ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO JAQUELINI SCALZER ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO Apropriações e táticas dos professores na elaboração da História ensinada VITÓRIA 2007

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1UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃOJAQUELINI SCALZERENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADOApropriações e táticas dos professores na elaboração da História ensinadaVITÓRIA 20072JAQUELINI SCALZERENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADOApropriações e táticas dos professores na elaboração da História ensinadaDissertação apresentada ao Progr

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

JAQUELINI SCALZER

ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS

CURRICULARES NACIONAIS:

DO PROPOSTO AO EFETIVADO Apropriações e táticas dos professores na elaboração da História ensinada

VITÓRIA

2007

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JAQUELINI SCALZER

ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS

CURRICULARES NACIONAIS:

DO PROPOSTO AO EFETIVADO Apropriações e táticas dos professores na elaboração da História ensinada

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-graduação em Educação do Centro

Pedagógico da Universidade Federal do

Espírito Santo, como requisito parcial para

obtenção do grau de Mestre em Educação.

Linha de pesquisa História, Sociedade,

Cultura e Políticas Educacionais.

Orientadora: Profª Drª Juçara Luzia Leite.

VITÓRIA

2007

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Scalzer, Jaquelini, 1975-

S282e Ensino de história e parâmetros curriculares nacionais : do proposto

ao efetivado : apropriações e táticas dos professores na elaboração da

história ensinada / Jaquelini Scalzer. – 2007.

213 f.

Orientadora: Juçara Luzia Leite.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito Santo,

Centro Pedagógico.

1. Educação - Estudo e ensino. 2. História - Estudo e ensino. 3.

História - Currículos. I. Leite, Juçara Luzia. II. Universidade Federal do

Espírito Santo. Centro Pedagógico. III. Título.

CDU: 37

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JAQUELINI SCALZER

ENSINO DE HISTÓRIA E PCN: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

Apropriações e táticas dos professores na elaboração da História ensinada

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro Pedagógico

da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do grau de

Mestre em Educação, na linha de pesquisa História, Sociedade, Cultura e Políticas

Educacionais.

Aprovada com louvor em 24 de abril de 2007, com indicação à publicação.

COMISSÃO EXAMINADORA

________________________________________

Profª. Drª. Juçara Luzia Leite

Universidade Federal do Espírito Santo

Orientadora

________________________________________

Profª. Drª. Regina Helena Silva Simões

Universidade Federal do Espírito Santo

_________________________________________

Profª. Drª. Cleonara Maria Schwartz

Universidade Federal do Espírito Santo

_________________________________________

Profª. Drª. Sônia Maria Leite Nikitiuk

Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense

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A Maria e Antônio, por me concederem a vida

e as orientações necessárias para dela

usufruir.

A Ester, irmã de sangue e de alma,

incentivadora de minha jornada.

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AGRADECIMENTOS

O desenvolvimento deste trabalho implicou em um exercício de superação pessoal e

profissional que possibilitou um auto-conhecimento surpreendente e prazeroso. Todavia, o

que tornou possível sua realização, foi a ajuda de inúmeras pessoas, algumas das quais

agradecerei explicitamente e outras que, mesmo mantendo o anonimato, expresso aqui meu

reconhecimento.

Primeiramente, agradeço a DEUS, cuja força e sabedoria me alimenta e sustenta em minha

caminhada. Sua presença ao longo dessa jornada tem sido tão forte e constante que poderia

senti-la fisicamente.

Aos professores que aceitaram participar de minha pesquisa, colaborando prontamente com a

investigação realizada em um cotidiano complexo, dinâmico e dialético, apesar dos

inconvenientes que isto possa ter lhes causado. Sem sua disponibilidade, compartilhamento e

compreensão, meus esforços seriam vãos.

Aos meus alunos, pela certeza que ajudaram a instaurar em mim que ensinar História envolve

um comprometimento social que transcende os limites do espaço escolar, renovando minha

esperança com pequenas alegrias que me realizam a cada dia.

A meus pais, Antônio José Scalzer e Maria Judith Mognatto Scalzer, pessoas simples e

batalhadoras cuja retidão e caráter me surpreendem e causam admiração constante. Seus

ensinamentos de vida ajudaram-me a transformar sonhos em projetos e projetos em

realizações.

A toda minha família e, em especial à minha irmã Ester, ombro amigo e porto seguro com o

qual pude contar em todos os momentos de minha existência. Exemplo de persistência,

mulher destemida, ensinou-me que os desafios tornam a empreitada mais estimulante.

Aos meus amigos e companheiros que dividiram comigo cada momento de angústia e êxito;

que suportaram minha irritação, compreenderam meu isolamento e respeitaram minha

ausência.

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Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFES, que fizeram desses

dois anos de Mestrado um excepcional momento de aprendizado no sentido mais amplo que

esta palavra possa ter. Levarei comigo lembranças transformadas em práticas, propagando um

pedacinho de cada um deles aonde quer que eu vá.

A todos os autores e autoras cujos estudos e obras auxiliaram-me a desvelar meu objeto,

compreendê-lo e analisá-lo possibilitando a concretização deste trabalho.

Propositalmente por fim, à Professora Doutora Juçara Luzia Leite, minha orientadora nesse

processo de construção de um trabalho que, até então, tem simbolizado o grande desafio de

minha vida. Soube compreender minhas limitações e estimulou-me a cada dia, fazendo com

que eu descobrisse minhas potencialidades e auxiliando-me na aplicação de cada uma delas a

fim de galgar mais um degrau no desenvolvimento de minha intelectualidade. Sua confiança

em mim deu-me a crença de que eu seria capaz. Pegou-me pela mão, como fazem todos os

que ensinam algo pela primeira vez, mas soube a hora certa de deixar que eu caminhasse

sozinha, mantendo sempre uma presença que transmitia a segurança necessária para que eu

pudesse trabalhar com tranqüilidade e otimismo. Companheira, amiga e profissional de

altíssimo nível, tenho-a como exemplo e levarei comigo cada momento que passamos juntas,

em uma gratidão e reconhecimento eternos.

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RESUMO

O Ensino de História tem sido objeto de várias pesquisas e tema central de estudos e trabalhos

produzidos com o intuito de analisar e ressignificar sua prática. A presente pesquisa se insere

neste contexto e teve como objetivo investigar as apropriações que os professores de História

do Ensino Fundamental (terceiro e quarto ciclo), fizeram e fazem, dos Parâmetros

Curriculares Nacionais, bem como seu emprego na elaboração do saber histórico escolar,

mais especificamente da História ensinada, parte que lhe é atribuída diretamente neste

processo. Busquei identificar, também, as estratégias e táticas que permeiam este processo,

que vai do proposto ao efetivado, envolvendo relações de poder nem sempre identificáveis

pelos sujeitos nele envolvidos. Para tanto, fundamentou-se no campo da História Cultural,

especificamente nos estudos de Roger Chartier e Michel de Certeau. O desenvolvimento deste

trabalho ocorreu em dois momentos que se entrelaçaram. Primeiramente, foi realizada uma

pesquisa documental que buscou historicizar as propostas nacionais das últimas décadas de

ensino de História, a fim de contextualizar a proposta atual – PCN, uma análise dos

Parâmetros Curriculares Nacionais e de estudos cujos temas correlatos foi possível dialogar.

Em um segundo momento, foi realizado um trabalho em campo com o cotidiano escolar, cujo

foco foi a prática de três professores, em três escolas distintas e regiões representativas da

realidade do Espírito Santo. Para tanto, utilizei-me de questionários, entrevistas, diário de

campo e observação de aulas. Como resultado da análise dos dados obtidos, conclui-se que os

professores de História ressignificaram a proposta do documento em questão, apropriando-se,

para efetivar essa proposta, somente do que lhes convinha em função de seu contexto, de sua

formação e de sua estrutura de trabalho, fazendo valer no cotidiano escolar suas atribuições de

sentido, utilizando-se de táticas diante do elemento normatizador que pretendia modelar sua

prática.

Palavras-chave: saber histórico escolar – Parâmetros Curriculares Nacionais – apropriações –

táticas – estratégias.

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ABSTRACT

The Teaching of History has been object of several researches and central theme of studies

and works produced with the intention of analyzing and resignify his practice. The present

inquiry had as objective investigate the appropriations that the teachers of History of the

basic education (third and fourth cycle) did and do of the National Curricular Parameters, as

well as his apllication in the elaboration of the educational knowledge, more specifically, of

the taught History. This study looked to identify, also, the strategies and tactics that permeate

this process, that goes of the proposed to the executed, involving power relationships that are

not always identified for the subjects involved. It was based on the field of the Cultural

History, specifically in Roger Chartier's studies and Michel of Certeau. The development of

this work happened in two moments that were interlaced. Firstly, it was accomplished a

documental research that looked for to give an historical character the national proposals of

the last decades of teaching of History, in order to put in context the current proposal - PCN,

an analysis of the National Curricular Parameters and of studies whose themes correlates was

possible to dialogue. The second moment, a work was accomplished in field with the daily

school, whose focus was the three teachers' practice, in three distinct schools and places of

Espírito Santo. In this way, I used of questionnaires, interviews, field diary and observation of

classes. As result of data analysis, I concluded that the teachers of History resignified the

proposal of the document, appropriating, to effect that proposal, only what suited them in

function of context, formation and work structure, making to be worth in their daily school

sense attributions, being used of tactics before the element normative that intended to mold

his practice.

Keywords: Educational knowledge. National Curricular Parameters. Appropriations. Tactics.

Strategies.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 13

1 – ACERCANDO-ME DO TEMA ..................................................................................... 13

2 – OBJETIVOS ................................................................................................................... 19

3 – RAZÃO DE SER DESTA PESQUISA ......................................................................... 20

4 – ORGANIZANDO A PESQUISA E SUA NARRATIVA ............................................ 22

PRIMEIRA PARTE – TESSITURAS TEÓRICO-METODOLÓGICAS.. 27

CAPÍTULO I – AS TRAMAS DA CONSTITUIÇÃO DA DISCIPLINA HISTÓRIA .. 27

1.1 – HISTÓRIA: TRAJETORIA DE UMA DISCIPLINA ESCOLAR.......................... 28

1.1.1– A constituição da História como disciplina escolar no Brasil ................................ 29

1.2 – OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS DE HISTÓRIA ................ 42

1.2.1– A interface Parâmetros Curriculares Nacionais e currículo: uma possibilidade

para além da epistemologia conceitual................................................................................. 50

CAPÍTULO II – AS POSSIBILIDADES DE UMA NOVA ANCORAGEM HISTÓRICA

TEÓRICO-METODOLÓGICA........................................................................................... 69

2.1 – PRESSUPOSTOS DA HISTÓRIA CULTURAL ..................................................... 70

2.2 – A SALA DE AULA COMO LOCUS DA PESQUISA .............................................. 82

2.2.1 – Os desafios da pesquisa cujo objeto é um sujeito que fala..................................... 91

2.3 – SABER HISTÓRICO ESCOLAR: UM PROCESSO QUE ENVOLVE

DIFERENTES SUJEITOS ................................................................................................... 95

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2.4 – CLIO EM DEBATE: APROXIMAÇÃO COM OUTROS TRABALHOS ...........101

SEGUNDA PARTE – A VOZ DE SUJEITOS HISTORICAMENTE

SILENCIADOS .............................................................................................................. 116

CAPÍTULO I – CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS ............................................... 116

1.1 – FORMAÇÃO, PROFISSÃO E REPRESENTAÇÃO PESSOAL ......................... 120

1.2 – REPRESENTAÇÕES E APROPRIAÇÕES DOS PCN ......................................... 136

CAPÍTULO II – SABER HISTÓRICO ESCOLAR: UMA CONSTRUÇÃO PLURAL

.................................................................................................................................................149

2.1 – PROFESSOR: SUJEITO DA ELABORAÇÃO DE UM SABER ORIGINAL .... 149

CAPÍTULO III – A HISTÓRIA ENSINADA: UMA PRÁTICA SOCIAL ................... 156

3.1 – PCN E PROFESSORES: ESTRATÉGIAS E TÁTICAS DE UMA RELAÇÃO DE

PODER ................................................................................................................................. 157

CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................. 164

REFERÊNCIAS................................................................................................................... 170

ANEXOS .............................................................................................................................. 179

ANEXO A – Questionário .................................................................................................. 179

ANEXO B – Entrevista ....................................................................................................... 183

ANEXO C – Ficha de observação das aulas...................................................................... 184

ANEXO D – Questionário do professor R.D......................................................................185

ANEXO E – Questionário da professora A.M...................................................................189

ANEXO F – Questionário da professora R.C....................................................................193

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ANEXO G – Entrevista do professor R.D.........................................................................198

ANEXO H – Entrevista da professora A.M.......................................................................204

ANEXO I – Entrevista da professora R.C........................................................................208

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INTRODUÇÃO

1 - ACERCANDO-ME DO TEMA

A História, sua construção e suas possibilidades epistemológicas e ideológicas, exerceram

sobre mim fascínio e curiosidade ainda quando eu era estudante. À medida que me

aproximava dessa área de conhecimento, mais certeza eu tinha: “Queria trabalhar com a

História.” Mais ainda, queria ser professora de História. Durante a minha graduação,

aprofundei-me nos saberes específicos da área e comecei a atuar na prática docente. Nesta

prática, encontrei o que me atrevo a chamar “minha grande paixão”, qual seja, o ensino de

História.

No meu fazer enquanto professora de História, porém, algo me inquietava – a maneira como a

História era trabalhada, a forma como a História ensinada era construída, transmitindo ao

aluno, muitas vezes, um falso simplismo baseado na linearidade e na sucessão de causas e

conseqüências ou, o que é ainda pior, sem a tessitura1 necessária para dar ao saber histórico o

significado e a dimensão social que lhes são próprios. Buscando me aprofundar nestas

questões, algumas leituras levaram-me a pensar que tal prática pode, entre outras coisas,

resvalar da não-consciência de muitos professores de que o saber escolar é uma construção

cultural própria do contexto e, por sua vez, deve ser pensado e construído de maneira séria,

reflexiva, crítica e consciente, pois como afirmou Monteiro:

[...] uma visão simplificadora que ignora a especificidade da cultura e do saber

escolar, impede avanços para sua melhor realização. Para isso, as contribuições do

conhecimento científico que está em constante processo de crítica e renovação são

fundamentais. Mas precisamos compreender melhor como se dá a produção do

saber escolar, que envolve a interlocução com o conhecimento científico, mas

também com outros saberes presentes e que circulam no contexto sócio-cultural de

referência. [...] não podemos esquecer que a produção do saber escolar é permeada

pela dimensão educativa que desempenha papel estruturante em sua configuração,

contribuindo de forma significativa para sua especificidade epistemológica, além de

ser instrumento fundamental para a crítica, superação e reconstituição do senso

comum (MONTEIRO, 2003, p.11).

1 A palavra tessitura é por mim utilizada com “ss” por vir do italiano e remeter à disposição dada às notas

musicais para acomodá-las a certo instrumento, conferindo organização ao arranjo. Logo, o termo é pensado no

sentido de acomodação, harmonia.

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Com base nesses pressupostos, definiu-se, ao longo de minha trajetória profissional, o objeto

que me fez buscar o Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da

Universidade Federal do Espírito Santo, na linha de pesquisa História, Sociedade, Cultura e

Políticas Educacionais, qual seja, o saber histórico escolar, sendo este saber compreendido

como um saber próprio da cultura escolar, oriundo da mediação entre o conhecimento

científico e o conhecimento escolar, portador de especificidades decorrentes, entre outras

razões, de sua finalidade educativa2 (CHERVEL, 1990). Logo, por saber histórico escolar

compreende-se um saber que se constrói, se ressignifica e se distribui no espaço escolar, tendo

como pressuposto a articulação entre o universo epistemológico e o universo pedagógico e

guiada conforme uma finalidade educativa específica. Enfim, trata-se de um saber que

mantém relação estreita com o saber científico de referência, mas dotado de finalidades

educativas e métodos próprios que possibilitam sua aplicação em um espaço sistematizado e a

uma “clientela” que ainda não domina o tema proposto.

Dessa forma, questionando-me sobre a consciência que os professores de História têm da

especificidade do saber histórico escolar, bem como de sua efetiva participação na elaboração

deste saber original do espaço escolar, propus-me investigar as apropriações e táticas de que

lançam mão para construir, no cotidiano da sala de aula, a História ensinada.

Todavia, como já foi afirmado anteriormente por Monteiro, este saber histórico escolar, como

construção sócio-cultural, varia de espaço-tempo para espaço-tempo, envolvendo em sua

investigação elementos específicos de cada época e lugar. Dessa forma, um estudo mais

profundo e reflexivo sobre a construção deste saber necessita de sua contextualização,

relacionando-o com as produções intelectuais da época em questão e as políticas públicas

vigentes no campo da educação.

Sendo assim, de maneira mais específica, este trabalho trata do ensino de História nas escolas

públicas, na série3 final do ensino fundamental, após a implantação dos Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCN) e sua divulgação entre os professores, tendo como foco as

diversas apropriações do documento e suas formas de efetivação na sala de aula, a fim de

investigar como o professor de História vem construindo o saber histórico escolar - mais

2 O conceito de saber histórico escolar será abordado de maneira mais profunda no capítulo II, no item 2.3, onde

discuto sua elaboração e os diferentes sujeitos que atuam neste processo. 3 Embora em 2006, em função da extensão da educação básica para nove anos de escolarização, a denominação

utilizada para designar os diferentes estágios do processo de aprendizagem passou a ser ano e não mais série, por

tratar de referências anteriores à mudança, continuarei a utilizar a denominação série.

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especificamente a história ensinada - exclusividade sua no processo de elaboração do referido

saber segundo as proposições de Chevallard (1991) que serão por mim utilizadas nesta

pesquisa. Esta configura a proposta central de meu trabalho de investigação, embora para

alcançá-la de maneira plena, outras questões tenham se integrado a esta. Mas, foi ela o “fio de

Ariadne” que conduziu meu trabalho e orientou meu olhar investigativo.

O ensino de história tem sido objeto de várias pesquisas e tema central de estudos e trabalhos

diversos produzidos por pensadores da área das ciências sociais. Entretanto, a pesquisa que

realizei, ainda que tenha se fundamentado nesses estudos, bem como no campo da História

Cultural, baseia-se em uma abordagem que parte das categorias de análise “leitura”,

“apropriação”, “representação” e “prática” de Chartier; e “táticas” e “estratégias” de

Certeau. Com as categorias leitura e apropriação, desenvolvidas por Chartier em suas

pesquisas sobre a história do livro e de suas práticas de leitura, investiguei a relação do

professor enquanto leitor e construtor do saber histórico escolar, com os Parâmetros

Curriculares Nacionais. Por meio das categorias representação e prática analisei como as

representações que o professor tem de si, da disciplina História, do ensino de História e do

mundo, interferem na elaboração da história ensinada por meio de suas práticas que, em

parte, resultam das apropriações que fez e faz dos PCN, além de outros instrumentos textuais

ou não. Já com as categorias táticas e estratégias de Certeau, investiguei a suposta influência

deste documento no discurso e prática pedagógica dos professores, buscando apreender as

estratégias utilizadas pelas instituições de diversas instâncias (governos federal, estadual e

municipal, bem como a própria escola) e as táticas que os professores utilizam/criam para

construir uma prática conciliatória (o que não significa aqui ausência de conflito) entre os

elementos normativos externos, a hierarquia própria do cotidiano escolar e a representação

identitária dos professores observados.

Em relação aos Parâmetros Curriculares Nacionais, (re)conheço que, por tratar-se de um dos

documentos mais recentes no sentido de orientar a educação e sua prática, pelas formas em

que foram elaborados e colocados para o meio educativo e pela proposta que eles contêm,

vários têm sido os estudos realizados sobre ele4. Todavia, grande parte desses estudos, foca-os

sob o âmbito das políticas públicas, tomando para análise momentos específicos que se

colocam de sua elaboração, sua tramitação pelos órgãos competentes, sua aceitação ou recusa

4 Embora não seja objeto deste estudo, não deixei de considerar a importância dos debates acerca do contexto

político (nacional e internacional) a respeito da implementação dos PCN.

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nas Secretarias estaduais e municipais e sua influência na organização curricular, como pode-

se observar em Bonamino e Martinez:

Este artigo analisa os PCN para o terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental a

partir de uma dupla perspectiva. Explicita como a questão curricular se colocou

internamente ao plano político-institucional, enfatizando as relações que se

estabelecem entre o Conselho Nacional de Educação (CNE) e o Ministério da

Cultura e do Desporto (MEC) em torno da proposta dos PCNs e da definição de

diretrizes curriculares para o ensino fundamental. Também coteja as proposições

mais gerais das Diretrizes Curriculares Nacionais e dos PCN, visando a oferecer

elementos para a compreensão das mudanças políticas implicadas nas duas

elaborações curriculares (BONAMINO & MARTINEZ, 2002, p.371).

O mesmo vemos em Santos:

Este trabalho tem como objetivo analisar as políticas públicas para as séries iniciais

do ensino fundamental. A primeira parte volta-se para a discussão dos Parâmetros

Curriculares Nacionais, buscando abordá-los com base na discussão sobre as

repercussões das reformas curriculares na prática pedagógica das escolas

(SANTOS, 2002, p. 349).

Entretanto, pouquíssimos trabalhos eu encontrei tratando a relação dos PCN com o professor

enquanto mediador do processo ensino/aprendizagem e produtor parcial do saber histórico

escolar. Cito como exemplos: a pesquisa da professora Maria de Fátima Salum Moreira

(2005), de investigação dos sentidos e usos pedagógicos do conceito de identidade social no

ensino de História, para a qual se utilizou, entre outros teóricos, Chartier, e tomou como

documento base os PCN de História; a investigação das professoras Regina Célia de Couto e

Selva Guimarães Fonseca (2005), sobre a perspectiva (multi)cultural implícita e explícita nos

Parâmetros Curriculares Nacionais para o 3º e 4º ciclos do ensino fundamental, onde elas

enfatizam a relevância do professor no processo de construção do saber escolar; a pesquisa de

José Martins Ribeiro (2005), que visa investigar sobre as relações entre o ensino de História

por eixos temáticos e a prática docente dos professores que desenvolvem um trabalho nessa

linha, propondo uma reflexão sobre as apropriações que os professores vêm elaborando em

relação a esta proposta de trabalho dos PCN; a pesquisa realizada por Beatriz de Basto (2004),

que analisa a implantação dos PCNs nas escolas mineiras, tendo como uma de suas

conclusões o fato de que, leituras diferentes do documento em questão são feitas pelos

professores, influenciando para tal leitura a formação e o posicionamento crítico reflexivo do

mesmo.

Neste trabalho trato, também, os PCN em sua dimensão curricular e de política pública ao

pensá-lo enquanto estratégia da noosfera, que tem por objetivo interferir de forma incisiva na

(con)formação cultural da população. Todavia, minha abordagem se fundamenta em uma

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perspectiva cultural e tem como foco as possibilidades de ação dos “consumidores” desse

produto, por meio das artes de fazer que se consolidam no cotidiano, muitas vezes de formas

imperceptíveis, mas que constituem uma “indisciplina” capaz de transformar a ordem pré-

estabelecida. Ademais, levei minha investigação para o espaço onde estas ações invisíveis se

efetivam, ou seja, o cotidiano escolar. Foi mergulhando no contexto que viabiliza a ação

desses sujeitos anônimos (professores) que tentei captar as astúcias por eles criadas para

elaborar este saber próprio.

Assim, neste trabalho consideramos a escola como, mais do que um local de instrução e

transmissão de saberes, um espaço configurado e configurador de uma cultura própria, onde

se confrontam diferentes forças e interesses sociais, econômicos, políticos e culturais

(FORQUIN, 1992). Dessa forma reconhecemos que o saber escolar é um saber com

configuração própria e original da cultura escolar, diferenciando-se sem hierarquias do saber

científico, como afirma Monteiro, citando Forquin:

Existem diferenças substanciais entre a exposição teórica e a exposição didática. A

primeira deve levar em conta o estado do conhecimento, a segunda, o estado de

quem conhece, os estados de quem aprende e de quem ensina, sua posição

respectiva com relação ao saber e a forma institucionalizada da relação que existe

entre um e outro, em tal ou qual contexto social (FORQUIN, 1992, apud

MONTEIRO, 2003, p. 13).

Esta pesquisa parte do princípio de que é de grande relevância para o meio acadêmico e para a

prática educativa como um todo, investigar, a partir da História Cultural, como tem se

constituído o ensino de História a partir da implantação dos PCN, tomando por base a relação

que os professores estabeleceram e estabelecem com esse documento, cientes de sua aceitação

ou não, uma vez que sua adoção é opcional; e a relação deste encontro (professor/PCN) com a

prática docente. Sua relevância não se justifica apenas pela escassez de estudos nesse sentido

mas, sobretudo, pela necessidade de se enfatizar, dentro do processo ensino-aprendizagem, o

grau de participação, autonomia e singularidades dos sujeitos centrais do mesmo – professor e

aluno. Embora minha pesquisa tenha o aluno como um sujeito indireto, ele não deixará de ter

voz na mesma, afinal o processo de ensino-aprendizagem só pode ser investigado, dentro de

minha proposta, considerando não só a relação do professor com o saber histórico escolar,

mas também a relação do mesmo com o aluno e deste com o saber articulado pelo professor.

Dessa maneira, esta pesquisa pretende demonstrar como, dentro de um contexto histórico-

cultural no qual os sujeitos atuam dialeticamente na apropriação e construção do saber, os

professores fazem “leituras” diferenciadas de tudo o que lhes chega (das mais variadas

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formas), inclusive de textos, como é o caso dos PCN. Essa leitura, apropriada em relação

estreita com o que Chartier denominou “comunidade de interpretação”5, será incorporada à

sua prática por meio de táticas e estratégias integrantes de seu fazer cotidiano, por meio de

uma dinâmica conflituosa e conciliatória simultaneamente. Essa apropriação resulta em

práticas que atuam diretamente na elaboração do saber histórico escolar, originando-se daí o

saber ensinado que, por sua vez, será reorganizado pelo aluno no momento de sua apropriação

completando o ciclo com o saber aprendido6.

Sendo assim, esta pesquisa buscou identificar as apropriações que os professores observados

fizeram/fazem dos PCN de História e a relação entre estas apropriações e a prática docente

dos professores observados, uma vez que já foi explicitada a relevância do mesmo e de seus

conhecimentos teóricos e práticos na elaboração do saber histórico escolar. Tendo em vista

que esse saber escolar se constitui com base no contexto de referência e sabendo, segundo o

documento, da generalização que os PCN de História fazem em função da diversidade da

realidade brasileira, busquei investigar as táticas que os professores observados utilizam na

elaboração do saber histórico escolar com vistas às propostas dos PCN, aqui tratado como

estratégia de um próprio para impor um elemento normativo que delineará as práticas

escolares. Embora reconheça a importância de se alcançar os saberes discentes (saberes

aprendidos), isto é, a apropriação que o aluno realiza dos PCN por intermédio da influência

destes na elaboração do saber ensinado, esta não foi um dos objetivos desta pesquisa, uma vez

que o tempo de que dispus para realização da mesma foi insuficiente para tal intento,

sobretudo pelo fato de que a viabilização de uma pesquisa eticamente comprometida neste

sentido, necessitaria da observação de uma mesma turma, antes e depois da implantação dos

PCN, caso contrário corria-se o risco de trabalhar-se com deduções e possibilidades baseadas

em relatos, e não com a realidade7 direta e observável.

A fim de contemplar diferentes realidades do Estado do Espírito Santo, uma vez que o objeto

da pesquisa é carregado de aspectos culturais que variam de espaço/tempo a espaço/tempo,

realizei minha pesquisa em três escolas: uma na capital do Estado – Vitória, que denominei

5 Este conceito será trabalhado mais detalhadamente na abordagem que faço das possibilidades de trabalho com

a História Cultural e será empregado ao longo do trabalho com o intuito de construir modelos representativos de

diferentes comunidades de interpretação. 6 As definições de saber a ser ensinado, saber ensinado e saber aprendido serão trabalhadas no momento em que

abordarei mais especificamente a constituição do saber histórico escolar. 7 Utilizei o termo realidade não no sentido criado pela Modernidade, mas pensando a realidade como uma

construção feita pelo indivíduo em função das representações coletivas que permeiam sua interpretação do

mundo.

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19

escola C, cuja professora será aqui tratada como R.C; uma em Santa Teresa, cidade

interiorana, tradicional e permeada de cultura imigratória européia, que denominei escola A,

na qual atua o professor R.D; e uma em Várzea Alegre, zona rural do município de Santa

Teresa, onde funciona um sistema de escola convergente que possibilita ao indivíduo do meio

rural estudar e aprimorar seus conhecimentos sem, necessariamente, ter que abandonar o

campo8, a qual denominei escola B e onde atua a professora A.M.

2 – OBJETIVOS

De forma ampla, o objetivo desta pesquisa foi investigar como se constitui o saber histórico

escolar nas séries finais do ensino fundamental das escolas públicas, após a implantação dos

Parâmetros Curriculares Nacionais, tendo como foco a relação de mediação9 entre Parâmetros

Curriculares Nacionais – professor – saber histórico escolar.

Esta investigação, contudo, necessitou de outros questionamentos que configuraram como

objetivos intermediários na efetivação deste trabalho, tais como: quais as apropriações que os

professores observados fizeram/fazem dos Parâmetros Curriculares Nacionais da disciplina de

História? Estas apropriações se relacionam em que medida com seus contextos de referência?

Qual o grau de interferência dessas apropriações na prática docente cotidiana desses

professores na elaboração do saber histórico escolar? Quais as representações que esses

professores possuem de si, da História e seu ensino, dos PCN e do mundo? Que táticas eles

utilizam para conciliar a proposta do documento com as possibilidades reais de seu fazer

cotidiano e suas representações?

Essas foram as questões que me levaram a campo para, ao longo de doze meses, utilizando-

me de instrumentos variados a fim de apreender as sensibilidades próprias deste espaço

complexo que é o espaço escolar, buscar uma análise da elaboração do saber histórico escolar

8 A caracterização das escolas, dos professores e das turmas será feita de forma mais detalhada na segunda parte

do trabalho, quando eu caracterizo os sujeitos de minha pesquisa. 9 O conceito de mediação aqui adotado é o de Alice Lopes, que a toma no seu sentido dialético, ou seja, como

um processo de construção de uma realidade por meio de contradições e relações complexas e dialógicas. Este

conceito será mais aprofundado ao longo deste projeto.

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e, de modo mais específico, da História ensinada, tendo como ponto focal a relação professor

– PCN – saber histórico escolar. Relação esta permeada de conflitos e efetivada em um meio

dialético e dialógico no qual as relações se constroem com bases hierárquicas, expressas

explicita e implicitamente através de um jogo de estratégias e táticas onde cada um busca

construir uma prática que, com o mínimo de autonomia e possibilidade de ação, transcenda os

limites normatizadores.

Dessa forma, apesar de todas as críticas direcionadas aos Parâmetros Curriculares Nacionais,

a pesquisa possibilitou-me constatar que se trata de um documento que merece ser estudado

com cuidado, pois continua atuando em diferentes níveis na elaboração do saber histórico

escolar. Todavia, para além do que seus propositores possam ter pensado, os professores têm

encontrado, por meio de uma apropriação repleta de particularidades e subjetividades

remetentes a uma comunidade de interpretação, formas de incorporá-lo à sua prática sem

incorrer nas possibilidades de se subjugar às estratégias do documento. Práticas alternativas,

gestadas em um contexto de referência, tomam como pilar de sustentação as próprias

aberturas que os PCN oferecem, de modo que o professor, mesmo disponibilizando de uma

autonomia relativa, elabora um saber próprio articulado a uma rede de saberes e, sem que isso

deprecie seu status, carregado de subjetividades que extrapolam as possibilidades de controle

de qualquer elemento normativo, seja ele externo (no caso os PCN) ou interno (currículo

formal da instituição), fazendo-nos repensar o papel atribuído ao professor na elaboração do

saber histórico escolar.

3 – A RAZÃO DE SER DESTA PESQUISA

Por muito tempo, o saber histórico escolar, como os demais saberes escolares, foi tido como

mera simplificação, redução e banalização do saber científico produzido no meio acadêmico

pelos especialistas, os historiadores. Aos professores, repetidores de um conhecimento

produzido por outrem, cabia a tarefa de tornar esse conhecimento erudito acessível ao aluno,

sujeito passivo de todo o processo, considerado incapaz, não só de elaborar saberes próprios,

Page 21: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

21

mas de alcançar a magnitude intelectual presente no conhecimento científico, necessitando

assim de um “tradutor” – o professor.

Essa forma de pensar a relação conhecimento – professor – aluno tem sido tema de estudos e

debates e, nos últimos anos, passou por transformações significativas. A especificidade do

saber histórico escolar já é reconhecida, embora muitos teóricos, como Chevallard (1991),

ainda mantenham uma hierarquia que privilegia o saber científico. Segundo este autor, o

professor não “faz a transposição didática” – processo que tem como resultado a constituição

do saber escolar – e sim “trabalha na transposição didática”, a qual começa antes, na noosfera,

que tem como referência o saber acadêmico (MONTEIRO, 2002).

Para a análise da História ensinada, essa relação hierárquica com o saber científico deve ser

relativizada em função da dimensão educativa que permeia e orienta sua construção. Develay

(1992) já havia alertado para essa relativização ao colocar como ascendente do saber escolar

não só o saber acadêmico, mas também as práticas sociais de referência que, muitas vezes,

influem na formulação dos próprios saberes acadêmicos (MONTEIRO, 2002).

Todavia, muito pouco tem se estudado sobre a “real” participação do professor nesse processo

de elaboração do saber histórico escolar e, quando estudado, atribui-se uma participação

ínfima, determinada e cerceada pelas instituições formais (secretarias de educação, escola,

currículo...). Ademais, raramente se pensa as relações do professor com os elementos

normativos fornecendo a ele (o professor) uma possibilidade de ação relativamente autônoma,

reconhecendo as sensibilidades como geradoras de apropriações diversas, por conseguinte,

geradora de práticas autênticas.

Logo, considero de grande importância a investigação do grau de envolvimento do professor

de História na elaboração (ou reelaboração) do saber histórico escolar, considerando o quanto

suas práticas sociais de referência interferem neste processo, especialmente porque acredito

que, quanto mais consciente o professor estiver de sua participação na construção do saber

histórico escolar, bem como de todas as relações de poder que interagem nesse processo,

melhor ele poderá atuar na sua prática cotidiana.Além disso, acredito que as subjetividades do

professor têm grande relevância na efetivação do que lhe é proposto como objeto de ensino,

sendo por isso necessário investigar como ele se relaciona com as propostas educacionais a

ele oferecidas, quando não “impostas”.

Page 22: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

22

Dessa forma, justifico em parte o porquê de trabalhar com os Parâmetros Curriculares

Nacionais, pois ele é a documentação oficial que expressa a política educacional pensada e

gestada nos anos noventa, refletindo, de certo modo, o que o poder político preconiza para a

educação brasileira. Considerado por muitos como “documento-monumento”, ou seja, o

testemunho de uma época, acredito que tenha sido de grande relevância pesquisar em que

medida o que é proposto nos PCN foi e está sendo efetivado nas salas de aula.

Comungando com Chartier e Certeau, que atribuem papel ativo ao leitor como “re-criador” do

texto, acredito que, por meio das apropriações que os professores de História fizeram e fazem

dos Parâmetros Curriculares Nacionais, pode-se captar parte do processo de mediação que

culminará na História ensinada, evidenciando a presença das subjetividades do professor no

saber histórico escolar.

Além disso, através desta pesquisa, espero ter contribuído para a ampliação dos estudos sobre

as táticas que os professores utilizam no seu fazer pedagógico, inserindo-os como sujeitos de

um contexto social, político e cultural que transcende os limites da escola e lhes confere um

lugar de ação (não de poder), mesmo que mantido, por vezes, no anonimato. Não tenho como

pretensão esgotar o assunto nem reduzir sua complexidade. Mas espero que, ao longo deste

trabalho, encontre elementos que possam contribuir para pensar ou repensar o papel do

professor na efetivação do saber histórico escolar (caso específico da minha pesquisa, mas

que pode estender-se às demais áreas de conhecimento), a fim de proporcionar uma atuação

cada vez mais crítica e consciente no processo de ensino/aprendizagem.

4 – ORGANIZANDO A PESQUISA E SUA NARRATIVA

Orientado ou colocado numa armadilha, o leitor encontra-se, sempre, inscrito no

texto, mas, por seu turno, este inscreve-se diversamente nos seus leitores. Daí a

necessidade de reunir duas perspectivas, frequentemente separadas: o estudo da

maneira como os textos, e os impressos lhes servem de suporte, organizam a leitura

que deles deve ser feita e, por outro lado, a recolha das leituras efetivas, captadas

nas confissões individuais ou reconstruídas à escala das comunidades de leitores

(CHARTIER, 1990, p.123 – 124).

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Seguindo as orientações de Chartier, para buscar alcançar as apropriações que os professores

de História fizeram e fazem dos PCN e as táticas que utilizam para inserí-las no processo de

elaboração da História ensinada, faz-se necessário reconhecer a relação de interação existente

entre o texto e o leitor. Ou seja, mesmo que os determinantes do texto se inscrevam sobre o

leitor, este possui uma liberdade relativa de ressignifação que dá sentidos plurais ao discurso

do texto. Logo, para contemplar as apropriações realizadas frente a um texto que se dá a ler,

necessita-se estudar o texto e seu suporte. Assim, propus-me a investigar a relação entre o que

foi proposto aos professores de História por meio do texto dos PCN e as ressignificações

empregadas por estes sujeitos no momento de sua efetivação. Para tanto, foi necessário

desenvolver uma pesquisa sobre o que vem sendo oferecido como proposta de ensino de

História ao longo dos tempos para, só então, penetrar no cotidiano escolar em busca do

efetivado frente à proposta mais atual, qual seja, os Parâmetros Curriculares Nacionais.

De modo geral, minha pesquisa se dividiu em dois grandes momentos: no primeiro dediquei-

me à investigação do que vem sendo proposto aos professores de História enquanto

organização curricular e orientação de prática de ensino da História. Para viabilizar esta

investigação, realizei um breve levantamento da História e seu ensino, contextualizando a

prática do ensino de História em relação aos diferentes espaços/tempos da nossa História,

especialmente da História brasileira. Situei dentro destes contextos a questão da legislação,

sobretudo as Diferentes Leis de Diretrizes e Bases que se efetivaram ao longo do tempo,

culminado com a Lei 9.394/96, a fim de identificar como o ensino de História foi tratado no

âmbito legal. A seguir, analisei os Parâmetros Curriculares Nacionais, documento resultante

da expectativa do MEC em garantir autonomia às instituições, respeitar as diversidades

regionais e manter uma unidade nacional mínima, segundo colocações do próprio documento

em questão. Feita esta análise documental inicial, busquei entrar em contato com outros

trabalhos que tratassem de questões relacionadas ao ensino de História, aos PCN enquanto

orientador de uma prática no processo ensino-aprendizagem, a organização curricular para o

ensino de História e, de modo mais específico, da relação que os professores de História

mantêm com o documento dos PCN enquanto organizador de um currículo formal e/ou real.

Como já foi esclarecido, todo este trabalho investigativo e de análise, foi conduzido sob a luz

da História Cultural, buscando transcender a redução desta pesquisa a uma análise de políticas

educacionais e, paralelamente, trabalhando com estas políticas enquanto matrizes que visam

formar e/ou orientar práticas culturais.

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No segundo momento, fui a campo investigar, como tem ocorrido a apropriação dos PCN

pelos professores selecionados em seu fazer cotidiano. Por meio de entrevistas, questionários

e observações de aulas, analisei suas práticas a fim de compreender que apropriações eles

realizaram dos PCN para resultar em práticas específicas na elaboração da História ensinada.

Além disso, pretendia verificar, dentro das relações de poder que permeiam a ação educativa

desde seu mais alto grau de organização hierárquica até sua efetivação na sala de aula, quais

as táticas que os professores utilizam para atuarem de forma relativamente autônoma frente às

estratégias do poder instituído. Para que nada se perdesse desse universo repleto de fazeres

ordinários, utilizei-me de um diário de campo; instrumento onde registrei tudo o que se

passava em meu espaço investigativo, inclusive o que não era focado pelos demais

instrumentos (questionário, entrevista, fichas de observação das aulas) por mim elaborados.

Afinal, quando se trabalha com um objeto que se configura em uma rede de diferentes fazeres

e saberes, mesmo o que parece não ter ligação inicialmente, pode-se revelar fundamental na

compreensão de um contexto posteriormente. Então, de posse dos dados coletados neste

trabalho de campo, estabeleci um diálogo com as investigações teóricas que havia feito em

um primeiro momento buscando concordâncias e discordâncias, cruzando dados e construindo

novas interpretações e resultados.

Assim, ao organizar meu texto, busquei respeitar a forma de realização de minha pesquisa,

dividindo-o também em duas partes, a fim de que o leitor pudesse vivenciar, em alguma

medida, minha forma de investigação e construção de resultados.

Dessa forma, na primeira parte de meu texto, intitulada “Tessituras teórico-metodológicas”,

procuro descrever como a História se constitui enquanto disciplina escolar e os diversos

percursos seguidos por ela ao longo de sua trajetória, a fim de identificar o que vem sendo

proposto aos professores de História como prática de seu fazer cotidiano. A seguir, faço uma

análise dos PCN, documento por mim escolhido como elemento da interface

professor/História ensinada, por representar a proposta oficial vigente no que diz respeito à

organização do ensino de História. Utilizo-me também deste momento, para trazer algumas

das apropriações resultantes das leituras que os professores fizeram dos PCN, tendo por

objetivo possibilitar uma análise prévia da relação entre o proposto e o efetivado. Dou

continuidade discorrendo sobre os pressupostos teóricos que embasaram esta pesquisa,

esclarecendo primeiramente as contribuições da História Cultural e de seus teóricos,

especialmente Certeau e Chartier, nos quais busquei as categorias de análise por mim

utilizadas.

Page 25: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

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A seguir, trato da especificidade de se pesquisar no cotidiano escolar, atuando junto a objetos

que se constituem em sujeitos possuidores de vontades e ações próprios, buscando esclarecer

que a complexidade do contexto da pesquisa, embora nos obrigue a ressignificar métodos

investigativos próprios do fazer científico, não desqualifica os resultados. Entretanto, os

desafios são muitos, e exigem uma postura séria e disciplinada por parte do pesquisador para

tratar as subjetividades que permeiam as artes de fazer do cotidiano, como disse Certeau, sem

relativizar tudo. Enfim, precisa-se desenvolver um método para ler as entrelinhas dos

discursos, ouvir os silêncios e fazer os devidos cruzamentos com o discurso próprio. Defino

então o saber histórico escolar e os diferentes sujeitos que atuam no seu processo de

elaboração, pois, neste cotidiano complexo do espaço escolar, meu objeto é a elaboração da

História ensinada, parte integrante do saber histórico escolar creditada diretamente ao

professor. Finalizo essa primeira parte realizando aproximações entre diferentes trabalhos que

discutem o ensino de História, os PCN e a elaboração do saber histórico escolar a fim de

delinear com maior clareza as contribuições de meu trabalho.

Na segunda parte de meu trabalho, intitulada “A voz de sujeitos historicamente silenciados”

trabalho basicamente com o lado empírico de minha pesquisa, buscando, por meio das

práticas dos professores observados, alcançar o que se efetivou da proposta oficial contida nos

PCN. Para tanto, trabalho com as representações que os professores têm de si, da História e

seu ensino, dos PCN e de sua ação enquanto promotor de uma prática social. Trato nesta parte

do texto, de alguns pontos que considero cruciais na elaboração da História ensinada: a

representação que o professor tem de si e de sua disciplina (História); das estratégias

utilizadas na hierarquia que compõe nosso sistema educacional para “moldar” a prática do

professor; e das táticas que ele utiliza enquanto ação de antidisciplina10

própria do lugar que

ocupa. Procuro dar espaço aqui, para pensar a prática de ensino da História como uma prática

social, comprometida em certa medida, com a forma de inserção de nosso aluno na sociedade

capitalista a qual pertence. Basta de furtar-nos ao compromisso de transcender, no cotidiano

da sala de aula, a História pela História. A inserção desta disciplina no currículo formal tem

objetivos muito bem definidos pela noosfera. É chegada a hora de nós, professores de

História, também definirmos com mais precisão nossos objetivos sociais com relação à

10

Termo utilizado por Certeau para expressar o caráter das táticas dos praticantes das artes do cotidiano, uma

vez que o termo resistência não contempla todos os aspectos que o autor pretende abranger na análise das

situações próprias de sujeitos anônimos que agem no terreno do outro, sem desfrutar de um lugar que lhe confira

liberdade plena de ação planejada.

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efetivação de seu ensino, caso contrário, seremos coniventes com um sistema que,

historicamente, mantém as desigualdades e burla a formação crítica dos cidadãos.

Finalizo meu texto com algumas considerações decorrentes do meu trabalho integral,

buscando realizar as inferências necessárias para que se possa alcançar o desfecho de minha

pesquisa. Se deixo algumas interrogações não é por insucesso, mas por saber que, objeto tão

complexo e possuidor de múltiplas interpretações e possibilidades, jamais será exaurido em

apenas um trabalho.

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PRIMEIRA PARTE

TESSITURAS TEÓRICO-METODOLÓGICAS

CAPÍTULO I - AS TRAMAS DA CONSTITUIÇÃO DA DISCIPLINA HISTÓRIA

É a necessidade que cada grupo humano

experimenta, a cada momento de sua evolução,

de buscar e questionar, no passado, os fatos, os

acontecimentos, as tendências que preparam o

tempo presente e permitem compreendê-lo, que

ajudam a vivê-lo. Lucien Febvre

Alguns teóricos afirmam que a História, bem como seu ensino, vivenciam uma crise

epistemológica, metodológica e até mesmo científica. Esta “crise” seria, em parte, decorrente

de rupturas paradigmáticas e permanências epistemológicas e metodológicas que, nos tempos

atuais, comprometem a permanência e a relevância do ensino de História. Desse modo, penso

ser necessário voltar nosso olhar ao passado para analisarmos o processo de constituição da

História enquanto disciplina escolar e de seu ensino ao longo dos tempos, pois só assim

poderemos refletir sobre as rupturas, as permanências, as críticas e as propostas que

circundam este objeto no presente. Sem o confronto entre as antigas e as novas proposições

que permeiam a História e seu ensino, negamos a estas últimas uma visão processual e, por

conseqüência, incorremos no risco de negligenciar sua natureza enquanto construção sócio-

cultural.

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1.1 - HISTÓRIA: A TRAJETÓRIA DE UMA DISCIPLINA ESCOLAR

Saberes próprios da História são utilizados na formação cultural do indivíduo desde há muito

tempo, mesmo quando ainda não havia uma preocupação em sistematizar a educação e

estruturá-la institucionalmente (FONSECA, 2004). Os conjuntos dos diferentes saberes

desenvolvidos pela humanidade começam a ser agrupados e dotados de organização própria

no final da Idade Média, em função do interesse de grupos e instituições, sobretudo da Igreja

e do Estado que, naquele momento, necessitavam criar uma estrutura capaz de garantir o

avanço político e econômico desejado sem incorrer no risco de desequilibrar a hierarquia

social estabelecida. Sendo assim, faz-se necessário definir a categoria “disciplina escolar”

para justificar a localização temporal do surgimento da História como tal, caso contrário

podem ocorrer genealogias enganosas.

Na contemporaneidade, vários estudos foram desenvolvidos sobre a história das disciplinas

escolares, sendo que muitos deles incorrem em conflitos e divergências, sobretudo no tocante

aos papéis dos diferentes sujeitos desse processo constituinte das disciplinas. Todavia, de

modo geral, a utilização do termo designa “um conjunto de conhecimentos identificado por

um título ou rubrica e dotado de organização própria para o estudo escolar, com finalidades

específicas ao conteúdo de que trata e formas próprias para sua apresentação”(JULIA, apud

LOPES; MACEDO, 2002, p. 44-45). Logo, alguns elementos são cruciais para conferir a um

conjunto de saberes o estatuto de disciplina escolar, como: estabelecer finalidades, as quais

devem articular objetivos instrucionais mais específicos e objetivos educacionais mais gerais;

explicitar os conteúdos a serem ensinados, constituindo assim um corpus de conhecimento

organizado e definir métodos próprios para apreensão e avaliação dos conteúdos selecionados

(BITTENCOURT, 2004).

Dessa forma, a História começa a adquirir contornos mais científicos no oitocentos, efetuando

sua afirmação científica via positivismo, no século XIX. Logo, é a partir desta firmação

enquanto ciência que a História começa a propor-se também como disciplina escolar, uma vez

que já dispõe, em grande parte, dos elementos constitutivos da mesma, embora permanecesse

ainda atrelada a uma História Sagrada. Como conteúdo destinado ao ensino, a História

começa a ganhar notoriedade a partir dos tempos modernos, servindo especialmente à

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29

erudição de uma elite preocupada em manter seu status e legitimar seu lugar de poder,

sobretudo os herdeiros dos tronos.

À medida que os ideários iluministas foram conquistando adeptos e ganhando espaço nas

instituições formais, a História Sagrada foi se degradando e, conseqüentemente, viabilizando

o ingresso e permanência da História Profana nos currículos escolares, tendo, entre outros

propósitos, o intuito de explicar a origem das nações. Mesmo após a Revolução Francesa e a

produção de uma nova legislação educacional, a História permanecia como elemento

secundário e instrumento de referência para reflexão sobre as civilizações e o progresso da

humanidade, não obtendo ainda os elementos necessários para ser tratada como disciplina

escolar. Foi somente quando a organização do ensino tornou-se efetivamente encargo do

Estado, preocupado com a adequação do cidadão ao sistema capitalista que se consolidava e

com o fortalecimento da identidade nacional, é que a História atingiu o estatuto de disciplina

escolar. Mais do que isso, a necessidade de legitimar o poder político e solidificar uma

identidade nacional que garantisse o sentimento de pertença, deram à História uma posição

central nos currículos escolares. Cabia a ela, apresentar às crianças e aos jovens, o passado

glorioso da nação e os vultos que ajudaram a construí-la. Como a produção historiográfica, a

definição dos programas de ensino e a produção dos livros didáticos eram controlados pelo

governo, não era difícil fazer com que essa função da História se cumprisse nos bancos

escolares. Logo, é com esta perspectiva nacionalista, elitista e conservadora que a História se

constitui como disciplina escolar (FONSECA, 2004).

1.1.1 - A constituição da História como disciplina escolar no Brasil

A constituição da História como disciplina escolar no Brasil, definiu-se inicialmente pelas

propostas dos liberais brasileiros envolvidos nos debates educacionais de 1820, às vésperas da

“independência”. Embora títulos históricos já fossem tratados no meio educacional desde a

ação jesuítica no Brasil colonial (1549), com a vinda de Manuel da Nóbrega, a progressiva

criação de escolas e a crescente dominação da ordem inaciana sobre este setor, a História

ainda não possuía os elementos necessários para ser considerada disciplina escolar. Sua

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finalidade estava muito mais voltada à doutrinação do espírito e conformação do corpo e da

ação, do que a uma formação específica própria de um conjunto de saberes sistematizados.

Parte dos intelectuais pretendia construir uma história laica, uma espécie de ciência social da

nação que se criava sob a dominação de um Estado independente, mas, não desejava abolir os

princípios da Igreja Católica. Tal pensamento se identificava com o desejo da Assembléia

Constituinte de 1823 de organizar a educação pública por meio de um plano sistemático, que

reunisse todos os estabelecimentos entre si e os submetessem a um mesmo pensamento – a

unidade da nação (CHIZZOTTI, 1996).

Essa tendência conciliatória foi visível nos programas curriculares propostos pelos

legisladores de 1827 para as Escolas de Primeiras Letras, como podemos observar na fala de

Paranhos, citado por Bittencourt em sua tese de doutorado:

Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de aritmética, prática

de quebrados, decimais e proporções, as noções gerais de geometria prática, a

gramática da língua nacional e os primeiros princípios da moral cristã apostólica

romana, proporcionados à compreensão dos meninos, preferindo para as leituras a

Constituição do Império e a História do Brasil (PARANHOS, 1953, apud

BITTENCOURT, 1993, p.138).

Em outra proposta debatida na Assembléia dos Deputados em 1827 que previa a criação de

uma escola especial de nível médio, o Colégio de Belas Artes, existiria um ensino de História

subdividido em História Geral Profana, História Sagrada e História do Império do Brasil. É

importante assinalar que, nesse período em que se delineavam os primeiros projetos

educacionais, a História era concebida como necessidade social, devendo estar presente no

ensino elementar e médio. Foi, entretanto, nos cursos secundários que se iniciou a

organização e estruturação da disciplina de História (BITTENCOURT, 1993).

O pensamento liberal do século XIX definia como papel da educação a formação do cidadão

produtivo e obediente às leis, mesmo quando este era impedido de exercer direitos políticos.

Mas, no contexto de um Brasil pós-independência, apregoar tal ideário não era algo assim tão

simples, pois a necessidade de formar as elites dirigentes para os novos quadros burocráticos

do Império via-se confrontada com uma sociedade escravista e conservadora que buscava

uma educação excludente e mantenedora da ordem e da hierarquia social. Formular um

projeto educacional satisfatório para esta elite tornava-se ainda mais desafiador à medida que

a imigração européia começava a se instalar no país, complexificando o quadro social e

cultural do Brasil daquela época.

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31

Diante deste contexto, pode-se localizar a constituição da História como disciplina escolar

autônoma, aqui no Brasil, a partir de 1837, com a criação do Colégio Pedro II, no Rio de

Janeiro. Tratava-se do primeiro colégio secundário do país que, mesmo público, era destinado

às elites. Como a regulamentação da disciplina seguiu o modelo francês, a História Universal

acabou predominando no currículo, mas manteve-se a História Sagrada. Nos programas das

escolas elementares, a História aparecia no currículo como disciplina optativa. Já a História

do Brasil, só foi introduzida no ensino secundário em 1855 e, logo após, foram desenvolvidos

programas para as escolas elementares (ABUD, 2004).

Em função do contexto em que se definira a inserção da História no currículo formal, não é de

se estranhar que sua principal finalidade seria criar uma identidade nacional num país cultural

e etnicamente plural. Tal tarefa coube ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB),

criado em 1938, que sanou a questão por meio de um concurso de monografias, cujo vencedor

foi o alemão Karl Philipp von Martius. A proposta de Martius era a fusão das três raças, a

indígena, a africana e a européia, com o crescente e progressivo branqueamento da raça

brasileira como caminho seguro para a civilização da nação. Esta “explicação” para forjar o

amálgama da identidade nacional brasileira deveria ser difundida via educação, sobretudo nas

aulas de História, por meio dos livros didáticos escritos, na maioria das vezes, por sócios do

próprio Instituto (FONSECA, 2004).

Em virtude do vínculo que ainda se mantinha entre Igreja e Estado (haja vista o Regime do

Padroado que se sustentava mesmo após a separação de Brasil e Portugal), e da influência do

modelo jesuítico de educação, certos traços se mantiveram eminentes na metodologia de

ensino e na estruturação dos conteúdos. A narrativa da vida dos mártires da Igreja Católica

(santos), por exemplo, foi substituída pela narrativa da vida e dos feitos dos mártires da nação

que se constituía, gestando desta forma, um panteão de heróis nacionais necessários ao

desenvolvimento de um sentimento de pertença à pátria. Todavia, no decorrer do século XIX,

como bem nos lembra Fonseca (2004), os ideais do Estado iam suplantando os ideais da

Igreja e, na medida em que o IHGB ia assumindo a produção e veiculação historiográfica, ela

ganhava novos contornos. Assim,

Ao mesmo tempo em que seu papel ordenador e civilizador era cada vez mais

consensual, seus conteúdos e formas de abordagem refletiam as características da

produção historiográfica então em curso, sob os auspícios do IHGB. Produzia-se e

ensinava-se, a julgar pelos programas e pelos textos dos livros didáticos, uma

História eminentemente política, nacionalista e que exaltava a colonização

portuguesa, a ação missionária da Igreja católica e a monarquia (FONSECA, 2004,

p.47, grifo meu).

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Por volta de 1870, sob influência das concepções cientificistas que travaram um embate com

os setores conservadores ligados a um ensino moralizante dominado pela Igreja Católica, os

programas curriculares das escolas elementares foram sendo ampliados com a incorporação

das disciplinas de Ciências Físicas, História Natural, com a adoção dos preceitos

metodológicos das chamadas “lições das coisas”11

, e a inclusão de tópicos sobre História e

Geografia Universal, História do Brasil e História Regional. No final da década de 1870

foram feitas novas reformulações dos currículos das escolas primárias visando criar um

programa de História Profana mais extenso e eliminar a História Sagrada. Tal fato traduzia a

atmosfera das discussões sobre o fim da escravidão, a transformação do regime político de

Império para República e a retomada dos debates sobre o ensino laico, visando, dessa vez, a

separação entre o Estado e a Igreja Católica e sua ampliação para outros segmentos sociais.

Os programas de História do Brasil, entretanto, seguiam o modelo consagrado pela História

Sagrada, substituindo as narrativas morais sobre a vida dos santos pelas ações históricas dos

heróis. A ordem dos acontecimentos era articulada politicamente e culminava com os

“grandes eventos”, que fariam do Brasil uma nação grandiosa. Os métodos de ensino

aplicados nas aulas eram baseados na memorização e na repetição oral dos textos escritos. Os

poucos livros didáticos seguiam o modelo dos catecismos com perguntas e respostas que

favoreciam a argüição (FONSECA, 2204).

No final do século XIX, com a abolição da escravatura, a implantação da República, a busca

da racionalização das relações de trabalho e o processo imigratório, houve novos desafios

políticos. Neste contexto, ganharam força as propostas que apontavam a educação, em

especial a elementar, como forma de realizar a transformação do país, apontando a cada

segmento seu lugar no contexto social (BITTENCOURT, 1993).

Foi então que surgiu a constituição mais explícita das disciplinas escolares como um corpo

formado de conhecimentos a serem transmitidos, distingüindo-se disciplina literária de

disciplina científica. A disciplina escolar começou a se emancipar da concepção de uma

“ginástica intelectual” para se configurar como conhecimento delimitado por objetivos e

métodos pedagógicos cujos conteúdos se originavam das ciências de referência. Desde as

primeiras décadas do século XX, a formação da nacionalidade e da identidade brasileira vinha

ocupando espaço na produção intelectual e política do país, colocando como uma das tarefas

11

Tratava-se de conhecimento científico aplicado a um entendimento de coisas familiares, tendo por objetivo

atender aos interesses dos alunos (BIITENCOURT, 2004).

Page 33: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

33

mais importantes da educação, a formação de uma consciência nacional e o desenvolvimento

do sentimento de identidade nacional, o que levou a criação de associações como a Liga de

Defesa Nacional, dirigida por Olavo Bilac e à publicações como a Revista do Brasil (ABUD,

2004).

A partir de 1930, com a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública e a Reforma

Francisco Campos, acentuou-se o fortalecimento do poder central do Estado e o controle do

mesmo sobre o ensino. Apesar do cunho liberal do Manifesto dos Pioneiros da Educação

Nova, em 1932, cujo discurso tornou-se tão influente a ponto de integrar-se às falas do

Ministro Francisco Campos, o que se percebeu foi a prevalência do conservadorismo, até

porque, muitas das propostas dos pioneiros necessitavam de uma estrutura educacional da

qual o Brasil não dispunha (GHIRALDELLI, 2005). O ensino de História passou a ser

idêntico em todo o país, dando ênfase ao estudo de História Geral, sendo o Brasil e a América

tratados como apêndices da civilização ocidental. Ao mesmo tempo, refletia-se na educação a

influência das propostas do movimento escolanovista, inspirado na pedagogia norte-

americana, sobretudo nos textos de John Dewey, que propunha, entre outras coisas, a

introdução dos chamados Estudos Sociais em substituição à História e à Geografia,

especialmente para o ensino elementar (CAIMI, 2001).

Com a aceleração do processo de industrialização e urbanização, repensou-se sobre a inclusão

do povo brasileiro na História escrita, levando a História ensinada nos programas e livros

didáticos a incorporar a tese da democracia racial, da ausência de preconceitos raciais e

étnicos, identificando o povo brasileiro como uma sociedade multirracial e sem conflitos. De

acordo com as propostas da época, três pilares alicerçavam a unidade nacional brasileira:

unidade étnica, unidade administrativa e territorial, e unidade cultural. Os programas

educacionais passaram a se organizar com base nestes eixos, com o objetivo de estruturar a

formação do povo brasileiro, a organização do poder político e a ocupação do território

brasileiro, negando e dificultando desde o princípio, a valorização da diversidade cultural do

Brasil bem como a necessidade de tratar das desigualdades regionais que afetaram e afetam

nosso sistema de ensino até os dias atuais.

Nos anos imediatos ao pós-guerra, a Unesco passou a interferir na elaboração de livros

escolares e nas propostas curriculares, em face do suposto perigo de enfatizar as histórias de

guerras, no modo de apresentar a história nacional e as questões raciais. A História deveria

revestir-se de um conteúdo mais humanístico e pacifista, voltando-se ao estudo dos processos

Page 34: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

34

de desenvolvimento econômico das sociedades, bem como dos avanços tecnológicos,

científicos e culturais da humanidade. Note-se, que em um mundo que havia sido devastado

pela I Grande Guerra Mundial, revelando potências mundiais e fraquezas nacionais, tal

proposta de ensino mais uma vez iria em direção à glorificação dos mais fortes, mesmo que

esta força fosse medida pelo desenvolvimento econômico e tecnológico.

Em 1942, em plena ditadura do Estado Novo, ocorreu a Reforma Capanema, que restabeleceu

a História do Brasil como disciplina autônoma, uma vez que esta havia sido diluída na

História Geral, apesar dos protestos do IHGB, na Reforma Francisco Campos. Tratava-se de

uma retomada do patriotismo inerente à política nacionalista do governo Vargas, que colocou

como objetivo fundamental da História do Brasil a formação moral e patriótica do cidadão

brasileiro. Conforme Jonathas Serrano, um dos elaboradores do programa oficial do ensino de

História.

Na terceira e quarta séries do curso ginasial o estudo da História do Brasil visa

precipuamente à formação da consciência patriótica, através dos episódios mais

importantes e dos exemplos mais significativos dos principais vultos do passado

nacional. Assim como nas aulas de História Geral, serão postas em relevo as

qualidades dignas de admiração, a dedicação aos grandes ideais e a noção de

responsabilidade (SERRANO, 1945, apud HOLLANDA, 1957, p.53).

