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Validade e Confiabilidade na Pesquisa Qualitativa em Administração Autoria: Fernando Gomes de Paiva Jr., André Luiz M. de Souza Leão, Sérgio C. Benício de Mello Resumo O uso da pesquisa qualitativa tem se tornado crescente na academia de Administração. No entanto, entendemos que para sua melhor utilização seja necessário se discutir seus aspectos de validade e confiabilidade. Com base nisto, o texto inicia uma discussão acerca de aspectos epistemológicos e éticos associados ao uso da pesquisa qualitativa para então chegar àqueles a que se propõe. Neste ponto, discute o que sejam os critérios de validade e confiabilidade na pesquisa qualitativa e seus diferentes tipos e apresenta os critérios propriamente ditos de validade e confiabilidade na pesquisa qualitativa. As discussões são ligadas à área de Administração por meio de contextualizações. Finalmente, chamamos atenção para a relevância da discussão desenvolvida ao longo do artigo, uma vez que o desenvolvimento dos critérios apresentados são fundamentais para a credibilidade da pesquisa qualitativa na Administração, uma vez se tratar de um campo dominado pelo paradigma positivista.

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  • Validade e Confiabilidade na Pesquisa Qualitativa em Administrao

    Autoria: Fernando Gomes de Paiva Jr., Andr Luiz M. de Souza Leo, Srgio C. Bencio de Mello Resumo O uso da pesquisa qualitativa tem se tornado crescente na academia de Administrao. No entanto, entendemos que para sua melhor utilizao seja necessrio se discutir seus aspectos de validade e confiabilidade. Com base nisto, o texto inicia uma discusso acerca de aspectos epistemolgicos e ticos associados ao uso da pesquisa qualitativa para ento chegar queles a que se prope. Neste ponto, discute o que sejam os critrios de validade e confiabilidade na pesquisa qualitativa e seus diferentes tipos e apresenta os critrios propriamente ditos de validade e confiabilidade na pesquisa qualitativa. As discusses so ligadas rea de Administrao por meio de contextualizaes. Finalmente, chamamos ateno para a relevncia da discusso desenvolvida ao longo do artigo, uma vez que o desenvolvimento dos critrios apresentados so fundamentais para a credibilidade da pesquisa qualitativa na Administrao, uma vez se tratar de um campo dominado pelo paradigma positivista.

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    1. Introduo Historicamente, as pesquisas de natureza quantitativa tm dominado as cincias. Isto tm

    ocorrido em decorrncia do domnio do paradigma positivista, em que a mensurao dos fenmenos como meio de apreender uma suposta realidade concreta e isolvel o foco das pesquisas. Esta uma viso advinda das cincias naturais, em que o homem pode observar, de fato, o fenmeno de forma isolada. Contudo, o reconhecimento de que, nas relaes humanas, a realidade ocorre dentro de contextos histricos e construda socialmente, tem levado parte das pesquisas sociais e humanas no mais ao caminho da mensurao, mas ao da compreenso; tem levado, portanto, utilizao de mtodos qualitativos (GUBA e LINCOLN, 1994).

    Esta questo tem contribudo para que a anlise qualitativa, em pouco mais de um sculo de desenvolvimento, venha obtendo espao na academia, justamente por se configurar como uma alternativa mensurao, j que nem todos os problemas de pesquisa passam por esta abordagem (DENZIN e LINCOLN, 1994). Contudo, so vrios os crticos da pesquisa qualitativa, seja por parte de pesquisadores afeitos chamada cincia normal, que defendem o princpio de que qualquer fenmeno precisa ser medido para ter utilidade, seja porque muitos questionam seus procedimentos, segundo eles, pouco claros, que abre um espao para o vale tudo na anlise (DENZIN e LINCOLN, 1994).

