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Encontro Internacional Participação, Democracia e Políticas Públicas: aproximando agendas e agentes 23 a 25 de abril de 2013, UNESP, Araraquara (SP) MINISTÉRIO PÚBLICO: ANÁLISE DAS MUDANÇAS INSTITUCIONAIS E IMPLICAÇÕES NAS POLÍTICAS PÚBLICAS Yannê Onofre Domingues Universidade de Brasília

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Encontro Internacional Participação, Democracia e Políticas Públicas: aproximando

agendas e agentes

23 a 25 de abril de 2013, UNESP, Araraquara (SP)

MINISTÉRIO PÚBLICO: ANÁLISE DAS MUDANÇAS INSTITUCIONAIS E

IMPLICAÇÕES NAS POLÍTICAS PÚBLICAS

Yannê Onofre Domingues

Universidade de Brasília

1. INTRODUÇÃO

O Ministério Público vem tendo importância e visibilidade nos últimos anos nas

questões que envolvem a defesa da sociedade, em especial após a Constituição de 1988.

Percebe-se a necessidade de realizar mais estudos para compreender como tem se dado

essa atuação do órgão e quais as suas implicações para a democracia brasileira.

Portanto, o foco de análise do presente estudo concentra-se no Ministério Público. O

objetivo geral desse estudo é compreender como mudanças institucionais trouxeram

novas atribuições ao rol de funções desse órgão e, além disso, entender em que medida

essas atribuições têm tangenciado o ciclo das políticas públicas.

O Ministério Público adquiriu importantes prerrogativas e passou por mudanças

significativas após a Constituição de 1988 tais como a desvinculação do Poder Executivo,

o poder de ser o defensor dos direitos individuais e sociais indisponíveis, a legitimidade

para propor a Ação Civil Pública, entre outras. Além disso, passou a ter a função explícita

na Constituição de ser o órgão defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos

direitos individuais e sociais indisponíveis. Assim, as funções que passaram a ser de sua

responsabilidade são questões de grande importância para a sociedade brasileira já que

esse órgão não mais se vincula ao Executivo e, portanto, pode organizar uma agenda de

atuação independente.

O presente estudo busca compreender como o Ministério Público conseguiu essas

prerrogativas com a Constituição de 1988. Segundo Carvalho e Leitão (2010) as

explicações mais razoáveis dizem respeito à conjuntura política da época, ao sentimento

de democratização, à necessidade de um órgão que pudesse atuar de maneira eficiente e

a visão do Ministério Público como um agente não político-partidário. Além disso, também

havia a ideia da sociedade brasileira como hipossuficiente e, portanto, o Ministério Público

teria a função de defender os direitos coletivos.

Entretanto, não é apenas com a Carta Magna de 1988 que mudanças institucionais

ocorreram no âmbito do Ministério Público. Na década de 1970 já começa a ocorrer uma

série de fatos, conferências de membros dos MP’s na busca de consolidar uma nova

visão daquilo que se deveria entender como as funções desse órgão na sociedade. Mas

esse delineamento não ocorre de maneira linear, progressiva. Assim, um dos objetivos

dessa pesquisa é compreender como essas situações ocorreram até a consolidação

maior das atribuições do Ministério Público, com a Constituição de 1988.

Assim, uma primeira hipótese desse estudo é que as mudanças e as decisões que

culminaram no atual desenho do Ministério Público ocorreram e continuam acontecendo

em um contexto de racionalidade limitada – já que diversos são os obstáculos para se

tomar decisões maximizadoras – e que são norteadas relevantemente por uma lógica da

adequação, segundo a definição de March (2010, p.50), baseada fundamentalmente na

identidade e nas regras que foram construídas sobre o que deve ser o Ministério Público e

como os promotores devem agir. Essa análise será feita essencialmente observando

bibliografia já existente sobre o Ministério Público.

Uma segunda hipótese é que o Ministério Público, em razão das mudanças

institucionais que ocorreram no órgão – principalmente após a década de 1970 – e

baseado na identidade construída sobre a sua função de guardião dos interesses sociais,

tem se tornado um ator relevante no âmbito das políticas públicas e que essa atuação

pode ser explicada mais apropriadamente pela abordagem do neo-institucionalismo polity-

centered. Para análise dessa hipótese o estudo será feito tanto pela bibliografia

relacionada ao tema políticas públicas e Ministério Público quanto pela análise de projetos

feitos pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios que tangenciem o tema das

políticas públicas.

Nesse sentido, questiona-se como o Ministério Público está adentrando questões

relacionadas às políticas públicas e como essa atuação tem ocorrido. Para tanto será

consideranda as abordagens do neo-institucionalismo state-centered e polity-centered

(Skocpol, 1995, p.41). Assim, o objetivo é analisar se essa atuação do Ministério Público

tem se dado de forma autônoma, independente, com base nos interesses e percepções

apenas da burocracia estatal – visão ligada ao neo-institucionalismo state-centered

(Rocha, 2005, p.15) – ou se nas ações relacionadas às políticas públicas é possível

perceber no órgão uma atuação que “busca equilibrar o papel do Estado e da sociedade

nos estudos de caso, concebendo que o Estado é parte da sociedade e pode, portanto,

em certos casos, ser influenciado por ela em maior grau do que a influencia.” – neo-

institucionalismo polity-centered – (Rocha, 2005, p.16).

Além de outras funções, o Ministério Público também pode promover a Ação Civil

Pública para a proteção de interesses difusos e coletivos. Essa é uma das funções em

que se tem percebido a atuação do órgão no que diz respeito às políticas públicas. O que

se tem observado é a utilização de uma série de instrumentos pelo órgão, sejam eles

judiciais – aqueles que utilizam o Poder Judiciário para solucionar as demandas, sendo a

Ação Civil Pública a principal – ou extra-judiciais – instrumentos que não utilizam a via

judicial, tendo como exemplo os Termos de Ajustamento de Conduta, as Recomendações

e os projetos –, para se discutir, criar, dar sugestões, modificar e melhorar políticas

públicas.

Nesse sentido, faz-se necessário compreender quais têm sido esses instrumentos e

como tem sido a relação entre a atuação do Ministério Público e essas políticas públicas

que o órgão pode vir a influenciar. Segundo Dye (2009) os estudos institucionais na

Ciência Política não tem se atentado para as conexões existentes entre “a estrutura das

instituições governamentais e o conteúdo das políticas públicas” (Dye, 2009, p.101). Por

isso esse estudo se faz importante pois busca compreender essas conexões e as

características implícitas na atuação do Ministério Público. Portanto, torna-se importante

“indagar sistematicamente que impacto as características institucionais têm nos

resultados das políticas.” (DYE, 2009, p.102) Nesse sentido, um dos objetivos do presente

estudo é entender essa relação e compreender a atuação do Ministério Público do Distrito

Federal e Territórios (MPDFT).

Em razão da amplitude das ramificações do Ministério Público optou-se por analisar

essa organização no âmbito do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. O

recorte temporal geral da análise é o contexto pós Constituição de 1988 já que esse texto

trouxe importantes prerrogativas ao Ministério Público. Já para a análise de dados mais

específicos no âmbito do Distrito Federal, a opção foi pelas ações dos anos de 2007 a

2010 tendo em vista esse ser um período de visível amadurecimento do recente

planejamento estratégico implantado pelo MPDFT. Dessa maneira, nesse período os

membros e servidores do MPDFT atuaram de maneira mais incisiva do que nos anos

anteriores para colocar em prática aquilo que eles definiram como prioridades das

promotorias de justiça do DF.

Essa pesquisa pode ser classificada como um híbrido entre pesquisa exploratória –

“estas pesquisas têm como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema,

com vistas a torná-lo mais explícito ou a constituir hipóteses.” (Gil, 2002, p.41). – e

pesquisa descritiva já que tem como objetivo descrever características do Ministério

Público, de maneira geral, e também estabelecer relação entre variáveis (idem, p.42),

quais sejam, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e as questões

envolvendo políticas públicas.

