Eldorado dos carajás (17 04-1996)- lucas schuab vieira

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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUIA FILHO FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS FCL/ASSIS CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA ELDORADO DOS CARAJÁS (17-04-1996) GRUPO: DANIEL ALVES AZEVEDO THIAGO RAFAEL BONALDO RAFAEL BRUNO CLEMENTINO LUCAS SCHUAB VIEIRA WELLINGTON DURAES DIAS NOTURNO PROF. DR. ÁUREO BUSETTO ASSIS / SP 2012

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

JÚLIO DE MESQUIA FILHO

FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS –

FCL/ASSIS

CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

ELDORADO DOS CARAJÁS (17-04-1996)

GRUPO:

DANIEL ALVES AZEVEDO

THIAGO RAFAEL BONALDO

RAFAEL BRUNO CLEMENTINO

LUCAS SCHUAB VIEIRA

WELLINGTON DURAES DIAS

NOTURNO

PROF. DR.

ÁUREO BUSETTO

ASSIS / SP

2012

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O Massacre de Eldorado dos Carajás representou a morte de 19 trabalhadores sem-

terra que ocorreu no dia 17 de abril de 1996 no município de Eldorado dos Carajás, no sul do

Pará, decorrente da ação da polícia do estado do Pará. O confronto ocorreu quando cerca de

1500 sem-terra que estavam acampados na região decidiram fazer uma marcha em protesto

contra a demora da desapropriação de terras, principalmente as da Fazenda Macaxeira. A

Polícia Militar foi encarregada de tirá-los do local, porque estariam obstruindo a rodovia PA-

150, que liga Belém ao sul do estado.

O sociólogo Ubiracy de Souza Braga conta que a ordem para a ação policial partiu do

Secretário de Segurança do Pará, Paulo Sette Câmara, que posteriormente afirmaria ter

autorizado a força policial atirar se necessário. Dezenove pessoas morreram na hora, outras

duas morreram anos depois vítimas das sequelas, e outras sessenta e sete ficaram feridas.

Segundo o legista Nelson Massini, que fez a perícia dos corpos, pelo menos 10 sem-terra

foram executados. Sete lavradores foram mortos por instrumentos cortantes, como foices e

facões. O comandante da operação, o coronel Mário Pantoja de Oliveira, foi afastado no

mesmo dia, ficando 30 dias em prisão domiciliar, determinada pelo governador do Estado

Almir Gabriel, do PSDB na época, e depois liberado. O ministro da Agricultura, Andrade

Vieira, encarregado da reforma agrária, pediu demissão na mesma noite, sendo substituído,

dias depois, pelo senador Arlindo Porto 1.

Uma semana depois do massacre, o Governo Federal confirmou a criação do

Ministério da Reforma Agrária e indicou o então presidente do Ibama, Raul Jungmann, para o

cargo de ministro. José Gregori, que na época era chefe de gabinete do então ministro da

Justiça, Nelson Jobim, declarou que “o réu desse crime é a polícia, que teve um comandante

que agiu de forma inadequada, de uma maneira que jamais poderia ter agido”, ao avaliar o

vídeo do confronto. O então presidente Fernando Henrique Cardoso determinou que tropas do

exército fossem deslocadas para a região em 19 de abril com o objetivo de conter a escalada

de violência. O presidente pediu a prisão imediata dos responsáveis pelo massacre. O ministro

da Justiça, Nelson Jobim, juntou-se às autoridades policiais e do Judiciário, no Pará, a pedido

do governo federal, para acompanhar as investigações.

O massacre é um caso exemplar de impunidade. Depois de anos, ainda permaneceram

soltos os 155 policiais participantes da operação. O Jornal Brasil de Fato, comenta a

impunidade dos envolvidos e a implicação do governador Almir Gabriel em autorizar a ação

da polícia, “o governador que autorizou a ação da polícia, Almir Gabriel (PSDB), seu

1 Dados disponíveis no site: http://espacoacademico.wordpress.com/2011/04/30/massacre-de-eldorado-dos-

carajas-15-anos-de-impunidade/ acessado no dia 20/05/2012.

