Ensaio Língua Portuguesa, Redação e Expressão Oral 3

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES DÉBORA SMID ROZÃO POLÍCIA MILITAR DENTRO DO CAMPUS DA UNIVERSIDADE: UMA DUPLA FACE DO MEDO USP, A “TERRA DE NINGUÉM” IMEDIATISMO QUE IGNORA A REFLEXÃO OPORTUNISMO ALIMENTADO PELO MEDO ENTÃO, O QUE FAZER?

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Trabalho com introdução feita em sala de aula e corpo escrito em casa, para disciplina ministrada pela Prof. Dra. Irene de Araújo Machado, ECA-USP (8,0)

Transcript of Ensaio Língua Portuguesa, Redação e Expressão Oral 3

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES

DÉBORA SMID ROZÃO

POLÍCIA MILITAR DENTRO DO CAMPUS DA UNIVERSIDADE: UMA DUPLA

FACE DO MEDO

USP, A “TERRA DE NINGUÉM”

IMEDIATISMO QUE IGNORA A REFLEXÃO

OPORTUNISMO ALIMENTADO PELO MEDO

ENTÃO, O QUE FAZER?

SÃO PAULO

2011

POLÍCIA MILITAR DENTRO DO CAMPUS DA UNIVERSIDADE: UMA DUPLA FACE DO MEDO

Uma situação demasiado desagradável pegou a todos os freqüentadores da Universidade de São Paulo, em especial os alunos, no dia 18 de maio de 2011, de surpresa: um aluno foi morto com um tiro na cabeça após suposta reação a um assalto no estacionamento de sua Faculdade, a FEA (Faculdade de Economia e Administração), após sair de sua aula no período noturno. O ocorrido suscitou, como esperado, a revolta dos alunos de todas as unidades pertencentes ao campus, questionando a insegurança do mesmo, e pressionou a reitoria a um posicionamento, o que ocasionou o afloramento de uma problemática ainda mais complexa: a presença da Polícia Militar dentro da Universidade.

De um lado tem-se o medo dos assaltos, sequestros, estupros ou quaisquer outros crimes a que a comunidade uspiana possa estar vulnerável. Do outro lado, há o medo da repressão e da violência policial, que se acompanha diariamente por meio de noticiários. Então, de que maneira chegar a um consenso? Qual a melhor atitude a tomar?

USP, A “TERRA DE NINGUÉM”

A USP (Universidade de São Paulo), assim como outras instituições de ensino superior federais ou estaduais, como a UFRJ e a Unicamp, é uma autarquia. Esse fator lhe atribui autoridade suficiente para lidar com determinadas questões, como orçamentárias ou patrimoniais, sem a intervenção do Governo, incluindo questões relativas aos métodos adotados para segurança de seu espaço, já que a PM (Polícia Militar), responsável pela segurança pública, é ligada ao Estado, não podendo atuar, portanto, em território universitário sem prévio consentimento.

Como a presença da PM no ambiente universitário já foi motivo de diversas complicações, não apenas por sua ação durante o período ditatorial, mas também em outras manifestações mais recentes, como greves de alunos, professores e funcionários, a Reitoria optou por evitar sua presença dentro do campus, que se encontrava apenas sob vigia de guardas universitários e seguranças terceirizados divididos entre as unidades para monitoração das atividades dos alunos, ambos os grupos direcionados mais à guarda patrimonial e, portanto, desarmados e sem treinamento para segurança dos indivíduos.

Os frequentadores do campus já se mostravam acostumados ao grande número de roubos e furtos, encarados como corriqueiros, ocorrentes por ali; porém, o visível aumento na criminalidade dentro do mesmo espaço no primeiro semestre do ano, em que foram relatados cinco casos de sequestros-relâmpago, fez com que se indagasse a falta de proteção à comunidade. Afinal, esse agravamento de delitos parecia indicar a tomada gradual de consciência por assaltantes e sequestradores da facilidade de se cometer determinados tipos de crime dentro da Universidade.

