Normas constitucionais sobre direitos fundamentais contm, por natureza, conceitos vagos
abstratos, de textura aberta, que constituem frmulas valorativas, as quais no podem ser
interpretadas adequadamente mediante os mtodos tradicionais da hermenutica jurdica.
Talvez o maior impedimento para uma proteo mais efetiva dos direitos fundamentais seja
a atitude ultrapassada de grande parte da magistratura brasileira para com a interpretao
constitucional, cuja base at hoje consiste no formalismo jurdico que tem dominado
geraes de operadores do Direito.
Podemos observar, at os dias de hoje, uma maneira extremamente formal de
argumentao em grande parte da doutrina e jurisprudncia do Brasil, que se concentra
quase exclusivamente em aspectos lgico-formais da interpretao jurdica e no permite a
influncia de pontos de vista valorativos, ligados justia material.
Apesar do fato da doutrina constitucional moderna no Brasil enfatizar que o Estado Social
preconizado pela Carta de 1988 exige um novo entendimento das suas normas jurdicas, que
seja orientado por valores, a maioria dos operadores ainda no passou a interpretar as
normas constitucionais e ordinrias no esprito dos direitos fundamentais e seus valores
subjacentes.
A natureza poltico-social dessas normas impe a necessidade de mtodos de interpretao
especficos. O modelo dominante no Brasil sempre foi de perfil liberal-individualista-
normativista, que nega a aplicao das normas programticas e dos princpios da nova
Constituio. Enquanto o positivismo jurdico formalista exigia a neutralizao poltica do
Judicirio, com juzes racionais, imparciais e neutros, que aplicam o direito legislado de
maneira lgico-dedutiva e no criativa, fortalecendo desse modo o valor da segurana
jurdica, o moderno Estado Social requer uma magistratura preparada para realizar as
exigncias de um direito material, ancorado em normas ticas e polticas, expresso de
idias para alm das decorrentes do valor econmico. Dessa forma, especial relevo possui a
assuno do juzo de equidade como forma de decidir. Ou seja, dever o magistrado, luz
do bom senso, de sua experincia de vida, de sua responsabilidade poltica, considerados, no
mais das vezes, os princpios da razoabilidade e da proporcionalidade, decidir a causa
concreta, afastando, se for o caso, a inexequibilidade em tese da norma fundamental
programtica, definindo, se motivo houver, obrigaes positivas para o Estado ou para um
particular que venha a afrontar direito fundamental. Diante disso, deve-se concluir que das
normas reconhecedoras dos direitos fundamentais deve-se buscar extrair o mximo de
efetividade material. Deve o intrprete enfrentar, sim, as dificuldades oriundas da
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caracterstica normativa (aplicabilidade) adversa efetivao de alguns desses direitos,
oriundas da conformao constitucional dos mesmos e, ainda, as dificuldades relacionadas
sua realizao concreta, material, no plano da relao entre o Estado e a sociedade, tendo
em conta os dados da conjuntura socioeconmica. Mas deve ter sempre em mente que, emviso prospectiva, possui a obrigao de tentar superar esses obstculos, visando a
concretizao dos princpios norteadores do Estado Democrtico e Social e Direito.
12. NECESSIDADES DE UMA INTERPRETAO CONSTITUCIONAL MATERIAL- A
CONSTITUIO COMO ORDEM DE VALORES
No Brasil, entre as teorias existentes sobre os Direitos Fundamentais, so comentadas e
relativamente aceitas a liberal e a institucionalista. No entanto, a Teoria dos Valores, que
entende os Direitos Fundamentais como expresso de uma ordem objetiva de valores
ainda encontra fortes ressalvas.
Rudolf Smend, influente constitucionalista alemo da poca da Repblica de Weimar, criou a
teoria dos Direitos Fundamentais como representantes de um sistema concreto de valores,
de um sistema cultural que resume o sentido da vida estatal contido na Constituio. De
acordo com essa teoria, que influenciou fortemente a Corte Constitucional Alem e foi
adotada tambm em outros pases como Espanha, os Direitos fundamentais atuam sobre as
relaes jurdicas diante dos poderes pblicos e dos cidados entre si.
Esta compreenso jurdico objetiva tambm de fundamental importncia para os deveres
do estado, pois a vinculao de todos os poderes aos Direitos Fundamentais contm no s
uma obrigatoriedade negativa do Estado de no fazer intervenes em reas protegidas
pelos Direitos Fundamentais, mas tambm uma obrigao positiva de fazer tudo para a sua
realizao, mesmo se no existir um direito pblico subjetivo do cidado.