Em 1951, o Ministério da Educação promoveu algumas mudanças nos programas de ensino

de História. Todavia, a inovação do período deu-se em função da redefinição dos pressupostos

do ensino de História realizada pelo Colégio Pedro II que, após o fim da ditadura varguista,

voltava a ter autonomia e retomava seu posto de referência nacional na educação secundarista.

Tal proposta orientava o estudo da História para as ações mais importantes e suas

repercussões, para a focalização de indivíduos como expressões do meio social e para o

registro das manifestações da vida material e espiritual, individuais e coletivas (FONSECA,

2004). Visavam-se assim, os fatos culturais e de civilização, sendo evidenciadas a unidade e a

continuidade da História (HOLLANDA, 1957).

No plano da educação “primária”, a História e a Geografia foram substituídas pelos Estudos

Sociais12

, marcando a penetração norte-americana nos currículos brasileiros. Ao longo das

décadas de 50 e 60, sob inspiração do nacional-desenvolvimentismo, e da presença americana

na vida econômica brasileira, o ensino de História, no nível secundário, voltou-se

especialmente para o espaço americano, fortalecendo o lugar da História da América no

12

Disciplina organizada pela fusão da História e da Geografia, englobando também a Educação Moral e Cívica,

buscava impor uma visão harmônica da sociedade, em que a “espontânea colaboração” de todos os grupos

sociais aparece como a ordem natural das coisas (FONSECA, 2004).

Page 35: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

35

currículo, com a predominância da História dos Estados Unidos. A temática econômica

ganhou espaço na disciplina com o estudo dos ciclos econômicos. A história era entendida a

partir da sucessão linear dos ciclos econômicos hegemônicos; da cana-de-açúcar, da

mineração, do café e da industrialização. Essa visão histórica progressista relacionava-se com

o contexto historiográfico de então e, a idéia de uma sucessão histórica progressista era ideal

ao momento de industrialização que o Brasil vivia.

No nível secundário, foram propostos estudos econômicos baseados nos “ciclos de produção”

e, nas escolas primárias, apesar das propostas de Estudos Sociais, prevaleciam os

conhecimentos históricos baseados nas festividades cívicas e, nas séries finais, preparavam-se

os alunos com o resumo da História Colonial, Imperial e Republicana para atender aos

programas dos exames de admissão, uma vez que a obrigatoriedade da freqüência havia sido

abolida.

A consolidação dos Estudos Sociais em substituição à História e à Geografia em todo o

Ensino Fundamental (primário e ginásio), ocorreu a partir da Lei nº 5.692/7113

, durante o

governo militar. Com essa substituição, os conteúdos de História e Geografia foram

esvaziados e diluídos, ganhando contornos ideológicos de um ufanismo nacionalista destinado

a justificar o projeto nacional organizado pelo governo militar implantado no país a partir de

1964. Durante este período, acabaram os exames admissionais, o ensino primário e o ginasial

foram comprimidos no chamado primeiro grau, ampliando a obrigatoriedade do ensino de

quatro para oito anos, o que gerou uma situação paradoxal de ampliação do acesso à escola e

deterioração da qualidade do ensino público. Entretanto, esse projeto de ampliação de acesso

à escola pública estava coadunado ao papel adestrador que o regime ditatorial imprimiu à

escola, sobretudo ao 1º e 2º graus, encontrando resistência maior apenas no Ensino Superior.

No decorrer dos anos de 1970, as Associações Nacionais de Historiadores e Geógrafos

(ANPUH e AGB) se organizaram na luta para o retorno da História e da Geografia para os

currículos escolares e a extinção dos cursos de Licenciatura de Estudos Sociais (ABUD,

2004). Todavia, a interferência norte-americana através dos acordos MEC-Usaid14

, firmados

13

A Lei nº 5.692/71 foi a segunda Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional do país. Foi elaborada em

substituição à Lei 4.024/61, nossa primeira LDBEN, de caráter por demais democrático para continuar em

vigência num regime ditatorial. Vale ressaltar que alguns estudiosos não consideram esta Lei como constituindo

uma nova LDBEN; todavia, como os autores com os quais dialogo neste trabalho assim a vêem, eu a mantenho

como tal. 14

Acordos firmados entre o Ministério da Educação e Cultura do Brasil e a Agency for International

Development - AID Norte-Americana,conhecidos como acordos MEC-Usaid, que passou a determinar grande

Page 36: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

36

entre os anos de 1964 e 1968, além de abrir caminho para as reformas educacionais de 1971,

dificultava qualquer possibilidade de avanço neste sentido (CAIMI, 2001).

No processo de redemocratização dos anos de 1980, os conhecimentos escolares passaram a

ser questionados e redefinidos por reformas curriculares, sobretudo após o desenvolvimento,

via Sociologia da Educação, da Teoria crítico-reprodutivista que tratava a escola como

reprodutora das desigualdades econômicas e sociais vigentes nas sociedades capitalistas,

atuando como um aparelho ideológico do Estado. O currículo real forçava mudanças no

currículo formal15

, iniciando-se as discussões sobre o retorno da História e da Geografia ao

currículo escolar a partir das séries iniciais. As propostas curriculares, que a partir de 1983,

começaram a ser elaboradas e discutidas nas várias secretarias estaduais e municipais de

educação de forma muito diversa e heterogênea, passaram a ser influenciadas pelos debates

entre as várias tendências historiográficas que surgiam nos meios acadêmicos do Brasil desde

1970. Segundo Rago

Essa explosão de uma expressiva produção historiográfica brasileira ocorre, ainda,

num momento em que se tornam visíveis os sinais de esgotamento do marxismo

enquanto modelo privilegiado de interpretação do passado. Das primeiras análises

marxistas que procuravam definir inicialmente de maneira bastante mecanicista,

posteriormente de modo mais sofisticado, as estruturas sócio-econômicas e os

modos de produção existentes no país, passou-se, nos anos setenta, a discutir o

universo mental e as ideologias presentes nas análises históricas da realidade

brasileira (RAGO, 1993, p.2-3).

De maneira geral, essa produção acadêmica que se desenvolveu no final dos anos de 1970 e

1980, procurou acompanhar e atualizar-se com os desenvolvimentos teóricos, metodológicos

e temáticos que se produziam, mantendo-se a preocupação em trabalhar as especificidades

locais das experiências históricas tal qual se constituíam no país.

Quanto à produção historiográfica brasileira durante a ditadura militar, podemos encontrar

uma análise elaborada por José Roberto do Amaral Lapa (1985), segundo a qual, a produção

científica dos historiadores brasileiros desse período não poderia ser deslocada das

repercussões e influências do movimento político-militar de 1964. Embora não rejeitasse as

repercussões negativas das perseguições aos intelectuais realizadas pelo governo militar, Lapa

parte das políticas organizativas do nosso sistema educacional, tendo em vista que era o capital estrangeiro que

financiava o “milagre econômico” do Brasil na época. 15

Utilizo o conceito de currículo formal e currículo real baseando-me em Moreira (1997), que traz o currículo

como um campo de criação simbólica e cultural, permeado por conflitos e contradições, de constituição

complexa e híbrida, com diferentes instâncias de realização: currículo formal é o modelo proposto pelo poder

instituído; currículo real ou em ação e o efetivado em sala de aula mediante a interação professor/aluno; e

currículo oculto refere-se aos ensinamentos que ocorrem no âmbito escolar de maneira inconsciente.

Page 37: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

37

observou que a produção ideológica do regime militar não conseguiu marcar o conhecimento

histórico. Essa produção ideológica, de forma preferencial, orientou-se para o ensino de 1º e

2º graus, com alguma interferência no Ensino Superior, inclusive criando para tanto, novas

disciplinas: Estudos Sociais, Educação Moral e Cívica, Organização Social e Política

Brasileira, Estudo dos Problemas Brasileiros... (LAPA, 1985).

Ao criar tais dispositivos de difusão ideológica, não parecia necessário ao regime militar

interferir diretamente na produção do conhecimento histórico nas universidades, a não ser em

casos de intelectuais e estudantes que se opusessem declaradamente ao governo estabelecido.

Nesse sentido, a violência sobre as universidades por meio das cassações, aposentadorias

compulsórias e perseguições, afetaram sobremaneira a produção em torno de alguns temas

políticos e sociais mais diretamente visados pela repressão. Contudo, houve uma produção

historiográfica significativa no período, sobretudo nos anos de 1970, e a tradução de diversas

obras de historiadores importantes no plano internacional, que passavam despercebidas pela

censura (CAIMI, 2001).

Data desse momento a entrada e difusão no Brasil, das obras de historiadores ingleses como

E. P. Thompson, Eric Hobsbawm e dos historiadores franceses da chamada Nova História,

terceira geração dos Annales, que passaram a exercer grande influência nos meios

especializados. Os historiadores brasileiros nesse período voltaram-se, influenciados pela

Nova História francesa e pela História Social inglesa, para a abordagem de novas

problemáticas e temáticas de estudo, sensibilizados por questões ligadas à história social,

cultural e do cotidiano, sugerindo possibilidades de rever, no ensino de 1º e 2º graus o

formalismo da abordagem histórica denominada “tradicional”. Com certeza, tais construções

historiográficas influenciaram a construção de novos currículos para a disciplina a partir de

então (FREITAS, 1998).

No fim dos anos de 1980, com a intensificação dos estudos da obra de Foucault e a publicação

da tradução dos livros de Roger Chartier, Michel de Certeau, Hayden White, Dominique La

Capra entre outros, a determinação cultural dos agentes e das práticas sociais, para além da

economia e da política (mas não sem elas), revelou-se através da leitura que esses

historiadores passaram a desenvolver sobre as subjetividades, o imaginário e o campo

simbólico como categorias a serem consideradas nos estudos históricos. Vemos emergir,

nesse momento, como uma reinterpretação e problematização da história das mentalidades

dos Annales, a História Cultural. Roger Chartier, no seu livro “A História Cultural: entre

Page 38: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

38

práticas e representações” (1990),16

sistematizou as inovações trazidas por uma postura

historiográfica que assume sua ruptura com a crença no real e no social. Para além da

construção cultural das referências da época, o autor enfatizou o estudo das práticas de leitura

e apropriação da cultura, destacando os movimentos complexos da circulação de idéias

(FONSECA, 2004).

Não havendo mais a obrigatoriedade da utilização dos programas oficiais e dispondo de maior

liberdade de ação, professores e autores de livros didáticos começaram a ousar na proposição

de programas e métodos para o ensino da História, sobretudo no Ensino Fundamental. A

disciplina escolar História aproximou-se cada vez mais da produção científica do

conhecimento histórico, interligando os dois campos e viabilizando reflexões teóricas

profundas que em muito contribuíram para o fazer histórico na sala de aula. Por volta de

1994, antes da criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais e da Lei nº 9.394/96, já surgiam

propostas de ensino de História que procuravam incorporar novas tendências,

independentemente de sua existência nos programas curriculares oficiais (FONSECA, 2004).

Com o diálogo e os debates realizados entre esses autores, suas posturas analíticas da cultura

e, principalmente, de seus leitores e críticos, nos anos de 1990 podemos observar que a

História Cultural confirma-se como uma linha teórica preocupada em apresentar e analisar

novos caminhos para a escrita da História no que concerne à linguagem e às relações “saber e

poder”, interferindo conseqüentemente no pensar e no fazer pedagógico bem como na

organização curricular da História. Introduziu-se assim, no meio educativo, a chamada

“História Crítica”, com a pretensão de desenvolver com os alunos de 1º e 2º graus atitudes

intelectuais de desmistificação das ideologias, permitindo a análise das manipulações dos

meios de comunicação e da sociedade de consumo17

(FREITAS, 1998).

A partir dessa abertura para se repensar o ensino de História, os professores e os

pesquisadores começaram a questionar não somente os currículos, mas também a escola, os

livros didáticos e os conteúdos estabelecidos de forma vertical pelas autoridades educacionais

e as políticas públicas de educação. Nesse contexto, envolvidos pelos debates sobre a reforma

do currículo, pelas novas abordagens historiográficas e pelas novas experiências didáticas, os

16

Mais detalhes sobre a História Cultural e as contribuições de Roger Chartier e outros teóricos da área serão

tratados mais adiante, quando abordar meu referencial teórico. 17

Para maiores informações sobre o tema, conferir os seguintes livros de Marc Ferro: A manipulação da

História no ensino e nos meios de comunicação: a história dos dominados em todo o mundo. São Paulo: Ibrasa,

1983; Falsificações da História. Lisboa: Europa-América, s.d.; História vigiada. São Paulo: Martins Fontes,

1989.

Page 39: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

39

professores preocupados com a questão do ensino de História, começaram a denunciar a

inviabilidade de se trabalhar a História da maneira tradicional como se vinha fazendo até

então, questionando, inclusive, alguns conceitos incorporados ao ensino de História sem a

devida historicização dos mesmos (NADAI, 1986).

Até dezembro de 1996, o sistema educacional brasileiro esteve estruturado e organizado pela

Lei de Diretrizes e Bases de 1971. Essa lei, ao definir as diretrizes e bases da educação

nacional, determinava como objetivo geral tanto para o ensino de 1º grau (com oito anos de

escolaridade obrigatória), quanto para o 2º grau (com três anos de escolaridade não-

obrigatória), oferecer aos educandos a formação e o desenvolvimento de suas potencialidades

como elemento de auto-realização para o mundo do trabalho e da cidadania (LDB, 1971).

Esta LDB generalizou, também, as disposições básicas sobre o currículo, estabelecendo um

núcleo comum obrigatório no âmbito nacional para o ensino de 1º e 2º graus. Contudo,

manteve uma parte diversificada com a finalidade de contemplar as particularidades locais, as

especificidades dos planos dos estabelecimentos de ensino e as diferenças individuais dos

alunos (G. FONSECA, 1993).

No ano de 1990, o Brasil participou da “Conferência Mundial de Educação Para Todos”, em

Jomtien, na Tailândia. Dessa Conferência, assim como da “Declaração de Nova Delli”

(assinada pelo “G-09”, grupo dos nove países com os maiores índices de analfabetismo, do

qual o Brasil fazia parte), resultaram posições consensuais na luta pelo cumprimento das

necessidades básicas de aprendizagem para todos, capazes de tornar universal a educação

fundamental e ampliar as oportunidades de aprendizagem de crianças, jovens e adultos

(GHIRALDELLI, 2005).

A partir dos debates organizados em todo o país pelo Ministério da Educação e Cultura, com a

participação de diversas entidades estaduais e municipais e de especialistas na área da

educação, sobre os principais problemas educacionais e a busca de alternativas para enfrentá-

los, foi realizada a “Semana Nacional de Educação Para Todos”, na cidade de Brasília, entre

10 e 14 de maio de 1993. Em razão desse encontro, tendo em vista o quadro atual da

educação no Brasil e os compromissos firmados internacionalmente (inclusive com

instituições financeiras como o BIRD e o Banco Mundial), o MEC coordenou, em

colaboração com as secretarias estaduais e municipais de educação, a elaboração do “Plano

Decenal de Educação Para Todos”, concebido como um conjunto de diretrizes políticas em

contínuo processo de negociação, voltado para a recuperação da escola de educação básica,

Page 40: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

40

com base no compromisso com a eqüidade e com o incremento da qualidade, assim como a

constante avaliação dos sistemas escolares (WEREBE, 1994).

O Plano Decenal de Educação (PDE), em consonância com o que estabelece a Constituição de

1988, reafirma a necessidade e a obrigação do Estado em elaborar “parâmetros” claros no

campo curricular, capazes de orientar as ações educativas do ensino obrigatório, de maneira a

adequá-lo aos ideais democráticos e à busca da qualidade do ensino nos estabelecimentos

escolares brasileiros18

. A partir de então vemos a implementação de diferentes formas de

intervenção do MEC no sistema educacional brasileiro: a criação do Fundo de Manutenção e

Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF); o

Programa Dinheiro na Escola; a política de avaliação pelos exames do Saeb, ENEM e do

Exame Nacional de Cursos19

; a TV Escola e desdobramentos da UNIREDE; a elaboração e

distribuição do Guia de Avaliação do Livro Didático bem como o Plano Nacional do Livro

Didático (PNLD); a formulação e divulgação de referenciais e metas de qualidade através dos

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o Ensino Fundamental e Médio; da Proposta

Curricular Nacional para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), do Referencial Curricular

Nacional para a Educação Infantil e para a Educação Indígena (http://www.mec.gov.br).

Uma das críticas ao governo FHC foi exatamente a respeito do sistema avaliativo criado que,

para atender aos interesses de instituições internacionais passaram, mesmo que indiretamente,

a interferir na configuração dos programas de ensino. Os três tipos de exames citados

deveriam pautar-se nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para elaborarem as provas,

pois estas Diretrizes é que deveriam orientar a organização do programa de cada etapa de

ensino (Fundamental, Médio e Superior, sendo este último estabelecido separadamente para

cada curso). Todavia, elaboradas por uma equipe de técnicos e especialistas contratados pelo

governo, as DCN possuíam um alto grau de sofisticação e síntese, deixando uma dubiedade

na medida em que não fixavam conteúdos, o que cria uma situação complicada para o

mecanismo de avaliação. Afinal, como preparar testes capazes de aferir habilidades e

competências, se às escolas foram dadas diretrizes que possuem lacunas e pontos embaçados?

(GHIRALDELLI, 2005)

18

Para confirmação, ver: Constituição da República Federativa do Brasil, 1988 – capítulo III. “Da Educação, da

Cultura e do Desporto”, seção I. “Da Educação”. 19

O Saeb deveria permitir ao governo planejar políticas ou ações solidárias setorizadas. Já o ENEM tem o

objetivo de fornecer parâmetros para a própria escola, professores e, principalmente, os alunos, mensurar o grau

de expectativa e desenvolvimento alcançados e almejados. E o “Provão” foi idealizado, desde o início, com o

intuito de rankear o Ensino Superior, no intuito de levar ao conhecimento da população onde se encontram os

estabelecimentos mais credenciados para cada curso (GHIRALDELLI, 2005).

Page 41: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

41

Ademais, não podemos nos esquecer de que a Constituição elaborada para o Brasil em 1988,

também determinou que se elaborasse uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional. Esta resultou de uma intensa luta parlamentar e extraparlamentar que culminou com

a criação da Lei nº 9.394/96, mais conhecida como Lei Darcy Ribeiro em função do

predomínio dos ideários deste Senador que, atendendo aos anseios do então presidente

Fernando Collor de Mello e, conseqüentemente, dos imperativos do ensino privado,

apresentou um projeto que suplantou o anterior, resultante da ação de vários setores da

sociedade (GHIRALDELLI, 2005). Dentre outras coisas, a nova LDBEN determinou que

deveria haver um núcleo comum de conteúdos a serem ensinados em todo o território

nacional e uma parte diversificada. Esta flexibilidade teria por objetivo viabilizar a

valorização das diferenças regionais/locais sem perder a identidade nacional. Esta postura

possibilitou o aparecimento dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), diretrizes de

caráter orientador, não-obrigatórias, mas que têm se apresentado cada vez mais fortemente

como norteadoras das ações nos ensinos fundamental e médio.

Nesse contexto, é este documento (elaborado e entregue à sociedade brasileira sob o estigma

de mais uma reforma educacional) que me propus a analisar ao longo de minha pesquisa, haja

vista ser ele o que temos de mais atual em termos de proposta oficial de organização

curricular e metodológica. Creio que essa explanação sobre a constituição da disciplina

escolar História tenha sido necessária para compreendermos de maneira adequada como a

organização curricular sempre ocorreu em função de algum objetivo específico e marcada por

interesses de sujeitos que ligavam-se, direta ou indiretamente, ao poder instituído. Logo,

historicizar a interface ensino de História e organização curricular é essencial para que,

chegando ao presente, analisemos com maior criticidade a relação professor-PCN-saber

histórico escolar. Sendo assim, penso ser de grande valia realizar um breve histórico

abrangendo a criação e implantação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, bem como um

apanhado geral de sua proposta para o ensino de História, afinal, estamos partindo do

proposto para analisar o efetivado.

Page 42: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

42

1.2 - PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS DE HISTÓRIA

Segundo o MEC, o processo de construção dos Parâmetros Curriculares Nacionais teve início

a partir do estudo de propostas curriculares de Estados e Municípios brasileiros, da análise

realizada, a pedido do MEC, em 1995, pela Fundação Carlos Chagas sobre os currículos

oficiais e do contato com as informações relativas a experiências de outros países.

A partir desses estudos, formulou-se uma proposta que, apresentada em “versão preliminar”,

passou por um processo de discussão em âmbito nacional, nos anos de 1995 e 1996, dos quais

participaram docentes de universidades públicas e privadas, técnicos de secretarias estaduais e

municipais de educação, de instituições representativas de diversas áreas de conhecimento,

especialistas, pesquisadores e educadores. Foram recebidos cerca de 700 pareceres desses

interlocutores sobre a proposta inicial que, segundo os autores dos PCN, serviram de

referência para a reestruturação do documento e elaboração da versão oficial, apresentada

pelo MEC em 1997 (PADILHA, 2005).

Todavia, vale lembrar que ao analisar as propostas dos PCN mediante a possibilidade de

insurgência de uma nova prática de ensino da História, Leite, Luzia Leite e Silva (2000)

vislumbraram a influência da experiência espanhola, calcada no modelo curricular redigido

em 1985 na Catalunha. Conforme as autoras, esse modelo se difundiu para outros países como

Andorra, Argentina, Chile e Brasil. Aqui, este modelo teria passado por análises que, em

última instância, culminaria com a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais por

diversas equipes de especialistas e, uma vez pré-determinado, submetido à avaliação da

comunidade docente.

Os pareceres enviados ao MEC, além das análises críticas e sugestões em relação ao conteúdo

do documento, em sua quase totalidade, apontaram a necessidade de uma política de

implementação da proposta e sugeriram diversas possibilidades de atuação das universidades

e faculdades de educação para a melhoria do ensino nas séries iniciais. Na área de Geografia e

História, por exemplo, os elaboradores dos PCN tentaram unir novamente, como havia

acontecido nos anos de 1970, essas duas disciplinas nas quatro séries iniciais, criando a área

de “Conhecimentos Históricos e Geográficos”, o que foi impedido na versão oficial do

documento em virtude dos pareceres contrários dos professores (FRANCO, 1997).

Page 43: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

43

Merece destaque que, dos professores que participaram de minha pesquisa, somente a

professora R.C. demonstrou conhecer o processo de elaboração dos PCN, bem como as

críticas que repousam sobre o mesmo. Entretanto, conforme afirmação sua durante a

entrevista, ela havia sido convidada para atuar como parecerista dos PCN das séries iniciais

do Ensino Fundamental, fato que lhe coloca em situação diferenciada dos demais professores

que observei. Mas, o que quero ressaltar é que parte significativa dos professores, ignoram a

maneira pela qual os PCN foram elaborados, resignando-se à crítica de que “foi formulado

por pessoas que estão fora da sala de aula e desconhecem sua realidade”.

A proposta de História para o Ensino Fundamental, de acordo com o documento, foi

elaborada com a finalidade de proporcionar reflexões e discussões sobre a importância dessa

área curricular na formação dos alunos e como referência aos professores na busca de práticas

que incentivassem e estimulassem o desejo pelo saber histórico. O texto apresenta em seu

conteúdo, princípios, conceitos e orientações didáticas para atividades que possibilitem aos

alunos a realização de leituras críticas dos espaços, das culturas e das histórias do seu

cotidiano, sendo dividido em dois documentos distintos, embora correlatos: os PCN para o 1º

e o 2º ciclos (de 1ª à 4ª série); e os PCN para o 3º e o 4º ciclos (de 5ª à 8ª série). Além disso,

há um documento introdutório para cada etapa de ensino (um documento para o 1º e o 2º

ciclos; e um documento para o 3º e o 4º ciclos), que deve ser conhecido por todas as áreas.

Em minha pesquisa detive-me no segundo documento – PCN de História do 3º e 4º ciclos.

No campo da produção do conhecimento histórico, os PCN posicionam-se no sentido de

tributário das novas tendências historiográficas emergentes no Brasil a partir dos anos de

1980, sobretudo no que diz respeito aos sujeitos históricos, aos temas abordados, às fontes

documentais e à metodologia de ensino (PCN de História, 1997).

O texto dos PCN/História salienta que a sociedade brasileira atual exige que a noção de

identidade torne-se uma temática de dimensões abrangentes frente ao processo migratório que

tem desestruturado as formas tradicionais de relações sociais e culturais. Neste sentido, o

ensino de História deve desempenhar um papel mais significativo na formação da identidade

social do aluno bem como no desenvolvimento de sua cidadania. Para tanto deve trabalhar

com as noções de semelhanças e diferenças, bem como rupturas e permanências (PCN de

História, 1997). Pelo que pude observar, a professora R.C. e o professor R.D. trabalham

insistentemente com essas noções demonstrando uma apropriação dessa indicação do

documento. O professor R.D. chegou a comentar na entrevista sobre a necessidade de se

Page 44: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

44

perceber as permanências e as rupturas a fim de se desenvolver um posicionamento crítico

diante da realidade vivida, lembrando sempre que trabalhar com as permanências e as

rupturas envolve não só tratar diferentes noções de tempo como também desmistificar a idéia

muitas vezes difundida, de que a História se repete. E a professora R.C. faz questão de, em

todo conteúdo abordado, estabelecer relações de semelhanças e diferenças com o que já foi

estudado a fim de identificar as permanências e as rupturas possíveis. Entretanto, a professora

A.M., em nenhum momento tocou nesta questão, seja na entrevista, no questionário ou nas

atividades e conteúdos abordados e desenvolvidos durante as minhas observações. A partir

dessa constatação pode-se questionar qual a apropriação que esta professora realizou dos

PCN, uma vez que ela afirma na entrevista a necessidade de se desenvolver capacidades de

elaboração de conceitos para fundamentar o processo de ensino-aprendizagem da História e

destaca que trabalha a relação presente/passado “fazendo uma articulação entre presente e

passado através de questionamentos atuais”. Como atuar com questionamentos atuais para

um pensar histórico, seguindo a proposta dos PCN como ela diz seguir, sem trazer a noção de

permanências e rupturas, semelhanças e diferenças? Enfim, percebe-se aqui que diferentes

leituras e apropriações foram feitas pelos professores observados com relação a essa

“sugestão” de categorias norteadoras do pensar histórico.

Prosseguindo com a análise do documento, além de enfatizar a relevância da historiografia,

ele afirma que o ensino-aprendizagem da História envolve uma distinção básica entre o saber

histórico acadêmico, como campo de pesquisa e produção do conhecimento de domínio do

especialista – o historiador, e o saber histórico escolar, como conhecimento produzido no

espaço da escola, resultante da interação entre diversos saberes. Segundo seus textos, este

último reelabora o conhecimento científico, selecionando e se apropriando de partes dos

resultados acadêmicos, articulando-os de acordo com seus objetivos (PCN de História, 1997).

Os PCN adentram aqui, mesmo sem explicitarem uma posição definida, no campo das

discussões sobre a transposição didática20

na construção do saber histórico escolar. Nesse

sentido, constatei que todos os professores observados realizaram uma apropriação

semelhante ao que diz o documento, pois souberam explicitar com clareza a distinção

existente entre os saberes científico e escolar, reconhecendo com veemência a especificidade

do saber histórico escolar, inclusive quando definem a finalidade do ensino de História. De

igual forma, pareceu-me que nenhum deles percebeu que o texto dos PCN não contempla a

20

Conceito formulado por Chevallard (1991), que remete “à passagem do saber acadêmico ao saber ensinado e,

portanto, à distância eventual, obrigatória que os separa, que dá testemunho deste questionamento necessário, ao

mesmo tempo em que se converte em sua primeira ferramenta” (MONTEIRO, 2003, p.14).

Page 45: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

45

discussão dos interesses e relações de poder que permeiam algumas esferas da elaboração do

saber escolar, mesmo aqueles professores que pareceram ter um universo intelectual amplo e

que buscam manter-se atualizados na área.

Com base nessa caracterização da área, os autores dos PCN esperam que, ao longo do ensino

fundamental, os alunos gradativamente possam ampliar a compreensão de sua realidade,

especialmente confrontando-a e relacionando-a com outras realidades históricas e, dessa

forma, consigam fazer escolhas e estabelecer critérios para orientar suas ações e atitudes.

Assim, ao final do Ensino Fundamental, os alunos deverão ser aptos a:

[...] identificar relações sociais no seu próprio grupo de convívio, na localidade, na

região e no país, e outras manifestações estabelecidas em outros tempos espaços;

situar acontecimentos históricos e localizá-los em multiplicidade de tempos;

reconhecer que o conhecimento histórico é parte de um conhecimento

interdisciplinar; compreender que as histórias individuais são partes integrantes das

histórias coletivas; conhecer e respeitar o modo de vida de diferentes grupos [...];

questionar sua realidade, identificando problemas e possíveis soluções, conhecendo

formas político-institucionais e organizações da sociedade civil que possibilitem

modos de atuação; dominar procedimentos de pesquisa escolar e de produção de

texto, aprendendo a observar e colher informações de diferentes paisagens e

registros escritos, iconográficos, sonoros e materiais; valorizar o patrimônio

sociocultural e respeitar a diversidade social, considerando critérios éticos;

valorizar o direito de cidadania dos indivíduos, dos grupos e dos povos como

condição do efetivo fortalecimento da democracia, mantendo-se o respeito às

diferenças e a luta contra as desigualdades (PCN de História, 1997, p.43).

São esses objetivos, segundo os PCN, que devem pautar a escolha e organização dos

conteúdos a serem trabalhados na sala de aula pelos professores. Para a concretização destas

proposições recomenda-se aos professores que os alunos, desde o primeiro ciclo, aprendam

partindo de problemáticas locais para, mais tarde, analisar outras dimensões históricas.

Todavia, quando perguntados sobre os critérios de seleção dos conteúdos de História, os

professores observados deram respostas variadas, ressaltando ser este um problema que lhes

incomoda a ponto de buscarem diferentes formas de selecionar e organizar os conteúdos,

porém não mencionaram os critérios que o documento aponta, muito embora o professor R.D.

afirmou que a autonomia que os PCN instigam favorece a ação do professor no momento da

seleção.

A professora A.M. respondeu que:

Diante da diversidade de conteúdos possíveis, devo fazer a escolha

daqueles que são mais significativos para serem trabalhados em

determinados momentos ou determinados grupos de alunos, no decorrer da

escolaridade. Os conteúdos de História não devem ser considerados fixos.

Page 46: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

46

A escola e o professor devem recriá-los conforme sua realidade local e

regional.21

O professor R.D. afirmou que:

Você deve levar em consideração as características locais e também as

características da clientela. Observar o que é pré-requisito para o conteúdo

posterior. A cultura e a filosofia própria, que dará maior ou menor

relevância a determinados conteúdos; sabendo também que a gente não

pode fragmentar muito, porque no mundo globalizado ele não está isolado,

a coisa se tornou uma só. Mas eu acho que na hora de fazer a seleção de

conteúdos, deve-se levar em consideração o que é relevante para o dia-a-

dia do aluno, para que ele possa ter certa autonomia. O que não significa

que você vá excluir conteúdos. É importante que você tenha uma noção do

todo, mas de forma sintética. De repente, você tira os excessos, sem cortar

o essencial.

E a professora R.C. argumentou que:

Essa é uma questão que tem me incomodado bastante ultimamente. Aqui na

escola nós trabalhamos por objetivos... Eu me sinto engessada por esses

objetivos. Frequentemente estou atrasada em relação à quantidade de

objetivos e o tempo de que disponho. Tento escapar disso provocando

situações de seminários... Mas, eu acredito que ainda preciso refletir muito

sobre quais conteúdos selecionar para que eu tenha melhor resultado na

sala de aula. Como eu trabalho em uma comunidade escolar, eu tenho que

buscar respaldo para convencer a escola e os pais, da necessidade de

selecionar, porque é muito difícil você mexer em algo que já está

estabelecido. Mas, eu venho sim, buscando um embasamento teórico que

me permita estar forçando essa barra na escola.

Como podemos observar, em nenhuma das três respostas encontramos uma relação direta e

imediata entre a seleção de conteúdos e os objetivos definidos para o ensino de História.

Somente o professor R.D. ressaltou, entremeio à sua resposta, o desenvolvimento da

autonomia do pensar como critério de seleção de conteúdos, o que condiz com sua resposta

sobre a questão da finalidade do ensino de História. Todavia, de modo geral, parece que

nenhum dos professores observados utilizam como critério de seleção de conteúdos os

objetivos traçados para o ensino de História. Não que isso signifique uma crítica aos critérios

que eles utilizam, nem é esse meu objetivo. Entretanto, quero ressaltar que o texto citado

anteriormente dos PCN explicita que a seleção de conteúdos deve estar íntima e diretamente

ligada aos objetivos previstos para o ensino de História. Uma vez com os objetivos bem

definidos, selecionar os conteúdos se tornaria uma tarefa menos árdua, embora ainda

permanecesse complexa. Sobre essa questão, Bittencourt afirma que:

21

Esclareço que estarei usando formatação diferenciada entre as citações que faço de autores que contribuíram

para a construção teórica de meu trabalho e as dos professores que participaram de maneira empírica do mesmo,

a fim de possibilitar ao leitor um discernimento imediato dos possíveis sujeitos criadores do discurso.

Page 47: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

47

A seleção dos conteúdos escolares, por conseguinte, depende essencialmente de

finalidades específicas e assim não decorre apenas dos objetivos da ciência de

referência, mas de um complexo sistema de valores de interesses próprios da escola

e do papel por ela desempenhado na sociedade letrada e moderna

(BITTENCOURT, 2005, p.39).

Ou seja, essa relação direta entre finalidades do ensino e seleção de conteúdo não é abrangida

apenas no texto dos PCN, mas em estudos recentes da área e, mesmo os professores que

demonstraram um grau significativo de leitura e atualização, não explicitaram este ponto

crucial. Creio de fato que, um dos grandes empecilhos para que os professores estabeleçam

com mais clareza os critérios de seleção dos conteúdos, reside na dificuldade de precisar com

mais objetividade a finalidade do ensino de História ou, de inserir em sua prática esta

finalidade como eixo norteador do fazer cotidiano.

Retomando a análise dos PCN, nota-se que, influenciados pelas proposições temáticas da

Nova História e concepções pedagógicas construtivistas22

, o documento trabalha com eixos

temáticos para organizar o conteúdo da disciplina em cada ciclo. Para o Ensino Fundamental,

os autores sugerem quatro eixos temáticos. No 1º ciclo: História local e do cotidiano; neste

eixo os conteúdos deveriam enfocar, preferencialmente, diferentes histórias pertencentes ao

local em que o aluno convive, dimensionadas em diferentes tempos e, em seguida, em estudos

comparativos, distinguindo semelhanças e diferenças, permanências e transformações de

costumes, modalidades de trabalho, divisão de tarefas, organizações do grupo familiar e

formas de relacionamento com a natureza.

No 2º ciclo, o eixo sugerido é: História das organizações populacionais, onde os conteúdos

enfocam as diferentes histórias que compõem as relações estabelecidas entre a coletividade

local e as coletividades de outros tempos e espaços, contemplando diálogos entre presente e

passado e os outros espaços locais, nacionais e mundiais. Assim como no ciclo anterior,

prevalecem os estudos comparativos para a percepção das semelhanças e diferenças, das

permanências e das transformações das vivências humanas no tempo, em um mesmo espaço,

acrescentando as características e as distinções entre coletividades diferentes, pertencentes a

outros espaços.

Para o 3º ciclo, o eixo proposto é: História das relações sociais, da cultura e do trabalho, que

se desdobra em dois subtemas: “As relações sociais e a natureza” e “As relações de trabalho”.

22

A proposta temática para a área de História apresentada pelos PCN para o Ensino Fundamental aproxima-se

muito da proposta curricular paulista, elaborada em 1992, embora alguns autores, como Padilha (2005), façam

questão de ressaltar as diferenças existentes entre elas.

Page 48: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

48

O primeiro subtema sugere pesquisas e estudos históricos sobre as relações entre as

sociedades e a natureza. O segundo subtema sugere pesquisas e estudos históricos sobre como

as sociedades estruturam, em diferentes épocas, suas relações sociais de trabalho, como

construíram organizações sociais mais amplas e como cada sociedade organiza a divisão de

trabalho entre indivíduos e grupos sociais.

Para o 4º ciclo, o eixo é: História das representações e das relações de poder, que se

desdobra nos subtemas “Nações, povos, lutas, guerras e revoluções”, sugerindo estudos e

debates sobre os vários modelos de organização política, com destaque para a constituição dos

Estados Nacionais, a sua relação com o processo de organização e conquista de territórios e as

representações e mitos que legitimam a organização das nações e os confrontos políticos

internacionais, além de destacar estudos sobre contatos e confrontos entre povos, grupos

sociais e classes, diferentes formas de lutas sociais e políticas, guerras e revoluções. O

segundo subtema, “Cidadania e cultura no mundo contemporâneo”, sugere estudos e debates

sobre o processo de expansão e crises da cultura no mundo contemporâneo e das questões

pertinentes à cidadania na História.

No que diz respeito ao eixo temático do quarto ciclo, por abranger a série que me propus a

observar (8ª série), inseri algumas questões na entrevista como, por exemplo, a definição de

representação, por parecer-me crucial frente à proposta apresentada pelos PCN. A professora

R.C. disse que “não saberia definir o termo representação tampouco o emprego que o

documento faz do mesmo ao inseri-lo no eixo temático do quarto ciclo”. O professor R.D.

afirmou “não ser capaz de definir representação a não ser sobre a forma de representação de

poder em um determinado regime político”. A professora A.M. relaciona “representação com

mitos de legitimação”. Partindo do pressuposto que os três professores afirmaram ter uma

grande influência dos PCN em sua prática cotidiana, apesar das ressignificações que fazem do

mesmo, como avaliar a aplicabilidade ou não de um eixo temático que toma como

fundamento um conceito que desconhecem, ao menos no sentido que o documento o

emprega? Ademais, o termo representação não é utilizado apenas na definição do eixo

temático do quarto ciclo. Ele também aparece na distinção que o texto faz entre o saber

científico e o saber escolar, atribuindo, em grande medida, as especificidades do saber escolar

às representações que professores e alunos têm de si e do mundo. Um conceito como este não

poderia ter passado despercebido de uma leitura que se pretendesse crítica e analítica. Cabe

assim, uma reflexão maior sobre o grau de envolvimento dos professores com o discurso da

proposta, bem como de sua habilidade de análise consciente.

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49

As proposições apresentadas para a História no conjunto dos Parâmetros Curriculares

Nacionais trazem, na sua essência, a idéia de que esta disciplina desenvolva nos alunos a

autonomia intelectual e o pensamento crítico, tentando afastar-se da sua missão de incutir nas

consciências uma narrativa única glorificando a nação. Todavia, esta leitura dos PCN de

História pode ser “ingênua” tendo em vista o hibridismo de seu discurso e a ambigüidade de

suas idéias (LAVILLE, 1999-a).

Ademais, penso que os objetivos gerais propostos para a área de História, mesmo sendo

positivos, parecem ser um tanto ambiciosos para um referencial curricular mínimo,

principalmente em se tratando de alunos em seus primeiros oito anos de escolaridade. Creio

que todos os pontos arrolados nas páginas do documento de História seriam muito

apropriados para um curso superior de História.

Além disso, é necessário pensarmos os professores de História como personagens “ocultos”

do texto. Seria essa proposta viável em um sistema educacional em que os professores, em sua

maioria, têm cargas horárias excessivas, baixos salários, péssimas condições de trabalho,

formação deficiente e poucos recursos para realizarem investimentos intelectuais e culturais?

Como ser um professor de História produtor de saberes atrelado a uma estrutura que cria

níveis de concretização hierarquizados para a construção de projetos educativos23

? Ao

professor é atribuída uma série de tarefas, mas não se propõe discutir aspectos significativos

de sua formação profissional e de sua prática, apesar dessa necessidade ter sido apontada

pelos pareceristas que analisaram a proposta inicial do documento. Constrói-se, de forma

fechada, um modelo do que venha a ser um “bom professor de História” nessa nova

perspectiva historiográfica e pedagógica, e só. Segundo Juçara L. Leite, Joséte L. Leite e

Maria A. D’Avila Couto e Silva (2000), ao atribuir ao professor papel decisivo na execução

de proposta tão ousada sem ofertar-lhe as condições necessárias, a noosfera estaria

transferindo a estes sujeitos, sob o discurso da autonomia e da qualidade, a responsabilidade

de viabilização com êxito ou fracasso, sendo que este último já é esperado em função das

condições existentes (LEITE; LEITE e SILVA, 2000). Este é um dos pontos que abordo em

minha pesquisa ao analisar como, diante de tal quadro, os professores se apropriam dos PCN

para construir o saber histórico escolar.

23

O primeiro nível de concretização refere-se à elaboração dos PCN pela Secretaria de Ensino Fundamental

(SEF) do MEC. O segundo nível acontece na esfera das secretarias estaduais e municipais de educação, que

poderão adotar ou não os PCN. O terceiro nível cabe às escolas, que irão decidir se incorporarão ou não as

propostas do documento. E o quarto nível é que cabe ao professor, na efetivação dos PCN em sala de aula.

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50

Em linhas gerais, os PCN representam a constituição de um novo discurso sobre o papel da

educação, da escola, do professor, do aluno e da História. Instituem-se novos modelos para a

sociedade que, mais do que inclusões, realizam também exclusões tendo em vista, entre

outros fatores, as desigualdades estruturais e qualitativas de nossas escolas. Entram “novos”

personagens nessa História, outros saem, alguns ficam escondidos nas entrelinhas, dando

continuidade aos “silêncios da História”. Mesmo conhecendo todas as limitações desta

pesquisa, acredito que por meio dela, eu possa no mínimo, reduzir esses silêncios e dar voz a

um personagem tão pouco investigado quando se trata de historicizar a produção do saber

histórico escolar, tendo para vias de análise um documento oficial.

1.2.1 – A interface “Parâmetros Curriculares Nacionais” e “currículo”: uma

possibilidade para além da epistemologia conceitual

Os currículos constituem o instrumento mais significativo no que diz respeito à intervenção

do Estado no ensino, o que implica, em última análise, na utilização de um dispositivo formal

visando à formação intelectual da clientela escolar segundo os interesses dos que se

encontram representados no poder.

Mais do que uma proposta puramente epistemológica, os currículos escolares revelam, no

interior de seu texto, um contexto social, econômico, cultural e político. Logo, sua pretensa

neutralidade como um “mero” e “ingênuo” veículo de transmissão desinteressada do

conhecimento social, deve ser redimensionada, situando este documento em uma esfera de

relações de poder que lhe imprime dinâmica e parcialidade. Conforme nos lembra Bittencourt

(2004) o conhecimento, há muito, vem sendo um instrumento de poder de determinados

setores da sociedade de modo que, guardadas as devidas proporções, a escola assume um

papel de manutenção dos privilégios frente às desigualdades sociais que imperam24

.

Dessa forma, uma análise de qualquer proposta curricular, não pode ceder aos encantos de

perceber o processo de seleção e organização do saber escolar como tão somente um processo

epistemológico em que intelectuais, acadêmicos, cientistas e educadores desinteressados e

24

Não se trata aqui da visão pessimista dos crítico-reprodutivistas, mas da percepção de que o currículo é

portador de um discurso sócio-político permeado de determinações e objetivos implícitos e explícitos.

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imparciais ditam, por ato de dedução lógica e filosófica, aquilo que melhor convém ser

ensinado. Pois, como diz Silva:

Não podemos mais olhar para o currículo com a mesma inocência de antes. O

currículo tem significados que vão além daqueles aos quais as teorias tradicionais

nos confirmaram. O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é trajetória,

viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida, curriculum vitae: no

currículo se forja nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O

currículo é documento de identidade (SILVA, 2002, p. 150).

Faz-se necessário reconhecer, assim, para uma ação educativa consciente, que o currículo é

uma construção social, vinculada a um contexto específico, portador de determinantes nobres

tanto quanto da necessidade de legitimação e de controle. Este processo de construção

consiste, na maioria das vezes, num amálgama de conhecimentos “científicos”, de crenças, de

expectativas e de representações sociais que imprimem à proposta orientações paradoxais.

Devemos ter em mente que a luta para definir um currículo envolve prioridades sócio-

políticas e discursos de ordem intelectual. Por meio dele se estabelecem modelos de

professores, de alunos, de escola; se (re)configura o mercado cultural do livro didático; se

propõe uma identidade individual e coletiva; se propicia inclusões e exclusões. Para Abud,

Através dos programas curriculares divulgam-se as concepções científicas de cada

disciplina, o estado de desenvolvimento em que as ciências de referência se

encontram e, ainda, que direção devem tomar ao se transformar em saber escolar.

Nesse processo, o discurso do poder se pronuncia sobre a educação e define seu

sentido, forma, finalidade e conteúdo e estabelece, sobre cada disciplina, o controle

da informação a ser transmitida e da formação pretendida. Assim, a burocracia

estatal legisla, regulamenta e controla o trabalho pedagógico (ABUD, 2004, p.28).

Todavia, o que está prescrito no currículo formal não é necessariamente o que se efetiva na

sala de aula no currículo real. Trata-se de um documento produzido por determinados sujeitos,

os quais poderíamos fazer uma analogia com o que Chevallard denominou de noosfera, ou

seja, sujeitos externos ao universo da escola como técnicos, especialistas, cientistas e outros.

Este documento, por sua vez, é destinado à apropriação de outros sujeitos, distintos e

heterogêneos, imersos em realidades objetivas e subjetivas, epistemológicas, culturais e

políticas que irão interferir diretamente na sua prática.

Esta constatação torna apropriado aqui, mencionar Chartier e seu trabalho sobre leitura e

apropriação de textos. Segundo este autor, a leitura não é o resultado de um funcionamento

lingüístico puro, mas resultado da interação entre texto e leitor, na qual não se pode ignorar as

variadas e irredutíveis experiências do leitor, pois estas atuam na apropriação que o mesmo

faz do texto em questão. A leitura é prática cultural integrante do processo de comunicação

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social, decorrente do diálogo estabelecido entre o texto e o leitor, em um processo de

construção de sentidos. Segundo Chartier,

A leitura é sempre apropriação, invenção, produção de significados [...].

Apreendido pela leitura, o texto não tem de modo algum – ou ao menos totalmente

– o sentido que lhe atribui seu autor, seu editor, seus comentadores. [...] o leitor

desloca e subverte aquilo que o livro lhe pretende impor. Mas essa liberdade leitora

não é jamais absoluta. Ela é cerceada por limitações derivadas das capacidades,

convenções e hábitos que caracterizam, em suas diferenças, as práticas de leitura

(CHARTIER, 1999, p. 77).

Assim, o currículo prescrito é um texto que se dá a ler pelos diferentes sujeitos que dele se

apropriam, incorrendo na possibilidade de resignificações, tendo em vista que o leitor é um

autor em potencial, capaz de subverter a ordem do texto.

Na mesma direção, Certeau defende a subjetividade da prática da leitura, desmistificando a

idéia de tratar-se de um ritual de passividade e renúncia do leitor perante o texto. A leitura

seria a peregrinação por um território (o texto) do outro (o autor). Logo, ao pensarmos uma

análise do currículo ou qualquer outro texto, devemos considerar as manifestações de

liberdade do leitor, mesmo que esta seja parcial.

Partindo desse pressuposto, minha pesquisa procura analisar como, mediante a prática cultural

da leitura, os professores de História se apropriaram da proposta curricular e metodológica

contida nos Parâmetros Curriculares Nacionais, de modo a resignificá-la na efetivação do

cotidiano escolar.

Para tal análise, não posso ignorar um outro aspecto de diferenciação entre o currículo

prescrito e o currículo em ação. Enquanto o primeiro opera no universo do “ideal”, do

“pretendido”, o segundo atua em um universo complexo, repleto de diversidades e

contradições. Nesse sentido, Abud observou que os currículos

[...] não relativizam a realidade e trabalham com a ausência de rupturas e resistências.

As dificuldades e obstáculos do cotidiano estão ausentes dos textos. Os currículos e

programas das escolas públicas, sob qualquer forma que se apresentem (guias,

propostas, parâmetros), são produzidos por órgãos oficiais, que os deixam marcados

com suas tintas, por mais que os documentos pretendam representar o conjunto de

professores e o interesse dos alunos. E por mais que tais grupos reivindiquem

participação na elaboração de instrumentos de trabalho, ela tem se restringido a

leituras e discussões posteriores à sua publicação (ABUD, 2004, p.29).

Mesmo com todas as críticas direcionadas aos currículos nas suas mais variadas formas, não

podemos negligenciar que é por meio destes textos, e dos discursos neles contidos, que se

estrutura e organiza o ensino de História no Brasil, quer no sentido de aceitação, de

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resignificação ou de negação. Assim sendo, pretendendo-se realizar uma análise do ensino de

História efetivado na sala de aula, torna-se imperioso analisar a proposta oficial que norteia a

organização e estruturação desta disciplina. Pois, a liberdade de resignificação que o

professor/leitor possui diante do documento/texto é sempre relativa, de modo que, em alguma

medida, haverá sempre uma relação entre o texto proposto e a leitura praticada. Por mais que

se dê ênfase ao currículo real ou, no caso específico de minha pesquisa, à História ensinada,

seria ingenuidade negar a relação desta com o currículo formal ou com a História a ser

ensinada. O próprio Chartier nos alerta para esta questão ao lembrar que:

Por um lado, a leitura é prática criadora, atividade produtora de sentidos singulares,

de significações de modo nenhum redutíveis às intenções dos autores de textos ou

dos fazedores de livros: ela é uma ‘caça furtiva’, no dizer de Michel de Certeau. Por

outro lado, o leitor é, sempre, pensado pelo autor, pelo comentador e pelo editor

como devendo ficar sujeito a um sentido único, a uma compreensão correta, a uma

leitura autorizada. Abordar a leitura é, portanto, considerar, conjuntamente, a

irredutível liberdade dos leitores e os condicionamentos que pretendem refreá-la

(CHARTIER, 1990, p. 123).

Partindo desse pressuposto, faz-se imperioso ressaltar as estratégias utilizadas no documento

para imprimir a leitura desejada aos leitores que dele se apropriarem, caso contrário

incorreríamos na ingenuidade de negar a consciência de seus produtores, a respeito das

múltiplas possibilidades de leitura uma vez que os PCN se inscrevessem no cotidiano escolar.

Por isso, ao falarmos da interface PCN e currículo por meio da historicização das propostas

curriculares, devemos atentar para o histórico jogo de estratégias e táticas que se imprime na

trajetória desta relação entre currículo formal e currículo real.

Como já foi dito anteriormente, no fim dos anos 80 e 90, os historiadores brasileiros,

influenciados pela Nova História francesa e pela História Social inglesa, voltaram-se para a

elaboração de novas problemáticas e temáticas de estudo, apontando para a possibilidade de

alterar o formalismo da abordagem histórica em vigor no ensino de 1º e 2º graus, denominada

“tradicional”. Ampliavam-se assim o leque temático, as fontes, os sujeitos, as temporalidades,

a noção de documento... Sobretudo após a História Cultural, vertente com a qual trabalhei

para realizar a abordagem epistemológica da minha pesquisa e a qual dedicarei um tópico

específico para comentá-la, ter adentrado no cenário acadêmico e, consequentemente,

chegado às escolas pelo processo de mediação que origina a História ensinada.

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A partir dessa abertura para se repensar o ensino de História, professores e pesquisadores

começaram a repensar não somente os currículos, mas também a escola25

, os livros didáticos e

os conteúdos estabelecidos de forma vertical pelas autoridades educacionais. Paulatinamente,

o sentimento de impotência foi suplantado pelo desafio de pensar e implantar o novo. Assim,

a apresentação de um processo histórico com acontecimentos seriados num eixo espaço-

temporal eurocêntrico, guiado por viés evolutivo etapista, que relegava professor e aluno à

condição de espectadores da História, apresentada sempre como verdade absoluta e acabada,

deu lugar à chamada “História Crítica”. Esta, por sua vez, tinha a pretensão de desenvolver

nos alunos atitudes intelectuais de desmistificação das ideologias, permitindo a análise das

manipulações dos meios de comunicação de massas e da sociedade de consumo26

.

Nesse contexto, envolvidos pelos debates sobre a Reforma dos Currículos, pelas novas

abordagens historiográficas e pelas novas experiências didáticas27

, professores de História

começaram a denunciar a inviabilidade de transmitir aos alunos o conhecimento de toda a

história da humanidade em todos os tempos. Alguns indagaram se deveriam iniciar o ensino

pela História Geral ou pela História do Brasil, sendo que alguns optaram por trabalhar com a

História Integrada, integrando em um processo contínuo e seqüencial conteúdos da

Antiguidade aos dias atuais. Outros optaram por iniciar o ensino de História pelo “olhar” dos

povos americanos, partindo de uma crítica à visão histórica eurocêntrica. Alguns ainda

propuseram trabalhar com uma História Local e Regional, no intuito de partir do que está

próximo ao aluno. Uma outra parte, empolgados com a experiência paulista de organizar o

ensino por temas e eixos-temáticos, optou por trabalhar com a História Temática, dando

espaço para um amplo debate sobre questões relacionadas ao tempo histórico, à linearidade e

progressividade, noções de evolução, progresso...

Para Guimarães Fonseca (2005), a questão da seleção de conteúdos de História é muito mais

profunda, tendo seu alicerce em mudanças estruturais históricas, quando da universalização

do direito à educação escolar, houve a ampliação do acesso às escolas públicas no Brasil que,

até então, destinavam-se às elites, gerando um cenário de desigualdades sociais que refletiam

diretamente no rendimento escolar, haja vista que a organização curricular atendia aos

interesses dessas elites. Este quadro gerou uma série de pesquisas com o objetivo de estudar

as relações escola, cultura e classes sociais. Em outras palavras: Que conteúdos culturais

25

Categoria que tratarei de modo mais específico e profundo no devido momento. 26

Esta vertente explicativa estrutura-se no neomarxismo que chegou ao Brasil em meados dos anos 70 e nos

anos 80. 27

Sobretudo das aproximações com os estudos de Piaget e Vygotsky.

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selecionar para trabalhar com uma clientela social, econômica e culturalmente heterogênea?

Conforme a própria autora,

[...] se o objetivo da instituição escolar é promover o acesso de todos os homens aos

bens culturais, a pergunta que os educadores do mundo inteiro têm feito, com

palavras diferentes, é a seguinte: que conteúdos são adequados e aceitos nessa

escolaridade comum destinada a uma base social tão heterogênea? [...] quais os

elementos da cultura que devem ser transmitidos? Como realizar uma seleção de

conhecimentos “representativa” dos diversos setores e visões sociais que respeite e

valorize as diferenças culturais dos alunos? O que vale a pena ser transmitido da

cultura comum? Quais conteúdos e práticas as escolas devem desenvolver para que

as minorias culturais se sintam acolhidas?

Sem dúvida, aí reside a grande disputa teórica e política existente em torno dos

processos de elaboração de currículo, especialmente de história. Estamos,

permanentemente, debatendo e indagando: o que da cultura, da memória, da

experiência humana devemos ensinar e transmitir aos homens em nossas aulas de

história? O que é significativo, válido e importante de ser ensinado da história do

Brasil e do mundo? O que e como ensinar nas aulas de história? Para quê? Por quê?

(G. FONSECA, 2005, p.31-32).

São questões como essas que permearam e permeiam a discussão e a construção das propostas

curriculares de História nos estados e municípios brasileiros ao longo de nossa história. A

Constituição de 1988 ao estabelecer um núcleo comum mínimo e uma parte diversificada que

atenda às diversidades locais e regionais, amplia ainda mais as possibilidades de inovações

curriculares.

Acompanhando a questão do que ensinar, aparece também a questão sobre o como ensinar,

tendo em vista novas pesquisas no âmbito das ciências pedagógicas, especialmente no campo

da psicologia social e cognitiva. A difusão, no Brasil, dos estudos de Piaget e Vygotsky sobre

o processo de ensino-aprendizagem, considerando o aluno participante ativo do processo de

construção do conhecimento, traz uma nova perspectiva para o ensino de História, passando a

valorizar as atitudes do sujeito como “construtor” de sua História. Estes pressupostos

implicam não só em uma mudança de abordagem histórica, mas na reformulação de toda uma

metodologia de trabalho, pois segundo Cruz,

[...] uma nova concepção de ensino fundamentada principalmente nas teorias de

Piaget e Vygotsky, a concepção construtivista fornece subsídios para a superação

das aulas expositivas como metodologia exclusiva, apontando caminhos para um

ensino que estimule o desenvolvimento cognitivo dos alunos em direção a níveis

qualitativamente superiores. A contribuição de Vygotsky, no que se refere à

aprendizagem dos conceitos científicos e sua relação com os chamados conceitos

espontâneos, já se constitui uma referência para a renovação do ensino de História.

Interpretar o ensino de História como fornecedor de conceitos que facilitam a

compreensão do mundo e que contribui para a construção de estruturas complexas

pode ser considerado uma verdadeira revolução paradigmática, pois cria um novo

modelo de ensino no qual já não cabem os nomes e datas para serem decorados,

nem fatos fragmentados que em nada contribuem para a compreensão dos

complexos problemas da vida do homem em sociedade (CRUZ, 1999, p. 75).

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56

Ou seja, neste contexto, organizar uma proposta curricular não implica apenas selecionar

conteúdos, mas também escolher suportes teóricos e metodológicos para trabalhar, da melhor

maneira possível, tendo em vista o objetivo final da disciplina (Para que ensinar?), os

conteúdos selecionados. Deve haver uma relação de correspondência entre a seleção

conteudista e a adoção de uma metodologia de trabalho, pois a prática do cotidiano escolar

não pode contradizer o discurso historiográfico pretendido.

Circe Bittencourt (1988), em estudos abrangendo as propostas curriculares de História

produzidas entre 1985 e 199528

, em diferentes Estados brasileiros, constatou, além da

diversidade de abordagens historiográficas e teórico-metodológicas, a preocupação em

explicitar nos próprios textos, o percurso supostamente “democrático” que teria marcado sua

concepção. Isso porque, os destinatários dessas propostas, saindo de um longo período de

ditadura militar, não se submetiam a imposições hierárquicas ou a efetivação de propostas das

quais sentiam-se, mesmo que textualmente apenas, alijados do processo de elaboração. Dessa

forma, fazia-se necessário incutir na apresentação da proposta, seja ela qual fosse, um tom de

construção democrática, o que gera um discurso quase que obrigatório para qualquer projeto

que pretendesse contar com a adesão do destinatário final. Logo, o próprio processo de

elaboração dos PCN, conforme o MEC descreve ter ocorrido, configura já como uma

estratégia cuja finalidade era conquistar a adesão de um sujeito que saía de um sistema

repressor onde sua participação era vetada constantemente.

Em linhas gerais, um dos grandes problemas apontados por Bittencourt na maioria dessas

propostas é que elas não abordam problemas estruturais do sistema de ensino, como a

formação inicial e continuada dos professores, a questão salarial, as condições de ensino.

Assim, as propostas trabalham com a concepção do professor intelectual-pesquisador e,

mesmo sabendo que este não é o perfil do profissional em questão, nenhuma delas, inclusive

os próprios PCN, menciona a necessidade de alterar qualitativamente a formação e as

condições de trabalho dos professores. Sem tais reformas, qualquer proposta curricular

inovadora está fadada ao insucesso. O modelo de professor idealizado nessas propostas não

corresponde ao quadro real do subemprego, das jornadas duplas de trabalho, da falta de

28

Esse estudo das propostas curriculares de História elaborada por Bittencourt serviu de referência para a

elaboração de um relatório em 1996 com fins à formulação dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino

Fundamental. Consta em Circe M. F. Bittencourt, “Propostas Curriculares de História: continuidades e

transformações”, In: Elba Siqueira de Sá Barreto (org.). Os Currículos do Ensino Fundamental para as Escolas

Brasileiras. São Paulo: Autores Associados/Fundação Carlos Chagas, 1988.

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recursos para freqüentar um teatro, o cinema, ir a uma exposição, visitar um museu ou lugar

histórico ou até mesmo comprar um livro e ter acesso à tecnologia e internet.

Prosseguindo nossa análise com vistas à interface currículo e PCN, destacamos que a Lei de

Diretrizes e Bases de 1996 determina uma nova divisão para os níveis escolares em: educação

básica (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) e educação superior. No texto

da Lei, a educação básica tem a finalidade de “desenvolver o educando, assegurando-lhe a

formação comum indispensável para o exercício da cidadania e lhe fornecer meios para

progredir no trabalho e em estudos posteriores”. Para o cumprimento dessa finalidade, a Lei

determina como competência da União estabelecer os currículos do ensino fundamental e

médio, que devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de

ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características

regionais, sociais, culturais e econômicas, priorizando as especificidades da clientela. Este

dispositivo da Lei nº 9.394/96 viabilizou a implantação de uma proposta curricular já em

curso, denominada Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), como proposta não-obrigatória,

flexível e dinâmica, que teria como prioridade orientar a formulação de uma proposta que

atendesse às exigências da LDB bem como as particularidades de cada local e clientela.

Assim, segundo o texto, os PCN seriam necessários para garantir os princípios democráticos

de uma sociedade permeada por tanta diversidade cultural, regional, ética, política e religiosa.

Seria a maneira de respeitar a diversidade e, paralelamente, orientar a construção do núcleo

comum exigido. Esta argumentação é justamente um dos pontos criticados pelos vários

intelectuais que se debruçaram sobre os PCN. Pablo Gentilli e Tomaz Tadeu Silva (1996)

dizem que o documento se contradiz ao se afirmar como não-obrigatório e justificar sua

existência pela necessidade da manutenção de um núcleo comum. Também criticam o

detalhamento exagerado para uma proposta que se pretende como parâmetro e não como

modelo a ser seguido, podendo inclusive ser tratado como Currículo Nacional. Segundo

Gentilli e Silva,

O detalhamento e desdobramento efetuado nos documentos que descrevem as

diversas áreas de estudo não caracterizam simples parâmetros, entendidos como

princípios muito gerais a serem seguidos por currículos elaborados a nível local. Os

PCN, na verdade, especificam minuciosamente conteúdos, objetivos, formas de

avaliação e até mesmo metodologias (ou “orientações didáticas”, como quer o

documento ministerial). Na verdade, seria possível caracterizar os presentes

parâmetros não apenas como Currículo (Nacional), mas até mesmo como um

grande e nacional Plano de Ensino (GENTILLI; SILVA, 1996, p.112-113).

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Embora os PCN afirmem tratar-se de um documento aberto e flexível, esse discurso não

condiz com seu conteúdo, no qual se mantém uma estrutura hierárquica e centralizadora, com

diferentes níveis de concretização, impondo-se de maneira vertical e burocrática sobre a

escola e, principalmente, sobre o professor, fazendo deste um cumpridor de tarefas “pré-

estabelecidas”. Neste sentido, Abud (2004) ao analisar os PCN e sua criação, diz que, no caso

específico da História, ele veio alijar da discussão seus principais agentes: alunos e

professores. Mais uma vez estes foram vistos como objetos incapazes de construir sua própria

história, bem como elaborar um saber próprio. Ou seja, os PCN proclamam um discurso

negado na essência do próprio documento.