    No que se refere a procedimentos analticos, a pesquisa qualitativa entendida como soft, enquanto a anlise quantitativa entendida como hard, j que no utiliza modelos matemticos e/ou de aplicaes estatsticas, mas da interpretao de textos, sons, imagens e at de linguagem no-verbal (GUBA e LINCOLN, 1994). Neste sentido, o que se faz necessrio observar que tanto a condescendncia com o chamado vale tudo quanto a quantificao exacerbada o meio pelo meio podem conduzir a duas posies igualmente indesejveis (GASKELL e BAUER, 2002).

    Na medida em que a pesquisa qualitativa desenvolve uma reflexo crtica e um saber acumulado, preciso que seus pesquisadores deixem de abordar critrios implcitos para avaliar e guiar pesquisas, ou seja, que no mais deixem tais critrios subentendidos e passveis de no serem percebidos ou compreendidos, para adotarem critrios e processos de investigao mais explcitos, que possibilitem a compreenso e a replicao do estudo. So as concepes manifestas da boa prtica de pesquisa geraro a credibilidade externa e a legitimao para o estudo qualitativo, concebido, justamente devido a tais critrios implcitos, como obscuro e esotrico, pela cincia normal (CLEGG e HARDY, 1999).

    Dentro desta discusso, vale destacar que a objetividade de um estudo qualitativo, assim como a de um quantitativo, avaliada em termos da validade e da confiabilidade de suas observaes. Neste sentido, entende-se como validade a confiana com que se podem tirar concluses corretas de uma anlise; como confiabilidade entende-se a consistncia com que um procedimento de pesquisa ir avaliar (mensurar/interpretar) um fenmeno da mesma maneira em diferentes tentativas (GASKELL e BAUER, 2002; KIRK e MILLER, 1986). Contudo, a pesquisa qualitativa tem seus prprios critrios de rigor cientfico que asseguram a legitimidade dos dados gerados em sua utilizao.

    Na Administrao, o crescimento que vemos do uso da pesquisa qualitativa gradual, mas contnuo, apresentando ao campo novos caminhos investigativos em meio ao paradigma ainda dominante da quantificao (BOEIRA e VIEIRA, 2006). No entanto, so poucos ainda que existentes os esforos de nossa academia em relao ao desenvolvimento embasado da pesquisa qualitativa, o que mais evidente em relao aos aspectos relativos sua qualidade ou, em outras palavras, aos seus aspectos de validade e confiabilidade (GODOI e BALSINI, 2006).

    Sendo assim, o presente trabalho tem o objetivo de discutir que critrios a anlise qualitativa tem utilizado para garantir tal rigor e qualidade na pesquisa. Alm disto, tambm

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    sero discutidas questes referentes escolha do mtodo qualitativo, fundamentais no andamento de tal procedimento, bem como a relevncia da tica nos critrios de confiabilidade e validade da pesquisa qualitativa.

    2. Consideraes gerais

    Antes de se abordar especificamente questes relativas validade e confiabilidade de pesquisa, crtico que questes relativas orientao epistemolgica e tica de um estudo qualitativo sejam pensadas, pois as posturas adotadas em relao a estes critrios iro nortear todo o esforo investigativo, impactando fortemente a legitimidade de uma pesquisa.

    2.1. Orientao epistemolgica

    A epistemologia se distingue de uma metodologia abstrata porque busca assimilar a lgica do erro para construir a lgica da descoberta da verdade como polmica contra o erro e como esforo para submeter as verdades aproximadas da cincia e os mtodos que ela utiliza a uma retificao metodolgica e permanente. Deste modo, o processo do conhecimento cientfico vai se tornando um desafio de aproximao que transita de uma legitimidade menor para uma maior (BRUYNE et al.1991).

    A plausibilidade epistemolgica do problema de pesquisa um critrio de cientificidade levantada ao conceber o que pode ser observvel no fenmeno como premissa fundamental do estado de investigao. Oliva (1990) chama a ateno para o vnculo existente entre essa questo com a relevncia do estudo denominada por ele de significatividade cognitiva e nos alerta para se saber o que pode ser expresso como sentido fatual, equivalente a indicar as condies necessrias e plausveis a serem satisfeitas por enunciados que aspirem condio de cientficos. Bryman (1992) contrape o argumento anterior ao asseverar que boa parte dos enunciados no verificvel empiricamente e, alis, a razo se ser deles no se confrontar com fatos , e acrescenta que esta concepo empiricista de epistemologia pode chegar a arruinar a sua fecundidade, uma vez que nada deve ser apenas rigor, mas polmica e crtica.