No entanto, fora necessário que alguém morresse para que fosse efetivamente cobrada essa melhoria do sistema de segurança da Universidade. E, como se não bastasse o desespero de seus frequentadores frente a crime tão truculento, seu Reitor declarou abertamente à mídia que a Guarda Universitária, que de certo modo ainda impunha respeito transitando em seus veículos personalizados, existe apenas para a proteção patrimonial. Quadro este de

irresponsabilidade, tanto no que diz respeito à falta de proteção aos frequentadores da Universidade quanto relativo ao escancaro do problema à toda comunidade extrauspiana, serviu, antes de tudo, para que a situação se tornasse ainda mais complicada, pois, se por um lado alguns criminosos já pareciam conhecer a deficiência em segurança deste ambiente universitário, após a fala do Reitor, não somente os que já escolhiam a USP como palco para seus delitos como também toda a população de São Paulo passaram a ter certeza de que esta, como disseram as palavras do próprio, é “terra de ninguém”; o que, de fato, só serviu para impulsionar mais o requerimento não de quaisquer medidas relativas à segurança, mas das medidas mais imediatas possíveis.

IMEDIATISMO QUE IGNORA A REFLEXÃO

O medo de novos crimes como o ocorrido, fez com que diversas pessoas que nunca haviam se envolvido com questões relativas à estrutura funcional da Universidade se unissem para reclamar medidas de segurança frente à reitoria, e chegou a parecer negligente defender a proibição da entrada da Polícia Militar no campus, já que esta se mostrava a medida mais adequada ao perfil imediato de ação, tendo-se que outras medidas para aumento da segurança da comunidade uspiana, como melhora na iluminação e treinamento da Guarda Universitária, requereriam além de mais investimento de verbas, muito mais tempo. E, assomando-se aos fatos, havia ainda a mídia, escandalizando o ocorrido em quadros sensacionalistas e pressionando a Reitoria a pronunciamentos que mostrassem reação; e, se não todos os meios que divulgaram o fato, sua grande maioria apontava o policiamento como opção preponderante.

Entretanto, esse imediatismo provocado pelo susto fez que se esquecesse de refletir as consequências que podem ser ocasionadas pela entrada da PM no campus, mesmo como provisória, pois, como é sabido, outras medidas provisórias, como os barracões construídos para serem temporários entre a Poli, a FEA e a ECA há cerca de 50 anos, tornaram-se um tanto quanto longevas.

É certo que o conhecimento generalizado da dificuldade na repreensão de crimes dentro do espaço universitário torna o mesmo mais atraente àqueles que cometem delitos tais quais os que já são ali ocorrentes, o que requer a tomada de alguma medida o quanto antes para sua prevenção. Mas a presença da PM seria realmente a medida mais adequada? Segundo a apuração dos fatos, a mesma já estava dentro do campus, no momento em que o crime aconteceu, para blitz, cuja realização é permitida pela Reitoria, o que leva a crer que, embora tenha havido diversas reivindicações da comunidade uspiana para isto, a PM nunca esteve totalmente fora do campus, o que não impediu o assassinato.

A presença desta dentro da Universidade pode significar, em contrapartida ao requerido, muito mais que segurança para os alunos, professores e funcionários: pode significar ainda mais medo; medo da repressão. Durante o regime ditatorial, na década de 60, por exemplo, a frente opositora mais forte contra as atitudes supressoras governistas foi o Movimento Estudantil, atacado cruelmente pelos militares, que chegaram a invadir a Universidade para prisão dos envolvidos. A própria reunião de algumas de suas sedes localizadas na capital em uma Cidade Universitária foi parte de uma estratégia do regime militar para desarticular alunos e professores integrantes da oposição. E, mesmo que se

julgue obsoleta a lembrança da Ditadura, tem-se ainda os exemplos recentes de 2007 e de 2009, em que houve brusca intervenção policial contra manifestantes dentro da USP: de um lado, pessoas armadas de ideias e faixas, de outro, militares com bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e cacetetes; tudo isso para que se extinguissem greves que impediam a Reitoria de seu funcionamento normal. Fato este que ocasiona ainda outro apontamento negativo: o possível serviço da PM a favor dos interesses da Reitoria, que podem também estar ligados a interesses políticos externos à Universidade.