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secretário de Segurança Pública, Paulo Sette Câmara, e o comandante-geral da PM não foram

sequer indiciados” 2. Os comandantes da operação, o Coronel Mário Colares Pantoja e o

Major Oliveira foram os únicos condenados pelo massacre de Eldorado. Até recentemente,

ambos aguardavam em liberdade o fim do processo por força de um habeas corpus concedido

pelo ministro Cezar Peluso, do STF (Supremo Tribunal Federal), em 2005. Os demais

policiais foram apenas incriminados.

Em 2011 a direção do MST lançou uma carta em função dos 15 anos do massacre:

Logo, em 17 de abril de 2.011, aniversaria o massacre de Eldorado do

Carajás. 15 anos! E não cabe outra definição, senão que impunidade e, Pedro

Tierra o mais solidário dos poetas, ressuscitou uma palavra vil da garganta dos

dicionários e a pôs nos lábios dos séculos para descrever o golpe: “atroz”

Eldorado do Carajás, símbolo vigente do caráter antipopular, antissocial e

antidemocrático dos que monopolizam o poder e, por ele se opõem violentamente

aos que lhes contestam, por terra, dignidade, trabalho, alegria e direitos, onde tudo

é negado. O massacre é um sinal, aos pusilânimes do poder é um fardo de agonia,

que jamais poderão desmentir, nem mensurar nas fibras do passado. A memória é

subversiva, ninguém a modela, insurge contra os truques midiáticos e os opõe a

cada ano, nesta data da classe trabalhadora e das novas gerações nascidas na luta

e na resistência do povo brasileiro e amazônida frente a máquina voraz do capital.

Da marcha interrompida pela morte, onde pretendíamos chegar a Belém do Pará

para uma negociação por terra, andando a pé quase oitocentos quilômetros, que

para os governantes algo injustificável, como o ato insólito e traiçoeiro dos mesmos

e, de todos os envolvidos. Chegamos ao mundo em notícias, em páginas de jornais e

imagens televisivas numa curva onde hoje está o monumento das castanheiras e o

nosso coração, um bosque simbólico.3

Sob o governo Fernando Henrique Cardoso houve aumento do êxodo rural, o que

contribuiu em boa parte para esse fato foi a criação do Banco da Terra, uma política de crédito

para compra de terras e criação de assentamentos em detrimento das desapropriações. Foram

destruídas as políticas de crédito especial para a Reforma Agrária e assistência técnica,

criadas durante o governo Sarney, prejudicando as famílias assentadas. Embora Raul

Jungmann tenha propagandeado que o governo FHC realizou a maior Reforma Agrária da

história do Brasil, seu governo nunca possuiu um projeto de Reforma Agrária real. Durante os

mandatos de seu governo, a maioria dos assentamentos implantados se deu sob a pressão do

2 Em http://www.brasildefato.com.br/node/6099 acessado no dia 20/05/2012.

3 Retirado de: http://espacoacademico.wordpress.com/2011/04/30/massacre-de-eldorado-dos-carajas-15-anos-de-

impunidade/ acessado no dia 20/05/2012.

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MST, resultados de ocupações de terra 4. Houve denúncias que para garantir as metas do

governo, o Ministério do desenvolvimento Agrário (MDA) “clonava” assentamentos criados

em outros governos e os registrava como assentamentos criados no segundo mandato de FHC.

Ao final de seu governo nem mesmo o Incra sabia afirmar quantos assentamentos foram

realmente erguidos. Os anos 90 vivenciaram uma política de abandono da agricultura familiar

pelo Estado, foi a época da abertura comercial à agroexportação em grande escala, com a

retirada de subsídios e assistência técnica, porém foram realizadas importantes lutas

camponesas, como a Marcha Nacional por Emprego e Reforma Agrária, em 1997 – onde 100

mil pessoas marcharam com o MST em Brasília, um ano após o Massacre de Eldorado dos

Carajás. Foi um período de surgimento de movimentos sociais e camponeses como o

Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA); Movimento de Atingidos por Barragens

(MAB), Movimento de Mulheres Camponesas (MMC).