    De fato, deve-se atentar para a observao de Castro (1977) quanto questo da verificabilidade ter sido superada com o tratamento que neopositivistas como Popper (1972) deu ao conhecimento cientfico em torno da falsificabilidade ou refutabilidade, e parece existir uma convergncia prtica em torno deste segundo princpio, uma vez que para o fenmeno ser factual ou cientfico, o enunciado pode ser falsificvel por ser possvel imaginar uma situao em que ele no seja verdadeiro ou vlido.

    2.2. A questo tica no tratamento e na contribuio do estudo qualitativo

    Merrian (1998) suscita questes ticas pertinentes que devem ser consideradas pelo pesquisador ao refletir se em nome da clareza e da transparncia do estudo podem ser manifestados aspectos particulares ou mesmo ritos sacralizados pelo habitus do sujeito pesquisado, que poderiam vir a ser profanados se trazidos a pblico ou expostos de forma indevida.

    Wiesenfeld (2000) corrobora esta viso, ao propor um debate sobre a questo da dignidade do pesquisado. Existe um certo grau de perigo em se desenvolver teorias e prticas com implicaes importantes para a vida das pessoas estudadas e, que, por fim, terminam por no desfrutar de nenhum conhecimento. Em muitas situaes, a pesquisa assume uma abordagem que leva relao entre o sujeito que sabe (o pesquisador) iluminando o que no sabe. Nesta relao confusa e assimtrica, o pesquisador tem uma grande responsabilidade por assumir que pode falar pelo outro e interpretar de forma acurada o seu mundo e a sua vida.

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    3. A questo da validade e da confiabilidade na pesquisa cientfica A pesquisa quantitativa, de caracterstica predominantemente hipottico-dedutiva, inicia-

    se com a teoria, a qual deve ser articulada de forma ideal como corpo de leis ou generalizaes universais. Da uma hiptese derivada da teoria e testada em confronto com a observao. Por outro lado, a investigao qualitativa, geralmente assumindo uma abordagem indutiva e interpretativa que ser a abordagem deste trabalho comea inicialmente com os dados investigados, despojada de teoria e sem a formulao de hipteses, alm de dissecar evidncias descritivas de observao (RISJORD et al., 2001). Desta forma, os critrios de validade e de confiabilidade tambm vo assumir aspectos diferentes em cada uma das tradies.

    A pesquisa quantitativa concebida de forma tradicional como o prprio mtodo das cincias empricas, em que a anlise qualitativa costuma ter uma utilidade to somente para fases exploratrias da pesquisa ou em outros momentos com um papel puramente complementar na interpretao dos dados. Tal abordagem concebida como construes hipottico-dedutivas nas quais as teorias so tidas como verdadeiras at o momento em que algum fato venha a surgir para falsific-las (POPPER, 1972). Portanto, toda teoria permanece falsificvel, compreendendo-se a partir dessa premissa que todo conceito, todo objeto cientfico, pode ser transformado ou abandonado, se deixar de oferecer uma soluo satisfatria para as problemticas que os provocaram (BRUYNE et al., 1991). Essa questo se aprofunda quando se substancia o fato de que a realidade social frgil e permevel, tanto por poder dissolver-se com facilidade principalmente em situaes como as que ocorrem na rea de Administrao, por exemplo, em que as regras das relaes no se manifestam de forma to claramente explcitas , quanto por se deixar penetrar, ou mesmo dar lugar, a realidades adversas (BRAGA, 1989).

