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1 EM BUSCA DO CONHECIMENTO: UMA ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DE NOVOS GERENTES EM TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO Autoria: Cyntia Vilasboas Calixto, Claudio Corrêa Carrara, Christine de Vasconcellos Horbe, Sílvio Luís de Vasconcellos RESUMO Este artigo procura identificar a transmissão de conhecimento durante um processo de formação gerencial em uma empresa brasileira do setor de tecnologia da informação, sob a ótica da Gestão do Conhecimento. Para atender esse objetivo, o estudo ancorou-se em três lentes teóricas: Visão Baseada em Recursos, Visão Baseada no Conhecimento e Aprendizagem Organizacional. Tendo em vista que o conhecimento é um recurso estratégico capaz de gerar vantagem competitiva, buscou-se compreender a forma de transmissão do conhecimento de profissionais mais experientes para os trainees a fim de potencializar a estratégia da empresa. 1. INTRODUÇÃO O segmento de Tecnologia da Informação (TI) no Brasil tem se desenvolvido de maneira significativa nos últimos anos, alcançando índices de crescimento de 15% no ano de 2010, e com uma previsão de 13% para 2011, o dobro da média mundial, o que reflete a consolidação deste setor (IDC, 2010). O Brasil figura hoje como o segundo país que mais investe em TI, ficando atrás apenas da China, embora os seus gastos representem apenas 2,1% dos gastos mundiais (IDC, 2010). O país vem demonstrando possuir potencial de tornar-se um centro de referência internacional de operações offshore em TI, operação a partir da qual se exportam serviços para outros países, uma vez que já está entre os trinta melhores países de referência para essa prática, segundo estudo do Gartner (Computerword, 2010). A credibilidade brasileira como centro de serviços em offshore pode ser corroborada pela prática de grandes empresas de TI e clientes intensivos de TI, como SAP, IBM, Accenture, Volvo, Dell, Renault, HSBC. Por outro lado, a competição nesta indústria está se intensificando pela presença dos principais players mundiais do setor no Brasil e do aumento das fusões e aquisições por empresas multinacionais. Segundo o estudo da KPMG sobre Fusões e Aquisições no Brasil i , o setor de tecnologia da informação foi o que realizou maiores transações no país, realizando 46 operações. Os recentes casos da Procwork, CPM Braxis, TIVIT e Politec ilustram aquisição das empresas brasileiras por grandes grupos internacionais e fundos de investimentos. A BrasilTI atua com foco no desenvolvimento de softwares e sistemas, outsourcing (terceirização) e consultorias em gestão empresarial e de TI, assim como na implantação e desenvolvimento de soluções. Fundada na década de 90 na região Sul do país, a companhia se desenvolveu utilizando apenas capital nacional e hoje é uma das principais empresas brasileiras de TI, contando com mais de 1.200 colaboradores no seu quadro funcional (BrasilTI, 2011) ii . A empresa investe no desenvolvimento de soluções, produtos e processos com características inovadoras, que possam agregar valor à empresa e seus clientes. A partir de 2009, a BrasilTI voltou a sua atenção para o entendimento das barreiras que dificultam a manutenção de suas taxas de crescimento. Com a revisão do planejamento estratégico, constatou-se que o principal elemento a ser potencializado seria a formação de novas lideranças: gerentes de relacionamento e gestores de unidade. Esses colaboradores possuem uma posição estratégica na empresa, pois detêm autonomia para contratar, demitir, definir preço, gerir resultado, e entregar o resultado. Os gerentes de relacionamento da BrasilTI, na sua grande maioria (20 dos 25 colaboradores que exercem esta função) são oriundos da área técnica e que com o tempo

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EM BUSCA DO CONHECIMENTO: UMA ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DE NOVOS GERENTES EM TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO

Autoria: Cyntia Vilasboas Calixto, Claudio Corrêa Carrara, Christine de Vasconcellos Horbe, Sílvio Luís de Vasconcellos

RESUMO Este artigo procura identificar a transmissão de conhecimento durante um processo de formação gerencial em uma empresa brasileira do setor de tecnologia da informação, sob a ótica da Gestão do Conhecimento. Para atender esse objetivo, o estudo ancorou-se em três lentes teóricas: Visão Baseada em Recursos, Visão Baseada no Conhecimento e Aprendizagem Organizacional. Tendo em vista que o conhecimento é um recurso estratégico capaz de gerar vantagem competitiva, buscou-se compreender a forma de transmissão do conhecimento de profissionais mais experientes para os trainees a fim de potencializar a estratégia da empresa.

1. INTRODUÇÃO O segmento de Tecnologia da Informação (TI) no Brasil tem se desenvolvido de maneira

significativa nos últimos anos, alcançando índices de crescimento de 15% no ano de 2010, e com uma previsão de 13% para 2011, o dobro da média mundial, o que reflete a consolidação deste setor (IDC, 2010). O Brasil figura hoje como o segundo país que mais investe em TI, ficando atrás apenas da China, embora os seus gastos representem apenas 2,1% dos gastos mundiais (IDC, 2010).

O país vem demonstrando possuir potencial de tornar-se um centro de referência internacional de operações offshore em TI, operação a partir da qual se exportam serviços para outros países, uma vez que já está entre os trinta melhores países de referência para essa prática, segundo estudo do Gartner (Computerword, 2010). A credibilidade brasileira como centro de serviços em offshore pode ser corroborada pela prática de grandes empresas de TI e clientes intensivos de TI, como SAP, IBM, Accenture, Volvo, Dell, Renault, HSBC.