Pretende-se, nesta pesquisa, analisar a notícia do massacre de Eldorado do Carajás

ocorrido em 17 de abril de 1996 sob o ponto de vista do jornal Folha do Estado de São Paulo.

A intenção é verificar como a noticia foi abordada, dando também enfoque ao discurso usado

pelo jornal na veiculação da notícia. Considerando que não há uma imparcialidade e

objetividade total no jornalismo e que os fatos vivenciados são apreendidos com mediações

operadas pelos meios de comunicação.

Para a análise do documento ao qual nos propomos, levar-se-á em consideração a

materialidade da fonte e seus suportes, assim como a subjetividade de quem escreve, pois “a

imprensa periódica seleciona, ordena, estrutura e narra, de uma determinada forma, aquilo que

se elegeu como digno de chegar até o publico.”5 Os discursos contraem significados de muitas

formas, inclusive pelos processos tipográficos e de ilustração que os cercam. A ênfase em

determinados temas, a linguagem e a natureza do conteúdo associam-se ao público que a

revista pretende atingir. Trabalharemos com o que se tornou noticia o que por si só já abarca

um espectro de questões, pois será preciso dar conta das motivações que levaram à decisão de

dar publicidade a alguma coisa. E, ter sido publicado implica atentar para o local em que se

deu a publicação, o que confere determinado significado a notícia, assim como as hierarquias

que as atravessam. É preciso atentar também para o destaque conferido ao acontecimento.6

4 Grynzpan, M. A questão agrária no Brasil pós-1964 e o MST. In: FERREIRA, J. L. & DELGADO, L. A.

(Orgs). O Brasil Republicano: o tempo da ditadura – regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. 5 De Luca, 2006.

6 Ibid.

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Outra característica que será levada em consideração é o jornal enquanto espaço de

discussões intelectuais, relações afetivas e sociabilidades. O que torna o periódico um projeto

coletivo, por agregar pessoas em torno de ideias, crenças e valores que se pretende difundir a

partir da palavra escrita ou ilustração.7

As redações podem ser encaradas como espaços que aglutinam diferentes linhagens

políticas e estéticas, compondo redes que atribuem estrutura ao campo intelectual e permitem

refletir acerca da formação, estruturação e dinâmica destes. O sumário que se expõe ao leitor

resulta, portanto, de “intensa atividade de bastidores”. O periódico prescreve, portanto, a

análise circunstanciada do seu lugar de inserção, e delineia uma abordagem que faz dos

impressos, de forma sincrônica, fonte e objeto de pesquisa historiográfica, rigorosamente

inseridos em uma crítica competente.8

O diretor do jornal é Otávio Frias Filho, possui praticamente 20 anos no comando

editorial da Folha de S.Paulo, o maior e mais polêmico jornal do País, continua o mesmo

cidadão inquieto de sempre, que instiga mudança, aposta na controvérsia, não se contenta com

o melhor (quer mais), desconfia do poder e adora cinema, teatro, literatura e, claro (para

surpresa de muitos que conhecem apenas a versão folclórica), o jornalismo. Sob seu comando

estão 430 jornalistas, que trabalham nos vários veículos do Grupo. Comedido, ar tímido,

raciocínio límpido e cristalino, pontos de vista instigantes, continua a ter o pai, Octavio Frias

de Oliveira, como uma das principais referências de vida.9

Fábio Zanini junto com Wagner Oliveira10

da agencia folha são os jornalista autores

do texto que será por nós analisado. Fábio Zanini, 34, é jornalista formado pela Escola de

Comunicações e Artes da USP (ECA-USP), com mestrado em relações internacionais pela

School of Oriental and African Studies (Soas), da Universidade de Londres. Entrou na Folha

em 1995 e desde então foi repórter da Agência Folha, editor-assistente da Revista da Folha,

correspondente em Londres, repórter de Brasil e da Sucursal de Brasília. Cobriu as duas

eleições presidenciais de Luiz Inácio Lula da Silva e os escândalos do "mensalão" e dos

"sanguessugas", entre outros.11

7 Ibid.

8 Ibid, grifos do original.

9 Dados disponíveis no site: http://www.jornalistasecia.com.br/protagonista01.htm acessado em 18/05/2012

10 Não foi possível localizar informações sobre Wagner Oliveira.

11 Informações disponíveis no site: http://penaafrica.folha.sites.uol.com.br/perfil.html acessado em 18/05/2012,

grifos do original.