Ademais, Gentilli e Silva apontam ainda para outras questões ignoradas pelos PCN, como a

utilização de termos que carecem de uma definição, por exemplo, “qualidade”. O documento

afirma ser um instrumento de busca pela qualidade no ensino; todavia não define a noção de

qualidade como se esta fosse consenso, ignorando inclusive o embate atual entre qualidade

total (de cunho neoliberal) e qualidade social (de cunho humanista). O mesmo ocorre com os

termos “parâmetro”, “cidadão” e outros. Ao naturalizar tais conceitos ele reveste o discurso de

uma autoridade que inibe estes questionamentos.

De igual forma a idéia de um Currículo Nacional é questionada não só pelos já citados

autores, mas por Selva Guimarães Fonseca e vários outros, embora em medidas diferentes e

sob diferentes focos. Fonseca, por exemplo, traz o questionamento de que tentar implantar um

Currículo Nacional é furtar-se ao debate corrente na teoria do currículo, onde analisa-se o

currículo formal e sua crescente distância do currículo real, experienciado por alunos e

professores no cotidiano escolar. Já Gentilli traz a questão de que apontar a existência de um

Currículo Nacional como alternativa para solucionar os problemas de evasão e repetência é

negar a real origem dos mesmos, violando a força dos aspectos sociais, culturais e

econômicos na efetivação da aprendizagem (conseqüentemente do ensino, já que ambos são

integrantes do mesmo processo).

Concordo com esses autores e creio que poderíamos elencar outros tantos problemas para que

a proposta dos PCN fosse tida como inviável no contexto de nosso sistema educacional.

Todavia, vejo que o documento traz também algo de positivo enquanto sugestão de

ressignificações no ensino da História. É preciso que nós, professores, nos apropriemos desta

proposta no intuito de extrair o que de melhor ela contém, potencializando seus possíveis

avanços e exortando seus equívocos. Mediante uma leitura criteriosa e reflexiva, se pode

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extrair do discurso que os PCN encerram, novas formas de figurar a História ensinada.

Todavia, para tanto, exige-se um comprometimento do professor em reconhecer-se como

sujeito de ação, mesmo que esta ação restrinja-se às táticas anônimas daqueles que não

possuem um lugar de poder, mas que pelas artes de fazer efetivadas em seu cotidiano, burla o

poder instituído jogando com astúcias que lhes são conferidas pelo próprio elemento que

pretende normatizá-lo.

Dando continuidade à empreitada pretendida (analisar a proposta dos PCN), no que diz

respeito à postura pedagógica, notamos que os PCN alicerçam sua proposta nas perspectivas

da Pedagogia Crítico Social dos Conteúdos, buscando a reposição do papel do professor como

mediador do processo de construção do conhecimento. Todavia, pauta-se nos princípios

construtivistas como uma concepção de ensino-aprendizagem em que o conhecimento não é

tido como algo pronto e acabado, mas como provisório e complexo, necessitando de

constantes reorganizações através de sucessivas aproximações. Por este pressuposto,

professores e alunos se diferenciariam pela sua maior ou menor experiência com o saber.

Novamente, ao adotar essa postura, os PCN ignoram não só o perfil real do professor como

nega sua subjetividade e autonomia, ferindo, assim, dois princípios democráticos garantidos

por lei: o direito ao pluralismo de idéias e ao pluralismo de concepções pedagógicas. Ambos

são negados ao professor nas entrelinhas dos textos que compõem o documento. Vale aqui

ressaltar que essa interpretação é possível tendo em vista que os professores atuantes no

sistema educacional são plurais nas suas individualidades, subjetividades, concepções de

ensino e experiências de vida. Como postular uma prática única diante de tanta diversidade?

A mera alegação da não-obrigatoriedade do documento, em uma realidade tão carente de

alternativas para os docentes, não é argumentação satisfatória. Ademais, frente à realidade de

formação e atuação do professor de História, em especial o que atua de 1ª à 4ª série que não é

especialista, a proposta dos PCN é por demais complexa, dificultando até mesmo o

entendimento e por conseguinte, a implementação da mesma. Assim, a estrutura adotada seria

adequada às necessidades se não se chocasse, tão brutalmente, com a realidade do sistema

educativo brasileiro. Trata-se de uma estrutura muito complicada e sofisticada para um (?!)

sistema caótico e fragmentado que não oferece as condições mínimas necessárias para que o

professor realize um trabalho que alcance a excelência necessária.

Mas, sem sombra de dúvidas, todos os críticos do documento, afirmam em uníssono que o

calcanhar de Aquiles da proposta é que, pelo excesso de detalhamento e recorrente recurso a

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uma retórica imperativa, os PCN cerceiam a autonomia do professor e a liberdade de ensino

apregoada nos textos do documento. Como nos lembrou Paulo Freire, a educação é uma

prática dialógica e libertadora. Sendo assim, o importante na ação educativa é que os homens

sintam-se sujeitos de seu pensar, discutindo-o dentro de sua própria visão de mundo. Logo,

concordo com as críticas direcionadas nesse sentido, mas acredito nas possibilidades de ação

dos professores por meio de astúcias táticas, jogando no terreno do inimigo, valendo-se das

armas do mesmo e criando uma autonomia relativa geradora de fazeres e saberes que

extrapolam as salas de aula.

Em sua estrutura organizativa e discursiva, os PCN trazem como inovação, objetivos que

indicam capacidades relativas aos aspectos cognitivo, afetivo e ético. Tais objetivos se

desdobram em conteúdos escolares que vão além dos fatos e conceitos, incluindo

procedimentos, valores, normas e atitudes. Isso porque o documento redefiniu o enfoque do

que venha a ser conteúdo escolar; os conteúdos, ao invés de um fim em si mesmos, são meios

para que os alunos desenvolvam as capacidades que lhes permitam produzir bens culturais,

sociais e econômicos e deles usufruir. Dessa forma, os conteúdos passam a ser pensados e

abordados a partir de três categorias: os conceituais, que envolvem a abordagem de conceitos,

fatos e princípios, fornecendo ao aluno a utensilagem epistemológica necessária e adequada;

os conteúdos procedimentais, referentes aos procedimentos próprios da disciplina (saber-

fazer), a fim de que o aluno adquira certa autonomia na busca e construção de seu saber; e os

conteúdos atitudinais, que envolvem a abordagem de valores, normas e atitudes, que

permeiam o saber histórico escolar a fim de que, após trabalhar determinado tema, o aluno

posicione-se social e politicamente.

Muitos críticos disseram não haver novidade alguma na inserção de procedimentos e atitudes

na ação educativa, pois seria difícil admitir que, algum dia, o ensino tenha deixado de tratar,

no seu fazer cotidiano, tais aspectos. Entretanto, talvez a novidade estivesse no fato de, a

partir de então, a escola assumir de forma declarada e sistematizada, o ensino de valores,

procedimentos e normas. Até então ela o teria feito de forma velada e, talvez, por parte de

alguns, inconsciente. Já outros vêem de forma diferente essa abordagem, dizendo que ela não

só centra-se no conteúdo, como apresenta-o de forma fragmentada, dividindo-o em três

dimensões, com o intuito de neutralizar a centralidade dos conteúdos. Ainda dentro desta

visão, os Temas Transversais teriam esta mesma função, além de extinguir o isolamento entre

as áreas que, em um sistema educativo de fato, não deveria ocorrer.

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Além dos objetivos, dos conteúdos e da metodologia, os PCN versam sobre a avaliação e seus

critérios norteadores. Segundo seu texto, a avaliação é considerada como elemento

favorecedor da melhoria da qualidade da aprendizagem, deixando de funcionar como arma

contra o aluno. É assumida como parte integrante e instrumento de auto-regulação do

processo de ensino-aprendizagem, para os objetivos propostos a serem atingidos. A avaliação

diz respeito não só ao aluno, mas também ao professor e ao próprio sistema escolar.

É interessante como os professores se manifestaram frente à questão da avaliação. Todos

demonstraram inquietude com relação ao que e como avaliar, a fim de não cometer injustiças

nem criar falsas expectativas. Como atender a um sistema que parece valorizar cada vez

menos a qualidade do ensino, colocando em primeiro plano as avaliações às quais os alunos

são submetidos ao final do curso com vistas a futuros financiamentos, sem entrar em conflito

com nosso comprometimento profissional e social? Vejamos o que os professores disseram

sobre esta questão.

O Professor R.D. afirmou que:

A avaliação é uma questão complicadíssima, porque por mais que eu tenha

condições de perceber o que meu aluno aprendeu ou não, a avaliação está

muito ligada, ainda, à questão de indicativos, números, instrumentos

palpáveis. Então, mesmo que na teoria eles digam que ela é muito

subjetiva, na prática o sistema exige a materialização objetiva do

conhecimento. E você percebe isso com mais clareza hoje do que na época

de implantação dos PCN. Porque os PCN davam uma abertura muito

grande no que diz respeito à avaliação. Você poderia fazer a avaliação das

formas mais variadas possíveis, levando em consideração as diferentes

habilidades dos alunos. Mas o próprio aluno está muito moldado pela idéia

de avaliação tradicional, de modo que o professor que inova, acaba sendo

visto pelo aluno como um “bobo”, aquele que não cobra; quando na

verdade ele está sendo mais eficaz; mas, como outros não agem assim, lê

acaba sendo visto como algo estranho lá dentro. No calor da chegada dos

PCN houve um avanço neste sentido; mas hoje há um retrocesso, sobretudo

por parte das instituições, que vêem essa abertura dos PCN como “fazer

qualquer coisa”, “tapar o sol com a peneira”, ou seja, dar qualquer

trabalhinho para que o aluno passe para a série seguinte.

Dessa forma, percebe-se a relação que o professor estabelece entre avaliação e PCN,

atribuindo a este último a possibilidade de ampliação na forma de avaliar, mas em virtude de

um contexto, foi apropriada indevidamente pela instituição que está se valendo dessa

“abertura”, como ele mesmo denominou, para reduzir os índices de médias vermelhas e de

reprovações. Além disso, a conformidade do aluno à avaliação tradicional e a não adesão dos

colegas às inovações buscadas por ele, forçaram o professor a retornar ao sistema avaliativo

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mais comum, com provas e apresentações de trabalhos que, na maioria das vezes, são

declamações de trechos e/ou frases decoradas do próprio livro didático. Todavia, apesar desta

declaração, presenciei em suas aulas situações diversificadas de avaliação, como a verificação

realizada ao final de cada etapa da elaboração de um “caderninho” sobre a crise de 1929 e a

ascensão dos regimes totalitários. É claro que também presenciei a aplicação de provas, mas

estas não se identificavam com o tradicional esquema de perguntas e respostas ou com um

marque X sem objetivo e aprofundamento. Pelo contrário! Suas provas eram compostas por

atividades que contemplavam diferentes formas de raciocínio e habilidades dos alunos,

possibilitando demonstração livre do que eles haviam aprendido sobre o tema, bem como a

exposição de opiniões sobre o mesmo.

A professora R.C., quando questionada sobre avaliação, afirmou que:

Tenho buscado inovar minhas formas de avaliar, trabalhando com outros

instrumentos como visita a campo, interpretações de textos e obras

clássicas e acho que tudo isso tem influência dos PCN e de autores que

tratam do assunto, embora eu esteja em dívida com eles. Até quando eu dou

a famosa prova, eu venho modificando um pouco. Por exemplo: tem prova

que eu digo que vai poder colar, mas cada aluno tem que produzir sua

própria cola; porque eu acho que é uma forma de transformar este

momento em um momento de aprendizagem também. Ou então eu elaboro

uma prova mais interpretativa e crítica e deixo trabalhar em dupla ou fazer

em casa... Enfim, acho que estou buscando. Mas, algo que me incomoda é

que a avaliação, que deveria ser um momento de reflexão sobre minha

prática e seu resultado no processo ensino-aprendizagem, por questão de

tempo, tem se transformado em conclusão de assuntos. Eu até tentei

trabalhar com um levantamento estatístico, buscando verificar quantos

alunos erraram determinada questão, o que errou e por que para, a partir

daí, retomar o conteúdo como se deve. Sabe em quantas provas eu consegui

fazer isso? Uma! Isso demanda tempo e eu sou constantemente atropelada

por uma imensidão de objetivos que eu tenho que dar conta. Então a

avaliação acaba se tornando um fim em si mesma.

O depoimento dessa professora revela não só suas angústias diante de um sistema que a

coloca em atrito constante com sua ética profissional, como a distância que existe entre as

propostas dos PCN e a realidade prática de nossos professores. Eu ousaria dizer que, se a ação

docente exige a adoção de táticas para se efetivar com um grau relativo de liberdade, a

questão da avaliação é um dos pontos cruciais neste jogo de táticas e estratégias, pois, por

mais que os discursos elaborados pelo sistema vigente apregoem uma avaliação subjetiva,

somativa, continuada e reflexiva, no momento decisivo ele exige do professor resultados

objetivos e observáveis. Ou seja, não importa qual forma você encontrou para avaliar seu

aluno, o importante é que você tenha, ao final de cada etapa, resultados quantificáveis para

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apresentar. E o texto dos PCN, por mais flexível que possa parecer neste sentido, não toca na

questão da quantificação ou, se toca, é de maneira quase imperceptível, sugerindo formas

alternativas criadas pelo próprio professor em consenso com a instituição, não se toca no

tempo que venha a demandar essas formas alternativas, como é o caso das fichas descritivas,

por exemplo. Seria interessante observar o desempenho diário ou semanal de seu aluno e

registrar em fichas individuais, podendo, ao final de um ano letivo verificar de fato o real

quadro de aprendizagem desse aluno. Mas como realizar tal empreitada nas condições de

trabalho que os professores enfrentam: excesso de alunos em sala de aula; jornada dupla – e

até tripla – de trabalho; cumprimento de encargos burocráticos que demandam um tempo

precioso.

Enfim, pelo relato dos professores a respeito da avaliação, parece que a proposta dos PCN não

trouxe grandes contribuições. Suas maiores inquietações ainda anseiam pela atenção daqueles

que, na hierarquia de nosso sistema educacional, se valem com presteza do lugar que ocupam

visando objetivos que nem sempre se identificam com os ideais de nossos docentes. Por isso

volto a afirmar que esta questão exige muito mais astúcia do professor a fim de que ele

encontre uma forma de, “com as armas fornecidas pelo inimigo, jogar o seu jogo”.

Reconhecendo e trabalhando a relação entre o saber histórico científico e o saber histórico

escolar, o documento delimita três conceitos-chave para o ensino fundamental: o de fato

histórico, de sujeito histórico e de tempo histórico, pois os contornos e definições que são

atribuídos a esses conceitos norteiam a concepção de História e, conseqüentemente, de seu

ensino. Todavia, pode-se questionar a abordagem historiográfica que é feita desses conceitos,

numa linearidade progressista e, sem opção explicitada e justificada, aumentando ainda mais a

complexidade e a sofisticação da proposta que amplia a defasagem entre ela e boa parte dos

professores que, no mínimo, deveriam examiná-la criticamente para então decidir adotar ou

não a mesma. Além disso, ainda referente à aproximação entre as duas modalidades de saber

histórico já mencionadas, os PCN sugerem uma articulação entre o ensino de História e os

fundamentos de seus métodos de pesquisa, fazendo as devidas adaptações para adequá-los às

finalidades didáticas. Segundo o documento, essa articulação propiciaria situações

pedagógicas privilegiadas para o desenvolvimento de capacidades intelectuais autônomas do

aluno na leitura de obras humanas, do presente e do passado. Auxiliaria também no

desenvolvimento das noções de diferença e semelhança, de continuidade, permanência e

ruptura, do tempo e do espaço e, na desnaturalização do saber contido nos livros didáticos,

desnaturalização esta que a professora R.C. faz de maneira brilhante, lembrando aos alunos

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frequentemente que o saber nele contido é produzido por uma autora que fez suas opções e

que, por isso, não é imparcial.

Esta relação prática entre as duas esferas do saber histórico de fato é extremamente válida,

tendo sido inclusive experimentada pela professora Maria Auxiliadora Schmidt e Tânia Braga

Garcia (2003) em escolas da região metropolitana de Curitiba, desde 1997, alcançando

resultados fantásticos. Entretanto, não se pode ignorar a fala quase unânime de críticos e

pareceristas da proposta, que ressaltam o conjunto de elementos desfavoráveis a esta prática

no cotidiano da maioria dos destinatários dos PCN. Além dos professores das séries iniciais

não serem especialistas, a estrutura dos cursos de História, dividido em bacharelado e

licenciatura, não contribui para a efetivação dessa prática, pois a formação inicial faz questão

de distanciar sempre mais o pesquisador e o professor de História. Ademais, fica aqui também

em ressalva, a questão da relação tempo/conteúdo, um dos fantasmas do professor de História

que não poder ser ignorado ao se pensar qualquer metodologia de trabalho.

Outro aspecto interessante do documento é a valorização do trabalho com a História

Temática, partindo sempre de questões do cotidiano do aluno a fim de favorecer a

integração/articulação entre passado e presente, entre o local e o global. Mas sobre isso, Abud

observou que

[...] sua ligação com o cotidiano e com a vivência do aluno tem gerado algumas

condutas que levam ao presenteísmo. Assim, a (re)construção do passado histórico

deixa de existir. A História então se limita à História Imediata ou à História do

Tempo Presente. Seu ponto de fundamentação é o cotidiano, isto é, o cotidiano da

História se limita a sistematizar o conhecimento que o aluno constrói com sua

própria Vicência. Privilegiar a História Imediata, mesmo que a sua preocupação

seja com as classes oprimidas, nega a elas o direito à História e consagra a História

Factual, das elites, como se os oprimidos não tivessem passado. A recusa pura e

simples da História das elites elimina a possibilidade da existência de um passado

no qual os dominados tivessem um lugar (ABUD, 1999, p.33).

Todavia, outros autores apontam aspectos positivos do trabalho com eixo temático, como

Vilma Fernandes Neves (2002) que, analisando a organização curricular de São Paulo e a

proposta dos PCN, afirma ser esta uma boa forma de organizar e aprofundar os conteúdos a

serem trabalhados. Alega ser um método de abordagem histórica que viabiliza a dinamização

do processo ensino-aprendizagem, bem como a possibilidade de múltiplas significações e da

criação e análise de situações concretas. Conforme a referida autora, o trabalho com eixo

temático permite articular, de maneira concisa, as representações sociais de alunos e

professores, construídas no âmbito interno e externo à escola (NEVES, 2002). Seria também,

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uma maneira de historicizar temas relevantes e problematizar os conteúdos imprimindo-lhes

uma lógica própria do saber escolar, pois

Transitando das partes para o todo e deste para as partes, realiza um constante vai e

vem que torna possível o desvendamento das múltiplas contradições do social. Esse

movimento do tempo (entendido como contradição e não como evolução

progressiva), permite a reconstituição crítica da história (Proposta Curricular para o

Ensino de História – 1º Grau do Estado de São Paulo, 1992, p. 12).

Na argumentação em defesa da proposta do ensino de História por eixo temático, Neves

prossegue lembrando ser esta uma forma para libertar a História dos conteúdos fixos,

organizados por períodos, oferecendo liberdade a professores e alunos para selecionar temas,

assuntos, épocas, temporalidades. Tal visão supõe a superação da idéia de haver necessidade

de conhecer toda a história da humanidade em todos os tempos. Estou plenamente de acordo

com a autora, pois vejo na organização dos conteúdos por eixos temáticos uma possibilidade

de selecionar e organizar conteúdos de forma a eliminar grande parte dos temores que rondam

a prática do professor de História, como a relevância do mesmo para o aluno, a seleção, a

avaliação, o tempo de execução... Entretanto, a formação oferecida para os docentes da área,

seja ela inicial ou continuada, não oferece estrutura para que ele desenvolva este trabalho de

modo que, aventurar-se por ele tornou-se, como disse a professora R.C. “uma empreitada

ousada, desafiadora e assustadora.”

Ainda na linha de argumentações a favor dos PCN, Helenice Ciampi (2005) diz tratar-se do

desenho de um novo perfil de currículo, que dá significado ao conhecimento escolar pela

contextualização crítica que tem como ponto de partida o presente (mas que não se restringe a

ele) e potencializa a interdisciplinaridade, evitando a compartimentalização do saber. A autora

continua lembrando que, face à vigente sociedade da informação, a proposta dos PCN dá

credibilidade à capacidade do docente de selecionar conceitos e desenvolver uma prática

pedagógica consistente. Todavia, ela ressalta que a atual política educacional, que não sinaliza

mudanças estruturais e se vê marcada por descontinuidades administrativas, neutraliza

qualquer proposta inovadora. Ademais, a não participação dos professores na elaboração

dessas propostas, gera um hiato entre as demandas dos docentes e as prioridades

governamentais, resultando em um descomprometimento por parte desses sujeitos (CIAMPI,

2005).

Argumentações semelhantes faz Selva Guimarães Fonseca (2003) que, ao considerar que

estamos vivendo tempos em que a mudança é já um valor próprio, impulsionador de ações

desprovidas, por vezes, de outro sentido que não o de ruptura com o passado, colocando-nos

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66

em uma época de crises e incertezas. Estas crises e incertezas se fazem sentir também na

educação e, de modo ostensivo, no ensino de História. Afinal, como falar do passado em uma

sociedade que prima pela ruptura imediata com o “acontecido”, agindo de forma a parecer que

o que marcou o mês anterior já não tem nenhuma ligação com o “hoje”? É dentro desta

perspectiva que a autora analisa a inserção dos PCN no cotidiano escolar, especialmente

buscando responder à grande dúvida que aflige os professores de História diante da

necessidade de selecionar os conteúdos a serem trabalhados com os alunos. Assim, ela

ressalta a questão de elencar conteúdos comuns para trabalhar com público tão heterogêneo e

ainda, como inserir conteúdos diversificados de modo a valorizar a pluralidade e acolher as

minorias culturais.

Conforme Guimarães Fonseca, o texto dos PCN tenta dar uma resposta a essas indagações,

uma vez que a proposta tem por prioridade a preocupação com a inclusão da diversidade

cultural no currículo, especialmente ao sugerir o trabalho com História temática, o que daria

flexibilidade ao professor, no momento de elaboração da História ensinada, de trazer

conteúdos que fazem parte da cultura comum, dando acesso a todos ao que se denominou

como cultura universal e, paralelamente, inserir conteúdos e experiências pertinentes à cultura

local, portadores de especificidades significativas para a História de cada um.

A Autora reconhece que, em tempos de globalização essa afirmação de respeito às diferenças

pode parecer ingênua, especialmente frente à realidade de um sistema de avaliação nacional

que parece buscar homogeneizar nossos saberes escolares. Porém, embora reconheça essa

ingenuidade, a autora não aponta possíveis meios de escapar a ela. Dentro de minha

perspectiva, creio que a forma de apropriar-se da proposta dos PCN de respeito às diferenças

sem ingenuidade, seria exatamente que o professor viesse a conhecer as relações de poder

vigentes na elaboração do saber histórico escolar e adquirisse um maior grau de consciência

de seu papel singular neste processo. Afinal, como construtor da História ensinada, ele

representa o elo entre a noosfera ligada diretamente a um poder instituído e legitimado e o

sujeito que finaliza o processo com a elaboração do saber aprendido, ou seja, o aluno. Essa

posição do professor dentro do processo de elaboração do saber histórico escolar lhe confere

um lugar de ação privilegiado. Todavia, para que este lugar seja de fato um lugar de ação e

não de manipulação das esferas anteriores, faz-se necessário o conhecimento por parte do

professor a respeito do próprio processo, dos interesses nele envolvidos e de seu

comprometimento enquanto agente social de uma História em construção. Esta seria, segundo

meu modo de pensar a relação professor e PCN, uma das astúcias táticas que permitiriam ao

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67

docente reverter possíveis tentativas de articulação manipuladora presente no texto do

documento.

Prosseguindo a defesa que a autora faz da proposta apresentada em forma de parâmetros, ela

trata da inserção do movimento historiográfico atual e sua ampliação de objetos de estudo, das

fontes, dos temas, dos problemas etc. como um aspecto que dinamiza as aulas de História,

diversifica o processo ensino-aprendizagem possibilitando a aplicação de metodologias

variadas e, de modo especial, envolvendo o aluno no tema que está sendo estudado.

Abrangendo ainda esta questão, Guimarães Fonseca traz como pré-requisito para que essa

“inovação positiva” dos PCN possa ser de fato apropriada adequadamente pelos professores,

especialmente para atuar no cotidiano escolar com a perspectiva de ensino temático e

multicultural, uma reestruturação urgente da formação inicial e continuada dos professores,

partindo do “apartheid” que existe, dentro do próprio curso de História, entre o bacharelado e

a licenciatura, afinal, uma das propostas de ressignificação da metodologia de ensino seria, a

exemplo da experiência de Schmidt e Garcia tratada neste trabalho, inserir a pesquisa própria

da História no cotidiano da sala de aula. Como trazer os métodos de investigação para o fazer

cotidiano se grande parte de nossos professores não possuem o domínio necessário desses

métodos?

Dessa forma, concordo com a autora em sua defesa, salvo alguns aspectos que creio poderiam

ter sido mais aprofundados, como as questões estruturais que estão diretamente relacionadas

com reformas de tão profundo alcance. Além disso, pelos dados que coletei dos professores

observados percebi que eles compactuam com a idéia de que os PCN, em certa medida,

auxiliam o professor na seleção de conteúdos, senão de outra forma, respaldando uma

autonomia da qual o professor pode se valer. O mesmo ocorreu no que diz respeito à História

temática. Os três reconheceram tratar-se de uma opção bastante interessante, mas, sua

formação e condições de trabalho ainda não lhes permitem aderir ao desafio com a segurança

necessária.

Mas não basta repudiar e negar a proposta curricular dos PCN alegando todas as lacunas e

equívocos nela existente. A crítica só faz sentido quando nos possibilita estabelecer um

diálogo e buscar possibilidades de trabalho efetivo no cotidiano escolar. Trazendo para nosso

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diálogo Certeau, os PCN são estratégias da noosfera29

, oriunda de um lugar de poder próprio,

tendo em vista as relações de força entre os sujeitos distintos que, em função da estrutura de

nosso sistema educacional, se apresentam em uma organização hierárquica. Isso posto, cabe

ao professor assumir uma postura ativa, valendo-se de táticas e astúcias exeqüíveis mediante

a aparente imobilidade que seu lugar lhe confere. Ou seja, o professor, ao relacionar-se com

esse elemento externo normativo (PCN), deve valer-se de ações individuais e espontâneas que

ocorrem no terreno do outro, atuando a partir dos elementos que o elemento externo lhe

fornece, pois como disse Certeau, a tática é o movimento dentro do campo de visão do

inimigo e no espaço por ele controlado. Ao definir táticas e estratégias, Certeau nos fornece

possibilidades de ação mediante a imposição normativa de um instrumento regulador. Em

suas palavras:

Chamo de estratégia o cálculo (ou a manipulação) das relações de força que se

tornam possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder pode ser

isolado. A estratégia postula um lugar suscetível a ser circunscrito como algo

próprio a ser a base de onde se pode gerir as relações com uma exterioridade de

alvos ou ameaças. [...] chamo de tática a ação calculada que é determinada pela

ausência de um próprio. Então nenhuma delimitação de próprio lhe fornece a

condição de autonomia. A tática não tem por lugar senão o do outro. E por isso,

deve jogar com o terreno que lhe é imposto tal como o organiza a lei de uma força

estranha. Não tem meios para se manter em si mesma, a distância, numa posição

recuada, de previsão e de convocação própria: a tática é movimento dentro do

campo de visão do inimigo e no espaço por ele controlado. [...] Ela opera golpe por

golpe, lance por lance. Aproveita as ocasiões e delas depende [...]. O que ela ganha

não se conserva. [...] Tem que utilizar, vigilante, as falhas que as conjunturas

particulares vão abrindo na vigilância do poder proprietário. [...] Em suma, a tática

é a arte do fraco (CERTEAU, 1990, p.99-101).

Assim, apesar de toda a força que os PCN possuem enquanto elemento externo normativo,

oriundo de um lugar de poder que lhe permite gerir as relações, acredito que os professores,

no seu fazer cotidiano, vislumbram possibilidades de ressignificação, pois, como bem nos

lembra Lapa (1985), a sala de aula cria um momento e um espaço mágico, onde a docência e

a pesquisa se encontram, gerando novas Histórias, novos tempos, novos sujeitos... É a

elaboração e concretização deste momento mágico que tratarei na segunda parte deste

trabalho por meio da efetivação tática do que tem sido estrategicamente proposto (ou

imposto) aos professores por meio dos PCN.

29

Segundo Chevallard, é a equipe de técnicos e especialistas, exterior à escola, que cumprem a primeira etapa de

elaboração do saber histórico escolar. Seu correlato nos PCN é a equipe que realiza o primeiro nível de

concretização.

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CAPÍTULO II - AS POSSIBILIDADES DE UMA NOVA ANCORAGEM HISTÓRICA

TEÓRICO-METODOLÓGICA

Tendo em vista a complexidade de meu objeto de pesquisa – a elaboração da História

ensinada – e sua recente inserção no meio acadêmico como tal, bem como minha pretensão de

furtar-me à produção de uma “verdade absoluta”, e sim trabalhar no campo das possibilidades

evidenciadas na relação sensibilidade (subjetividade) e prática concreta (ação docente),

apropriei-me da abordagem teórica proposta pela História Cultural. Além disso, mesmo tendo

descrito no capítulo anterior a constituição da História como disciplina escolar atendo-me a

certa linearidade, pretendo superar a proposta de uma abordagem mecânica, etapista e

progressista. Se assim procedi inicialmente, foi com o intuito de situar historicamente meu

objeto de pesquisa e suas possibilidades de ação nos diferentes contextos que compuseram

nossa trajetória educacional e trazer, como um dos pilares fundantes deste trabalho, o que vem

sendo proposto como organização do ensino de História ao longo da trajetória desta

disciplina.

Ademais, face aos sujeitos de minha pesquisa (professores de História das séries finais do

Ensino Fundamental), o locus da mesma (a escola, mais precisamente a sala de aula), e o

diálogo destes com a proposta formal oficial dos PCN, necessitei de uma abordagem que

reconhece a diversidade das fontes, a legitimidade do subjetivo, as possibilidades de ação

daqueles que não ocupam um lugar de poder e a cultura como um processo social constitutivo

de modos de vida e visões de mundo capazes de gerar alterações históricas. A História

Cultural, na sua relação dialógica com outras áreas do saber, em especial a Antropologia e a

Sociologia, me possibilitou abordar a apropriação que os professores de História fizeram e

fazem dos PCN para elaborar a História ensinada, contemplando as diversas implicações

presentes na efetivação desse saber gestado em uma rede que envolve relações

epistemológicas bem como relações de poder.

Nesse sentido, é pertinente ressaltar que essa proposta adequa-se ao desenvolvimento do meu

trabalho, pois dá voz a diferentes sujeitos, dialoga com os contextos, trata o cotidiano e as

ações próprias do mesmo como fonte de estudos históricos e potencializa possibilidades

interpretativas como método interativo subjetivista de investigação. Ainda nesta direção, a

preocupação com novas temáticas, novos objetos, novas linguagens e a multiplicidade focal

Page 70: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

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que atribui aos diversos sujeitos, permitem-me transformar a sala de aula e seus cotidiano em

local de pesquisa, despindo-me de pré-conceitos, reducionismos e senso comum sem,

contudo, empetrar-me um distanciamento que impeça alcançar os sujeitos da pesquisa, suas

inquietações cotidianas e a subjetividade de seu fazer pedagógico concretizado na elaboração

da História ensinada.

2.1 – PRESSUPOSTOS DA HISTÓRIA CULTURAL

Se não tivesse sido capaz de corrigir as suas imaginações, expectativas ou

ideologias sob o influxo das indicações (nem sempre agradáveis) vindas do mundo

exterior, a espécie Homo sapiens ter-se-ia extingüido há muito tempo. Entre os

instrumentos intelectuais que lhe permitiram adaptar-se ao ambiente circundante

(natural e social) modificando-o cada vez mais, conta-se afinal também a

historiografia (GINZBURG, 1990, p.196).

Em virtude de minhas particularidades e do enfoque que dei à minha pesquisa, encontrei na

História Cultural o instrumental intelectual necessário e adequado, sobretudo por possibilitar a

interface História ensinada e Cultura. Dessa forma, fez-se necessário uma reflexão sobre a

produção historiográfica atual a fim de possibilitar o devido embasamento teórico deste

trabalho.

De fato, como afirma Ginzburg, a capacidade do homem em dialogar com (e sobre) suas

ações, sejam elas individuais e/ou coletivas, possibilita-lhes refletir e corrigir as mesmas,

tornando possível criar saberes a partir de experiências vivenciadas em diversos tempos e

espaços, possibilitando, assim, a sobrevivência da espécie. Acrescenta ainda que este diálogo

com ações presentes e passadas é que lhes permite adaptar-se ao meio e/ou adaptar o meio a

si. Entretanto, a viabilização desse diálogo prescinde de um instrumental intelectual que,

conforme o autor, inclui a historiografia. Logo, como instrumento intelectual criado pelo

homem para ajudá-lo a compreender a si e a seu entorno, a História, bem como as reflexões

sobre sua escrita, também é alcançada pelo tempo, de modo que, em cada contexto ela se

(re)configura com bases e pressupostos que visam responder questões daquela época. Há

também a questão do objeto e do sujeito que conhece, cujas especificidades interferem na

configuração historiográfica.

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71

Há muito que a cultura deixou de ser vista como produção para o deleite e a pura fruição do

espírito, ou mero reflexo de uma estrutura econômica, de modo a ganhar cada vez mais

espaço e centralidade nas investigações históricas. Na abordagem adotada, a cultura é tida

como um conjunto de significados partilhados e construídos pelos homens para explicar o

mundo; ou ainda uma forma de expressão e tradução da realidade que se faz de forma

simbólica, admitindo-se que os sentidos conferidos às palavras, às coisas, às ações e aos

atores sociais se apresentam de forma cifrada, portando já um significado e uma apreciação

valorativa (PESAVENTO, 2004). Dessa maneira, reconheço que a cultura ocupa um espaço

significativo no estudo histórico que visa compreender a ação humana em diferentes espaços e

nos variados processos produzidos e produtores de cultura, de modo que o emprego analítico

desse conceito permite superar a visão reducionista do espaço escolar e da ação educativa

docente como meros reprodutores de uma cultura previamente determinada. Por isso, a

relevância das representações, apropriações, práticas, estratégias e táticas, bem como a

valorização e o espaço conquistado pelas sensibilidades dos sujeitos históricos, atuando na

elaboração de uma identidade própria, da alteridade e da concepção de mundo.

Na realização deste trabalho apropriei-me das abordagens teóricas dos autores: Robert Darton,

Natalie Zemon Davis, Roger Chartier e Michel de Certeau, além de algumas construções

próprias da História Cultural.

Estarei recorrendo a estes autores com certa freqüência para fundamentar teoricamente este

trabalho e realizar as acertivas necessárias. Assim sendo, acredito ser pertinente discorrer

alguns aspectos dos respectivos estudos que foram relevantes para minha pesquisa.

Além destes, foi importante refletir sobre o conceito de cultura em Thompson30

, uma vez que

meu trabalho traz a interface História ensinada e Cultura no intuito de contemplar as diversas

dimensões que influem nesta prática docente. Também em Thompson encontro um trabalho

significativo com o conceito de experiência, por meio do qual pude atuar com a sensibilidade

mais apurada no contexto do cotidiano escolar e com as práticas dos professores no seu fazer

da sala de aula. Edward P. Thompson, em suas obras “A miséria da teoria um planetário de

erros” (1981) e a “A formação da classe operária inglesa” (1987 e 2002), ao criticar as

posturas historiográficas positivista e marxista, centraliza seus estudos na realidade empírica,

recuperando as experiências do sujeito estudado (no caso específico dele, as classes operárias

30

Ainda que Thompson não seja considerado pertencente ao campo da História Cultural e sim ao New Left

Review (Novo Marxismo).

Page 72: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

72

inglesas) e buscando entender as ações destes sujeitos em contextos de dominação. Para tanto,

Thompson introduziu inovações nos planos da teoria, do método, da temática e das fontes a

serem utilizadas pela História. Além disso, suas propostas teóricas, embora mantendo uma

análise classista31

, evidenciaram as “experiências” dos trabalhadores não só nas relações

econômicas, mas nos hábitos, costumes, atitudes, palavras, ações, tradições e valores,

alargando o conceito de classe ao imprimir-lhe elementos culturais.

De acordo com Thompson, as experiências humanas explicam, em grande parte, as mudanças

históricas, o que implica dizer que um trabalho de investigação, sob este pressuposto,

necessita da observação dos modos de vida e dos valores culturais da “gente comum”,

expressos no seu fazer cotidiano, pois é por meio dessas experiências que os sujeitos

desenvolvem e apropriam-se de valores.

Assim, Thompson afirma que

O que descobrimos (em minha opinião) está num termo que falta: ‘experiência

humana’. [...] Os homens e mulheres também retornam como sujeitos, dentro desse

termo – não como sujeitos autônomos, ‘indivíduos livres’, mas como pessoas que

experimentam suas situações e relações produtivas determinadas como

necessidades e interesses e como antagonismos, e em seguida ‘tratam’ essa

experiência em sua consciência e sua cultura (as duas outras expressões excluídas

pela prática teórica) das mais complexas maneiras (sim, ‘relativamente autônomas’)

e em seguida (muitas vezes, mas nem sempre, através das estruturas de classe

resultantes) agem, por sua vez, sobre sua situação determinada (THOMPSON,

1981, p.182).

Assim, os valores culturais aparecem nos estudos de Thompson como concepções dos sujeitos

sobre si e sobre o mundo. Concepções elaboradas em um contexto conflituoso e contraditório,

repleto de (re)significações, que adquirem concretude nas experiências humanas do cotidiano

e se materializam em forma de ações. Também apontam para uma visão histórica dos sujeitos

que não ocupam um lugar de poder, aproximando-se da “história vista de baixo”, dando voz a

sujeitos historicamente silenciados. Ademais, o referido autor trabalha com a possibilidade de

ação, mesmo que restrita tendo em vista sua autonomia relativa, dos sujeitos históricos

desfavorecidos pelo contexto, potencializando os excluídos e suas experiências no desenrolar

da trama histórica. Esta perspectiva do autor foi crucial no desenvolvimento de meu trabalho

que buscou captar pelas experiências dos professores suas representações, especialmente as

que se ligam de modo direto à elaboração do saber ensinado.

31

Em função de sua formação de cunho marxista, Thompson trabalhou com a análise da “cultura de classe”.

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73

Ao propor tratar da ação empírica, Thompson não renuncia à necessidade de investigar os

procedimentos mais adequados e confiáveis de lidar com ela, sobretudo por meio do diálogo

com a teoria, respaldado no conhecimento. Por esse método, a interpretação é inevitável, pois

é por meio dela que o historiador busca desvelar o dito e o não-dito, localizando ambos num

universo de significações próprias (THOMPSON, 1981). Transitar por este universo exige a

utilização do referencial de contingência que o historiador possui, ou seja, para trabalhar

cientificamente com as interpretações numa refinada análise empírica, o historiador deve

fazer uso da bagagem que traz consigo, espécie de capital específico, de conhecimentos

adquiridos em paralelo ao objeto a ser analisado. Trata-se de uma bagagem de erudição

particular do historiador, que lhe permite estabelecer uma ampla gama de relações entre os

elementos de análise em questão. Essa reserva de conhecimentos deve ser iluminada por um

universo teórico do qual se apropria o historiador, definindo uma metodologia específica que

articula os dados em grandes correlações, potencializando a interpretação (PESAVENTO,

2004). Ou seja, é esta metodologia de trabalho que permite ao historiador trabalhar com as

subjetividades complexas da experiência humana sem incorrer no relativismo ou

interpretações pessoais.

Dessa forma, apropriando-me da interface experiência e cultura latente nas propostas

thompisianas, procurei desenvolver um processo investigativo de interpretação, com base na

observação das experiências cotidianas dos professores analisados, tentando encontrar nas

ações empíricas dos mesmos, a representação que possuem de si, da sua prática e do mundo

que os circunda. Busquei também ouvir os silêncios desses sujeitos, expressos, muitas vezes,

não pela ausência da palavra, mas pela falta de legitimidade e originalidade impressos em um

discurso imposto por conveniências, referenciais, juízos de valor. Pois, conforme Thompson,

“os valores não ‘pensados’, nem ‘chamados’; são vividos” (THOMPSON, 1981, p.184).

Para maior elucidação da abordagem da História Cultural, creio ser relevante apontar algumas

formulações de Robert Darton (1986). Conforme esse autor e seus estudos, sobretudo na obra

“O grande massacre dos gatos e outros episódios da História Cultural francesa” (1986), da

aproximação entre a História e a Antropologia pode-se entender, de maneira crítica e

metodológica, os significados implícitos na visão de mundo de pessoas comuns em um dado

contexto histórico32

. Conforme o autor,

32

No caso do autor e das obras referidas, o contexto é o da França dos séculos XVII e XVIII.

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74

Visões de mundo não podem ser descritas da mesma maneira que acontecimentos

políticos, mas não são menos ‘reais’. [...] Longe de ser a invenção arbitrária de uma

imaginação coletiva, expressa a base comum de uma determinada ordem social.

Portanto, para reconstituir a maneira como os camponeses viam o mundo, nos

tempos do Antigo Regime, é preciso começar perguntando o que tinham em

comum, que experiências partilhavam, na vida cotidiana de sua aldeias (DARTON,

1986, p.39).

Assim, a partir das proposições de Robert Darton, foi possível detectar e analisar, na fala e na

ação dos professores em questão, as astúcias que estes utilizam para, em um contexto

marcadamente impositivo, imprimir sua subjetividade, sua visão de mundo e sua valoração na

elaboração da História ensinada, sobretudo face à proposta contida nos PCN. Proposta esta

que, uma vez “adotada” pela escola, o professor precisa incorporar ao seu discurso (e espera-

se que incorpore também à prática). Os pressupostos do autor também me possibilitaram

analisar como estes sujeitos, dentro da hierarquia da nossa organização educacional, se

relacionam com os elementos externos na efetivação da sua prática cotidiana. Todavia, o

próprio Darton nos alerta sobre as limitações que cercam tais proposições, em função da

variedade de condições. Sendo assim, reafirmo que não almejei, em momento algum,

estabelecer uma verdade absoluta ou uma resposta única, mas sim apontar para possibilidades

de apropriações (na maioria das vezes diversificadas) dos PCN, bem como na forma como

essas apropriações, aliadas ao referencial de contingência dos professores, efetivou-se na ação

docente da sala de aula.

Assim como Thompson, Natalie Zemon Davis (1990), em suas formulações teóricas, deu

ênfase ao papel decisivo da cultura como força motivadora de transformação histórica33

. Em

sua aproximação com a Antropologia, Davis (1990 e 1997) consolida uma abordagem

marcada pela presença das experiências de pessoas comuns em determinado contexto

histórico. Atendo-se, sobretudo às classes trabalhadoras, seu modo de vida, suas relações

sociais e intelectuais e suas formas de resistência, buscou dar voz a sujeitos

“convencionalmente” silenciados. Por meio das experiências desses sujeitos, ela aponta para o

papel da cultura como elemento de mediação atuante na configuração e refiguração de sua

História e de sua identidade.

Dessa forma, as proposições de Davis auxiliaram-me no desvelar das astúcias táticas que os

professores pesquisados utilizam, nas suas possibilidades de resistência enquanto ações de

33

Segundo Pesavento (2004), Thompson e Natalie Davis tiveram uma formação teórica de cunho marxista, mas

reagiram contra o rigor das forças socioeconômicas como principais determinantes da História e apropriaram-se

da cultura como conjunto de significados partilhados e construídos pelos homens para explicar e mudar o

mundo.

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75

antidisciplina e nas necessidades de adequação ao currículo real do elemento normativo

externo aqui tratado, ou seja, os PCN. Através de sua prática, em vários momentos, pude

observar que os professores criam um discurso e ações que trazem implícitos, senão uma

resistência expressamente negativa, uma resignificação do que lhe é imposto na hierarquia do

currículo.

Com base nas minhas categorias de análise e nos pressupostos teóricos que dão sustentação à

minha pesquisa, é crucial tratar dos estudos de Roger Chartier (1990, 1999 e 2001), uma vez

que foi deste teórico que utilizei os conceitos de apropriação, representação, prática e

leitura. Em seus trabalhos, Chartier preocupou-se em pesquisar a História da leitura, bem

como as práticas da mesma e da escrita. Tal realização constituiu-se através da História do

livro e da recepção cultural do mesmo em sociedades com diferentes níveis de leitores. Em

seu trabalho, Chartier demonstra que através da produção, da apropriação e das práticas

culturais, que são sempre criadas e criadoras de representações, os sujeitos ressignificam o

mundo, suas normas e a si mesmos. Conforme o autor, as representações são matrizes

geradoras de condutas e práticas sociais, dotadas de força integradora e coesiva, bem como

explicativa do real, que não se reduzem à vontade dos produtores de discursos e de normas

(CHARTIER, 1990). Por meio das representações, indivíduos e grupos dão sentido ao mundo

e explicam a realidade.

É nos trabalhos de Marcel Mauss e Émile Durkheim que Chartier se pauta para desenvolver o

conceito de representação. Segundo ele, a representação coletiva articula-se com

[...] três modalidades de relação com o mundo social: primeiro, o trabalho de

classificação e de recorte que produz as configurações intelectuais múltiplas pelas

quais a realidade é contraditoriamente construída pelos diferentes grupos que

compõem uma sociedade; em seguida, as práticas que visam a fazer reconhecer

uma identidade social, a exibir uma maneira própria de estar no mundo, a significar

simbolicamente um estatuto e uma posição; enfim, as formas institucionalizadas e

objetivadas graças às quais ‘representantes’ (instâncias coletivas ou indivíduos

singulares) marcam de modo visível e perpetuado a existência do grupo, da

comunidade, da classe. [...] Nas definições antigas [...] as entradas da palavra

‘representação’ atestam duas famílias de sentido aparentemente contraditórias: de

um lado, a representação manifesta uma ausência, o que supõe uma clara distinção

entre o que representa e o que é representado; de outro, a representação é a exibição

de uma presença [...] (CHARTIER, 2002, p.73 e 74).

Logo, representar é estar no lugar de; é dar a ver uma ausência, tornando sensível uma

presença. Ou seja, trata-se de um conceito ambíguo, pois na relação que se estabelece entre

presença e ausência, a representação é uma construção feita a partir do real, que permite ver

uma “coisa ausente, o que supõe uma distinção radical entre aquilo que representa e aquilo

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que é representado” (CHARTIER, 1990, p.20). Assim sendo, representar é, pois, a

presentificação de um ausente; é um apresentar de novo que dá a ver uma ausência. Mas como

o ausente não pode ser recuperado, ele se concretiza na sua representação, que torna visível a

realidade apresentada. Dessa forma, a idéia central do conceito de representação é a da

substituição, que traz para o presente o ausente vivido, atribuindo-lhe sentido e interpretando-

o por meio de apropriações e práticas culturais.

A representação envolve processos de percepção, identificação, reconhecimento,

classificação, legitimação e exclusão. A representação é também portadora do simbólico, ou

seja, diz mais do que aquilo que mostra ou anuncia; carrega sentidos ocultos que, construídos

social e historicamente, se internalizam no inconsciente coletivo e se apresentam como

práticas naturais. Assim, a representação tem a capacidade de se substituir à realidade que

representa, construindo o mundo paralelo de sinais no qual as pessoas vivem.

O processo de estabelecimento de representações não é consensual, e sim conflitivo, tendo em

vista que cada grupo ou indivíduo compreende a si mesmo e ao outro de uma determinada

forma. Assim, as representações se tornam práticas culturais cotidianas através das

negociações e dos conflitos diários. Dessa forma, a proposta da História Cultural é decifrar

um passado ausente pela presença de suas representações que se concretizam em práticas

culturais passíveis de inteligibilidade.

Tais configurações teóricas foram por mim utilizadas no intento de decifrar, por meio das

práticas dos professores observados, as representações que se ligam à construção da História

ensinada, tais como a representação de si mesmo, de sua profissão, de sua disciplina escolar –

História, e do saber (acadêmico e escolar). Procurei estar atenta aos “conflitos” que permeiam

a elaboração dessas representações, bem como aos dispositivos que conferem legitimidade às

mesmas, provocando um discurso idealizado que gera inclusões e exclusões. Através dessas

elaborações, foi possível analisar criticamente a construção simbólica da identidade que

organiza todo um sistema de pertencimento, articulado à identificação de uma alteridade,

capaz de gerar coesão social, referenciais idealizados e exclusões. Conforme Pesavento,

Para a elaboração identitária, que cria o sentimento partilhado de pertencer a um

grupo dado, as identificações se dão a partir do defrontamento com o outro,

identificações de reconhecimento estas que podem ou não guardar proximidade

com o real. As representações de identidade são sempre qualificadas em torno de

atributos, características e valores socializados em torno daqueles que integram o

parâmetro identitário e que se colocam como diferencial em relação a alteridade. As

identidades são múltiplas e vão desde o eu, pessoal, construtor da personalidade,

aos múltiplos recortes do social, fazendo com que um mesmo indivíduo superponha

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e acumule, em si, diferentes perfis identitários. Estes não são, a rigor, excludentes

por si mesmos, nem forçosamente atingem uma composição harmônica e sem

conflitos nessa espécie de rede poli-identitária que cerca o indivíduo

(PESAVENTO, 2004, p.90).

Logo, as representações são matrizes que dão origem a práticas sociais, guiando as ações e

pautando valorações de si e do outro. Estes valores que surgem por meio de representações

estabelecem um padrão, um referencial de positivo que, por si, gera como oposto, um

referencial negativo. Ou seja, as representações coletivas geram modelos tomados como

referencial a ser seguido dentro de um determinado grupo identitário. Por conseqüência, o

modelo oposto reveste-se de um caráter negativo, cuja identificação de um membro pode

implicar no sentimento de não pertencimento que, por sua vez, irá gerar práticas condizentes

com este sentimento. Dessa forma, a representação que o professor tem de si, que muitas

vezes atua conflitivamente com a representação do grupo e do outro, determinará em grande

parte seu fazer cotidiano e sua atuação na elaboração da História ensinada. O sentimento de

pertença é crucial na determinação da postura assumida pelo professor perante o saber,

perante os alunos e perante os elementos normativos externos e internos.

Para melhor proceder em meus estudos, busquei, também em Chartier, o conceito de

apropriação, utilizado na investigação das leituras que os professores fizeram e fazem dos

PCN de História, bem como sua aplicação na elaboração do saber histórico escolar, mais

propriamente no momento de compor a História ensinada. Conforme a construção conceitual

do referido autor:

A noção de apropriação pode ser, desde logo, reformulada e colocada no centro de

uma abordagem de história cultural que se prende com práticas diferenciadas, com

utilizações contrastadas. Tal reformulação, que põe em relevo a pluralidade dos

modos de emprego e a diversidade das leituras, que não forçam o texto, distancia-se

do sentido que Michel Foucault dava ao conceito quando considerava ‘a

apropriação social dos discursos’ como um dos procedimentos mais importantes

através dos quais esses discursos eram confiscados e submetidos, colocados fora do

alcance de todos aqueles cuja competência ou posição impedia o acesso aos

mesmos. Esta reformulação afasta-se igualmente do sentido que a hermenêutica dá

à apropriação entendida como o momento trabalho e refiguração da experiência

fenomenológica, postulada como universal, a partir de configurações textuais

particulares. A apropriação tal como a entendemos, tem por objetivo uma história

social das interpretações, remetidas para suas determinações fundamentais (que são

sociais, institucionais, culturais) e inscritas nas práticas específicas que as

produzem (CHARTIER, 1990, p.26).

A ênfase que este autor dá à pluralidade dos modos de emprego e à diversidade das leituras

como fundantes do seu conceito de apropriação, bem como as determinações sociais,

institucionais e culturais na produção de práticas específicas decorrentes da apropriação,

foram de grande valor em minha pesquisa, pois reproduzindo o próprio Chartier:

Page 78: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

78

[...] a leitura de um texto, pode assim escapar à passividade que tradicionalmente

lhe é atribuída. [...] Ler, olhar ou escutar são efetivamente, uma série de atitudes

intelectuais que [...] permitem na verdade a reapropriação, o desvio, a desconfiança

ou a resistência (CHARTIER, 1990, p.59 e 60).

Dessa forma, o professor enquanto leitor dos PCN reformula-o, atribuindo-lhe novos

propósitos e significados pertinentes ao seu contexto e às representações que possui de si, dos

alunos e da História, levando a significações variadas, decorrentes de suas limitações,

convenções e hábitos. Isso porque a leitura é tratada por Chartier (1999) como uma prática

cultural integrante do processo de interação social, decorrente da apropriação do leitor sobre o

texto e do diálogo estabelecido entre ambos.

De acordo com este autor, a leitura não é concebida como resultado de um funcionamento

lingüístico puro, mas como resultado da interação, dialética e dialógica, entre o texto e o

leitor, nas quais não se pode ignorar as variadas e irredutíveis experiências do leitor, pois estas

atuam diretamente na apropriação do texto. Deve-se, entretanto, descrever as condições

compartilhadas que definem a leitura, a partir das quais o leitor produz essa criação de sentido

presente em cada leitura. Sendo assim, os leitores podem agrupar-se no que Chartier (2001)

denominou “comunidade de interpretação”, ou seja, leitores que compartilham o mesmo

modelo cultural e se inscrevem num meio mais ou menos homogêneo. A comunidade de

interpretação seria uma forma de desbancar a onipotência do texto sem incorrer na

inexequibilidade de trabalhar com as leituras e apropriações realizadas individualmente. Nas

palavras de Chartier:

Transformar em tensão operatória aquilo que poderia surgir como uma aporia

inultrapassável é o desígnio, a aposta, de uma sociologia histórica das práticas de

leitura que tem por objetivo identificar, para cada época e para cada meio, as

modalidades partilhadas do ler – as quais dão formas e sentidos aos gestos

individuais –, e que coloca no centro de sua interrogação os processos pelos quais,

face a um texto, é historicamente produzido um sentido e diferenciadamente

construída uma significação (CHARTIER, 1990, p. 121).

Ou seja, apesar das inúmeras práticas de leitura, pode-se organizar modelos de leitura que

correspondam a uma dada configuração histórica em uma comunidade particular de

interpretação. Assim, não se reconstrói a leitura, mas descrevem-se condições compartilhadas

que a definem, e a partir das quais o leitor produz suas significações. Pois, conforme Chartier

(1999), a leitura é uma prática de invenção de sentido que está inscrita dentro de coações,

restrições e limitações compartilhadas. Mas, por outro lado, como invenção, mesmo que não

aleatória, sempre desloca ou supera as limitações que a restringem (CHARTIER, 2001).

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79

Em sua obra “A História Cultural – entre práticas e representações”, Chartier nos possibilita

formular critérios para estabelecer comunidades interpretativas ao elencar o que deve ser

observado, no leitor e no texto, no momento de interpretar a construção de sentidos que o

primeiro realiza a partir do segundo. Conforme o autor, os “leitores são dotados de

competências específicas, identificados pelas suas posições e disposições, caracterizados pela

sua prática do ler” (CHARTIER, 1990, p.26). Já o texto traz um significado que se encontra

dependente dos dispositivos discursivos e formais.

Com base nas proposições de Chartier, defini alguns critérios que me auxiliaram na

elaboração de comunidades de interpretação: a formação dos professores; esta formação

refere-se à inicial e continuada e relaciona-se de forma analógica ao que Chartier denominou

“competências específicas”, pensando esta formação como matriz referencial que fornece a

base de sustentação da prática docente, embora sabendo que outros saberes irão se agrupar

para constituir sua prática. A representação que possui de si próprio, da História e do mundo;

essas representações revelam, em certa medida, seu posicionamento enquanto sujeito de uma

História que se constrói no fazer cotidiano. E as relações que estabelece com o saber

(científico e escolar) no tocante à sua área de atuação; por meio destas relações faz-se possível

desvelar o universo intelectual no qual o professor se inscreve viabilizando caracterizar,

parcialmente, sua prática do ler.

Sendo assim, busquei por meio destes critérios, localizar os professores observados dentro de

uma ou mais comunidade de interpretação e, guardadas as devidas proporções, criar

possibilidades de identificação entre os professores que participaram desta pesquisa e os

milhões de professores de História atuantes nos mais diversos cotidianos escolares.

Tomando por base o pressuposto de que o leitor é um autor em potencial, pertencente a uma

comunidade de interpretação que possui normas, regras, convenções e códigos de leitura que

lhes dão realidade sociocultural, investiguei as apropriações decorrentes das leituras que os

professores fizeram e fazem dos PCN de História. Os resultados obtidos permitem questionar

a suposta passividade que, comumente, atribui-se à maioria dos professores no que diz

respeito às reformas educacionais e à maneira hierárquica como elas são produzidas e

efetivadas. Foi notória nos professores observados, a transformação operada no texto com

base nas suas experiências, no seu contexto e na sua comunidade de interpretação. Não quero

com isso dizer que nego ou ignoro que o documento opera com essa possibilidade e, em razão

disso, tenha se constituído de diferentes discursos acadêmicos, resultando num texto híbrido e

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repleto de ambigüidades, cuja finalidade era legitimar os PCN junto a diferentes grupos

sociais e culturais (LOPES, 2002). Mas, para além dos jogos estratégicos que se fazem

presentes no documento, os professores apropriam-se do mesmo de formas singulares,

imprimindo-lhe novos sentidos.

Categorias fundantes no meu trabalho foram advindas dos estudos de Certeau (2000 e 2004),

historiador cuja crítica à epistemologia da História questionou sua escrita e seu estatuto,

relativizando a noção de verdade e trazendo a possibilidade de se operar com verdades (no

plural). O autor questionou o argumento de que as fontes apresentam uma verdade absoluta,

mas não nega que a construção histórica atua no campo da verossimilhança através da

apresentação de provas ou evidências que permitem a interpretação aproximada do

acontecido. Assim, Certeau alertou para as limitações do trabalho historiográfico, porém não

o desabilitou, afirmando que este residia na busca de possibilidades. Ademais, em alguns de

seus trabalhos, Certeau aponta para a reflexão sobre as práticas culturais ou “culturas no

plural”, recusando a uniformidade e a estrutura de uma “empreitada teórica”.

É preciso interessar-se não pelos produtos culturais oferecidos no mercado dos

bens, mas pela operação de seus usuários; é mister ocupar-se com ‘as maneiras

diferentes de marcar socialmente o desvio operado num dado por uma prática’. O

que importa já não é, nem pode ser mais a ‘cultura erudita’, [...] Nem tampouco a

chamada ‘cultura popular’ [...]. Sendo assim, é necessário voltar-se para a

‘proliferação disseminada’ de criações anônimas e ‘perecíveis’ que irrompem com

vivacidade e não se capitalizam. A cultura plural, não podendo dizer mais, ele

(domínio de pesquisa) retornará aos trabalhos ulteriores de esclarecer os caminhos

sinuosos que se percebem nas astúcias táticas das práticas ordinárias (CERTEAU,

2004, p.13 e 14).

Dessa forma, o autor salientou a necessidade de se pensar a cultura de uma forma mais

abrangente, centrando-se na “cultura plural”, mesmo advertindo que continua havendo

diferenças sociais, econômicas e históricas entre seus praticantes, bem como dos analistas da

mesma, pois uma cultura que se elabora em um espaço conflituoso, não pode se instalar na

certeza da neutralidade. Trata-se de uma cultura imersa na “arte do fazer”, onde através de

táticas conflitivas e contraditórias, os setores populares se apropriam dos produtos culturais

generalizados, ressignificando tais produtos. Ou seja, a cultura comum e cotidiana torna-se

uma prática do fazer, pela apropriação (ou re-apropriação), o consumo ou a recepção.

Entretanto, para ter como objeto as artes de fazer próprias do cotidiano, é necessário elaborar

modelos de análise que correspondam à trajetória de construção das mesmas, esboçando “uma

teoria das práticas cotidianas” para extrair delas as maneiras de fazer que não aparecem, na

maioria das vezes, senão a título de resistência, através da inércia (CERTEAU, 2004).

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É com base nas acertivas desses autores que me coloquei no espaço escolar, especialmente na

sala de aula, para investigar o cotidiano dos professores observados, bem como suas artes de

fazer, supostamente ordinárias e não reconhecidas no mercado cultural, mas que, pela

apropriação e resignificação dos produtos advindos deste mercado, especialmente dos PCN,

dão vida a práticas culturais originais e, como afirma o próprio Certeau, anônimas e

perecíveis. O autor ressalta ainda que

[...] o homem ordinário [...] inventa o cotidiano, graças às artes de fazer, astúcias

sutis, táticas de resistência pelas quais ele altera os objetos e os códigos, se apropria

do espaço e do uso a seu jeito. Voltas e talhos, maneiras de dar golpes, astúcias de

caçadores, mobilidades, histórias e jogos de palavras, mil práticas inventivas

provam, a quem tem olhos para ver, que a multidão sem qualidades não é obediente

e passiva, mas abre o próprio caminho no uso dos produtos impostos, numa ampla

liberdade em que cada um procura viver do melhor modo possível a ordem social e

a violência das coisas (CERTEAU, 2004, contra-capa).

Logo, conforme o autor, é na sala de aula, no fazer cotidiano do professor, que se revelam as

estratégias dos mais fortes e a inventividade das astúcias e táticas dos mais fracos. Assim,

tomei os PCN, elemento normativo externo, como estratégia daquele (indivíduo, instituição

ou órgão) que possui um lugar próprio de onde ele poça gerir as relações; um lugar de poder

que lhe permite observar, medir e controlar. Já as formas como os professores se apropriaram

dos PCN, utilizando-os na elaboração do seu fazer cotidiano, que tem como um dos produtos

a História ensinada, tomo por astúcias e táticas, pois trata-se da ação ordinária desses que não

possuem um próprio, um lugar de poder, e necessitam da capacidade de atuar no terreno do

outro, com os instrumentos do outro e pelas normas do outro. Como diz Certeau,

O poder se acha amarrado á sua visibilidade. Ao contrário, a astúcia é possível ao

fraco, e muitas vezes apenas ela, como ‘último recurso’ [...] Sem lugar próprio, sem

visão globalizante, cega e perspicaz como se fica no corpo a corpo sem distância,

comandada pelos acasos do tempo, a tática é determinada pela ausência de poder

assim como a estratégia é organizada pelo postulado de um poder. As táticas são

procedimentos que valem pela pertinência que dão ao tempo [...] as estratégias

apontam para a resistência que o estabelecimento de um lugar oferece ao gasto do

tempo; as táticas apontam para uma hábil utilização do tempo, das ocasiões que

apresenta e também dos jogos que introduz nas fundações de um poder. Ainda que

os métodos praticados pela arte da guerra cotidiana jamais se apresentem sob uma

forma tão nítida, nem por isso é menos certo que apostas feitas no lugar ou no

tempo distinguem as maneiras de agir (CERTEAU, 2004, p.101 e 102, grifo meu).

