ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS: A ATIVIDADE LÚDICA

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    ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS: LUDICIDADE E PESQUISA-AO

    Nair Correia Salgado de Azevedo (UNESP, Presidente Prudente, SP)

    Mauro Betti (UNESP, Bauru, SP)

    O texto apresenta questes e problematizaes acerca do Ensino Fundamental de nove anos,com referncia especial ao primeiro ano. Aponta a nfase na alfabetizao e letramento, aausncia de outras linguagens nas prticas educativas, as deficincias na formao do

    professor e o relativo desconhecimento do modo de ser das crianas de 6 anos como fatoresque tm gerado dificuldades na antecipao do ensino fundamental. Destaca a importncia domovimento e da ludicidade na infncia, fato que no tem sido levado em conta na transio daEducao Infantil para o Ensino Fundamental. Sugere a hiptese de que o jogo e a brincadeiradevam constituir o eixo estruturante das prticas educativas no 1 ano do EnsinoFundamental, o que exige comprovao emprica, em situaes reais. Prope-se a realizaode pesquisas situadas em contextos educacionais concretos e pautadas pela colaborao entre

    professores e pesquisadores, que se valham da metodologia da pesquisa-ao e tenham comofoco as possibilidades pedaggicas do ldico, de modo a integrar jogos e brincadeiras no

    processo de ensino e aprendizagem.

    Palavras-chave: Ensino Fundamental, Ludicidade, Pesquisa-Ao, Infncia,

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    ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS: LUDICIDADE E PESQUISA-AO

    Introduo: o problema que visualizamos

    A mudana na durao do Ensino Fundamental no Brasil, de oito para nove anos,

    provocou inmeras discusses envolvendo no apenas educadores, mas a sociedade em geral.

    Agora, nos termos da Lei n 11. 274 (BRASIL, 2006), as crianas iniciam mais cedo seus

    estudos no Ensino Fundamental. A expectativa que tal medida poderia promover um salto

    de qualidade na educao nacional, ao garantir maior permanncia das crianas na escola e,

    portanto, maior contato com os processos de alfabetizao e letramento, favorecendo assim o

    seu sucesso escolar.

    A Secretaria de Educao Bsica do Ministrio da Educao, no documento Ensino

    Fundamental de Nove Anos: Orientaes para a Incluso das Crianas de Seis Anos de Idade

    afirma que resultados de estudos apontaram, alm de outras razes, que crianas ingressantes

    na escola antes dos sete anos possuem resultados superiores aos daquelas que ingressam

    posteriormente (BRASIL, 2007).

    Mas o que se percebe nos encontros, congressos e at mesmo nas reunies nas escolas,

    que os professores sentem-se inseguros com relao a essa mudana. Como lidar com

    crianas de seis anos (muitas vezes, seis anos incompletos) num contexto de EnsinoFundamental? Como introduzir a alfabetizao e letramento para crianas acostumadas a uma

    rotina diferente, seja nas instituies de educao infantil, seja na sua vida cotidiana? Seriam

    a alfabetizao e o letramento prioridades nessa classe? E as outras linguagens? No seriam

    tambm de extrema relevncia para a formao das crianas nessa faixa etria?

    O Ensino Fundamental de nove anos j estava previsto na Lei de Diretrizes e Bases da

    Educao Nacional (Lei 9.394), de 1996, e o Ministrio da Educao, no documento Ensino

    Fundamental de Nove Anos: Orientaes Gerais assegura aos professores programas deformao continuada que privilegiem a especificidade do exerccio docente em turmas de

    crianas com seis anos (BRASIL, 2004a). Mas, na prtica, o que tem ocorrido com esses

    programas de formao?

    Por exemplo, em Presidente Prudente, cidade de porte mdio situada no oeste do

    Estado de So Paulo, a Secretaria Municipal de Educao promoveu, nos ltimos anos, vrios

    cursos para docentes das sries iniciais em parceria com o MEC, como o Letra e Vida,que

    surgiu do Programa de Formao de Professores Alfabetizadores. Alguns problemas,

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    porm, puderam ser facilmente detectados, como a no permanncia desses professores ento

    capacitados nas sries iniciais, ou a falta de aprofundamento em outras temticas, como a

    matemtica, as artes e o movimento.