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Fundada em 1921, a Folha é, desde 1980, o jornal mais vendido do país entre os

diários nacionais de interesse geral. O crescimento foi calcado nos princípios editoriais do

Projeto Folha: pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência. Organizado em

cadernos temáticos diários e suplementos, tem circulação nacional. Foi o primeiro veículo de

comunicação do Brasil a adotar a figura do ombudsman e a oferecer conteúdo on-line a seus

leitores.12

O jornal “A Folha do Estado de São Paulo” possui 40 cm de largura por 65 com de

altura, o que pode significar que não é facilmente manipulável. Mas, as condições do papel,

de pouco valor e resistência, podendo ser facilmente dobrado e destacável do todo, graças à

divisão dos cadernos, soltos entre si, compensa as dimensões, tornando o de fácil manuseio e

transporte.

As informações contidas em seu corpo são tratadas de forma factual, e a temporalidade

das notícias reflete uma percepção de história presentista13

, termo cunhado por François

Hartog, por estimular uma visão imediatista dos eventos, sem reflexões sobre passado ou

mesmo perspectiva de futuro, o que garante a venda de um novo exemplar para manter o

leitor sempre informado do que acontece a cada instante. Portanto, o tratamento dado ao

tempo neste tipo de periódico não é inocente, tem grande relação com a lógica de

retroalimentar uma relação de poder e informações contidas nos grupos midiáticos atuais, de

sua força de fazer recortes do contínuo de eventos que ocorrem nas sociedades humanas,

dando ênfase em determinados assuntos com claros objetivos políticos, econômicos, sociais e

culturais. Apesar de sem declarar apartidária.

Possui amplo uso de recursos fotográficos, com o objetivo de ilustrar ou mesmo tirar a

imparcialidade do conteúdo escrito ao qual está vinculado. O imediatismo da sociedade atual,

a velocidade com as quais se dão toda a sorte de relações sociais dá à fotografia um papel

extremamente importante, pois ela passa como prova e estatuto do real, tendo seu caráter de

representação14

, termo utilizado por Roger Chartier, negligenciado de forma freqüente.

A alta taxa de circulação do jornal, sendo vendido em todo o território nacional, tendo

atingido seu auge nos anos 90, evidencia sua penetração na sociedade brasileira na formação

12

Disponivel em: http://www1.folha.uol.com.br/institucional/conheca_a_folha.shtml acessado em (21/05/2012) 13

HARTOG, François. Tempo do mundo, História, escrita da História. (Introdução) In: GUIMARÃES, Manuel

Luis Salgado. Estudos sobre a escrita da História. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2006. 14

CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Tradução: Maria Manuela

Galhardo. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1990.

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da opinião pública. Tal conclusão pode ser reforçada por seu valor comercial, chegando a

cifra de R$ 1,00 durante a semana de meados de abril de 1996, um valor relativamente

acessível à maior parte do público alfabetizado. O jornal possui longa longevidade, não

exatamente sobre a mesma direção, o que evidencia seu sucesso no ramo jornalístico, tendo

sido fundado em 192115

. Por fim, possuem entre suas colunas, muitos itens de publicidade e

propaganda, mostrando que parte de sua renda deriva de empresas de capital privado. Isto

pode influenciar de sobremaneira o posicionamento do mesmo em determinados assuntos,

procurando sempre atrair novos investidores e empresas e ao mesmo tempo não afastar-se das

presentes. Isto implica não posicionar-se contra seus interesses.