Dessa forma, Certeau recupera as astúcias anônimas das artes de fazer e viver a/em

sociedade, colocando em evidência as manifestações culturais do homem ordinário, através do

retorno às práticas cotidianas, tecidas nas condições determinantes do contexto da vida social.

Este fazer ordinário pensado enquanto ação anônima, perecível e desprovida de lugar mas

transformadora dos rumos da História, trazem para o cenário novos sujeitos, até então

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desconsiderados em função de não possuírem um lugar próprio que lhe confira poder.Esta

perspectiva histórica me permitiu investigar cientificamente as artes de fazer do cotidiano dos

professores de História, tratando-os como sujeitos que atuam diretamente na elaboração do

saber histórico escolar, ressignificando a História a ser ensinada, que lhe chega imposta por

elementos externos que visam conformá-los num modelo cultural, elaborando a História

ensinada, criação sua, marcada por apropriações e representações que permeiam seu

cotidiano.

Ocupei parte deste trabalho discorrendo sobre esses estudos teóricos e estabelecendo as

devidas relações com minha pesquisa, a fim de explicitar minha ancoragem e meus

pressupostos investigativos. Sustentado na abordagem da História Cultural, este trabalho

buscou dialogar com os referidos estudos, buscando os pontos convergentes dos mesmos,

embora saiba das diferenças existentes entre eles. Foi por mérito de tais contribuições que

pude realizar a difícil e desafiante proposta de trazer a público, possibilidades de fazeres

cotidianos de professores que se tornaram personagens anônimos de nossa história, suas

relações com dispositivos normativos externos e internos, e as astúcias táticas que lhes

permitem continuar atuando em situações por vezes conflituosas e contraditórias.

2.2 – A SALA DE AULA COMO LOCUS DA PESQUISA

A sala de aula é um espaço de grande complexidade, pois, para além de constituir-se por

excelência, nas sociedades atuais, como espaço destinado à efetivação do processo

sistematizado de ensino-aprendizagem, é também um espaço de interações e relações sociais,

caracterizado por vários estudiosos como um espaço de socialização, de formação de valores

e identidades. Esse espaço não é neutro e tampouco pacífico, coexistindo em seu interior, de

forma muitas vezes conflituosa, valores, interesses, experiências diversas, representações,

expectativas. Tal diversidade, não raro, se manifesta sob a forma de desrespeito, preconceitos,

rivalidades, jogos de poder. Instituído historicamente como um espaço para construção de

conhecimentos e de sentidos, não se pode ignorar que nele se expressam uma multiplicidade

de modos de apreender e representações de si e do mundo que, embora varie conforme o

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ambiente institucional e sócio-cultural no qual se inscreve, as divergências são praticamente

inevitáveis (SIMAN, 2005). Todavia, perceber essas divergências expressas em silêncios,

estratégias e táticas, nem sempre é fácil. Requer do pesquisador que se propõe a investigar

um objeto localizado neste contexto, sensibilidade, atenção e interpretação. Mas, tudo isso

deve respaldar-se na escolha consistente do método e do arcabouço teórico adequado, a fim de

afastar-se da possibilidade de inferências desconectas, construídas na ludibridade do

envolvimento com o ambiente da pesquisa.

Sônia M. L. Nikitiuk (1999), problematiza poeticamente a construção do conhecimento

histórico, relacionando-o diretamente com sua inserção no espaço escolar.

Descortinando horizontes

História narrativa, ciência, disciplina...

Professor leitor, historiador, decodificador...

Ensino reprodução, produção, inovação...

Passado, presente, futuro...

Que horizontes descortinar?

História nova, novas formas,

Novos objetos, novos sujeitos,

Novas linguagens, novos papéis.

Serão novos os saberes?

Espaços, limites, fronteiras,

Infinito, olhares, barreiras.

Observam, procuram, exploram.

E o imaginário se torna real.

[...]

Em Chartier, um espaço de investigação

E o alerta para o texto e para a produção.

Em Burke, o real é historicamente produzido,

Chaga-se à História total

E morre a ilusão dos documentos

Que falam por si só.

O universo do historiador está em franca expansão,

O universo da História parece indeterminado.

E como fica o universo da Academia?

E o universo do professor?

E o aluno, tem universo?

[...]

Talvez aí, nesse horizonte expandido,

Comece a busca da identidade...

Afinal, professor.

Você também escreve a História!

E seu aluno, pode escrever?

[...]

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84

Veja a totalidade das atividades humanas

E saberá que a História não é imutável.

Arrisque-se a sair das narrativas

E descobrirá estruturas diversas para sua leitura de mundo.

Entre no mundo, arrisque-se, invente!

E verá que todos, ao seu redor, têm papel nessa história.

Releia o que sempre leu

E sentirá necessidade de novas leituras e documentos.

Procure explicar os fatos fazendo outras questões

E descobrirá as ações coletivas.

Conscientize-se de que o real é relativo

E verá como outros sujeitos o ajudarão

A descortinar horizontes e ler evidências.”

(NIKITIUK, 1999, p. 09-11)

Esta produção de Nikitiuk insere-se no movimento que Guimarães Fonseca (2005) denominou

como “tempos do repensar” e, embora destinada à reflexão do professor de História e de seu

fazer cotidiano, traz assertivas relevantes para orientar a pesquisa dentro deste universo que é

o cotidiano escolar. Assim, após discorrer sobre o proposto e pretendendo investigar o

efetivado, adentrei no espaço escolar ciente de que o fazer cotidiano não pode ser traduzido

por meio de explicações gerais ou sua dinâmica apreendida por um conjunto de regras.

Propondo-me a pesquisar de que forma os professores de História se apropriaram e se

apropriam dos PCN para a elaboração da História ensinada, percebi que seria necessário,

primeiramente, conceituar as categorias escola e objeto de pesquisa, uma vez que a primeira

configura o espaço de minha pesquisa; e o segundo, o elemento gerador das questões aqui

propostas.

Dessa forma, a escola é aqui pensada “como uma instituição na qual se fazem presentes

formas de relações sociais baseadas em um enorme trabalho de objetivação e codificação – é

o lugar da aprendizagem de formas de exercício de poder” (VICENT et al, 2001), no qual

regras supra-pessoais se impõem a toda a comunidade, colocando o processo de ensino-

aprendizagem socialmente e historicamente creditado a esta instituição, sob a égide dessas

relações de poder que se naturalizam e ganham uma invisibilidade que as legitimam. E o

objeto de pesquisa, no caso do meu trabalho, envolve um “sujeito que fala”, conforme nos

chama a atenção Kramer (1993), lembrando Bakhtin que diz que o homem só pode ser

estudado como sujeito, produtor de discursos e produtor de voz ativa, e jamais como objeto

coisificado. Logo, o conhecimento que se pretende construir em uma pesquisa que tem como

objeto o sujeito humano, deve ter caráter dialógico, ou seja, construir-se no encontro do

pesquisador e do sujeito pesquisado que, através do diálogo interfere na edificação do

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85

trabalho. Trata-se de um objeto/sujeito34

com vontades e ações próprias, que não se deixa

manipular passivamente, que muda os rumos da pesquisa inserindo elementos inesperados.

Enfim, são objetos/sujeitos que, ao se darem a conhecer, por sua especificidade, produzem já

um novo que aponta para possibilidades múltiplas. Logo, realizar minha pesquisa no espaço

escolar, atuando junto aos professores de História, exigiu conscientizar-me e, na medida do

possível, buscar apreender, as relações de poder vigentes em cada instituição, bem como a

interferência que essas relações causam na ação do docente, sobretudo na elaboração da

História ensinada. Busquei ainda atuar junto ao professor pela interface sujeito/objeto e

objeto/sujeito, uma vez que muitas das ações do sujeito observado foram premeditadas em

função da minha presença e da observação que o mesmo havia feito sobre mim. Assim eu,

enquanto sujeito que buscava construir um conhecimento possível, transformava-me também

em objeto de observação e questionamentos. E meu objeto, ao alterar suas ações, imprimiu

um novo rumo ao trabalho, tornando-se assim sujeito determinante.

Sendo assim, não raro foram os momentos em que, como no texto de Nikitiuk, questionei-me

a respeito do que era o real? Que realidade era aquela que eu buscava apreender se eu não

possuía a certeza de que ela era de fato o retrato do que acontecia antes de minha pesquisa e

do que iria acontecer após a mesma? Como saber se o período por mim analisado poderia ser

tratado como sendo desvelador do cotidiano daquele professor? E as respostas a estas

inquietações vieram-me pela minha base teórica. Um discurso jamais é criado sem uma

sustentação concreta e um objetivo proposto, mesmo que estes sejam ignorados pelo próprio

autor. Logo, se os professores observados alteraram seu cotidiano em função da pesquisa que

estava sendo realizada, pode-se ter aí a representação do ideal identitário que esses

profissionais idealizam, ou mesmo a representação do espaço escolar, da disciplina História e

do mundo como um todo.

Se me propus à empreitada de descortinar horizontes em um universo tão complexo quanto o

cotidiano escolar, foi preciso aprender não só a olhar pela janela, mas saltar por ela e

mergulhar no horizonte (ou nos horizontes, haja vista a multiplicidade encontrada), pois,

conforme Chartier (1990), só se pode apreender as práticas culturais e seus enraizamentos,

adentrando nas especificidades dos espaços onde estas práticas se efetivam; a buscar e ler

fontes variadas, muitas vezes ignoradas em um primeiro momento; a encontrar rumos, saberes

e fazeres inusitados; a reconhecer, na ação do professor em sala de aula, o instrumento de um

34

Denomino objeto/sujeito por reconhecer que o objeto de minha pesquisa envolve sujeitos que interagem e

alteram os rumos da pesquisa.

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sujeito que não só ensina, mas constrói História; a correr riscos, inventar e criar caminhos

alternativos; a reler um espaço até então visto por mim individualmente, como um espaço de

ações coletivas; precisei relativizar o real para perceber que as evidências são leituras

coletivas, decifráveis apenas através do diálogo com outros sujeitos e suas respectivas

realidades.

Logo, foi preciso descobrir novas formas de criar conhecimento no/do/sobre o cotidiano

escolar e os professores observados, pois como diz Certeau (2004) é necessário traçar uma

trajetória metodológica para decifrar o pergaminho. E o primeiro passo foi reconhecer que o

cotidiano é cenário de criação de conhecimentos que, embora ordinários ou tratados como tal,

dinamizam a estruturação e organização dos diferentes grupos sociais internos e externos à

escola. Por se tratar de conhecimentos criados em nossas ações cotidianas, a compreensão de

seu processo se torna difícil, sobretudo nos moldes da modernidade que há muito orientam as

pesquisas. Ou seja, inicialmente devemos perceber que, na pesquisa com/no/sobre o cotidiano

(escolar), sujeito e objeto se dissolvem em um processo dialógico complexo que resulta em

uma ação coletiva, pois conforme Oliveira:

Pensar o cotidiano e erguê-lo à condição de espaço e tempo privilegiado de

produção e da existência dos conhecimentos, crenças e valores que a ela dão

sentido e direção, considerando-o de modo complexo e composto de elementos

sempre e necessariamente articulados, implica em não poder dissociar a

metodologia em si das situações estudadas por seu intermédio. Essa talvez seja uma

das forças dessa metodologia, que não coloca como partes distintas as diversas

dimensões que envolvem a pesquisa, ou seja: a teoria e a prática; os saberes formais

e os saberes cotidianos; o modelo social e a realidade social; os dados relevantes e

os irrelevantes cientificamente; os observadores e os observados; o conteúdo e a

forma; etc (OLIVEIRA, 2001, p.41).

Para Alves (2001), quatro aspectos são necessários para compreender (ou tentar compreender)

a complexidade do cotidiano: o primeiro refere-se à necessidade de mergulhar com todos os

sentidos no que se deseja estudar para não apenas “ver” o objeto em questão, mas senti-lo em

todas as suas dimensões, formas, cores, cheiros num movimento de “sentimento de mundo”.

O segundo, que Alves denomina de “virar de ponta cabeça” implica em perceber nos

princípios investigativos criados e cultuados pela modernidade, não só o apoio orientador de

uma rota, mas limites ao que precisa ser tecido, sendo necessário, às vezes, furtar-se a tais

princípios, pois eles cerceiam possibilidades. O terceiro exige a ampliação das fontes, ou do

que é entendido como fonte, bem como a ampliação das formas de lidar com a diversidade, o

diferente e o heterogêneo. Trata-se de “beber em todas as fontes” criando uma rede de

conhecimentos que busque dar conta da complexidade do objeto. E o quarto aspecto reporta-

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87

se à criação de uma nova linguagem para comunicar novas preocupações, novos problemas,

novos fatos, dar voz a novos sujeitos. Ou seja, é preciso criar uma nova forma de escrever

para contemplar as sensibilidades e os diferentes matizes que compõem o fazer cotidiano. A

esse movimento, Alves denominou “narrar a vida e literaturizar a ciência”.

Assim, ao iniciar as observações das aulas ministradas pelos professores participantes de meu

trabalho, com a expectativa de que a observação direta me possibilitasse um contato estreito

com o fenômeno pesquisado (LÜDKE e ANDRÉ, 1986), e interagindo com os sujeitos na sua

prática cotidiana, a fim de apreender o significado que eles atribuem à realidade que os cerca

e ao fazer por eles mobilizado, utilizei-me de um roteiro de observação (ANEXO C) que

pudesse direcionar minha atenção. Direcionar sem enrijecer; pois todas as situações que não

foram contempladas pelo meu roteiro, eram registradas no meu diário de campo. No roteiro

de observação procurei registrar o tema da aula, as atividades desenvolvidas, as dinâmicas e

metodologia utilizada, o envolvimento do aluno e a relação professor – aluno – ensino–

aprendizagem, a fim de vislumbrar, por meios das práticas do docente, possíveis apropriações

dos PCN, bem como astúcias táticas utilizadas pelo professor na efetivação do proposto. E no

meu diário de campo fazia anotações a respeito de tudo que se relacionava direta e/ou

indiretamente com o espaço e os sujeitos de minha pesquisa, sem a preocupação de um foco

pré-determinado em relação direta com meus objetivos. A razão destes registros era criar

material de buscas futuras, caso algum elemento importante para o desenvolvimento de meu

trabalho, escapasse aos demais instrumentos investigativos, o que ocorreu uma série de vezes,

uma vez que a complexidade do espaço escolar e dos objetos/sujeitos me surpreendia

constantemente.

Sendo assim, procurei não apenas estar no espaço escolar, na sala de aula, como um

observador que guarda distância em uma pretensa neutralidade, mas mergulhei neste universo

a fim de compreender suas lógicas, mesmo ciente dos riscos que isto significa. Foi envolvida

nesta dinâmica que pude perceber que o espaço escolar constitui-se em um espaço de

imaginação, de criação, de inteligência, de produção de saberes, gerador e propagador de

cultura, pois buscar entender o cotidiano escolar

[...] exige que esteja disposta a ver além daquilo que outros já viram e muito mais:

que seja capaz de mergulhar inteiramente em uma determinada realidade buscando

referências de sons, sendo capaz de engolir sentindo a variedade de gostos,

caminhar tocando coisas e pessoas e me deixando tocar por elas, cheirando os

odores que a realidade coloca a cada ponto do caminho diário (ALVES, 2001,

p.17).

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88

Ou seja, é necessário colocar todos os sentidos a serviço da pesquisa – trabalhar com o

sensível exige sensibilidade e percepção! É preciso estar atento a tudo o que se passa, pois o

entorno do objeto pode revelar muito mais sobre ele do que o foco por nós selecionado. Este

mergulho sensível na realidade estudada implica abandonar a segurança e comodidade dos

modernos esquemas estruturados de observação e classificação, bem como assumir o risco de

não-aceitação. Substituindo às certezas absolutas dos métodos da modernidade, a investigação

do/no/sobre o cotidiano escolar traz a invenção cotidiana com mil maneiras de caça não

autorizada (CERTEAU, 2004).

Nessa busca por decifrar o cotidiano escolar em questão e as redes de conhecimento nele

tecidas, encontrei-me na iminência de lançar mão de teorias diversas, suscitando um diálogo

com o que cada uma delas trazia de contribuição para o desenvolvimento do meu trabalho e

percebendo os limites que elas me impunham. Sendo assim, ao optar pela abordagem da

História Cultural, acredito ter encontrado um caminho para superar as restrições de teorias

que engessam a pesquisa em uma área restrita, minorando suas possibilidades potenciais.

Todo aquele que toma a parte como um reflexo fiel do todo em proporções reduzidas, tende

a pensar que os métodos para conhecê-los são idênticos. Nessa perspectiva, o cotidiano seria o

nível menor de uma realidade maior, cujo estudo se dá pelo emprego das mesmas regras

usadas para estudar o mundo maior. Mas, quando se percebe que, apesar das múltiplas e

complexas relações que o cotidiano mantém com o mais amplo, ele é tecido por caminhos

próprios entrelaçados a outros caminhos, entende-se que as fontes que se propõe dar a “ver” a

totalidade do social, não são suficientes nem adequadas para apropriar-se do fazer ordinário

do cotidiano, sendo necessário ampliar e complexificar tal conceito (ESTEBAN, 2003).

Assim sendo, para valer-me de fontes variadas e realizar uma interpretação e compreensão

que não incorresse no relativismo subjetivista, elaborei diferentes instrumentos (questionário,

entrevista, observação de aulas e diário de campo), que se constituíram em fontes

documentais35

, que possibilitaram a triangulação dos dados e ampliaram as possibilidades de

confrontação dos mesmos.

E para expressar/transmitir tudo o que foi sendo apreendido ao longo desse processo de

pesquisa, optei por uma forma de escrita/fala36

que tem por objetivo escapar à linearidade

35

As partes desses documentos que foram consideradas relevantes encontram-se analisadas e expostas ao longo

do trabalho sob a forma de citações e/ou narrativas indiretas. 36

Conceito utilizado por Nilda Alves para nomear uma forma de escrita que dê espaço para a construção de uma

rede de comunicação muito mais questionativa do que explicativa.

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89

expositiva e construir uma rede de possibilidades de diálogos e práticas de leitura. Para

melhor compreender como se processa uma “narração da vida ou literaturalização da ciência”,

Certeau faz aferições relevantes nos seus estudos sobre o cotidiano.

A narrativização das práticas seria uma ‘maneira de fazer’ textual, com seus

procedimentos e táticas próprios. [...] Em muitos trabalhos, a narratividade se

insinua no discurso erudito como o seu indicativo geral (o título), como uma de

suas partes (‘análises de caso’, ‘histórias de vida’ ou de grupos etc) ou como seu

contraponto (fragmentos citados, entrevistas, ‘ditos’ etc) [...] Não seria necessário

reconhecer a legitimidade ‘científica’ supondo que em vez de ser um resto

ineliminável ou ainda por eliminar do discurso, a narratividade tem ali uma função

necessária, e suponho que ‘uma teoria do relato é indissociável de uma teoria das

práticas’ [...] Então se poderiam compreender as alternâncias e cumplicidades, as

homologias de procedimentos e as imbricações sociais que ligam as ‘artes de dizer’

às ‘artes de fazer’: as mesmas práticas se produziriam ora num campo verbal ora

num campo gestual; elas jogariam de um ou outro, igualmente táticas e sutis cá e lá;

fariam uma troca entre si – do trabalho ao serão, da culinária às lendas e às

conversas de comadres, das astúcias da história vivida às da história narrada

(CERTEAU, 2004, p. 152-153).

Assim, se optei por narrar as experiências vivenciadas ao longo desta pesquisa em sua

segunda parte, não foi por ignorar a polêmica sobre narrativa histórica e sua proximidade com

a literatura, que nas proposições de alguns teóricos anuncia o fim da História. Mas, por não

entender como narrativa a mera descrição e sim a expressão possível das sutilezas e

puerilidades das práticas analisadas sabendo que, enquanto narrador praticante37

, insiro minha

subjetividade no meu modo de contar. Optei também pela narrativa por tratar-se da forma que

mais se observa nas ações pedagógicas, resultante da “interação entre o que está narrando, o

público que ouve e a memória comum que tem sobre outras ações pedagógicas” (ALVES,

2001, p. 36). Assim como na narrativa oral do docente observa-se uma comum mudança de

rota em função do diálogo que estabelece com quem ouve, na narrativa acerca das práticas

docentes do cotidiano observado, o diálogo com os professore muitas vezes alterou os rumos

do meu trabalho.

Conforme as proposições de Esteban (2003), as singularidades das práticas cotidianas do

espaço escolar demandam procedimentos metodológicos que não minimizem a complexidade

nem desumanizem seus processos de efetivação. A dinâmica da pesquisa com/no/sobre o

cotidiano é então marcada pela incerteza, invisibilidade e imprevisibilidade, configurando um

lugar/tempo onde “os opostos se cruzam, se tecem, se aproximam, se distanciam, indicam

rupturas, promovem encontros, convivem nas contradições, criam um movimento difícil de

ser percebido, acompanhado, apreendido, interpretado, compreendido, traduzido”

37

Denomino-me narrador praticante por estar envolvida nas práticas narradas.

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90

(ESTEBAN, 2003, p.201-202). A escola é, assim, compreendida pela autora como a teoria do

caos em realização, pois

Tudo acontece ao mesmo tempo e, freqüentemente, fora da hora que deveria

acontecer. Os sujeitos da pesquisa teimam em não se deixar traduzir como objetos

de pesquisa e se movem segundo suas próprias definições, não seguem nosso

roteiro, nossas previsões, nem mesmo nossos acordos: faltam exatamente no dia de

nossa ida à escola, falam de tudo, menos daquilo que queremos saber, agem

exatamente no sentido que a teoria em que nos fundamentamos critica (ESTEBAN,

2003, p. 202).

Diante disso, Esteban busca um percurso metodológico possível no conceito de deriva

formulado por Maturana, segundo o qual “a palavra deriva faz referência [...] a um curso que

se produz, momento a momento, nas interações do sistema e suas circunstâncias”

(MATURANA, 2001, p.81). É nesta dinâmica auto-produtiva que se insere as opções que

fazemos ao longo de nosso trabalho de pesquisa, bem como o modo como vamos organizando

as nossas ações em diálogo com o contexto. É neste caminho que se faz ao caminhar, que a

deriva mostra evidências que orientam o pesquisador do/no/sobre o cotidiano escolar dando

ordem ao caos através de interligações aparentemente inexistentes, mas que expressam um

conjunto de fatores que, ao se comunicarem, estabelecem certa auto-organização. Em função

desta ação auto-organizativa, possibilidades são contempladas enquanto outras são

descartadas, dados são selecionados enquanto outros são abandonados. Isso porque essa auto-

organização não é de forma alguma aleatória e arbitrária, pois os sujeitos do cotidiano

produzem um conjunto de interações que orientam o caminho. Ademais, “a deriva conecta os

fragmentos aos processos mais amplos, indicando que o ordinário, o insignificante, o

episódico – são expressões singulares das interações humanas que carregam as marcas da

trama social na qual se constituem” (ESTEBAN, 2003, p.204).

Todavia, ao mesmo tempo em que a noção de deriva apontou-me um caminho para a

realização de minha pesquisa, ela não me forneceu garantia alguma, pois prevaleceram as

escolhas que fiz ao longo do processo, por meio das interações constantes entre o sensível

subjetivo e realidades concretas. O que contudo, não significa dizer que não houve uma

tentativa de imprimir uma condução rigorosa e responsável pela adoção de bases e

pressupostos teórico-metodológicos, muitos dos quais já foram esclarecidos anteriormente.

Logo, os resultados dessa pesquisa, ainda que considere a dinâmica das construções de

verdades relativas, decorrem de um comprometimento com a pesquisa acadêmica, com os

sujeitos nela envolvidos e comigo mesma.

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91

2.2.1 – Os desafios da pesquisa cujo objeto é um sujeito que fala

Desde o momento que me propus pesquisar junto aos professores de História, as apropriações

feitas dos PCN para a elaboração da História ensinada, preocupei-me em tratá-los como

participantes da pesquisa e não como simples informantes: pontes entre a questão proposta e a

resposta desejada. Assim, ao elaborar os instrumentos de minha pesquisa, atentei para o fato

de que eles deveriam proporcionar um diálogo que levasse à produção de um discurso com o

outro e não sobre o outro, embora eu saiba que, na prática cotidiana, não é tão fácil discernir

entre o “com o outro” e o “sobre o outro”. Segundo Fleury,

Quando o sujeito se relaciona com outros sujeitos exclusivamente a partir de como

aparecem em seu campo de visão, necessariamente os transforma em seus objetos

e, em contrapartida, se sente ameaçado de ser transformado em objeto pelo olhar do

outro. Estabelece-se um jogo de forças, uma luta de vida ou morte, um conflito

existencial que está na origem da relação senhor-escravo [...] e que se manifesta nos

processos de submissão e exclusão social ou institucional (FLEURY, apud

FERRAÇO, 2003, p. 94-95).

Foi buscando estabelecer relações bem mais amplas do que as circunscritas ao campo de visão

que coloquei-me diante dos sujeitos de minha pesquisa. Contatei a eles e suas respectivas

escolas, apresentando minha proposta de trabalho, explicando as questões que me levaram a

ela, os motivos de tê-los selecionado e pedi a autorização a ambos, instituição e professor. Só

então dei início ao projeto. Antes de definir instrumentos a serem utilizados, visitei algumas

vezes as escolas e acompanhei os professores em determinadas atividades. De posse deste

conhecimento prévio, elaborei meu questionário, entrevista e ficha de observação de aula.

Segundo Goodson (1995), sempre que pesquisadores acadêmicos entram nas escolas, cercam

o professor a fim de que este lhe forneça dados sobre a realidade escolar e os destitui de sua

subjetividade, propondo ações interventivas sobre a realidade observada e as ações dos

docentes, desconsiderando a história dos professores, da instituição e da comunidade

circundante. Contrariamente, busquei criar instrumentos e adotar metodologias que

possibilitassem aos professores interagir com a pesquisa e usufruir dela a fim de movimentar

as tarefas de seu cotidiano e dinamizar suas práticas.

Ao “mergulhar” no cotidiano escolar procurando investigar as apropriações feitas dos PCN

pelos professores de História para elaborarem a História ensinada, outras questões surgiram

como: Quais as representações que esses professores têm de si, da disciplina História e dos

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PCN? Como eles percebem sua atuação na elaboração da História ensinada? Que relações eles

estabelecem com elementos normativos externos e internos? Como eles se relacionam com o

saber (científico e escolar)? Que propostas (pedagógicas, políticas e sociais) eles têm para sua

prática docente?

Para problematizar e buscar respostas possíveis às questões formuladas, iniciei meu processo

investigativo com a aplicação de um questionário. O objetivo foi delinear o perfil dos

professores de História que iriam participar da pesquisa, bem como sua relação com a História

e seu ensino. O questionário foi organizado em seis blocos de perguntas (ANEXO A), que

buscam contemplar a caracterização pessoal; formação e atualização; valores em relação a

alguns aspectos da História; informações sobre a prática pedagógica; opiniões sobre o ensino

de História; e sua relação com os PCN. Pela aplicação do questionário pude estabelecer

respostas provisórias a algumas das questões levantadas mas, principalmente, conheci um

pouco do imaginário dos professores e dos ideais que orientam suas práticas, bem como foi

possível realizar alguns confrontamentos. Por exemplo, a professora A.M., quando perguntada

sobre a definição de História, dá a seguinte resposta:

É a área do conhecimento que tem como objetivo38

de estudo as sociedades

humanas no tempo. Logo, conhecer a História é entender os diferentes

processos e sujeitos históricos e suas relações nos diferentes tempos e

espaços.

Logo, conforme o texto da professora A.M., a História atua em diferentes tempos e espaços,

buscando compreender a ação da coletividade humana nas semelhanças e diferenças dos

múltiplos grupos, reconhecendo a diversidade dos fatos e dos sujeitos históricos,

subentendendo uma postura crítica e reflexiva. Mas, no mesmo bloco de questões, ao falar

sobre o passado histórico, ela diz tratar-se de “Uma realidade estudada pelos historiadores.”

Ou seja, percebe-se o confronto entre uma representação de um ideário compartilhado por um

grupo referencial na primeira questão, e a expressão de uma resposta marcadamente

positivista, determinista e reducionista que trata o passado como uma realidade passível de

apreensão. Ademais, pela distância que ela estabelece ao delegar aos historiadores o estudo do

passado, como se este fosse uma realidade apreensível, percebe-se que ela não se reconhece

como historiadora.

38

Penso que a professora queria escrever objeto de estudo e não objetivo. Todavia não me senti no direito de

alterar sua escrita original. Até porque penso que um erro dessa proporção pode revelar em que medida esta

resposta pode ser tida como original.

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93

Reconhecer o professor como autor da História ensinada, mesmo que essa autoria decorra de

uma autonomia relativa como afirma Chevallard (1991), implica no reconhecimento da sala

de aula como um espaço de ação e produção de saberes, onde há criatividade, incertezas,

medos, prazeres, sucessos, insucessos, situações inesperadas que requerem do professor

destreza, conhecimento e bom senso, pois ele é o mediador de todos os processos de

aprendizagem que se efetivam neste espaço.

Em algumas aulas que observei do professor R.D. acompanhei a elaboração de um

“caderninho” sobre a crise de 1929 e os regimes totalitários. A atividade consistiu na

abordagem do tema pelo professor, explanando-o de forma rápida. Como em aulas anteriores

já havia se abordado o assunto, os alunos possuíam algum conhecimento prévio e, junto com

o professor, elaboraram o que seria o índice do “caderninho”, elencando aspectos que

deveriam ser abordados. O consenso foi o seguinte:

1) A crise de 1929.

1.1) A queda da Bolsa de New York

1.2) A grande depressão

1.3) O new deal

2) Os regimes totalitários

2.1) O fascismo

2.1.1) Características do fascismo

2.2) O nazismo

2.2.1) Características do nazismo

2.3) O stalisnismo

2.3.1) Características do stalinismo

A escolha do título ficou a encargo de cada grupo; a única exigência era que houvesse

coerência com o tema. O “caderninho” foi sendo elaborado em algumas aulas, contendo

textos produzidos pelos alunos após pesquisas e debates, além de figuras, mapas e gráficos.

Ao final de cada item descrito, os alunos-autores deveriam posicionar-se criticamente, de

forma que o grupo buscasse construir um consenso e, caso isso não fosse possível, deveria

registrar com clareza e coesão narrativa o dissenso. Além deste corpo textual, o “caderninho”

continha capa, folha de rosto, dedicatória, agradecimentos, margem..., enfim, os elementos

básicos de um texto de pesquisa. A atividade foi finalizada com uma tarde de autógrafos para

toda a escola e exposição do material produzido.

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Quando questionado sobre o objetivo (ou objetivos) desta atividade, o professor R.D. disse

que:

Primeiro porque eu não acho que o professor deve dar tudo pronto para o

aluno; ele deve ajudar o aluno a construir um conhecimento próprio,

formulando opiniões e discordando de opiniões formuladas pelos outros.

Segundo porque é uma forma de fugir das aulas expositivas, embora às

vezes elas sejam necessárias. Terceiro porque é uma atividade que dá conta

dos três tipos de conteúdos: o conceitual, o procedimental e o atitudinal.

Ou seja, ao mesmo tempo que ele está aprendendo sobre os temas

históricos propostos, ele aprende procedimentos de pesquisa e do trabalho

coletivo e aprende que o conhecimento deve produzir atitudes; quando ele

expressa sua opinião ele está se posicionando diante de uma questão

histórica que pode ou não ter reflexos no presente vivido por ele.

O acompanhamento dessa atividade viabilizou a elaboração de algumas possibilidades de

representações deste professor sobre si mesmo, a História e seu ensino e o saber histórico

escolar. Essas formulações, confrontadas com dados obtidos por meio dos demais

instrumentos, possibilitaram uma triangulação que levou às devidas conclusões (mesmo que

parciais e provisórias).

Dois meses após as observações das aulas terem sido iniciadas, realizei com os professores

uma entrevista semi-estruturada, organizada por eixos (ANEXO B) a fim de que eles

pudessem se expressar de forma flexível e espontânea sobre as temáticas abordadas. Meu

interesse era coletar informações sobre: a História e seu ensino; a prática pedagógica; e os

PCN e sua incorporação à organização curricular e às práticas docentes. A fim de que nada se

perdesse, inclusive os silêncios dos entrevistados, as entrevistas foram devidamente gravadas

e transcritas. Todavia, os sujeitos possuem especificidades que devem ser respeitadas e, uma

das professoras em questão, recusou-se a gravar a entrevista, pedindo para respondê-la em

forma de questionário no prazo de quinze dias. Mesmo ciente dos riscos e do empobrecimento

que esse procedimento poderia gerar, não pude recusar. Como já foi dito anteriormente, os

sujeitos da pesquisa nas ciências humanas, freqüentemente interferem e alteram a pesquisa.

Dentre os textos das entrevistas, chamou-me especial atenção o posicionamento da professora

R.C. quando questionada sobre sua prática pedagógica e os PCN, ou melhor, se os PCN

exercem alguma influência sobre sua prática pedagógica? A resposta foi:

Acho que sim. Os PCN sofreram e sofrem até hoje, uma rejeição por muitos

professores. Eu ouço isso nos mais variados meios; eu também; já teve uma

época que critiquei muito. E uma das maiores críticas é a de que como

alguém pode achar ser possível estabelecer diretrizes curriculares em um

país continental com uma população estudantil tão grande e variada? Mas,

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95

o tempo passou e estou retomando os PCN e... Acho que eles são bons!

Hoje em dia eu já não vejo com tanto criticidade não. Acho inclusive que já

incorporei muita coisa dali como a ampliação das fontes, as visitas, essa

coisa do saber acadêmico e do saber histórico escolar. Então, mesmo que a

gente não reconheça assim, no dia-a-dia, muita coisa dos PCN está

incorporada à minha prática e... Eu avalio isso como sendo bom!

Logo, apesar dos PCN terem sido apresentados ao público docente em 1997 como uma

proposta que desobrigava sua adoção, por este texto da professora R.C. pode-se observar que,

talvez por constituir-se na única proposta formal de que dispomos ou pela carência de

orientação que atinge nossos docentes, mesmo aqueles que inicialmente ofereceram

resistência ou mesmo negaram os PCN, acabaram por retomá-los e reavaliá-los. Não que isso

signifique o fim das resistências ou a imposição de um modelo curricular mas, no mínimo,

nos faz pensar que, embora a chamada “febre dos PCN” tenha passado, o conteúdo dessa

proposta ainda chega aos docentes e às salas de aula, merecendo atenção e pesquisa. Não se

trata, como muitos poderiam pensar, de uma discussão superada. Ademais, a condição de

pesquisar o/no/com o cotidiano escolar, imprime um caráter dinâmico a esta pesquisa, afinal,

conforme Certeau:

A decadência de uma civilização construída sobre o alicerce do poder da escritura

contra a morte se traduziria pela possibilidade de escrever o que a organizava.

Somente o fim de uma época permite enunciar o que a fez viver, como se lhe fosse

preciso morrer para tornar-se um livro (CERTEAU, 2004, p. 302).

2.3 – SABER HISTÓRICO ESCOLAR: UM PROCESSO QUE ENVOLVE

DIFERENTES SUJEITOS

Para tratar com propriedade tal tema, necessita-se definir a categoria saber histórico escolar

que, entre outras coisas, suscita algumas polêmicas. Primeiramente questiona-se se o saber

escolar é um saber específico ou mera derivação/simplificação do saber científico. O que por

sua vez nos remete a outra questão – qual seja: quais os sujeitos envolvidos nesse processo e

qual o grau de participação de cada um deles?

Durante um longo tempo, a relação dos professores com os saberes que ensinam foi pensada

dentro do paradigma da racionalidade técnica que considerava o professor um mero

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96

transmissor de saberes elaborados por outros e, cuja capacidade, limitava-se a “facilitar” a

apreensão do conhecimento científico pelos alunos. Tais saberes não eram questionados por

serem tidos como oriundos de uma base científico-cultural que lhes conferia legitimidade

(MONTEIRO, 2002).

Todavia, essa perspectiva vem sendo questionada, possibilitando uma renovação teórica que

reconhece a especificidade e complexidade do saber trabalhado na escola que, antes tida como

lugar de divulgação social da ciência, passou a ser espaço configurador de uma cultura

própria: a cultura escolar. Esta cultura é descrita por Julia como

[...] um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a

inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses

conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas

coordenadas a finalidades que podem variar (finalidades religiosas, sociopolíticas

ou simplesmente de socialização). Normas e práticas não podem ser analisadas sem

se levar em conta o corpo profissional dos agentes que são chamados a obedecer a

essas ordens e, portanto, a utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de

facilitar sua aplicação, a saber, os professores primários e os demais professores.

[...] Enfim, por cultura escolar é conveniente compreender também, quando isso é

possível, as culturas infantis (no sentido antropológico do termo), que se

desenvolvem nos pátios de recreio e o afastamento que apresentam em relação às

culturas familiares (JULIA, 2001, p.10-11).

Logo, pode-se perceber pela própria definição do autor, que a cultura escolar define um

espaço relativamente autônomo na produção do conhecimento, criando inclusive dispositivos

pedagógicos que viabilizem esta construção de saberes. Dentro de sua análise Julia adverte

que um dos grandes entraves nas tentativas de se pesquisar esta cultura escolar, encontra-se

exatamente no fato de que se buscava fazê-lo pela análise do externo, por meio de elementos

normativos destinados a regulamentar seu funcionamento. Somente a partir do momento que

o pesquisador inseriu-se em seu interior ele pode desvenciliar-se da ilusão da supremacia dos

normativos externos bem como da superestima do poder da escola. A dinâmica interna da

escola cria uma rede de interligações com o meio externo, envolvendo as expectativas da

sociedade e as demandas da Academia e instituições governamentais. Dessa interação,

adicionada às subjetividades dos sujeitos nela envolvidos, resulta a cultura escolar, espaço de

criação de saberes.

Partindo desse pressuposto, várias pesquisas têm se realizado com o intuito de investigar os

processos de constituição desses saberes. Desses estudos emergiu o conceito de saber escolar

enquanto um saber com configuração cognitiva própria e original da cultura escolar,

possibilitando a superação de concepções que identificavam no saber escolar simplificações,

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banalizações ou distorções do conhecimento científico, como aponta Monteiro ao citar

Forquin:

A perspectiva de um saber escolar tem por base a compreensão de que um saber

escolar não se limita a fazer uma seleção entre o que há disponível da cultura num

dado momento histórico, mas tem por função tornar os saberes selecionados

efetivamente transmissíveis e assimiláveis. Para isso, exige-se um trabalho de

reorganização, reestruturação e transposição didática que dá origem a configurações

cognitivas tipicamente escolares, capazes de compor uma cultura escolar sui

generis, com marcas que transcendem os limites da escola. (FORQUIN, 1993, apud

MONTEIRO, 2002:78).

Dessa forma, o saber escolar é tratado como uma construção histórica operada em sociedades

modernas ocidentais para atender demandas, expressando interesses, valores e relações de

poder39

.Tal saber geralmente tem sido expresso, em função da organização dos sistemas

escolares, sob a forma de disciplinas cuja função, segundo Chervel (1990), consiste em

colocar um conteúdo de instrução a serviço de uma finalidade educativa.

Ao se pensar em saber escolar, tem-se como um de seus principais teóricos Chevallard, que

reconhece e explicita as diferenças entre o saber científico (acadêmico) e o saber escolar,

criando uma hierarquização de saberes assim definida: saber acadêmico, saber a ser ensinado,

saber ensinado e saber aprendido. O saber acadêmico é tido como o saber de referência,

produzido e ensinado em centros universitários, originário de pesquisas com rigor

metodológico científico. A noosfera, ou seja, o conjunto de agentes sociais externos à sala de

aula (inspetores, autores de livros didáticos, técnicos educacionais, família...), designam o

saber a ser ensinado, que se expressa nas propostas curriculares oficias e nos currículos

formais. Os professores, em sua prática cotidiana de sala de aula e ciente dos saberes a serem

ensinados, elaboram o saber ensinado, ou seja, o saber que é efetivamente trabalhado junto ao

aluno. E o aluno, fechando esse ciclo elaborativo do saber escolar, apropria-se do saber

aprendido. Bittencourt (1993), apropriando-se das proposições de Chevallard, diz que o saber

escolar trata-se

[...] de um conhecimento concebido como científico, ou criado com certo rigor em

centros considerados academicamente como tal e que é proposto dentro de regras

determinadas pelo poder constituído ou por instituições próximas a ele,

constituindo-se, dessa forma, o saber a ser ensinado difundido pelas disciplinas

escolares distribuídas pelos programas curriculares. O saber a ser ensinado

transforma-se em saber ensinado na sala de aula onde o professor é elemento

fundamental tanto na interpretação que fornece a este conhecimento proposto,

como nos métodos que utiliza em sua transmissão, com os meios de comunicação

que dispõe. Finalmente, para a configuração final do saber escolar, temos o saber

39

Segundo Bittencourt, a própria seleção de conteúdos na constituição de uma disciplina escolar já traz em si

uma expressão de poder. Para saber mais verificar as produções da autora citadas nas referências.

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98

aprendido, ou seja, o conhecimento entendido, incorporado e utilizado pelos alunos

de acordo com a vivência de cada um deles, das condições sociais e das relações

estabelecidas no espaço escolar (BITTENCOURT, 1993, p.7-8, grifo da autora).

Dessa forma, podemos observar que a constituição do saber escolar prescinde de vários

sujeitos, internos e externos à escola. A este processo de constituição do saber escolar,

Chevallard denominou “transposição didática”.

Tal abordagem obteve algumas críticas como, por exemplo, a idéia de que a disciplina escolar

é dependente do conhecimento científico, atribuindo-lhe um status inferior. A transposição

realizada pela didática tendo como objetivo único tornar esse saber assimilável, vulgariza e

torna simplista o saber acadêmico. Coloca o saber escolar como um saber de segunda classe

que só possui legitimidade quando esta lhe é conferida pela “ciência-mãe”. Segundo essa

concepção a escola é o lugar de recepção e de reprodução do conhecimento externo, variando

sua eficiência pelo maior ou menor grau de capacidade de adequá-lo aos fins educativos

(BITTENCOURT, 2004).

Outros pesquisadores, sobretudo André Chervel (1990), discordam do fato de que o saber

escolar decorre de mera transposição didática do saber erudito mas, antes, que se constitui por

intermédio de uma teia de outros conhecimentos, incluindo-se a subjetividade do professor,

sujeito privilegiado do processo pois liga-se às diversas etapas do mesmo. Para este

pesquisador, o saber escolar é uma entidade epistemológica relativamente autônoma em

virtude do fato de ser gestado no interior de uma cultura escolar, mesmo que inserido em

relações de poder muitas vezes externas a ela. Para ele, a escola é uma instituição que, embora

obedeça a uma lógica particular e específica da qual participam diversos agentes, deve ser

considerada como lugar de produção de um saber próprio, com finalidades e objetivos

específicos de uma ação educativa que transcendem as salas de aula.

Para redimensionar o processo de constituição do saber escolar, Monteiro (2002) adota o

termo “mediação didática” em substituição à transposição didática. Ela busca tal conceito em

Lopes (1997) que trata o saber escolar como um saber oriundo da articulação de diferentes

saberes, articulação esta muitas vezes conflituosa, da qual emerge o saber ensinado. Segundo

Lopes:

Utilizo o termo mediação não no sentido genérico que lhe é conferido: ação de

relacionar duas ou mais coisas, de servir de intermediário ou ponte, de permitir a

passagem de uma coisa a outra. Utilizo o termo “mediação” em seu sentido

dialético: um processo de construção de uma realidade através de mediações

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99

contraditórias, de relações complexas, não imediatas, com um profundo senso de

dialogia (LOPES, 1997, p.106).

Logo, ao tratar da mediação didática, estarei fazendo-o no sentido de articulação entre o saber

acadêmico e o saber escolar, sem hierarquias ou simplismos, mas admitindo que, em sua

maioria, o saber escolar tem como ponto de partida o saber acadêmico. Entretanto, como o

saber escolar prescinde da dimensão educativa, eles se reformulam numa relação dialógica e

dialética que confere uma série de particularidades ao saber escolar, que se reinventa em cada

aula, adequando-se a cada contexto onde interagem os diversos agentes nele envolvidos, cada

qual atuando aí como mediador. Sobre isso, Allieu, citado por Monteiro, diz:

A história ensinada é reinventada em cada aula, no contexto de situações de ensino

específicas, onde interagem as características do professor, dos alunos e da

instituição, características essas que criam um campo de onde emerge a disciplina

escolar. Esses atores estão imersos no mundo, ou seja, numa sociedade dada, numa

época dada, onde as subjetividades expressam e configuram representações que,

por sua vez, interferem na definição das opções que orientam os sentidos atribuídos

aos acontecimentos (ALLIEU, apud MONTEIRO, 2002, p.104).

Assim, o saber histórico escolar é um saber próprio da cultura escolar, oriundo da mediação

didática, que se inicia com os técnicos e especialistas da noosfera científica e chega ao

professor que, com sua subjetividade e sua formação profissional e cultural, ressignifica o

saber a ser ensinado permeando-lhe de uma dimensão educativa pertinente e gestando o saber

histórico ensinado. Também se ressalta aqui o papel das representações na elaboração do

saber escolar. Logo, volto a afirmar que a representação que o professor tem de si, da História

e seu ensino e do mundo que o cerca têm implicações diretas na elaboração da História

ensinada, merecendo por isso serem consideradas com o devido cuidado neste trabalho. O

mesmo pode-se dizer do aluno ao elaborar a História aprendida, mas, como expressei

anteriormente, minha pesquisa não o teve como sujeito direto, de modo que não investiguei de

forma mais profunda suas representações.

Assim sendo, estamos de acordo com Chevallard quando ele diz que o professor apenas

trabalha na “transposição didática” (mediação) e não realiza todo o processo40

. Todavia, como

não concordamos com a hierarquia que tal autor impõe, consideramos que a atuação do

professor nesse processo de elaboração do saber histórico escolar é de suma importância, uma

vez que ele é o sujeito que faz o elo entre o saber a ser ensinado (oriundo da noosfera) e o

saber aprendido (apropriado pelo aluno). Tendo como pressuposto que a configuração desse

saber a ser ensinado muitas vezes decorre de uma relação de poder que visa manter as

40

Segundo Chevallard, quando o professor trabalha no processo de transposição didática, ele já se iniciou há

muito tempo, de modo que ele não realiza o processo; apenas participa do mesmo.

Page 100: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

100

desigualdades sociais e não o inverso, é o professor, ao elaborar o saber ensinado, que pode

reverter essa situação. Entretanto, para que tal proposta se concretize, faz-se necessário que o

professor esteja consciente não só das relações de poder implícitas no saber a ser ensinado,

como de sua possibilidade de ação recriadora e/ou ressignificadora na elaboração do saber

ensinado.

Foi acreditando em tal premissa, que realizei minha pesquisa visando verificar como os

professores de História têm se apropriado dos PCN, proposta oficial de saber a ser ensinado,

para elaborarem o saber ensinado em suas salas de aula. Nos resultados (mesmo que parciais

desta pesquisa) pude perceber que, embora a maioria dos professores participantes tenham o

saber histórico escolar em uma conta de saber relativamente autônomo, poucos deles se dão

conta das relações de poder que permeiam todo esse processo, bem como da relevância de sua

participação no mesmo. Para melhor analisar esta questão, vejamos a resposta do professor

R.D. quando, na entrevista, foi perguntado sobre a especificidade do saber histórico escolar,

sua constituição e sua participação na elaboração deste saber.

Olha! O saber histórico de uma forma ampla, ele tem que ser realmente

separado do saber escolar. Nós, quando estamos no meio acadêmico,

estudando, temos uma visão, um tipo de análise. Dentro da escola isso tem

que ser remontado, sobretudo porque a clientela não tem um conhecimento

amplo, então você tem que limitar. Limitar não no sentido de faltar

conhecimento, mas limitar no sentido de permitir que esse conhecimento

chegue até o aluno; que ele tenha acesso a isso. O conhecimento histórico

escolar tem que ser moldado de maneira que o aluno tenha condições de

compreender esse conhecimento. Eu acho que é uma categoria de

conhecimento específico da escola. Ele deve ser construído de maneira a

ter significado para o aluno, porque se você for passar para o aluno da

maneira como ele é produzido fora, sem estabelecer ganchos, ele não vai

ter interesse. Então você tem que partir de situações que façam parte da

vida dele, que o envolvam. Não que a gente seja simplista, ou coisa assim;

mas a gente tem que unir o conhecimento científico com algo que faça

sentido para eles. Você tenta encaixar o conhecimento academicamente

produzido com o conhecimento do aluno, sem correr o risco de contaminar

o conhecimento histórico. Você tem que usar o conhecimento do aluno para

fazer com que ele tenha acesso, eu penso assim! O professor seria um

“mediador” na medida em que tenta captar o conhecimento que o aluno já

tem e incutir dentro desse conhecimento, o conhecimento que ele tem. Na

verdade, você não está transmitindo conhecimento para ele como se ele

fosse um receptáculo e nada mais; você está tentando ser uma ponte. Eu

acho que o papel do professor, o lugar do professor dentro da construção

do conhecimento histórico é esse .(Professor R.D.)

Isso posto, acredito que ainda há muito por fazer no sentido de tornar o professor, de fato, um

sujeito ativo no processo de mediação didática, bem como respeitar o aluno como outro

sujeito integrante dessa construção coletiva que é o saber escolar. Pelo discurso do professor

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101

acima citado, percebe-se que ele consegue discernir com certa clareza o saber histórico

escolar do saber histórico acadêmico, mas não consegue determinar o papel exato do

professor dentro do processo de elaboração deste saber. Ele se coloca apenas como “ponte”

entre os dois saberes, furtando-se o papel de agente criador de um saber próprio, carregado de

suas representações. Esse não reconhecimento de um lugar “privilegiado” pode reduzir suas

possibilidades de ação no que diz respeito às resistências frente ao proposto/imposto pela

noosfera. Ademais, a questão das relações de poder que permeiam as esferas de elaboração

do saber escolar parece não ser percebida pelo professor, o que possibilita seu envolvimento

passivo nessa rede de estratégias e táticas. Sendo assim, embora em nenhum momento eu

tenha pensado minha pesquisa como instrumento de intervenção na realidade observada, creio

que ela tenha revelado a necessidade eminente de envolver os professores em reflexões que

pensem sua prática para além da questão pedagógica, atingindo assim também as questões

político-sociais próprias da função do professor e, especialmente, do professor de História.

2.4 – CLIO EM DEBATE: APROXIMAÇÃO COM OUTROS TRABALHOS

Considero relevante neste momento apresentar outros trabalhos e pesquisas relacionadas aos

Parâmetros Curriculares Nacionais e à participação do professor na elaboração do saber

histórico escolar, no intuito de dialogar com os mesmos ampliando as possibilidades de

abrangência desse trabalho bem como acrescentando o que de novo se pode construir por

meio de minha pesquisa. Tendo em vista que busquei relacionar os PCN e a elaboração da

História ensinada pela abordagem da História Cultural, estarei tratando aqui com

aproximações possíveis e não apenas com trabalhos da mesma linha, pois estes são ainda

escassos.

Provavelmente, um dos trabalhos que mais contribuiu para a minha pesquisa, foi o resultante

do doutoramento de Monteiro (2002), intitulado “Ensino de História: entre saberes e

práticas”. Nele a pesquisadora investigou um grupo de professores de História com o objetivo

de analisar como eles mobilizam os saberes que dominam para ensinar os saberes que

ensinam, contrapondo-se ao paradigma que via no professor um agente transmissor de

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102

conhecimentos produzidos por outros. Para tanto, ela se utiliza de conceitos e teóricos que

foram fundamentais na realização de minha pesquisa. Por meio deles, Monteiro desenvolve os

conceitos de saber escolar, transposição/mediação didática e História ensinada. A articulação

que a autora faz entre o conhecimento histórico científico e o conhecimento histórico escolar

ressalta não só as especificidades da cultura escolar como a relevância do professor nesta

mobilização de saberes que culmina na História ensinada. Ela mesma explica de forma clara a

maneira como pensa essa relação de saberes.

Minha crítica [...] volta-se para uma visão simplificadora que ignora a

especificidade da cultura e do saber escolar, impedindo avanços para sua melhor

realização. Para isso, as contribuições do conhecimento científico que está em

constante processo de crítica e renovação são fundamentais. Mas precisamos

compreender melhor como se dá a produção do saber escolar, que envolve a

interlocução com o saber científico, mas também com outros saberes presentes e

que circulam no contexto sócio-cultural de referência (MONTEIRO, 2002, p.11).

O que considero mais relevante na pesquisa de Monteiro, é o reconhecimento da necessidade

de compreender o processo de produção/elaboração do saber escolar como forma de melhorar

a prática docente, bem como o lugar que ela atribui ao professor na elaboração deste saber.

Minha pesquisa caminhou muito nesta direção quando investiguei a representação que os

professores têm da História e seu ensino, bem como a representação identitária de cada um.

Pude perceber claramente que, quanto mais ciente o professor estava a respeito da

especificidade do saber histórico escolar, incluindo aí, além de particularidades no seu

processo de construção, a própria finalidade da História ensinada, mais comprometida era sua

prática docente. Professores que tiveram dificuldades em conceituar e discernir saber histórico

científico e saber histórico escolar, também demonstraram no seu fazer cotidiano, uma prática

pueril e despolitizada, centrada no conteúdo e nada mais.

Além disso, mesmo não sendo objeto de sua pesquisa, os Parâmetros Curriculares Nacionais

de História aparecem no seu texto como documento norteador da prática pedagógica de dois

dos quatro professores pesquisados. Embora os professores fizessem questão de ressaltar que

eles pretendiam redimensionar o ensino de História mesmo antes de conhecerem os PCN,

deixaram claro que a leitura e apropriação que fizeram do documento, foi decisiva na

elaboração da História ensinada, ou como concluiu Monteiro, auxiliou-os na mobilização dos

saberes que dominavam para construírem o saber ensinado. Daí percebe-se novamente a

relevância que este documento possui junto aos docentes; por mais que os professores em

questão já houvessem definido a necessidade de reformular o ensino de História, é a proposta

dos PCN que vai ser utilizada por eles como delineadora de caminhos possíveis para

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103

concretização desse desejo inovador. Foi no modelo de organização de conteúdos,

metodologia e avaliação encontrado nos parâmetros que eles se pautaram para mobilizar seus

saberes. Ou seja, no contexto estrutural vigente, de formação inicial nem sempre satisfatória,

de desligamento do docente e o mundo acadêmico, de formações continuadas inexistentes

e/ou insipientes, de carência de embasamento teórico que lhes possibilita ousar com

freqüência, nossos docentes se apegam à proposta oficial em vigor na tentativa de encontrar

ali os meios de que necessitam para ressignificar o ensino de História.

Ao traçar suas considerações finais, a autora conclui que os professores produzem, dominam e

mobilizam saberes para ensinar o que ensinam, retirando-os não somente da “passividade” de

transmissores de saberes de outrem, como questionando seu lugar na hierarquia da produção

de saberes, uma vez que ela se recusa a aceitar a hierarquia histórica e socialmente construída

entre o saber histórico acadêmico e o saber histórico escolar. Este trabalho de Monteiro não só

reiterou minha certeza na participação relevante do professor na elaboração do saber histórico

escolar e no quanto os PCN se articulam a este fazer, como possibilitou-me ampliar os

horizontes de minha pesquisa através de um diálogo com o conceito de mobilização de

saberes criado pela autora e definido como fundamental na elaboração da História ensinada.

O trabalho da autora Ernesta Zamboni (2003) também foi de grande relevância, pois sua

pesquisa tem como objeto a construção do conhecimento escolar tendo como fundamento os

parâmetros culturais. Com o objetivo de trabalhar a construção da identidade nacional e a

consciência histórica presentes no projeto pedagógico dos Parâmetros Curriculares Nacionais,

a autora faz uma análise do documento a fim de investigar o tratamento que ele dá à

identidade nacional, ligando-a a noção de cidadania, estado e nação. Como o trabalho com

estes conceitos há muito foram creditados à disciplina História, Zamboni busca escavar o

caráter ideológico que permeia as propostas educacionais por meio de uma panorâmica

histórica da História como disciplina escolar, chegando à proposta oficial mais atual – os

PCN. Por meio deste levantamento a autora infere que

[...] a formação de uma identidade nacional e do conceito de nação é um processo

ideológico que na escola passa necessariamente pela conservação de uma memória

nacional e a formação de uma consciência política. As propostas educacionais do

Estado não discutem no processo educativo que a formação da identidade nacional

e da nação são construções sociais em que o povo é sujeito. [...] É necessário que os

educadores, assim como os historiadores se preocupem, na escola, com a formação

de uma consciência social e política dos educandos, isso é, serem capazes de pensar

historicamente (ZAMBONI, 2003, p. 103).

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104

Por meio desta colocação da autora, fica clara a sua preocupação com a maneira como o saber

histórico escolar vem sendo produzido dentro e fora das salas de aula. Foi por inferência desta

preocupação que senti a necessidade de incluir em minha pesquisa, para além do caráter

pedagógico que ela pretendia investigar, também a dimensão política e social da prática

docente, em especial no âmbito da disciplina História. Por mais que minha proposta de

trabalho tenha tido como foco o aspecto cultural, não pude furtar-me a abranger os aspectos

políticos e ideológicos que envolvem o fazer da sala de aula. A escola é uma instituição

veiculada à política, logo, engendrada por aspectos ideológicos que não podem ser ignorados,

especialmente por ter me proposto trabalhar a relação do espaço escolar com a proposta

contida nos PCN, documento gestado no meio político-ideológico e pensado enquanto

elemento normativo (con)formador de uma prática cultural .

Ainda tratando da relevância do professor estar ciente de sua participação na elaboração do

saber histórico escolar, menciono a pesquisa de Oldimar Pontes Cardoso (2004), abordando as

representações dos professores de História sobre o saber histórico escolar. Reafirmando

Chervel (1990), o autor diz que este saber é cotidianamente criado pelo professor na sua ação

docente, mesmo que ele não se reconheça como produtor de conhecimento.

Em sua pesquisa, Cardoso constatou que a maioria dos professores de História definem sua

prática não pelo que “eram”, mas pelo que se “opunham”. E, notadamente, quase todos se

opõem aos chamados “professores tradicionais” e “historiadores positivistas”. Nas aulas que o

autor observou, ao tentarem se afastar desse modelo ao qual se opunham, sem terem definido

com clareza o que eram, boa parte deles assumiram posturas permissivas, omissivas e/ou

incoerentes. Aulas expositivas, apontadas como negativas e tradicionais pelos professores

observados, foram substituídas por trabalhos em grupo totalmente desamparados, diálogos

simulados que tornavam-se monólogos do professor, temas desconexos etc.

Ao término da pesquisa, Cardoso aponta que as representações dos professores sobre o saber

histórico escolar parecem estar sempre mais vinculadas à forma que ao conteúdo do ensino

realizado por eles. Suas preocupações voltam-se para decidir estratégias utilizadas, os

materiais necessários, o gerenciamento do tempo e do espaço escolar; e o mesmo não ocorre

com a seleção dos conteúdos a serem desenvolvidos. Ou seja, dão mais ênfase à estratégia do

que ao conteúdo histórico, dissociando “didática” (esta reduzida a técnicas de ensino) e

“ciência de referência” na tentativa de privilegiar a primeira delas. Segundo o autor, esta

postura reitera o discurso da hierarquia do saber histórico acadêmico sobre o saber histórico

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105

escolar que, aliás, é propagado pelo próprio meio acadêmico ao separar dentro dos cursos de

formação, bacharelado e licenciatura, matérias específicas da área e matérias didático-

pedagógicas, como se produção de conhecimento e ensino fossem coisas dissociadas e

hierarquizadas naturalmente.

Este trabalho foi relevante em minha pesquisa porque demonstrou que muitos professores

ainda não se aperceberam de que o saber histórico escolar, mais do que uma simplificação do

saber científico, é um saber relativamente autônomo que, embora em constante diálogo com a

ciência de referência, está em permanente transformação no contexto escolar (CHERVEL,

1990). Ademais, tendo em vista a ênfase que os Parâmetros Curriculares Nacionais dão à

metodologia do ensino de História, acredito que esta inversão de valores entre estratégia de

ensino e conteúdo decorre de uma das possíveis apropriações do documento. Dois dos

professores por mim observados (a professora A.M. e o professor R.D.) deram grande

destaque às propostas metodológicas contidas nos PCN, chegando a afirmar tratar-se de uma

das contribuições mais significativas do documento; ao passo que nenhum dos professores

que participou da pesquisa percebeu e sequer mencionou os critérios de seleção de conteúdos

apontados na página 43 do documento41

. Sendo assim, é imprescindível a observação que

Cardoso faz sobre o objetivo da disciplina de História, qual seja, trabalhar com o aluno o

pensar histórico. A metodologia, seja ela qual for, é apenas o mecanismo selecionado pelo

professor e, como tal, não deve jamais ocupar o lugar da finalidade do ensino, conforme nos

adverte Libâneo (2004), tem sido muito comum nos meios educacionais, especialmente no

cotidiano escolar, confundir os meios com os fins, decorrendo daí uma inversão de valores

que desestrutura a ação educacional.

Sobre esta questão da metodologia do ensino de História, Maria Auxiliadora Schmidt e Tânia

Braga Garcia (2003) desenvolveram um trabalho interessante em escolas da região

metropolitana de Curitiba. Por meio do projeto “Recriando Histórias”, as pesquisadoras

incorporaram o método de produção do conhecimento histórico ao processo didático-

metodológico da sala de aula, ou seja, utilizaram a metodologia da investigação histórica,

valendo-se de suas fontes inclusive, como estratégia e atividade de ensino, de modo que a aula

de História tornou-se o “momento que, ciente do conhecimento que possui, o professor pode

oferecer ao seu aluno a apropriação do conhecimento histórico existente, através de um

esforço e de uma atividade que edificou este conhecimento” (SCHMIDT, 2002, p. 57). Como

41

Este trecho do documento foi citado no item 1.2 quando discorri sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais.