    Em contraposio, a pesquisa qualitativa, aplicada num contexto de abordagem indutiva, apresenta caractersticas especficas que resultam num menor nmero de unidades de amostra, cujo critrio descrito como reconhecendo a existncia de intencionalidade; num contedo composto de descries detalhadas de situaes relativas aos dados coletados do sujeito em anlise com citaes objetivas sobre suas experincias, atitudes, hbitos, credos e pensamentos; e, finalmente numa contextualizao de eventos, pessoas, interaes e observaes de comportamento. Para isso cabe o registro sistemtico das constataes de passagens de documentos, correspondncias e o estudo de situaes peculiares relativas ao fenmeno em observao (LEININGER, 1994).

    Dessa forma, a validade se refere, na pesquisa quantitativa, ao real valor que o instrumento de pesquisa pode ter para o alcance dos objetivos. H dois tipos de validade: a validade externa, cujos defensores advogam que o mtodo deve definir, de forma inequvoca, o grau de generalizao ou representatividade dos resultados encontrados. Por exemplo, num estudo da rea de logstica, se seria possvel inferir se as boas prticas eventualmente identificadas numa dada empresa podero ser adotadas por outras; e a validade interna, fundamentada no controle do delineamento, que consiste no princpio de que deve haver uma utilizao precisa do mtodo de modo a ser capaz de inferir adequadamente relaes causais entre variveis analisadas. No caso citado da rea de logstica, questiona a consistncia da prtica que avalia os nveis de estoques da empresa. Portanto, a validade, neste contexto, depende da formulao de instrumentos de mensurao acurados para assegurar que o objeto est sendo medido de forma precisa, incluindo o instrumento de medio, os testes de validao e as questes de uma survey ou de um experimento. Esses componentes devem ser padronizados e manuseados de acordo com procedimentos j prescritos (BABBIE, 2001).

    Na tradio qualitativa, por sua vez, a validade tende a ser observada nos seguintes aspectos: validade aparente, que se refere a quando um mtodo de pesquisa produz o tipo de informao desejado ou esperado; validade instrumental, que procura a combinao entre os

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    dados fornecidos por um mtodo de pesquisa e aqueles gerados por algum procedimento alternativo, que aceito como vlido; e validade terica, que se refere legitimidade dos procedimentos da pesquisa em termos de teoria estabelecida (KIRK e MILLER, 1986).

    Por outro lado, no que se refere confiabilidade, na pesquisa quantitativa, ela surge como uma noo de consistncia, ou seja, uma medida torna-se confivel na medida em que fornece resultados consistentes. Neste contexto, a confiabilidade obtida atravs de trs critrios: estabilidade, que a segurana de que resultados sero consistentes, com mensuraes da mesma pessoa usando o mesmo instrumento; equivalncia, que ocorre quando diferentes observadores de um mesmo fenmeno o mensuram de forma equivalente; e, finalmente, a consistncia interna, que se refere homogeneidade entre os itens de um mesmo instrumento (COOPER e SCHINDLER, 2003).

    Na pesquisa qualitativa, por sua vez, a confiabilidade refere-se garantia de que outro pesquisador poder realizar uma pesquisa semelhante e chegar a resultados semelhantes. Tende a ser observada nos seguintes aspectos: confiabilidade quixotesca, que se refere s circunstncias em que um nico mtodo de observao mantm uma medida contnua; confiabilidade diacrnica, que se refere estabilidade de uma observao atravs do tempo; e confiabilidade sincrnica, que se refere similaridade de diferentes observaes dentro de um mesmo perodo de tempo (KIRK e MILLER, 1986). 4. Critrios de qualidade em pesquisas qualitativas

    Entende-se por critrios de qualidade na pesquisa qualitativa aqueles que a asseguram validade e confiabilidade. Alguns destes critrios tm funo apenas na validade e outros apenas na confiabilidade da pesquisa, mas existem aqueles que afetam tanto um aspecto quanto o outro. A seguir apresentamos os principais critrios de validade e confiabilidade, indicando em que aspectos eles atuam, os quais so sumarizados na Tabela 1.