    J a cidade de Belo Horizonte-MG, em sua implementao do Ensino Fundamental de

    Nove Anos em 2004, firmou parcerias com o Centro de Alfabetizao, Leitura e Escrita, da

    Universidade Federal de Minas Gerais (CEALE/UFMG), onde foram produzidos os Cadernos

    de Orientaes para a Organizao do Ciclo Inicial de Alfabetizao (SANTOS; VIEIRA,

    2006) mais uma vez com nfase no letramento, e pouca importncia para outras linguagens.

    Outra questo importante saber como os professores das classes de 1 ano do Ensino

    Fundamental percebem as especificidades das crianas de seis anos. Segundo Scherer (2007)

    a estrutura escolar historicamente um mecanismo de normalizao que desconsidera a

    pluralidade cultural e no observa a diferena dos ritmos de aprendizagem dos alunos. A

    autora ainda menciona que a falta de vinculao entre os saberes trabalhados na escola e as

    exigncias do cotidiano, assim como a prpria formao do professor, baseada em conceitos

    homogeneizadores e lineares, esto dentre os principais motivos que causam a atual crise

    escolar.

    A figura do professor tambm merece ateno. Alvo de tantos debates, discusses e

    crticas, preciso saber se eles esto ou no inseridos nos processos de mudanaseducacionais. Para Moro (2009, p.153) o professor sem dvida uma questo central no

    debate educacional, mas nem sempre do modo como, sobretudo, os programas oficiais e as

    polticas pblicas a colocam. O fato dos professores no participarem da construo das

    polticas pblicas educacionais gera uma separao entre estes profissionais e a organizao

    curricular, alm de causar uma desvalorizao e desprestgio do seu papel como um agente

    importante nas mudanas. Alm disso, alguns esteretipos relacionados figura do professor,

    como o de a docncia ser uma vocao natural feminina, que considera as mulheres maiscapazes que os homens para lidar com as crianas, auxiliam a fixar a idia de submisso das

    mulheres no mercado de trabalho, com salrios mais baixos (MORO, 2009).

    Em mudanas de tamanha magnitude e importncia, os professores devem ser

    ouvidos, e os promotores da formao continuada devem levar em conta suas angstias e as

    dificuldades vivenciadas no cotidiano escolar. Portanto, necessrio que o professor seja

    parte ativa nos processos de mudanas educacionais, participe da organizao curricular,

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    capacite-se continuamente, envolva-se em projetos em que no seja apenas um mero executor

    de tarefas, mas um produtor de conhecimentos.

    Outro ponto fundamental para pensar o Ensino Fundamental de nove anos,

    perguntarmos: quem a criana que ingressa no primeiro ano? O que ser criana? Pois

    fato bvio, embora pouco destacado nos debates, que crianas com seis anos completos ou

    por completar, apresentam caractersticas que as vinculam mais s diretrizes da Educao

    Infantil que do Ensino Fundamental.

    Para Lima (2008) imprescindvel que o professor conhea a criana pequena para

    que possa exercer plenamente seu papel de educador, o que inclui valorizar e reconhecer as

    manifestaes espontneas das crianas, como a brincadeira e o jogo1. E, conforme aponta

    Sarmento (2004), a ludicidade um dos eixos que estruturam as culturas infantis. J Gomes-

    da-Silva e Baumel (2009, p. 2) demonstraram como o modo de ser criana corpo

    movimento, ao que se faz na coexistncia de diferentes linguagens, verbais e no

    verbais. Matricular as crianas no Ensino Fundamental no anula tais evidncias. Da as

    frequentes queixas dos professores de 1 ano de que as crianas so irrequietas, que no

    conseguem ficar imveis e presas s carteiras escolares por muito tempo.

    Ora - perguntamo-nos - a culpa dessa situao das crianas, ou das atividades que

    lhes so solicitadas e das respectivas estratgias escolhidas pelos professores?

    A importncia da ludicidade no desenvolvimento das crianas nas sries iniciais.

    Em todos os documentos organizados para a implementao do Ensino Fundamental

    de nove anos, desde os primeiros relatrios de encontros regionais, at os documentos

    Orientaes Gerais e Ampliao do Ensino Fundamental para Nove Anos Relatrio do

    Programa(BRASIL, 2004a, 2004b) destaca-se a importncia do ldico no desenvolvimento

    das crianas nessa fase de suas vidas.Ao sugerir que essa transio da Educao Infantil para o Ensino Fundamental

    acontea num contexto em que cuidados e educao se realizem de modo prazeroso e ldico,

    nas quais os professores participem sem conduzir as atividades centralizadas em sua pessoa, e

    1Embora semelhantes, distinguimos brincadeira e jogo pelas caractersticas de complexidade, envolvimento

    da imaginao e presena das regras. A brincadeira tem menor grau de complexidade e caracteriza-se mais pelaimaginao; j o jogo, pelas exigncias que demandam em busca do resultado, possui maior complexidade e

    presena mais explcita das regras. Vygotsky (1991) esclarece que, na brincadeira, a imaginao explcita e a

    regra implcita; no jogo, a regra explcita e a imaginao implcita

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    evitem se valer de atividades consideradas acadmicas (BRASIL, 2004b), demonstra-se

    uma preocupao para que essa transio acontea de forma mais adequada, tanto para as

    crianas quanto para os professores.

