ENTRE A ADMINISTRAÇÃO E A CIÊNCIA: AS ATRIBULAÇÕES … · É comum à historiografia que as...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
ENTRE A ADMINISTRAÇÃO E A CIÊNCIA: AS ATRIBULAÇÕES DE UM BACHAREL COIMBRÃO NA VILA DE
CACHOEIRA (1787 – 1806)
CURITIBA
2008
RAQUEL MARIA DE OLIVEIRA
ENTRE A ADMINISTRAÇÃO E A CIÊNCIA: AS ATRIBULAÇÕES DE UM BACHAREL COIMBRÃO NA VILA DE
CACHOEIRA (1787 – 1806)
Monografia apresentada como requisito parcial para conclusão do Curso de Licenciatura e Bacharelado em História, do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná.
Orientador: Prof. Dr. Magnus de Mello Pereira.
CURITIBA
2008
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AGRADECIMENTOS
Aos meus pais pelo apoio incondicional que, mesmo sem saber por onde sua filha
andava, incentivaram e tornaram possível essa jornada.
Ao Wagner pela paciência com que me aturou nesse período, aos sorrisos e alegrias
compartilhadas e pelos socorros prestados em diversas ocasiões um carinho especial.
A todos os amigos que me ajudaram de alguma forma, estes foram realmente
importantes. Mas agradeço de modo especial ao Tiago Bonato que me acudiu em momentos
decisivos. Seus auxílios, durante a monografia, além de verdadeiras doses tranqüilizantes me
deram confiança para seguir em frente e ainda mostrou ter um espírito acadêmico que poucas
vezes eu encontrei no percurso universitário.
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Nada como o firmamento para trazer ao pensamento a certeza de que estou sólido em toda a área em que ocupo e a imensidão aérea é ter o espaço do firmamento no pensamento e acreditar em voar algum dia.
Chico Science.
Não se preocupe em “entender” viver ultrapassa todo sentimento.
Clarice Lispector.
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SUMÁRIO
RESUMO...............................................................................................................................VI
INTRODUÇÃO.....................................................................................................................01
1. O ILUMINISMO NA EUROPA......................................................................................03
1.1 – A Razão como domínio da natureza..............................................................................03
1.2 – Iluminismo em Portugal.................................................................................................06
1.3 – Colonialismo e Iluminismo............................................................................................15
2. O CIENTISTA FUNCIONÁRIO....................................................................................27
2.1 – Joaquim de Amorim e Castro: o bacharel e sua inclinação pelas ciências
naturais....................................................................................................................................27
2.2 – As atribulações e a honra do bacharel naturalista..........................................................40
CONCLUSÃO.......................................................................................................................53
REFERÊNCIAS....................................................................................................................54
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RESUMO
Em Portugal, o século XVIII caracterizou-se por uma intensa exploração científica dos territórios ultramarinos através dos naturalistas. Fruto do pensamento Iluminista que se difundiu pela Europa nesse século, as explorações tinham como objetivo descobrir as potencialidades naturais dos territórios e traçar planos para seu melhor aproveitamento. Após um período de esquecimento, a historiografia recente tem voltado a atenção ao estudo dos naturalistas luso-brasileiros do Iluminismo. Ainda assim, alguns desses personagens permanecem inéditos ou pouco explorados, como é o caso de Joaquim de Amorim e Castro que ocupou simultaneamente as funções de bacharel e naturalista na Vila de Cachoeira na Bahia nas últimas décadas do século XVIII. Surge o cientista-funcionário: verdadeiros agentes civilizadores a serviço do Estado. A análise da trajetória e do discurso produzido por Amorim e Castro permite apreender a articulação orgânica entre conhecimento técnico científico e projeto governativo. Além de fornecer subsídios para a análise contextualizada de um segmento das elites coloniais em colaboração com as elites metropolitanas e o complexo quadro burocrático estabelecido dentro da política de cooptação das elites coloniais que viram na História Natural uma moeda de troca e obtenção de dádivas e mercês dentro dos tradicionais meios de recompensa utilizados no Antigo Regime apesar da crescente modernização da Coroa. Palavras-chave: Iluminismo português, Ciências Naturais, Administração colonial.