Por outro lado, a competição nesta indústria está se intensificando pela presença dos principais players mundiais do setor no Brasil e do aumento das fusões e aquisições por empresas multinacionais. Segundo o estudo da KPMG sobre Fusões e Aquisições no Brasili, o setor de tecnologia da informação foi o que realizou maiores transações no país, realizando 46 operações. Os recentes casos da Procwork, CPM Braxis, TIVIT e Politec ilustram aquisição das empresas brasileiras por grandes grupos internacionais e fundos de investimentos.

A BrasilTI atua com foco no desenvolvimento de softwares e sistemas, outsourcing (terceirização) e consultorias em gestão empresarial e de TI, assim como na implantação e desenvolvimento de soluções. Fundada na década de 90 na região Sul do país, a companhia se desenvolveu utilizando apenas capital nacional e hoje é uma das principais empresas brasileiras de TI, contando com mais de 1.200 colaboradores no seu quadro funcional (BrasilTI, 2011)ii.

A empresa investe no desenvolvimento de soluções, produtos e processos com características inovadoras, que possam agregar valor à empresa e seus clientes. A partir de 2009, a BrasilTI voltou a sua atenção para o entendimento das barreiras que dificultam a manutenção de suas taxas de crescimento. Com a revisão do planejamento estratégico, constatou-se que o principal elemento a ser potencializado seria a formação de novas lideranças: gerentes de relacionamento e gestores de unidade. Esses colaboradores possuem uma posição estratégica na empresa, pois detêm autonomia para contratar, demitir, definir preço, gerir resultado, e entregar o resultado.

Os gerentes de relacionamento da BrasilTI, na sua grande maioria (20 dos 25 colaboradores que exercem esta função) são oriundos da área técnica e que com o tempo

 

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assumem esta posição que tem características mais comerciais. Até o ano de 2010 os novos gerentes de relacionamento (trainees) passavam por um treinamento informal até adquirirem conhecimentos para gerenciar sozinhos seus clientes.

Tendo em vista as constantes dúvidas dos trainees, aliadas com os novos objetivos da empresa, percebeu-se a necessidade de formalizar métodos e procedimentos comerciais, além das experiências de seus profissionais com os clientes. Assim, criou-se no final de 2010 o Processo de Formação Gerencial BrasilTI. Esse processo é composto por um treinamento formal, com base em cursos on-line, palestras com gestores e da convivência com um gestor mais experiente nas reuniões com os clientes.

Considerando que o Processo de Formação Gerencial BrasilTI é recente, que o grupo de trainees está neste momento participando do processo formal e conta com a supervisão e apoio de um coaching (responsável por aumentar e/ou desenvolver as competências do executivo para que ele se torne um líder mais eficaz), surgiu a seguinte questão de pesquisa: Como ocorre o processo de transferência do conhecimento para os novos gerentes de relacionamento (trainees) da BrasilTI?

No intuito de responder esta pesquisa, os autores buscaram suporte em três lentes teóricas: Visão Baseada em Recursos (Resource Based View of the firm – RBV), Visão Baseada no Conhecimento (Knowledge Based View of the firm – KBV) e Aprendizagem Organizacional, todas com enfoque na Gestão do Conhecimento. Entende-se que a Gestão do Conhecimento seja a temática que melhor explique o processo de transferência do conhecimento. Por isso, o objeto de análise proposto por este estudo visa contribuir para a compreensão da capacidade da organização em desenvolver profissionais e transmitir conhecimentos desenvolvidos.

Apesar de ser um estudo de caso único, o artigo poderá contribuir para as pequenas e médias empresas de TI na compreensão das suas formas de transmitir conhecimento e potenciais lacunas existentes em seus processos. Para a academia, o setor de TI brasileiro é estratégico e há poucos estudos. Este artigo poderá servir de estímulo às empresas, pois o conhecimento é um ativo capaz de proporcionar vantagem competitiva neste setor.

Este estudo tem por objetivo analisar a transferência de conhecimento para os trainees. Especificamente, objetivou-se: a) compreender o Processo de Formação Gerencial BrasilTI, bem como o ambiente de sua formulação; b) identificar como os tipos de conhecimento (tácito e explícito) são percebidos e transmitidos pelos participantes do processo (formadores e formandos); c) compreender a articulação desses recursos e capacidades para o desenvolvimento dos novos gerentes de relacionamento e d) relacionar tais elementos com os objetivos da empresa ao criar este modelo de formação e identificar possíveis falhas e melhorias no processo.

O artigo é composto por seis seções: após a introdução, apresenta-se o referencial teórico que lhe amparou. Na Terceira seção, é apresentada a metodologia utilizada para a realização do estudo. Em seguida, é descrito o caso, a partir das entrevistas realizadas com os colaboradores da empresa estudada. Posteriormente, as informações são cruzadas, confrontando o campo teórico e o empírico. Na última, as considerações finais acerca do que foi proposto.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Visão Baseada em Recursos

A Visão Baseada em Recursos surgiu com Wernerfelt (1984), com base nos estudos

seminais de Penrose (1959), que via no elemento humano o recurso chave para o sucesso da firma. Esta lente teórica defende que competências, capacidades e habilidades (uma vez que

 

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elas sejam valiosas, raras, inimitáveis e insubstituíveis) podem gerar vantagem competitiva para a empresa (Barney, 1991).

A abordagem estratégica da RBV propõe que os recursos internos da empresa sejam os principais determinantes de sua competitividade, por meio da posição em recursos, ou seja, possibilidade de articular os recursos da empresa de forma a desenvolver uma posição competitiva (Wernerfelt, 1984).