    Reconhecer a importncia da ludicidade nas prticas pedaggicas significa reconhecer

    a importncia que as atividades ldicas tm no desenvolvimento das crianas. Mas como se

    caracterizam essas atividades que tanto podem e devem estar presentes no cotidiano dessas

    crianas? Lima (2008, p. 112) esclarece a questo de modo didtico, ao referir-se s

    atividades principais exercidas pelas crianas entre trs e sete anos de idade:

    A criana, nesse perodo, estende seus interesses alm do mundoinfantil e dos objetos, amplia o leque de suas relaes sociais,estabelece interaes mais diversificadas com os adultos, compreende,

    paulatinamente, as atitudes e as vrias formas de atividades humanas:trabalho, lazer, produo cultural e cientfica. O jogo e a brincadeira,nessa etapa, so formas de expresso e apropriao do mundo dasrelaes, das atividades e dos papis dos adultos. A criana, porintermdio das atividades ldicas, atua, mesmo que simbolicamente,nas diferentes esferas humanas, reelaborando sentimentos,conhecimentos, significados e atitudes.

    O jogo e a brincadeira so atividades ldicas de extrema importncia para o

    desenvolvimento das crianas dessa faixa etria. Wajscop (2001) afirma que, ao brincar, a

    criana adentra o mundo do trabalho por meio da representao e da experimentao, e que a

    instituio deve ser um espao de interao no qual os materiais fornecidos s crianas podem

    ser uma das variveis fundamentais que as ajudam na construo e apropriao do

    conhecimento universal. Por meio do jogo e da brincadeira, a criana se apropria das relaes

    socioculturais, ao tomar contato com situaes coletivas e exercitar funes que estimulam

    seu desenvolvimento.

    A criana brinca por prazer, porque agradvel, envolvente, interessante. Sob o ponto

    de vista dos adultos e da Escola, a brincadeira e o jogo permitem criana aprender consigo

    mesma, com objetos e com pessoas neles envolvidos. Ressaltamos aqui a importncia de o

    professor se envolver com os alunos em suas brincadeiras, pois esta uma oportunidade de

    aprendizagem que no deve ser perdida. Envolver-seno quer dizer que toda brincadeira

    necessita de uma interveno adulta para que flua - o envolvimento adulto exige respeitar os

    modos de expresso da criana. o que Lima (2008, p. 51) nos faz refletir quando nos

    pergunta: Para que criar mtodos artificiais, se a natureza infantil oferece esse recurso?

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    Assim, a antecipao dos contedos do Ensino Fundamental, poder no ser bem

    sucedida se ignorar este fato, e ainda causar o encurtamento da infncia e a diminuio desse

    tempo de vivncias especficas, em especial com relao dimenso ldica que caracteriza a

    vida infantil.

    Ao nos depararmos com essa situao natural para a criana, nos lembramos da

    conceituao do termo jogo que, para Huizinga (1990) , antes de tudo, uma atividade

    voluntria. Sujeito a ordens deixa de ser jogo, podendo no mximo ser uma imitao forada.

    O jogo livre, divertido, alegre, e no pode ser visto como um dever fsico ou uma obrigao,

    pois dessa forma ele deixa de ser uma satisfao para se tornar uma tarefa.

    Wajscop (2001) atenta para o que chama de didatizao das atividades ldicas.

    Trata-se da repetio de exerccios repetidos, visando, por exemplo, a coordenao viso

    motora e auditiva por meio de brinquedos, desenhos mimeografados e msicas ritmadas. O

    que ocorre nessas atividades, segundo a autora, que as crianas no tm oportunidade de

    decidir sequer o tema da atividade. O controle pertence ao adulto, que, por sua vez garante

    que o contedo contido naquela atividade seja transmitido em prol de um objetivo escolar.

    importante considerar que a socializao propiciada pelas brincadeiras e jogos faz

    com que a criana tenha oportunidade de expressar seus pensamentos. Para Carneiro (2002),

    no se pode esperar que, nas situaes escolares, a criana tenha iniciativa de tomar decises,escolher, opinar, dizer o que sente, se, anteriormente, ela no tenha passado por estas

    experincias.