Esse estudo se constituiu basicamente de uma pesquisa qualitativa tendo em vista

que o objeto de análise é o Ministério Público e o Ministério Público do Distrito Federal, de

modo específico. O que visa-se compreender é como ações específicas tanto de seus

membros quanto de agentes externos contribuíram para uma nova configuração do órgão

que, nos últimos anos, passou a também tangenciar a questão das políticas públicas.

Portanto, para compreender esse quadro geral foi necessário observar diversos atores

envolvidos, compreender os valores e representações inerentes ao Ministério Público,

entre outros dados em que não é a quantidade agregada o melhor instrumento para

analisar a hipótese de pesquisa, mas sim a análise de casos específicos obtidos pelas

fontes de pesquisas observadas.

Tendo em vista os procedimentos técnicos aqui adotados, foi utilizada a pesquisa

bibliográfica – “desenvolvida com base em material já elaborado, constituído

principalmente de livros e artigos científicos” (Gil, 2002, p.44). – em praticamente todas as

seções de análise já que os estudos anteriores foram de extrema importância para a

compreensão geral dessa pesquisa. Além disso, foi adotada também a pesquisa

documental, já que foram utilizados dados primários, projetos e relatórios do Ministério

Público do Distrito Federal possibilitando um melhor entendimento sobre a atuação do

órgão especificamente quanto à questão das políticas públicas. Também foram realizadas

entrevistas semi-estruturadas com três promotores considerados de relevante importância

do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, a saber, Promotor Jairo Bisol, da

Promotoria de Justiça da Defesa da Saúde – PROSUS, e as Promotoras Luisa de Marilac

e Selma Sauerbronn, da Promotoria de Justiça de Defesa da Infância e da Juventude.

As análises provenientes das bibliografias que fazem referência sobre o Ministério

Público de maneira geral e algumas sobre casos específicos de Ministérios Públicos

Estaduais (MPE) permitiram algumas inferências amplas sobre a atuação desse órgão.

Entretanto, os dados, as análises e as entrevistas provenientes do MPDFT permitiram que

as inferências fossem feitas apenas para esse plano local, sendo que, para

compreensões mais gerais, seriam necessárias análises com dados de parcela

representativa de todos os MPEs.

2. CONTEXTO HISTÓRICO E TRANSFORMAÇÃO INSTITUCIONAL

2.1. Origens do Ministério Público

Sobre as origens do Ministério Público, afirma Machado (2000, p. 138), há mais

polêmicas do que certezas. Isso porque alguns atribuem sua origem à antiguidade

romana na figura dos procuratores caesaris que tinham por função a administração dos

bens e defesa dos interesses do imperador. Há pelo menos três outras explicações da

ancestralidade do Ministério Público. Para Salles (1999, p.14), essas organizações da

antiguidade exerciam algumas das funções hoje cumpridas pelo Ministério Público,

entretanto, não é possível afirmar que elas configuram a origem do Ministério Público

atual.

Assim, para Salles, o Ministério Público surge no Estado Moderno como reação ao

absolutismo, e está vinculado com o modo de organização política qualificado por Max

Weber como “sistema legal-racional”. A origem do Ministério Público estaria mais ligada

às figuras do “advogado do rei” – advogados comuns com atribuições cíveis – e do

“procurador do rei” – advogados de longa tradição com atribuições judiciais de natureza

criminal –, do século XIV na França, que posteriormente foram fundidas em uma mesma

entidade, o Ministério Público (Salles, 1999, p.19).

No Brasil, as origens dessa organização remetem ao período colonial e, portanto, nas

leis do direito português. O procurador da Coroa, que surge no ano de 1289 sob o reinado

de D. Afonso III seria a origem mais remota (Machado, 2000, p. 138). Mas é com as

Ordenações Manuelinas de 1521 que se faz a primeira menção ao promotor de justiça. A

Constituição de 1824 não fala expressamente sobre o Ministério Público e é somente em

1832 que é feita menção aos promotores públicos que tinham funções apenas criminais

para defender os interesses do Império. Com a instituição da República edita-se o

Decreto nº 848, de 11 de setembro de 1890 que, de sua redação, supõe-se atribuições

avançadas ao órgão, tais como relevância para a ordem democrática e menção à sua

independência. Entretanto, segundo Salles (1999, p. 24) esse decreto não produziu

mudanças significativas efetivamente no Ministério Público em relação à sua organização

imperial, ou seja, essas novas atribuições do decreto ficaram apenas na letra da lei, não

sendo realmente atribuídas ao órgão. Já nas Constituições posteriores, de maneira geral,

pode-se dizer que em períodos de regime democrático foram garantidas ao Ministério

Público prerrogativas e avanços importantes nas Cartas Magnas. Já em períodos de

ditadura o contorno político nas Constituições foi de retrocesso institucional do órgão e de

vinculá-lo ora ao Poder Judiciário e ora ao Poder Executivo (Machado, p.139). Assim,

para Salles, não se pode compreender a evolução do Ministério Público brasileiro

considerando apenas os textos constitucionais, isso porque durante todo esse período

sempre houve legislação infra-constitucional e estatutos legais que conferiram avanços

importantes ao órgão.

Constata-se, portanto, que a evolução histórica do Ministério público não pode, de maneira alguma, ser confundida com o tratamento a ele dispensado pelos vários textos constitucionais, decorrência de circunstâncias políticas e legislativas sem uma repercussão direta na vida da instituição (Salles, 1999, p.28).

Em razão dessa contribuição de Salles, nas próximas seções será analisado como

ocorreram mudanças institucionais no Ministério Público observando outros textos legais

que não sejam somente as Constituições.

Antes disso, no próximo tópico será descrito, em linhas gerais, como é a estrutura

atual do Ministério Público da União, dos estados e do Ministério Público do Distrito

Federal e Territórios.

2.2. Estrutura atual do Ministério Público

Em consonância com a Lei Complementar nº 75 de 20 de maio de 1993, intitulada

como Lei Orgânica do Ministério Público da União, a atual Constituição Federal dispõe

que o Ministério Público compreende o Ministério Público da União – que abrange o

Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Militar e

o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios – e os Ministérios Públicos dos

Estados.

O chefe do Ministério Público da União é o Procurador-Geral da República,

nomeado pelo Presidente da República, dentre integrantes da carreira, após a aprovação

de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal. A sua destituição

também por iniciativa do Presidente da República deve ser precedida por autorização de

maioria absoluta do Senado Federal.

Já para a nomeação dos Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal e

Territórios a escolha é a partir de lista tríplice formada por integrantes da carreira que é

enviada ao Chefe do Poder Executivo para sua escolha. Para a destituição desses

Procuradores-Gerais é necessária deliberação da maioria absoluta do respectivo Poder

Legislativo.

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios foi criado pela Lei nº 3754, de

14 de abril de 1960, que dispôs sobre a Organização Judiciária do Distrito Federal de

Brasília. Atualmente, o MPDFT conta com 340 (trezentos e quarenta) promotores de

justiça. Além disso, esse órgão está subdivido em cerca de 30 (trinta) promotorias

especializadas nos mais diversos assuntos, tais como, defesa da infância e da juventude,

defesa da ordem urbanística, promotoria de execuções penais, defesa do meio ambiente

e patrimônio cultural do DF, entre diversas outras.

O que se percebe é que essa ampla subdivisão das promotorias permite a

especialização dos promotores em suas áreas específicas o que facilita a percepção dos

problemas existentes e a compreensão dos melhores meios para solucioná-los.