Barney (1991) considera como recursos da empresa todos os ativos, capacidades, processos organizacionais, competências, informações, conhecimento e demais habilidades controladas pela empresa e que lhe permitam conceber e implementar estratégias que melhorem a eficiência e eficácia. Para melhor contextualização, o autor distribuiu os recursos em três categorias:

i. Capital Físico: composto por tecnologias, equipamentos, localização geográfica e o acesso a matéria prima;

ii. Capital Humano: incluindo treinamento, experiência, inteligência e relacionamentos e iii. Capital Organizacional: reunindo capital organizacional, estrutura, planejamento

formal e informal, controle e as relações entre os grupos da empresa e seu ambiente. Para Teece, Pisano and Shuen (1997), as capacidades específicas de uma empresa e o seu

dinamismo de propagá-las para gerar novas competências estão vinculadas a sua capacidade de explorá-las a fim de manter sustentabilidade de suas vantagens competitivas. Ainda de acordo com estes autores, a coordenação, a aprendizagem e a articulação de seus recursos permitem a organização alterar seus processos em busca da vantagem competitiva.

Em 2001, Barney, Wright and Ketchen Jr. dedicam uma edição especial do Journal of Management para realizar a releitura dos artigos publicados em 1991 sobre RBV. Os mesmos autores criam uma nova edição para esta temática no Journal of Management em 2011, reunindo novamente os autores-chave e suas respectivas contribuições, apresentando a evolução do conceito de RBV e sua proeminência à teoria (chamada de Resource Based Theory – RBT), uma vez que descreve, explica e prediz relações organizacionais (Barney, Wright & Ketchen, 2011).

Este artigo dá ênfase no conhecimento, um recurso estratégico e intangível capaz de proporcionar vantagem competitiva uma vez que não pode ser negociados ou facilmente imitados pelos competidores ao passo que são enraizadas na história e cultura organizacional (Fleury & Oliveira Jr., 2008).

2.2 Visão Baseada no Conhecimento

No mercado onde produtos, tecnologias, competidores e regulamentações mudam

rapidamente, a inovação contínua e o conhecimento permitem que tal inovação torne-se importante fonte de vantagem competitiva sustentável (Nonaka, Toyama & Konno, 2000).

Ancorada na RBV surge a Visão Baseada no Conhecimento, a qual avalia o conhecimento como o principal ativo estratégico da organização e acredita que este ativo pode produzir vantagem competitiva sustentável em longo prazo (Alavi & Dorothy, 2001). Segundo Grant (1996) a Visão Baseada no Conhecimento não é uma teoria da firma, pois representa uma confluência de lentes teóricas já bem estabelecidas a respeito da incerteza e da informação, apresentando fluxos de novos pensamentos sobre a empresa.

A KBV postula que os serviços prestados a partir de recursos tangíveis dependem de como eles são combinados e aplicados. Considerando que o conhecimento é incorporado em diversas entidades incluindo a cultura organizacional, rotinas, procedimento, documentos e colaboradores, a tecnologia da informação (via internet, intranet, base de dados e etc.) tem um papel importante na KBV , pois é capaz de ampliar e difundir o conhecimento para toda a organização (Alavi & Leidner, 1999).

 

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A maioria da literatura a respeito de KBV foca nas capacidades dinâmicas e os processos específicos que a empresa utiliza para alterar a sua base de recursos como fontes de vantagem competitiva (Barney, 2001).

2.3 Informação versus Conhecimento

Em 1991, Nonaka postulava: “Numa economia onde a única certeza é a incerteza, apenas

o conhecimento é fonte segura de vantagem competitiva” (p.27). Entretanto, o que é conhecimento?

De acordo com Davenport and Prusak (1998), dados são conjuntos de fatos distintos sobre eventos (como números, imagens, sons) que por si só não tem significado. Já a informação é um conjunto de dados interpretados, com significado intelectual e valor agregado. Ainda, o conhecimento é a informação transformada pelo ser humano, por meio de comparação, assimilação, conexões e posterior conversão para conhecimento. Este possui um significado estruturado e está associado a um conjunto de crenças. Nas organizações, o conhecimento está embutido nos documentos, rotinas e processos.

Com base nos estudos de Polanyi (1966), Nonaka and Konno (1998) apontam que existem dois tipos de conhecimento: explícito e tácito. O conhecimento explícito pode ser expresso em palavras ou números e ser compartilhado através de relatórios, manuais, banco de dados e etc. Por outro lado, o conhecimento tácito não é facilmente visível ou verbalizado. Trata-se de intuição, experiência e técnicas pessoais, as quais são influenciadas por valores, ideais e emoções e, por isso, é tão difícil de transmitir a outro indivíduo ou de ser gerenciado.

Neste trabalho é adotado o seguinte conceito de conhecimento, a partir do trabalho de Nonaka and Takeuchi (1997): é uma função de atitude, perspectiva ou intenção específica, que está relacionado à ação e seu significado é relacional e específico ao contexto. Logo, está relacionado com alguma finalidade particular e é criado de forma dinâmica na interação social entre as pessoas.

A Gestão do Conhecimento (GC) pode ser vista como um conjunto de processos que facilitam a aplicação e desenvolvimento do conhecimento na organização fim de gerar vantagem competitiva para a organização (Nonaka & Takeuchi, 1997).

2.4 Gestão do Conhecimento

Assim como as pessoas, a organização é capaz de desenvolver um senso de identidade e um propósito fundamental coletivos. O processo de criar novos conhecimentos induz a “recriação” da organização e todas as pessoas que a compõem, por meio de um processo ininterrupto de autorenovação. (Nonaka, 1991).

O modelo desenvolvido por Nonaka and Takeuchi (1997) sobre a criação do conhecimento está ancorado no pressuposto de que o conhecimento humano é criado e expandido através da interação social entre o conhecimento tácito e explícito. Esta interação é denominada “conversão do conhecimento” e ocorre entre os indivíduos, proporcionando a expansão o conhecimento tanto qualitativamente quanto em quantidade.