    Quantas vezes, em nosso cotidiano, ao propormos uma atividade considerada ldica,

    acabamos conduzindo totalmente a situao, perdendo de vista a espontaneidade das crianas

    naquele determinado jogo ou brincadeira, e sequer percebemos que lhes tiramos a liberdade,

    tpica do jogo? Ou muitas vezes, achamos que estamos certos, porque nossa formao no

    favorece que faamos reflexes ao longo de nosso dia-a-dia, ou, ento, as inmeras tarefas aque um professor tem que dar conta no deixa tempo disponvel para refletir e buscar melhor

    as prticas educativas.

    preciso que essas consideraes sejam debatidas pelos prprios professores, para

    possibilitar a crtica e auto-crtica, a reflexo e o questionamento. Mas a dura realidade que

    os professores se vem, no maioria das vezes, sozinhos com as crianas na sala de aula, sem a

    formao e ajuda necessrias para suprir suas necessidades como profissionais da educao.

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    Uma alternativa que, simultaneamente, pode ajudar a esclarecer e intervir nessa

    problemtica do Ensino Fundamental de nove anos (particularmente a situao de alunos e

    professores do primeiro ano) so as chamadas pesquisas colaborativas, que associam

    acadmicos e professores em projetos de interveno que visam tanto produzir conhecimentos

    como melhorias nas prticas pedaggicas. do que trataremos a seguir.

    Qual tem sido a participao dos professores nas pesquisas em educao?

    Sacristn (2002, p. 86) afirma que, antes de julgarmos os professores, preciso que se

    realizem pesquisas para dizer como e quando esto ensinando. Precisamos entender que a

    forma de ser dos professores uma forma de comportamento cultural que no integralmente

    adquirida nos cursos de formao. de suma importncia entender quais so as razes

    culturais desses professores (e, digamos, tambm das crianas) para entendermos como atuam

    e por que atuam. O autor tambm critica o fato de que, enquanto os professores trabalham, os

    acadmicos fazem discursos falando da prtica de outros (SACRISTN, 2002).

    Tambm segundo Sacristn (2002), h muitas diferenas entre os professores de

    Ensino Fundamental e professores da Universidade, com respeito a relaes de poder, status,

    tipo de trabalho entre outros. O autor ainda suspeita que a maior parte das investigaes sobre

    os professores parcial, descontextualizada, e no consegue enxergar os problemas em sua

    real essncia.Outra questo que os professores participam de pesquisas acadmicas de forma

    superficial. Charlot (2002) critica o fato de que a pesquisa educacional no entra (ou pouco

    tem entrado) dentro da sala de aula, o que faz com que os professores julguem que as

    pesquisas no so para eles. Assim, os colegas mais experientes que esto nas escolas findam

    por ter mais importncia do que as universidades em sua formao.

    Ainda segundo Charlot (2002), no papel da pesquisa dizer o que o professor deve

    ou no fazer. O papel da pesquisa forjar instrumentos que ajudem o professor a entender seucontexto. O que acontece que a maioria dos pesquisadores aparecem nas escolas para coletar

    dados, fazer o relatrio e apresentar na instituio que financia sua pesquisa, no se

    preocupando com o necessrio feedbacck que alimente a reflexo dos professores. E muitas

    vezes, segundo o autor, melhor mesmo no apresentar concluses, pois corre-se o risco de

    magoar pessoas que trabalham em situaes muito difceis.

    As pesquisas de formao de professores no Brasil precisam se realizar no mbito da

    compreenso do exerccio da docncia, seus processos de construo da identidade docente,

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    de sua profissionalizao. Pimenta (2002) alerta que o governo brasileiro possui propostas em

    que se percebe a incorporao dos discursos e conceitos de modo puramente retrico e

    superficial, como, atualmente, a noo de professor reflexivo, Tal fato tem por

    consequncia a implantao de polticas de formao continuada fragmentadas:

    No contexto dessas polticas importa menos a democratizao e oacesso ao conhecimento e apropriao dos instrumentos necessrios

    para um desenvolvimento intelectual e humano da totalidade dascrianas e dos jovens. (...) E, quando esses resultados soquestionados pela sociedade, responsabilizam-se os professores,esquecendo-se que eles so tambm produto de uma formaodesqualificada historicamente. (PIMENTA, 2002, p. 41)