Além disso, deve-se relevar o caráter não preventivo, mas corretivo da polícia em meio à sociedade como um todo. A violência das ações policiais, por mais ignorada que seja por aqueles que nunca a sofreram, pode ser acompanhada diariamente via noticiários, como o modo que se deu a coibição da Marcha da Maconha, em maio de 2011, ou a ação constante de militares em bairros periféricos e favelas, dirigida não apenas aos criminosos ali residentes, mas a todos os moradores inocentes desses locais. Isso tudo aponta que, não se deve irrelevar o caráter protetor da polícia para o cidadão, mas se deve considerar que ao passo que ela o protege de algumas ações nocivas, ela também o reprime de diversas formas. E, a Universidade, por sua vez, berço de novos conhecimentos, precisa estar sempre aberta à liberdade de ideias e expressão.

OPORTUNISMO ALIMENTADO PELO MEDO

Por volta de um ou dois dias após a notícia do assassinato nas dependências da Universidade espalhar-se, o governador de São Paulo disponibilizou a PM para ação dentro dos campi da USP, ficando pendente apenas o aval do Reitor da mesma para o início da ação. Então, após reunião extraordinária, a Reitoria aprovou a entrada da PM na Cidade Universitária a fim de realizar rondas para proteção dos alunos e passou a se discutir também a entrada da polícia nos demais campus na Universidade, inclusive a criação de bases policiais dentro dos mesmos.

A medida tranquilizou grande parte da comunidade uspiana, que ou se manifestou a favor da permissão do policiamento no campus desde o início da discussão, ou mesmo sem opinião formada achou a atitude a mais cabível à situação; e, por outro lado, desagradou a boa parte da mesma comunidade, que é de posicionamento contrário à decisão desde antes da mesma ganhar enfoque.

Fato ignorado, porém, por muitas das pessoas que frequentam a USP e que foi ao conhecimento de alguns apenas com o desenrolar das discussões, é que a entrada da polícia no campus já vinha sendo pautada em reuniões desde antes da situação se agravar. Isso, somado à declaração do Reitor frente às provocações da mídia, assumindo que a USP era “terra de ninguém”, que deu caráter ainda mais emergencial à situação, pode ser até mesmo encarado como aproveitamento do caos gerado pelo medo que passou a mover grande maioria da comunidade uspiana, e da fraqueza a que estaria fadado o movimento contrário ao policiamento devido à contextualização, para aplicação de um plano que já estava em andamento sem maiores questionamentos; o que poria em dúvida as intenções da Reitoria na tomada dessa decisão.

ENTÃO, O QUE FAZER?

De um lado se tem o que parece ser uma medida necessária, de outro, o que parece ser um oportunismo descarado. Tem-se duas manifestações do medo: aquele que se refere à falta de segurança e aquele que se refere à falta de liberdade de expressão. Todavia, após a liberação da entrada da PM no campus pela Reitoria sob um duvidoso ar democrático, já que a decisão fora tomada sob votação em uma reunião fechada, em que o voto positivo fora quase unânime, exceto pelo de um representante do DCE (representante, portanto, do corpo discente) e de uma professora que votaram negativamente, pode-se dizer que restam duas atitudes: aceitar pelo menos a ação momentânea da PM dentro do campus, ou requerer sua saída imediata assumindo o risco de refutá-la publicamente.

Demonstrando ciência do desconforto provocado pela presença da polícia em meio ao ambiente acadêmico, a própria PM pretende implementar um treinamento diferenciado aos policiais que ficarem encarregados da segurança dos campi, que propõe que este grupo seja formado apenas por aqueles policiais também em curso de graduação, na espera de que esses compreendam melhor o ambiente e ajam de maneira menos ofensiva às atividades da Universidade.

Logo, cabe à comunidade uspiana avaliar qual a melhor forma de agir: se se deve permitir tal tentativa de conciliação entre policiais e o ambiente universitário, buscando avaliar sua efetividade após tempo de experimentação, ou se se deve rechaçar sua ação logo em seu princípio para se evitar complicações futuras. Contudo, para assumir a segunda posição, é necessário que se apresente um plano alternativo, que garanta sua validade, afinal, não se pode simplesmente deixar as coisas como estão.