Considerando que a transformação é interativa e expansiva, os autores determinam que o fluxo de interação de conhecimentos tácito e explícito ocorre em espiral. Na espiral, o conhecimento começa em nível individual, movendo-se para o nível grupal e então para o nível organizacional (ver Figura 1).

 

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Figura 1: Espiral de conversão do conhecimento Fonte: Nonaka and Konno (1998, p. 43)

Os autores postulam quatro modos de conversão do conhecimento: Socialização: Conversão de conhecimento tácito em conhecimento tácito. Processo de

compartilhamento de experiências, modelos mentais ou habilidades técnicas compartilhadas.

Externalização: Processo de articulação do conhecimento tácito em conceitos explícitos. Pode ser expresso na forma de metáforas, analogias, conceitos, hipóteses e modelos e é provocado pelo diálogo ou pela reflexão coletiva.

Combinação: Conversão de conhecimento explícito em conhecimento explícito. Processo de sistematização de conceitos em um sistema de conhecimento. Entre as formas mais comuns de combinação estão trocas de documentos, reuniões, conversas ao telefone ou redes de comunicação computadorizada.

Internalização: Processo de incorporação do conhecimento explícito no conhecimento tácito, também conhecido como método “aprender fazendo”. A documentação ajuda os indivíduos a internalizarem suas experiências, além de ser uma forma de vivenciar as experiências alheias (Nonaka & Takeuchi, 1997).

Nonaka and Konno (1998) sugerem que a questão essencial para a criação do

conhecimento é o estabelecimento de um “Ba” na organização. O conceito de Ba (traduzido como contexto compartilhado) foi cunhado pelo filósofo japonês Kitaro Nishida. O termo foi adaptado pelos autores Nonaka and Konno (1998) para o desenvolvimento do modelo de criação do conhecimento, significando espaço compartilhado, podendo ser físico, virtual, mental ou uma combinação entre eles. Ba diferencia-se de interações humanas comuns pelo fato da geração, a difusão e a utilização do conhecimento.

Quatro tipos de Ba correspondem aos quatro modelos de criação do conhecimento [modelo Socialização, Externalização, Combinação e Internalização (SECI), previamente apresentado]:

 

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Ba Originário: lugar comum onde as pessoas compartilham experiências pessoalmente (socialização);

Ba Diálogo: refere-se ao espaço onde o conhecimento tácito é convertido em explícito e compartilhado entre os indivíduos pelo processo de diálogo e colaboração (externalização);

Ba Sistemático: espaço virtual de interação (combinação); Ba Exercício: conversão do explícito para o conhecimento tácito através do processo

de internalização. Focado no treinamento com mentores e colegas (internalização). Nonaka, Toyama and Konno (2000) buscam unificar suas ideias partindo do pressuposto

que utilizando os ativos do conhecimento, uma organização cria novos conhecimentos através do processo de conversão SECI e, uma vez criado, este se torna base para um novo espiral do conhecimento.

Para os autores, a base do processo de criação do conhecimento são os ativos do conhecimento. Eles definem ativos do conhecimento como recursos específicos que são indispensáveis para criar valor para a empresa. A fim de compreender de que forma esses ativos são criados, adquiridos e explorados, Nonaka, Toyama and Konno (2000) categorizam os ativos do conhecimento em quatro tipos:

Experienciais: consistem em ativos que são construídos a partir de conhecimentos tácitos compartilhados, entre os membros da organização, a organização e seus parceiros. Habilidades e know-how individuais, conhecimento emocional como atenção, confiança, segurança e entusiasmo são exemplos destes ativos.

Conceituais: consistem em conhecimentos explícitos articulados através de imagens, símbolos e linguagem. São ativos fundamentados nos conceitos incorporados pelos clientes e membros da organização como design e marca.

Sistêmicos: consistem em conhecimentos explícitos sistematizados e compactados como especificações de produtos e documentos com informação sobre clientes e fornecedores. Ainda, esta categoria engloba licenças e propriedade intelectual.

Rotineiros: consiste em conhecimentos tácitos que são rotinizados e incorporados nas ações e práticas da organização como a cultura organizacional e as rotinas.

Com base no pressuposto que o sucesso da empresa está relacionado com sua capacidade de criar e transferir conhecimento, é necessário compreender os mecanismos pelos quais o conhecimento é criado e transferido. O conhecimento é central para várias tradições em pesquisas distintas entre si, notavelmente a aprendizagem organizacional (Grant, 1996).

2.5 Aprendizagem Organizacional

Apesar da falta de unicidade do conceito de aprendizagem organizacional da literatura

vigente, adotou-se o conceito de Probst and Büchel (1994, pg.167): “Aprendizagem organizacional é a habilidade de uma instituição em descobrir erros e corrigi-los, mudando a base do conhecimento e valores para que novas habilidades em solucionar problemas e novas capacidades através da ação sejam possíveis”. Portanto, esse processo busca desenvolver a capacidade de aprender continuamente a partir das experiências e traduzir esses conhecimentos em práticas que torne a organização mais competitiva (Bitencourt, 2005).

Crossan, Lane and White (1999) desenvolveram um framework apresentando três níveis de aprendizagem e definindo uma seqüência e progressão dentre os diferentes níveis como um fluxo de interação (ver Figura 2). Os autores definiram o processo de aprendizagem tendo a Intuição como um reconhecimento pré-consciente de padrões e possibilidades inerentes a uma

 

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experiência pessoal. Este processo é seguido pela Interpretação que pode ser determinada como a explicação por meio de palavras ou ações de uma idéia a outra pessoa, o que resulta no desenvolvimento do diálogo (Abreu, Souza & Gonçalo, 2007).