Posteriormente este estudo irá analisar a atuação e projetos específicos de

algumas promotorias do MPDFT, tais como a Promotoria Criminal do Gama, Promotoria

de Brazlândia, Promotoria de Justiça de Defesa da Infância e da Juventude, dentre

outras.

2.3. Mudanças Institucionais

Os textos que abordam as mudanças institucionais do Ministério Público

questionam basicamente como esse órgão adquiriu importantes prerrogativas nas últimas

décadas no Brasil. De acordo com a análise de Carvalho e Leitão (2010, p.403), a

literatura sobre o tema se divide em dois eixos: os que entendem a autonomia ocorrida

por motivos endógenos, o próprio Ministério Público atuando para possibilitar sua

autonomia e os que entendem a contribuição de fatores exógenos à instituição para o

aumento de suas prerrogativas.

Assim, a perspectiva endógena se baseia no fato de que as mudanças

institucionais foram motivadas intencionalmente por seus próprios integrantes. Essa é a

visão adotada por Arantes (2000) que propõe o conceito de voluntarismo político como

caracterizador dessa prática. Conforme suas palavras:

Em resumo, o que se pretende salientar é que o Ministério Público de hoje é resultado, em grande medida, do que desejaram e fizeram seus próprios integrantes, para além ou aquém das tendências do meio ambiente institucional e a despeito de visões internas divergentes terem ficado pelo caminho. Embora se reconheça que essas outras duas dimensões sejam importantes, orientar-se por elas seria perder de vista o que temos de mais precioso nessa historio: o voluntarismo político de promotores e procuradores de justiça e seus valores ideológicos peculiares (Arantes, 2000, p. 8).

Com a intenção de revelar explicações exógenas para as mudanças institucionais

do Ministério Público, Kerche (1999) atribui relevante importância para a conjuntura

política da época. Assim, “o fim do período autoritário, o sentimento de democratização e

de fortalecimento das instituições responsáveis pela transparência do Estado aumenta.”

(Carvalho e Leitão, p.406). Esse contexto então facilitou o lobby da instituição para

compreender a importância do Ministério Público como um “agente não político-partidário”

que seria defensor dos interesses da sociedade (Kerche, 1999, p.67).

Apesar dessas visões de mudanças causadas por fatores endógenos ou exógenos

serem importantes, a maior parte desses autores concentram-se nas mudanças ocorridas

no período da Constituinte de 1988. Entretanto, foi possível verificar que antes mesmo

dessa data importantes processos de inovação institucional ocorreram no Ministério

Público.

Para se entender as mudanças institucionais do Ministério Público é preciso estar

atento não apenas aos textos constitucionais, como já foi dito, mas também às leis

infraconstitucionais e às práticas da organização. Assim, um artigo do Código de

Processo Civil de 1973 introduziu uma nova possibilidade para a intervenção do Ministério

Público, função essa que, segundo Arantes (2000, p.15), foi o primeiro passo em um

processo de afastamento do órgão do Poder Executivo e sua aproximação da sociedade.

Eis o artigo e o respectivo inciso:

Art. 82. Compete ao Ministério Público intervir:

III – em todas as demais causas em que há interesse público, evidenciado pela

natureza da lide ou qualidade da parte.

A questão fundamental do inciso em análise é a introdução da defesa do interesse

público. Ainda segundo Arantes, esse foi o “(...) ponto de inflexão na virada histórica do

Ministério Público rumo à almejada posição de tutor dos interesses da sociedade,

processo que só se completará com o texto constitucional de 1988” (2000, p.18). Isso

porque a intenção inicial da proposta para a nova função do MP era a intervenção em

causas que houvesse “interesse de pessoas jurídicas de direito público”, tese do promotor

de justiça do Rio Grande do Sul, Sérgio da Costa Franco, que defendia a necessidade

dessa maior fiscalização do Ministério Público nas causas que envolvessem a União, os

Estados, o Distrito Federal e os Municípios (pessoas de direito público), já que o MP tinha

“independência e isenção, relativamente às alternativas da dominação político-partidária.”

(Franco, 1971, p.203). Entretanto, esse posicionamento foi atacado em razão de alegar-

se que era privativa da União e não do Estado a competência para legislar sobre norma

processual e, portanto, não poderia essa interpretação continuar ocorrendo. Segundo

Arantes (2000, p. 16), o promotor gaúcho se esforçou então para que sua proposta fosse

incorporada então ao Novo Código de Processo Civil.

Essa proposta foi então incorporada ao Anteprojeto do novo código, mas como

uma nova redação, a saber: “compete ao MP intervir: em todos os demais processos em

que há interesse público, na forma determinada por lei.” (Arantes, p.16). Essa escrita do

artigo já não falava diretamente sobre as pessoas jurídicas de direito público e também

não definia o que seria interesse público. Ocorre que, posteriormente, esse artigo foi

novamente modificado por iniciativa do então Deputado Amaral de Souza (PDS), segundo

o qual a redação foi modificada para assegurar uma maior amplitude de intervenção do

Ministério Público.

Como o texto aprovado não definiu o que era interesse público e nem permitiu que

leis posteriores o fizessem, os próprios integrantes do Ministério Público, ao longo do

tempo e cotidianamente acabaram por ir delineando e construindo a definição do que

seria interesse público (Arantes, 2000, p.17). Foi a partir de então que o Ministério Público

passou a intervir em diversas causas judiciais em que identificava o que viria a ser

interesse público, tais como causas relativas a acidentes de trabalho, por exemplo.

Assim, o que Arantes (2000) considera como “ponto de inflexão na virada histórica

do Ministério Público” foi resultado de um projeto que tinha um objetivo inicial –

intervenção do MP em causas de “interesse de pessoas jurídicas de direito público” – mas

que, devido a uma modificação de um deputado acabou culminando em uma redação

genérica que pôde ser interpretada da maneira determinada pelos integrantes do

Ministério Público.

Entretanto, apesar da expressa vontade do Deputado em aumentar a abrangência

de atuação do órgão, a redação proposta por ele tinha uma intenção diferente da tese

primeira defendida pelo promotor Sérgio da Costa Franco que era apenas assegurar a

maior intervenção do MP nas causas em que houvesse “interesse de pessoas jurídicas de

direito público”. Aqui então é possível identificar uma decisão, que iniciou o processo de

mudança institucional, e que, pode-se dizer, foi tomada em um contexto de racionalidade

limitada, tendo em vista o fato de a modificação ter ocorrido mais em razão da

identificação do Deputado com a “causa” do MP do que propriamente em razão dele ter

entendido o processo e a justificativa inicial de alteração em que o artigo em questão

estava inserido.

Segundo March:

Estudos sobre o processo de decisão no mundo real sugerem que nem todas as alternativas são conhecidas, nem todas as consequências são consideradas e nem todas as preferências são evocadas ao mesmo tempo. Em vez de considerar todas as alternativas, os responsáveis pelas decisões normalmente parecem considerar apenas algumas, e olhar para elas sequencialmente, e não simultaneamente (March, 2010, p.7-9).

A modificação feita pelo Deputado Amaral de Souza teve como fundamento

assegurar intervenção do Ministério Público de maneira mais ampla nas causas que

envolvessem pessoas públicas de direito interno e suas autarquias. Nessa situação é

possível considerar a ocorrência de limitação de informação já que houve problemas de

atenção (March, 2010, p.9) – houve pouca atenção aos objetivos iniciais da proposta – e

problemas de comunicação – já que a intenção inicial do projeto foi percebida

diferentemente pelo promotor que inicialmente sugeriu a alteração e pelo Deputado que

modificou o texto.

Esse ponto específico da modificação desse artigo, consoante à interpretação de

Arantes como um ponto de inflexão da transformação do Ministério Público, pode ser

considerada como um issue de toda essa mudança institucional no MP.