INTRODUÇÃO
Há uma série de novas discussões e reflexões na historiografia sobre a relação entre
Portugal e Brasil no período colonial mostrando novas configurações. As colônias
portuguesas passaram a ser analisadas como um todo que, fazendo parte de um mesmo
Império, apresentam vários aspectos semelhantes no tocante à administração e às políticas de
exploração e conhecimento dos territórios.
Figurantes destas formas de relação entre Portugal e seus territórios ultramarinos –
especialmente o Brasil que mereceu destaque entre as colônias – os naturalistas surgem
como responsáveis pelo conhecimento detalhado dos territórios explorados financiados pelo
Estado. Nesse momento o cientista confunde-se com o funcionário da Coroa. A idéia de uma
rede de circulação de informação produzida por esses novos funcionários se interpola com a
rede administrativa imperial como forma possível de se administrar um Império de
dimensões tão vastas. Portanto, é consenso da atual historiografia, que a idéia tradicional
sobre a centralização do poder na metrópole está ultrapassada.
Essa nova configuração apresenta diversos núcleos de poder em que a cooptação das
elites coloniais – principalmente brasileiros – foi essencial para gerir a administração e na
produção do conhecimento detalhado das possessões ultramarinas portuguesas com
embasamento científico no bojo do pensamento Iluminista do século XVIII. Portanto o
estudo sobre a produção científica e a trajetória na intrincada hierarquia colonial desses
novos personagens permitem inferências sobre a administração colonial.
No entanto, mesmo com o despertar do interesse historiográfico, a exploração dos
naturalistas e sua atuação ainda é bastante carente. Estes se encontram pouco explorados no
estudo dos domínios ultramarinos de Portugal. Algumas poucas viagens aparecem com
freqüência e sendo muito conhecidas como a de Alexandre Rodrigues Ferreira que passou
uma década explorando o Amazonas e produzindo uma série de memórias já publicadas e
analisadas. Entretanto, alguns desses funcionários-cientistas permanecem inéditos e/ou
pouco exploradas pela historiografia. É o caso do juiz naturalista Joaquim de Amorim e
Castro na vila de Cachoeira na Bahia analisado nesse estudo. Sobre sua figura foram dadas
apenas algumas menções gerais ou para ilustrar alguma pequena situação. Amorim e Castro
mereceu um pouco mais de atenção do historiador José Roberto de Amaral Lapa em estudo
sobre a economia colonial de 1973.1 No capítulo dedicado à análise do tabaco publicou a
1 LAPA, José Roberto Amaral. Economia colonial. Ed. Perspectiva, 1973.
2
Memória sobre as espécies de tabaco que se cultivam na vila da Cachoeira com todas as
observações relativas a sua cultura, fabrico e comércio, e com breve descrição botânica
das mesmas espécies e as Observações feitas sobre a agricultura, e manufatura do tabaco
de 1788. Porém o seu foco não é a análise de seus escritos como cientista e muito menos
como juiz de fora ela apenas fornece alguns dados bibliográficos de Amorim e Castro e
fornece subsídios para a análise da produção de tabaco naquela região. O material que
permite analisar a trajetória deste juiz-naturalista se encontra digitalizado no acervo do
CEDOPE – Centro de documentação e pesquisa de historia dos domínios portugueses – e
consistem em memórias, observações, relações, cartas e ofícios.
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1 – O ILUMINISMO NA EUROPA.
1.1 – A RAZÃO COMO DOMÍNIO DA NATUREZA.
Sendo o Iluminismo, um conceito não limitado, construído a partir dos grandes
princípios emancipatórios da Ilustração, converge com interesses burgueses de liberdade
política e econômica2 por toda Europa. Mas é na França que o movimento assumiu um
caráter extremado e difuso de orientação política e anticlerical, tendo como resultante da
razão o progresso histórico. Seu primeiro grande representante foi o francês René Descartes
(1596-1650) considerado o “fundador da filosofia moderna”, a partir de seus estudos
reconhecera-se a essência racional do ser humano ou o racionalismo na Idade Moderna.
Anos mais tarde, de base inglesa, as influências viriam das idéias de Locke (1632-1704),
“pai do Liberalismo”, e Newton (1643-1727) com a lei da gravitação universal.