    Tabela 1 Critrios de validade e confiabilidade na pesquisa qualitativa

    Critrio Validade Confiabilidade Triangulao X X Reflexividade X Clareza nos procedimentos e transferncia X Construo do corpus de pesquisa X X Descrio rica e detalhada X X Surpresa X Feedback dos informantes (validao comunicativa) X X

    4.1. Triangulao A triangulao um modo de institucionalizao de perspectivas e mtodos tericos,

    buscando reduzir as inconsistncias e contradies de uma pesquisa (GASKELL e BAUER, 2002). A tcnica contribui tanto por meio de validade quanto de confiabilidade, compondo um quadro mais evidente do fenmeno por meio da convergncia, conforme Patton (2002). Neste sentido, Jick (1979) afirma que a triangulao uma estratgia de pesquisa de validao convergente tanto de mtodos mltiplos quanto de multi-tratamento dos dados relativos a um mesmo fenmeno.

    A metfora da triangulao advm da navegao e da estratgia militar que consistiam em utilizar mltiplos pontos de referncia para localizar uma posio exata do objeto. Este princpio tem base tambm na geometria, que demonstra que os pontos de vista mltiplos permitem uma maior preciso. Assim, de forma anloga, os pesquisadores de estudos

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    organizacionais podem aperfeioar seus julgamentos ao coletar diferentes tipos de dados e interpretaes sobre o mesmo fenmeno (JICK, 1979).

    Denzin (1978) sugere a existncia de quatro diferentes tipos de triangulao, atravs de mltiplas e diferentes fontes, pesquisadores, mtodos e teorias. Indubitavelmente, o primeiro dos modos (fontes) o mais amplamente difundido e o que quase sempre se pensa quando se aborda o assunto triangulao. Creswell (2002) recomenda o uso de distintas fontes de informao. Neste sentido, Merrian (1998) sugere que diferentes fontes, como entrevistas com gerentes de distintos nveis hierrquicos e diferentes tipos de tcnicas de coleta de dados, como entrevistas e observaes sobre determinado caso, podem enriquecer sua compreenso sobre o fenmeno estudado.

    Outra abordagem importante a utilizao de mais de um pesquisador no processo. Neste aspecto, Creswell (2002) indica a alocao de uma pessoa distinta juntamente com o pesquisador para acompanhar os relatos e fazer perguntas ao entrevistados, bem como a convocao de um auditor externo para acompanhar o processo da pesquisa e as concluses do estudo, enquanto Merrian (1998) sugere que sejam utilizados analistas distintos, como colegas do pesquisador realizando a recodificao das transcries das entrevistas.

    Contudo, parece haver uma forte nfase na triangulao quanto ao mtodo. Risjord et al. (2001) comentam que a triangulao metodolgica corresponde ao uso de dois ou mais distintos tipos de mtodos em uma nica linha de investigao. Jick (1979) aponta que os campos qualitativo e quantitativo devem ser utilizados de forma complementar e no como rivais. Merrian (1998) argumenta que o uso de perspectivas tanto qualitativas quanto quantitativas de abordagem de pesquisa, mesmo que divergentes na conduo de processos perceptivos do fenmeno, podem enriquecer sua compreenso de um dado fenmeno.

    Neste sentido, todavia, no existe um consenso. Alguns pesquisadores (os blending researchers) assumem posturas de integrao dos mtodos, os quais em conjunto podem produzir resultados de forma mais consistente que se estivessem adotando um nico mtodo (RISJORD et al., 2001). Crticos a esta viso argumentam que mtodos qualitativos e quantitativos so baseados em pressupostos profundamente diferentes com relao ao objeto estudado, logo devem permanecer independentes, j que a adoo desses mtodos no proporcionaria a confirmao de um com relao ao outro. Tais crticas so feitas por pesquisadores separatistas (os building blocks researchers), que advogam a favor da diviso natural entre os tipos de mtodos e as teorias (RISJORD et al., 2001). Os tericos separatistas argumentam que a profundidade e a natureza das diferenas entre os mtodos qualitativo e quantitativo os tornam incomensurveis e defendem que a triangulao deve ser utilizada para fornecer vises complementares sobre um mesmo fenmeno.