Segundo Rua:

Issue é um item ou aspecto de uma decisão, que afeta os interesses de vários atores e que, por esse motivo, mobiliza suas expectativas quanto aos resultados da política e catalisa o conflito entre os atores. (...) Por que são issues? Porque, dependendo da decisão que for tomada quanto a esses pontos, alguns atores ganham e outros perdem, seus interesses são afetados e a política assume uma configuração ou outra (Rua,1998, p.7)

Nesse sentido, é possível perceber que, caso o promotor de justiça Sérgio da

Costa Franco não tivesse primeiramente proposto uma modificação no espectro de

atuação do Ministério Público, caso o Procurador-Geral de Justiça do RS não tivesse se

aproximado do Deputado Amaral de Souza para mostrar a proposta de alteração do

dispositivo no Código de Processo Civil e caso o Deputado Amaral de Souza não tivesse

aquela identificação pelo órgão em questão é possível que este último não tivesse se

empenhado tanto na alteração do artigo e essa situação de menor intervenção do

Ministério Público tivesse se estendido por mais alguns anos. Portanto, isso se torna um

issue importante das mudanças institucionais, esse é um ponto que afetou diretamente os

interesses dos membros do MP em estabelecer suas intenções de se consolidar como

órgão guardião dos interesses da sociedade.

2.4. Importância da Construção de uma Identidade – Lógica da Adequação

Posteriormente importante para a construção da identidade do Ministério Público foi

a Lei Complementar nº 40, de 1981, a primeira Lei Orgânica Nacional do Ministério

Público que trouxe avanços para uma maior uniformização do órgão com

obrigatoriedades de organização e competências para os ministérios públicos estaduais,

além de garantias, prerrogativas e outras determinações. É importante a seguinte análise

de Arantes

A reivindicação e o lobby estiveram apoiados no discurso de que a instituição tinha sido elevada à condição de guardiã dos interesses mais amplos e fundamentais da sociedade e, por conta disso, tais conquistas vinham em benefício do interesse público, e não da corporação (2000, p.28).

O que se percebe é a construção de uma identidade do Ministério Público que se

torna extremamente peculiar na burocracia estatal. Como já foi mostrado, a partir do

Código de Processo Civil de 1973 e da expressão genérica “interesse público”, o

Ministério Público passou a se utilizar dessa expressão para poder atuar em causas não

apenas relacionadas à defesa do Estado, mas também da sociedade. Assim, a partir de

então, vai sendo tecida essa identidade e a busca de uma legitimação do Ministério

Público como órgão guardião dos interesses fundamentais da sociedade.

A partir dessa situação é possível conceber a atuação dos membros do Ministério

Público utilizando o que James March conceitua como “lógica da adequação”. Essa lógica

está ligada à compreensão de identidades e regras. Segundo March, “Uma identidade é

uma concepção do ser organizada em regras, para o acoplamento de ações e situações.”

(2010, p.53). Basicamente a lógica da adequação está ligada à resposta de três

perguntas básicas:

1. Reconhecimento: Que tipo de situação é essa?

2. Identidade: Que tipo de pessoa eu sou? Em que tipo de organização estou?

3. Regras: O que uma pessoa como eu ou uma organização como a minha faz em uma situação como essa? (March, 2010, p. 50).

Portanto, a partir da análise de Arantes, percebe-se a atuação dos membros do

Ministério Público foi norteada pela lógica da adequação para a aprovação da Lei

Orgânica Nacional do Ministério Público já que se entende basicamente a construção de

uma identidade própria, o reconhecimento de uma situação em que era relevante a

avocação dessa identidade e, propriamente, a avocação da identidade de guardião dos

interesses sociais e, portanto, da relevância dessa organização para a sociedade

brasileira.

Depois disso tem-se a Constituição de 1988 como um texto importante. Apesar da

Constituição de 1988 não ter sido o único texto que instituiu avanços ao Ministério

Público, como já foi visto, esta Carta Magna foi um importante meio de consolidação dos

avanços alcançados e de introdução de novas prerrogativas garantidoras de grande

autonomia ao órgão.

O que se percebe é uma grande mobilização dos membros do Ministério Público no

período da constituinte. Segundo Silva (2001), houve grande capacidade de articulação

dos membros para a defesa de seus interesses coorporativos e institucionais. É possível

observar também a percepção da avocação da identidade construída pelo órgão nesse

momento a partir da análise de Arantes (1999) que observa a alegação dos membros do

MP que existia uma hipossuficiência da sociedade brasileira no sentido de que seria

pouco organizada para defender seus interesses e, portanto, o Ministério Público seria

responsável por essa defesa. Assim Arantes fala:

O argumento é que temos uma sociedade civil fraca, desorganizada e incapaz de defender seus interesses fundamentais. Uma sociedade “hipossuficiente” no jargão jurídico. Além disso, frequentemente é o próprio poder público quem mais desrespeita esses direitos fundamentais. Dessa equação resulta a proposta, de natureza instrumental, de que “alguém” deve interferir na relação Estado-sociedade em defesa dessa última (Arantes, 1999, p.96).

Portanto, não desconsiderando a importância do papel dos poderes executivo e

legislativo, Arantes demonstra a importância das sugestões e pressões dos próprios

membros do Ministério Público no processo da Constituição de 1988

3. MINISTÉRIO PÚBLICO E POLÍTICAS PÚBLICAS

Tendo em vista todas essas mudanças institucionais pela qual passou o Ministério

Público brasileiro durante todo o período republicano e, principalmente, após a década de

1970, o argumento desse estudo é que essa organização continua passando por

mudanças importantes tanto na interpretação do que seria sua função baseada no texto

constitucional quanto na avocação de identidades específicas por seus promotores.

Assim, a partir desses dados, é possível perceber a avocação de uma legitimação pelo

órgão para atuação no âmbito das políticas públicas. Segundo o promotor Claudio Aguiar

(2009, p. 9), a atuação judicial do Ministério Público seria legítima, nessa situação,

apenas quando “o mínimo social que compõe o núcleo essencial dos direitos

fundamentais, sem o qual não se pode conceber que haja vida digna, esteja sendo

negado à população.” Portanto, a atuação judicial do Ministério Público na seara das

políticas públicas deve ocorrer quando houver ação ou omissão, tanto do Poder

Legislativo quanto do Poder Executivo, que restrinja essa parcela mínima, esse mínimo

dos direitos fundamentais que deve ser garantido, o que o autor chama de mínimo social

do núcleo essencial dos direitos fundamentais. Segundo esse autor esse mínimo seria:

Assim, aquela parcela básica de cada direito fundamental que represente a

própria existência humana com dignidade estará contemplada no conceito de

núcleo essencial, insuscetível de sofrer qualquer limitação ou negação (…)

(AGUIAR, 2009. p. 13).

Despe-se o mínimo existencial de conteúdo específico. Abrange qualquer direito,

ainda que originariamente não-fundamental, considerado em sua dimensão

essencial e inalienável. (…) A dignidade humana e as condições materiais da

existência não podem retroceder aquém de um mínimo, do qual nem os

prisioneiros e os indigentes podem ser privados (TORRES, 1999. apud Aguiar,

2009, p.14).

É também a opinião de outros autores a necessidade dessa intervenção judicial do

Ministério Público na implementação de políticas públicas. Como é possível ver:

Ora, no Estado contemporâneo o Ministério Público exerce, de certo modo, esse poder impediente, pela atribuição constitucional que lhe foi dada de impugnar em juízo os atos dos demais Poderes, contrários à ordem jurídica e ao regime democrático. A isto se acresce, ainda, a nova atribuição de promover a realização dos objetivos fundamentais do Estado, expressos no artigo 3º da Constituição, pela defesa dos interesses individuais e sociais indisponíveis, consubstanciados nos conjunto dos direitos humanos. (…) Nessa linha de combate, o Ministério Público deve atuar não só no plano dos direitos subjetivos públicos expressamente garantidos pela Constituição, o que, aliás, vem fazendo com inegável zelo; mas deve também exigir judicialmente o cumprimento do dever constitucional de se implementarem políticas públicas nessa área (Comparato, 2003, apud Aguiar, 2009. p. 9).