As idéias Iluministas deixaram de herança um estilo de pensamento, um conjunto de
representações e expectativas que ajustava política e moral com um discurso pedagógico
revolucionário3 no sonho de produzir novos homens, livres de preconceitos e superstições e
flexíveis ao aperfeiçoamento do tempo em que viviam. Um ideal de liberdade e autonomia
individual paradoxal e utópico, uma vez que liberdade e autonomia têm várias faces4.
É comum à historiografia que as palavras de ordem básicas do Iluminismo, razão e
racionalização, foram postas a serviço do sistema econômico aliado ao Estado. Sendo assim,
fica fácil perceber que o interesse dos ilustrados não era por abaixo as hierarquias sociais e
sim garantir um lugar para a burguesia até mesmo por uma questão de controle social. Porém
é importante frisar que a ilustração, como movimento, se disseminou de forma irregular
pelos países da Europa, portanto, não se caracteriza como um movimento homogêneo, mas
sim com matizes diferentes, adequado por estes de maneira singular.
Essa nova maneira de ver o mundo reconhece a superioridade do Homem no âmbito
da Natureza, tornando-o responsável pela edificação da prosperidade terrena através de
inventos e descobertas. Isso explica a grande atenção dada às Ciências e ao cientista, que se
2 ROUANET, Sérgio Paulo. As Razões do Iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 07.
3 BACZKO, Bronislaw. Iluminismo. In: FURET, François. Dicionário Crítico da Revolução Francesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. p. 754-763. p. 760.
4 ROUANET, op. cit. p. 08.
4
torna protagonista, na busca de uma “profissionalização a qualquer custo”5. Uma admirável
valorização à natureza, a seu desvendamento e o que se podia extrair dela a partir da análise
prática, racional e empírica em detrimento das abstrações filosóficas. Uma vez que tudo no
Universo teria sido criado de uma vez por todas e para benefício do homem, o vigoroso
impulso que o estudo das ciências teve foi visto como um grande passo para a reforma social
almejada pelos esclarecidos.
É nessa conjuntura que os estudos de História Natural obtêm sucesso em diversos
países, e com ela surgem expedições científicas particulares ou financiadas pelo Estado com
a missão de inventariar, catalogar as espécies e dar “ordem ao caos” da natureza. Surge o
sábio de laboratório, como conseqüência os gabinetes proliferam e os cientistas afoitos não
se prendem apenas a uma especialidade – geologia, astronomia ou botânica - movidos pelo
espírito enciclopédico de reunir todo o conhecimento. Descobria-se tudo ao mesmo tempo e
“a multiplicidade da vida destruía as noções que dela se tinha”, agora todos observavam e
discutiam o que antes era despercebido, buscando, então, sua utilidade e aperfeiçoamento6.
As ambições eram imensuráveis e o fenômeno das academias e das sociedades
científicas faz com que o intercâmbio das idéias constituísse uma elite cultural de dimensões
internacionais7 que formavam uma verdadeira nação de cientistas afoitos por revelar os
mistérios da natureza. Um intercâmbio onde nem sempre os envolvidos estavam de acordo.
Havia muitos conflitos e discussões acerca das explicações dos fenômenos da natureza,
quanto ao método e a apreensão da realidade, como aponta Cruz8, um embate que buscava o
triunfo do moderno frente ao antigo. Entre as grandes referências encontramos Francis
Bacon, “o inimigo das hipóteses vãs”, considerado gênio experimental que declarava que “a
lógica formal, (...), estava mais apta a consolidar e perpetuar os erros que a descobrir a
verdade.”9
Ao mesmo tempo em que os cientistas desdenhavam os sistemas, brotavam novos,
pretensiosos em descrever toda a natureza e as transformações ocorridas na Terra em todas
5 BOURGUET, Marie Noeile. O Explorador. In. VOVELLE, M. O Homem do Iluminismo. Lisboa: Presença, 1997. p. 207-249.
6 HAZARD, Paul. O pensamento europeu no século XVIII. Lisboa: Editorial Presença, 1989. p.130.
7 BOURGUET. op. cit. p. 215.
8 CRUZ. Ana Lúcia Barbalho da. Verdades por mim vistas e observadas, Oxalá foram fábulas sonhadas. Cientistas brasileiros do setecentos, uma leitura auto-etnográfica. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2004 (Tese de Doutorado), p. 67.