    No campo de estudos organizacionais a pesquisa de Rice (2002) ilustra a aplicao de mtodos mltiplos num estudo de caso que explora a assistncia empresarial proporcionada pelos gerentes das incubadoras de base tecnolgica aos empreendedores de alta tecnologia em Austin, Texas. Por meio de uma produo conjunta e didica desenvolvida no ambiente das incubadoras, foi aplicada inicialmente uma survey detalhada junto aos primeiros e se utilizou um instrumento anlogo junto aos segundos; depois houve a necessidade de se investigar aspectos ainda incompreendidos sobre a forma de assistncia dos gerentes em relao aos empreendedores comunitrios da incubadora e assim foram realizadas entrevistas em profundidade junto aos jovens empresrios incubados.

    4.2. Reflexividade

    A reflexividade um critrio de confiabilidade e diz respeito ao antes e ao depois do acontecimento, gerando transformao no pesquisador, uma vez que vai se tornando uma pessoa diferente por considerar as inconsistncias do estudo ao longo do processo permanente de realizao. Assim, o sujeito, historicamente fazedor da ao social, contribui para

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    significar o universo pesquisado exigindo uma constante reflexo e reestruturao do processo de questionamento do pesquisador. Uma constante auto-reflexo do pesquisador fundamental para evitar vieses interpretativos (CRESWELL, 2002).

    No campo da Administrao da era ps-burocrtica, o teor reflexivo na investigao se projeta no mbito da empresa por meio de abordagens de pesquisas que enfatizam a adoo de tcnicas de dilogo e de apreciao evocadas por meio de conversaes que resgatam o cultivo pelo esprito apreciativo voltado para a melhoria da qualidade de vida, a ligao desse esprito com a tcnica e pela prpria reflexividade. Assim, as abordagens de pesquisa que seguem esta linha de ao demonstram a tendncia reflexiva tanto do pesquisador quanto do sujeito analisado, ao descobrir novos padres e combinaes de sentimentos, pensamentos e aes emergentes nas interaes conversacionais no antes identificados no plano interativo das organizaes (BARGE e OLIVER, 2003).

    4.3. Clareza nos procedimentos e transferncia

    A clareza nos procedimentos mais um critrio de confiabilidade e diz respeito boa documentao, transparncia e clareza nos procedimentos na busca e na anlise dos resultados. O importante gerar condies para outros pesquisadores reconstrurem o que foi realizado em cenrios diferentes (MILES e HUBERMAN, 1994). A transferibilidade na pesquisa qualitativa desempenha funo semelhante da validade interna e externa dos estudos quantitativos. 4.4. A construo do corpus de pesquisa

    A construo do corpus critrio tanto de confiabilidade quanto de validade. equivalente funcional amostra representativa e ao tamanho da amostra, porm com o objetivo distinto de maximizar a variedade de representaes desconhecidas.

    O tamanho da amostra no resulta to importante na construo do corpus, contanto que haja evidncia de saturao dos dados. Quando no surgem mais relatos inusitados no processo de coleta de dados da pesquisa, recomenda-se o critrio de finalizao dessa coleta por meio da saturao das respostas das entrevistas, uma vez que os discursos no constiturem contribuies adicionais significativas para as anlises de dados e concluses do estudo, em conformidade com Minayo (2000). A autora comenta que os entrevistados exercitam uma relao intensa com o pesquisador, decorrendo da uma construo de conhecimento comparvel com a realidade concreta, j concebida em hipteses e pressupostos tericos. 4.5. Descrio rica e detalhada

    Weber diz-nos que nas cincias sociais o que realmente interessa o estudo dos fenmenos inteligveis, cuja compreenso emptica constitui tarefa do tipo especificamente diferente daquelas que a cincia natural se pe a executar. Assim, tarefa do pesquisador realizar uma anlise objetiva dos fatos sociais, independentemente do fato da atividade humana ser de carter subjetivo (GIDENS, 2000).