O que se percebe então a partir das leituras desses autores que falam sobre a

atuação do Ministério Público no âmbito das políticas públicas nada mais é do que a

avocação da identidade do órgão de ser o guardião dos interesses da sociedade. Assim,

tendo em vista que com o passar do tempo a sociedade vai se modificando e novos

problemas surgem, também o Ministério Público precisa acompanhar essas mudanças

para poder efetivamente garantir os interesses da sociedade, para cumprir então sua

função mais importante. É o que é possível perceber também no trecho abaixo.

Outro campo importante por onde vai se estendendo o objeto da ação civil pública é o do controle das chamadas políticas públicas, em que se apresenta desde logo o problema da sindicabilidade judicial dos atos de governo, das políticas governamentais, searas em princípio propícias à atividade discricionária da Administração. (…) No ponto escreve Luíza Cristina Fonseca Frischeisen: (…) a atuação do MP “não é somente de atuar para corrigir atos comissivos da administração que porventura desrespeitem os direitos constitucionais do cidadão, mas também deve atuar na correção dos atos omissivos, ou seja, para a implementação efetiva de políticas públicas visando à efetividade da ordem social prevista na Constituição Federal de 1988.” (MANCUSO, 2002, apud Aguiar p. 9).

Já há algum tempo o Ministério Público vem atuando judicialmente por meio das

ações civis públicas para garantir direito à saúde, educação, saneamento básico, ordem

urbanística, meio ambiente, segurança do trânsito, defesa de crianças, adolescentes,

idosos, portadores de necessidades especiais, entre tantos outros temas.

Entretanto, não é apenas na esfera judicial que tem se percebido essa avocação

de legitimação para atuação do Ministério Público. Inclusive é possível perceber até certa

falta de ânimo quanto aos meios judiciais para solucionar as questões de políticas

públicas. É a opinião de Ferreira (2010), por exemplo, ao falar que muitos obstáculos

ainda precisam ser transpostos para que a ação civil pública tenha maior efetividade.

Assim, a celeridade e a maior eficácia têm sido as principais razões para que o

Ministério Público atue mais pela via extrajudicial. Essa é também a opinião de

promotores entrevistados no MPDFT, da Promotoria de Justiça de Defesa da Infância e

da Juventude, que revela a via judicial, muitas vezes, não sendo aquela mais apropriada

para resolver a situação da melhor forma, sendo os procedimentos extrajudiciais muito

utilizados pela promotoria.1.

Quanto à utilização de meios extrajudiciais, percebe-se, muitas vezes, a atuação

do Ministério Público por meio da avocação de uma identidade de articulador social para

resolução de problemas que envolvem, principalmente, os direitos individuais

indisponíveis.

De acordo com Gonçalves (2009, p.19) é necessária a interação dos agentes do

Ministério Público com o contexto social. Essa também é a opinião de Nunes Júnior

(2004) e que também fala sobre esse ser um ponto importante para uma nova

configuração institucional do órgão:

Como se falar em proteção da infância sem uma relação estreita com os Conselhos Tutelares e, por via de consequência, sem conhecimento dos problemas que afligem a infância e a juventude nas diversas regiões da cidade? Na verdade, o que parece é que o ponto básico de uma reordenação institucional seria exatamente uma inserção mais significativa do Ministério Público no meio social. A partir dessa inserção certamente a redefinição de prioridades e, por via de consequência, a reorganização da instituição afluiriam quase que automáticas, ensejando o engajamento do Ministério Público na sua função de vanguarda das instituições públicas e o seu engajamento nas demandas sociais mais importantes (Nunes Júnior, 2004, p.28-29). (grifo próprio)

E, ao que parece, essa reorganização é o movimento que tem ocorrido nos

Ministérios Públicos. Devido a limitação de recursos e tempo esse estudo não analisou

todos os Ministério Públicos do Brasil, porém, tendo em vista textos que relatam a

atuação de órgãos de estados tais como o do Rio de Janeiro (Villela, 2009), de São Paulo

(Gonçalves), do Rio Grande do Sul (Ferreira, 2010), entre outros, e a própria análise da

atuação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, é possível perceber a

busca dessa organização em estabelecer parcerias com outros atores sociais para

solucionar problemas existentes.

É essa a opinião da Procuradora de Justiça do Rio de Janeiro, Denise Tarin, em

artigo próprio em que diz:

Em complementação a esta atuação administrativa, que paralelamente à propositura de ações civis públicas vem dotando de efetividade a legislação brasileira, entendemos ser emergencial a participação direta dos membros do Ministério Público perante os cidadãos, que pode dar-se de duas formas: 1 – educando-os, sensibilizando-os e conscientizando-os de seus direitos civis, políticos e sociais, por meio dos veículos de comunicação de massa, cartilhas, vídeos, peças de teatro e palestras; 2 –

1 Entrevistas realizadas com as promotoras Luisa de Marilac – Promotoria de Defesa da Infância e Juventude em 30-

06-2011, e a promotora Selma Sauerbronn – Promotoria de Defesa da Infância e Juventude em 01-07-2011.

atuando como produtor social em processo de mobilização social, com fins à formulação de políticas públicas e implementação de direitos (TARIN, 2009, p.66).

Assim, muitos têm sido os instrumentos utilizados pelo Ministério Público para

trazer soluções mais rápidas e eficientes do que o processo judicial e que possam

contemplar a parceria com outros atores sociais. Como exemplo desses instrumentos

tem-se os “compromissos ou termos de ajustamento de conduta”, as “recomendações”, a

realização de audiências públicas, mediações realizadas pelo MP entre partes em conflito

e os projetos de grande abrangência que várias promotorias do Distrito Federal tem

realizado e que serão mais bem explicados e expostos nas próximas seções.

4. COMPREENSÃO DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO MEDIANTE

ANÁLISE DE TEORIAS NEO-INSTITUCIONAIS

O objetivo desta seção é fazer observações sobre teorias neo-institucionais e,

posteriormente, realizar uma conexão entre essas teorias e a atuação do Ministério

Público do Distrito Federal e Territórios.

Segundo Peres (2008), o neo-institucionalismo surge, em grande parte, como um

movimento de rejeição à falta de cientificidade do antigo institucionalismo e devido “à

ausência do contexto institucional nas abordagens comportamentalistas” (Peres, 2008,

p.60).

Um dos pontos de partida para que a compreensão neo-institucional se tornasse

importante nos estudos de Ciência Política se deve à necessidade de melhor se explicar o

“teorema da possibilidade de Arrow” – que prova o fato de que as decisões coletivas,

ainda que com atores racionais, são coletivamente irracionais ou injustas, já que

contemplariam apenas uma maioria dentre as possíveis e, portanto, levariam à

instabilidade coletiva – tendo em vista a constatação sobre o Congresso norte-americano

que demonstrava os atores tomando decisões estáveis, sem ter o problema dos ciclos

irracionais demonstrados por Arrow. (Peres, 2008, p.60) A conclusão dos teóricos do

assunto foi entender que não estavam levando em consideração uma variável de extrema

importância para garantir a estabilidade das decisões, a saber, as instituições políticas.

Portanto, as instituições, ou “as regras que estruturam o processo decisório seriam as

responsáveis não apenas pela estabilidade das decisões como também pelo próprio

resultado da escolha.” (Peres, 2008, p.63).

A partir de então, segundo Peres (2008, p.63), as instituições políticas passaram a

fazer parte, cada vez mais, das explicações sobre as decisões e processos políticos.