Já a Integração é o processo de desenvolvimento do conhecimento compartilhado entre os indivíduos e, por último, a Institucionalização é o processo de assegurar que as rotinas ocorram através de ações específicas e mecanismos organizacionais. Ainda, este é o processo de compilar o conhecimento dos indivíduos e grupos para a organização através de sistemas, estruturas, procedimentos e estratégias, oficializando esses novos conceitos ou práticas na organização (Crossan, Lane & White, 1999). Segundo Souza, Cortezia e Gonçalo (2007), este framework também enfatiza a tensão entre assimilar novos conhecimentos (exploration) e usar o que já foi aprendido (exploitation).

Nível Processo Recursos Relação entre aprendizagem e

conhecimento

Individual

Intuição Experiências

Imagens/ Metáforas Exploration

Interpretação Linguagem/ Mapa Cognitivo

Conversas / Diálogos Exploitation

Grupal Integração Compreensão compartilhada

Sistemas Interativos Exploitation

Organizacional Institucionalização Rotinas

Regras e Procedimentos Exploitation

Figura 2: Processos em Aprendizagem Organizacional e sua relação com conhecimento Fonte: adaptado de Crossan, Lane and White (1999) e Souza, Cortezia e Gonçalo (2007)

Um elemento importante na transferência de conhecimento é a capacidade absortiva do

receptor, considerando o seu conhecimento prévio e a intensidade de esforço como pilares no desenvolvimento da apreensibilidade. Segundo Cohen and Levinthal (1990), capacidade absortiva é a habilidade da empresa em reconhecer o valor de informações novas e externas, assimilá-la e aplicá-la. Deve-se levar em conta não somente a aquisição e assimilação da informação, mas a habilidade da organização explorá-la. Portanto, a capacidade absortiva organizacional depende da interface entre a organização, ambiente externo e a transferência de conhecimento entre seus membros (Cohen & Levinthal, 1990).

Uma vez desenvolvidas as bases teóricas envolvidas neste artigo, na seção seguinte será apresentada a metodologia utilizada para realizar o estudo de caso.

3. METODOLOGIA Esta foi uma pesquisa de cunho exploratório, pois a questão de pesquisa visava procurar

padrões ou ideias e não testar ou confirmar hipóteses de problemas anteriormente pesquisados. Buscou-se relacionar o referencial teórico com as evidências empíricas coletadas e dados secundários obtidos na empresa analisada (Collis & Hussey, 2003). Em relação à técnica utilizada, adotou-se o estudo de caso para poder realizar um exame mais extenso do fenômeno (Yin, 2003). A escolha da empresa deu-se por conveniência, uma vez que os autores sabiam do interesse dos gestores em analisar a gestão do conhecimento na empresa.

Segundo Dubé and Paré (2003), uma das características para analisar se é próprio utilizar o método de estudo de caso na pesquisa, é verificar o tipo de questão proposta. As mais apropriadas seriam aquelas que usam como e por que, uma vez que elas lidam com ligações

 

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operacionais que precisam ser traçadas ao longo do tempo. Portanto, a pergunta de pesquisa deste estudo de caso se enquadra no recomendado pelos autores.

Para compor o estudo, realizou-se um protocolo do caso, elucidando o objetivo da pesquisa, o embasamento teórico para ancorá-la, assim como o plano de coleta de dados e procedimentos operacionais de campo (Dubé & Paré, 2003). O emprego de mais de um método de coleta de dados é indicado por Yin (2005), e por meio do protocolo do caso buscou-se analisar as possibilidades. O uso do protocolo do caso auxilia na validade do constructo e confiabilidade. Optou-se pelo uso de entrevistas semi-estruturadas e documentos internos da organização como material institucional e leitura dos módulos dos cursos on-line, no intuito de triangular os dados. A triangulação dos dados permite realizar análises mais cuidadosas, uma vez que há diferentes fontes de informação e auxilia a validar a pesquisa (Dubé & Paré, 2003).

Com base na síntese da teoria, foram determinadas categorias de análise para a elaboração do roteiro de entrevista. Foram realizadas seis entrevistas, todas desempenhadas com o uso de um roteiro semi-estruturado, gravadas e resumidas. Em metade da amostra, as entrevistas foram feitas pessoalmente por um dos autores, na própria BrasilTI no Sul do Brasil. As demais foram realizadas por telefone porque os entrevistados estavam alocados em outra unidade da empresa (São Paulo). Os detalhes do perfil dos entrevistados e informações relativas as entrevistas estão sintetizadas na Figura 3, abaixo:

Entrevistado Cargo Tempo de

empresa Modo de coleta

de dados Estado

1 Diretor Região Sul 10 anos Entrevista pessoal RS

2 Trainee GR 7 anos Entrevista pessoal RS

3 Gerente de Relacionamento

7 anos Entrevista pessoal RS

4 Gestor 10 anos Entrevista por telefone

SP

5 Gerente Comercial 2 anos e 3 meses

Entrevista por telefone

SP

6 Trainee GR entre 6 e 7 anos

Entrevista por telefone

SP

Figura 3: Dados das entrevistas Fonte: autores

Como critério de escolha dos participantes da pesquisa considerou-se que seria adequado entrevistar um diretor/gestor de unidade, pois este atua como formador no processo, um gerente sênior que tenha sido formado informalmente e hoje auxilia no processo e um trainee. Considerando que a seleção de novos gerentes de relacionamento ocorreu em todas as unidades da empresa, optou-se em realizar a entrevista (seguindo os mesmos moldes de seleção) em dois Estados. A escolha metodológica de entrevistas individuais ao invés de entrevistas em grupo deveu-se ao interesse de compreender as experiências individuais de cada entrevistado e da necessidade de obter as informações de lados opostos do processo de formação (formadores e trainees) sem que a outra parte se sentisse pressionada em fornecer respostas-padrão (Gaskell, 2000).