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106

referencial teórico para o desenvolvimento deste projeto, as autoras fundamentaram-se em

Zaragoza (1989), segundo o qual, ao ocultar a metodologia se oculta a historicidade da

ciência, e a História se converte em dogma. Na perspectiva do autor

Devido a especificidade da História e de sua didática, o conhecimento e a prática da

investigação, estão indissoluvelmente ligados à construção do pensamento sócio-

histórico. É nesta direção que ele defende a presença da investigação no método de

ensino da História, como um fator imprescindível na formação do pensamento

histórico do adolescente, na medida em que a pesquisa pode despertar o interesse

do aluno pelo conhecimento histórico e tornar-se processo pelo qual ele adquire os

princípios que regem a produção deste conhecimento. [...] A metodologia do ensino

baseada na investigação teria a intervenção mediadora do professor, cujo papel

seria importante na seleção e graduação da metodologia de trabalho com as fontes,

em função dos objetivos a serem atingidos e do desenvolvimento do conhecimento

do aluno. [...] Pois como afirma Zaragoza, ‘a investigação é a pedra de toque da

Didática da História, a qual estende entre o passado desconhecido e o adolescente, a

ponte da ação científica’. O afetivo pode ser o impulso, o motivo, mas a atividade

de investigação é cognitiva (SCHMIDT e GARCIA, 2003, p. 224-225).

Um dos pressupostos que as autoras afirmam com o desenvolvimento dessa pesquisa, é a

distinção elaborativa e aplicativa entre o saber histórico científico e o saber histórico escolar.

Mesmo valendo-se do método investigativo próprio da História, faz-se necessária a atuação

mediadora do professor direcionando a prática para que contemple suas finalidades

educativas. Ademais, este trabalho reafirma a necessidade de que o professor conheça não só

as especificidades do saber escolar em relação ao acadêmico, como que ao utilizar meios

significativos de aproximação entre eles, guardando as devidas particularidades, atua

conscientemente na elaboração do saber histórico escolar envolvendo também o aluno,

buscando por meio de um instrumento próprio da História (procedimento investigativo)

trabalhar a História ensinada e a História aprendida. Assim, este trabalho demonstrou-me ser

possível investigar a participação do professor na elaboração do saber histórico escolar,

trazendo-o como co-autor de um saber próprio da cultura escolar.

Prosseguindo meu diálogo com outros autores, destaco um artigo de Maria de Fátima Salum

Moreira (2005), resultado de uma pesquisa sobre os sentidos e usos pedagógicos dos

conceitos de identidade social e cidadania, no ensino de História no nível fundamental. A

autora parte do pressuposto que tais conceitos são permeados por valores éticos, morais e

políticos, os quais correspondem a diversas versões e explicações sobre os modos como

seriam operadas as transformações na realidade sócio-histórica. A investigação se dá em duas

direções de análise: primeiro através de uma análise nos conceitos na bibliografia que trata da

temática, sobretudo nas propostas oficiais de ensino, especialmente os PCN. Segundo,

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107

investigando como os professores de História se apropriam de tais conceitos e os expressam,

em representações sociais e em práticas didáticas.

Apesar da análise que a autora faz dos Parâmetros Curriculares Nacionais, o que mais

contribuiu para minha pesquisa foi a realização do segundo momento, onde ela atua

diretamente com os professores. Além de uma metodologia muito semelhante à que utilizei, o

referencial teórico de Moreira foi Chartier, para analisar quais os modos de leituras,

apropriações e usos do conceito de identidade social que os professores têm expressado no

trabalho que realizam no ensino de História do Ensino Fundamental. Ela destaca que Chartier

entende cultura enquanto prática social e indica o uso das categorias de representação e

apropriação como importantes aportes teóricos no estudo das diferentes atribuições de sentido

produzidas pelos sujeitos face aos textos lidos e/ou ouvidos. Para Chartier, as representações

sociais devem ser entendidas como esquemas intelectuais incorporados que criam as figuras

graças às quais o presente pode adquirir sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço ser

decifrado. Compreender as múltiplas formas como uma realidade é pensada e interpretada

implica entender como os sujeitos se apropriam e reelaboram/ressignificam os discursos sobre

a realidade que lhes são dados a ler.

No caso dos professores, buscou-se compreender, através de entrevistas, de observação das

aulas, dos critérios de escolha que fazem dos livros didáticos e do modo como os utilizam,

como tem sido realizadas suas apropriações dos projetos e propostas oficiais de ensino e como

estas se fazem presentes na sua prática pedagógica em relação aos sentidos e usos do conceito

de “identidade”. Além disso, visou-se investigar o grau de consciência42

do professor sobre

sua participação na elaboração escolar desse conceito. O documento de referência para este

estudo foram os PCN que, além de ser a proposta oficial de ensino, traz um forte apelo e

indicação sobre o papel do ensino de História na formação da “identidade nacional”

trabalhando com as idéias de pertencimento e exclusão, diferenças e semelhanças. As

proximidades entre esse trabalho e minha pesquisa são relevantes: Chartier como o pilar do

referencial teórico e os PCN como documento básico de análise. Todavia, enquanto a autora

se detém às apropriações de conceitos e sua incorporação à prática pedagógica, eu busquei ir

além investigando não só a apropriação de conceitos, mas de toda a estruturação organizativa

que o documento sugere: conteúdos, metodologias, objetivos. E, mais do que as apropriações,

42

Usada aqui no sentido geral de faculdade de julgar os próprios atos, sem necessariamente adentrar em uma

discussão filosófica.

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108

investiguei as astúcias táticas que os professores utilizam para valerem-se dessa proposta no

seu contexto de referência.

Também não poderia deixar de incluir neste diálogo o trabalho de Renilson Rosa Ribeiro

(2005), no qual apresenta uma reflexão sobre as possibilidades de leitura dos manuais

escolares ou dos livros didáticos, utilizando-se, para tanto, de categorias de análise que utilizei

em minha pesquisa, como leitura e apropriação. Além disso, ele estabelece um diálogo entre

Certeau e Chartier que indicaram-me uma possibilidade de interface entre estes teóricos para

que eu pudesse investigar as apropriações que os professores fizeram dos PCN enquanto

estratégia do poder normativo, bem como as astúcias táticas que estes utilizam para

incorporá-lo à elaboração da História ensinada, uma vez que este documento já se encontra

inserido no processo de elaboração do saber histórico escolar enquanto elemento normativo

externo, criado na noosfera, delineando a História a ser ensinada.

Segundo o autor, ele optou por analisar o livro didático pelo fato deste tratar-se ainda, de um

elemento central do/no cotidiano didático escolar e, também, porque ele corre o risco de ser

naturalizado na cultura escolar, esquecendo tratar-se do resultado de um conjunto de normas,

disposições e políticas culturais. Utilizo-me das proposições deste autor para auxiliar-me nas

aferições sobre o grau de consciência do professor a respeito de sua participação, das

especificidades do saber histórico escolar e do processo de sua construção. Detectei, no

decorrer de minha pesquisa, que a naturalização do livro didático bem como do saber nele

contido, é muito mais perceptível nos professores que não conseguem discernir as

especificidades do saber escolar, categoria, aliás, tratada nos PCN. Esta lacuna ajudou-me a

refletir sobre os aspectos apropriados pelos professores observados, sendo que tais aspectos

podem ser diretamente relacionados à comunidade de interpretação a qual eles pertencem.

Ribeiro utiliza-se das categorias leitura e apropriação para investigar o encontro do mundo

do leitor com o mundo do texto. Para tanto, aponta que Chartier, ao trabalhar a História do

livro, destacou três pólos que definem o espaço desta História: análise dos textos, a partir de

suas estruturas e objetivos; a História do livro com todas as formas que toma o escrito; e o

estudo das diferentes práticas associadas a esses objetivos, produzindo usos e significações

diferenciadas. O processo pelo qual as obras ganham sentido possui uma relação triangular

entre o texto, o objeto que lhe serve de suporte e as práticas que estão ligadas a este. Na

realização de minha pesquisa, ative-me com mais atenção ao terceiro aspecto, uma vez que foi

pelas práticas dos professores observados que analisei suas apropriações em relação à

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proposta contida nos PCN. Entretanto, como bem nos mostra Chartier, é mister trabalhar os

três aspectos, pois eles encontram-se entrelaçados na configuração de significados. Assim,

analisei o texto produzido na noosfera e o objeto que lhe serviu de suporte que foi o material

impresso denominado PCN, a fim de alcançar o que vem sendo proposto aos professores de

História. Quanto às práticas dos professores, analisei buscando ressaltar, para além da sua

efetivação, as astúcias táticas que a tornam possível tendo em vista as implicações já

mencionadas sobre o discurso contido no documento. Foi pela interação dos três pólos

propostos por Chartier que realizei parte da análise das apropriações dos PCN expressas nas

práticas cotidianas dos professores.

Ao longo de sua pesquisa o autor demonstra a intervenção dinâmica do leitor sobre o texto,

sempre buscando referências em Certeau e Chartier, e nos chama a atenção para o fato que,

assim como o livro, a prática da leitura também é uma prática histórico-cultural e que deve ser

contextualizada. Essa necessidade de contextualização da prática da leitura, que Renilson

aponta, atentou-me para inserir em minha pesquisa algo que não era minha intenção em um

primeiro momento, qual seja, o universo escolar enquanto cotidiano de realização das práticas

observadas. Como eu poderia estar tratando da elaboração do saber histórico escolar com

ênfase na História ensinada, sem trazer para o debate o espaço no qual esta fase de elaboração

ocorre?

Uma autora que não poderia deixar de citar neste diálogo é Circe Bittencourt, uma vez que

suas obras foram de grande relevância para a efetivação da parte empírica de minha pesquisa

bem como para a construção do referencial teórico. Em sua tese de doutoramento (1993),

intitulada “Livro didático e conhecimento histórico: uma história do saber escolar”, a autora

investiga a História do livro didático brasileiro no período correspondente à instalação do

Estado Nacional à primeira década do século XX. Ao longo deste período, Bittencourt

acompanha a construção do saber escolar e, de maneira mais específica, do saber histórico

escolar. Para tanto, ela adentra na questão da relação entre o saber erudito e o saber escolar,

enfocando o processo de transposição didática. Tal estudo fundamentou minha pesquisa.

Embora seu objetivo tenha sido investigar a interferência do livro didático na efetivação do

saber escolar, a autora contempla a participação dos professores e alunos ao buscar identificar

os usos que estes faziam do livro didático nos diferentes espaços escolares, destacando as

questões que envolveram o processo de ensino-aprendizagem do período. Logo de início, a

autora busca definir saber escolar dizendo tratar-se de um saber criado com certo rigor

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determinado pelo poder instituído. Dessa assertiva é que surgiu a inquietação que despertou-

me para o fato de não poder tratar a questão da elaboração do saber histórico escolar sem

mencionar as relações de poder que se estabelecem e influenciam neste processo.

Ao definir saber escolar, Bittencourt deixa bem claro a participação do professor nesse

processo, creditando a ele a elaboração do saber ensinado. Saber este que resulta da interação

entre o saber de formação do professor, a leitura feita por ele do saber a ser ensinado e as

mediações necessárias para a “didatização” deste saber. Dessa forma, ela contesta a idéia de

mera simplificação e vulgarização do saber acadêmico, remetendo ao saber escolar um caráter

próprio e original.

Em outro estudo de Bittencourt intitulado “Capitalismo e cidadania nas atuais propostas

curriculares de história”, Bittencourt (2004) analisa o alcance das mudanças e continuidades

do conhecimento histórico escolar contido na documentação oriunda do poder educacional e

nas possíveis articulações com o currículo real, vivido por professores e alunos na sala de

aula. Para tanto, ela faz uma análise das propostas curriculares desde a ditadura militar até a

implantação dos PCN, salientando, nas mesmas, o tratamento dado à questão da cidadania e

contextualizando tais projetos com a política e a economia nacional e internacional.

A autora conclui sua análise atentando para a necessidade de rever e aprofundar o conceito de

saber histórico escolar, desvinculando-o da noção de simplificação da ciência de referência.

Lembra-nos ainda que o saber histórico escolar é uma reelaboração que se pauta no saber

científico, mas que está permeada pelas finalidades educativas e, reitera, citando Moniot, que

“nenhuma disciplina escolar é uma simples filha da ciência mãe”. Logo, a História escolar

constitui-se por intermédio de um processo no qual interferem o saber erudito, os valores

contemporâneos, as práticas e os problemas sociais, o conhecimento do senso comum, das

representações sociais de professores e alunos, sendo redefinida de forma dinâmica e contínua

na sala de aula. Pensando em uma “orientação” para organização curricular, a autora traz a

proposta de, independentemente da metodologia e/ou matriz histórica do professor, os

docentes deveriam orientar sua seleção de conteúdos e o processo de elaboração da História

ensinada tendo em vista a necessidade de localizar o aluno dentro da sociedade na qual ele

está inserido, ou seja, trabalhar com a história do capitalismo a fim de que o aluno possa se

reconhecer dentro dessa dinâmica sócio-econômica bem como tomar ciência de suas

possibilidades de ação em decorrência do lugar que ocupa dentro desta sociedade. Este

discurso de Bittencourt foi reiterado no I Seminário Interdisciplinar de História e Educação

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promovido pela UFES (2006), no qual ela discorreu sobre seu trabalho com educação

indígena e a importância de trazermos ao conhecimento dos alunos, quando trabalhamos o

capitalismo, outras formas de organização social, econômica e cultural. Logo, o diálogo com

este trabalho possibilitou-me melhor delinear a abrangência política de minha pesquisa, bem

como definir como é imprescindível tratar a representação que o professor tem de si mesmo

na elaboração de uma identidade profissional, pois esta representação identitária tem grande

reflexo na elaboração do saber histórico escolar, sobre tudo na História ensinada. Dentre os

professores que participaram de minha pesquisa, essa preocupação em localizar o aluno

dentro da sociedade capitalista só foi percebida na prática da professora R.C. A organização e

o desenvolvimento do sistema capitalista era o eixo em torno do qual ela procurava “amarrar”

todos os conteúdos trabalhados com os alunos. Creio que seu universo intelectual

marcadamente caracterizado pela ligação contínua com o meio acadêmico é o maior

responsável por essa prática.

Em seu mais recente trabalho, “Ensino de História: fundamentos e métodos” (2004), ao

abordar o ensino de História, mais uma vez Bittencourt traz à cena o professor como um dos

construtores do saber histórico escolar, enquanto sujeito central do currículo real. Segundo a

autora,

[...] conteúdos, métodos e avaliação constroem-se nesse cotidiano escolar e nas

relações entre professores e alunos. Efetivamente, no ofício do professor um saber

específico é constituído, e a ação docente não se identifica apenas com a de um

técnico ou a de um ‘reprodutor’ de um saber produzido externamente

(BITTENCOURT, 2004, p. 50).

Além de reconhecer o caráter imperativo da participação do professor e de suas

representações na elaboração do saber histórico escolar em todo o desenvolvimento da obra,

em uma parte específica (capítulo III, p.99- 130), ela trata das propostas curriculares atuais,

inserindo aí a análise dos PCN como proposta de organização curricular gestada no bojo dos

tempos contemporâneos cuja heterogeneidade da clientela escolar, bem como a ligação

externa com o neoliberalismo e as instituições que o orientam, têm imposto aos países em

desenvolvimento – incluindo o Brasil – organizar currículos que atendam a demandas internas

da sociedade e aos interesses externos do capitalismo característico da nova ordem mundial.

A autora aborda a questão das exclusões e das dominações que envolvem esse movimento de

reformulações curriculares e a influência das experiências e propostas externas na elaboração

dos Parâmetros Curriculares Nacionais, sobretudo do “psicologismo” do espanhol César Coll,

redimensionando o que se denomina de construtivismo.

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Dentro deste capítulo a autora discute a questão do currículo, tratando nas diferentes

dimensões do currículo: formal (ou pré-ativo ou normativo), real (ou interativo) e o oculto

(constituído por ações que impõem normas e comportamentos vividos nas escolas, mas sem

registros oficiais), dando destaque à questão da seleção de conteúdos e da metodologia

adotada no currículo real. Mas, a autora foca os conflitos que permeiam a relação currículo

formal e currículo real, priorizando o papel do professor que é tido como mediador/construtor

que dá vida ao saber ensinado na sala de aula. Todavia, o que de fato tomei como relevante é

que, apesar de Bittencourt finalizar o capítulo fazendo uma análise e apresentação do que os

PCN propõem como organização curricular para os diferentes níveis de ensino (séries iniciais

e finais do ensino fundamental e para o ensino médio), ela não adentra nas apropriações e

práticas derivadas das leituras que os professores fizeram e fazem desse documento. Ou seja,

apesar de ressaltar nesse mesmo capítulo a importância do currículo real, sua proposta de

análise se atém ao currículo formal. Esta constatação reafirmou a certeza de que minha

pesquisa pode trazer contribuições relevantes para ressignificar a relação que os professores

estabelecem com as propostas oficiais enquanto elementos normativos externos, bem como

re-avaliar o grau de autonomia (embora eu concorde com Chevallard quando afirma que é

relativa) do docente na elaboração da História ensinada.

Outro diálogo que reafirmou minha certeza na necessidade de abordar as relações de poder

que engendram a elaboração do saber escolar foi estabelecido com a pesquisa de Ana de

Oliveira (2005)43

na qual ela analisa as reinterpretações curriculares no contexto da prática do

ensino de História. Para tanto, ela se utiliza dos PCN, do Projeto Político Pedagógico do

Colégio Pedro II e da observação das práticas dos professores da instituição. Do

entrecruzamento dessas fontes documentais, a pesquisadora conclui que

O novo texto curricular, hibridizado, origina práticas diversas. De um lado, um

grupo de professores que, ignorando os eixos temáticos, continuou valendo-se da

listagem de conceitos trabalhados de forma linear e processual. Do outro,

professores que, legitimados pelo texto, privilegiaram os temas na tentativa de

questionar o mito das origens que acompanham a concepção do ensino da

disciplina escolar história.

Tais análises nos levam a considerar que as esferas de produção dos discursos

curriculares não se encontram isoladas: são dinâmicas, se entrecruzam e produzem

novos discursos marcados por relações de poder, revelando que as escolas, longe de

serem os espaços de implantação do que prescrevem os discursos engendrados fora

dela, são produtoras de novos significados, de novas resignificações e de novos

discursos (OLIVEIRA, 2005, p. 4-5).

43

O texto sobre este estudo foi apresentado na ANPED em outubro de 2005 no GT Currículo, e se encontra nos

Anais da 28ª reunião da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, ocorrida em

Caxambu.

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Assim, embora utilizando-se de referencias teóricos diferentes, nossa investigação se

aproxima ao analisar as resignificações (ou reformulações) sofridas pelas propostas oficiais no

âmbito das práticas escolares. Todavia, o que trago de contribuição não percebida na pesquisa

de Oliveira, são as astúcias táticas utilizadas pelos professores uma vez definidas suas

possibilidades de ação nessa rede de relações que constitui dentro e fora da escola.

Finalizando estas aproximações trago o trabalho de Carmen Teresa Gabriel Anhorn (2005) no

qual, por meio de um diálogo entre a Didática e a Epistemologia, a autora analisa as tramas da

didatização dos saberes históricos tomando como referencial a teoria chevallardiana da

“transposição didática”. Por meio desta interlocução a autora pretende articular as diferentes

dimensões que configuram o processo de construção do saber escolar a fim de tratá-lo tanto

como fabricação epistemológica quanto social.

Segundo Anhorn, o saber escolar possui uma lógica ambígua na qual ao mesmo tempo em

que ele precisa distanciar-se do saber acadêmico para tornar-se ensinável, ele necessita de

certa proximidade que lhe dê legitimidade. Aborda também a questão da naturalização do

saber histórico escolar e de sua transformação em um saber atemporal, bem como as

conciliações internas e externas (sociedade e Academia) que a noosfera deve garantir por

intermédio da instituição do saber a ser ensinado, gerando o que ela denomina de “fluxo do

saber”. Ou seja, a fim de atender às demandas da sociedade e do meio acadêmico, estas quase

sempre conflitantes tendo em vista a representação historicamente construída pela/para

sociedade sobre o saber escolar, a noosfera tem como imperativo, no momento de selecionar e

definir o saber a ser ensinado, buscar um ponto conciliatório por meio de uma proposta que

contemple as duas esferas. Segundo a autora, os PCN refletem muito bem esta necessidade

em seu texto, pois perceber-se claramente o discurso conciliatório que visa satisfazer as

demandas da sociedade e as exigências da Academia.

Ao abordar esse processo de transposição didática a autora elenca, com base em Verret citado

por Chevallard, algumas estratégias utilizadas pela noosfera para viabilizar a

despersonalização e a despolitização do saber escolar, o que me auxiliou em minha pesquisa,

sobretudo porque o instrumento que ela toma como elaboração textual da noosfera são os

PCN, confrontando-os com observações feitas em sala de aula.

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Na análise do documento ela constata que, apesar de tratar a especificidade do saber histórico

escolar, ele não reconhece a relação existente entre a Didática e a Epistemologia, negando

uma reflexão didática sobre a natureza do saber histórico escolar.

[...] isto é, a questão da organização deste saber limita-se ao reconhecimento da

necessidade de seleção cultural, não incorporando a questão da delimitação

epistemológica do saber. Nota-se que a explicação dada para a escolha da

organização proposta é em função da especificidade dessa disciplina e dos

interesses que se encontram fora do funcionamento didático, ‘segundo uma tradição

já consolidada, mas permanentemente articulada de acordo com os temas relevantes

a cada momento histórico’44

. Isto é, não se reconhece a pertinência, tampouco a

obrigatoriedade propriamente didática de selecionar e/ou delimitar este saber.

[...] Nessa mesma linha, a ‘proposta didática’ dos eixos temáticos consiste

basicamente em ressignificar os conceitos operatórios (de tempo, fato histórico e

sujeito histórico) na ‘nova’ matriz disciplinar informada pelo quadro teórico da

história-problema nos moldes das correntes historiográficas francesas que

compõem o que ficou conhecido por Nova História.

Percebe-se, pois, que este movimento está em sintonia com as motivações,

identificadas por Chevallard, que estão na origem do movimento de transposição

didática implementado pela noosfera. Trata-se mais de satisfazer as demandas

externas em, busca da compatibilidade dos sistemas de saberes com a sociedade

mais ampla, no caso específico com a Academia, do que procurar soluções para

resolver os problemas resultantes das dificuldades de ensino e aprendizagem dessa

disciplina relativos à complexidade que envolve o processo de dessincretização

desse saber (ANHORN, 2005, p.13).

Dessa forma, a autora traz como exemplo da ação conciliatória da noosfera a proposta do

trabalho com eixos temáticos. Tal sugestão organizativa de conteúdos históricos que, segundo

a autora tem encontrado resistência e negação por parte de muitos professores, seria mais uma

das estratégias dessa esfera elaborativa do saber histórico escolar. Ainda conforme sua

pesquisa, afirma que os professores que se negam a adotar os eixos temáticos constroem a

sustentação de sua negativa na dinâmica do próprio funcionamento didático que exige dos

saberes ensinados a permanente tensão entre antigo e novo texto do saber. Todavia, devo

ressaltar que as apropriações dos professores são aqui obscurecidas pela ação da noosfera. O

que busquei em minha pesquisa, mesmo reconhecendo e concordando em grande parte com o

discurso da autora aqui referida, foi focar o movimento oposto, dando ênfase às táticas dos

professores frente às estratégias da noosfera. Assim, a resistência à organização de conteúdos

históricos por eixos temáticos aparece mais como uma forma de burlar uma imposição

44

Este trecho que se encontra entre aspas trata-se de uma citação da autora retirada do próprio documento dos

PCN de História que trago aqui na íntegra: “É consensual a impossibilidade de estudar a história de todos os

tempos da sociedade. Torna-se necessário fazer seleções baseadas em determinados critérios para estabelecer os

conteúdos a serem ensinados. A seleção de conteúdos do ensino da área tem sido variada, sendo feita geralmente

segundo uma tradição já consolidada mas permanentemente articulada de acordo com os temas relevantes a cada

momento histórico” (PCN de história, 1998, p.45).

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normativa externa do que uma forma de compactuar com a ação conciliatória que rege a

elaboração do saber a ser ensinado, conforme vemos na fala da professora A.M.:

Eu não creio que seja possível, frente à realidade de nossas escolas e de

nossa clientela, trabalhar com eixos temáticos. Os alunos se perdem e nós,

professores, também. Afinal, fomos formados para trabalhar com a

História de maneira linear. Mas, como a Secretaria de Educação adotou os

PCN e ‘sugeriu’ que todas as escolas do município também o adotassem,

nós seguimos as orientações, da maneira que nós compreendemos, na

elaboração do plano de curso (ou currículo formal, como dizem hoje); mas,

na sala de aula, na hora de ensinar pra valer, eu faço como sempre fiz e

deu certo. Essas propostas são boas, mas essas equipes que as elaboram

devem estar fora de uma sala de aula há muito tempo e não conhecem a

nossa realidade. Eu é que sei o que funciona aqui dentro!

Logo, apesar da ordem que vem do lugar de um próprio, externo ao espaço escolar em

questão, investido de um poder normativo, o professor, despossuído desse lugar que lhe

confere ação legitimada, joga com o elemento do outro, desenvolvendo práticas conciliatórias

que lhe permitam atuar conforme suas convicções sem, contudo, entrar em conflito direto com

o impositor. Ademais, discordo da autora ao não reconhecer as possibilidades positivas de se

trabalhar com eixos temáticos, mesmo reconhecendo todas as dificuldades que cerceiam sua

efetivação.

Dessa forma, encerro meu diálogo com as produções que se aproximam de minha temática

concluindo que, por mais que eu tenha encontrado contribuições e semelhanças entre essas

pesquisas e o trabalho que busquei desenvolver, não vislumbrei, ainda, alguma que se

propusesse a debater as questões que suscitei, envolvendo a ação normativa externa que se

materializa por meio dos PCN enquanto proposta “sugestiva” de organização curricular e

estratégia da noosfera, as apropriações que os professores fizeram e fazem dessa proposta

recriando e/ou ressignificando suas práticas na elaboração da História ensinada enquanto

parte que lhe cabe diretamente no processo de produção do saber histórico escolar.

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SEGUNDA PARTE

A VOZ DE SUJEITOS HISTORICAMENTE SILENCIADOS

CAPÍTULO I – CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS

Inicialmente descreverei as escolas, os professores e as turmas que integraram minha pesquisa

a fim de que se possa apreender o contexto de realização de meu trabalho. Como já foi dito

anteriormente, as escolas que selecionei encontram-se em diferentes contextos do estado do

Espírito Santo, sendo que uma delas, que aqui denomino escola C, localiza-se na capital do

estado, próximo ao campus da Universidade Federal, com a qual mantém freqüente contato.

Outra, que denominei escola A, localiza-se no centro do município de Santa Teresa; e a escola

que denominei como escola B está localizada na zona rural deste mesmo município.

Selecionei as escolas A e B pelo fato de terem realizado um trabalho sistematizado de

implantação dos PCN ao longo de três anos, incorporando suas propostas de ensino à

organização de seu currículo; além de representarem um contexto que pode ser encontrado

com freqüência no estado do Espírito Santo, qual seja, o de cidade interiorana com tradição

cultural de imigração européia e a zona rural que se vê envolvida pela realidade da

escolaridade cada vez mais ampla. A escola de Vitória, foi selecionada por ter se recusado a

por em prática os PCN mas que, por tratar-se de uma escola laboratorial (de aplicação),

desenvolve uma maneira diferenciada de organização curricular através de objetivos a

cumprir45

de forma que, por meio da observação da mesma, pude não só investigar que leitura

levou à recusa dos PCN, mas também qual a “alternativa” por ela encontrada. Todavia, nas

respostas fornecidas pela professora da referida escola – R.C. – no questionário e nas

entrevistas, constatamos que a leitura dos PCN está sendo ressignificada levando a uma

apropriação do documento, mesmo que de forma ainda reticente.

Dentro dessas escolas, trabalhei com uma turma de oitava série em cada escola e com seus

respectivos professores. A razão pela qual optei por desenvolver a pesquisa com a oitava

45

Analisei o Projeto Político Pedagógico de cada uma das escolas que foram espaço de minha pesquisa e, quanto

ao da escola C, observei que apesar da tentativa de inovação, a organização curricular por objetivos substitui a

listagem de conteúdos mas não altera sua estrutura, uma vez que cada objetivo corresponde exatamente a um

conteúdo histórico que deve ser trabalhado e avaliado pelo professor.

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série, é que, por estar concluindo o ensino fundamental, os alunos terão condições de

viabilizar uma melhor análise da forma como o professor se apropriou dos PCN na construção

do saber histórico escolar, uma vez que grande parte das escolas ainda não havia adotado a

proposta de maneira efetiva no ano de 2002. Das escolas observadas, a escola A e B só

incorporaram de maneira efetiva as propostas dos PCN em seu Projeto Político Pedagógico e,

conseqüentemente, em seu currículo formal, no ano de 2003, iniciando pela 5ª série e

seguindo de maneira gradativa para as demais séries. Já a escola C organizou seu currículo

por objetivos no ano de 2004 como resposta a seus anseios e alternativa aos PCN. Logo,

investigando junto às oitavas séries, tive a oportunidade de dialogar com alunos que

vivenciaram a mudança curricular e, principalmente, a mudança ou permanência da prática do

professor na efetivação do currículo real.

Na sede do município de Santa Teresa realizei minha pesquisa na escola A, pertencente a

uma congregação religiosa e que há anos têm convênio com a prefeitura local, mantendo uma

relação harmoniosa com a comunidade local e sendo vista como referência de educação

pública no município. Nesta escola, o professor com o qual trabalhei foi o professor R.D.,

selecionado automaticamente pelo fato de ser ele o único professor a trabalhar com as oitavas

séries. Formado pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Colatina, este professor de

vinte e nove anos de idade enfrenta uma jornada tripla de trabalho, atuando na escola

pesquisada e em uma escola estadual como designado temporário, o que lhe confere certa

instabilidade, e em uma escola particular. Conhece a família de alguns dos alunos, mas não

chega a caracterizar uma relação de conhecimento profundo e convívio freqüente.

Demonstrou-se sempre alegre e acessível no convívio com os companheiros de trabalho e

com o corpo administrativo e pedagógico da escola. Seu relacionamento com os alunos é

harmonioso, baseado no respeito mútuo e no diálogo constante, sem, contudo, confundir os

papéis, deveres e direitos de cada um. Percebe-se uma troca constante direcionando um

processo interativo conjunto de construção de um saber que tem por finalidade, segundo o

próprio professor, desenvolver o pensar histórico e crítico de modo a possibilitar uma atuação

consciente na sociedade à qual pertencem.

No distrito de Várzea Alegre (Stª Teresa), a escola na qual realizei a pesquisa foi denominada

escola B. Trata-se de uma escola bem estruturada, como a escola A, que interage com a

comunidade na qual está inserida, realizando eventos abertos ao público local com certa

freqüência e contando sempre com o apoio dos moradores quando necessário; é um

verdadeiro sistema de parceria. A professora, única da área de História, foi A.M., moradora da

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comunidade local desde criança, amiga de todos, inclusive dos pais de seus alunos. Graduou-

se pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Colatina, é funcionária efetiva da

prefeitura e dispõe de dedicação exclusiva para o turno no qual trabalha (matutino). Com

cinqüenta e dois anos, a professora lembra com freqüência que está prestes a se aposentar, e

parece aguardar com ansiedade este momento. Seu relacionamento com os alunos é distante e

bastante hierárquico, impondo disciplina rígida e obediência incontestável. Tanto o professor

R.D. como a professora A.M. participaram do curso oferecido pela prefeitura local para a

implantação dos PCN. Ambos afirmaram ter sido ali seu primeiro contato com o documento.

Em Vitória, atuei na escola C. (escola laboratorial), pertencente à prefeitura municipal, de boa

infra-estrutura e localizada próxima ao campus da UFES, o que lhe permite uma interação

com as produções culturais/intelectuais que as outras escolas não dispõem. A escola busca

uma integração dos pais dos alunos por meio de eventos que realiza onde, entre outras coisas,

expõe os trabalhos que os alunos, juntamente com os professores, realizaram ao longo do ano.

Também faz reuniões de pais e mestres e convoca especificamente alguns pais quando é

necessário. Todavia, por tratar-se de um contexto urbano, mais complexo do que o observado

nas escolas A e B, a integração escola e comunidade, bem como professor e pais de alunos,

não possui a profundidade encontrada nas escolas interioranas. Existe certa distância entre o

professor e a realidade do aluno o que se pode constatar pela fala da professora observada

nesta escola, quando revelou-me ter trabalhado anos com uma referida aluna e só agora soube

que ela (a aluna) não conhece os pais, sendo criada por uma “suposta” avó. Nesta escola a

professora participante foi R.C., graduada pela Universidade Federal do Espírito Santo e

Mestre em Educação pela mesma universidade. Com 44 anos, trabalha um único horário

como efetiva da prefeitura, podendo dedicar-se exclusivamente ao trabalho que realiza na

escola que investiguei. Seu relacionamento com a turma é bastante interessante! Como ela

mesma afirmou na entrevista que realizei, sua exigência com os alunos é um traço marcante,

fruto, conforme a análise da própria professora, de sua dedicação exclusiva e exaustiva ao

trabalho que realiza em sala de aula. Utiliza-se com freqüência das aulas expositivas e

estabelece um diálogo meio que “conduzido” com a turma, de modo que a crítica resultante é

muito mais dela que dos alunos. A exigência constante de silêncio e a forma utilizada para

conseguir a atenção que deseja, às vezes, é meio constrangedora. Todavia, por mais que sua

prática pareça inibir os alunos, eles chegam à oitava série devotando verdadeira adoração a

ela. Este quadro levou-me a refletir sobre os limites tênues e estreitos entre o despotismo do

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professor e a atitude exigente que proporciona crescimento e comprometimento, mesmo que

com certas imposições. Todavia, este não é o tema de minha pesquisa.

Quanto às turmas, a que observei na escola A é composta por vinte e três alunos, mantendo

um equilíbrio entre o número de meninos e meninas. A sala ampla possibilitou a disposição

da turma de modo a permitir um trânsito de alunos e do próprio professor sem causar maiores

transtornos. Bastante heterogênea, percebia-se diferentes níveis de aprendizagem e

participação durante as aulas, muito embora o professor conseguisse envolver a totalidade da

turma em sua aula. Em conversas informais com os alunos durante os intervalos e nos

horários de recreio, o relato da maioria foi de que “gostam das aulas de História e, se não

participam mais é por serem tímidos ou terem receio de falar algo errado”. Poucos disseram

não gostar de História e alguns chegaram a afirmar que não gostam muito de História, mas

adoram o professor, de modo que acabam se envolvendo na aula não pelo conteúdo, mas por

ele. Quando perguntei ao professor sobre o rendimento da aprendizagem da turma o resultado

condisse com minha análise: boa parte alcança e supera a média, sendo que poucos têm um

quadro insatisfatório.

Na escola B a turma que observei era constituída de 20 alunos, com um número de meninos

que superava sutilmente o número de meninas. Silenciosa e pouco participativa, quase todos

se mantinham calados, mesmo quando a professora solicitava sua intervenção. Quando

perguntados por mim sobre tal atitude, uns disseram temer uma represália, outros temiam

falar alguma “bobagem”, mas, a grande maioria disse não participar por não gostar de

História e não se interessar pelo que estava sendo dito. Quando consultei o registro de notas,

constatei que a maioria dos alunos tinha nota igual ou superior à média exigida (60%).

Intrigada, perguntei como conseguiam tão boas notas já que não participavam das aulas. A

resposta foi unânime: “Decoramos a matéria que ela manda estudar e pronto! Dois dias depois

da prova, não lembramos de mais nada!” Interessante porque, em um dos dias em que fui

fazer minha observação, cheguei um pouco mais cedo e acompanhei a mesma turma tendo

aula de Geografia. A professora dispôs a turma em circulo e promoveu um debate sobre o

tema neoliberalismo e desigualdades sociais; e toda a turma participou, inclusive com

discursos elaborados em um nível de intelectualidade e dotado de um poder de argumentação

que me surpreendeu. Este fato me fez reavaliar a análise que havia feito da turma, que eu

havia considerado apática e submissa.

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Na escola C trabalhei junto uma turma de vinte e cinco alunos, havendo equilíbrio entre o

número de meninos e meninas. Os alunos, de modo geral, eram participativos, críticos e

interessados pela História. Muitos se confessaram apaixonados pela disciplina História e a

maioria da turma cumpria com seus deveres e gostava de opinar quando isso era possível. A

aprendizagem dos alunos era excelente e praticamente nenhum deles tinha problema com

notas. Todavia, um ou outro demonstrava descomprometimento com a matéria, sendo

necessário cobranças exaustivas da professora para que se cumprisse a atividade proposta.

Mas, de modo geral, era uma turma participativa que dinamizava, na medida do possível, as

aulas de História, visando uma construção de saber conjunta.

Assim, neste contexto onde o concreto e o abstrato, o objetivo e o subjetivo se misturam

freqüentemente, gerando um cenário com personagens plurais atuando em uníssono, foi que

realizei minha pesquisa investigativa sobre a apropriação que os professores de História

fizeram de algo que lhe foi “proposto” por meio dos PCN e as astúcias táticas que eles

utilizam para efetivar tal proposta.

1.1 – FORMAÇÃO, PROFISSÃO E REPRESENTAÇÃO PESSOAL

Conforme venho tratando desde o princípio, uma das questões que esta pesquisa buscou

responder é em que medida a representação identitária que o professor constrói sobre si e,

consequentemente, do outro, interfere na sua prática e na elaboração do saber ensinado. Dessa

forma, antes de dar seguimento às discussões que circundaram este tema em meus trabalhos

de campo, faz-se necessário definir conceitualmente o termo “identidade” bem como discutir

os elementos que atuam nessa construção sócio-cultural. Segundo Pesavento

Enquanto representação social, a identidade é uma construção simbólica de sentido,

que organiza um sistema compreensivo a partir da idéia de pertencimento. A

identidade é uma construção imaginária que produz a coesão social, permitindo a

identificação da parte com o todo, do indivíduo frente a uma coletividade, e

estabelece a diferença. A identidade é relacional, pois ela se constitui a partir da

identificação de uma alteridade. Frente ao eu ou ao nós do pertencimento se coloca

a estrangeiridade do outro. [...] Para elaboração identitária, que cria o sentimento

partilhado de pertencer a um grupo dado, as identificações se dão a partir do

defrontamento com o outro, identificações de reconhecimento estas que podem ou

não guardar relações de proximidade com o real. As representações de identidades

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são sempre qualificadas em torno de atributos, características e valores socializados

em torno daqueles que integram o parâmetro identitário e que se colocam como

diferencial em relação à alteridade (PESAVENTO, 2004, p.89-90).

Como se pode perceber, a idéia de pertença é crucial na construção de identidade por parte do

indivíduo. Para desenvolver este sentimento faz-se necessário a localização de um grupo com

o qual ele se assemelhe em função de alguns critérios previamente estabelecidos. Quase

sempre esses critérios também são social e historicamente pré-definidos levando em conta

traços pessoais subjetivos e objetivos e aspectos profissionais, o que nos coloca diante do que

alguns autores denominam de identidades múltiplas, ou seja, temos diferentes identidades

dependendo dos critérios estabelecidos e do referencial determinado. Assim, inicialmente, os

professores observados tenderam a se localizarem dentro do grupo identitário dos

“professores de História”, o que a princípio já lhes confere alguma identidade, pelo menos no

âmbito profissional. É importante ressaltar que este lugar que o identifica também o relaciona

a um estereótipo carregado de simbolismos. Este estereótipo provém das expectativas

socialmente elaboradas tendo como referenciais a comunidade científica a qual o indivíduo se

vincula e as demandas que a sociedade constrói em função de um dado contexto para o

ocupante de determinada função. Daí decorre um segundo elemento de identificação, pois

dentro de cada grupo identitário constroem-se referencias que dão origem a dois outros

estereótipos que se impõem como modelos em extremos opostos, surgindo assim o que seria o

referencial positivo de professor de História e o referencial negativo.

Chartier trata da seguinte forma a relação entre identidade e representação:

[...] o ser social do indivíduo é totalmente identificado com a representação que

dele é dada por ele próprio ou pelos outros. A realidade de uma posição social não é

mais do aquilo que a opinião considera que ela é [...] Essa representação da posição

pela forma tem várias implicações importantes: fundamenta uma economia

aristocrática da ostentação que regula as despesas atendendo às exigências da

posição que se quer ocupar; constitui as hierarquias da etiqueta como o modo de

aferição dos distanciamentos sociais; faz dos diferentes papéis e lugares no

cerimonial de corte o desafio essencial da competição social. Numa formação como

esta, a construção da identidade de cada indivíduo situa-se sempre no cruzamento

da representação que ele dá de si mesmo e da credibilidade atribuída ou recusada

pelos outros a essa representação (CHARTIER, 1990, p. 111 – 112).

Dessa forma, em busca de uma localização social, o professor de História cria uma

representação identitária por meio da forma como ele percebe a si próprio e pela forma como

os demais o percebem, sejam eles integrantes do mesmo grupo ou não. Como esta

representação identitária o inscreverá em todas as implicações da posição que ocupa, ele

buscará identificar o referencial positivo do grupo no qual ele se inscreve, a fim de estabelecer

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parâmetros de identificação com este referencial, resultando daí um sentimento de pertença ou

de exclusão, bem como as respectivas práticas decorrentes do sentimento desenvolvido.

Para elaborar cada um desses referenciais (positivo e negativo), leva-se em consideração

elementos técnicos, práticos e subjetivos. Normalmente, em se tratando do professor de

História, considera-se a matriz historiográfica de referência e a corrente pedagógica adotada,

cuja interação resultará em implicação direta sobre a seleção de conteúdos e os critérios para o

mesmo, a metodologia desenvolvida no processo ensino-aprendizagem, a forma de avaliar, o

relacionamento que estabelece com o aluno e o comprometimento com seu trabalho

pensando-o para além dos limites estabelecidos pela rotina escolar (quatro horas diária,

cinqüenta minutos por turma, conteúdos para dar prova e obter uma média para apresentar ao

conselho e aos pais...). Em conversa informal com um aluno da escola C durante o recreio no

meu primeiro dia de observação das aulas ele me perguntou se eu não estava assustada com a

forma como a professora (R.C.) ministrava suas aulas. Para que não houvesse equívocos em

nosso diálogo, com entendimentos dedutivos, pedi que ele fosse mais específico e ele disse:

Você sabe! O jeito que ela fala... Os gritos que ela dá de vez em quando...

Aquele jeito meio doido! Bom, você também é professora de História né?!

Acho que professor de História é meio doido mesmo. Bom, mas nem todos.

A professora com quem eu faço reforço a tarde não grita nem dá ‘esporro’.

Mas ela é diferente! Nem parece professor de História! (B.M., aluno da 8ª

série A da escola C).

Percebemos pela fala do aluno, que eles também criam um estereótipo para os professores de

História, embora não saibamos ao certo até onde, o contato com os professores que encontram

ao longo de sua vida escolar, interfiram nesta construção. Todavia, esta representação dos

alunos pareceu-me se aproximar muito da representação que o próprio professor constrói de si

mesmo. Vejamos como a professora R.C. avaliou sua prática pedagógica quando solicitada

que o fizesse por ocasião da entrevista.

Vou começar falando dos meus defeitos. Eu sou nervosa! Eu me dedico

muito ao meu trabalho e não admito gente preguiçosa, menino que não faz

dever e menino que não pára quieto pra me ouvir. Então eu grito com os

meninos... Essas coisas! Mas, já estou melhorando! Fui ao médico e já

estou um pouquinho melhor. Mas eu tenho uma prática pedagógica que eu

acho pelo menos razoável, porque eu gosto. Eu gosto de ser professora!

Nunca vou ser rica, mas eu tenho prazer naquilo que eu faço; e os meninos

vêem isso. Eu não acho que a minha prática é melhor que a de ninguém;

mas também não é pior. E a minha tentativa é de estar sempre melhorando.

Na fala desta professora, pode-se notar que ela também se percebe como agitada, exigente,

ríspida, o que ela expressa por meio de gritos e corretivos que têm como único objetivo,

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123

conforme ela mesma colocou, envolver o aluno na aula que ela preparou com tanto esmero e

dedicação. A seguir ela avalia sua prática a partir do referencial de alteridade, buscando

estabelecer uma relação com o fazer do outro e, indiretamente, com um parâmetro identitário

quando ela diz que sua prática não é melhor nem pior do que a de ninguém, ou seja, ela busca

se localizar dentro de seu grupo de pertencimento em um patamar regular, sem colocar-se

explicitamente no lugar do referencial positivo, mas guardando a devida distância do

referencial negativo, de modo a delimitar um espaço legítimo para sua prática enquanto objeto

em construção, consciente de suas limitações e buscando melhorias freqüentes.

Logo, pode-se aferir que a prática da professora reflete em grande medida a representação

identitária que ela possui de si mesma, pois foi por meio destas práticas que o aluno

mencionado a “caracterizou”. De igual modo essa representação positiva que ela possui de si,

inclusive reconhecendo pontos que necessitam de mudança, foi de grande relevância na

elaboração de suas práticas, uma vez que, nas observações que fiz de suas aulas, pude

acompanhar o desenvolvimento de várias atividades que exigiram extrema dedicação, como

um trabalho em conjunto com a professora de Matemática no qual, utilizando-se da

geometria, os alunos confeccionaram cubos utilizados para construção de um zigurate.

Durante aulas observadas, a professora apresentou aos alunos, paralelo ao conteúdo abordado,

fotos de visitas que havia feito a Istambul, envolvendo-os em uma viagem imaginária que

misturava passado e presente. Logo, percebe-se que a dedicação, o comprometimento e o

esforço da professora em preparar boas aulas se identificam com a representação que ela tem

de si. Esta representação gera práticas que, por sua vez, geram representações dos alunos

sobre o professor e este, reelabora sua auto-representação em função da representação que

seus alunos demonstram ter dele por meio da receptividade ou negação da prática que se

efetiva no fazer cotidiano.

Podemos ampliar e melhor demonstrar essa relação estreita entre representação e prática na

construção da identidade do professor, pela análise de depoimentos e situações vividas pelos

outros dois professores que participaram da pesquisa.

O professor R.D., quando solicitado que avaliasse sua prática pedagógica respondeu que:

Eu procuro desenvolver meu trabalho da maneira mais eficiente que eu

puder. Agora, a gente sabe, até mesmo através do aluno, que nem sempre a

gente alcança. Eu acho que se eu for avaliar o que faço, eu me encontro

numa situação até confortável, porque o interesse dos alunos pode ser

utilizado como um parâmetro para avaliar sua prática, considerando o

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contexto atual, em que há um desinteresse muito grande por grande parte

dos alunos; e eu consigo despertar o interesse deles, da maioria.

Eu acho que minha prática é um misto, mas o tradicional, aquele

tradicional que você via há alguns tempos atrás, é o que menos tem. Eu não

saberia classificar, mas ela se baseia na idéia de interação com os alunos,

mostrando que a história não é apenas aquele conjunto de fatos. Eu

trabalho com o conteúdo, mas com o objetivo de tornar o aluno um sujeito

social crítico e participativo. Não é o conteúdo pelo conteúdo (crítico

social dos conteúdos).

E a professora A.M. respondeu da seguinte forma à mesma pergunta:

Pelo rendimento do aluno. Sempre uma concepção de ensino-aprendizagem

que determina compreensão dos papéis de professor e aluno, da

metodologia, da função social da escola e dos conteúdos a serem

trabalhados.

Na fala do professor R.D. nota-se que ele se define mais pelo o que ele não é do que pelo o

que ele é, o que já foi mencionado no trabalho de Cardoso anteriormente citado. Todavia,

chama a atenção o enfoque político que ele dá na caracterização de si, o que

consequentemente reflete em sua prática. Em uma das atividades que acompanhei com este

professor ele, e os demais professores de História da escola A, desenvolveram um projeto

intitulado “Eleições e consciência política: política é coisa séria”, no qual cada oitava série

lançava um candidato à presidência e, junto com uma equipe composta por um aluno de cada

turma da escola, elaborava sua plataforma política. O período de campanha contou com

discursos nos recreios, corpo a corpo na entrada, no recreio e na saída, debates, horário

político na rádio da escola, comícios de sala em sala com distribuição de material e tudo o

mais. Nos comícios das salas de aula, os candidatos, assessorados por sua equipe,

apresentavam sua proposta de governo, ouviam questões e respondiam perguntas dos alunos e

dos respectivos professores. O encerramento da campanha foi no salão que a escola possui,

reunindo alunos e comunidade (que também foi convidada a participar) para uma palestra

com um professor de Geografia e militante político cujo tema foi “Pobreza política”. Em

seguida, cada candidato assinou um termo de compromisso contendo sua plataforma de

campanha46

. A eleição contou com duas urnas eletrônicas cedidas pelo TRE e foi o maior

sucesso. Alguns alunos trouxeram os pais para que eles o vissem votar pela primeira vez em

uma urna eletrônica. O resultado saiu horas depois. Durante todo esse tempo em que o projeto

estava se desenvolvendo, falava-se em política nos corredores, no pátio, nos banheiros, no

refeitório, enfim, a escola respirava política. E, junto com a política do projeto da escola,

46

Ficou acordado que o universo de ação dos candidatos seria a escola a fim de possibilitar a continuidade do

projeto.

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discutia-se também o processo político que o país vivia, ou seja, a eleição para Presidente,

Governador, Senador e Deputados. A cerimônia de posse foi presidida pelo professor de

História por mim observado, R.D., contando com a presença de toda a comunidade escolar e

alguns membros da comunidade circundante, sobretudo pais de alunos (do eleito inclusive). A

faixa foi entregue pela diretora da escola; o candidato eleito discursou, fez juramento baseado

em sua plataforma, que foi retomada e prazos foram estabelecidos seguindo critérios de

prioridade. No final do ano letivo houve assembléia para avaliar o desempenho do

“presidente”, comparando-o com as propostas de ação contidas em sua plataforma política. O

projeto não se encerrou com a eleição porque, para além de se conhecer o desenrolar da

política em época de campanha, um dos objetivos do projeto era que os alunos pudessem

penetrar no universo político sentindo seus entraves e suas possibilidades, a fim de

desenvolver uma análise mais profunda com respeito à prática política, problematizando o

espaço escolar que foi o universo escolhido (simbolizando o país) e buscando soluções

possíveis bem como o consenso em um meio conflitivo.

Quando, no intervalo entre uma aula e outra, eu tive a oportunidade de conversar com a turma

que estava sendo observada (8ª série “E”, turno vespertino, 23 alunos), eles me disseram que

Esse professor só pensa em política, tudo é política. O preço do leite subiu.

É política! O pai de um aluno perdeu o emprego. É política! A gasolina

subiu. É política! Parece que ele quer explicar o mundo com a política!

Mas suas aulas são super legais. O passado e presente ficam tão próximos

que quase não dá pra separar uma coisa da outra!

Em virtude do disposto, pode-se concluir que existe uma relação entre a representação que o

professor tem de si, sua prática e a representação que os alunos têm dele. Tanto este

professor como a professora A.M., da escola B, disseram que avaliam sua prática pedagógica

tomando como referencial o aluno, quer seja pelo seu rendimento, quer seja pelo seu interesse.

O fato é que o aluno, por meio das respostas que ele dá às ações do professor, deixa

transparecer a representação que possui do mesmo, da disciplina e da forma como ela é

trabalhada. Essa resposta, fundamentada na representação, irá interferir na representação que

o professor tem de si mesmo que, por sua vez, interferirá na sua prática visando alterar ou não

a representação que o aluno possui dele. Assim, desenvolve-se uma dinâmica na relação

professor-aluno com base nas representações e práticas que fazem parte da construção

identitária do professor. Dessa forma, como afirma Pesavento,

Como integrantes do imaginário social, as representações identitárias são matrizes

de práticas sociais, guinando as ações e pautando as apreciações de valor. Elas se

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traduzem, pois, não apenas em performance de atores, mas em discursos e imagens,

cumprindo alguns a função de verdadeiros ícones de sentido, altamente

mobilizadores.

[...] A identidade deve representar um capital simbólico de valoração positiva,

deve atrair a adesão, ir ao encontro das necessidades mais intrínsecas do ser

humano de adaptar-se e ser reconhecido socialmente (PESAVENTO, 2004, p.91).

Apesar da afirmação da necessidade de um referencial positivo de pertencimento, pude

observar em minha pesquisa que o oposto também ocorre com a mesma veracidade. A

professora A.M., que sempre se mostrou muito receptiva à minha investigação, desde o

primeiro momento, quando lhe fiz o convite para que participasse de meu trabalho,

explicando-lhe as razões de ter-lhe escolhido, insistiu na depreciação de sua ação,

especialmente quando ela tomou conhecimento dos demais professores que estavam

participando de minha pesquisa. Quase todos os dias, quando chegava para observar suas

aulas, ela dizia: “Veio ver minha beleza de aula?”, ou então “Você deve se decepcionar com

as aulas que você vê aqui! Ainda mais se comparadas com as aulas que você tem visto do

professor R.D. e as de Vitória!” De igual forma, no dia marcado para a entrevista, quando eu

fiz a primeira pergunta, que foi a solicitação para que ela definisse sujeito histórico, fato

histórico e fonte histórica, sua resposta foi:

Ah! Você escolheu a pessoa errada. Eu não sei como definir isto para você.

Uma coisa é trabalhar isso com o aluno; outra é definir isso assim. Eu não

sei mesmo! Não te disse que você deveria ter escolhido outra pessoa para

sua pesquisa. Eu estou velha, perto de aposentar! No meu tempo de

faculdade eu até que fazia isso, mas hoje... Eu não sei não!

Posso levar para casa e responder em forma de questionário? Daqui a

duas semanas eu te entrego tudo respondidinho!

Fica evidente no discurso da professora que ela tem uma representação negativa de si,

tomando como referencial o modelo estabelecido de “bom professor de História” e que,

segundo ela, não se encaixa. Trata-se como sendo arcaica, “tradicional”, estando cada vez

mais distante daquele professor dinâmico, inovador que envolve os alunos na aula. Essa

representação identitária que a professora A.M. possui de si influencia em sua prática e,

consequentemente, na representação que os alunos têm dela. Um dos alunos chegou a dizer:

“não vejo a hora dela aposentar! A gente não pode abrir a boca nas suas aulas! É ouvir,

copiar e fazer dever!”.

Ao tomar conhecimento, pelas respostas dos alunos às suas proposições, das representações

que eles possuem dela, a professora poderia ter duas reações possíveis: buscar mudar para

finalizar sua carreira de maneira satisfatória, ou apegar-se ao fato do pouco tempo que lhe

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resta de sala de aula para furtar-se à necessidade de mudança. Parece que ela optou por esta

última.

Esta atitude levou-me a questionar até que ponto a matriz historiográfica que foi referencial

na formação inicial (graduação) do professor, influencia a representação identitária que ele

constrói de si mesmo? Esta questão remeteu-me ao trabalho de Cunha (2006) no qual ele

analisa as estruturas discursivas das narrativas para identificar as matrizes historiográficas que

servem de referência na transposição didática do professor. Com base em critérios

previamente estabelecidos, ele conclui que prevalece uma estrutura mista na transposição

didática que o professor realiza, ou melhor, na parte que lhe cabe neste processo, pois como

nos lembra Chevallard, quando o professor atua no processo de transposição didática, ele já

teve início há muito tempo. Entretanto, apesar da prevalência do marxismo, o repertório de

saberes históricos escolares formados na graduação e nos anos iniciais da profissionalização

representam um núcleo duro da transposição realizada pelo professor.

Assim, Cunha ressalta a influência que a matriz historiográfica em voga no momento da

graduação do professor exerce sobre o fazer deste na elaboração do saber ensinado. Tal

constatação levou-me a localizar cada um dos professores nesse sentido, com o intuito de

perceber até onde esta matriz referencial vai interferir na sua representação identitária. A

professora A.M. concluiu o curso de Licenciatura plena em História na Faculdade de Filosofia

Ciências e Letras de Colatina, no ano de 1976, em um período que a matriz denominada

positivista estava fortemente presente no espaço acadêmico buscando garantir o caráter

científico da História. Já a professora R.C. concluiu seu curso de graduação na Faculdade

Federal do Espírito Santo, no ano de 1986; e o professor R.D. graduou-se em História na

Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Colatina, no ano de 2001, momentos em que a

matriz marxista e neomarxista estavam imperando nos espaços acadêmicos brasileiros. Na

construção discursiva da narrativa escolar dos três professores que observei foi possível

discernir que, embora a rigidez da adesão única a esta ou aquela matriz referencial tenha

arrefecido, os conceitos, as categorias e as noções próprias de cada uma delas permanece

implícita no fazer desses professores.

Com base no critério de formação, temos aqui dois modelos no que diz respeito à matriz

historiográfica de referência: A professora A.M. identificando-se com o modelo positivista; e

os professores R.D. e R.C. identificando-se com o modelo marxista e neomarxista. Todavia,

vale lembrar que os dois últimos, quando perguntados em entrevista, descreveram suas

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práticas como um misto de matrizes historiográficas. A professora R.C. chegou a dizer que o

conteúdo influencia bastante nisso. Segundo ela, alguns conteúdos permitem uma abordagem

mais marxista, outros mais positivista, outros mais cultural, sendo impossível a um professor

de História definir-se unicamente dentro de uma vertente interpretativa. Outro ponto que

destaco é que, embora os professores A.M. e R.D. tenham se formado pela mesma instituição,

parece-me que a diferença temporal e a diversidade da matriz historiográfica que ela

representa, simbolizou uma mudança significativa na prática de ambos. Não que eu negue a

relevância da instituição que promova a formação, mas se avaliarmos os critérios de

semelhanças entre as práticas dos professores observados, encontraremos maior identificação

entre os professores R.D. e R.C. que se formaram em instituições diferentes mas em épocas

próximas, do que entre os professores R.D. e A.M., que se formaram na mesma instituição

porém em épocas bastante distantes.

Todavia, para além da formação inicial, a seqüência que o professor dá a seus estudos, sejam

eles via instituição ou informais, também influencia na construção de sua narrativa histórica,

na sua representação identitária e em sua prática. Por exemplo, a professora R.C. defendeu,

em fevereiro de 2005, sua dissertação de conclusão do curso de Mestrado em Educação, o que

lhe proporcionou o contato direto com outras matrizes históricas, bem como o estudo e

debates sobre as mesmas dentro de um considerável nível intelectual. Por intermédio desse

contato com o universo acadêmico e que de novo se produz em seu interior, por mais que se

perceba na sua prática docente a matriz marxista, já se pode notar a mescla desta com a

História Cultural, pois, ao mesmo tempo que ela segue um viés economicista no

direcionamento de suas análises do conteúdo estudado, ela agrega a educação patrimonial

como elemento de preservação de memória47

. Dessa mistura entre matrizes a professora

engendra uma prática que é própria e original.

O professor R.D., concluída sua graduação, fez um curso de especialização em História do

Brasil, juntamente com a professora A.M., tendo em vista que são funcionários da mesma

prefeitura. Este curso, conforme relato de ambos, foi um desses cursos a distância em que

pouco contato você tem com a equipe de professores. Terminada a semana de aulas, você

mantém contato por internet apenas com o professor encarregado de organizar sua

monografia. Este distanciamento dificulta a troca intelectual, pois o diálogo perde espaço para

a urgência de lutar contra o tempo para conseguir “dar conta” do conteúdo em um prazo tão

47

A educação patrimonial como elemento de memória foi inclusive tema da sua dissertação de mestrado.

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curto. Ademais, segundo os depoentes, a maioria dos professores integrantes do programa

eram neomarxistas. Assim, o professor R.D. reforçou sua matriz referencial inicial e a

professora A.M. não conseguiu se identificar com o curso, saindo apenas com uma certeza: o

positivismo estava em vias de superação (segundo o que ela mesma afirmou). Logo, ela não

desenvolveu um sentimento de pertença e, ainda pior, certificou-se de que seu referencial era

rechaçado na comunidade dos professores de História.

Mas, a construção dessa representação identitária não se atém aos cursos e estudos formais.

As leituras que o professor realiza em função de sua prática, bem como a apropriação e

incorporação dessas leituras, também irão acrescentar algo a esse processo identitário, bem

como a participação em Congressos e Seminários, quer para assistir apenas, quer para

apresentar trabalhos. Todavia, constatei através dos questionários que apliquei, que esse

universo intelectual do professor é definido por ele em função de uma relação muito estreita

com a concepção de História e de ensino de História que ele possui. Por exemplo: a

professora A.M., que se auto-denomina tradicional, diz ter participado apenas do Congresso

Conhecer48

(porque foi exigência da escola que elegeu por sorteio os membros que deveriam

participar do evento), sem jamais ter participado, após sua graduação, de nenhum evento

acadêmico nem ter apresentado trabalho de nenhuma espécie. Quando argüida sobre a

indicação de três livros que considerava fundamentais para se refletir a História e seu ensino,

ela deixou a questão em branco. Esta conduta nos leva a concluir que, apesar de mais adiante

ela dizer que o livro didático não é material único, ela o utiliza como orientador de sua

prática, mesmo que seja fora da sala de aula; ou, ela não lê livros de nenhuma espécie, nem os

livros didáticos. Estas assertivas nos levam à questão de que o universo cultural que circunda

a prática docente dessa professora é bastante limitado, de modo que, o que ela tem de mais

concreto, que é sua matriz referencial da graduação – positivista – está em crise e já não

corresponde mais ao referencial do grupo de professores de História ao qual ela pertence.

Mas, como ela não conseguiu dispor de elementos suficientes para construir um novo

referencial identitário que lhe garantisse o sentimento de pertença legitimado pela

proximidade com o modelo positivo do grupo, parece preferir depreciar sua prática e ter a

certeza de um referencial no qual ela se reconhece, a perder totalmente a possibilidade de

encontrar-se sem representação identitária alguma.

48

Este Congresso Conhecer é de nível estadual e ocorre anualmente na cidade de Aracruz, tendo como tema

central educação e gerenciamento do saber, sendo organizado por Marcos Vicente Falcão e contando com

palestrantes de renome.

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Já o professor R.D., mesmo não tendo participado de encontro no universo acadêmico diz ter

estado constantemente acompanhando cursos de atualização nas áreas de História e

Geografia. Quando questionei o porquê de participar de cursos da área da Geografia,

respondeu-me que auxiliam na compreensão das engrenagens políticas, facilitando suas

reflexões em sala de aula. Tem lido revistas como Revista Brasileira de História, História

Viva, Olho da História além de artigos da ANPUH e a Revista Eletrônica da História

Brasileira. Na solicitação da indicação de três livros para pensar a História e seu ensino, os

livros citados foram: Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre; Raízes do Brasil, de Sérgio

B. de Holanda; e Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Júnior. Percebe-se que

apesar de sua fidelidade inconsciente à matriz neomarxista, em virtude do contato

estabelecido com o meio acadêmico por intermédio das leituras realizadas, ele incorpora as

matrizes da História Cultural e da História Social inglesa, ambas resultado da ampliação de

seu universo cultural que, mesmo se encontrando em um contexto que limita em muito suas

possibilidades de aperfeiçoamento49

, tem estado em franca expansão.