Sobre a importância das instituições fala Pierson (1996):

As instituições estabelecem as regras do jogo, das lutas políticas – influenciando na formação de identidades de grupo, de preferências políticas e de escolhas de coalização, bem como promovendo o aumento de poder de alguns grupos, em detrimento de outros. As instituições também afetam a atuação do governo – na medida em que interferem nos recursos administrativos e financeiros que viabilizam as intervenções políticas (1996, p.52).

Sobre a definição do que seriam instituições há controvérsias e debates

(Nascimento, 2009, p.101). Contudo, é possível identificar o Ministério Público como uma

organização que estabelece regras do jogo, regras que estruturam o processo decisório e,

portanto, se faz importante a análise dessas instituições provenientes do Ministério

Público.

Segundo Rocha (2005, p.13), a primeira vertente do neo-institucionalismo era

denominada como state-centered e tinha como foco colocar o Estado sendo um ator

privilegiado de análise, o Estado seria aquele que explicaria a natureza das políticas

governamentais. Essa corrente seria liderada pelos primeiros trabalhos de Skocpol (1985)

e compreende o Estado como permanente influenciador da sociedade. De acordo com

Rocha (2005, p.14), essa autora:

Parte da ideia geral da autonomia dos Estados, que “concebidos como organizações que reivindicam o controle dos territórios e pessoas, podem formular e perseguir objetivos que não sejam um simples reflexo das demandas ou de interesses de grupos ou classes sociais da sociedade (Skocpol, 1985, p.86)”.

Nessa compreensão do neo-institucionalsimo, portanto, o Estado, na definição de

suas políticas, não se submeteria aos interesses de classes ou grupos da sociedade. O

objetivo das ações emanadas do Estado seria “reproduzir o controle de suas instituições

sobre a sociedade, reforçando sua autoridade, seu poder político e sua capacidade de

ação e controle sobre o ambiente que o circunda.” (Rocha, 2005, p.14). Assim, as

políticas oriundas do Estado seriam diversas das demandas da sociedade.

Críticas a essa visão state-centered ocorrem e, para autores como Przeworski

(1995 apud Rocha, 2005, p.16), pressupor que todos os Estados tenham essa suposta

autonomia é um importante erro de generalização. Portanto, esse autor julga necessário o

estudo de casos concretos para se poder definir o papel de cada um dos atores – tanto

Estado como sociedade – no processo de tomada de decisão. A partir dessa situação o

neo-institucionalismo avança teoricamente para ter uma melhor compreensão do papel do

Estado na tomada de decisão.

Uma nova análise neo-institucional passa a permear os estudos e é identificada,

segundo Skocpol (1995, p.41), como polity-centered analysis. Em contraposição à visão

anteriormente citada, essa nova análise busca entender que não é apenas o Estado o

influenciador das políticas de maneira geral, mas compreende que, por o Estado fazer

parte da sociedade, ele pode sim ser influenciado pela sociedade até mais do que a

influencia.

Quatro princípios são importantes nessa visão polity-centered segundo Rocha:

A efetividade do Estado não depende apenas de seu “insulamento”, mas de como se dá sua inserção na sociedade; a necessidade de enfocar não apenas governos centrais, mas também os níveis de governo periféricos; a força do Estado e dos agentes sociais são contingentes a situações históricas concretas; e, finalmente, a relação Estado-sociedade não compõe um jogo de soma zero, implicando a possibilidade de que compartilhem os mesmos objetivos (2005, p.16).

Segundo Rocha (2005, p.16), há ainda um roteiro de análise, baseado em quatro

dimensões, para o estudo de políticas sociais que Skocpol (1995, p.41) propõe em seu

livro e que resume apropriadamente os pressupostos neoinstitucionais polity-centered. O

primeiro ponto observa que os funcionários estatais “trabalham no sentido de implementar

políticas que atendam às suas idéias, às necessidades de suas carreiras e organizações”

(Rocha, 2005, p.17), porém, isso não significa que esses funcionários ignorem os outros

interesses sociais mas ocorre que, muitas vezes, eles se esforçam para calibrar seus

interesses com os sociais. Isso dependeria das “características das organizações políticas

dentro das quais atuam” (idem, p.17). O segundo ponto seria o fato de que “estruturas e

processos políticos influenciam identidades, metas e capacidades políticas de grupos

politicamente ativos.” (idem). O terceiro ponto mostra que as características das

instituições governamentais de maneira geral influenciam o grau de sucesso que grupos

podem obter, já que essas regras podem permitir ou vetar o acesso do grupo às decisões.

E como última dimensão proposta por Skocpol, “ela sustenta que políticas adotadas

anteriormente reestruturam o processo político posterior. Como a política cria políticas,

estas também reelaboram a política (Skocpol, 1995, p.58 apud Rocha, 2005, p.17).”.

Recuperando então os dados e análises já feitas sobre o Ministério Público do

Distrito Federal e Territórios, o objetivo aqui é compreender em qual dessas perspectivas

teóricas essa organização governamental poderia ser mais apropriadamente explicada.

Conforme já foi abordado anteriormente, percebeu-se que, em diversas questões,

principalmente as que tangenciam a efetivação de políticas públicas, o MPDFT tem

preferido, sempre que possível, a atuação por meio de instrumentos extra-judiciais.

Portanto, para compreender melhor o órgão por meio dessas perspectivas neo-

institucionais, é necessário o fornecimento de mais alguns dados para sustentar a análise.

Para tanto, foram escolhidos quatro projetos produzidos pelo MPDFT no período de

2007-2009. Logo abaixo se tem o Quadro-Resumo 1 demonstrando as principais

características desses projetos.

Quadro-Resumo 1 – Seleção de Projetos Produzidos Pelo MPDFT – 2007-2009.

Projeto Motivações Objetivos Parcerias Resultados De olho no

Futuro

Ausência de

estratégias para o

enfrentamento de

crimes relacionados

à atividade de

gangues

Deficiência do

sistema público de

educação no que diz

respeito à segurança

escolar e à estrutura

física das escolas.

Atendimento

psicológico a

envolvidos em

processos relativos

a uso de álcool,

entorpecentes e

falta de estrutura

familiar.

Programa

preventivo com

foco na educação e

na segurança

escolar

Faculdades e órgãos

públicos

14ª Delegacia de

Polícia

Escolas do Setor

Leste

Seis dos Sete

indicadores de

avaliação foram

concluídos pelo

projeto

Sempre Viva Elevado número de

casos de violência

doméstica e alta

diversidade de

procedimentos de

intervenção em

caráter experimental

na área psicossocial

exigindo aplicação

de mecanismos de

mapeamento e

verificação/validação

Proteção integral à

mulher em

situação de

violência

doméstica.

Promoção de

maior integração

entre promotorias,

a comunidade

local e redes de

enfrentamento à

violência

doméstica.

Universidades, redes

locais de

enfrentamento à

violência doméstica,

Defensoria Pública

Sete dos oito

indicadores de

avaliação foram

concluídos.

Articulação

de Redes

Sociais

Verificação dos

principais problemas

sociais que levam a

conflitos no Sistema

de Justiça Criminal e

na Justiça Cível.

Compreensão para

amenizar esses

principais

problemas.

Articulação de

uma rede social

mais ampla e

efetiva para o

tratamento e

prevenção de

infrações penais

que toquem a

higidez familiar,

infância e

juventude e a

diminuição de

ocorrências que

envolvam o uso

abusivo de álcool.

Agentes públicos

que fiscalizam

estabelecimentos

que vendem bebidas

alcoólicas, agentes

públicos

responsáveis pela

implementação e

expansão da rede de

atendimento no

Hospital Regional de

Brazlândia, no

Conselho dos

Direitos da Mulher,

no Centro de

Desenvolvimento

Social, Conselhos de

Segurança Escolar.