    Uma descrio rica e detalhada ser critrio tanto de confiabilidade quanto de validade. Neste sentido, cabe ao pesquisador proporcionar suficiente descrio do contexto social do cenrio da pesquisa e do sujeitos analisados e das fases de sua elaborao para que os leitores fiquem aptos a determinar a proximidade de suas situaes com o cenrio relatado na pesquisa e at se descobertas podem ser transferveis (MERRIAN, 1998).

    imperativo num estudo qualitativo desenvolver uma noo de contexto do sujeito que atua num intercmbio direto com seu ambiente natural e estabelece-se por mediao das caractersticas particulares da sociedade a que pertence, assim quando se pretende estudar a

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    evoluo da sociedade humana necessrio partir do exame emprico dos processos concretos da vida social que constituem condio sine qua non da existncia humana (GIDENS, 2000).

    Por exemplo, a utilizao de uma estratgia de pesquisa de base fenomenolgica poder prover as bases de compreenso do cotidiano, valores, atitudes e comportamentos de dirigentes no dia-a-dia das organizaes, ao buscar seus significados e elementos estruturais postos entre parnteses ao se examinar o conhecimento e reflexo prtica oriundos do senso comum (HOLSTEIN e GUBRIUM, 1994). Portanto, a compreenso de como o empresrio vivencia experincias no mbito de espaos institucionais e como usa tecnologias com alto valor agregado, num cenrio hostil e competitivo, pode constituir uma base sugestiva de investigao.

    4.6. A surpresa como uma contribuio teoria e ao senso comum

    A surpresa um critrio de validade na pesquisa qualitativa e tem uma importncia para esta tradio tanto no que diz respeito descoberta de evidncias inspiradoras a novas formas de pensamento sobre determinado tema, quanto mudana de mentalidade j cristalizada em torno do fenmeno j carentes de serem revistas ou aprofundadas sob diferentes prismas para a teoria, para o mtodo ou mesmo para o conhecimento popularmente difundido na sociedade.

    O estudo de Ogbor (2000) sobre os efeitos do controle ideolgico sobre discurso e prxis empreendedora ilustra esta preocupao, ao criticar trabalhos publicados em revistas acadmicas utilizando metodologias prevalentemente funcionalistas, cujos resultados so permeados por discursos de apologia e mitificao a tipos empreendedores caractersticos de perfis masculinos, de cor branca e oriundos de pases ricos, quando investigaes de gnero ou mesmo de minorias sociais podem gerar insights ricos e inusitados que podero gerar novas impresses que servem de riqueza na rea temtica de empreendedorismo.

    Os conflitos rotineiros e no-rotineiros da empresa podem ser identificados, por exemplo, a partir da sua compreenso segundo percepo dos lideres organizacionais envolvidos na situao da qual esses problemas esto emergindo (TRIVIOS, 1987). O pesquisador necessita que os entrevistados lhe relatem suas experincias, suas compreenses, seus sentimentos e suas impresses, de modo a poder caminhar na busca de indicaes do que constitui de fato a viso que se tem do fenmeno que aciona o conflito a partir de sua prpria percepo (CLARKE, 2002).

    4.7. O feedback dos informantes (validao comunicativa)

    O feedback dos informantes mais um critrio de validade e corresponde confrontao com fontes e obteno de sua concordncia ou consentimento, sendo chamado de critrio de validao comunicativa dos participantes. No entanto, o ator social no pode exercer a autoridade absoluta nas descries e interpretaes de sua ao, deixando, assim, o pesquisador como refm das afirmaes e interpretaes do ator social, comprometendo at a independncia da pesquisa (MILES e HUBERMAN, 1994, GASKELL e BAUER, 2002)

    Este critrio conhecido tambm como sendo de confirmabilidade, que consiste na obteno direta dos dados e geralmente repetidas afirmaes do que o pesquisador tenha ouvido, visto, ou experienciado com relao ao fenmeno em estudo, esta prtica inclui as auditagens e checagens confirmadas periodicamente pelo informante, alm de sesses de feedback da pessoa investigada (LINCONL e GUBA, 1985; LEININGER, 1994).