E a professora R.C., que se localiza no próprio núcleo acadêmico não só pela recente

conclusão de seu mestrado mas pela própria localização da escola em que atua, afirmou ter

participado freqüentemente de cursos de atualização na área de História e da Educação,

freqüentar aulas de inglês a fim de ampliar suas possibilidades de leituras em fontes variadas e

integrar as reuniões do LAHIS, Laboratório de Ensino de História da UFES. Sua leitura atual

circunscreve-se aos livros indicados pelo LAHIS e a retomada da bibliografia do mestrado,

uma vez que pretendo investir no doutorado o mais breve possível. Os livros que ela citou

como fundamentais para refletir a História e seu ensino foram: Ensinar História, da Maria

Auxiliadora Schmidt e Marlene Cainelli; História e Ensino de História, da Thaís N. L.

Fonseca; e Didática da História, de M. C. Proença. Segundo ela, “as leituras levam à reflexão

sobre aspectos do nosso dia-a-dia em sala de aula. Daí a importância de constantes leituras

para não deixar a reflexão sucumbir à rotina da sala de aula.” Ou seja, o contato freqüente

da professora R.C. com o meio acadêmico não só possibilita a revisão freqüente de suas

matrizes referenciais como proporciona momentos de reflexão sobre sua prática no intuito de

manter uma originalidade sem distanciar-se dos discursos que permeiam o meio acadêmico. É

em função dessa busca de melhoria constante que a professora diz estar buscando não só na

49

Santa Teresa, apesar da pouca distância que a separa da capital Vitória, quase não promove eventos

intelectuais nem proporciona aos professores possibilidades de estarem se ausentando da sala de aula para

participarem de eventos fora de lá.

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História, mas também no campo da Educação, mais precisamente da Didática e da Psicologia,

formas de tornar sua prática mais completa e eficiente.

A fim de melhor compreender a prática cotidiana do professor, também abordei em minhas

investigações as representações que eles possuem da História e de seu ensino, uma vez que

essas representações irão interferir diretamente sobre seu fazer. Assim procurei investigar a

definição de História que cada um possui, a finalidade do ensino de História e a importância

da metodologia no processo ensino-aprendizagem. As respostas seguem abaixo com a

identificação do professor no fim.

História é a disciplina cuja compreensão do processo histórico ajuda à

compreensão da realidade atual e às possibilidades para o futuro. Sua

finalidade é a construção de uma consciência histórica, no sentido de que a

História tem ferramentas que fazem pensar, ou que são pressupostos para

pensar a vida, para aprender a refletir historicamente os acontecimentos. E

eu trabalho a História de um jeito meio teatral, gesticulo, faço caras e

bocas porque eu acho que isso me ajuda muito. Eu dou muito valor à aula

expositiva e não abro mão dela; mas tenho buscado outras metodologias

utilizando-me de filmes, imagens, releituras, visitas a campo...Então assim,

tento dar uma variada nas abordagens. Alguns conteúdos permitem inovar

mais, outros menos! Então eu faço uma barafunda metodológica,

misturando idéias novas e velhas.[...] Conteúdo e método têm uma relação

íntima, inseparável, mas não é uma relação estável e linear. (R.C., escola

C)

História é a prática investigativa e reflexiva pela qual é possível analisar o

presente e planejar as ações futuras por meio de acontecimentos ocorridos

no passado. A finalidade de seu ensino é difícil de ser definida porque... lá

fora, quanto mais a humanidade avança, mais necessário se torna o ensino

de história. Só que é também mais complicado fazer com que nossos alunos

entendam o quanto ele é importante. Porque a finalidade do ensino de

História é justamente conscientizar, fazer com que o aluno tenha

autonomia. O aluno que tem conhecimento histórico tem muito mais

condições de ser autônomo, porque ele sabe identificar, analisar e criticar

situações. Então eu acho que o ensino de História não deve ter como

objetivo passar uma série de fatos; mas que o aluno conheça o legado da

humanidade e utilize-o para ter melhor qualidade de vida, uma vida mais

participativa e atuante. Quanto à metodologia, não sei se é correto falar

que ela é mais importante ou menos importante, mas ela é determinante,

porque você pode ter um bom material em mãos e, se não tiver a

metodologia adequada, você joga tudo no lixo. A metodologia é a forma

como você vai interagir com o aluno. É através dela que você desperta o

interesse e capta a atenção do aluno. Se você despertou o interesse do

aluno, você abriu o caminho para que o conhecimento chegue até ele.

Metodologia é essa ponte que permite fazer a ligação entre o saber que o

professor traz e o saber do aluno. Eu não tenho uma metodologia específica

porque ela varia de turma para turma e de conteúdo para conteúdo. A

metodologia tem que ser flexível, mas nada que desnorteie seu eixo de

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trabalho. Você tem que ter um perfil metodológico, porque senão você não

tem identidade. (R.D., da escola A)

A finalidade do ensino de História pode ser favorecer a formação do

estudante como cidadão, para que assuma formas de participação social,

política e atitudes críticas diante da realidade atual, aprendendo a

discernir os limites e as possibilidades de sua atuação, na permanência ou

na transformação da realidade histórica na qual se insere. O ensino de

história pode fazer escolhas pedagógicas capazes de possibilitar ao aluno

refletir sobre suas práticas cotidianas e relacioná-las com problemáticas

históricas inerentes ao seu grupo de convívio, sua localidade, sua região e

à sociedade nacional e mundial.Procuro levar o aluno a compreender os

conteúdos para que ele construa conceitos, baseado no que foi exposto e

saiba orientar-se em determinadas situações, escolares ou não.(A.M., da

escola B).

Em função das narrativas ilustradas acima, podemos observar que os três professores que

participaram da pesquisa definem, em alguma medida, a História como instrumento de

compreensão do presente. Todavia a ação que proporciona esta compreensão vai variar de um

professor a outro, sendo que enquanto o professor R.D. relaciona-a a uma prática investigativa

e reflexiva, a professora R.C. menciona um instrumental teórico construído pelo pensar

histórico. No que diz respeito à finalidade do ensino de História, todos mencionam a

construção de uma consciência crítica e o desenvolvimento de uma conduta cidadã. Mas

quando o foco foi a metodologia, a professora R.C. submete a metodologia ao conteúdo,

embora ressalte que tem tentado inovar sempre. O professor R.D. diz que a metodologia é o

elo entre o conteúdo do professor e o saber do aluno, devendo, por isso, ser flexível e

adaptável ao contexto em questão. Já a professora A.M. diz buscar uma metodologia que

viabilize a apropriação por parte dos alunos de conceitos e saberes necessários ao pensar

histórico. Todavia, creio ser preciso aqui ressaltar que as respostas dadas às questões da

entrevista foram formuladas posteriormente, em casa, por esta professora. E, ao observarmos

com um pouco mais de atenção, perceberemos que boa parte delas foram buscadas em textos

referenciais, muitas delas foram retiradas de trechos do próprio PCN, como é o caso da

definição dada por ela de sujeito histórico, fato histórico e fonte histórica, justamente os

conceitos que, quando perguntados a ela no início da entrevista, ela ficou reticente e preferiu

não conferir a entrevista, mas responder-me em forma de questionário.

Ademais, a forma depreciativa com que a professora trata sua prática, revelando uma

representação identitária negativa, não condiz com as respostas fornecidas por ela, como esta

que aborda a questão da metodologia. A metodologia descrita em sua resposta não lembra em

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nada uma prática tradicional. Pelas aulas que observei da referida professora, creio que ela

tenta inovar em algumas ações, em função do acompanhamento por área que a prefeitura

realiza, mas sua matriz referencial não permite que as experiências alcancem as propostas

iniciais. Por exemplo, em uma das aulas que eu observei, ela desenvolveu uma atividade com

jornais.

Ela entregou um jornal a cada aluno da turma (8ª série A, que possui 20 alunos) e pediu que

procurassem uma reportagem que lhes chamasse a atenção, recortando-a e colando-a no

caderno. Um dos alunos perguntou se poderia ser reportagem sobre guerra e ela disse que não,

pois o mundo já é bastante violento para termos que conviver com isso também na sala de

aula. Essa resposta me surpreendeu tendo em vista que o eixo temático proposto para o 4º

ciclo é justamente “História das representações e das relações de poder”, ou seja, fala-se de

conflitos e guerras o ano todo, por que então negar a abordagem do tema na atividade com

jornal? Para mim, não fez muito sentido e, demonstrou, em parte, a intervenção excessiva dela

na atividade. Outro ponto que me chamou a atenção é que este tipo de atividade seria muito

mais produtiva se realizada em grupo, ou pelo menos em dupla, pois possibilitaria a troca e o

diálogo viabilizando uma construção de saberes. Mas, quando a turma propôs o trabalho de

forma coletiva, ela disse que faria muito barulho e o melhor seria trabalhar individualmente,

assim acabaria mais rápido. Extremamente rígida, os alunos não podiam conversar nem fazer

barulho para virar a página do jornal. Alguns precisavam de orientação para manusear o

impresso, pois isso não faz parte da rotina deles. Quando solicitada para auxiliar os alunos ela

demonstrava prontidão; todavia se requisitada mais de uma vez pelo mesmo aluno, respondia

rispidamente que já tinha lhe dado as orientações necessárias. Tal atitude inibia possíveis

solicitações e, quando os alunos buscavam este auxílio com um colega, mesmo que de

maneira bem discreta e silenciosa, era repreendidos.

A seguir ela colocou no quadro uma ficha de leitura que deveria ser preenchida pelos alunos

em função da reportagem selecionada. A ficha era composta pelos seguintes elementos:

a) nome do jornal;

b) título da reportagem;

c) fato principal da reportagem;

d) pessoas envolvidas;

e) quando ocorreu o fato;

f) local onde ocorreu o fato;

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134

g) produzir um resumo da reportagem;

h) criar uma charge sobre a reportagem.

Nas aulas seguintes, cada aluno deveria apresentar seu trabalho individualmente e

aleatoriamente. O que, aliás, nem chegou a acontecer, pois poucos alunos concluíram a

atividade. Esta atividade poderia ser riquíssima, todavia a professora não a explorou como

poderia. Ela é excepcional para trabalhar fato histórico, fonte histórica e sujeito histórico,

conceitos essenciais para o pensar histórico, mas a professora não o fez. Esta atitude remeteu-

me ao momento da entrevista e sua negação em concedê-la em tempo real no momento em

que lhe pedi que definisse sujeito histórico, fato histórico e fonte histórica. Seria possível que

o sentimento de não pertencimento a um modelo identitário chegaria ao ponto de inibir um

professor de trabalhar com as categorias fundantes de sua disciplina? Ou será que o

afastamento inerente do saber científico, em virtude de uma visível redução de seu universo

intelectual, seja responsável por tais atitudes? Enfim, quando perguntei à professora o

objetivo da atividade, sua resposta foi de que o “pessoal” da Secretaria de Educação que faz

acompanhamento por área exige que se desenvolva atividades diferentes. Não satisfeita,

perguntei aos alunos, ao sairmos para o recreio, por que eles haviam feito aquele trabalho.

Eles me responderam: “Sei lá! De vez em quando ela traz jornal para a sala de aula e manda

a gente fazer alguma coisa. Depois a gente volta para a História e o jornal fica esquecido por

um tempo!”.

Assim, não é difícil perceber que o discurso construído pela professora A.M. no questionário

e entrevista não condizem com a representação identitária e, consequentemente, com a

prática da mesma. Mas, os discursos construídos também nos transmitem algo. Se ela se deu

ao trabalho de pesquisar para estar respondendo aos meus instrumentos de investigação,

mesmo sabendo que sua prática estava sendo observada e seria confrontada com esses

instrumentos escritos, é um indicativo de que por mais que ela deprecie seu fazer cotidiano,

no seu âmago ela deseja desenvolver um sentimento de pertença que a aproxime do modelo

positivo de referência que existe dentro do grupo dos professores de História. A necessidade

de pertencimento com base num referencial positivo fica latente pela forma como ela

construiu as narrativas escritas e, ao mesmo tempo, demonstra um ranço positivista como que

a dizer que o documento escrito é mais verídico do que o que conta com a subjetividade da

observação de um outro sujeito. Ou seja, o poder de argumentação da entrevista e do

questionário era incontestável quando confrontados com as descrições das aulas por mim

observadas. Também pode-se perceber aqui, uma tática da professora A.M. com relação aos

Page 135: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

135

elementos normativos que tentam moldar sua prática. Diante da equipe da Secretaria de

Educação, que desenvolve um trabalho de acompanhamento por área, visitando as escolas e

planejando junto com os professores, a fim de assegurar a efetivação dos PCN na sala de aula,

a professora incorpora certas exigências. Mas, na sua prática construtora da História ensinada,

ela burla o caráter impositivo e ressignifica o proposto/imposto valendo-se dos instrumentos

do outro. Fica expresso assim, a força de sua representação identitária, bem como da História

e de seu ensino na utilização de astúcias empregadas no processo de elaboração da História

ensinada. Como afirma Certeau, desprovido de um próprio que lhe confira um lugar de ação

totalmente livre, o homem ordinário se vale das artes do fazer para reinventar um cotidiano

conforme sua visão de mundo e de si mesmo.

Quanto à professora R.C. de fato, pude constatar que apesar de todo seu compromisso e

dedicação, a aula expositiva ainda é seu instrumento central, embora ela o utilize com

maestria. Mas, aliada às exposições ela busca criar um diálogo com a turma, conduzido pelo

viés da postura crítica, embora essa seja induzida em grande medida pela crítica da própria

professora. Entretanto, a amplidão do conhecimento e das experiências vivenciadas pela

mesma, possibilitam a condução de uma aula expositiva produtiva.

O professor R.D. se utiliza em pequenas doses da aula expositiva, aliando-a sempre a outras

formas de trabalho e aplicações de dinâmicas que busquem fazer com que os alunos

construam um saber orientados por ele, mas com relativa autonomia.

Dessa forma, foi possível observar que a relação existente entre representação e prática é

extremamente estreita, envolvendo elementos e sujeitos externos como a formação inicial e a

matriz referencial da mesma, o universo intelectual que circunda o professor, os modelos

positivos e negativos construídos e legitimados pela demanda da sociedade e do meio

acadêmico com relação ao grupo referencial do profissional em questão e as representações

dos alunos e demais companheiros sobre o professor. Todos esses elementos devem ser

considerados se pretendemos conhecer e compreender a representação identitária que o

professor tem de si e a relação desta identidade com a constituição de sua prática.

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136

1.2 – REPRESENTAÇÕES E APROPRIAÇÕES DOS PCN

A eficácia da produção implica a inércia do consumo. Produz a ideologia do

consumo-receptáculo. Efeito de uma ideologia de classe e de uma cegueira técnica,

esta lenda é necessária ao sistema que distingue e privilegia [...] “produtores” em

face daqueles que não o são. Recusando o “consumo”, tal como foi concebido e

(naturalizado) confirmado por essas empresas de “autores”, tem-se a chance de

descobrir uma atividade criadora ali onde foi negada, e relativizar a exorbitante

pretensão de uma produção (real mas particular) de fazer a história “informando” o

conjunto do país CERTEAU, 2004, p. 262, grifos do autor).

Minha pesquisa parte exatamente do pressuposto afirmado acima por Certeau, de que o

consumo cultural não é passivo, mas provido de capacidade criadora capaz de apropriar-se do

objeto cultural produzido e imposto para consumo, ressignificando-o por meio de atribuições

de sentido em função de um contexto que lhe torna original. Assim, os professores de

História, uma vez em contato com o elemento normativo PCN enquanto objeto cultural

produzido pela noosfera, não se curva à ideologia que lhe quer fazer crer inatingível e

irredutível, mas, se apropria conforme suas representações, incorporando-o às suas práticas,

por meio de táticas que lhe são possíveis em função do lugar que ocupa.

Partindo dessas proposições, procurei identificar e analisar as apropriações que os professores

de História fizeram e fazem dos PCN para elaborarem o saber histórico escolar, mais

especificamente a História ensinada. Para tanto, foi preciso verificar de que forma se

estabeleceu o contato desses sujeitos com o documento em questão; a(s) relação(ões) entre o

documento e a prática docente, estabelecida(s) em decorrência desse encontro; em que medida

os PCN foram incorporados ao currículo formal e ao currículo real. Dessa forma, optei por

descrever o sucedido com cada professor em cada um dos itens mencionados.

O primeiro contato da professora R.C. com os PCN foi, conforme suas próprias palavras,

[...] bastante precoce, tendo sido convidada para ser parecerista da

área de História do 1º e 2º ciclos, embora não tenha aceitado.

Todavia, no período em que a Secretaria Municipal de Educação de

Vitória estava apresentando a proposta às escolas eu estava de

licença em função do Mestrado.

Entretanto, isto não a impediu de acompanhar todo o processo que os professores da rede

municipal de Vitória fizeram, a fim de impedir a implantação da proposta, elaborando e

efetivando uma proposta alternativa, de organização curricular por objetivos. As

argumentações contra os PCN eram muitas e quase todas já foram mencionadas na análise do

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137

documento que fizemos anteriormente neste trabalho. Mas, a mais contundente era, sem

dúvida, o fato de que, em um país em vias de reconstrução democrática, onde a liberdade

tornou-se o valor mais prezado, estava-se tentando “sutilmente” impor um modelo

curricular.Todavia, conforme depoimento já citado neste trabalho, para além das críticas a ele

direcionadas, a professora R.C. buscou um segundo encontro com a proposta e diz estar

vendo-a com outros olhos, chegando mesmo a admitir que ela não é assim tão ruim como se

pensou em um primeiro momento. Vale ressaltar que paralelamente ao documento, chegava

às mãos dos professores da prefeitura de Vitória, em função de suas práticas de leitura

inscritas em um universo intelectual relativamente amplo, os estudos críticos que analisavam

esta proposta. No caso específico da professora R.C., neste momento de implantação ela

estava inserida no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFES, realizando o curso de

mestrado, participando de reflexões profundas na área e tendo a oportunidade de discutir,

dentro de uma comunidade científica, o documento em questão. Não podemos ignorar a

relevância deste contexto intelectual que intermediou o contado inicial da professora e os

PCN. Entretanto, quando ela retorna à sala de aula, vivenciando uma realidade que lhe exigia

o emprego constante das artes de fazer do cotidiano escolar, ela procura uma reaproximação

com o documento, afirmando ter buscado, por “esforço e interesse próprios estudar os PCN

para conhecimento e discussão com outros professores”. Ou seja, a mudança do seu contexto

de ação lhe coloca diante de uma nova leitura dos PCN, pois conforme nos adverte Chartier

(1990), as apropriações que o sujeito faz de tudo o que lhe chega, depende das determinações

sociais, institucionais e culturais com a finalidade de gerar práticas específicas. Assim, uma

vez situada em um cotidiano que lhe exige práticas originais do espaço, sua leitura será

ressignificada. Contudo, não se perdem os elementos intelectuais que atuaram na primeira

leitura que ela havia realizado no contexto acadêmico. Mas, a mudança de lugar que lhe exige

novas práticas, colocará os mesmos elementos intelectuais na elaboração de outras formas de

leitura, ressignificando-a em função de novas possibilidades de ação, quais sejam, as táticas

invisíveis que, aquele que não possui um próprio, pode utilizar como forma de antidisciplina.

Essa mudança de postura da professora não deve ser entendida como falta de opinião própria

ou personalidade, mas, como a reinvenção que o leitor pode fazer do que lhe é dado a ler, em

função de seu campo de ação. Afinal, como afirma Chartier:

O leitor inventa nos textos uma coisa diferente daquilo que era a “intenção” deles.

Separa-os da sua origem (perdida ou acessória). Combina os seus fragmentos e cria

o desconhecido no espaço organizado pela capacidade que eles possuem de permitir

uma pluralidade indefinida de significações (CHARTIER, 1990, p.61).

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138

Assim, a professora não se contradiz ao afirmar que percebe influência dos PCN na sua

prática docente, pois a posição dinâmica e criadora de leitora lhe permite ressignificar seus

objetos de leitura. Valendo-se desta posição, R.C diz que:

Percebo que em muitos aspectos, suas recomendações, sugestões,

proposições, fazem parte de minha prática pedagógica. Como o próprio

documento afirma, sua função não é fechar possibilidades, mas, ao

contrário, suscitar discussões, reflexões, práticas. Nesse sentido, percebo

sua influência no meu trabalho e acho que ela é benéfica, positiva,

importante. Os PCN têm estado inserido no meu fazer pela manipulação

constante que a gente tem feito dele; e ele é um bom manual. Até porque os

PCN se baseiam nas pesquisas da profª Circe Bittencourt, que é bastante

crítica”.

Dessa forma, a professora explica a razão de sua mudança de postura diante dos PCN,

valendo-se exatamente do arcabouço teórico que ela possui, de modo a deixar claro que ela o

faz de forma consciente e crítica, demonstrando ter conhecimento das bases científicas do

documento. Ademais, ela foi bastante rígida quando solicitada para que avaliasse alguns

aspectos dos PCN, atribuindo-lhe notas de 0 a 10. À forma como ele chegou até os

professores, ela atribuiu nota cinco; à organização curricular que ele propõe, nota seis; à

proposta metodológica, nota oito; e ao comprometimento político com a democracia e a

promoção de uma educação de qualidade para todos, nota oito. Creio que ao avaliar o

comprometimento político com a democracia, a professora R.C. não pensou aqui que estaria

incluída também a forma como o documento chegou aos professores, afinal ela atribuiu nota

cinco a este critério; mas ateve-se à proposta de ensino-aprendizagem contida no texto do

mesmo. Pode-se perceber também, por meio desses critérios avaliados, que a organização

curricular por eixos temáticos não foi bem vista pela professora ao passo que, as inovações

metodológicas chegam em melhor conta. Ela enfatiza a relevância da metodologia e

demonstra ter se apropriado do que os PCN propõem neste aspecto. Mas, quando perguntada

sobre a importância que ela atribui à metodologia no processo ensino-aprendizagem, sua

resposta foi:

“O método é de grande importância, mas no caso da escola em que

trabalho, fica condicionado em boa parte pelo trabalho com objetivos.

Sinto-me engessada pelos objetivos, mas procuro ‘furar o cerco’, sobretudo

com as visitas de estudos, o trabalho patrimonial, tentando desenvolver o

sentimento de pertença. Sempre busco relação do conteúdo ‘imposto’ pelos

objetivos com a História local – E.S”.

Encontramos na fala desta professora o reconhecimento da supremacia do conteúdo sobre o

método e, paralelamente, uma de suas astúcias para, mesmo diante de uma imposição de

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139

elementos normativos externos que lhe cobram objetivos a serem trabalhados50

, empregar um

dos aspectos dos PCN que ela se apropriou, ou seja, a diversificação metodológica.

No tocante ao currículo formal, a professora afirma que todo o ano, os professores de cada

área têm a oportunidade de reformulá-lo, mas que, a alteração é sempre muito pequena e

sempre no sentido de diminuir o quantitativo do que aumentar o qualitativo. Alega não terem

tempo nem aprofundamento teórico para realizarem alterações profundas e interferências

significativas. Quanto à incorporação dos PCN, conforme já foi mencionado, a escola não o

adota diretamente, embora já trabalhe com seu texto como leitura de apoio nas buscas por

mudanças. Quanto ao currículo real, a professora diz ter condições de inserir no seu fazer

cotidiano, aspectos que ela considera relevantes e não são contemplados pelo currículo

formal, como a inovação metodológica, a diversificação nas avaliações, mas, não consegue

escapar à rigidez dos conteúdos organizados por objetivos, chegando ao ponto de elaborar

cartazes com os objetivos de cada turma, afixá-los na sala de aula51

, e conferir, ao final de

cada semana, se o respectivo objetivo foi trabalhado.

Dessa forma, conclui-se que a representação que a professora possui hoje dos PCN, resulta de

um processo de negação inicial em virtude de uma leitura determinada por um contingente

intelectual amplo e por um lugar que não lhe exigia uma prática efetiva a partir do que

propunha o documento, pois estava fora da sala de aula, e isto lhe conferia uma exterioridade

que, conforme Certeau (2004), permite uma visão controladora própria daquele que não está

imerso no corpo a corpo do cotidiano. Em um segundo momento, quando este lugar de ação é

transformado, passando a professora a ser exigida, por meio de uma constante reinvenção do

fazer cotidiano, a estabelecer um novo contado com as propostas dos PCN, ela ressignifica o

documento, por meio de uma nova leitura, resultando daí uma representação positiva do

documento sem perder a criticidade anterior. Decorre desta nova representação, a

apropriação de alguns aspectos considerados como relevantes por R.C. como a inovação

metodológica, a diversificação nas formas de avaliar e a necessidade constante de refletir

sobre seu fazer por meio do diálogo com o saber científico. Destas apropriações resultam

práticas originais que, por sua vez, originarão outras representações de modo que, o proposto,

50

Em entrevista a professora afirmou ter o prazo de uma semana, duas no máximo, para dar conta de cada

objetivo. Isso, ainda, porque ela conseguiu reduzir, nos últimos dois anos, de 40 objetivos por ano para cada

turma, para 20 objetivos. 51

Como a escola C trabalha com sala ambiente, cada professor tem a sua sala e as turmas se locomovem dentro

da escola conforme o horário de cada uma delas, o que possibilita à professora fixar materiais permanentes na

sala, facilitando seu trabalho.

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140

uma vez apropriado por meio de ressignificações, efetiva-se em uma relação estreita e direta

com os elementos subjetivos do sujeito ordinário da ação cotidiana.

Os professores do município de Santa Teresa tiveram acesso aos PCN de maneira totalmente

diferenciada. A prefeitura organizou um curso de apresentação (que foi muito mais de

implantação) dos Parâmetros Curriculares Nacionais com duração de três anos. No primeiro

ano, analisou-se o documento introdutório e, no segundo e terceiro ano, dividiu-se por área e

cada grupo estudou o documento respectivo. Esses estudos eram orientados por um

coordenador integrante do programa de implementação dos PCN e realizados aos sábados. O

professor R.D. fez o seguinte relato:

A freqüência era opcional, mas nas inscrições de designação temporária

(DT) na área do magistério, a apresentação do comprovante de que você

freqüentava o curso de estudos dos PCN, valia mais pontos do que

qualquer curso e, para os professores efetivos, todos os anos eles eram

avaliados em função de um reajuste salarial de 4% que receberiam ou não

em função de seu desempenho. Pois bem! A participação nos estudos dos

PCN era decisiva para concessão dos 4% de aumento.

Foi dessa forma que ocorreu o primeiro contato dos professores R.C. e A.M. com o

documento. Até este momento, nem um dos dois havia lido a proposta ou parte dela,

tampouco tido acesso aos debates que se fazia em torno dos PCN. Quanto aos textos e estudos

realizados sobre a forma de elaboração do documento, forma de implantação, bem como das

propostas contidas no mesmo, eram totalmente desconhecidos pelos referidos professores.

Assim, o elemento normatizador (PCN) lhes foi apresentado pelas mãos dos sujeitos externos

à escola (MEC e Secretaria de Educação), ou, conforme Chevallard, a noosfera que havia se

encarregado de elaborar o documento agora, em seus níveis locais, apresentou-os àqueles que

deveriam executá-lo de modo que, eles não tiveram outra possibilidade de ação senão a da

tática. O jogo do outro foi imposto estrategicamente, no intuito de imobilizar reações

contrárias. Mediante o desconhecimento dos PCN e a forma como ele foi apresentado, as

negações que ocorreram com relação às propostas do documento, partiram de professores que

traziam como argumentação o fato de estarem velhos demais para mudar. O que, aliado à

manipulação feita durante a implantação, minava as resistências atribuindo-lhe um caráter de

apego ao tradicional. Está tentativa de modelar o consumidor é pensada por Chartier na

seguinte perspectiva:

[...] a cultura da maioria pode, em qualquer época, em virtude de uma colocação a

distância, construir um lugar ou instaurar uma coerência própria nos modelos que

lhe são impostos, à força ou com sua concordância, pelos grupos ou pelos poderes

dominantes. Tal perspectiva leva a fornecer um contrapeso a que põe em relevo os

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141

dispositivos, discursivos ou institucionais, que uma sociedade tem por finalidade

esquadrinhar o tempo e os lugares, disciplinar os corpos e as práticas, modelar, pelo

ordenamento regular dos espaços, as condutas e os pensamentos. Estas tecnologias

da vigilância e da inculcação têm de fato de estar em sintonia com as táticas de

consumo e de utilização daqueles que elas têm por função modelar. Longe de terem

a absoluta eficácia aculturante que se lhes atribui com demasiada freqüência, esses

dispositivos de todas as ordens (de que fazem parte numerosos materiais que são

geralmente objeto da história cultural) concedem necessariamente um lugar, no

momento em que são recebidos, ao distanciamento, ao desvio, à reinterpretação

(CHARTIER, 1990, p. 60, grifo meu).

Partindo desses pressupostos, os professores A.M. e R.D., viram-se envolvidos em uma

tentativa de modelagem de sua representação quanto aos PCN e, consequentemente, das

práticas advindas dessas representações. Todavia, como ressalta Chartier, por mais que estas

tecnologias de vigilância e inculcação de modelos buscam prever as táticas de utilização que

os consumidores farão do produto que lhes é imposto, o lugar de ação desses sujeitos, guarda

sempre uma possibilidade de reinterpretação, o que lhes permite estabelecer múltiplas

relações com o elemento normatizador imposto.

As relações decorrentes desse encontro foram múltiplas. Os professores R.D e A.M., “viram-

se envolvidos em um plano de implementação que não lhes deixou muitas escolhas”; os PCN

estavam sendo adotados pelo município e, consequentemente, pelas escolas nas quais eles

trabalhavam. Dentro dos contextos já conhecidos desses dois sujeitos, negar a “inovação” do

documento seria uma demonstração de tradicionalismo à qual nenhum dos dois queria ser

associado. Assim, já nos encontros finais de estudos do documento, os professores de História

do município de Santa Teresa, elaboraram uma proposta curricular com base nos PCN,

constituída por uma seleção de conteúdos – organizados por eixos temáticos, objetivos

(ambos divididos em conceituais, atitudinais e procedimentais), metodologia e avaliação. A

efetivação desta proposta no currículo real era uma incógnita para todos, pois ninguém sabia

ao certo o porquê e o como, de se trabalhar com eixo temático. A professora A.M. disse ter

argumentado durante todo o curso que ela não saberia trabalhar de outra forma senão pela

relação linear de conteúdos encadeados em ordem temporal logicamente definida, chegando,

inclusive, a solicitar que a equipe lhe ajudasse a relacionar cada um dos temas elencados aos

conteúdos tradicionalmente trabalhados.

O que se percebe então é que, cada professor estabeleceu relações conforme seu referencial de

contingência, ou seja, conforme os conhecimentos acumulados ao longo dos anos e a

mobilização que fazem dos mesmos. Neste sentido, o universo intelectual de cada um foi

decisivo. Por isso, de agora em diante, tratarei separadamente os professores observados.

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O professor R.D., em função de suas práticas de leitura que o inscreveram em um universo

bastante amplo, foi se apropriando do texto por meio das relações que estabelecia entre ele e

as demais leituras da área que fazia, de modo que, mesmo mantendo sua matriz referencial,

ele ressignificou sua prática. Segundo ele:

Os PCN mostraram novos caminhos, abriram minha visão sobre aspectos

relevantes do ensino de História. Ampliaram bastante as possibilidades de

criar novas metodologias, novas experiências. Este documento nos deu a

idéia de autonomia, sobretudo para mexer nos conteúdos. Ele ajudou a se

libertar um pouco do tradicionalismo, a repensar os critérios utilizados

para selecionar conteúdos e a relação com o aluno. Eu acho que os PCN

foram significativos.

Assim, conforme declaração do professor, por meio de apropriações decorrentes da leitura

dos PCN, ele teve oportunidade de atribuir nova organização à sua prática por meio não só da

autonomia que este documento lhe assegurava, mas também pelas sugestões “inovadoras” que

o mesmo traz. Podemos analisar parte de sua representação dos PCN, por meio da avaliação

que ele fez de alguns aspectos do documento, atribuindo-lhes notas de zero a dez. No quesito,

forma como ele chegou até o professor, sua nota foi dez; no quesito organização curricular,

oito; proposta metodológica, dez; e comprometimento político com a democracia e promoção

de uma educação de qualidade para todos, nove. Faz-se visível o quanto a forma como ocorre

o contato inicial interferiu na representação que o professor construiu dos PCN, chegando a

atribuir-lhe nota dez à forma como ele chegou até os professores, sem considerar o fato de que

os mesmos não tiveram a oportunidade de participar da elaboração do documento, recebendo

uma proposta pronta, que ignora a questão estrutural do fazer cotidiano do professor e atribui-

lhe a responsabilidade de executá-lo. Acredito que aqui calou mais fundo no professor não o

momento de elaboração dos PCN, mas os três anos de “estudos” da proposta organizados pela

prefeitura do município. O desconhecimento das críticas feitas ao documento também

interferiram na representação elaborada pelo professor, afinal, conforme ele mesmo disse,

“os PCN eram mostrados como sendo a resposta para nossos problemas”. E, não tendo

acesso a outras visões acerca do documento, ressignificar esta representação só foi possível

no momento de inseri-lo em sua prática cotidiana.

Ainda conforme a avaliação realizada pelo professor, podemos perceber que a questão

metodológica mereceu nota dez enquanto a organização curricular foi avaliada com nota oito.

É interessante ressaltar que estes dois quesitos são passíveis de análise no seu fazer cotidiano,

enquanto os outros dois – contato com a proposta e comprometimento político da mesma –

requerem uma análise crítica mais teórica. Dessa forma, é possível concluir que o momento

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143

da efetivação é crucial para a apropriação, sendo no confronto com as ações próprias do seu

contexto, que ele ressignifica o que lhe é proposto/imposto, pois, conforme Chartier (1990), a

apropriação decorrente da leitura, está intimamente relacionada ao meio que circunda o

indivíduo e às ações que este lhe exige, porque daí decorrem práticas culturais determinantes

para o ser social do sujeito.

Partindo desse pressuposto, observamos que a proposta de organizar o currículo por eixo

temático foi, entre os quesitos avaliados, o que recebeu menor nota por parte do professor

R.D. Durante a entrevista, ele afirmou que:

Trabalhar com eixo temático seria uma forma interessante de se abordar

os conteúdos, mas nós não estamos preparados para realizar este tipo de

trabalho. E, se para nós que já conhecemos bastante de História, fica difícil

se localizar, imagine para o aluno, que ainda não conhece nem a

linearidade da História!

Perguntei então a ele se havia percebido a existência de algum eixo condutor na proposta dos

PCN em torno do qual se uniriam os temas tratados. Sua resposta foi que o único elo que ele

pensa que poderia encontrar seria o desenvolvimento do pensamento crítico. Mas crítico em

relação a quê? Decidi então perguntar como ele percebe a presença do capitalismo na

proposta e, só então ele começou a relacionar a criticidade com o entendimento do aluno a

respeito da sociedade capitalista. Ou seja, a idéia da organização por eixo temático tendo por

finalidade conhecer o desenvolvimento do capitalismo e localizar a capacidade de ação de

cada indivíduo, em função do lugar que ocupa nesta sociedade, não foi percebida pelo

professor. Todavia, esta proposta não aparece claramente no texto do documento, de forma

que, se as práticas de leitura do docente não o inscrevem neste universo intelectual,

dificilmente ele fará esta leitura e consequentemente, não se apropriará dela para dar sentido

à sua prática. Essas propostas não ditas seriam lacunas dos PCN ou mais uma estratégia que

se legitima no discurso de liberdade de interpretação e autonomia de ação?

De forma semelhante, a proposta metodológica do documento é tida em conta significativa

pelo professor R.D. em função do confronto com a prática. Segundo ele:

A metodologia é responsável pela eficácia da aprendizagem, pois ela

potencializa o conhecimento do professor e permite sua transmissão. Acho

até que a metodologia de trabalho, não sei se é correto falar que ela é mais

importante ou menos importante, mas ela é determinante, porque você pode

ter um bom material em mãos e, se não tiver a metodologia adequada, você

joga tudo no lixo. A metodologia de trabalho é a forma como você vai

interagir com o aluno. Se você despertou o interesse do aluno, você abriu o

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144

caminho para que o conhecimento chegue até ele. Metodologia é essa ponte

que permite fazer a ligação entre o saber que o professor traz e o saber do

aluno. [...] A metodologia tem que ser flexível. Agora, nada que desnorteie

seu eixo de trabalho. Você tem que manter um perfil metodológico, porque

senão você não tem identidade. Assim, quando os PCN abrem a

possibilidade de trabalhar com fontes variadas em sala de aula, inserir

dinâmicas para estabelecer o contato do aluno com o conteúdo, de trazer a

prática da investigação histórica para o dia-a-dia da sala de aula, eles

estão dando uma grande contribuição para a realização do nosso trabalho.

Assim, torna-se notório que, em função do contexto de ação do professor R.D., ele se

apropria daquilo que ele considera mais significativo para seu fazer cotidiano, levando-nos à

conclusão de que, o lugar de onde se realiza a leitura interfere nas apropriações que dela se

faz. Logo, o contexto no qual o professor se inscreve, levou-o a criar uma representação dos

PCN baseada em seu contato inicial com o documento. Grande parte desta representação se

manteve, sobretudo o que concerne aos aspectos teóricos da proposta. Mas, essa

representação criada com base no “proposto”, foi reformulada quando confrontada com a

“efetivação”. Infere-se então, que mesmo os sujeitos executores da proposta dos PCN, se

apropriam e se reapropriam dela em função de momentos distintos, diversificando ainda mais

a pluralidade de leituras que realizam do texto em questão. Sendo assim, não deveríamos falar

“da leitura” que o professor faz dos PCN, mas, “das leituras”, pois estas são reformuladas

sempre que a realidade lhe coloca diante de situações que exigem a atribuição de sentido para

viabilizar uma ação. Como diz Certeau (2004), o leitor separa o texto de sua origem e, pela

combinação que faz dos fragmentos dos quais se apropria, cria um novo texto, adequado à

sua realidade, o que imprime ao proposto uma pluralidade de significações.

Outro ponto importante para entender as apropriações que o professor fez dos PCN é a

questão dos conteúdos, que o documento propõe que sejam subdivididos em conceitual,

procedimental e atitudinal. O professor R.D. faz a seguinte leitura dessas definições:

Conteúdo conceitual, é o conteúdo em si; aquele que a gente trabalha de

forma mais tradicional; que a gente sempre trabalhou. Atitudinal é algo

que sempre existiu, mas que nós estamos observando e avaliando mais

recentemente. Tem a ver com a atitude do aluno, com as relações, a

maneira como ele age com os colegas, com o professor. Muita gente

relaciona o atitudinal com a participação do aluno. Eu acho que o

atitudinal realmente mostra muito do aluno. Ele deve ser bem trabalhado

porque se o aluno tem uma atitude correta em sala de aula, ele vai ter mais

facilidade com o conceitual também. E procedimental é o saber fazer; é

dominar os meios para produzir um texto, um esquema... Tudo isso

relacionado ao conteúdo histórico.

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145

Desta declaração, pode-se concluir que o professor trata os conteúdos conceituais como o

saber propriamente dito, ligando-o ao campo dos conteúdos, ao passo que os conteúdos

procedimentais são relacionados ao “saber-fazer” e os atitudinais ao “saber-ser” e, embora ele

diga que tudo isso estaria diretamente relacionado aos conteúdos históricos, ao descrever em

seu relato os conteúdos atitudinais e procedimentais, parece que ele os desvincula da História.

Todavia, em contra partida, na atividade de elaboração do “caderninho” sobre a crise de 1929

e os regimes totalitários (que já foi descrita anteriormente), o professor pareceu agir de forma

diferente, estabelecendo a co-relação entre os três conteúdos, conforme sugere o documento,

de modo que, mesmo sem saber expressar em palavras, sua prática revelou uma apropriação

muito próxima do proposto pelos PCN no que diz respeito aos conteúdos conceituais,

atitudinais e procedimentais.

Outro ponto que creio merecer destaque nas apropriações do professor R.D. é no que diz

respeito aos conflitos que aparecem com destaque no 4º ciclo. Quando perguntado sobre a

forma como trabalha com esses conflitos ele afirmou ressaltar as causas, ou seja, o contexto

gerador do conflito, porque é ali que o aluno pode perceber as disputas pelo poder e como ela

articula situações com o objetivo de interferir diretamente nos rumos da História. Chega

mesmo a afirmar que conflitos são construídos em função de mudar uma estrutura.

Primeiramente, percebo aqui muito mais latente a visão do professor em função de sua matriz

referencial do que a proposta do documento. Em segundo lugar, questiono porque ele não

aplica esta mesma visão a respeito das relações de poder que se inscrevem na História, na

representação que ele possui dos PCN? Quais elementos lhe impedem de aplicar a criticidade

e o rigor utilizados na análise da História ensinada a um documento que lhe chega como

proposta de organização da História a ensinar? Seriam as estratégias utilizadas pela noosfera

na configuração do discurso do texto que neutralizaram a capacidade crítica deste professor?

A retórica impositiva do documento, apontada por vários críticos como ponto que denuncia

sua falsa flexibilidade, teria sido aqui responsável pelo não questionamento dos jogos de

poder que permeiam a construção do saber histórico escolar? Afinal, Chartier (1990) e

Certeau (2004) nos alertam para o fato de que, por mais que o leitor ressignifique o texto, em

alguma medida, o texto se inscreve no leitor, de modo que, por mais que sua capacidade de

reinvenção atue sobre o mesmo, algo do texto sempre ficará no leitor, pois ele cria “a partir

de”, e isso não acontece impunemente. Partes do texto ficam no leitor, mesmo que em forma

de discursos ocultos, como foi o caso do professor R.D.

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146

A professora M.A, da escola B., conforme dito anteriormente, teve o mesmo contato inicial

com o documento e, sua escola também incorporou os PCN ao currículo formal. Todavia, a

relação que ela estabelece com os PCN é um tanto quanto conflituosa, de modo que seu

discurso e sua prática se contradizem com certa freqüência. Por exemplo, quando perguntada

sobre a influência dos PCN em sua prática pedagógica ela responde que:

Minha prática ficou mais dinâmica e diversificada, atendendo o contexto do

aluno. E, os PCN auxiliaram-me na tarefa de reflexão e discussão de

aspectos do cotidiano da prática pedagógica, no intuito de transformá-la

continuamente.

Todavia, essa relação entre os PCN e a professora não é confirmada por sua prática pois,

mesmo quando observei a aplicação de atividades e dinâmicas que deveriam dar mobilidade à

aula, a estática era imposta com rigor pela professora. Ademais, por mais que ela trouxesse

para a sala de aula jogos e formas alternativas de abordar o conteúdo, prevalecia sempre sua

matriz referencial altamente disciplinada e até, por assim dizer, castradora. Em uma das aulas

observadas, os alunos deveriam escolher um dos aspectos tratados no tema anterior (A Era

Vargas) e, em trio, elaborarem e confeccionarem um jogo de dominó contendo conceitos e

definições do respectivo tema. Após a confecção, os grupos trocaram os temas entre si e

jogaram de modo a se aprofundarem no aspecto histórico que coube a seu grupo e,

respectivamente, ao do grupo com o qual ele trocava o dominó. Mas, o objetivo da atividade

era possibilitar o aprendizado, logo quando ocorressem dúvidas no momento de montar o jogo

do outro grupo, o aluno deveria pesquisar. Como isso começou a gerar um pouco de barulho e

movimentação pela sala, o que eu considero normal em função da proposta da atividade, a

professora recolheu os dominós, encerrou a dinâmica justificando-se pela “bagunça” da

turma, mandou que apanhassem o livro, e mandou responderem as atividades de todos os

capítulos relacionados à Era Vargas. Ou seja, por mais que uma apropriação esteja sendo

imposta a ela pela equipe de acompanhamento da prefeitura, na efetivação da proposta pela

elaboração da História ensinada, a matriz referencial da professora, bem como seu universo

intelectual reduzido, se impõem de forma determinante.

A exemplo do professor R.D., a professora A.M. atribuiu nota dez aos quesitos teóricos da

proposta ao passo que avaliou como merecendo nota oito a organização curricular, e nota

nove a proposta metodológica. Esta atitude reafirma que, a forma pela qual se deu o contato

inicial com os PCN, aliada a uma prática de leitura deficiente, resultou no estabelecimento de

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147

uma representação positiva dos aspectos teóricos ao passo que, os aspectos práticos que

puderam ser confrontados com a realidade originaram uma representação mais crítica.

Ponto relevante na análise das apropriações, a definição de conteúdos conceituais,

procedimentais e atitudinais foi solicitada à professora que deu a seguinte resposta:

Conceituais são aqueles que se referem à construção ativa das capacidades

intelectuais para elaboração de conceitos. A construção dos conceitos

exige aproximações sucessivas e ampliadas do objeto de estudo, garantindo

a compreensão de princípios acerca do mesmo.

Procedimentais são aqueles que propiciam certos modos de pensar, agir e

produzir conhecimentos. Buscam preparar o aluno para tomar decisões que

o levem à realização de ações necessárias para obtenção de um produto

visado. Não se trata, portanto, de atos espontâneos, nem de habilidades

individuais, mas de procedimentos que são valorizados como

aprendizagem, exigindo a intermediação do professor para sua elaboração.

Atitudinais envolvem o conhecimento, a análise e a avaliação de normas,

valores e atitudes necessários para a vida em comum. As normas são as

regras e/ou padrões de comportamento em situações sociais. Os valores

são princípios éticos orientadores de juízos pessoais e sociais. As atitudes

são posições decorrentes da cognição (conhecimento + crenças), dos afetos

(sentimentos e preferências) e as condutas (ações e declaração de

intenções).

Conforme já foi dito anteriormente, a professora A.M. pediu para responder a entrevista em

forma de questionário, em casa. Estou retomando esta questão porque a resposta que ela

oferece à pergunta sobre os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais foi retirada do

documento introdutório dos PCN, mais especificamente das páginas 75 a 78. Tal atitude nos

leva a algumas conclusões, como a de que ela não se apropriou desta distinção entre os

diferentes conteúdos, conforme sugerem os PCN. Esta conclusão remete-se não só ao fato de

não definir com discurso próprio cada uma das modalidades de conteúdo, mas por não

demonstrar em seu fazer cotidiano espaço de aplicação de outra forma de conteúdo que não o

conceitual. Por outro lado, se a referida professora deu-se ao trabalho de retomar os PCN e

realizar uma nova leitura a fim de responder à entrevista, demonstra que existe então uma

representação de que a adesão a esta proposta determina um lugar de pertencimento ao

professor dentro do grupo de professores de História, aproximando-o do modelo referencial

positivo. A construção de um discurso revela aqui a necessidade de pertencimento,

especialmente por ligar-se à aferição de juízos e valores com interferência direta na sua

relação com o outro. Ou seja, a professora sentiu necessidade de elaborar um discurso que a

identificasse, em alguma medida, com a proposta do documento e com os demais professores

que estão participando da pesquisa. Isso revela uma representação que a professora tem de si,

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148

da comunidade profissional a qual pertence, bem como a necessidade de sentir-se parte dessa

comunidade.

Apesar dessas formas diferenciadas de contato e relações estabelecidas, observei que algumas

coisas foram comuns aos três professores. Primeiramente, no que diz respeito à afirmação de

incorporarem algo dos PCN em sua prática e de avaliarem essa incorporação como algo bom.

Em segundo lugar, observei que todos enfatizaram as inovações metodológicas e praticamente

não adentraram nas discussões teóricas sobre o trabalho com conceitos, critérios de seleção de

conteúdo, objetivos do ensino de História... Pareceu-me que a contribuição maior que eles

obtiveram dos PCN foram relativas às inovações metodológicas.

Em terceiro, nenhum dos professores demonstrou ter se apropriado da proposta de

organização curricular por eixos temáticos, mesmo aqueles cujas escolas incorporaram as

propostas ao currículo formal e, embora ambos tivessem ressaltado o caráter inovador e

desafiador do trabalho com eixos temáticos, todos disseram não ter formação nem contexto

favoráveis à implementação da mesma.

O quarto ponto é que, embora todos tenham destacado como função do ensino de História o

desenvolvimento da cidadania, nenhum deles pensou a cidadania em outra esfera que não a

política, o que demonstra que, mesmo aqueles professores que não têm como matriz

referencial o positivismo, apropriaram-se desta visão positivista de cidadania contida, em

grande medida, no texto dos PCN. Não se discute, por exemplo, a cidadania social, como

respeitar o direito do outro, não furar filas, não usar de artimanhas para “se dar bem”, não

usar o outro para seus objetivos, desenvolver um sentimento de coletividade baseado na

alteridade... E esta medida de cidadania parece ter sido apropriada sem muitas

ressignificações por parte dos professores observados.

Desses depoimentos pode-se aferir que a representação que os professores têm dos PCN,

depende em grande medida da forma como esse documento lhe chegou, das referências que

ele dispôs para analisá-lo e do foco para o qual ele direcionou sua leitura, confrontando-a, em

um segundo momento, com sua prática. Assim, os dois professores que conheceram o

documento via curso de implementação da proposta parecem ter uma representação mais

positiva dos PCN, haja vista que nenhum deles ressaltou em momento algum as críticas das

quais ele é alvo constante. Ademais, por razões que não foi aqui intenção de averiguar, eles

direcionaram sua leitura para duas questões centrais: a metodologia e a organização dos

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conteúdos por eixo temático, ou seja, questões práticas para a aplicabilidade da proposta em

sala de aula. Já a professora R.C. que teve um contato mais crítico com os PCN estabeleceu

uma relação mais reticente e cautelosa, dedicando-lhe uma segunda leitura e privilegiando

pontos epistemológicos do documento.

CAPÍTULO II – SABER HISTÓRICO ESCOLAR: UMA CONSTRUÇÃO PLURAL

Em itens anteriores discorri sobre o saber histórico escolar, explicitando o envolvimento de

diferentes sujeitos em seu processo elaborativo, o qual tem início na noosfera, encarregada de

selecionar o saber a ser ensinado; prossegue com os professores que, na execução do currículo

real, definem o saber ensinado; e finaliza com o aluno que, ao apropriar-se de maneira plural

do saber ensinado, constrói o saber aprendido. Mas, será que cada um desses sujeitos têm

consciência do quanto é significativa sua participação neste processo? Será que professores e

alunos sabem que são protagonistas da produção de um saber com propriedades originais do

espaço escolar e que, este saber possui uma relação nem sempre ascendente com o saber

acadêmico? Que lugar o professor se atribui nessa esfera de produção de saberes?

É no intuito de responder a estas e outras questões que venham a surgir, que estarei abordando

no próximo item, a representação que o professor possui do saber histórico escolar, bem

como de seu envolvimento na elaboração do mesmo.

2.1 – PROFESSOR: SUJEITO NA ELABORAÇÃO DE UM SABER ORIGINAL

Um dos pontos que pus em foco na minha pesquisa foi o grau de consciência do professor a

respeito da especificidade do saber histórico escolar, bem como de sua participação na

elaboração deste saber. Conforme já foi mencionado com base em Chevallard, este saber é

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próprio da cultura escolar levando em consideração a dimensão educativa que o circunda e a

articulação que estabelece com saberes plurais. Assim, muito embora ele tenha relação direta

e estreita com o saber de referência ou ciência mãe, seus objetivos são permeados de

finalidades próprias da ação educativa e sua utilização se engendra em uma rede de relações

de poder que lhe confere um caráter específico. Muito embora Chevallard tenha afirmado em

seus estudos matemáticos uma hierarquia entre os saberes, colocando no centro gerador o

saber acadêmico (científico), Chervel fez afirmações diferentes com seus estudos sobre a

gramática francesa, pois o uso da língua que era feito pela população levou a uma

reformulação na Academia.

Penso que um caso análogo ocorreu no Brasil, guardadas as devidas proporções, no que diz

respeito à inserção da História da África nos currículos escolares. Esta inserção se deu muito

mais por razões políticas, mas temos que reconhecer seus méritos culturais. Frente à pressão

da sociedade o governo viu-se impelido a integrar a História da África aos currículos

escolares. Todavia, atrelada ao modelo da modernidade, a Academia mantém suas cadeiras

estruturadas conforme a divisão eurocêntrica da História, ou seja, História Antiga, História

Medieval, História Moderna e História Contemporânea, relegando os demais povos e culturas

a um segundo plano por meio da História das Américas, da Ásia... sempre relacionando-as à

ordem organizativa da Europa Ocidental. Assim, a maioria das Academias não possui (ou não

possuía) em sua grade curricular a disciplina em questão. Porém, em função da demanda do

saber histórico escolar, sobretudo da parte que cabe à noosfera, elas foram forçadas a

acrescentar essa disciplina em sua grade, conforme Ester Grossi ressalta:

A sanção da Lei nº. 10639, de minha autoria, a primeira do mandato de Luiz Inácio

Lula da Silva publicada em 9 de janeiro de 2003 e a sua regulamentação,

instituindo Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-

raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana, pelo

Conselho Nacional de Educação, podem ajudar a abrir mais e mais as portas para

nossas lembranças com origem na África, curando-nos do empobrecimento que nos

impõe a injusta ausência da riqueza do aporte que, indiscutivelmente, nos brindou e

nos brinda a parte negra de nossa nacionalidade (GROSSI, 2004, p. 67 – 68).

Dessa forma, a configuração de nossa sociedade, passou a exigir do saber histórico escolar,

um tratamento diferenciado frente à questão da constituição da identidade do povo brasileiro,

especialmente no que diz respeito à configuração da identidade do negro e a ressignificação

das contribuições desse elemento na elaboração de nossa nacionalidade cultural. De acordo

com Trajano Filho:

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A sociedade brasileira contemporânea é fortemente marcada pela ideologia da

incorporação. Aqui as diferenças culturais (com relação aos índios, italianos,

libaneses e portugueses) são pensadas em termos culturais e percebidas como

diferenças englobáveis pela nacionalidade. Somente as diferenças entre negros e

brancos são pensadas em termos raciais. O estudo da história da África poderia ser

de grande valia para a desmontagem definitiva deste conceito vulgar, de muito

abandonado pela genética, mas que insiste em sobreviver no nosso senso comum.

Que o digam as formas politicamente corretas da modernidade que continuam a

reproduzir um africano genérico, racializado, cuja história é rasa e se resume a uma

contabilidade social de débitos e créditos (TRAJANO FILHO, 2004, p.27).

Ou seja, é a exigência social de se repensar o lugar do negro, sua memória e sua identidade

enquanto elemento integrante de nossa nacionalidade, que a História da África é inserida

obrigatoriamente nos currículos de nossas escolas, demandando sua respectiva inserção na

grade curricular acadêmica.

Apesar das especificidades em função das questões étnico-raciais, esse caso pode, a meu ver,

ser tomado como um exemplo de que a hierarquia pregada por Chevallard é questionável.

Essa situação, aliás, embora quebre uma hierarquia redutora com relação ao saber histórico

escolar, gerou uma situação difícil para a maioria dos docentes da área. Os professores que

participaram de minha pesquisa, por exemplo, queixam-se da falta de conhecimento para

incorporar esse conteúdo ao programa e, nas escolas A e B, notei que o cumprimento da Lei

foi minimamente atendido com a realização de uma semana da cultura negra, dando espaço

para concurso da beleza negra, exposição artística, curso de penteados afros e apresentações

de capoeira. Esta questão foi abordada neste momento, para mostrar que a hierarquia dos

saberes, privilegiando o saber de referência em detrimento do saber escolar é questionável.

Sendo assim, o papel do professor como sujeito na elaboração do saber histórico escolar,

merece ainda mais atenção, uma vez que, em determinados casos, a mediação didática fica

centrada na sua prática cotidiana. Pois, mesmo a noosfera tendo criado a Lei nº 10639, o saber

de referência ainda não foi devidamente sistematizado e incorporado ao currículo acadêmico,

cabendo ao professor a incumbência desta sistematização inicial. Tais proposições reafirmam

a necessidade de se trabalhar a consciência do professor a respeito de seu papel na elaboração

do saber histórico escolar.

O próprio texto dos PCN, em sua primeira parte, reconhece que, além dos objetivos próprios

do saber histórico científico, o saber histórico escolar adquire novas características e

significações ao propor-se a fins didáticos. Em certa medida, mesmo sabendo do caráter

híbrido do discurso que o constitui, o documento abre espaço para o reconhecimento da

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atuação dos diferentes sujeitos que participam do processo de elaboração do saber histórico

escolar, quando diz que:

É no dia-a-dia das escolas e das salas de aula, a partir das condições, contradições e

recursos inerentes à realidade local educacional, que são construídos os currículos

reais. São grupos de professores e alunos, de pais e educadores, em contextos

sociais e educacionais concretos e peculiares, que formulam e colocam em prática

as propostas de ensino (PCN de História, p.15).

Dessa forma, o documento permite uma leitura que reconhece a possibilidade de ação de

professores e alunos no processo de elaboração do saber histórico escolar, mesmo que

sutilmente, haja vista que no corpo do documento ele recorre insistentemente a certos

discursos enquanto que este, se não por uma leitura atenta, passa despercebido. Faz parte das

estratégias utilizadas pela noosfera, formular um discurso com ênfase no que de proposto ela

quer que se efetive e propor, com uma retórica quase invisível ao leitor, o que de conciliatório

a comunidade científica lhe imprime como condição de consenso.

Assim, ciente de que a escola é um espaço não só de ressignificação de saberes, mas, de

elaboração de um saber original, procurei investigar a representação que os professores têm

do saber histórico escolar e de seu papel nesse processo elaborativo, pois, conforme os

estudos de Monteiro (2002), a mobilização que os professores fazem dos saberes que

possuem, está intimamente ligada ao grau de consciência que eles possuem sobre estes

saberes. Não podemos mais nos furtar a discutir o quê é ensinado na escola, o papel desta

instituição dentro de uma sociedade e, tampouco o papel do professor dentro desse

engendramento, afinal ele é o executor de toda proposta de ensino e, deve ser pensado como

tal. Sendo assim, analisei a representação que os professores de História investigados

possuem a respeito do saber histórico escolar, bem como de seu papel em sua elaboração, a

fim de potencializar as possibilidades de ação do docente.

A professora R.C., que mantém um relacionamento estreito com as produções acadêmicas,

demonstrou conhecimento do debate que circunda esta questão. Quando lhe perguntei sobre a

definição do saber histórico escolar, sua constituição e sua participação nesse processo, sua

resposta foi:

Os autores colocam, se a gente puder fazer uma contraposição, que o saber

escolar se contrapõe ao saber acadêmico; não no sentido de negar, mas de

diferenciar-se metodologicamente. Então assim, o saber histórico escolar é

um saber que bebe no saber acadêmico produzido pelos historiadores,

pelos especialistas... mas, ele não vai muito profundamente. Na escola a

gente não quer formar historiadores. A gente quer, quando muito, formar

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uma consciência histórica, ou pelo menos iniciar esse processo de

formação de consciência histórica. [...] É muito difícil você fazer essa

transposição do que você aprende na escola para sua própria vida. O saber

histórico escolar então, se constitui disso né; estar atento ao que vem sendo

produzido no meio acadêmico; tentar uma transposição, que não é simples,

para a sala de aula. E a minha participação na construção desse saber,

penso que é também como sujeito histórico, ou seja, das leituras que eu

faço, que não são muitas porque a sala de aula realmente tira muito do meu

tempo, mas penso que eu tenho participado um pouquinho na medida em

que tenho lido alguns autores, trazido novas fontes... É isso! [...] acho que

tem uma interação grande entre o saber acadêmico e o escolar. A gente

não pode ficar sem leitura, sem saber o que a academia está produzindo,

embora livro custe caro e professor ganhe muito pouco. Mas assim, é uma

relação bastante próxima entre o que a academia está produzindo, o que

você está ensinado e, o que eu espero, os alunos estejam aprendendo.”

Logo, é notório que a professora tem conhecimento da especificidade do saber histórico

escolar bem como de sua ligação com o saber acadêmico. Aliás, ela vai além quando pensa o

saber histórico escolar dentro de uma aplicabilidade, ou seja, o saber aprendido pelo aluno,

como caracterização de apropriação, deve ser inserido na ação cotidiana deste sujeito.

Também quando diz respeito à sua participação ela demonstra ter noção da importância da

mesma, embora ainda não reconheça com clareza o grau dessa participação. Esse nível de

conscientização é perceptível no esmero com que ela prepara suas aulas, seleciona o material

que considera mais adequado para a turma etc. Mas, nota-se que ao relacionar saber histórico

acadêmico e escolar ela o faz muito mais no sentido de garantir a atualização do saber

histórico escolar do que no intuito de pensar a relação de mediação existente entre eles. O

mesmo ocorre quando ela fala do papel do professor; ela se coloca como sujeito histórico,

consciente de que sua posição é de ação, mas não precisa a intensidade desta ação nem as

implicações pedagógicas e sociais da mesma. Assim, por mais que a professora R.C. tenha

uma representação bastante clara do saber histórico escolar e de sua atuação no processo de

elaboração deste saber, falta-lhe objetividade para que ela possa estabelecer ações mais

concisas ou, conforme ela mesma já disse em respostas anteriores, para que ela tenha o

respaldo teórico de que necessita para legitimar suas ações.

A professora A.M., quando questionada sobre a especificidade do saber histórico escolar, bem

como de seu papel na elaboração deste saber, declara que:

Entendo saber histórico escolar como o saber produzido no espaço escolar.

O saber histórico escolar reelabora o conhecimento produzido no campo

das pesquisas dos historiadores e especialistas do campo das Ciências

Humanas, selecionando-os e se apropriando de parte dos resultados

acadêmicos, articulando-os de acordo com seus objetivos. Nesse processo

de reelaboração, agrega-se um conjunto de “representações sociais”

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constituídas pela vivência dos alunos. As representações sociais são

constituídas pela vivência dos alunos e professores, que adquirem

conhecimentos dinâmicos provenientes de várias fontes de informações

veiculadas pela comunidade e pelos meios de comunicação. Na sala de

aula, os materiais didáticos e as diversas formas de comunicação escolar

apresentadas no processo pedagógico constituem o que se denomina saber

histórico escolar. [...] O conhecimento científico tem influenciado o ensino

afetando os conteúdos e os métodos tradicionais de aprendizagem. Como o

ensinar é proveniente de uma série de fatores, o ensino e a aprendizagem

envolvem uma distinção básica entre o saber e a produção de conhecimento

produzido no espaço escolar.