    Alm da culpabilizao dos professores pela maioria das causas do insucesso escolar,grande parte das pesquisas educacionais no tem feito diferena para a aquisio de novas

    prticas. Para Tripp (2005, p. 456) um dos maiores problemas existentes nas pesquisas

    tradicionais em educao consiste na apropriao dos conhecimentos que os professores

    possuem da prpria prtica pelo pesquisador sem nenhum benefcio aos professores

    envolvidos na pesquisa. Isso acaba deixando o professor desinteressado pelas pesquisas

    acadmicas, aumentando ainda mais a separao existente entre a pesquisa realizada pelos

    professores (considerada por muitos que esto trabalhando na Universidade uma pesquisa sem

    valor cientfico) e a pesquisa cientfica.

    Zeichner (2005) relata que, no Brasil, as pesquisas educacionais esto concentradas

    nas Universidades, e, apesar de haver certo estmulo para que os professores realizem

    pesquisas investigativas de sua prpria prtica, as condies so precrias. Esse um dos

    fatores que, segundo o autor, contribui ainda mais para a diviso entre pesquisas realizadas

    por educadores e pesquisa acadmica em educao.

    Para Alves-Mazzotti (2001), muitas pesquisas educacionais, sob a alegao de darem

    voz ao sujeito apenas reproduzem as falas dos sujeitos envolvidos sem nen huma tentativa

    de reflexo analtica capaz de dar sentido aos dados. A autora ainda pondera que dar voz

    aos sujeitos antes excludos (como os professores) de pouca valia se no especularmos sobre

    como e porque essas vozes foram antes silenciadas.

    Assim perguntamo-nos: como reverter este quadro? Como fazer os professores se

    interessarem pelas pesquisas educacionais, se envolverem em processos mais formais e

    sistematizados de produo do conhecimento?

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    Entendemos que, em primeiro lugar, preciso respeitar o professor e o contexto em

    que atua. Os professores tm sido mais vtimas que autores de tantas mudanas nas

    polticas educacionais no Brasil. No possvel incentivar os professores a participarem de

    pesquisas que no problematizem esta situao e apresentem alternativas para suas prticas

    pedaggicas concretas. Em suma, os professores precisam perceber que a pesquisa comeles

    eparaeles, e no apenas sobreeles. As pesquisas educacionais no podem ter como destino

    ltimo as prateleiras das bibliotecas universitrias.

    Para Pimenta (2005) a pesquisa ganha importncia a partir do momento em que os

    professores passam a ser vistos como sujeitos que podem contribuir para o processo de

    construo do conhecimento e para a reflexo crtica de sua realidade. Ainda segundo a

    autora, as pesquisas mais apropriadas nessa direo so as denominadas colaborativas, e que

    se vale da metodologia da pesquisa-ao.

    Contribuies da pesquisa-ao para as pesquisas educacionais

    Segundo Barbier (2002) a pesquisa-ao um tipo de pesquisa em que h uma ao

    deliberada de transformao da realidade e produo de conhecimentos relativos a essas

    transformaes. Nela, criada uma situao diferente da pesquisa tradicional, pois os

    participantes compem um grupo, um coletivo que implica relaes entre todos.Thiollent (2008, p. 21) afirma que atravs da pesquisa-ao possvel estudar

    dinamicamente o problema, e que as aes, negociaes e tomadas de decises ocorrem

    durante todo o processo de transformao da situao investigada, com participao conjunta

    dos pesquisadores e usurios ou pessoas da situao observada, os quais, ao contrrio da

    pesquisa convencial, so considerados tambm atores com participao efetiva, e no meros

    informantes ou executores.

    Na pesquisa-ao, de acordo com Barbier (2002) o pesquisador deve apresentar umaescuta sensvel, que indispensvel para que sinta o universo da situao, compreenda as

    atitudes e os comportamentos, idias e valores existentes nos envolvidos, e possa assim atuar

    de modo coerente em sua posio de pesquisador. Por meio dessa postura, os sujeitos

    envolvidos so reconhecidos como pessoas complexas e dotadas de imaginao criadora

    (BARBIER, 2002, p. 96).

    necessrio tambm, de acordo com Franco (2008b), que as pesquisas considerem a

    especificidade do fazer docente, que criem condies para que os professores consigam

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    formar-se como intelectuais crticos. A pesquisa-ao, em sua concepo formativo-

    emancipatria, vista como uma possibilidade de formao do professor-pesquisador. Por

    meio da concepo de pesquisa-ao, fundamentada na teoria crtica, procura-se atingir

    objetivos emancipatrios atravs da razo, como a mtua participao na ao, o

    conhecimento produzido de forma crtica/descritiva, a produo de mudanas sociais e as

    compreenses da prxis guiadas por interesses coletivos (FRANCO, 2008b).