9 HAZARD, op. cit. p. 128.
5
as suas dimensões na tentativa de colocar a natureza sob leis gerais. Porém os reformadores
tomavam o cuidado de recomendar cautela, advertindo que os mestres não deveriam
empregar-se em “imaginar sistemas”, mas, antes, usar deles “distinguindo o pouco que neles
há de natural do muito que tem de arbitrário”10. Eis aí uma espécie de consciência frente ao
ideal utópico de catalogar toda a natureza.
Com a valorização da ciência erguem-se os Museus Reais, as Academias abrem
espaço, publica-se todo tipo de produção científica, os jornais dedicam a maior parte de seus
espaços à ciencia11. A elaboração de manuais para os exploradores intencionava um
aproveitamento útil e racional das explorações deixando o curioso, o exótico de lado; um vez
que não era mais o caso de se conhecer os povos habitantes das terras exploradas nem dos
contornos continentais mas dominar e controlar os recursos naturais localizados no interior
como aponta Raminelli12. Cruz toma como exemplo um manual de botânica, em que se
“reforçava a recomendação expressa de que nada fosse reduzido ao ‘sistema artificial de
nomenclatura’ servindo somente para facilitar a memória, e que a tônica fosse dada aos usos
e préstimos das diferentes espécies de plantas”13.
Uma corrida acirrada entre as nações pelo conhecimento e a recompensa, segundo
Hazard,
chegara já: do saber nascia o poder; dominava-se a natureza, conhecendo-a. (...) Pouco
interessavam as causas primeiras, a partir do momento em que se encontrava forma de as
obrigar a produzir de maneira segura, os efeitos pretendidos: desta mudança resultava uma
abundância de bens. Bens reais para os quais tendiam as ciências aparentemente
desinteressadas. (...) Mesmo os que antes recusaram aceitaram e defenderam as novidades.14
Dos sobreditos “bens reais” se observam claramente a racionalização do
conhecimento para utilização e emprego da economia e do Estado ou, como os Iluministas
costumavam dizer, para o “bem público de toda a nação”. Como bem assenta a historiadora
10 BAUMER, Franklin L. O Pensamento Europeu Moderno. V.1. Séculos XVII e XVIII. Lisboa: Edições 70, 1990. p.228.
11 HAZARD, op. cit. p. 129.
12 RAMINELLI, Ronald. Do conhecimento físico e moral dos povos: iconografia e taxionomia na Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira. História, Ciências, Saúde. Manguinhos, vol. VIII (suplemento), 969-992, 2001, p. 990
13 CRUZ, op. cit. p. 104.
14 HAZARD, op. cit. p. 135.
6
Lorelay Kury a ciência está relacionada com política e às disputas mundiais do período
sendo as práticas científicas também um espaço de afirmação de poder15.
1.2 – ILUMINISMO EM PORTUGAL
É complexo estabelecer um período em que Portugal passou a ser permeável as idéias
esclarecidas, dependendo sempre do aspecto que se deseja salientar. Mas é consensual, para
a historiografia, que foi um processo lento já que se tratava de mudanças de atitudes e
pensamentos de uma sociedade provinciana e tradicionalista que se encontrava
economicamente empobrecida e culturalmente defasada em relação aos demais países da
Europa na virada do século XVII para o século XVIII. Desde o período dos descobrimentos
que Portugal se preocupou mais com seus extensos domínios do que em estar a par dos
acontecimentos e transformações que ocorriam no Velho Continente havendo um
distanciamento deste16.
A vanguarda e o protagonismo, vivenciados durante as grandes navegações, se
tornaram ultrapassados gerando um “sentimento de inconformismo” pela perda da primazia.