Mais uma vez lembro o fato de que a referida professora pediu para “responder” a entrevista

em casa, em forma de questionário; isso porque a semelhança entre a resposta da mesma e a

definição que os PCN trazem de saber histórico escolar é no mínimo significativa. Se ela

buscou essa resposta em uma fonte textual podemos pensar que ela talvez nunca tenha ouvido

falar da especificidade da saber histórico escolar, ou nunca tenha refletido sobre ele de forma

a relacioná-lo à sua prática. Aliás, na resposta que ela montou retirando diferentes partes do

texto do PCN, ela não se preocupa em responder à questão da sua participação. Talvez essa

falta de conhecimento seja oriunda da matriz positivista que nega a legitimidade do saber

escolar? Ela chega a classificar o conhecimento científico como saber, enquanto ao

conhecimento produzido no espaço escolar ela não atribui a mesma classificação.

Enfim, o que temos é a ausência de uma representação própria, por parte da professora A.M,

a respeito do saber histórico escolar que, nem se percebe como participante deste processo.

Segundo suas declarações, o curso oferecido pela prefeitura local para implantação da

proposta, tratado como estudo do documento, não chegou a discutir esta questão, de modo que

as questões teóricas do documento foram relegadas à curiosidade de cada professor ou, ao

abandono e completo esquecimento.

O professor R.D., quando solicitado para que falasse sobre a mesma questão, demonstrou

reconhecer as especificidades do saber histórico escolar, relacionando-o de maneira direta

com o saber científico e estabelecendo a articulação dos saberes próprios da disciplina e os

saberes pedagógicos para ressignificar os diversos saberes no intuito de produzir o saber

histórico escolar. Aliás ele deixa esta articulação explícita também quando ele fala da questão

metodológica e do relacionamento com o aluno. Para além das colocações do referido

professor que já foram citadas a este respeito, ele afirma que:

O conhecimento científico é aquele do qual o professor não pode abrir

mão; é um compromisso que ele tem – a cientificidade. Mas ele tem que

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encontrar os meios adequados para transformar o conhecimento científico

em ensino e resultar em aprendizagem. Você não pode simplesmente

transferir este conhecimento científico para o aluno porque não vai haver

aprendizagem. Então eu acho que o professor atua exatamente aí, criando

métodos para que o conhecimento científico se transforme em

conhecimento escolar. Ele deve ser o mediador deste processo de

conversão.

Note-se que apesar do grau de consciência e discernimento que o professor R.D. demonstra

possuir, ele não reconhece o caráter criativo original do saber histórico escolar, relegando-o à

conversão do saber histórico científico a fim de torná-lo ensinável. Não que esta conversão

não seja parte integrante do processo; mas é fundamental que o professor reconheça que,

acrescido de elementos plurais que se somam a esta conversão, o espaço escolar se transforma

em um espaço criador de saber, dando origem a um saber totalmente novo, por mais que ele

busque subsídios em uma ciência de referência e dela se valha para obter legitimidade. Só

assim ele se perceberá também como um mediador no processo de elaboração do saber

histórico escolar, no sentido que Lopes dá a este termo, ou seja, aquele que atua num contexto

conflitivo e que, por meio de uma ação dialética e dialógica, elabora a História ensinada

ressignificando o que lhe é proposto como História a ser ensinada. Pois vale atentar para o

fato de que, embora ele se reconheça na declaração acima como mediador, está pensando em

alguém que vai mediar um processo de conversão pela simplificação do saber científico.

Pode-se então concluir que, quanto maior o grau de conhecimento do professor a respeito da

especificidade do saber histórico escolar e de sua participação neste saber, maior o grau de

envolvimento e comprometimento do professor com seu fazer cotidiano. Todavia, embora

estejamos caminhando significativamente neste sentido, os professores observados

demonstram, ainda, uma certa carência no que diz respeito a definir com clareza suas

possibilidades de ação dentro do processo de elaboração do saber histórico escolar. Tal

posição de inconsciência, dificulta um comprometimento maior por parte desses sujeitos, no

que diz respeito à transcendência que se espera que o ensino de História tenha, nas salas de

aula e para além delas. O que me remete a Certeau ao analisar o lugar daquele que não dispõe

de um lugar de poder.

Este não-lugar lhe permite sem dúvida mobilidade, mas uma docilidade aos azares

do tempo, para captar no vôo as possibilidades oferecidas por um instante. [...] Aí

vai caçar. Cria ali surpresas. Consegue estar onde ninguém espera. É astúcia.

[...] Quanto mais fracas as forças submetidas à direção estratégica, tanto mais esta

estará sujeita à astúcia (CERTEAU, 2004, p. 100 – 101).

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Ou seja, o professor precisa saber qual é o lugar que ele ocupa dentro deste processo de

elaboração do saber histórico escolar, só assim ele terá condições de agir conscientemente,

lançando mão de táticas e astúcias próprias daquele desprovido de uma visão globalizante

que lhe permita agir de forma calculada, pensada. É este não-lugar que Certeau denomina

como um lugar desprovido de poder, que o professor ocupa. Todavia, como bem afirmou

Certeau, é exatamente o fato de estar neste não-lugar que lhe dá mobilidade de ação. Pois, é

por não estar entre a noosfera (que possui um lugar próprio de poder), que o professor tem

condições de agir sumariamente, afinal, a ele foi facultado o papel de executor da proposta, de

modo que ele se tornou o elo entre o saber a ser ensinado e o saber aprendido, o que lhe dá

uma possibilidade criadora que a noosfera não possui. Entretanto, para lançar mão desta

mobilidade de ação, o professor precisa estar ciente destas possibilidades para “captar no vôo

as possibilidades oferecidas por um instante”. Sem um grau de consciência elevado sobre a

capacidade de ação que possui e da originalidade criadora do saber histórico escolar, as

estratégias da noosfera conseguem neutralizar sua prática, esvaziando-a de qualquer

significado próprio e transformando-o em um executor de propostas (en)formadoras da

população. Esta consciência permite o comprometimento do professor com seu fazer

cotidiano e, um elevado grau de comprometimento, implica pensar a História para além da

sala de aula, como uma prática social que se inscreve na realidade que a circunda.

CAPÍTULO III – A HISTÓRIA ENSINADA: UMA PRÁTICA SOCIAL

Ao longo da História da disciplina escolar “História”, pode-se observar que seu ensino sempre

esteve vinculado a algum propósito que transcende a sala de aula, quer seja a formação moral

e religiosa, a criação de uma identidade nacional ou mesmo a conformação do indivíduo a um

contexto circundante que o deseja como objeto de manobra e sujeito passivo de uma História

que lhe coloca à margem. Esta assertiva leva-nos a questionar as implicações sociais dessa

disciplina, afinal, ensinar História nas salas de aula nunca foi tão e puramente falar do passado

(ou do presente, como mais recentemente temos a História do presente ou o presente como

História), mas elaborar um discurso narrativo com um propósito extra-sala definido. Definido

por quem? Essa é para mim a questão axial a ser tomada como ponto de discussão, uma vez

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157

esclarecido pelo histórico inicial apresentado sobre esta disciplina, que sua função foi, é e

será, para além dos muros escolares, como aliás o são todas as disciplinas fundadas nas

ciências humanas, uma proposta social. Conforme Certeau:

A autonomia do leitor depende de uma transformação das relações sociais que

sobredeterminam a sua relação com os textos. [...] Uma política da leitura deve

portanto articular-se a partir de uma análise que, descrevendo práticas há muito

tempo efetivas, as torne politizáveis (CERTEAU, 2004, p. 268).

Logo, por mais que as investigações sobre a leitura e suas práticas, realizadas por Certeau e

Chartier, indiquem que já os camponeses do Antigo Regime pervertiam os textos dos quais se

apropriavam, o autor chama a atenção para a necessidade de se politizar esta prática

imbuindo-a de um grau de consciência que permita transformar não só a relação do leitor com

o texto, mas as próprias relações sociais que, em alguma medida, determinam essa relação.

Logo, o professor de História, ao apropriar-se do que lhe é proposto por meio de uma

hierarquia social deve, não só ressignificar o texto que serve de suporte ao modelo

homogeneizador – os PCN – mas, ressignificar também as relações sociais que permitem a

ocorrência de situações de conformação e imposição por meio da elaboração de uma História

ensinada comprometida com o social. É preciso que ao elaborar o que lhe cabe do saber

histórico escolar, o professor esteja ciente de que ele é o sujeito capaz de operar esta inversão,

da conformação pretendida pela noosfera em formação social e política, conhecedora de seu

lugar e de suas possibilidades de ação dentro da conjuntura na qual sua prática se inscreve. É

com esse propósito que desenvolvo as reflexões que se seguem.

3.1 – PCN E PROFESSORES: ESTRATÉGIAS E TÁTICAS DE UMA RELAÇÃO DE

PODER

No bloco cinco do questionário que apliquei aos professores (ANEXO A) que participaram de

minha pesquisa, busquei coletar opiniões sobre o ensino de História a fim de alcançar a

representação que os professores possuem sobre o mesmo. O que obtive foi o seguinte

resultado:

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158

O professor R.D. e a professora R.C disseram que “Os programas educacionais de

História devem equilibrar as diferentes etapas da História e não dar tanta relevância

à História Contemporânea.” E a professora A.M. disse que “eles deveriam dar mais

ênfase à História Contemporânea, sem deixar de estudar outros períodos, pois nela

há suficientes elementos do passado.”

Os três professores disseram que a História que levam à sala de aula deve “Descrever

de um modo histórico os processos sociais nos quais estamos imersos, dar uma

explicação histórica do nosso presente, explorando as raízes evolutivas da realidade

atual.”

Quanto à finalidade maior do ensino de História, o professor R.D.. e a professora R.C.

afirmaram que deve-se “Aprofundar a identidade e a consciência de pertencer a uma

nação, já que a História e seu conhecimento são um dos principais elementos da

consciência nacional e uma das condições básicas para a existência de qualquer

nação.” E a professora A.M. disse que é “Formar cidadãos críticos diante das

contradições de sua sociedade e preparados para a ação social mediante o estudo da

opressão e sofrimento vividos pelos homens e seu esforço para superá-los.”

Cruzando os dados do questionário com os dados que obtive por intermédio da entrevista

percebe-se que a professora A.M. manteve uma uniformidade em suas respostas quanto à

finalidade do ensino de História, tendo dito na entrevista que a finalidade seria a formação do

cidadão participativo e com atitudes críticas diante da realidade. Já o professor R.D. disse na

sua entrevista que a finalidade do ensino de História é dar autonomia intelectual ao aluno para

que ele compreenda a realidade e tenha condições de agir sobre ela. Mas, no questionário sua

resposta se volta ao conformismo de trabalhar a História tendo como finalidade a construção

do sentimento de nação e a criação de uma identidade nacional. A mesma discrepância

acontece com a professora R.C., que na entrevista diz tratar da construção de uma consciência

histórica que lhe permite pensar o presente de forma mais crítica e consciente.

Como vemos, parece que a maioria dos professores ainda não tem muito bem definida qual a

finalidade do ensino de História. E mais: parece que nenhum deles parou ainda para analisar

quem é que define essa finalidade, ou finalidades. Boa parte deles ainda procura um discurso

pronto que lhe dê essa resposta e, quando encontram essa resposta acabada ela se coloca a

serviço de um poder instituído, como é o caso da formação do sentimento de nação e de uma

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159

identidade nacional. Este objetivo vem sendo destinado à disciplina de História desde o

momento em que o Brasil se tornou um país “independente” e, acredite, ele ainda aparece na

proposta mais recente, ou seja, nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Dessa forma, a

noosfera estabeleceu uma finalidade para o ensino de História segundo seus interesses

contextuais. Esses interesses guardam jogos e relações de poder que, quase sempre,

privilegiam uma elite em detrimento das camadas menos favorecidas. Mas, quando a resposta

à finalidade do ensino de História é construída pelo próprio professor, a situação pode se

inverter e a disciplina História se coloca a serviço da sociedade, daqueles que não desfrutam

de um próprio que lhe conceda poder.

Partindo dessas proposições, acredito que a relação de estratégias e táticas que acontece entre

o instituído e a prática do docente, pode nos revelar uma capacidade de ação por parte dos

professores, ainda não estudada, pois, conforme Certeau:

[...] o saber-fazer das práticas cotidianas não seria conhecido pelo intérprete que o

esclarece no seu espelho discursivo, mas que não o possui tampouco. Portanto, não

pertence a ninguém. Fica circulando entre a inconsciência dos praticantes e a

reflexão dos não-praticantes, sem pertencer a nenhum. Trata-se de um saber

anônimo e referencial (CERTEAU, 2004, p. 143).

Certeau nos esclarece que os professores não possuem uma consciência clara a respeito de

suas práticas cotidianas, bem como das táticas por eles desenvolvidas para viabilizar ações de

antidisciplina, tornando este saber um saber anônimo. Esta assertiva reafirma minha

preocupação no que diz respeito à necessidade de conhecimento do papel decisivo do

professor na elaboração da História ensinada, especialmente no tocante às astúcias táticas que

tornam possível a efetivação do que lhe chega como proposição.

Veja, ao responder o questionário, documento materializado, a maioria dos professores

utilizou-se de um discurso pronto que atendesse às expectativas do que possui um próprio

(lugar de controle externo e normativo). Mas, na entrevista, onde ele se sentiu mais solto por

tratar-se de um documento mais flexível, eles formulam a sua resposta e se colocam mais

explicitamente, revelando uma vontade implícita de transformar o ensino de sua disciplina.

Algo semelhante percebi nas aulas que observei e na análise que fiz dos currículos formais

das escolas. As escolas A e B, que dizem trabalhar conforme a proposta dos PCN, possuem

um currículo formal montado de acordo com o modelo do eixo temático. Mas, em nenhum

momento, na sala de aula, eu vi a aplicação desse tipo de abordagem histórica. A proposta

vigente no currículo real é da história integrada e o livro adotado foi o da Joelza Ester

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Rodrigue, “História em documentos”, livro criticado por alguns professores e por vários

alunos por não conter textos que conduzem ou induzem a uma linha de pensamento. Perguntei

ao professor R.D. sobre a proposta dos PCN de trabalhar história por eixos temáticos e a

resposta que obtive foi que

A idéia é boa e a escola tentou se adaptar a esse modelo, mas trabalhar

com ele na sala de aula é muito difícil. Então o que é que está

acontecendo? No currículo da escola nós temos os eixos temáticos de cada

ciclo, os subtemas e o que vamos trabalhar dentro desses eixos e subtemas.

Mas, no nosso plano de curso, nós temos na frente de cada idéia o que é

que a gente vai trabalhar de fato na sala de aula. Por exemplo, na 6ª série

tem lá “Relações de trabalho dos povos do Oriente e do Ocidente: aspectos

culturais; propriedade privada da terra e dos meios de produção;

alimentação, agricultura e meio ambiente”. Aí, na frente de cada item

desses a gente coloca o que vai trabalhar de verdade. Os povos do Oriente

e do Ocidente são Egito, Grécia, Roma... Os aspectos culturais desses

povos a gente trabalha religião, mitos, ciências e artes; propriedade

privada e meios de produção a gente trata da questão política e econômica

destacando o papel do Estado, o que acaba envolvendo os recursos

naturais. É assim que a gente faz. Ou seja, no papel está lá, do jeitinho que

eles querem. Mas na sala de aula a gente faz do jeito que acha melhor; do

jeito que a gente sabe fazer!

Percebo na fala deste professor a expressão clara de uma astúcia tática conforme Certeau, de

atuar com as armas do inimigo, no terreno do inimigo, dispondo de elementos fornecidos pelo

próprio inimigo em um momento de descuido. Ou seja, os PCN foram lançados aos

professores como uma estratégia da noosfera, que possui um próprio que lhe confere um

lugar de poder, de ação externa, planejada, arquitetada cuidadosamente a fim de envolver os

demais sujeitos numa teia de sedução com jogos de palavras e utilização de discursos

conciliatórios que integram as exigências da Academia e as demandas da sociedade civil. De

posse dessa proposta que lhe foi muito mais imposta do que oferecida, o professor busca

liberdade de ação por meio dos elementos que ela mesma lhe oferece. Dentro desta

hierarquização que coloca o professor como último a opinar, ele não tem condições de atuar

autonomamente no que diz respeito à elaboração de uma proposta oficial de ensino. Logo, por

meio de táticas que se aproveitam da ausência que a exterioridade do elemento de poder

possui, o professor, que é elemento interno, presente diretamente no campo de efetivação da

proposta, ou seja, na sala de aula, ressignifica esta proposta conforme suas possibilidades de

trabalho.

A professora R.C. também considera o trabalho com eixo temático uma proposta ousada do

ensino de História, dizendo que gostaria de tentar algum dia, mas que não se sente preparada,

pois envolve também a questão do tempo histórico. Nós fomos preparados para trabalhar com

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nossos alunos uma linearidade cronológica. Segundo ela, não tem certeza de que daria conta

de desenvolver um trabalho satisfatório por meio de eixos temáticos. Sendo assim, o que ela

faz no seu cotidiano? Ela trabalha seguindo a proposta da escola, ou seja, o trabalho por

objetivos que foi elaborado pelos professores como forma alternativa aos eixos temáticos e,

astuciosamente, ressignifica esse trabalho com objetivos lançando mão do que ela se

apropriou dos PCN, como as inovações metodológicas e a diversificação na forma de avaliar.

Mas, o que eu considero como tática extraordinária é que os professores se apropriaram

apenas do que lhes interessava no documento, especialmente a metodologia que, segundo eles

contempla um dos maiores desafios do professor na sala de aula, qual seja, conquistar a

atenção e o interesse do aluno. Vejamos isso nas suas próprias palavras. Todos os professores

observados demonstraram ter especial interesse pela questão da metodologia de trabalho e

afirmam que a parte dos PCN que mais incorporaram foi a diversidade metodológica52

.

Todavia, pareceu-me que nenhum dos professores refletiu ainda sobre as relações de poder

que permeiam essa esfera de produção do saber histórico escolar e, conseqüentemente, na

necessidade de reverter essa situação. Quando a noosfera seleciona conteúdos, indica

metodologias e formas de avaliação, existe toda uma estrutura de interesses, nem sempre

nacionais, arquitetando os desdobramentos dessa proposta. Mas algo lhe escapa, pois por mais

que as equipes contratadas para a elaboração desses documentos tentam antever a

apropriação que os professores farão desta proposta, só eles, no seu fazer cotidiano, darão

vida à mesma. Logo, se o professor buscar conhecer minimamente o viés ideológico da

proposta que lhe chega, estando consciente do papel que lhe cabe dentro desse processo de

elaboração de um saber original próprio da cultura escolar, ele pode aproveitar-se do lugar

anônimo que ocupa e, por meio de astúcias táticas, transformar o ato de ensinar em uma

prática social democrática e viabilizadora de um cenário menos desigual.

Certeau não foi desatento às questões sociais e políticas da atualidade quando se pronunciou

sobre as artes do fazer, tanto que ele afirmou:

Na Idade Média o texto se enquadrava na teoria das quatro ou sete leituras que

poderia receber. E era um livro. Agora, o texto não provém mais de uma tradição. É

imposto pela geração de uma tecnocracia produtivista. Não se trata mais de um

livro de referência mas de toda a sociedade feita texto, feita escritura da lei anônima

da produção (CERTEAU, 2004, p. 50)

52

Quero ressaltar aqui a diferença entre metodologia e método, de modo que metodologia vem sendo tratada

como dinâmica de trabalho e método forma de condução do processo ensino-aprendizagem

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162

Guardadas as devidas proporções que distinguem o contexto de análise de Certeau e o de

minha pesquisa, creio poder apropriar-me de suas acertivas. Logo, colocar-se como um leitor

que ressignifica o texto que lhe é dado a ler, na sociedade atual, pelos produtores de bens

culturais, implica uma postura crítica diante da própria sociedade, pois esta tem sido

transformada em texto no qual se inscreve um modelo cultural, social, político e econômico.

Este modelo chega com força de lei e se renova continuamente em uma estratégia produtora

que visa minar as táticas de resistência. Desta forma, não basta o professor utilizar táticas

apenas no momento de se apropriar e efetivar as propostas a ele “ofertadas”; é preciso que ele

use astúcias táticas também no seu comprometimento com a ressignificação da sociedade

como um todo, haja vista que ela própria foi transformada em texto. Nosso aluno foi

transformado em texto e repete discursos que lhes chegam de formas variadas. O professor

não pode ressignificar uma proposta curricular sem ressignificar seu aluno e auxiliá-lo a se

auto-ressignificar. É preciso que o próprio professor faça uma autocrítica, avaliando suas

representações e suas práticas, a fim de averiguar se ele também já não é um texto modelado

pela camada produtora. Nossa sociedade de consumo tem-se transformado, em função de uma

série de fatores, em páginas e mais páginas em branco, onde inscrever um texto planejado tem

ficado cada vez mais fácil.

Todavia, Certeau (2004) dá a orientação que se transforma em pedra de toque nessa relação

de poder deveras injusta, afirmando que:

A atomização do tecido social dá hoje uma pertinência política à questão do sujeito.

Comprovam-no os sintomas que são as ações individuais, as operações locais e até

as formações ecológicas [...]. Essas maneiras de se reapropriar do sistema

produzido, criações de consumidores, visam uma terapêutica de socialidades

deterioradas, e usam técnicas de reemprego onde se podem reconhecer os

procedimentos das práticas cotidianas (CERTEAU, 2004, p. 52, grifo do autor).

Assim, mediante esta sociedade transformada em texto, dividida no que ele denomina

atomização social, Certeau reconhece a aplicabilidade das astúcias táticas daquele que não

possui um próprio, senão como a forma ideal de ação, como a terapêutica possível dentro de

uma sociedade que teve o seu social deteriorado. Tais assertivas legitimam as táticas dos

professores em seu campo de ação – a sala de aula – como possibilidades de transformação do

social. Apropriando-se dos PCN, apesar das diversas estratégias que permeiam seu texto, os

professores ressignificam sua prática por meio de táticas que lhes permitem jogar, no seu

tabuleiro, com as peças do outro, de modo a alterar os resultados esperados por aqueles que

arquitetaram o jogo e planejaram seu desfecho.

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Cada aula observada, revelava-me um sem par de astúcias que os professores utilizavam para

efetivar sua prática, atribuindo novos sentidos ao que o sistema lhe impunha como modelo.

Assim, do confrontamento entre as estratégias utilizadas pela noosfera para modelar a prática

docente, e as táticas criadas pelos professores para efetivá-la no seu fazer cotidiano, elabora-

se o saber histórico escolar. A História ensinada é gestada entre lances e golpes de um jogo

inconsciente por parte de alguns jogadores, e ciente demais por parte de outros, conforme

observa Certeau, do qual utilizo-me para falar das possibilidades de ação do professor, este

sujeito anônimo:

[...] uma maneira de utilizar sistemas impostos constitui a resistência à lei histórica

de um estado de fato e a suas legitimações dogmáticas. Uma prática da ordem

construída por outros redistribui-lhe o espaço. Ali, ela cria ao menos um jogo, por

manobras entre forças desiguais e por referências utópicas. [...] Mil maneiras de

jogar/desfazer o jogo do outro, ou seja, o espaço instituído por outros, caracterizam

a atividade, sutil, tenaz, resistente, de grupos que, por não ter um próprio, devem

desembaraçar-se de uma rede de forças e de representações estabelecidas. Tem que

“fazer com”. Nesses estratagemas de combatentes existe uma arte dos golpes, dos

lances, um prazer em alterar as regras do espaço opressor (CERTEAU, 2004, p. 79,

grifo do autor).

Assim, mesmo reconhecendo as desigualdades das forças entre o elemento normatizador que

visa conformar a prática docente e modelar toda uma sociedade, e a possibilidade de ação de

sujeitos anônimos, despossuídos de um lugar de poder, mas dotados de uma capacidade

criadora a partir da apropriação dos instrumentos impostos, o desenvolvimento de minha

pesquisa mostrou-me que os professores de História não se colocam como meros executores

de tarefas pré-determinadas diante das propostas que lhes chegam.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No cenário de crise que vivenciamos, a educação vem sendo pensada sob os mais diferentes

aspectos, sendo colocada ora como a redentora da sociedade, ora como reprodutora de um

sistema desigual e excludente. Neste contexto, as propostas elaboradas pela noosfera, bem

como as práticas dos professores, têm sido alvos constantes de críticas contumazes. A

noosfera, pensada como modeladora de práticas conformativas, tem merecido destaque no

topo da hierarquia produtora de práticas culturais. Os professores, sujeitos da ação docente,

têm sido relegados a executores de saberes e propostas elaborados por outrem, reduzindo sua

possibilidade de ação ao conformismo resignado ou à revolta que não ganha concretude.

Essa perspectiva se assenta em uma série de pressupostos que vêm sendo desconstruídos em

várias pesquisas, como o reconhecimento da especificidade do saber escolar, tratado por

autores como Chevallard, Chervel e outros; e as possibilidades de ação dos professores no

cotidiano escolar, abordadas pelas teorias do currículo, que reconhecem o espaço de criação

do currículo real. Estas novas perspectivas encontram embasamento teórico, em autores que

percebem o sujeito ordinário como sendo capaz de alterar os rumos da História e burlar as

formas de conformação por parte dos sujeitos extraordinários, como é o caso de Thompson e

Davis ao tratar da questão da experiência, de Chartier ao tratar das apropriações e práticas e

de Certeau ao tratar das táticas.

Esta pesquisa redimensionou estes pressupostos, com base no trabalho dos autores citados

acima, partindo da ressignificação da relação que os professores estabelecem com os

elementos normativos que lhes chegam, elaborados pela noosfera, com o intuito de regular e

modelar suas práticas. Valendo-me dos estudos de Chartier e Certeau, as posições da noosfera

que propõe modelos de ensino e dos professores, que efetivam estes modelos por meio de

suas práticas, foram repensadas em uma condição de pluralidade que viabiliza uma variedade

de práticas, nem sempre passivas. A suposta inércia dos professores frente às normas que

visam modelar seu fazer cotidiano, é redimensionada reconhecendo-os como sujeitos atuantes

no processo de elaboração do saber histórico escolar, logo, detentores de uma possibilidade de

ação transformadora.

Ao se depararem com um texto que lhes chega, os professores lançam mão de uma “liberdade

leitora” que lhes possibilita ressignificá-lo ao dele se apropriarem. Esta liberdade leitora tem

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165

relação direta e estreita com uma comunidade de interpretação na qual se inscrevem em

função de critérios pré-estabelecidos. Dessa forma, a hegemonia do texto e do discurso nele

contido, é contestada por uma prática de apropriação decorrente das representações que os

professores possuem de si, da História, de seu ensino, do documento(PCN) e do mundo que

os cerca. Essas representações se constroem com base em alguns elementos determinantes,

merecendo serem pensados de forma mais profunda.

As representações que os professores têm dos PCN, conforme análise aqui realizada,

depende, em grande medida, do contato inicial que estabeleceram com o documento,

decorrendo deste contato a aceitação ou negação das propostas nele contidas, mesmo que esta

aceitação ou negação seja reformulada em um segundo momento. Ou seja, a forma como a

proposta chegou até eles trouxe em si uma representação criada em função do contexto e dos

agentes que proporcionaram este primeiro encontro. Com base nesta representação, os

professores realizam as apropriações cabíveis, gerando práticas originais deste contexto.

Todavia, essa representação não é permanente e imutável. Enquanto leitor/escritor, os

professores podem atribuir novos sentidos ao texto em função do lugar de onde eles fazem a

leitura, gerando representações diversificadas em função do contexto circundante. Assim,

observei que os professores que participaram de minha pesquisa, demonstraram ter possuído

duas representações distintas dos PCN: uma elaborada no momento do contato teórico com a

proposta, analisando-a do ponto de vista das possibilidades, onde o ideal se sobrepõe ao real

por mais que se busque o equilíbrio entre ambos; e uma outra representação elaborada em

função da confrontação com a prática cotidiana, onde, contrariamente ao quadro anterior, o

real se faz ouvir com toda a força. Mas, esta representação elaborada neste segundo momento

guarda muito da representação inicial, de modo que as práticas resultantes trazem elementos

dos dois momentos.

Entretanto, seria demasiado reducionista acreditar que as práticas docentes decorrentes do

encontro destes com os PCN derivam somente das representações elaboradas em função dos

encontros teóricos e práticos com esta proposta. A representação identitária do professor é de

extrema relevância na elaboração de seu fazer cotidiano. O sentimento de pertencimento do

docente a um grupo referencial é fundamental para que ele defina sua prática, o que o coloca

em um lugar dinâmico de construção identitária porque, em um primeiro momento, sua

prática ajuda-o a localizar-se ou não dentro de um grupo de referência. Esta necessidade de

identificação com o modelo referencial é tão forte, que chega a levar alguns professores a

criarem um discurso que o aproximem do modelo desejado mesmo que sua prática demonstre

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166

outra realidade, como foi o caso da professora A.M. A construção da representação

identitária, assim, liga-se intimamente com a formação do professor, incluindo aí a formação

inicial e a continuada; com o universo intelectual e as práticas de leitura do professor; e com a

prática decorrente dos dois elementos anteriores (formação e leitura).

Dessa forma, os professores elaboram suas práticas em função das representações que

possuem de si, da disciplina com a qual trabalham, de seu ensino, e do mundo no qual se

inscrevem. Estas práticas fundamentarão a elaboração de representações dos outros a respeito

do sujeito em questão e, estas representações elaboradas por aqueles com os quais convivem,

especialmente alunos e colegas de trabalho, implicará na reformulação da representação de si,

podendo levar a uma postura de mudança e, conseqüentemente, gerando novas práticas.

Nesta dinâmica, podemos concluir que os professores que estabeleceram um contato inicial

com os PCN proporcionado pela noosfera, criaram uma representação positiva do

documento. Ao confrontar a proposta com a realidade na qual ela deveria ser aplicada, esta

representação foi reformulada. Todavia, como os aspectos teóricos da proposta não foram

discutidos na apresentação conduzida pela noosfera, estes permanecem com uma

representação positiva. Já, os aspectos diretamente ligados à prática do contexto da sala de

aula, como a metodologia e a organização curricular, foram submetidos à nova representação

em virtude de seu confronto com a aplicabilidade. Desta nova representação, conclui-se que

as inovações metodológicas sugeridas pelos PCN são amplamente apropriadas pelos

professores, ressignificando suas práticas. Mas, a organização curricular por eixo temático,

mesmo tendo sido incorporada pelas escolas A e B - nas quais os professores trabalham –

como parte do currículo formal, não foram apropriadas pelos professores observados, de

modo que o currículo real tem sido estruturado mediante táticas empregadas pelos docentes

para viabilizar sua efetivação.

Em contrapartida, a professora R.C., que teve um contato inicial com os PCN em meio à

comunidade científica, teve uma representação inicial negativa do documento, pois analisava

a situação com uma exterioridade que lhe permitia distanciar-se das questões próprias do

contexto de execução da proposta, ou seja, ela estava fora da sala de aula. Ao retornar para o

cotidiano do fazer escolar, ela se percebeu em um outro lugar, que lhe solicitava uma nova

relação com o documento. Assim, desprovida de um próprio que lhe proporcione a

possibilidade de não se envolver com os PCN, a professora R.C. reformulou a representação

do documento em função das imposições do contexto no qual está inserida. Todavia, esta

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nova representação guarda elementos da representação inicial, de modo que a professora

R.C. se mantém especialmente crítica no que diz respeito às questões teóricas da proposta e se

apropria, astuciosamente, das inovações metodológicas, de modo especial das formulações

sobre a diversificação das formas de avaliar.

Neste sentido, as apropriações realizadas pelos professores estão inseridas em um jogo de

poder, que envolve estratégias e táticas próprias do contexto de elaboração do saber histórico

escolar. Assim, a noosfera, ao elaborar os PCN, utilizou-se da estratégia de um discurso

híbrido, portador de uma flexibilidade aparente, e permeado de uma retórica imperativa que

inibe discussões a respeito de aspectos conceituais e epistemológicos relevantes.

Reconhecendo a condição criadora do leitor diante dos textos que lhe chegam, a noosfera

criadora dos PCN buscou, estrategicamente, intermediar o encontro do documento com o

professor, de modo a direcionar a interpretação que seria feita do mesmo. Entretanto, essas

estratégias circunscrevem-se ao espaço teórico do universo escolar, de modo que os

professores, como executores de toda e qualquer proposta educativa que se efetiva no espaço

da escola, desfrutam de uma possibilidade de ressignificação por meio de táticas próprias

daqueles que se localizam em um não-lugar. Assim, realizam o direcionamento do foco de

leitura do documento, de modo a ater-se apenas nas propostas passíveis de aplicabilidade em

seu contexto de ação, como foi o caso da metodologia; a adaptação dos eixos temáticos,

mesmo quando estes aparecem explicitamente no currículo formal, prevalecendo a linearidade

cronológica na qual os professores se sentem seguros para trabalhar; e a utilização de

discursos do próprio texto dos PCN para legitimar suas ações, como é o caso da autonomia

dos professores. Estes são exemplos de táticas adotadas pelos professores na efetivação do

que lhes chega como proposta de um modelo conformador da prática. Assim, atuando de

forma quase invisível, eles pervertem o texto dos PCN, atribuindo-lhe sentido conforme o

contexto no qual se inserem.

Todavia, essa perversão do texto, decorre da leitura e apropriação que os professores fizeram

do mesmo. E, a leitura e apropriação decorrem, conforme Chartier, de elementos e sentidos

compartilhados por comunidades de interpretação. Assim, conforme os critérios estabelecidos

nesta pesquisa para determinar as diferentes comunidades de interpretação53

, poderíamos

localizar os professores que se propuseram a participar de minha pesquisa em duas

53

Os critérios estabelecidos foram: formação dos professores (inicial e continuada); as representações que os

professores possuem de si, da História e do mundo; e as relações que os professores estabelecem com o saber

(científico e escolar).

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comunidades distintas: os professores R.D. e R.C. tiveram uma formação inicial de cunho

marxista e/ou neomarxista, estão em constante formação por meio de cursos e participação em

eventos; têm representações positivas de si, da História, de seu ensino e do mundo; e

estabelecem uma relação dialética e dialógica com os diferentes saberes por meio de um

universo intelectual amplo, que os coloca em permanente contato cm as inovações de cada

saber específico (científico e o escolar). A professora A.M., por sua vez, possui uma matriz

referencial de formação positivista e não tem buscado formação continuada, de modo que seu

referencial para a formulação da sua prática ainda está muito ligado à formação inicial; possui

uma representação negativa de si e de sua prática, embora ela se preocupe em formular um

discurso positivo sobre a História, seu ensino e o mundo; além de apresentar um universo

intelectual relativamente reduzido, de modo que sua relação com os diferentes saberes é

intermediada pelos livros didáticos e revistas de divulgação pedagógica. Estas duas

comunidades de interpretação aqui delineadas têm relevância na forma com que o professor se

relaciona com o saber a ser ensinado a fim de elaborar o saber ensinado e proporcionar

situações de construção do saber aprendido.

Dessa relação que os professores estabelecem com o saber a ser ensinado, onde as estratégias

e táticas atuam como instrumentos de diferentes sujeitos, tendo em vista os objetivos de cada

um deles, o grau de consciência dos professores a respeito de seu papel na elaboração da

História ensinada é de suma importância. Conforme o que foi averiguado nesta pesquisa, os

professores têm um posicionamento preocupante neste sentido, pois, mesmo reconhecendo as

especificidades do saber histórico escolar, mantém a hierarquia do saber acadêmico e pensam

de forma limitada a participação dos professores na elaboração do saber escolar.

Provavelmente, decorrem desta inconsciência de seu lugar como sujeito central na elaboração

da História ensinada, as angústias que demonstraram em questões relativas à seleção de

conteúdos, à forma de avaliar e à determinação dos objetivos da História ensinada.

Percebendo-se como criador de um saber original, com finalidades e métodos próprios, os

professores têm condições de agir de forma mais crítica e comprometida, levando o ensino de

História para além da sala de aula.

Para pensar esta função social da História, que a meu ver está diretamente relacionada com

seu ensino, aproprio-me, aqui, do pensamento de Certeau (2004) ao considerar que os livros

são como metáforas do corpo. Isto é, o texto impresso termina por remeter a tudo que marca

também nossos corpos. Dessa forma, até nossos corpos são alterados e terminam por se

configurarem como um “símbolo do outro”. Entretanto, devemos considerar, assim como

Page 169: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

169

Certeau, que para isso ocorrer deve haver uma mediação na relação da lei com os outros,

realizada por um “aparelho”.

Logo, frente à realidade de uma sociedade feita texto, onde o discurso dominante se inscreve

nos corpos dos indivíduos por meio da conformação das práticas culturais, perverter o texto

que tem por finalidade homogeneizar as práticas docentes tornando-a aparelho mediador do

discurso que se pretende imprimir na sociedade, prescinde de uma prática que transcenda os

limites da sala de aula e se comprometa com a sociedade como um todo. Ler o texto da

noosfera não se restringe somente a interpretar e apropriar-se dos PCN ou de qualquer outro

documento que chegue com o propósito de modelar a prática do docente. Ler o texto da

noosfera, aqui pensada como produtora de elementos normatizadores, implica ler a própria

sociedade buscando, por meio desta leitura, redescobrir o lugar de ação do professor,

especialmente o professor de História, disciplina que tem se feito instrumento dos que lutam

por uma sociedade melhor. Perverter o texto hoje, é perverter essa postura conformista da

educação como um todo mediante as desigualdades e injustiças que se inscrevem em nosso

cotidiano. É utilizar-se das táticas como possibilidade de ação perante um duelo de forças

desiguais, mas não refugiar-se no subterfúgio de ocupar um não-lugar que lhe priva de tornar-

se um sujeito que altere os rumos da História. Perverter o texto materializado nos PCN sem

perverter o texto inscrito na sociedade, é ser subjugado pelas estratégias do poder instituído.

Page 170: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

170

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Page 179: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

179

ANEXO A

QUESTIONÁRIO

Desejo delinear o perfil dos professores de História que estão participando da minha pesquisa

de mestrado como aluna do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFES, que tem

como tema “Ensino de História e PCN: do proposto ao efetivado”. Para tanto é de

fundamental importância que dedique alguns minutos de seu tempo para responder a algumas

perguntas. Desde já agradeço sua colaboração com minha investigação. Muito obrigada!

Jaquelini Scalzer (2006)

Obs.:

1) A utilização do gênero masculino será adotada no sentido de evitar o desconforto de uma

leitura extenuante, sem o intuito de demonstrar conivência alguma com as ideologias que

permearam e permeiam nossas construções lingüísticas.

2) Lembre-se de que o objetivo deste questionário é conhecer o que você “realmente” pensa

e faz, e não o que supõe que deveria fazer.

3) Em nenhuma das questões pretende-se avaliar seu conhecimento a respeito das temáticas

abordadas, mas o que acredita, pensa e pratica no seu fazer cotidiano enquanto professor

de História.

BLOCO 1 – Caracterização pessoal

1 – Nome: _____________________________________________________________

2 – Sexo: ( ) masculino ( ) feminino

3 – Idade: ______________________________________________________________

4 – Naturalidade (Estado): _________________________________________________

5 – Nacionalidade: _______________________________________________________

6 – Endereço: ___________________________________________________________

______________________________________________________________________

7 – Estado civil: _________________________________________________________

8 – Emprego atual no magistério:

8.1: Instituição: ___________________________________________________

Cidade: ___________________________ Estado: ____________________

Grau em que atua: ______________________________________________

Vínculo empregatício: __________________________________________

8.2: Instituição: ___________________________________________________

Cidade: ___________________________ Estado: ____________________

Grau em que atua: ______________________________________________

Vínculo empregatício: __________________________________________

BLOCO 2 – Formação e atualização

1 – Ensino médio: Curso: _______________________ Início: ______ Término: ______

Curso: _______________________ Início: ______ Término: ______

2 – Graduação: Curso: ____________________________________________________

2.1 Outra graduação: Curso: _________________________________________

3 – Especialização: Curso: _________________________________________________

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180

3.1: Outra especialização: Curso: _____________________________________

4 – Mestrado: Curso: _____________________________________________________

5 – Doutorado: Curso: ____________________________________________________

6 – No último ano você freqüentou algum curso de atualização? ( ) S ( ) N

6.1: Área: ________________________________________________________

6.2: Área: ________________________________________________________

6.3: Área: ________________________________________________________

7 – Tem lido livros, periódicos ou revistas científicas nas áreas de História e/ou educação. Em

caso afirmativo, quais? ________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

8 – Cite pelo menos três livros que você considera fundamentais para refletir/compreender a

História e seu ensino:

Autor: ________________________ Título: __________________________________

Autor: ________________________ Título: __________________________________

Autor: ________________________ Título: __________________________________

9 – Os cursos e leituras que você tem realizado (caso tenha) têm influenciado na sua prática

pedagógica? Em caso afirmativo, como? __________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

BLOCO 3 – Valores em relação a alguns aspectos da História

1 – Qual a sua definição de História? _____________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

2 – Para um historiador, é mais importante:

( ) o passado ( ) o presente ( ) o futuro

3 – Marque a opção que mais se aproxima de suas idéias em relação ao presente, passado e

futuro na História:

( ) O ponto de partida da História é o presente. O historiador vai do presente ao passado.

Depois do qual ele volta à atualidade que, a partir deste momento é analisada e conhecida, e

não oferecida como uma análise de uma totalidade confusa.

( ) O presente é o momento em que uma sociedade presta contas a seu passado.

( ) A História deve obter da combinação entre o passado e o presente uma projeção

(previsão) do futuro, um projeto social.

( ) Só o presente pode justificar a seleção de uma imagem dada ao passado. Cada presente

tem seu passado, cada presente reescreve a História.

4 – Para poder construir uma História científica:

( ) É necessário que tenha passado um mínimo de anos para que o historiador tenha

perspectiva histórica e não se veja implicado em processos ainda vivos, pois os processos não

podem ser plenamente compreendidos, descritos e explicados historicamente se não estão

Page 181: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

181

concluídos. É necessário que o historiador tenha um distanciamento temporal que lhe permita

distanciar-se de seu objetivo com relação a seu objeto de estudo.

( ) Não é necessária a perspectiva temporal para fazer uma História científica, pois a

distância temporal não é uma garantia de objetividade, o essencial é o rigor do método. Pode-

se fazer uma História rigorosa do presente com base no rigor dos pressupostos dos métodos

históricos. O historiador sempre está implicado, pessoal e socialmente, na história que

escreve; a cientificidade está na tomada de precauções intelectuais e na correção dos métodos.

O mito da objetividade dos investigados do social é uma questão de comodidade e adaptação

ao modelo científico paradigmático da modernidade.

5 – Acredito que o passado histórico é:

( ) Sempre uma reconstrução, pois não se define por uma cronologia nem por um método,

mas por um ponto de vista.

( ) Uma realidade estudada pelos historiadores

BLOCO 4 – Informações sobre a prática pedagógica

1 – Quais os livros/textos didáticos utilizados no ensino da História (Título, autor, editora)?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

2 – Que uso faz desse material (como referência ou utiliza em sala de aula)?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

3 – Numere de 1 a 9, em ordem crescente de importância, os recursos didático-pedagógicos

que mais utiliza no ensino de História.

( ) aula expositiva

( ) livro didático

( ) apostila

( ) texto autoral

( ) trabalho com fontes documentos históricos

( ) trabalho com literatura, teatro e dramatizações

( ) trabalho com jogos

( ) trabalho com cinemas e jornais

( ) viagens

( ) outros __________________________________________________________________

4 – Quais recursos estão disponíveis para utilização na sua escola?

( ) computador ( ) internet ( ) vídeo ( ) teatro ( ) jornais/revistas. Quais?

___________________________________________________________________________

5 – Número de turmas em que leciona: ____________________________________________

6 – Quantos dias da semana trabalha: _____________________________________________

7 – Carga horária semanal: _____________________________________________________

8 – Número médio de alunos em sala de aula: ______________________________________

9 – Caso utilize outras práticas pedagógicas que não foram contempladas, favor descrevê-las:

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

BLOCO 5 – Opiniões sobre o ensino de História

1 – Qual seu grau de interesse pela didática de História e seu ensino? ___________________

___________________________________________________________________________

2 – Considera que os programas educacionais de História devem:

( ) Dar mais ênfase à História Contemporânea, sem deixar de estudar outros períodos, pois

nela há suficientes elementos do passado.

Page 182: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

182

( ) Equilibrar as diferentes etapas da História e não dar tanta relevância à História

Contemporânea.

3 – Crê que a História que se leva à aula deve:

( ) Ensinar o passado da humanidade a fim de que os alunos tenham uma clara visão global

do passado.

( ) Ensinar o passado da humanidade relacionando-o com o presente do aluno.

( ) Descrever de um modo histórico os processos sociais nos quais estamos imersos, dar uma

explicação histórica do nosso presente, explorando as raízes evolutivas da realidade atual..

4 – O ensino de História tem como finalidade maior:

( ) Aprofundar a identidade e a consciência de pertencer a uma nação, já que a História e seu

conhecimento são um dos principais elementos da consciência nacional e uma das condições

básicas para a existência de qualquer nação.

( ) Trabalhar elementos relacionados com o desenvolvimento das capacidades intelectuais e

o amadurecimento pessoal do aluno. A história é um excelente meio educativo para formar

bons cidadãos.

( ) Formar cidadãos críticos diante das contradições de sua sociedade e preparados para a

ação social mediante o estudo da opressão e sofrimento vividos pelos homens e seu esforço

para superá-los.

5 – Qual a importância que você atribui à metodologia aplicada pelo professor para o processo

de ensino – aprendizagem da História? _______________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

6 – Como deve ser a presença do conhecimento histórico científico dentro da sala de aula?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

BLOCO 6 – Relação com os PCNs

1 – Como foi seu primeiro contato com os Parâmetros Curriculares Nacionais?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

2 – Ele é adotado pela escola em que trabalha? _____________________________________

3 – Houve momentos de estudo da proposta apresentada pelo documento? Se positivo, como

eles ocorreram?______________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

4 – Seu contato com os PCNs alterou em alguma medida sua prática pedagógica? Como?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

5 – Se tivesse que avaliar os PCN, que nota atribuiria à (de 0 a 10):

( ) forma como ele chegou até o professor de ensino fundamental;

( ) organização curricular;

( ) proposta metodológica;

( ) comprometimento político com a democracia e promoção de uma educação de qualidade

para todos.

Page 183: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

183

ANEXO B

ENTREVISTA COM O PROFESSOR

EIXOS: História e seu ensino; prática pedagógica; os PCN e sua incorporação à

organização curricular e à prática pedagógica.

Nome:

Instituição:

1) Visão de História e seu ensino (conceitos, objetivos, conteúdos e métodos).

a) A História possui alguns conceitos básicos, entre eles destacamos sujeito histórico, fato histórico e

fonte histórica. Como você compreende cada um desses conceitos?

b) Hoje já se fala na especificidade do “saber histórico escolar”, distinguindo-o dos demais saberes.

Para você, o que é este saber? Como ele se constitui? Qual sua participação na construção deste saber?

c) Na sua concepção, qual a finalidade do ensino de História?

d) Sabemos que é impossível trabalhar toda a História, sendo necessário que se realize uma seleção de

conteúdos. Que critérios você utiliza para fazê-la?

e) Ao tratar dos conteúdos selecionados, como você trabalha a relação passado/presente?

f) O processo de ensino está intimamente ligado ao que se ensina e ao como se ensina. Isso posto, qual

sua metodologia de trabalho e que lugar ela ocupa no processo ensino-aprendizagem?

2) Avaliação de sua prática pedagógica

a) Como você avalia sua prática pedagógica?

b) Ela possui alguma influência dos PCN? Quais? Por quê?

3) Relevância da formação continuada.

a) Qual sua opinião sobre a formação continuada?

b) A maneira como ela tem ocorrido é a mais adequada?

c) Ela tem contribuído para o melhoramento de sua prática?

d) Você considera o estudo de documentos oficiais e propostas curriculares como parte da formação

continuada? Por quê?

4) Qual a relação que estabelece entre:

a) Conhecimento científico/ensino/aprendizagem?

b) Conhecimento pedagógico/ensino/aprendizagem?

c) Organização curricular/ensino/aprendizagem?

d) Os PCN/seu fazer cotidiano (currículo real, metodologia e avaliação)?

5) Qual a participação do professor na elaboração do currículo formal?

6) Sobre os PCN:

a) Qual sua compreensão de conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais?

b) No 4º ciclo ele apresenta um trabalho sobre representações. Para você, o que é representação?

c) O eixo temático do 4º ciclo “História das representações e das relações de poder” desdobra-se em

dois subtemas:

1º- Nações, povos, lutas, guerras e revoluções (trata dos conflitos próprios do nascimento e

consolidação do capitalismo);

2º- Cidadania e cultura no mundo contemporâneo (trata dos conflitos próprios da idéia de progresso).

Ambos têm como eixo condutor os conflitos. Como você percebe e trabalha estes conflitos na história?

d) Um dos objetivos do ensino de História nos PCN é a formação da cidadania. Como você a define?

e) Dentro da sua compreensão de educação, como você entende a avaliação? E como ela aparece nos

PCN?

Page 184: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

184

ANEXO C

ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO DAS AULAS

Instituição: __________________________________________________________________

Professor: __________________________________________________________________

Turma: ________ Nº. de alunos: _________ Data: ______________ Duração: ____________

Situações de ensino/aprendizagem observadas

1 – Tema e objetivos propostos.

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

2 – Atividades desenvolvidas, materiais utilizados (pelo professor e pelo aluno), saberes

ensinados.

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

3 – Relação professor e alunos.

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

4 – Reflexos dos PCN na prática pedagógica.

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

Page 185: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

185

ANEXO D

Questionário do professor R.D.

BLOCO 1 – Caracterização pessoal

1 – Nome: R.D

2 – Sexo: ( X ) masculino ( ) feminino

3 – Idade: 29 anos

4 – Naturalidade (Estado): Espírito Santo

5 – Nacionalidade: brasileiro

6 – Endereço: Av. Getúlio Vargas, nº 158, apto 302, Centro, Santa Teresa, Espírito Santo.

Cep:29650-000

7 – Estado civil: solteiro

8 – Emprego atual no magistério:

8.1: Instituição: “Escola A”

Cidade: Santa Teresa Estado: Espírito Santo

Grau em que atua: 1º (de 5ª à 8ª série); Ensino Fundamental

Vínculo empregatício: Prefeitura Municipal de Santas Teresa (DT)

8.2: Instituição: EEEFM “Frederico Pretti”

Cidade: Santa Teresa Estado: Espírito Santo

Grau em que atua: 2° - Ensino Médio

Vínculo empregatício: SEDU (DT)

BLOCO 2 – Formação e atualização

1 – Ensino médio: Curso: 2º grau não profissionalizante Início: Término:

2 – Graduação: Curso: Licenciatura Plena em História

3 – Especialização: Curso: História do Brasil

4 – Mestrado: Curso: _____________________________________________________

5 – Doutorado: Curso: ____________________________________________________

6 – No último ano você freqüentou algum curso de atualização? (X) S ( ) N

6.1: Área: História

6.2: Área: Geografia

6.3: Área: ________________________________________________________

7 – Tem lido livros, periódicos ou revistas científicas nas áreas de História e/ou educação. Em

caso afirmativo, quais?

Revista brasileira de História, Revista História viva, jornal Folha de São Paulo, Revista Olho

da História, Artigos da Anpuh, Revista eletrônica da História brasileira.

8 – Cite pelo menos três livros que você considera fundamentais para refletir/compreender a

História e seu ensino:

Autor: Sérgio Buarque de Holanda Título: Raízes do Brasil

Autor: Gilberto Freire Título: Casa Grande e Senzala

Autor: Caio Prado Júnior Título: Formação do Brasil Contemporâneo

Page 186: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

186

9 – Os cursos e leituras que você tem realizado (caso tenha) têm influenciado na sua prática

pedagógica? Em caso afirmativo, como?

Sim. Eles são os fundamentos teóricos que nos deixam atualizados, que norteiam nossa

prática pedagógica.

BLOCO 3 – Valores em relação a alguns aspectos da História

1 – Qual a sua definição de História?

É a prática investigativa, reflexiva, pela qual é possível analisar o presente, planejar as ações

futuras por meio dos acontecimentos ocorridos no passado.

2 – Para um historiador, é mais importante:

( ) o passado ( X ) o presente ( ) o futuro

3 – Marque a opção que mais se aproxima de suas idéias em relação ao presente, passado e

futuro na História:

( X ) O ponto de partida da História é o presente. O historiador vai do presente ao passado.

Depois do qual ele volta à atualidade que, a partir deste momento é analisada e conhecida, e

não oferecida como uma análise de uma totalidade confusa.

( ) O presente é o momento em que uma sociedade presta contas a seu passado.

( ) A História deve obter da combinação entre o passado e o presente uma projeção

(previsão) do futuro, um projeto social.

( ) Só o presente pode justificar a seleção de uma imagem dada ao passado. Cada presente

tem seu passado, cada presente reescreve a História.

4 – Para poder construir uma História científica:

( ) É necessário que tenha passado um mínimo de anos para que o historiador tenha

perspectiva histórica e não se veja implicado em processos ainda vivos, pois os processos não

podem ser plenamente compreendidos, descritos e explicados historicamente se não estão

concluídos. É necessário que o historiador tenha um distanciamento temporal que lhe permita

distanciar-se de seu objetivo com relação a seu objeto de estudo.

( X ) Não é necessária a perspectiva temporal para fazer uma História científica, pois a

distância temporal não é uma garantia de objetividade, o essencial é o rigor do método. Pode-

se fazer uma História rigorosa do presente com base no rigor dos pressupostos dos métodos

históricos. O historiador sempre está implicado, pessoal e socialmente, na história que

escreve; a cientificidade está na tomada de precauções intelectuais e na correção dos métodos.

O mito da objetividade do investigados do social é uma questão de comodidade e adaptação

ao modelo científico paradigmático da modernidade.

5 – Acredito que o passado histórico é:

( X ) Sempre uma reconstrução, pois não se define por uma cronologia nem por um método,

mas por um ponto de vista.

( ) Uma realidade estudada pelos historiadores

BLOCO 4 – Informações sobre a prática pedagógica

1 – Quais os livros/textos didáticos utilizados no ensino da História (Título, autor, editora)?

História em Documento. Joelza Ester Rodrigue: FTD

Page 187: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

187

Nova História Crítica. Mario F. Schmidt: Nova Geração

2 – Que uso faz deste material (como referência ou utiliza em sala de aula)?

Geralmente como referência; mas em alguns momentos são utilizados em sala.

3 – Numere de 1 a 9, em ordem crescente de importância, os recursos didático-pedagógicos

que mais utiliza no ensino de História.

( 4 ) aula expositiva

( 5 ) livro didático

( 1 ) apostila

( 7 ) texto autoral

( 6 ) trabalho com fontes documentos históricos

( 9 ) trabalho com literatura, teatro e dramatizações

( 8 ) trabalho com jogos

( 3 ) trabalho com cinemas e jornais

( 2 ) viagens

( ) outros ______________________________________________________________

4 – Quais recursos estão disponíveis para utilização na sua escola?

( X ) computador ( X ) internet ( X ) vídeo ( X ) teatro ( X ) jornais/revistas. Quais?

___________________________________________________________________________

__

5 – Número de turmas em que leciona: quatorze (14)

6 – Quantos dias da semana trabalha: cinco (05)

7 – Carga horária semanal: quarenta e oito (48)

8 – Número médio de alunos em sala de aula: trinta (30)

9 – Caso utilize outras práticas pedagógicas que não foram contempladas, favor descrevê-las:

___________________________________________________________________________

BLOCO 5 – Opiniões sobre o ensino de História

1 – Qual seu grau de interesse pela didática de História e seu ensino?

Interesso-me muito, pois é através dela que construo minha prática.

2 – Considera que os programas educacionais de História devem:

( ) Dar mais ênfase à História Contemporânea, sem deixar de estudar outros períodos, pois

nela há suficientes elementos do passado.

( X ) Equilibrar as diferentes etapas da História e não dar tanta relevância à História

Contemporânea.

3 – Crê que a História que se leva à aula deve:

( ) Ensinar o passado da humanidade a fim de que os alunos tenham uma clara visão global

do passado.

( ) Ensinar o passado da humanidade relacionando-o com o presente do aluno.

Page 188: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

188

( X ) Descrever de um modo histórico os processos sociais nos quais estamos imersos, dar

uma explicação histórica do nosso presente, explorando as raízes evolutivas da realidade

atual.

4 – O ensino de História tem como finalidade maior:

( ) Aprofundar a identidade e a consciência de pertencer a uma nação, já que a História e seu

conhecimento são um dos principais elementos da consciência nacional e uma das condições

básicas para a existência de qualquer nação.

( X ) Trabalhar elementos relacionados com o desenvolvimento das capacidades intelectuais e

o amadurecimento pessoal do aluno. A história é um excelente meio educativo para formar

bons cidadãos.

( ) Formar cidadãos críticos diante das contradições de sua sociedade e preparados para a

ação social mediante o estudo da opressão e sofrimento vividos pelos homens e seu esforço

para superá-los.

5 – Qual a importância que você atribui à metodologia aplicada pelo professor para o processo

de ensino – aprendizagem da História?

A metodologia é responsável pela eficácia da aprendizagem, pois ela potencializa o

conhecimento do professor e permite sua transmissão.

6 – Como deve ser a presença do conhecimento histórico científico dentro da sala de aula?

___________________________________________________________________________

BLOCO 6 – Relação com os PCN

1 – Como foi seu primeiro contato com os Parâmetros Curriculares Nacionais?

Foi em planejamentos internos, realizados na escola.

2 – Ele é adotado pela escola na qual trabalha?

Implicitamente, sim.

3 – Houve momentos de estudo da proposta apresentada pelo documento? Se positivo, como

eles ocorreram?

Sim. Fazendo um estudo bem completo do documento durante dois anos.

4 – Seu contato com os PCNs alterou em alguma medida sua prática pedagógica? Como?

Sim. Os PCNs mostram novos caminhos, abriram minha visão sobre aspectos relevantes

relacionados ao ensino da História.

5 – Se tivesse que avaliar os PCNs, que nota atribuiria à (de 0 a 10):

( 10 ) forma como ele chegou até o professor de ensino fundamental;

( 08 ) organização curricular;

( 07 ) proposta metodológica;

( 09 ) comprometimento político com a democracia e promoção de uma educação de

qualidade para todos.

Page 189: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

189

ANEXO E

Questionário da professora A.M

BLOCO 1 – Caracterização pessoal

1 – Nome: A. M.

2 – Sexo: ( ) masculino (X) feminino

3 – Idade: 52 anos

4 – Naturalidade (Estado): Espírito Santo

5 – Nacionalidade: Brasileira

6 – Endereço: Várzea Alegre, Santa Teresa. ES

7 – Estado civil: casada

8 – Emprego atual no magistério:

8.1: Instituição: EMEIEF “Escola B”

Cidade: Santa Teresa Estado: Espírito Santo

Grau em que atua: 1º (de 5ª à 8ª série)

Vínculo empregatício: SMED

BLOCO 2 – Formação e atualização

1 – Ensino médio: Curso: Magistério Início: 1970 Término: 1972

2 – Graduação: Curso: Licenciatura Plena em História

3 – Especialização: Curso: História do Brasil

4 – Mestrado: Curso: _____________________________________________________

5 – Doutorado: Curso: ____________________________________________________

6 – No último ano você freqüentou algum curso de atualização? (X) S ( ) N

6.1: Área: Educação multi-disciplinar

6.2: Área: Congresso “Conhecer”

6.3: Área: ________________________________________________________

7 – Tem lido livros, periódicos ou revistas científicas nas áreas de História e/ou educação. Em

caso afirmativo, quais?

Sim. Nova Escola; Os últimos zumbis, Ciência Hoje; Professor; Amae Educando; Super

Interessante.

8 – Cite pelo menos três livros que você considera fundamentais para refletir/compreender a

História e seu ensino:

Autor: ________________________ Título: __________________________________

Autor: ________________________ Título: __________________________________

Autor: ________________________ Título: __________________________________

Page 190: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

190

9 – Os cursos e leituras que você tem realizado (caso tenha) têm influenciado na sua prática

pedagógica? Em caso afirmativo, como?

Sim. Dinamizando o processo ensino-aprendizagem

BLOCO 3 – Valores em relação a alguns aspectos da História

1 – Qual a sua definição de História?

É a área do conhecimento que tem como objetivo de estudo as sociedades humanas no tempo.

Logo, conhecer a História é entender os diferentes processos e sujeitos históricos e suas

relações nos diferentes tempos e espaços.

2 – Para um historiador, é mais importante:

( ) o passado (X) o presente ( ) o futuro

3 – Marque a opção que mais se aproxima de suas idéias em relação ao presente, passado e

futuro na História:

(X) O ponto de partida da História é o presente. O historiador vai do presente ao passado.

Depois do qual ele volta à atualidade que, a partir deste momento é analisada e conhecida, e

não oferecida como uma análise de uma totalidade confusa.

( ) O presente é o momento em que uma sociedade presta contas a seu passado.

( ) A História deve obter da combinação entre o passado e o presente uma projeção

(previsão) do futuro, um projeto social.

( ) Só o presente pode justificar a seleção de uma imagem dada ao passado. Cada presente

tem seu passado, cada presente reescreve a História.

4 – Para poder construir uma História científica:

( ) É necessário que tenha passado um mínimo de anos para que o historiador tenha

perspectiva histórica e não se veja implicado em processos ainda vivos, pois os processos não

podem ser plenamente compreendidos, descritos e explicados historicamente se não estão

concluídos. É necessário que o historiador tenha um distanciamento temporal que lhe permita

distanciar-se de seu objetivo com relação a seu objeto de estudo.

( X ) Não é necessária a perspectiva temporal para fazer uma História científica, pois a

distância temporal não é uma garantia de objetividade, o essencial é o rigor do método. Pode-

se fazer uma História rigorosa do presente com base no rigor dos pressupostos dos métodos

históricos. O historiador sempre está implicado, pessoal e socialmente, na história que

escreve; a cientificidade está na tomada de precauções intelectuais e na correção dos métodos.

O mito da objetividade do investigados do social é uma questão de comodidade e adaptação

ao modelo científico paradigmático da modernidade.

5 – Acredito que o passado histórico é:

( ) Sempre uma reconstrução, pois não se define por uma cronologia nem por um método,

mas por um ponto de vista.

( X ) Uma realidade estudada pelos historiadores

BLOCO 4 – Informações sobre a prática pedagógica

1 – Quais os livros/textos didáticos utilizados no ensino da História (Título, autor, editora)?

Nova História Crítica. Mario F. Schmidt: Nova Geração

Page 191: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

191

História Vida Integrada. Nelson Piletti e Cláudio Piletti: Ática

História em Documento Joelza Ester Rodrigue: FTD

2 – Que uso faz deste material (como referência ou utiliza em sala de aula)?