Seis dos oito

indicadores de

avaliação foram

concluídos.

Prevenção e

Controle do

uso de

Sustâncias

Psicoativas

por Crianças

e

Adolescentes

do DF

Necessidade de

acompanhar e

fiscalizar as Políticas

Públicas voltadas à

prevenção e ao

tratamento de

crianças e

adolescentes

usuários de

substâncias

psicoativas.

Aperfeiçoar a

atuação em

processos

judiciais e criar

metodologias de

acompanhamento

e fiscalização das

Políticas

Públicas voltadas

para a prevenção

e o tratamento de

crianças e

adolescentes

usuários de

substâncias

psicoativas.

Profissionais da rede

de atenção,

conselheiros

tutelares,

Fiscalização efetiva

dos estabelecimentos

comerciais e casas

noturnas

Seis dos onze

indicadores de

avaliação foram

concluídos.

Fonte: Elaboração própria – Projetos do MPDFT cedidos para análise pela Secretaria de Planejamento do MPDFT.

É interessante notar que as motivações são basicamente relativas a uma

deficiência ou não-atuação das instâncias governamentais para o combate de problemas

sociais, na maior parte das vezes, por meio de parcerias com vários atores tanto

governamentais quanto da sociedade civil.

Nesse sentido, foi possível perceber nas pesquisas deste estudo que o Ministério

Público ao longo do tempo tem passado por mudanças significativas. E que,

especialmente nos últimos anos, sobretudo no foco de análise específico que é o

Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, tem ocorrido uma especialização do

órgão no sentido de atuar conforme práticas mais eficientes para resolver os problemas

que envolvem o exercício de sua função. Assim, promotores têm percebido que, por

exemplo, soluções podem caminhar mais rapidamente por meios extra-judiciais do que

pela via judicial. E que, projetos que envolvam vários atores sociais podem ser mais

eficientes do que os que se concentram apenas em um órgão burocrático.

Assim, analisando esses projetos por meio dos quatro pontos sugeridos por

Skocpol (1995), observa-se que as motivações são basicamente relativas a uma

deficiência ou não-atuação das instâncias governamentais para o combate de problemas

sociais. Assim, o Ministério Público, ao avocar a sua função prevista na Constituição

Federal de defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e

individuais indisponíveis e também ao avocar sua identidade de profícuo defensor da

sociedade, legitima-se para propor e mediar projetos visando solucionar diversos

problemas sociais.

Portanto, o MPDFT realmente trabalha com a intenção de implementar políticas

que atendam às necessidades de suas organizações, já que, atuam para colocar em

prática aquilo que convencionou-se ser função do órgão. Entretanto, tendo em vista os

problemas sociais que os referidos projetos intencionam solucionar, é possível perceber

que não são problemas aleatórios ou sem importância social, certamente são questões

que os membros do MPDFT perceberam como demandados pela sociedade e pelos

grupos organizados. Essa compatibilização dos “interesses” do MPDFT com as

demandas sociais é fruto certamente, como orientou Skocpol, das características do

órgão. Tendo em vista o fato de ser esse órgão guardião dos interesses da sociedade,

não podia ser outra a atuação no sentido de buscar compreender as demandas sociais

para orientar seus trabalhos.

Assim, tendo em vista os dados, as análises, os teóricos do Ministério Público

citados nesse estudo e mesmo com a compreensão de Arantes (2000) de que a atuação

do Ministério Público seria paternalista em relação à sociedade, é possível compreender

que a relação Estado-sociedade, mais especificamente Ministério Público-sociedade, não

seria explicada como um “jogo de soma zero”, essa relação compartilharia objetivos

próximos. Isso porque, em relação aos projetos citados anteriormente, por exemplo,

vários atores da sociedade concordaram em participar dos projetos propostos pelo

MPDFT e, além disso, vários desses obtiveram sucesso de acordo com o relatório

consolidado do MPDFT. Caso a sociedade não concordasse com os objetivos propostos

nos projetos em questão, é muito provável que não aceitariam realizar as parcerias que

ocorreram.

Nesse sentido, como foi possível perceber que, pelo menos quanto aos objetivos

dos projetos provenientes do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, as

demandas do Estado não são diversas das demandas da sociedade, pode-se dizer que a

atuação do MPDFT não poderia ser caracterizada de acordo com a visão neo-institucional

state-centered, mas sim, de acordo com a compreensão polity-centered.

Assim, é possível identificar o MPDFT como um ator que vem adquirindo relevante

importância nas questões relacionadas às políticas públicas no Distrito Federal. Essa

relevância tem ocorrido, principalmente, em razão da identidade tecida de maneira geral

sobre a função do Ministério Público de órgão guardião dos interesses da sociedade.

Assim, tendo em vista essa identidade é que o MPDFT tem se esforçado para criar

instrumentos de fiscalização e intervenção da realidade social para que os direitos sociais

sejam efetivamente cumpridos. Também é possível compreendê-lo como um relevante

ator para a colocação de demandas na agenda já que faz projetos mobilizando vários

atores sociais para tentar resolver um problema, realiza audiências públicas para discutir

questões, enfim, disponibiliza meios para que assuntos sejam observados.

Além disso, ao se observar os diversos projetos propostos e executados pelo

MPDFT em que, grande parte das vezes, incluem diversos atores sociais para poder

buscar soluções de problemas, em que tem atuado como um órgão mediador de conflitos,

como realizador de debates com as Audiências Públicas, é possível também

compreender a atuação desse órgão buscando ser, de maneira geral, uma “estrutura de

governança”, em certo sentido.

De acordo com Oliver Williamson, uma estrutura de governança pode ser

compreendida como “a matriz institucional na qual as transações são negociadas e

executadas” (Williamson, 1986, p.105 apud Fiani, 2011, p. 93). O problema de todos os

fatos relacionados às políticas públicas em que o Ministério Público atua é que houve

algum impedimento para que as ações relacionadas às garantias dos direitos da

sociedade não fossem efetivamente cumpridos. Pode-se dizer então que, na efetivação

de políticas públicas, ocorrem relações entre diversos atores (Poder Executivo, Poder

Legislativo, Sociedade Civil) e que, nos casos em que o MPDFT passa a intervir, ocorreu

algum impasse que dificultou ou mesmo obteve a não realização de determinada política.

Portanto, esses impasses que ocorrem podem ser caracterizados como “custos de

transação políticos” em conceituação paralela à de Williamson (1985, p.1 e 1996, p.58

apud Fiani, 2011.) que define “custos de transação” relacionados a atividades econômicas

sendo estes os custos associados à “passagem de um ativo através da fronteira que

separa duas atividades econômicas distintas” conforme citação de Fiani (2011, p.65).

Ainda sobre custos de transação é possível verificar a seguinte conceituação:

A noção de custos de transação compreende o “preço” a ser pago na negociação dos interesses em conflito, bem como aquele relativo à organização e articulação dos interessados com vistas à consecução de seus objetivos comuns (Bruna, 2003 apud Silva, 2005). Tal preço pode ser encarado tanto do ponto de vista econômico como político (Silva, 2005, p.7).

Assim, o que também pôde ser percebido nesse estudo é que o MPDFT atua por

meios judiciais ou extra-judiciais para tentar solucionar esses impasses relacionados à

garantia dos direitos da sociedade. Nesse sentido é que este estudo compreende o

Ministério Público do Distrito Federal e Territórios também buscando se legitimar como

uma estrutura em que transações políticas para efetivação de direitos sejam negociadas e

executadas, ou seja, uma “estrutura de governança”, em certo sentido.