Portugal passa, então, a “empreender um monumental esforço de aproximação da Europa
culta e, ao mesmo tempo, de valorização da herança cultural do Renascimento português”17
durante todo o setecentos. A absorção pelo reino de elementos ilustrados ocorreu através de
indivíduos que, “estrangeirados ou não, foram capazes de estimular e fazer fluir o debate em
torno dos temas mais candentes da época, durante toda a primeira metade do século XVIII”
ainda que circulassem entre um “grupo restrito e uma mentalidade particular”. Entretanto, as
reformas visaram ummelhor funcionamento da burocracia permanecendo por muito tempo
como importadora de idéias. Incentivados por Dom João V, que visava atingir uma
modernidade sem rupturas, a Ilustração portuguesa adquiriu uma feição católica com uma
“conciliação de elementos pouco harmoniosos – como fé e ciência, teocentrismo e
antropocentrismo”18.
15 KURY, Lorelai. Homens de ciência no Brasil: impérios coloniais e circulação de informações (1780 – 1810). História, Ciências, Saúde – Manguinhos, vol. 11 (suplemento 1), p. 109-129, p.126.
16 SCHWARCZ, Lili Moritz. AZEVEDO, P.C. COSTA, A.M. A Longa Viagem da Biblioteca dos Reis: do terremoto de Lisboa à Independência do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p.89.
17 CRUZ, op. cit. p. 36.
18 SCHWARCZ, op. cit. p. 88.
7
Com a morte de D. João V subiu ao trono seu filho, D. José, cujo reinado
estendeu-se de 1.750 a 1.777. É de se notar na historiografia atual que as mudanças de
governo em Portugal, ao longo do século XVIII, se deram mais por uma continuidade que
por rupturas é, portanto plausível que D. José, tendo recebido uma educação erudita, estava
decidido a dar continuidade ao projeto de modernização do Estado aspirado pelo pai. Até
mesmo porque com a Inglaterra e a França em destaque potencial, corriam risco de perda de
seus domínios e sofriam duras críticas ao sistema escravista, aplicado em suas colônias19. D.
José se viu compelido a inserir reformas em seu governo e as iniciou com a renovação de
todo o ministério. O monarca apoiou-se diretamente, sobretudo após o terremoto de Lisboa,
ocorrido em 1755, em seu ministro dos Negócios Sebastião José de Carvalho e Melo (1.699-
1.782)20; mais conhecido como Marquês de Pombal pelo título que lhe foi conferido aos 71
anos de idade como recompensa pelos serviços prestados a Portugal, dentro das tradições
administrativas do Antigo Regime. É através dele que as reformas se configuraram e fizeram
com que o governo josefino ficasse conhecido por período pombalino.
Sobre a figura reclusa do monarca - que não cultivava uma vida pública - e seu
governo, relacionada à atuação do ministro, existem muitas discussões na historiografia as
quais, devido ao objetivo do trabalho não serão desenvolvidas. Vale apenas salientar que,
para boa parte da historiografia, Carvalho e Melo executava as ordens do monarca e,
paulatinamente, passou a ter as rédeas da administração liquidando qualquer oposição em
nome do fortalecimento do poder real. Portanto
é legítimo pensar a influência do rei nos assuntos referentes ao avanço do conhecimento
científico em Portugal. Se, por um lado, a atuação de Pombal acabou por obscurecer a figura
do monarca, por outro não é de crer que o ministro agisse à revelia de seu rei, ou, nem
sempre. Como vimos, a disposição para tornar Portugal uma nação “iluminada” era anterior a
Pombal e a continuidade de uma política nessa direção, ensaiada por D. João V, certamente,
correspondia também aos interesses de seu filho, D. José I. 21
19 NOVAIS, Fernando. Reformismo ilustrado luso-brasileiro: alguns aspectos. Revista Brasileira de História, n.7, 1984. p. 105-117.
20 Encarregado de cuidar da reconstrução de Lisboa, mostrou competência ao executar a tarefa arrecadando fundos para a reconstrução e estabelecendo penas para prevenir fugas e roubos, garantindo os artigos de primeira necessidade e reedificou a cidade com edifícios padronizados e funcionais bem ao gosto da época.