Com relação ao lugar que a noticia ocupa no periódico, vale ressaltar que, o texto

obteve destaque especial, logo na capa do jornal aparece como principal noticia, onde se lê em

letra grande “Conflito mata pelo menos 19 no Pará”, algo que aparenta ser mais um jogo de

marketing do que de destaque mesmo16

, tendo em vista o fato de que, a reportagem em si, que

está localizada na página 8, não apresenta um aprofundamento sobre o assunto, a reportagem

que ocupa apenas um quinto da página está dividida em três colunas, com uma ilustração no

centro, localizando geograficamente, de forma superficial, o local onde se estabeleceu o

conflito. Como a reportagem é do dia seguinte após o ocorrido, esse não aprofundamento

pode ser que tenha sido devido à falta de informações precisas, pois ainda era tudo muito

recente.

Em síntese, o texto se propôs a transmitir informações básicas com base em

depoimentos recolhidos principalmente da direção do MST no Pará, onde ele cita o nome de

Charles Trocatti, e do secretário de Segurança Publica do Pará Paulo Sette Câmara, há

também a fala do médico Faisal Saemem o qual mostrou sua preocupação quanto a um

possível aumento do numero de vítimas fatais.

Os autores da reportagem mostram contrastes entre os depoimentos, sem se

posicionarem de um lado ou de outro. Percebe-se nas falas a questão sobre quem teria

iniciado o conflito. Câmara afirma que os policiais foram recebidos a tiros, pauladas e

pedradas, o que fez com que eles fossem obrigados a reagir para se defenderem. Enquanto que

o MST afirma que os policiais começaram o tiroteio e que eles usavam apenas enxadas e

15

http://www1.folha.uol.com.br/institucional/historia_da_folha.shtml (21/05/2012) 16

Vale ressaltar que o ocorrido foi ganhando cada vez mais destaque nos números subsequentes, onde se percebe

uma posição clara da folha de indignação com o fato.

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foices. A folha em outros números posteriores explorou melhor essa questão. Apesar de

utilizar depoimentos contrastantes sobre ambos os lados, deixou claro que a ação foi de

assassinato por parte dos policiais.17

A Folha do Estado de São Paulo no dia 27 publicou uma série de questões que

encontravam-se em aberto, como, por exemplo,”Porque os policiais que entraram em conflito

com os sem terra estavam sem identificação?” ou “Porque foi permitido aos PMs o uso de

armas particulares na ação?”18

. Tais questões, dentre outras, nos leva a refletir sobre o uso

da violência em causas propriamente políticas desse fenômeno.

É perceptível no ocorrido, no caso o genocídio, que este trás a tona aspectos ocultos da

estrutura de poder, cujo elemento mais aparente é o uso recorrente da violência na reprodução

deste cenário político. Percebe-se também a atuação no palco do meio rural as forças policiais

enquanto protagonistas de cenas de violência, confundindo espaço publico e privado.

(BARREIRA, 1999)

Cézar Barreira (1999) têm em seu olhar sobre esse acontecimento, ao inseri-lo em um

quadro maior de conflitos e violências no campo, a construção real de uma articulação entre o

poder publico e o poder privado dos grandes proprietários de terra. Segundo ele, no meio rural

as milícias dos grandes proprietários de terras formadas por jagunços e pistoleiros,

confundiam-se sistematicamente com as polícias locais: nas ações e nas ordens. As ordens

eram emitidas indiscriminadamente pelos chefes políticos, coronéis-proprietários de terra ou

comandos das polícias locais. Todos se colocavam como defensores e representantes da

ordem. Nas ações, uma possível separação entre a defesa dos bens públicos e dos bens

privados era minimizada. As ações das polícias locais eram restritas à preservação de um

patrimônio privado. Existia, segundo o autor, uma perfeita simbiose nas ações das milícias

privadas e nas polícias locais, quando se tratava de defesa do patrimônio de um coronel-

proprietário de terra pertencente às forças políticas dominantes.