Por último, a unidade de análise deste estudo é o Processo de Formação Gerencial BrasilTI, uma vez que a transferência do conhecimento ocorre em toda a empresa e seria difícil analisá-la num curto período de tempo. Para análise dos dados, serão utilizadas as gravações das entrevistas, anotações realizadas durante a coleta de dados, os documentos internos da organização e os módulos do treinamento na plataforma Moodle.

 

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4. O PROCESSO DE FORMAÇÃO GERENCIAL BRASILTI Na BrasilTI a orientação ao cliente, comprometimento, empreendedorismo pessoal,

integridade e responsabilidade são as diretrizes observadas pela companhia e por todos que a compõem para agregar valor qualquer projeto ou atuação de que tome parte. A fim de alinhar essas diretrizes ao seus colaboradores, a empresa realizava palestras e seminários, além de divulgar suas ações por meio de dois informativos: Informativo A e Informativo B. O primeiro é enviado a todos os colaboradores por email e apresenta cases, perfil dos profissionais, fechamento de projetos e novidades da empresa. O segundo é direcionado para área comercial e vendas, apresentado o ranking de desenvolvimento do departamento e seus integrantes, inadimplência, atualização de ferramentas de acompanhamento comercial e gerencial.

Até 2009, a formação de novas lideranças, como os gerentes de relacionamento, era feita de maneira informal. O profissional acompanhava um gerente de relacionamento mais experiente e aos poucos ganhava autonomia para gerir seus próprios clientes. Percebeu-se que não havia materiais disponíveis sobre procedimentos comerciais, gestão de projetos e gestão do resultado, elementos importantes para o desenvolvimento da função. Logo, o novo Gerente de Relacionamento precisava buscar o conhecimento nas pessoas que exerciam a função e não possuia um plano de desenvolvimento dentro da empresa.

Em 2010, a empresa criou o Processo de Formação Gerencial BrasilTI. Esse processo é composto por um treinamento formal, com base em cursos on-line, palestras com gestores e da convivência com um gestor mais experiente nas reuniões com os clientes. Para desenvolver os módulos do treinamento, foram mobilizados os sócios (3 pessoas), gerentes de unidade (5 pessoas) e os gerentes de relacionamento mais experientes (8 pessoas).

Desenvolveu-se um mapeamento dos processos de gestão da área comercial, material sobre a cultura e valores da empresa, além das boas práticas de gestão, com base dos profissionais da BrasilTI considerados referência na sua área de atuação. Esses conteúdos se transformaram em módulos no treinamento dos trainees, que são realizados pela plataforma de ensino á distância Moodle.

O processo de seleção de trainees iniciou em novembro de 2010, com base numa seletiva nas oito unidades da empresa. Setenta colaboradores se inscreveram e após dinâmicas de grupo em cada estado, selecionaram-se seis participantes. Os selecionados iniciaram o Processo de Formação Gerencial no início de 2011, através de um encontro de abertura, reunindo sócios, gestores e gerentes sêniores.

Durante o encontro, ocorreram diversas palestras, explorando os valores, cultura e história da empresa. Seminários com cases de sucesso e fracasso, compartilhamento de experiências também foram ministrados pelos sócios da BrasilTI. Além disso, foram realizadas dinâmicas para a integração dos colaboradores, momentos de atividades esportivas como futebol e caminhada.

Após o encontro, os trainees receberam um cronograma dos treinamentos que deveriam realizar on-line e respectivas avaliações. A etapa subsequente era acompanhar e auxiliar um gerente mais experiente em suas atividades. O objetivo deste estágio é vivenciar as atribuições das funções de modo a compreender o posicionamento do profissional com o cliente, além de perceber o alinhamento dos valores da empresa com as atitudes profissionais do cargo.

Para finalizar o processo, foi realizado um novo encontro com todos os envolvidos no final de julho, a fim de formalizar o cumprimento das atividades propostas e concluir o treinamento. O último módulo proposto foi de gestão de pessoas, para auxiliar o novo gestor na seleção e gestão dos profissionais que farão parte de sua equipe. Concluído o treinamento, os novos gerentes de relacionamento já conquistaram as capacidades requisitadas pela

 

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empresa para a função e estão aptos a iniciar o gerenciamento de sua carteira de clientes, sob a supervisão de um gerente sênior pelo o período de 6 meses.

5. O CASO À LUZ DA TEORIA Dentre as lentes teóricas abordadas, a gestão do conhecimento é a fundamentação-base

para a compreensão do processo de transmissão do conhecimento. Ao longo do item 2, houve a intenção de descrever os tipos de conhecimento existentes na organização (tácito e explícito) e as formas de conversão destes conhecimentos na empresa (Nonaka & Takeuchi, 1997).

A RBV serviu como base para a compreensão do elemento humano como o recurso chave para o sucesso da firma (Penrose, 1959). O valor do recurso conhecimento como proporcionador de vantagem competitiva foi ressaltado pela RBV e, posteriormente com maior ênfase pela KBV (Grant, 1996). Ainda, foco do artigo cobre parcialmente os conceitos de aprendizagem organizacional, pois o Processo de Formação Gerencial da BrasilTI compreende a aprendizagem individual e grupal, tangenciando a aprendizagem organizacional propriamente dita (Crossan, Lane & White, 1999).