Em sala de aula são utilizados textos e atividades de diferentes livros e revistas, não existindo

material único.

3 – Numere de 1 a 9, em ordem crescente de importância, os recursos didático-pedagógicos

que mais utiliza no ensino de História.

( 1 ) aula expositiva

( 2 ) livro didático

( 8 ) apostila

( 3 ) texto autoral

( 4 ) trabalho com fontes documentos históricos

( 7 ) trabalho com literatura, teatro e dramatizações

( 5 ) trabalho com jogos

( 6 ) trabalho com cinemas e jornais

( 9 ) viagens

( ) outros ______________________________________________________________

4 – Quais recursos estão disponíveis para utilização na sua escola?

( ) computador ( ) internet ( X ) vídeo ( X ) teatro ( X ) jornais/revistas. Quais?

A Gazeta; Tribuna; Ciência Hoje; Aventuras na História

5 – Número de turmas em que leciona: oito (08)

6 – Quantos dias da semana trabalha: cinco (05)

7 – Carga horária semanal: trinta horas (30 h)

8 – Número médio de alunos em sala de aula: vinte e oito (28)

9 – Caso utilize outras práticas pedagógicas que não foram contempladas, favor descrevê-las:

Exposição dialogada, debate com a participação dos alunos.

BLOCO 5 – Opiniões sobre o ensino de História

1 – Qual seu grau de interesse pela didática de História e seu ensino?

A didática é importante porque oferece a base para o trabalho na sala de aula

2 – Considera que os programas educacionais de História devem:

( X ) Dar mais ênfase à História Contemporânea, sem deixar de estudar outros períodos, pois

nela há suficientes elementos do passado.

( ) Equilibrar as diferentes etapas da História e não dar tanta relevância à História

Contemporânea.

3 – Crê que a História que se leva à aula deve:

( ) Ensinar o passado da humanidade a fim de que os alunos tenham uma clara visão global

do passado.

Page 192: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

192

( ) Ensinar o passado da humanidade relacionando-o com o presente do aluno.

( X ) Descrever de um modo histórico os processos sociais nos quais estamos imersos, dar

uma explicação histórica do nosso presente, explorando as raízes evolutivas da realidade

atual.

4 – O ensino de História tem como finalidade maior:

( ) Aprofundar a identidade e a consciência de pertencer a uma nação, já que a História e seu

conhecimento são um dos principais elementos da consciência nacional e uma das condições

básicas para a existência de qualquer nação.

( ) Trabalhar elementos relacionados com o desenvolvimento das capacidades intelectuais e

o amadurecimento pessoal do aluno. A história é um excelente meio educativo para formar

bons cidadãos.

(X) Formar cidadãos críticos diante das contradições de sua sociedade e preparados para a

ação social mediante o estudo da opressão e sofrimento vividos pelos homens e seu esforço

para superá-los.

5 – Qual a importância que você atribui à metodologia aplicada pelo professor para o processo

de ensino – aprendizagem da História?

A metodologia é fundamental porque é através dela que os conteúdos são apresentados ao

aluno. Por isso, é importante diversificar sempre.

6 – Como deve ser a presença do conhecimento histórico científico dentro da sala de aula?

O conhecimento histórico científico deve ser apresentado de forma dinâmica e

contextualizada, permitindo a participação ativa dos alunos.

BLOCO 6 – Relação com os PCN

1 – Como foi seu primeiro contato com os Parâmetros Curriculares Nacionais?

Em 2002 através de um curso dado pela Secretaria Municipal de Educação.

2 – Ele é adotado pela escola na qual trabalha? Sim.

3 – Houve momentos de estudo da proposta apresentada pelo documento? Se positivo, como

eles ocorreram?

Os estudos foram feitos durante dois anos através de uma capacitação que reunia todos os

professores do município.

4 – Seu contato com os PCNs alterou em alguma medida sua prática pedagógica? Como?

Sim. O trabalho ficou mais dinâmico e diversificado, atendendo o contexto do aluno.

5 – Se tivesse que avaliar os PCNs, que nota atribuiria à (de 0 a 10):

( 10 ) forma como ele chegou até o professor de ensino fundamental;

( 08 ) organização curricular;

( 09 ) proposta metodológica;

( 10 ) comprometimento político com a democracia e promoção de uma educação de

qualidade para todos.

Page 193: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

193

ANEXO F

Questionário da professora R.C

BLOCO 1 – Caracterização pessoal

1 – Nome: R.C

2 – Sexo: ( ) masculino ( X ) feminino

3 – Idade: 44 anos

4 – Naturalidade (Estado): Espírito Santo

5 – Nacionalidade: brasileira

6 – Endereço: Rua da Grécia, 205/1101 – Barro Vermelho, Vitória. ES

7 – Estado civil: separada consensualmente

8 – Emprego atual no magistério:

8.1: Instituição: “Escola C”

Cidade: Vitória Estado: Espírito Santo

Grau em que atua: 1º (de 5ª à 8ª série)/ Ensino Fundamental

Vínculo empregatício: Estatutária

BLOCO 2 – Formação e atualização

1 – Ensino médio: Curso: Cursos profissionalizante na área de exames laboratoriais (esqueci

o nome) Início: 1980 Término: 1982

2 – Graduação: Curso: Licenciatura Plena em História (conclusão em 1986)

3 – Especialização: Curso:

3.1: Outra especialização: Curso: _____________________________________

4 – Mestrado: Curso: Mestrado em Educação (defesa em fev/2005)

5 – Doutorado: Curso: ____________________________________________________

6 – No último ano você freqüentou algum curso de atualização? (X) S ( ) N

6.1: Área: Educação ou História (História da Arte – extensão)

6.2: Área: História – grupo do LAHIS (ensino de História)

6.3: Área: Estou estudando inglês

7 – Tem lido livros, periódicos ou revistas científicas nas áreas de História e/ou educação. Em

caso afirmativo, quais?

Sim. Livros e textos sugeridos pelos LAHIS e relendo bibliografia do mestrado. Também

estou “futucando” material para o projeto de doutoramento. É difícil citar.

8 – Cite pelo menos três livros que você considera fundamentais para refletir/compreender a

História e seu ensino:

Autor: Mª Auxiliadora Schmidt e Marlene Cainelli Título: Ensinar História

Autor: Thais N. L e Fonseca Título: História e ensino de História

Autor: M. C. Proença Título: Didática da História (não é

recente)

Page 194: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

194

9 – Os cursos e leituras que você tem realizado (caso tenha) têm influenciado na sua prática

pedagógica? Em caso afirmativo, como?

As leituras levam à reflexão sobre aspectos do nosso dia-a-dia em sala de aula. Daí a

importância de constantes leituras para não deixar a reflexão sucumbir à rotina da sala de

aula. Sempre influenciam. De acordo com o autor que estou lendo no momento, fico atenta a

determinado aspecto. Depois, outras leituras desviam a atenção para outro aspecto e assim

vai...

BLOCO 3 – Valores em relação a alguns aspectos da História

1 – Qual a sua definição de História?

Disciplina cuja compreensão do processo histórico ajuda a compreensão da realidade atual e

às possibilidades para o futuro. (É difícil definir)

2 – Para um historiador, é mais importante:

( ) o passado ( X ) o presente ( ) o futuro

3 – Marque a opção que mais se aproxima de suas idéias em relação ao presente, passado e

futuro na História:

( ) O ponto de partida da História é o presente. O historiador vai do presente ao passado.

Depois do qual ele volta à atualidade que, a partir deste momento é analisada e conhecida, e

não oferecida como uma análise de uma totalidade confusa.

( ) O presente é o momento em que uma sociedade presta contas a seu passado.

( ) A História deve obter da combinação entre o passado e o presente uma projeção

(previsão) do futuro, um projeto social.

( X ) Só o presente pode justificar a seleção de uma imagem dada ao passado. Cada presente

tem seu passado, cada presente reescreve a História.

4 – Para poder construir uma História científica:

( ) É necessário que tenha passado um mínimo de anos para que o historiador tenha

perspectiva histórica e não se veja implicado em processos ainda vivos, pois os processos não

podem ser plenamente compreendidos, descritos e explicados historicamente se não estão

concluídos. É necessário que o historiador tenha um distanciamento temporal que lhe permita

distanciar-se de seu objetivo com relação a seu objeto de estudo.

( X ) Não é necessária a perspectiva temporal para fazer uma História científica, pois a

distância temporal não é uma garantia de objetividade, o essencial é o rigor do método. Pode-

se fazer uma História rigorosa do presente com base no rigor dos pressupostos dos métodos

históricos. O historiador sempre está implicado, pessoal e socialmente, na história que

escreve; a cientificidade está na tomada de precauções intelectuais e na correção dos métodos.

O mito da objetividade do investigados do social é uma questão de comodidade e adaptação

ao modelo científico paradigmático da modernidade.

5 – Acredito que o passado histórico é:

( X ) Sempre uma reconstrução, pois não se define por uma cronologia nem por um método,

mas por um ponto de vista.

( ) Uma realidade estudada pelos historiadores

BLOCO 4 – Informações sobre a prática pedagógica

Page 195: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

195

1 – Quais os livros/textos didáticos utilizados no ensino da História (Título, autor, editora)?

Uso vários livros (didáticos, paradidáticos, sobre o Espírito Santo...). No entanto, há o livro

didático base, enviado pelo MEC (RODRIGUE, Joelza Ester. História em documentos:

imagem e texto: FTD)

2 – Que uso faz deste material (como referência ou utiliza em sala de aula)?

Uso em sala de aula entre outros.

3 – Numere de 1 a 9, em ordem crescente de importância, os recursos didático-pedagógicos

que mais utiliza no ensino de História.

( 1 ) aula expositiva

( 2 ) livro didático

( 9 ) apostila

( 8 ) texto autoral

( 3 ) trabalho com fontes documentos históricos

( 5 ) trabalho com literatura, teatro e dramatizações

( 7 ) trabalho com jogos

( 6 ) trabalho com cinemas e jornais

( 4 ) viagens (visitas de estudo)

( ) outros ______________________________________________________________

4 – Quais recursos estão disponíveis para utilização na sua escola?

( X ) computador ( ) internet ( X ) vídeo ( ) teatro ( X ) jornais/revistas. Quais? A Tribuna

5 – Número de turmas em que leciona: quatro (04)

6 – Quantos dias da semana trabalha: cinco (05)

7 – Carga horária semanal: trinta horas (30 h)

8 – Número médio de alunos em sala de aula: vinte e cinco (25)

9 – Caso utilize outras práticas pedagógicas que não foram contempladas, favor descrevê-las:

Uso bastante a produção de texto que chamo, genericamente, de: “Um repórter na História”.

Trata-se de, a partir de informações do conteúdo dado, escrever texto de ficção como: “Um

dia em Roma Antiga”; “Viagem no comércio triangular”; “A máquina no meu dia-a-dia”

etc.

BLOCO 5 – Opiniões sobre o ensino de História

1 – Qual seu grau de interesse pela didática de História e seu ensino?

Tenho grande interesse neste tema e acho que tenho dever profissional de sempre estudar

isso.

2 – Considera que os programas educacionais de História devem:

( ) Dar mais ênfase à História Contemporânea, sem deixar de estudar outros períodos, pois

nela há suficientes elementos do passado.

( X ) Equilibrar as diferentes etapas da História e não dar tanta relevância à História

Contemporânea.

Page 196: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

196

3 – Crê que a História que se leva à aula deve:

( ) Ensinar o passado da humanidade a fim de que os alunos tenham uma clara visão global

do passado.

( ) Ensinar o passado da humanidade relacionando-o com o presente do aluno.

( X ) Descrever de um modo histórico os processos sociais nos quais estamos imersos, dar

uma explicação histórica do nosso presente, explorando as raízes evolutivas da realidade

atual.

4 – O ensino de História tem como finalidade maior:

(X) Aprofundar a identidade e a consciência de pertencer a uma nação, já que a História e seu

conhecimento são um dos principais elementos da consciência nacional e uma das condições

básicas para a existência de qualquer nação.

( ) Trabalhar elementos relacionados com o desenvolvimento das capacidades intelectuais e

o amadurecimento pessoal do aluno. A história é um excelente meio educativo para formar

bons cidadãos.

( ) Formar cidadãos críticos diante das contradições de sua sociedade e preparados para a

ação social mediante o estudo da opressão e sofrimento vividos pelos homens e seu esforço

para superá-los.

5 – Qual a importância que você atribui à metodologia aplicada pelo professor para o processo

de ensino – aprendizagem da História?

O método é de grande importância mas, no caso da Escola de Primeiro Grau da UFES, fica

condicionado em boa parte pelo trabalho com os objetivos. Sinto-me engessada pelos

objetivos, mas procuro “furar o cerco”, sobretudo com as visitas de estudos, o trabalho com

a educação patrimonial, tentando desenvolver o sentimento de pertença. Sempre busco

relação do conteúdo “imposto” pelos objetivos com a história local (do Espírito Santo).

6 – Como deve ser a presença do conhecimento histórico científico dentro da sala de aula?

Procuro, sempre que acho possível, conversar com os alunos como a História é escrita, suas

diferentes versões. Como eles estão numa faixa etária adolescente não sei se o alcance é alto,

mas insisto na questão: “É por isso que a gente aprende História!”

BLOCO 6 – Relação com os PCN

1 – Como foi seu primeiro contato com os Parâmetros Curriculares Nacionais?

Foi bastante precoce, tendo sido convidada (não aceitei) para ser parecerista da área de

História (1ª a 4ª série).

2 – Ele é adotado pela escola na qual trabalha?

Sim. Como orientação geral do trabalho.

3 – Houve momentos de estudo da proposta apresentada pelo documento? Se positivo, como

eles ocorreram?

Sim. A SEME ofereceu estudos sobre os PCNs mas, nessa época eu estava afastada da sala

de aula. No entanto, por interesse próprio, estudei bastante os PCNs para conhecimento e

discussão em cursos de formação de professores no interior do ES, atividade que tive

oportunidade de desenvolver em vários municípios.

Page 197: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

197

4 – Seu contato com os PCNs alterou em alguma medida sua prática pedagógica? Como?

É difícil responde a isso porque na época do auge dos PCNs eu estava fora da sala de aula.

No entanto, hoje, mesmo depois da “febre” dos PCNs, percebo que em muitos aspectos suas

recomendações, sugestões, proposições, fazem parte da minha prática pedagógica. Como o

próprio documento afirma, sua função não é fechar possibilidades mas, ao contrário, suscitar

discussões, reflexões, práticas. Nesse sentido, percebo sua influência no meu trabalho e acho

que ela é benéfica, positiva, importante.

5 – Se tivesse que avaliar os PCNs, que nota atribuiria à (de 0 a 10):

(05) forma como ele chegou até o professor de ensino fundamental;

(06) organização curricular;

(08) proposta metodológica;

(08) comprometimento político com a democracia e promoção de uma educação de qualidade

para todos.

Obs: Difícil... (observação da professora estudada referente a 5ª questão do bloco 6)

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ANEXO G

Entrevista com o professor R.D

Nome: R.D

Instituição: Escola “A”

1) Visão de História e seu ensino (conceitos, objetivos, conteúdos e métodos).

a) A História possui alguns conceitos básicos, entre eles destacamos sujeito histórico, fato

histórico e fonte histórica. Como você compreende cada um desses conceitos?

O sujeito histórico, eu acho que está relacionado diretamente com o elemento humano. A

história existe por causa do homem; senão não teria nem a história. O fato histórico é aquilo

realizado pelo ser humano; é o que ele desempenha. São coisas que estão ligadas! E a fonte

histórica é o que ele deixa de sinal concreto para descobrir o fato histórico e analisar o

sujeito que realizou este fato. Mas, quando falo em sujeito eu penso nesse sujeito

coletivamente, porque individualmente não se faz história. Muito embora, quando se fala a

palavra sujeito, dá a impressão de que ele é individual, mas quando eu penso em alguma

coisa que ficou marcada, eu penso na coletividade.

E que lugar o herói ocupa dentro disso?

O herói, eu acho, que ele tem aquela função de validar alguma coisa, de marcar; ele é usado

ideologicamente. Por exemplo, na história do Brasil, quando foi necessário, eles construíram

a figura do herói, no momento em que se buscava construir uma identidade nacional. Então o

herói ele é mais um instrumento. Talvez ele nem tenha tido aquele mérito mas, em função dos

interesses, se constrói a figura do herói.

b) Hoje já se fala na especificidade do “saber histórico escolar”, distinguindo-o dos demais

saberes. Para você, o que é este saber? Como ele se constitui? E qual sua participação na

construção deste saber?

Olha! O saber histórico de uma forma ampla, ele tem que ser realmente separado do saber

escolar. Nós, quando estamos no meio acadêmico, estudando, temos uma visão, um tipo de

análise. Dentro da escola isso tem que ser remontado, sobretudo porque a clientela não tem

um conhecimento amplo, então você tem que limitar. Limitar não no sentido de faltar

conhecimento, mas limitar no sentido de permitir que esse conhecimento chegue até o aluno;

que ele tenha acesso a isso.. O conhecimento histórico escolar tem que ser moldado de

maneira que o aluno tenha condições de compreender esse conhecimento. Eu acho que é uma

categoria de conhecimento específico da escola. Ele deve ser construído de maneira a ter

significado para o aluno, porque se você for passar para o aluno da maneira como ele é

produzido fora, sem estabelecer ganchos, ele não vai ter interesse. Então você tem que partir

de situações que façam parte da vida dele, que o envolvam. Não que a gente seja simplista,

ou coisa assim; mas a gente tem que unir o conhecimento científico com algo que faça

sentido para eles. Você tenta encaixar o conhecimento academicamente produzido com o

conhecimento do aluno, sem correr o risco de contaminar o conhecimento histórico. Você tem

que usar o conhecimento do aluno para fazer com que ele tenha acesso, eu penso assim! O

professor seria um “mediador” na medida em que tenta captar o conhecimento que o aluno

já tem e incutir dentro desse conhecimento, o conhecimento que ele tem. Na verdade, você

não está transmitindo conhecimento para ele como se ele fosse um receptáculo e nada mais;

você está tentando ser uma ponte. Eu acho que o papel do professor, o lugar do professor

dentro da construção do conhecimento histórico é esse.

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199

c) Na sua concepção, qual a finalidade do ensino de História?

Olha! Hoje em dia é difícil, porque... lá fora, quanto mais a humanidade avança, é mais

necessário o ensino de história. Só que é mais complicado para fazermos com que nossos

alunos entendam o quanto ele é importante. Porque a finalidade do ensino de história é

justamente conscientizar, fazer com que o aluno tenha autonomia. O aluno que tem

conhecimento histórico tem muito mais condições de ser autônomo, porque ele sabe

identificar, analisar e criticar situações. Então eu acho que o ensino de história não deve ter

como objetivo passar uma série de fatos; mas que o aluno conheça o legado da humanidade e

utilize-o para ter melhor qualidade de vida, uma vida mais participativa e atuante.

d) Sabemos que é impossível trabalhar toda a História, sendo necessário que se realize uma

seleção de conteúdos. Que critérios você utiliza para fazer esta seleção?

Você deve levar em consideração as características locais e também as características da

clientela. Observar o que é pré-requisito para o conteúdo posterior. A cultura e a filosofia

própria, que dará maior ou menor relevância a determinados conteúdos; sabendo também

que a gente não pode fragmentar muito, porque no mundo globalizado, ele não está tão

isolado, a coisa se tornou uma só. Mas eu acho que na hora de fazer a seleção de conteúdos,

deve levar-se em consideração o que é relevante para o dia-a-dia do aluno, para que ele

possa ter uma certa autonomia. O que não significa que vocÊ vá excluir conteúdos. É

importante que você tenha uma noção do todo, mas de forma sintética. De repente você tira

os excessos, sem cortar o essencial.

e) Ao tratar dos conteúdos selecionados, como você trabalha a relação passado/presente?

Acho que quando você começa o assunto com os meninos, se você partir de uma

problemática atual e depois jogar isso para a história, é a melhor maneira de trabalhar

passado e presente. Quando você vai tratar de um assunto histórico, com certeza você acha

alguma coisa no presente que tem a ver com aquilo. Não que você utilize o passado para

justificar ou explicar o presente, pois a gente não pode analisar o passado com os olhos de

hoje. É importante analisar o contexto e ver o que foi feito na época, conhecer como as

pessoas pensavam, qual a filosofia predominante, a fim de não cometer anacronismos. Mas

acho que você pode mostrar que coisas mal feitas produzem frutos ruins. Não se trata de

querer justificar ou explicar tudo o que acontece com o passado.

f) O processo de ensino está intimamente ligado ao que se ensina e ao como se ensina. Isso

posto, qual sua metodologia de trabalho e que lugar ela ocupa no processo ensino-

aprendizagem?

Acho que a metodologia de trabalho, não sei se é correto falar que ela é mais importante ou

menos importante, mas ela é determinante, porque você pode ter um bom material em mãos e,

se não tiver a metodologia adequada, você joga tudo no lixo. A metodologia de trabalho é a

forma como você vai interagir com o aluno. É através dela que você desperta o interesse e

capta a atenção do aluno. Se você despertou o interesse do aluno, você abriu o caminho para

que o conhecimento chegue até ele. Metodologia é essa ponte que permite fazer a ligação

entre o saber que o professor traz e o saber do aluno. Eu não tenho uma metodologia

específica, porque ela varia de turma para turma, de um conteúdo para o outro. A

metodologia tem que ser flexível. Agora, nada que desnorteie seu eixo de trabalho. Você tem

que manter um perfil metodológico, porque senão você não tem nem identidade. Por exemplo,

eu utilizo muito atividades lúdicas com as 5ª séries, esquemas explicativos com as 8ª, com as

7ª os jogos...

2) Avaliação de sua prática pedagógica

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200

a) Como você avalia sua prática pedagógica?

Eu procuro desenvolver meu trabalho da maneira mais eficiente que eu puder. Agora, a

gente4 sabe, até mesmo através do aluno, que nem sempre a gente alcança. Eu acho que se

eu for avaliar o que faço, eu me encontro numa situação até confortável, porque o interesse

dos alunos pode ser utilizado como um parâmetro para avaliar sua prática, considerando o

contexto atual, em que há um desinteresse muito grande por grande parte dos alunos; e eu

consigo despertar o interesse deles, da maioria.

Eu acho que minha prática é um misto, mas o tradicional, aquele tradicional que você via há

alguns tempos atrás, é o que menos tem. Eu não saberia classificar, mas ela se baseia na

idéia de interação com os alunos, mostrando que a história não é apenas aquele conjunto de

fatos. Eu trabalho com o conteúdo, mas com o objetivo de tornar o aluno um sujeito social

crítico e participativo. Não é o conteúdo pelo conteúdo (crítico social dos conteúdos).

b) Ela possui alguma influência dos PCNs? Quais? Por quê?

Possui bastante! Os PCNs ampliaram bastante as possibilidades de criar novas

metodologias, novas experiências... foram dois anos estudando os PCNs. Este documento nos

deu uma idéia de autonomia, sobretudo para mexer nos conteúdos. Ele ajudou a se libertar

um pouco do tradicionalismo. Os PCNs ajudaram a repensar a seleção de conteúdos, os

critérios que você tem que ter na hora de selecionar... e a relação com o aluno. Eu acho que

os PCNs foram significativos sim!

3) Relevância da formação continuada.

a) Qual sua opinião sobre a formação continuada?

Ela é importantíssima! Nos moldes assim, dos PCNs, porque dá ao professor a oportunidade

de se desenvolver, porque no trabalho em si, você tem planejamento coletivo mas... não dá

assim o conhecimento teórico que você precisa.Eu acho que para você se renovar e manter-se

com qualidade, tem que ter formação sempre. O estudo que nós fizemos dos PCNs foi uma

formação continuada. Porém, se agora tivesse continuidade... Eu já estou sentindo

necessidade dessa “reciclagem”.

b) A maneira como ela tem ocorrido é a mais adequada?

Ela deveria ser organizada de maneira que cada realidade pudesse absorvê-la, de maneira

coesa; uma coisa que não fosse solta. Fala-se muito em metodologia, em organização, mas

no tocante à formação continuada, falta essa metodologia, essa organização. Ela deveria

proporcionar ao professor que já saiu do meio acadêmico, uma oportunidade de manter-se

ligado ao que vem sendo produzido nesse meio. Porque quando você se forma e se afasta do

meio acadêmico, em cinco ou seis anos, você está totalmente defasado. Seria necessária uma

intervenção de alguém do meio acadêmico. Não adianta pensar que o professor vai estudar

por si mesmo. As escolas particulares cobram mais nesse sentido; já as públicas deixam isso

muito solto. Quando é feito não tem organização nem um objetivo previsto.

c) Ela tem contribuído para o melhoramento de sua prática?

Sim, quando ela acontece de maneira sistematizada, organizada e com objetivo determinado.

d) Você considera o estudo de documentos oficiais e propostas curriculares como parte da

formação continuada? Por quê?

Eu acho a análise de currículo uma coisa muito complicada. Nesses cursos de formação já se

tentou fazer, principalmente no Estado. Essa tentativa de reformular o currículo revelou uma

dificuldade por parte dos professores, que é fruto da própria desorganização da formação

Page 201: ENSINO DE HISTÓRIA E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: DO PROPOSTO AO EFETIVADO

201

continuada. Se nós tivéssemos uma orientação de uma equipe do meio acadêmico, eu acho

que seria necessário reformular o currículo, não criando um modelo padronizado, mas

oferecendo ao professor conhecimentos para que ele monte um currículo adequado à sua

realidade, seja ela qual for.

4) Qual a relação que estabelece entre:

a) Conhecimento científico/ensino/aprendizagem?

O conhecimento científico é aquele do qual o professor não pode abrir mão; é um

compromisso que ele tem – a cientificidade. Mas ele tem que encontrar os meios adequados

para transformar o conhecimento científico em ensino e resultar em aprendizagem. Você não

pode simplesmente transferir esse conhecimento científico para o aluno porque não vai haver

aprendizagem. Então eu acho que o professor atua exatamente aí, criando métodos para que

o conhecimento científico se transforme em conhecimento escolar. Ele deve ser o mediador

desse processo de conversão.

b) Conhecimento pedagógico/ensino/aprendizagem?

O conhecimento pedagógico é o conjunto de saberes que lhe possibilitam criar suas

estratégias. É através dos métodos pedagógicos que você consegue converter o que é

cientificamente produzido em conhecimento acessível ao aluno. Eu chamo de estratégias as

formas, as ações que você realiza dentro da sala de aula para possibilitar o entendimento

daquilo que você está trabalhando. É o meio que você considera mais eficaz para que um

determinado conteúdo seja assimilado pelo aluno.

c) Organização curricular/ensino/aprendizagem?

A organização curricular não atua diretamente no processo ensino-aprendizagem, mas

indiretamente porque é por meio dela, ou com base nela que você monta seu planejamento.

Quando você monta um currículo, você tem que ter em mente que todo aquele conhecimento

que está aí está interligado; que um é pré-requisito para o outro.

d) Os PCNs/seu fazer cotidiano (currículo real, metodologia e avaliação)?

Eu acho que o currículo formal é montado como o ideal, aquela coisa geral, generalizada.

Mas, na sala de aula a coisa muda; você é obrigado a fugir um pouco do currículo formal,

até mesmo pelas especificidades dos alunos. E eu acho que os PCNs influenciam mais no

currículo real do que no currículo formal, porque os PCNs instigam a todo instante a

autonomia, a tomada de decisões, o relacionamento com os alunos. Se surgir uma discussão

e for necessário interromper o conteúdo e partir para aquela vertente, os PCNs dizem que

você tem que ajustar-se para isso. Não que ele não possa ser utilizado na montagem do

currículo formal, mas ele contribui muito mais para a elaboração do currículo real.

5) Qual a participação do professor na elaboração do currículo formal?

Eu acho que o professor nessa hora, ele fica bastante podado; porque ele sabe que um

currículo padronizado é difícil de ser cumprido; ele vai tirar a liberdade do professor. O

professor nessa hora entra em choque com a instituição, com o sistema, porque a tendência

do sistema é mandar tudo de cima para baixo. Agora, o que o sistema não pode é esperar que

esse currículo formal seja cumprido à risca. Porque o professor, na hora de montar esse

currículo, ele não tem muita voz não. Então depois, na sala de aula, ele monta o dele.

6) Sobre os PCN:

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202

a) Qual sua compreensão de conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais?

Conceitual é o conteúdo em si; aquele que a gente trabalha de forma mais tradicional; que a

gente sempre trabalhou. Atitudinal é algo que sempre existiu, mas que nós estamos

observando e avaliando mais recentemente. Tem a ver com a atitude do aluno, com as

relações, a maneira como ele age com os colegas, com o professor. Muita gente relaciona o

atitudinal com a participação do aluno. Eu acho que o aitutdinal realmente mostra muito do

aluno. Ele deve ser bem trabalhado porque se o aluno tem uma atitude correta em sala de

aula, ele vai ter mais facilidades com o conceitual também. E procedimental é o saber fazer;

é dominar os meios para produzir um texto, um esquema... tudo isso relacionado ao conteúdo

histórico.

b) No 4º ciclo ele apresenta um trabalho sobre representações. Para você, o que é

representação?

O professor não soube definir “representações”, a não ser sob a forma de representação de

poder em um determinado regime político.

c) O eixo temático do 4º ciclo “História das representações e das relações de poder” desdobra-

se em dois subtemas:

1º- Nações, povos, lutas, guerras e revoluções (trata dos conflitos próprios do nascimento e

consolidação do capitalismo);

2º- Cidadania e cultura no mundo contemporâneo (trata dos conflitos próprios da idéia de

progresso). Ambos têm como eixo condutor os conflitos. Como você percebe e trabalha estes

conflitos na história?

Eu acho que os conflitos têm que ser entendidos da seguinte forma: 1º - O que causa o

conflito? O aluno tem que ter condições de analisar o que gerou o conflito; o conflito em si

não tem tanta importância, embora ele tenha que ser conhecido. Mas o contexto gerador do

conflito é que permite ao aluno conhecer os interesses, a disputa pelo poder, as causas

determinantes. Porque conflitos, de uma maneira geral, têm causas semelhantes. Então eu

acho que ao analisar as causas de um conflito, você está apresentando para o aluno, uma

conduta do ser humano, especialmente a disputa pelo poder, sobretudo o político e o

econômico. E é importante você mostrar para o aluno, de que forma esses conflitos se

desenvolvem e se manifestam no desenrolar da história e tentar fazer com que ele entenda de

que maneira se constrói um conflito. Porque conflitos são construídos, são gerados em

função de mudar uma estrutura.É importante evitar posicionamento sobre quem estava certo

e quem estava errado; deve-se ter cuidado com o material utilizado, pois ele pode ser

tendencioso. Você tem que deixar o aluno analisar e tirar suas conclusões, buscando o

máximo de imparcialidade.

d) Um dos objetivos do ensino de História nos PCNs é a formação da cidadania. Como você

define cidadania?

Cidadania é o conjunto de meios que uma pessoa tem para viver de forma digna. Ter

consciência de seus direitos e saber lutar por eles. Ser cidadão implica saber distinguir o

jogo de interesses, quando o político está ou não agindo de maneira correta, escolher

conscientemente em quem vai votar... E quando você estuda os conflitos você vai ver que eles

foram gerados por interesses que estão presentes hoje também. Então, quando você observa

esses interesses historicamente, você tem mais condições de identificar esses interesses hoje.

Logo, conhecer e analisar os conflitos ao longo da história contribui para formar um aluno

cidadão.

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203

e) Dentro da sua compreensão de educação, como você entende a avaliação? E como ela

aparece nos PCNs?

A avaliação é uma questão complicadíssima porque, por mais que eu tenha condições de

perceber o que meu aluno compreendeu ou não, a avaliação está muito ligada, ainda, à

questão de indicativos, números, instrumentos, provar. Então, mesmo que na teoria eles

digam que ela é muito subjetiva, na prática o sistema exige a materialização objetiva do

conhecimento. E você percebe isso com mais clareza hoje do que na época dos PCNs. Porque

os PCNs davam uma abertura muito grande no que diz respeito a avaliação. Você poderia

fazer a avaliação das formas mais variadas possíveis, levando em consideração as diferentes

habilidades dos alunos. Mas o próprio aluno está muito moldado pela idéia da avaliação

tradicional, de modo que o professor que inova acaba sendo visto pelo aluno como um

“bobo”, aquele que não cobra; quando na verdade ele está sendo mais eficaz; mas, como

outros não agem assim, ele acaba sendo visto como algo estranho lá dentro. No calor da

chegada dos PCNs houve um avanço nesse sentido; mas hoje há um retrocesso, sobretudo

por parte das instituições, que vêem essa abertura dos PCNs como “fazer qualquer coisa”,

“tapar o sol com a peneira”, dar qualquer trabalhinho para que o aluno passe para a série

seguinte.

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204

ANEXO H

Entrevista com a professora A.M

Nome: A.M

Instituição: Escola “b”

1) Visão de História e seu ensino (conceitos, objetivos, conteúdos e métodos).

a) A História possui alguns conceitos básicos, entre eles destacamos sujeito histórico, fato

histórico e fonte histórica. Como você compreende cada um desses conceitos?

O sujeito histórico pode ser entendido como sendo os agentes da ação social, que se tornam

significativos para estudos históricos escolhidos com fins didáticos, sendo eles indivíduos,

grupos ou classes sociais. Podem ser assim, todos aqueles que, localizados em contextos

históricos, exprimem suas especificidades e características, sendo líderes de lutas para

transformações (ou permanências) mais amplas ou de situações mais cotidianas, que atuam

em grupo ou isoladamente, e produzem para si ou para uma coletividade. Podem ser

trabalhadores, patrões, escravos, reis, camponeses, políticos, prisioneiros, crianças,

mulheres, religiosos, velhos, partidos políticos...

Fato histórico pode ser traduzido, por exemplo, como sendo aquele relacionado aos eventos

políticos, às festas cívicas e às ações dos heróis nacionais, fatos esses apresentados de forma

isolada do contexto histórico em que viveram os personagens e dos movimentos de que

participaram. Em outra concepção de ensino, os fatos históricos podem ser entendidos como

ações humanas significativas, escolhidas por professores e alunos, para análises de

determinados momentos históricos. Podem ser eventos que pertencem ao passado mais

próximo ou distante, de caráter material ou mental, que destaquem mudanças ou

permanências ocorridas na vida coletiva.

Fontes históricas são ferramentas que os historiadores utilizam para construir a história,

podendo ser escrita ou não. É necessário que as fontes sofram uma crítica externa (verifica a

autenticidade e veracidade do documento), e uma crítica interna (avaliar o conhecimento,

determinar sua localização, contexto...).

b) Hoje já se fala na especificidade do “saber histórico escolar”, distinguindo-o dos demais

saberes. Para você, o que é este saber? Como ele se constitui? E qual sua participação na

construção deste saber?

Entendo saber histórico escolar como o saber produzido no espaço escolar. O saber histórico

escolar reelabora o conhecimento produzido no campo das pesquisas dos historiadores e

especialistas do campo das Ciências Humanas, selecionando-os e se apropriando de parte dos

resultados acadêmicos, articulando-os de acordo com seus objetivos. Nesse processo de

reelaboração, agrega-se um conjunto de “representações sociais” constituídas pela vivência

dos alunos. As representações sociais são constituídas pela vivência dos alunos e professores,

que adquirem conhecimentos dinâmicos provenientes de várias fontes de informações

veiculadas pela comunidade e pelos meios de comunicação. Na sala de aula, os materiais

didáticos e as diversas formas de comunicação escolar apresentadas no processo pedagógico

constituem o que se denomina saber histórico escolar.

c) Na sua concepção, qual a finalidade do ensino de História?

A finalidade do ensino de história pode ser favorecer a formação do estudante como cidadão,

para que assuma formas de participação social, política e atitudes críticas diante da realidade

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atual, aprendendo a discernir os limites e as possibilidades de sua atuação, na permanência ou

na transformação da realidade histórica na qual se insere. O ensino de história pode fazer

escolhas pedagógicas capazes de possibilitar ao aluno refletir sobre suas práticas cotidianas e

relacioná-las com problemáticas históricas inerentes ao seu grupo de convívio, sua

localidade, sua região e à sociedade nacional e mundial.

d) Sabemos que é impossível trabalhar toda a História, sendo necessário que se realize uma

seleção de conteúdos. Que critérios você utiliza para fazer esta seleção?

Diante da diversidade de conteúdos possíveis, devo fazer a escolha daqueles que são mais

significativos para serem trabalhados em determinados momentos ou determinados grupos de

alunos, no decorrer da escolaridade. Os conteúdos de história não devem ser considerados

fixos. A escola e o professor devem recriá-los conforme sua realidade local e regional.

e) Ao tratar dos conteúdos selecionados, como você trabalha a relação passado/presente?

Fazendo uma articulação entre passado e presente através de questionamentos atuais.

f) O processo de ensino está intimamente ligado ao que se ensina e ao como se ensina. Isso

posto, qual sua metodologia de trabalho e que lugar ela ocupa no processo ensino-

aprendizagem?

Procuro levar o aluno a compreender os conteúdos para que ele construa conceitos, baseado

no que foi exposto e saiba orientar-se em determinadas situações, escolares ou não.

2) Avaliação de sua prática pedagógica

a) Como você avalia sua prática pedagógica?

Pelo rendimento do aluno. Sempre uma concepção de ensino-aprendizagem que determina

compreensão dos papéis de professor e aluno, da metodologia, da função social da escola e

dos conteúdos a serem trabalhados.

b) Ela possui alguma influência dos PCNs? Quais? Por quê?

Sim. Os conteúdos, as estratégias, metodologias utilizadas.

3) Relevância da formação continuada.

a) Qual sua opinião sobre a formação continuada?

A sociedade atual tem exigido um volume de informações e conhecimentos muito maiores que

aqueles já sistematizados em épocas passadas. Os avanços científicos, tecnológicos e

culturais exigem da sociedade como um todo, e principalmente da escola formadoras desse

conhecimento, mudanças significativas e condições reais para a solução de grandes desafios

cotidianos. Sendo assim, a formação continuada oportuniza o professor a tornar-se um

profissional pesquisador, criativo, competente, capaz de despertar em seu aluno o interesse

pela busca do conhecimento em uma sociedade em constante transformação.

b) A maneira como ela tem ocorrido é a mais adequada?

Sim. Porque essa formação objetiva dar início a um processo de mudança na estrutura do

ensino e na atitude do professor. Será realizada na própria escola, por meio de formação em

serviço e à distância, incorporando a utilização conjugada de materiais impressos e

televisivos organizados em módulos de ensino.

c) Ela tem contribuído para o melhoramento de sua prática?

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Participei de vários cursos de formação continuada; os quais vieram ajudar em meu fazer

pedagógico, tornando-me um educador capaz de oferecer aos meus alunos o verdadeiro

exercício de sua cidadania.

d) Você considera o estudo de documentos oficiais e propostas curriculares como parte da

formação continuada? Por quê?

Sim. Porque a formação continuada oportuniza ao professor implementar na sua escola uma

proposta curricular que seja dinâmica e flexível, valorizando os conhecimentos de seus

alunos no processo.

4) Qual a relação que estabelece entre:

a) Conhecimento científico/ensino/aprendizagem?

O conhecimento científico tem influenciado o ensino afetando os conteúdos e os métodos

tradicionais de aprendizagem. Como o ensinar é proveniente de uma série de fatores, o

ensino e a aprendizagem envolvem uma distinção básica entre o saber e a produção do

conhecimento produzido no espaço escolar.

b) Conhecimento pedagógico/ensino/aprendizagem?

Conhecimento pedagógico é o processo de ensino do professor. O ensino ganhou autonomia

em relação à aprendizagem, criou seus próprios métodos e o processo de aprendizagem ficou

relegado a segundo plano. Hoje é necessário resignificar a unidade entre aprendizagem e

ensino pois, sem aprendizagem o ensino não se realiza.

c) Organização curricular/ensino/aprendizagem?

As propostas curriculares oficiais dos Estados são organizadas em disciplinas e/ou áreas.

Apenas alguns municípios optam por princípios norteadores, eixos ou temas, que visam tratar

os conteúdos de modo interdisciplinar, buscando integrar o cotidiano social com o saber

escolar. Não é a aprendizagem que deve se ajustar ao ensino, mas sim o ensino que deve

potencializar a aprendizagem.

d) Os PCN/seu fazer cotidiano (currículo real, metodologia e avaliação)?

Os PCN auxiliam o professor na tarefa de reflexão e discussão de aspectos do cotidiano da

prática pedagógica, a serem transformados continuamente pelo professor.

A avaliação é considerada como elemento favorecedor da melhoria da qualidade da

aprendizagem, deixando de funcionar como arma do aluno.

5) Qual a participação do professor na elaboração do currículo formal?

Os professores e equipe pedagógica discutem e organizam os objetivos, conteúdos e critérios

de avaliação, procurando, à medida do possível, adequá-los à realidade dos alunos

6) Sobre os PCN:

a) Qual sua compreensão de conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais?

Conceituais são aqueles que se referem à construção ativa das capacidades intelectuais para

elaboração de conceitos. A construção dos conceitos exige aproximações sucessivas e

ampliadas do objeto de estudo, garantindo a compreensão de princípios acerca do mesmo.

Procedimentais são aqueles que propiciam certos modos de pensar, agir e produzir

conhecimentos. Buscam preparar o aluno para tomar decisões que o levem à realização de

ações necessárias para obtenção de um produto visado. Não se trata, portanto, de atos

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espontâneos, nem de habilidades individuais, mas de procedimentos que são valorizados

como aprendizagem, exigindo a intermediação do professor para sua elaboração.

Atitudinais envolvem o conhecimento, a análise e a avaliação de normas, valores e atitudes

necessários para a vida em comum. As normas são as regras e/ou padrões de comportamento

em situações sociais. Os valores são princípios éticos orientadores de juízos pessoais e

sociais. As atitudes são posições decorrentes da cognição (conhecimento + crenças), dos

afetos (sentimentos e preferências) e as condutas (ações e declaração de intenções).

b) No 4º ciclo ele apresenta um trabalho sobre representações. Para você, o que é

representação?

Pesquisas, estudos e debates sobre vários modelos de organização política, com destaque

para a constituição dos Estados Nacionais, a sua relação com o processo de organização e

conquista de territórios e as representações e mitos que legitimam a organização das nações

e os confrontos políticos internacionais, além de destacar estudos sobre contatos e confrontos

entre povos, grupos sociais e classes, e diferentes formas de lutas sociais e políticas, guerras

e revoluções.

c) O eixo temático do 4º ciclo “História das representações e das relações de poder” desdobra-

se em dois subtemas:

1º- Nações, povos, lutas, guerras e revoluções (trata dos conflitos próprios do nascimento e

consolidação do capitalismo);

2º- Cidadania e cultura no mundo contemporâneo (trata dos conflitos próprios da idéia de

progresso). Ambos têm como eixo condutor os conflitos. Como você percebe e trabalha estes

conflitos na história?

Selecionando alguns deles de acordo com o diagnóstico feito dos conhecimentos, domínios e

atitudes dos alunos e de acordo com questões contemporâneas pertinentes à realidade social,

econômica, política e cultural da localidade onde mora, da sua região, do seu país e do

mundo. Fazendo um levantamento sobre questões locais, regionais ou nacionais, na

atualidade, partindo do que os alunos sabem sobre elas.

d) Um dos objetivos do ensino de História nos PCNs é a formação da cidadania. Como você

define cidadania?

É a qualidade ou estado do cidadão. Entende-se por cidadão o indivíduo no gozo dos direitos

civis e políticos de um Estado ou no desempenho de seus deveres para com ele.

e) Dentro da sua compreensão de educação, como você entende a avaliação? E como ela

aparece nos PCNs?

A avaliação é feita de formas diversas, com instrumentos variados, sendo o mais comum

deles, em nossa cultura, a prova escrita. A avaliação deve ser feita de forma continuada e

não apenas em momentos específicos. Deve ser um processo, não uma série de obstáculos.

Obs. No dia da entrevista, que foi agendada com antecedência, a professora em questão

manifestou desejo de responder por escrito, em casa, as questões da mesma e entregar-me oito

dias depois. Como eu não tinha como persuadi-la a responder, eu consenti que assim fosse

feito. A fala da professora manifestando tal desejo está gravada.

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ANEXO I

Entrevista com a professora R.C

Nome: R.C

Instituição: Escola “C”

1) Visão de História e seu ensino (conceitos, objetivos, conteúdos e métodos).

a) A História possui alguns conceitos básicos, entre eles destacamos sujeito histórico, fato

histórico e fonte histórica. Como você compreende cada um desses conceitos?

Eu acho que nada do que eu vou responder aqui é muito simples de falar. Mas eu vou tentar

ser o mais correta possível, do meu ponto de vista. Sujeito histórico somos todos nós, porém

existem sujeitos que, em função do lugar que ocupam, têm possibilidades de realizar ações de

maior dimensão e que afeta um número maior de pessoas. Por exemplo: D. Pedro II tinha em

mãos, naquele momento, muito mais condições de fazer história. Ou seja, somos sim todos

sujeitos, mas é preciso compreender que há diferentes níveis de interferência nessa história.

O fato histórico eu penso que são os acontecimentos, na verdade os conteúdos que a gente

estuda na sala de aula me parecem ser fatos históricos. Enfim, acredito que fatos históricos

são os acontecimentos que marcam o curso da história.

E fontes históricas... Ultimamente eu tenho ampliado muito meu conceito de fontes, tenho

trabalhado com fontes não tradicionais, por exemplo obras de arte, visita a museus... Tenho

gostado muito dessa experiência.

b) Hoje já se fala na especificidade do “saber histórico escolar”, distinguindo-o dos demais

saberes. Para você, o que é este saber? Como ele se constitui? E qual sua participação na

construção deste saber?

Os autores colocam, se a gente puder fazer uma contraposição, que o saber escolar se

contrapõe ao saber acadêmico; não no sentido de negar mas de diferenciar-se

metodologicamente. Então assim, o saber histórico escolar é um saber que bebe no saber

acadêmico produzido pelos historiadores, pelos especialistas... mas ele não vai muito

profundamente. Na escola a gente não quer formar historiadores. A gente quer, quando

muito, formar uma consciência histórica, ou pelo menos iniciar esse processo de formação de

consciência histórica. Por exemplo, outro dia nós estávamos trabalhando com o nazismo e

sua ideologia preconceituosa e descobrimos que na turma havia uma garota que estava

sendo “perseguida” pelo orkut por causa de sua voz. Então quer dizer, a gente estuda um

conteúdo para posicionar-se contra o preconceito, e você vê o preconceito acontecendo

dentro da sua sala de aula. Então eu retomei esse assunto com os meninos porque, parece

que o ensino da escola, ele se desconecta da vida. É muito difícil você fazer essa transposição

do que você aprende na escola para sua própria vida. O saber histórico escolar então, se

constitui disso né; estar atento ao que vem sendo produzido no meio acadêmico; tentar uma

transposição, que não é simples, para a sala de aula. E a minha participação na construção

desse saber, penso que é também como sujeito histórico, ou seja, das leituras que eu faço, que

não são muitas porque a sala de aula realmente tira muito do meu tempo, mas penso que eu

tenho participado um pouquinho na medida em que tenho lido alguns autores, trazido novas

fontes... É isso!

c) Na sua concepção, qual a finalidade do ensino de História?

É, eu vou de novo na direção da construção de uma consciência histórica, no sentido de que

a História tem ferramentas que fazem pensar, ou que são pressupostos para pensar a vida.

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De vez em quando eu retomo com os meninos: “Para que você estuda História?Para

aprender a refletir historicamente os acontecimentos, com as ferramentas que a História

dá.”

d) Sabemos que é impossível trabalhar toda a História, sendo necessário que se realize uma

seleção de conteúdos. Que critérios você utiliza para fazer esta seleção?

Essa é uma questão que tem me incomodado muito ultimamente. Aqui na escola a gente

trabalha por objetivos... Eu me sinto engessada por esses objetivos. Freqüentemente estou

atrasada em relação a quantidade de objetivos e o tempo que eu tenho (teria que trabalhar

um por semana ou em duas semanas no máximo). Tento escapar disso provocando situações

de seminários etc. Mas, acredito que preciso refletir muito ainda sobre que conteúdos

selecionar para que eu tenha melhor resultado em sala de aula. Como eu trabalho em uma

comunidade escolar, eu tenho que buscar respaldo para convencer a escola e os pais da

necessidade de selecionar, porque é muito difícil você mexer em algo que já está

estabelecido. Mas, eu venho sim buscando um embasamento teórico que me permita estar

“forçando essa barra” na escola.

Obs:Esse trabalho com objetivos foi formulado por uma comissão de professores da qual a

professora Raquel fez parte, a pedido da prefeitura de Vitória, há uns dez anos (mais ou

menos no ano de 1996). Segundo a professora, pensou-se em colocar no currículo tudo e

deixar ao professor a liberdade de escolha. Mas agora que ela está do outro lado – o do

professor – é que ela está vendo como é difícil fazer o recorte, embora do ano de 2004 até

agora, ela já tenha conseguido reduzir de quarenta (40) para vinte (20) objetivos por ano

letivo. Também é interessante ressaltar que, por ser a mesma professora que acompanha a

turma da 5ª à 8ª série, quando ela não consegue concluir os objetivos definidos para

determinada série, ela dá continuidade no ano seguinte, retomando de onde parou e não

partindo do objetivo da série subseqüente.

e) Ao tratar dos conteúdos selecionados, como você trabalha a relação passado/presente?

Tento trabalhar sempre! Digo tento porque é difícil. Mas me preocupo em fugir do

anacronismo dizendo aos meninos que pensar com a cabeça do século XXI é muito diferente

que pensar com a cabeça do século XVII. Que embora seja muito difícil entender a

mentalidade daquela época, por exemplo, no contexto da escravidão, era normal encontrar,

nas ruas, negros sendo castigados, pessoas que se arrumavam e saiam de casa para ir ver um

enforcamento, pra ver o açoite no pelourinho. Então, do ponto de vista do século XXI, isso é

uma coisa mórbida, impensada. Também, de vez em quando eu tento atualizar esse passado...

Por exemplo, a questão da República. Naquele momento da implantação da República, havia

um pensamento republicano diferente do de hoje. Então eu vou tentando ir ao passado e

voltar ao presente; fazer comparações. Para isso eu tenho trabalhado muito com imagens e

releituras de obras clássicas.

f) O processo de ensino está intimamente ligado ao que se ensina e ao como se ensina. Isso

posto, qual sua metodologia de trabalho e que lugar ela ocupa no processo ensino-

aprendizagem?

Eu tenho um jeito meio teatral; gesticulo, faço caras e bocas... E isso, acho que ajuda muito

na sala de aula. Então, eu dou muito valor à aula expositiva e não abro mão dela. Mas, eu

tenho buscado outras metodologias, como por exemplo, ver um filme e a partir dele analisar

determinada época porque acho que este é um jeito bacana de ir ao passado, utilizando-se

dos recursos audiovisuais de que dispomos. Tenho tentado, também, fazer estas releituras,

aumentando o volume a cada ano. Tenho buscado, se não um trabalho interdisciplinar, uma

parceria com algumas professoras e, tenho encontrado na professora de artes um campo

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fértil para isso... Então, assim, tento dar uma variada nas abordagens. Literatura é uma coisa

que eu aproveito pouco, mas, ultimamente eu tenho utilizado. Eu gosto muito da Virgínia

Tamanini para tratar da questão do imigrante italiano, da abertura das estradas... E também

eu tenho dado muita ênfase à história local. Faço visitas às “paneleiras”, à av. Jerônimo

Monteiro para destacar a arquitetura na República Velha. Levei os meninos da 7ª série para

visitar as fortalezas porque falávamos do período do ouro no Brasil, quando o Espírito Santo

teve seu território reduzido. Então, eu faço uma “barafunda” metodológica, misturando

idéias novas e velhas. Tem conteúdos mais áridos, mais complicados de se fazer uma

abordagem metodológica mais próxima do interesse dos meninos e tudo o mais, como o

Império Bizantino. Agora, existem conteúdos que me dão maior liberdade, como é o caso do

Modernismo. Eu não dou prova mais; eu trabalho com releitura de obras de Tarsila do

Amaral, Cândido Portinari... Logo, quando o conteúdo permite mais, eu vou mais! Ou seja, é

o conteúdo que manda em mim. Conteúdo e método têm uma relação íntima, inseparável, mas

ela não é uma relação linear, estável.

2) Avaliação de sua prática pedagógica

a) Como você avalia sua prática pedagógica?

Vou começar falando dos meus defeitos. Eu sou nervosa! Eu me dedico muito ao meu

trabalho e não admito gente preguiçosa, menino que não faz dever e menino que não pára

quieto pra me ouvir. Então eu grito com os meninos... Essas coisas! Mas, já estou

melhorando! Fui ao médico e já estou um pouquinho melhor. Mas eu tenho uma prática

pedagógica que eu acho pelo menos razoável, porque eu gosto. Eu gosto de ser professora!

Nunca vou ser rica, mas eu tenho prazer naquilo que eu faço; e os meninos vêem isso. Eu não

acho que a minha prática é melhor que a de ninguém; mas também não é pior. E a minha

tentativa é de estar sempre melhorando.

b) Ela possui alguma influência dos PCN? Quais? Por quê?

Acho que sim. Os PCN sofreram e sofrem até hoje uma rejeição por muitos professores. Eu

ouço isso nos mais variados meios. Eu também já tive uma época em que critiquei muito. E

uma das maiores críticas é a de que “Como alguém pode achar ser possível estabelecer

diretrizes curriculares em um país continental com uma população estudantil tão grande e

tão variada?” Mas, o tempo passou e estou retomando os PCNs e acho que eles são bons.

Hoje em dia eu já não vejo com tanta criticidade não. Acho inclusive que já incorporei muita

coisa dali como a ampliação das fontes, as visitas, essa coisa do saber acadêmico e do saber

histórico escolar. Então, mesmo que a gente não reconheça assim, no dia-a-dia, muita coisa

dos PCN está incorporada à minha prática e eu avalio isso como sendo bom.

3) Relevância da formação continuada.

a) Qual sua opinião sobre a formação continuada?

Sou totalmente a favor. Penso que em nível institucional, ela deveria ser muito maior do que

é. Acho que a Prefeitura Municipal de Vitória tem excelentes valores no seu quadro do

magistério e freqüentemente desperdiça isso; ela deveria investir mais. Eu tenho tentado

fazer individualmente a minha formação específica como professora de História. Tenho

participado de seminários, tenho escrito alguns artigos... Mas não participo da formação que

a PMV oferece, porque é totalmente desconectada, onde se utiliza aquele espaço muito mais

para estar passando informes da Secretaria de Educação do que investindo no professor.

Então, naquele horário, eu prefiro estar dentro da escola, fazendo meu planejamento, porque

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a dinâmica da escola te exige quase que diariamente você estar sentando para refletir sobre

seu planejamento. Mas assim... Acho que me falta o coletivo, a troca.

b) A maneira como ela tem ocorrido é a mais adequada?

Já foi respondida na questão anterior.

c) Ela tem contribuído para o melhoramento de sua prática?

Já foi respondida na questão anterior.

d) Você considera o estudo de documentos oficiais e propostas curriculares como parte da

formação continuada? Por quê?

Sim. Pois pelo conhecimento destas propostas é que podemos articular nossa prática

pedagógica de maneira consciente e não arbitrária.

4) Qual a relação que estabelece entre:

a) Conhecimento científico/ensino/aprendizagem?

Eu vou voltar para a idéia de saber histórico acadêmico e saber histórico escolar. Acho que

há uma interação grande entre eles. A gente não pode ficar sem leitura, sem saber o que a

academia está produzindo, embora livro custe muito caro e professor ganhe muito pouco.

Mas assim, é uma relação bastante próxima do que a academia está produzindo e o que você

está ensinando e, espero, os meninos estejam aprendendo.

b) Conhecimento pedagógico/ensino/aprendizagem?

Acho que quanto mais você conhece no campo da educação, da psicologia da educação...

Conhecer Piaget, Vygotisk ajuda muito no nosso trabalho. Possivelmente, eu não estou neste

rool. Eu conheço Piaget e Vygotisk muito superficialmente. Agora... Acho que é uma relação

muito estreita e característica do fazer do professor, que tem que ter o conhecimento da sua

área, o conhecimento do campo da educação e tentar desatar os nós onde estas coisas se

aproximam e se distanciam.

c) Organização curricular/ensino/aprendizagem?

Eu estava lendo o Sílvio Gallo e ele criticou os currículos disciplinarizados, dizendo serem

conformadores, e sugerindo currículos rizomáticos. Então, a gente entende a metáfora, mas

não entende muito bem a prática. Mas eu entendo assim, que esses autores que vão trazendo

essas mensagens para a gente - ao invés de um conhecimento arbóreo um conhecimento

rizomático – vão dizendo que é preciso a gente caminhar no sentido da interdisciplinaridade.

Que também não será a “salvação da lavoura”, até porque a ela já se juntou a

transdisciplinaridade, então quer dizer, já tem autores que estão lá na frente. Então eu penso

que essa organização curricular disciplinar ela tem que ser questionada sim, e uma

alternativa possível é a interdisciplinaridade. Agora, é um movimento coletivo...

d) Os PCN/seu fazer cotidiano (currículo real, metodologia e avaliação)?

Disso tudo, a avaliação sempre foi para mim um calo. Eu preparo minha provinhas, tento

sempre estar dando um passo à frente no sentido de não estar cobrando algo tão pontual,

tentar ver se a criança está conseguindo estabelecer comparações. O PCN tem estado

introjetado no meu fazer neste sentido, pela manipulação constante que a gente tem feito

dele. E ele é um bom manual. Até porque os PCN se baseiam nas pesquisas da professora

Circe Bittencourt, que é bastante crítica. Agora eu tenho conseguido me libertar um pouco,

pois não são apenas provas que eu tenho usado como instrumento de avaliação. Eu tenho

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usado também a releitura... Mas continuo tendo muita dificuldade em pesquisa. Sabe, tenho

dado pouca pesquisa para os meninos e acho que esta é uma falha que eu tenho que

recuperar.

5) Qual a participação do professor na elaboração do currículo formal?

Aqui na escola, a gente está um pouco atropelada com a famigerada recuperação, deveres

de casa que não são feitos por 50% dos alunos, mas todo ano a gente revê o currículo formal,

tendo liberdade de alterá-lo sempre que preciso (como eu disse, já reduzi de 40 para 20

objetivos por ano). Mas, eu vejo que a mexida é sempre muito mais no sentido de reduzir o

quantitativo do que aumentar o qualitativo. A gente ainda não teve condições de tempo, nem

aprofundamento teórico pra estar interferindo nesse currículo de maneira mais profunda.

6) Sobre os PCN:

a) Qual sua compreensão de conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais?

É! Aqui na escola a gente trabalha. Os conceituais me parecem ser aqueles conteúdos de sala

de aula mesmo. São os famigerados: Revolução Francesa; Revolução industrial; enfim, os

conteúdos do livro didático. Em História também as noções de sujeito histórico, de tempo

histórico são conteúdos conceituais. Os conteúdos procedimentais a gente entende assim: o

menino sabe utilizar um dicionário? Sabe fazer uma linha do tempo? Sabe ir à biblioteca e

perguntar por determinado autor? Sabe fazer uma pesquisa? E os atitudinais tratam do

respeito com os colegas, do respeito comigo, com os objetos dos colegas. A gente aqui na

escola tem que avaliar todos estes objetivos.

b) No 4º ciclo ele apresenta um trabalho sobre representações. Para você, o que é

representação?

É difícil. Eu vou dar um chute. Acho que representar é mais ou menos fazer uma

transposição. Assim, olha: qual é a representação que temos do nosso país? Como

representamos nosso país na nossa cabeça, no nosso coração, nas nossas atitudes, etc. Estou

precisando voltar para ler mais sobre esta parte dos PCN. Vou pular esta questão.

c) O eixo temático do 4º ciclo “História das representações e das relações de poder” desdobra-

se em dois subtemas:

1º- Nações, povos, lutas, guerras e revoluções (trata dos conflitos próprios do nascimento e

consolidação do capitalismo);

2º- Cidadania e cultura no mundo contemporâneo (trata dos conflitos próprios da idéia de

progresso). Ambos têm como eixo condutor os conflitos. Como você percebe e trabalha estes

conflitos na história?

Eu valorizo bastante. Faço a distinção entre Estado e Nação; cidadão e súdito. Agora,

quanto aos conflitos eu busco valorizar sobretudo as lutas “inglórias”, que através da nossa

história não esquecemos jamais. Então eu tento falar dos conflitos tirando esta idéia de

vencedor e perdedor. O importante é o processo no qual essas coisas aconteceram,

principalmente no Brasil, onde somos tidos como um povo pacífico, o que historicamente é

mentira.

d) Um dos objetivos do ensino de História nos PCNs é a formação da cidadania. Como você

define cidadania?

É a participação consciente. A gente vê tanta corrupção, tanta tragédia no nosso país, que

questionamos até mesmo esse sistema dito democrático que a gente tem. Possivelmente, o

voto não é o melhor sistema de eleger nossos governantes, porque somos enganados

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freqüentemente. Mas o que eu quero dizer é que... É preciso insistir nisso, mesmo que eu ache

que seja um sistema desgastado. Precisamos amadurecê-lo. E a democracia se constrói com

este amadurecimento. Então eu tento trabalhar cidadania com os meninos nesta perspectiva:

a importância de participar, pois o analfabeto político não faz nada, pelo menos nada que

ajude o povo a melhorar de vida.

e) Dentro da sua compreensão de educação, como você entende a avaliação? E como ela

aparece nos PCN?

Olha, eu acho que os PCN, bem como os autores que se dedicam a pensar a avaliação,

ajudam a rever esta questão. Embora eu esteja em dívida com estes autores. Eu tenho

buscado inovar. Mesmo nas provas eu trabalho em dupla, deixo o menino colar desde que ele

mesmo tenha produzido sua cola, porque eu acredito que é um momento de aprendizado.

Também tenho buscado inserir outras formas de avaliar como interpretação e produção de

texto, releituras... Agora, acho que é uma deficiência minha mesmo. Preciso estudar melhor

esta questão da avaliação. Outra coisa que me incomoda é o volume que isso assume dentro

do nosso trabalho porque, se pararmos para contar as horas que passamos corrigindo

provas, veremos que não são poucas. Mas, avaliar não é medir. É refletir e retornar ao ponto

falho. Todavia, na prática, pelo menos no meu caso, isso é uma farsa. O próprio cotidiano

escolar nos impede de tratar a avaliação como um momento de reflexão e ela acaba por

tornar-se um fim, a conclusão de uma etapa para os que deram conta e para os que não

deram também.