Alguns desdobramentos sobre o MST pós o ocorrido podem ser percebidos nas falas

de um dos membros da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem

Terra (MST). Eleonora de Lucena em entrevista para a Folha de S. Paulo em 2011 formulou a

17

Folha de São Paulo disponível em: http://acervo.folha.com.br/fsp/1996/04/19/2/. E também no numero do dia

20/04/1996 disponível em: http://acervo.folha.com.br/fsp/1996/04/20/2/ ambos acessados no dia 19/05/2012. 18

Ambas as questões foram retiradas do jornal Folha de São Paulo 27/04/1996 disponível em:

http://acervo.folha.com.br/fsp/1996/04/27/2/ acessado no dia (19/05/2012).

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seguinte questão a João Pedro Stedile; “Neste momento, o MST promove uma série de

manifestações e eventos para lembrar o massacre de Eldorado do Carajás, de 17 de abril de

1996. O que mudou de lá para cá no movimento, na estrutura agrária, na repressão ao

movimento, na sua imagem pública?” Em resposta Stedile chama a atenção para o fato de

que, durante o governo FHC, as oligarquias se sentiram impunes e fortalecidas com a

hegemonia completa das ideias neoliberais. Então, provocaram diversos massacres para impor

sua visão de mundo e tentar impedir a organização dos pobres com a repressão bruta. No

campo, foram Corumbiara e Carajás, além de outros na cidade.19

Segundo ele, o padrão de violência física no campo diminuiu. Não há mais tantos

assassinatos, mas cresceu no ano passado. As forças policiais também estão em menor

número a serviço do latifúndio, pois temos mais governos estaduais progressistas. Lamenta

Stedile, o fato de que, ainda temos alguns governadores que não aprenderam que PM não é

para resolver conflito social. Temos a situação de que, infelizmente, nenhum dos culpados do

Massacre de Carajás tenha sido punido20

. Esperamos que o STF julgue logo o recurso e

coloque os comandantes do massacre na cadeia. Lutar na semana de 17 de abril, para ele, é

uma necessidade para avançar a reforma agrária. É uma obrigação legal, já que,

envergonhado, o presidente FHC, antes de sair, assinou um decreto definindo essa data como

dia nacional de luta pela reforma agrária. Afirma ainda que continuará fazendo sua parte,

organizando os pobres do campo para que tenham consciência de seus direitos e lutem para

ter acesso a terra.21

Desta forma, um aprofundamento das questões exige o enfoque de alguns pontos sobre

o Movimento Nacional dos Trabalhadores Sem Terra, que definem a sua trajetória do

Massacre em Eldorado dos Carajás, até os dias atuais. A representação22

jornalística do

ocorrido, desnuda vários elementos fundamentais para o entendimento tanto da questão

agrária no país, quanto para a compreensão do impacto dos movimentos sociais em

determinadas conjunturas históricas, como o foi em 1996. Pensada a partir de um periódico,

19

Entrevista publicada em 18/04/2011, disponível no site: http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/stedile-

detona-o-otavinho-o-aldo-a-katia.html acessado em 18/05/2012. 20

É importante ressaltar que o coronel Mario Colares Pantoja e o major José Maria Pereira de Oliveira,

responsáveis pela a ação que resultou no massacre foram condenados pelo Tribunal de Justiça do Paráno dia

07/05/2012. Notícia disponível em: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2012/05/07/

interna_brasil,301184/justica-manda-prender-responsaveis-pelo-massacre-de-eldorado-dos-carajas.shtml 21

Ibid. 22

Chartier, Roger. Op cit.

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10

podemos identificar tais questões nas afirmações de Rachel Bertol sobre a catalização de um

movimento social que reivindica a reforma agrária, por elementos midiáticos nos anos 1990.23

Os Massacres de Corumbiara e Eldorado dos Carajás contribuíram fortemente para

que os interesses políticos do MST fossem conhecidos nacionalmente, “o que faltava para que

ocorresse a mudança de status diante da opinião pública”.24

A veiculação de informações por

canais de mídia e a documentação das ações do movimento por meio de publicações,

fotografias e difusão pela imprensa, contribuíram para a internacionalização das ideias do

movimento, que utilizavam de forma estratégica toda situação de tensão a que se envolvia o

movimento, como por exemplo, a instituição do dia mundial da reforma agrária, 17 de abril,

dia marcado por êxito em uma ocupação no Paraná e pela chacina de Eldorado dos Carajás no