Na próxima seção busca-se então recuperar de forma resumida as análises feitas

nesse estudo com o objetivo de tecerem-se conclusões finais.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio desse estudo foi possível perceber que o Ministério Público, desde sua

primeira aparição na legislação brasileira até os dias de hoje, já sofreu importantes

alterações em sua estrutura e atribuições. A estrutura hierárquica do órgão foi sempre

ligada ao Poder Executivo. É a partir da década de 1970 que se observa a aprovação de

leis que, gradualmente, foram alterando o entendimento sobre qual deveria ser a função

do Ministério Público. O que foi possível perceber com esse estudo, de acordo com a

análise da literatura já existente sobre o assunto, é que essas mudanças foram produto,

em grande parte das vezes, da atuação dos próprios integrantes do Ministério Público que

passaram a entender a necessidade do órgão ser responsável por funções mais ligadas à

proteção dos interesses da sociedade.

Entretanto, esse processo, que tem seu ápice com a Constituição de 1988, seguiu

passos não exatamente estruturados ou conforme um plano estratégico para se conseguir

as funções que se entendiam como as necessárias para o órgão.

O que se percebeu é que, por exemplo, a primeira lei aprovada que teve influência nas

atribuições do Ministério Público, na verdade um artigo do Código de Processo Civil de

1973, foi fruto de um processo decisório que não tinha a intenção inicial de conceder

maiores funções ligadas à defesa da sociedade. A intenção inicial do artigo era legitimar

uma maior intervenção do MP em causas de “interesse de pessoas jurídicas de direito

público”, porém, devido à redação proposta pelo Deputado Amaral de Souza, ficou sendo

o MP legitimado para atuar “em todas as demais causas em que há interesse público”,

não sendo definido o que seria interesse público. A partir de então o Ministério Público

passou a utilizar esse artigo e a expressão “interesse público” para legitimar sua atuação

em questões ligadas à defesa dos interesses da sociedade. Portanto, em razão das

informações identificadas por esse estudo percebeu-se que esse foi um processo

decisório imerso em um contexto de racionalidade limitada já, por exemplo, a alteração

final proposta pelo Deputado Amaral de Souza ocorreu mais em razão da identificação do

Deputado com a “causa” do MP do que propriamente em razão dele ter entendido o

processo e a justificativa inicial de alteração do artigo em questão.

Além disso, foi possível perceber que, para a aprovação das leis posteriores que

trouxeram atribuições importantes para o órgão, tais como a primeira Lei Orgânica

Nacional do Ministério Público e a Lei regulamentadora da Ação Civil Pública, foi

construída e disseminada uma identidade do Ministério Público como órgão competente

para ser o guardião dos interesses da sociedade e, que, portanto, essas atribuições

precisariam ser inseridas nas referidas leis para que essa função fosse assim executada

pelo órgão. Assim, desde a década de 1970 é que vem sendo tecida essa identidade

específica do Ministério Público. Portanto, esse estudo conseguiu perceber que a

avocação dessa identidade foi um processo importante para conseguir e consolidar as

mudanças institucionais desse órgão. Alteração de fundamental importância para o

Ministério Público foi uma das alcançadas com a Constituição de 1988, sendo a principal

a sua desvinculação do Poder Executivo, tornando-se, assim, um órgão autônomo.

Relevante para essa desvinculação e para as outras prerrogativas tais como a sua

autonomia administrativa, financeira e iniciativa no processo legislativo para criação ou

extinção de seus cargos, foi o lobby da Confederação Nacional das Associações do

Ministério Público e a avocação da identidade construída sob a argumentação de que o

Ministério Público seria o órgão propício para defender os interesses da sociedade tendo

em vista o fato da sociedade ter dificuldades para se organizar e defender seus interesses

fundamentais (Arantes, 1996, p.96). Portanto, foi possível identificar a relevância dessa

atuação baseada na lógica da adequação – que envolve identidade e regras (March,

2010, p. 50) – dos membros do Ministério Público para se alcançar as prerrogativas

inscritas na Constituição de 1988.

Porém, esse estudo percebeu que as mudanças institucionais não foram finalizadas

com a Constituição de 1988. O Ministério Público, a partir de então, passou a atuar de

forma mais incisiva para defender os interesses da sociedade e, para tanto, tem

questionado os meios existentes e buscado melhores instrumentos de atuação para

efetivar essa defesa. Nesse sentido, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

tem atuado de maneira a fiscalizar as políticas públicas, principalmente pela via judicial

por meio da Ação Civil Pública. Entretanto, a partir das entrevistas e das análises

bibliográficas, observou-se que há certo desânimo quanto à efetividade de se utilizar a via

judicial para resolver as demandas da sociedade quanto às políticas públicas. Sendo

assim, o órgão tem buscado se utilizar de instrumentos extra-judiciais que por vezes

podem ser mais céleres e eficientes do que os meios judiciais. Contudo, a utilização

desses meios extra-judiciais tem sido feita não apenas para fiscalizar políticas públicas,

mas também para mediar a solução de conflitos entre governo e sociedade civil, para

realizar debates quanto a problemas existentes em determinadas localidades –

Audiências Públicas –, para resolver questões por meio de acordos – Termos de

Ajustamento de Conduta –, para propor projetos envolvendo atores governamentais e da

sociedade para resolver problemas sociais, entre outros.

De maneira geral, essa atuação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

que tangencia a temática das políticas públicas também tem sua fundamentação baseada

na sua identidade de profícuo defensor da sociedade. Além disso, também é tecida uma

identidade desse órgão ser um articulador social, de mediar e organizar atores para a

solução dos conflitos existentes.

Portanto, tendo em vista a tentativa do MPDFT de realizar parcerias com a sociedade

para colocar em prática os projetos visando a garantia dos direitos da sociedade,

observando o fato da população concordar com esses projetos e atuações do órgão já

que é possível notar a presença da população, por exemplo, nas questões relacionadas

ao Fórum de Monitoramento do Orçamento Criança Adolescente, devido ao fato do órgão

realizar Audiências Públicas com atores tanto da sociedade civil quanto dos órgãos

governamentais no sentido de debater, esclarecer assuntos envolvendo a garantia de

direitos, de maneira geral, entre outras ações do MPDFT, a segunda hipótese desse

estudo é confirmada no sentido de que a atuação desse órgão pode ser explicada mais

apropriadamente pela abordagem do neo-institucionalismo polity-centered.

Além disso, esse estudo compreendeu que tem ocorrido uma atuação do órgão

buscando ser uma estrutura de negociação de custos transacionais políticos, portanto,

haveria uma busca para se legitimar como uma “estrutura de governança” mais

relacionada ao conceito político, em paralelismo ao conceito de “estrutura de governança”

relacionada a conceitos econômicos, conforme proposto por Williamson (1985;1996).

Assim, percebe-se que o Ministério Público tem sido um ator importante no ciclo das

políticas públicas no Distrito Federal no sentido de que, mais do que fiscalizar, ele tem

sido relevante para a colocação de demandas na agenda já que faz projetos mobilizando

vários atores sociais para tentar resolver um problema, realiza audiências públicas para

discutir questões, tenta promover acordos não judiciais, etc. E as justificações dessas

decisões são sempre feitas avocando a identidade de defensor da sociedade.

O Ministério Público faz o que considera necessário para colocar assuntos relativos à

defesa da sociedade no debate das autoridades governamentais. Entretanto, tendo em

vista a autonomia funcional do Ministério Público e de seus promotores e a ausência de

hierarquia dentro do órgão, o que se percebe é que essa atuação como um ator

importante para colocar a agenda acaba não sendo uniforme em todas as áreas do órgão

já que essa não é uma função obrigatória. Assim, para um estudo e debate posterior é

preciso refletir sobre a necessidade de todas as promotorias do Ministério Público terem

uma política de atuação uniforme e, portanto, colocar todos os assuntos que defendem no

debate político ou se esse órgão não deveria atuar nessa esfera, devendo continuar

apenas com sua função fiscalizadora.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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