Com base no roteiro de entrevista proposto, os entrevistados foram questionados sobre o que entendiam por conhecimento e gestão do conhecimento. A maioria das respostas relacionava esses conceitos com o processo de aprendizagem da empresa, basicamente por meio da convivência e da gestão das atividades que executa. Percebe-se uma visão predominantemente do conhecimento tácito (Nonaka & Takeuchi, 1997). Quando questionados sobre a forma de transmissão do conhecimento para os novos Gerentes de Relacionamento, os seis entrevistados mencionaram a prática com um gerente mais experiente e o Processo de Formação Gerencial, composto por treinamento, palestras e apresentações. O Processo de Formação Gerencial formalizou os conhecimentos com materiais didáticos e apresentações, tornando-se um conhecimento explícito (Nonaka & Takeuchi, 1997)

O entrevistado 4 sintetizou esses conceitos de maneira clara e de que forma o conhecimento é transmitido na empresa:

O conhecimento dentro da empresa é a cultura de gestão e todos os seus processos realizados de forma a ser replicado para as pessoas; tirar o conhecimento implícito de forma a transformar isso num ativo da empresa para poder ser utilizado no dia a dia e gerar esse conhecimento nas outras pessoas.[...] A Meta sempre teve a cultura do conhecimento, mas não havia formalizado esse conhecimento. A transmissão era fomentada por convivência, de forma empírica, sabe? [...] o processo de formação iniciou e resolveu-se formalizar o conhecimento (Entrevistado 4).

Buscou-se na entrevista compreender a espiral de conversão do conhecimento

(socialização, externalização, combinação e internalização), apresentados por Nonaka and Takeuchi (1997), através dos relatos dos participantes da formação dos trainees. Todas as fases foram claramente identificadas no Processo de Formação Gerencial. A combinação só foi possível por causa da mobilização dos gestores (anteriores ao processo) em formalizar suas atividades por meio dos processos, no detalhamento da cultura e valores da empresa e na seleção das melhores práticas de gestão da organização.

A socialização foi proporcionada através de um encontro com todos os envolvidos no processo de formação (formadores e formandos). Durante um final de semana, houve cursos, palestras e momentos de interação e descontração entre os diversos níveis hierárquicos a fim de promover o relacionamento entre os participantes, atividades que corroboram com esta fase de conversão do conhecimento conforme proposto por Nonaka and Takeuchi (1997). Este Ba Originário fomentou a socialização entre os colaboradores e contribuiu para a formação de laços informais (Nonaka & Konno, 1998). Percebe-se ainda o compartilhamento de ativos

 

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experienciais do conhecimento entre os membros da organização, como confiança, segurança e entusiasmo dos trainees para assumir uma nova posição na empresa foram estimulados pelos gestores (Nonaka, Toyama & Konno, 2000), por meio da apresentação de cases de sucesso e fracasso ao longo da sua experiência na BrasilTI. Os desenvolvimentos do conhecimento compartilhado, por meio de atividades interativas proporcionam a aprendizagem em nível grupal (Crossan, Lane & White, 1999).

A filosofia da empresa, sua cultura e respectivos valores, os ativos conceituais do conhecimento, de acordo com Nonaka, Toyama and Konno (2000) foram desenvolvidas por meio da externalização desses conceitos via analogias. O presidente da empresa e seus sócios apresentaram cada valor da BrasilTI e os relacionaram com as atividades do cotidiano. Apresentaram casos de pessoas que cresceram na organização, pois possuíam as características valorizadas pela empresa e um alinhamento com sua cultura organizacional. Esta atividade permitiu que conhecimentos tácitos fossem articulados e transformados em explícitos (Nonaka & Takeuchi, 1997). Considerando que houve um espaço de diálogo entre os sócios e demais participantes do treinamento, pode-se dizer que, momentaneamente, esta atividade proporcionou um Ba Diálogo, como indicado por Nonaka and Konno (1998).

Essa iniciativa foi bastante valorizada pelos trainees, refletindo na interpretação deles sobre o plano de carreiras, como apontado pelo entrevistado 2: “É mais fácil um profissional com a cultura da empresa crescer aqui do que pegar uma pessoa do mercado que tenha vícios do mercado e não esteja engajada com os valores da empresa”.

No tocante a temática aprendizagem organizacional, a utilização de metáforas e experiências auxiliaram no processo de intuição, no nível individual dos participantes, como proposto por Crossan, Lane and White (1999). Ainda, os palestrantes exploraram o que já foi aprendido (exploitation), por meio da linguagem (Souza, Cortezia & Gonçalo 2007), estimulando a assimilação dos conceitos, passando para o nível de interpretação de Crossan, Lane and White (1999).

Combinação é um processo de sistematização de conceitos, de forma explícita (Nonaka & Takeuchi, 1997). Essa fase da espiral do conhecimento é percebida no treinamento formal dos trainees. Eles possuem um cronograma de cursos que devem cumprir ao longo do processo de formação e realizam provas no final de cada módulo. Incluem-se troca de documentos com os gerentes seniores por email, conversas por telefone com os gestores. Enfim, compartilhamento de ativos de conhecimento sistêmico compactados por manuais e base de dados (Nonaka, Toyama & Konno, 2000), que podem ser realizados em um espaço virtual de interação, o chamado Ba Sistemático de Nonaka and Konno (1998).

Uma das limitações apontadas pelo Programa de Formação Gerencial foi a falta de comunicação entre os trainees. Como eles estão alocados em diferentes estados, não há interação e compartilhamento de conhecimentos. Os trainees (entrevistados 2 e 6) afirmaram que trocavam informações com os colegas na mesma cidade, mas quando eles foram enviados para outras unidades da empresa, a comunicação diminuiu bastante. Assim, todos os questionamentos acerca do treinamento são direcionados para os gerentes sêniores de cada unidade. Como sugestão para diminuir esta lacuna, o entrevistado 4 apontou a necessidade de desenvolver ferramentas colaborativas na plataforma Moodle, para estimular o compartilhamento entre os trainees. Esse espaço de interação virtual é caracterizado pelo Ba Sistemático (Nonaka & Konno, 1998).