Pará. Tais estratégias evidenciam novas formas de orientação política de grupos ligados a

movimentos sociais em forte confluência com meios da imprensa. Sebastião Salgado,

fotógrafo de várias intervenções do movimento, contribuiu para essa difusão midiática: “As

fotos de Salgado depois ganharam o mundo no livro Terra, publicado no ano seguinte pela

Companhia das Letras, com texto de José Saramago” 25

Portanto, pensado em uma escala mais abrangente de informação, identificamos a

repercussão do fato tratado pelo jornal Folha do Estado de São Paulo, como elemento

fundamental para a compreensão de questões suscitadas neste estudo, principalmente o que

tange a organização e posicionamento político do MST na década de 1990 e a conciliação do

Estado para o atendimento de algumas dessas reivindicações, não sem o horizonte do

confronto e da violência, “nos desfechos de conflitos sociais em que a violência surge

constantemente, na impossibilidade de serem realizadas negociações ou consensos sociais,

aparece o embrião de antigas práticas em novos contextos sociopolíticos.” 26

Os Massacres de Corumbiara e Eldorado dos Carajás contribuíram fortemente para

que os interesses políticos do MST fossem conhecidos nacionalmente, “o que faltava para que

ocorresse a mudança de status diante da opinião pública”.27

A veiculação de informações por

canais de mídia e a documentação das ações do movimento por meio de publicações,

23

BERTOL, Rachel. Como os sem-terra se inventaram pela mídia: a novidade social nos anos 1990. Rio de

Janeiro: Estudos Históricos, n°31, 2003, p. 3-23. 24

Idem, p.14 25

BARREIRA, César. Crônica de um massacre anunciado Eldorado dos Carajás. São Paulo

Perspec. [online], vol.13, n.4, 1999. pp. 105-118 26

BARREIRA, César. Crônica de um massacre anunciado Eldorado dos Carajás. São Paulo

Perspec. [online], vol.13, n.4, 1999. pp. 105-118.

27

Idem, p.14

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fotografias e difusão pela imprensa, contribuíram para a internacionalização das ideias do

movimento, que utilizavam de forma estratégica toda situação de tensão a que se envolvia o

movimento, como por exemplo, a instituição do dia mundial da reforma agrária, 17 de abril,

dia marcado por êxito em uma ocupação no Paraná e pela chacina de Eldorado dos Carajás no

Pará. Tais estratégias evidenciam novas formas de orientação política de grupos ligados a

movimentos sociais em forte confluência com meios da imprensa. Sebastião Salgado,

fotógrafo de várias intervenções do movimento, contribuiu para essa difusão midiática: “As

fotos de Salgado depois ganharam o mundo no livro Terra, publicado no ano seguinte pela

Companhia das Letras, com texto de José Saramago” 28

Portanto, pensado em uma escala mais abrangente de informação, identificamos a repercussão

do fato tratado pelo jornal Folha do Estado de São Paulo, como elemento fundamental para a

compreensão de questões suscitadas neste estudo, principalmente o que tange a organização e

posicionamento político do MST na década de 1990 e a conciliação do Estado para o

atendimento de algumas dessas reivindicações, não sem o horizonte do confronto e da

violência, “nos desfechos de conflitos sociais em que a violência surge constantemente, na

impossibilidade de serem realizadas negociações ou consensos sociais, aparece o embrião de

antigas práticas em novos contextos sociopolíticos.” 29

28

28

BARREIRA, César. Crônica de um massacre anunciado Eldorado dos Carajás. São Paulo

Perspec. [online], vol.13, n.4, 1999. pp. 105-118 29

BARREIRA, César. Crônica de um massacre anunciado Eldorado dos Carajás. São Paulo

Perspec. [online], vol.13, n.4, 1999. pp. 105-118.