    O conhecimento pedaggico produzido na pesquisa-ao, de acordo com Elliott

    (2001) construdo num processo de reflexo sobre a ao para posterior avaliao. Atravs

    da reflexo em ao, os problemas so encontrados a partir de fenmenos ocorridos na prpria

    sala de aula, e no problemas idealizados de fora para dentro.

    Para finalizar, no podemos deixar de mencionar uma caracterstica da pesquisa-ao

    que essencial para a formao de professores pesquisadores crticos: deve contemplar o que

    Franco (2005) denomina de espirais cclicas da pesquisa-ao, que implica planejamento,

    ao, reflexo, pesquisa, ressignificao, replanejamento, aes ajustadas ao coletivo,

    reflexes... e assim por diante, recomeando o ciclo. Esse processo fundamental para que o

    professor perceba-se como pesquisador, identifique-se com a pesquisa e, ao mesmo tempo,

    contribua para a produo de conhecimento educacional.

    Em concluso: o que propomos

    Entendemos que a pesquisa-ao possui potencial para aproximar professores do

    Ensino Fundamental e professores pesquisadores acadmicos, em um projeto comum para

    promover mudanas qualitativas nas prticas educacionais, ao invs de apenas apontar os

    defeitos da educao e dos professores.

    O que propomos a realizao de pesquisas colaborativas, pautadas pela metodologia

    da pesquisa-ao, de modo a melhor compreender os problemas envolvidos na antecipao doEnsino Fundamental, e sugerir intervenes nas prticas educativas nos anos iniciais,

    particularmente no primeiro ano, que parece ser o ponto crtico nesse momento de transio.

    Desde a psicologia do desenvolvimento e a psicologia histrico-cultural, at a sociologia da

    infncia, possvel atestar a presena e importncia dos jogos e da brincadeiras na infncia.

    Sugerimos ento a hiptese de que o jogo e a brincadeira devam constituir o eixoestruturante

    das prticas educativas no 1 ano do Ensino Fundamental.

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    Mas tal hiptese, como mera possibilidade, exige comprovao emprica, em situaes

    reais. Propomos ento a realizao de pesquisas situadas em contextos educacionais concretos

    e pautadas pela colaborao entre professores e pesquisadores, desde o diagnstico dos

    problemas at o encaminhamento de intervenes - que tenham como foco as possibilidades

    pedaggicas do ldico, de modo a integrar jogos e brincadeiras no processo de ensino e

    aprendizagem. Deve-se considerar tanto as possibilidades educativas dos jogos e brincadeiras

    em si mesmos, como formas de expresso prpria s crianas, como suas relaes com outros

    contedos escolares.

    Assim procedendo, temos a esperana de contribuir para superar o equvoco que

    assombra constantemente as pesquisas e polticas educacionais no Brasil: em ltimo lugar

    sempre vm os professores e os alunos, seus desejos, angstias, singularidades - quando

    deveria ser o contrrio!

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ALVES-MAZZOTTI. Alda Judith. Relevncia e aplicabilidade da pesquisa em educao.Cadernos de Pesquisa, So Paulo, n. 113, p. 39-50, julho/2001.

    BARBIER, Ren. A pesquisa-ao. Braslia: Liber Livros, 2004. (Srie Pesquisa emEducao, v.3, 157 p.

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    BRASIL. Ministrio da Educao. Secretaria de Educao Bsica. Esplanada dos Ministrios.Ampliao do ensino fundamental para nove anos: relatrio do programa.Braslia: MEC,

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    CARNEIRO, Maria Cristina C. de A. O desenvolvimento da moralidade infantil e a posturado professor na formao da autonomia. Juiz de Fora: Amrica, 2002, 140 p.

    CHARLOT, Bernard. Formao de professores: a pesquisa e a poltica educacional. In:PIMENTA, Selma G.; GHEDIN, Evandro. (orgs). Professor Reflexivo no Brasil. 4.ed. SoPaulo: Cortez, 2002, p. 89-108.

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