    A anlise dos dados advindos das entrevistas num estudo qualitativo dever ser realizada de acordo com as categorias explicativas decodificadas dos temas transcritos. Aps uma leitura geral das enunciaes naturais, ser necessrio realizar uma reconstruo dos relatos de acordo com os seus significados para o sujeito entrevistado, a fim de se compreender em profundidade a factualidade dos dados. O quadro de sua experincia se expressar pela regularidade e pelo senso comum (LINCOLN e GUBA, 1985; MILES e HUBERMAN, 1994).

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    5. Consideraes Finais

    Em suma, a proposta deste trabalho foi a de apresentar observaes que manifestam a recomendao por pesquisas qualitativas que garantem resultados valiosos para o avano desta tradio. No campo da Administrao, so vrias a possibilidades e at necessidades de se utilizar pesquisas qualitativas. Designs de pesquisa nesta perspectiva devem, portanto, ser um hbito prevalecente em termos de estudos e no a exceo.

    Apesar de existirem defensores de que se deva descartar o termo validade em abordagens de paradigmas relativistas, acreditamos que vale mant-lo, para garantir a circulao e a quebra de sinais clssicos que o codificam como atributo exclusivo de difuso da verdade. A validade uma questo limite da pesquisa repetidamente revista, que no pode ser evitada e nem resolvida, constituindo-se assim uma frtil obsesso na pesquisa, devido sua natureza de dificuldade de tratamento adequado, por se considerar que as condies da possibilidade da validade so tambm suas condies de impossibilidade (LATHER, 1993).

    Um fato que Gaston Bachelard chama ateno que a realidade nunca simples e que na histria da cincia as tentativas de se atingir a simplicidade acabam se demonstrando invariavelmente supersimplificaes e ento a complexidade do real afinal reconhecido (LECHTE, 2002). Portanto, nas cincias sociais aplicadas conceber o conhecimento vlido como a convergncia absoluta com a verdade do que ocorre nas relaes dos atores sociais exige uma contnua reinterpretao sociocultural e histrica do sentido de sua ao na sociedade. 6. Referncias bibliogrficas BABBIE, E. Mtodos de pesquisas de survey. Belo Horizonte: UFMG, 1999. BARGE, J. K.; OLIVER, C. Working with appreciation in managerial practice. Academy of Management Review, v. 28, n. 1, pp. 124-142, 2003. BOEIRA, S. L.; VIEIRA,P. F. Estudos organizacionais: dilemas paradigmticos e abertura interdisciplinar. In: GODOI, C., K.; BANDEIRA-DE-MELLO, R.; SILVA, A. B. (Org.). Pesquisa qualitativa em estudos organizacionais: paradigmas, estratgias e mtodos. So Paulo: Saraiva, 2006. BRAGA, C. M. L. A proposta metodolgica das sociologias. In SARMENTO et al. Problemas de metodologia nas cincias sociais. Salvador: Centro Editorial e Didtico da UFBA, 1989. BRUYNE, P.; HERMAN, J.; SCHOUTHEETE, M. Dinmica da pesquisa em cincias sociais. 5. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1991. BRYMAN, I. Research methods and organization studies. Londres: Routledge, 1992. CASTRO, C. M. A prtica da pesquisa. So Paulo: Mcgrow-Hill do Brasil, 1977. CLARKE, S. Learning from experience: psycho-social research methods in the social sciences. Qualitative research. Sage, v. 2, n.2, , p. 173-194,. 2002 CLEGG, S; HARDY, C. Introduo: organizao e estudos organizacionais. In CLEGG, S; HARDY, C.; NORD, V. (1999). Handbook de estudos organizacionais: modelos de anlise e novas questes em estudos organizacionais. So Paulo: Atlas, 1999. COOPER, D. R.; SCHINDLER, P. S. Mtodos de pesquisa em administrao. 7. ed. Porto Alegre: Bookman, 2003. CRESWELL, J. W.. W. Research design: qualitative, quantitative and mixed methods approaches. 2. ed, SAGE, 2002. DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S. Introduction: entering the field of qualitative research. In: DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S. Handbook of qualitative research. Thousand Oaks, CA: Sage Publications, 1994.

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