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REFERENCIAS:

Fontes:

OLIVEIRA, Wagner; ZANINI, Fábio. Confronto mata pelo menos 19 no Pará. FOLHA DE

SÃO PAULO, 18/04/1996, p. 8. Disponível em: http://acervo.folha.com.br/fsp/1996/04/18/2/

acessado em (18/05/2012).

Bibliografia:

BARREIRA, César. Crônica de um massacre anunciado Eldorado dos Carajás. São

Paulo Perspec. [online], vol.13, n.4, 1999. pp. 105-118.

CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Tradução: Maria

Manuela Galhardo. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1990.

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ANEXO I: (Transcrição do documento)

Confronto mata pelo menos 19 no Pará.

Fábio Zanini e Wagner Oliveira da agencia Folha.

Um confronto entre a polícia militar e sem-terra, por volta das 17h de ontem, no

município de Eldorado dos Carajás (Oeste do Pará), deixou pelo menos 19 mortos e vários

feridos, segundo a Secretária de Segurança Pública do Estado do Pará.

Segundo informações do Hospital Elcione Barbalho, da cidade vizinha de

Curionópolis, haviam chegado 18 corpos de trabalhadores sem-terra até às 21h e 45.

A direção Estadual do MST (Movimento Nacional dos Trabalhadores Sem Terra) diz

que o numero de mortos é de cerca de 60.

“Os corpos tem várias perfurações de balas, inclusive na cabeça. Provável que o

numero de cadáveres aumente”, disse o médico Faisal Saemem, do hospital.

O secretário de Segurança Publica do Pará, Paulo Sette Câmara, afirmou que, pelas

informações que obteve da delegacia de Curionóplis, “o quadro é assustador”.

Ele disse que até às 22h e 15 não havia conseguido falar com o comandante da

operação no local para saber mais detalhes sobre o confronto e para saber se houve excesso da

polícia.

Vitimas Fatais.

“Ainda não temos uma avaliação precisa, mas um companheiro que esteve no local

afirmou que as vitimas fatais foram muitas”, afirmou Charles Trocatti da direção estadual do

MST no Pará.

Câmara afirmou que os primeiros socorros foram prestados em Eldorado dos Carajás.

Os policiais e sem terra feridos estavam sendo transferidos para Marabá distante 80

quilômetros de onde ocorreu o conflito.

O confronto ocorreu no instante em que 200 policiais militares tentavam desimpedir a

rodovia PA-150. A estrada tinha sido interditada por cerca de 3,500 sem terra no inicio da

tarde de ontem, segundo o MST.

Segundo o secretário de Segurança, os policiais foram recebidos a tiros, pauladas e

pedradas pelos sem terra. O MST afirma que os policiais começaram o tiroteio e que os sem

terra usavam apenas enxadas e foices.

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Câmara afirmou que os policiais foram obrigados a reagir para se defender. “É

lamentável que os sem terra tenha tomado essa atitude de confronto após tanta negociação

para resolver o problema de terra no Estado”, afirmou.

Caminhada.

Os sem terra estavam em caminhada para Marabá. Eles saíram ha dois dias do

município de Curionópolis, onde reivindicavam a desapropriação da fazenda Macaxeira.

Hoje, eles teriam em Marabá encontro com o superintendente estadual do INCRA,

Valter Cardoso, que daria uma posição sobre o processo de desapropriação da fazenda

Macaxeira.

A interdição da estrada começou anteontem. Os sem terra pararam no Km 100, a oito

quilômetros de Eldorado do Carajás. Após negociação com a PM eles acamparam no

acostamento.

No inicio da tarde de ontem, voltaram a ocupar a rodovia e a reivindicar 50 ônibus

para transportá-los até Marabá. Pediam, segundo a policia, dez toneladas de alimentos.

Câmara afirmou que a PM não podia tolerar o bloqueio da PA-150, que é a principal

ligação do sul do Estado com Belém. Câmara afirmou que o processo de desocupação da

fazenda Macaxeira já dura um ano e quatro meses e que está em fase final de aprovação no

INCRA, em Brasília, para desapropriação da área.