Por último, a internalização é o processo de incorporação do conhecimento explícito no tácito, é a fase que alimenta o desenvolvimento de uma nova espiral do conhecimento (Nonaka & Takeuchi, 1997). Esta é a fase de “aprender fazendo” em que o novo Gerente de Relacionamento acompanha o gerente sênior no desenvolvimento de suas atividades e aprende as suas funções na prática. Este seria o Ba Exercício, onde o treinamento ocorre via exercícios do cotidiano (Nonaka & Konno, 1998). Cultura e rotinas organizacionais, know-

 

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how das operações são exemplos desses ativos de conhecimento de rotina (Nonaka, Toyama & Konno, 2000). Ainda, essas rotinas e procedimentos oficializam as práticas de gestão na organização, estimulando a aprendizagem no nível organizacional (Crossan, Lane & White, 1999).

Com base nos conceitos apresentados – modelo SECI, Ba e ativos do conhecimento - e da interação existente entre eles propõe-se um framework integrativo para melhor visualização das suas inter-relações no processo de criação do conhecimento.

Figura 3: Modelo Integrativo SECI, Ba e ativos do conhecimento Fonte: autores, baseado em Nonaka, Toyama e Konno (2000) Em relação à aprendizagem, todos os entrevistados apontaram que as rotinas e

procedimentos da organização estimulam a aprendizagem, pois os colaboradores estão dispostos a auxiliar. No entanto, os entrevistados afirmaram que o profissional deve ser proativo e buscar as informações e conhecimentos que necessita individualmente. O entrevistados 3 expressou a sua visão sobre essa questão em conformidade com o que foi apontado pelos demais entrevistados: “Os setores estão dispostos a te ajudar, mas tu tem que correr atrás, ninguém te traz ajuda. Se tu for atrás de informação em qualquer setor, eles te explicam bem. Tu tem que ser muito proativo. Depende da pessoa buscar oportunidades de aprendizagem” (E3).

Esses elementos podem ser confrontados com as afirmações de Cohen and Levinthal (1990), que a transferência do conhecimento está relacionada com a capacidade absortiva do receptor. Embora a organização propicie um ambiente favorável a aprendizagem, cabe ao indivíduo o esforço de apreender.

 

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Levando em conta os objetivos propostos no início deste estudo, pode-se dizer que foi

possível compreender o Processo de Formação Gerencial da BrasilTI sob a lente de gestores, gerentes experientes e trainees. Ainda, identificou-se que o tipo de conhecimento mais valorizado entre os membros da organização é o tácito, ou experiencial. O conhecimento tácito tem sido foco da empresa desde sua criação, proporcionado pela convivência com pessoas mais experientes.

Por meio da análise do espiral do conhecimento foi possível verificar as diversas fases de conversão do conhecimento, juntamente com os espaços de interação desenvolvidos pela empresa e os ativos de conhecimento que são transmitidos, compartilhados por meio dessas interações. Portanto, a pergunta de pesquisa proposta: Como ocorre o processo de transferência do conhecimento para os novos Gerentes de Relacionamento (trainees) da BrasilTI? foi respondida. Ainda, o framework integrativo entre os principais elementos da gestão do Conhecimento foi proposto com o intuito de ampliar as suas inter-relações no processo de criação do conhecimento.

Deve-se considerar que além do processo formal dos novos Gerentes de relacionamento, o conhecimento também é transmitido pela convivência com os gerentes e gestores, além dos informativos A e B disponibilizado por email aos colaboradores. Almoços e encontros esporádicos entre os membros da organização servem para estreitar relacionamentos, o que também exerce influência na transmissão do conhecimento.

Em ordem prática, o estudo permitiu a compreensão da articulação desses recursos e capacidades para o desenvolvimento dos trainees, através dos cursos de formação, mas também pela prática no cotidiano. Percebe-se então que a coordenação, a aprendizagem e a articulação desses recursos permitiram a organização alterar seus processos em busca da vantagem competitiva. Ainda, estes elementos podem vir a fomentar os investimentos da empresa no desenvolvimento de outros cursos dentro da organização, como os cargos técnicos, uma vez que percebeu-se o alinhamento dos objetivos da empresa e seus valores durante o Processo de Formação Gerencial.

No decorrer das entrevistas, verificou-se que a empresa deveria investir em ferramentas colaborativas para estimular a interação entre todos os trainees, independentemente de onde estão alocados. Essa interação poderá trazer benefícios na assimilação do conteúdo, além da aproximação dos envolvidos no processo de formação.

Por último, como sugestão de pesquisas futuras, recomenda-se estender a pesquisa para os demais estados onde a empresa atua e desenvolver um roteiro específico para área técnica. A partir desta nova amostra, comparar como ocorre a transferência do conhecimento nos funcionários que não participam do processo formal com os dados previamente obtidos neste estudo. Outra possibilidade de pesquisa é analisar como ocorre o processo de transmissão de conhecimento em outros setores com cursos in company como hospitalar e farmacêutico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Abreu, F., Souza, Y. & Gonçalo,C. (2007). Aprendizagem e criação do conhecimento em

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                                                            i Fonte: Assessoria de Imprensa da KPMG, pelo site http://convergenciadigital.uol.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=27023&sid=5. Acesso em: 26 de julho de 2011. ii Material institucional da BrasilTI. Disponível na plataforma Moodle do curso de Processo de Formação Gerencial.