21 CRUZ, op. cit. p. 84.
8
O Iluminismo português adquiriu forma no quadro do “despotismo esclarecido” e as
reformas ocorreram em todos os níveis: administrativo, econômico, político e social – este
último com certo insucesso22. Dentre as reformas efetivas de modernização do Estado
português a mais importante, para a pesquisa desta monografia, foi a reforma educacional e
pedagógica da Universidade de Coimbra, demonstrando a crença do poder transformador da
educação comum aos espíritos esclarecidos. A secularização do ensino tinha como objetivo a
modernização de Portugal e exigia “competências técnicas para gerir e fiscalizar os negócios
de Estado” atendendo ao projeto pombalino de reformular a sociedade em geral e o Estado
em particular, aproximando-se o máximo possível das sociedades cultas23. Seguramente
influenciado por sua experiência na Inglaterra como embaixador, o desprezo de Pombal
pelos privilégios e inatividade da nobreza fez com que o empenho em aboli-las fosse
drástico24.
Dos diversos atos arbitrários empreendidos por Pombal, na ânsia de suas reformas,
talvez o mais espetaculoso tenha sido a expulsão dos jesuítas em 175925 e, posteriormente, a
perseguição de membros da Congregação do Oratório que dominavam a rede educacional e
os observatórios, respectivamente, não medindo esforços para aniquilar qualquer tipo de
influência destes.
Desde 1540, os jesuítas vinham dominando a política e a instrução pública em Portugal. Mais
que isto, nas colônias portuguesa e espanhola da América, o clero tornara-se a mais forte e
organizada presença européia, principalmente através dos missionários jesuítas que, além de
dominarem o contato com as populações nativas, desenvolviam atividades comerciais à
margem da tutela metropolitana. No processo de secularização das instituições e de regalismo
político desencadeado por Pombal, não havia espaço para a divisão de poderes com a
Igreja26.
A influência da Companhia de Jesus na educação, ocorria desde o século XVI
quando chegaram à Portugal com a intenção de bloquear o protestantismo que se
22 Devido ao tradicionalismo/conservadorismo católico que ainda imperava em Portugal.
23 CRUZ, op. cit. p. 88.
24 De origem de sangue “pouco puro” nunca foi bem aceito entre a nobreza tradicionalista, e por oposição empenha-se em acabar com a transmissão de cargos públicos, que acontecia quase que hereditariamente.
25 Iluministas de toda Europa opuseram-se a ordem jesuítica, mas foi Portugal o primeiro a expulsá-los.
26 CRUZ, op. cit. p. 93
9
disseminava pela Europa, através da direção de diversas instituições de ensino, do
fundamental à universidade. Começou tímida e, em dois séculos, tomou amplas dimensões -
tanto no reino quanto nas colônias - que passaram a ser combatidas como prejudiciais ao
bom funcionamento do Estado já que a atuação da ordem vigorava dentro do sistema de
privilégios, tradicionais do Antigo Regime. Após desmontar o aparato educacional jesuítico
e desestabilizar também o ensino na instituição oratoriana Pombal não encerra sua campanha
anti-jesuítica. Desde a expulsão e por mais de vinte anos o ministro cuidou de produzir e
divulgar verdadeiros líbelos distribuídos no mercado europeu, para todas as partes do reino e
ultramar visando sensibilizar a opinião pública e deixando claro sua política anticurialista.
Mas, de acordo com Cruz, se a expulsão dos jesuítas configurava uma vitória de
Pombal criava também um problema educacional sem precedentes. Afinal, durante dois
séculos, eles é que cuidaram da educação27. Desse modo a reforma tornou-se inadiável e sua
reformulação aproveitou propostas expressivas anteriores ao projeto de Pombal. Intelectuais
portugueses do período joanino, exilados de sua pátria mas em constante comunicação com
sua terra, como Verney, Ribeiro Sanches e Sarmento já questionavam os métodos utilizados
no ensino e sugeriam reformas, sendo as reflexões dos dois primeiros consideradas as mais
impetuosas e radicais. Verney recomenda a utilização de pressupostos científicos como base
pedagógica e o seu polêmico Verdadeiro Método de Estudar (1746) é considerado um líbelo
anti-jesuítico que estabeleceu a ruptura com a pedagogia dos antigos que à época não foi
bem recebido por seus compatriotas devido ao tradicionalismo já mencionado.
Em 1761, em Lisboa, foi criado o Colégio dos Nobres28 destinado à educação de
nobres e fidalgos na tentativa de alargar os horizontes e reeducá-los em seus hábitos, porém
foi inaugurado apenas em 1766, cinco anos mais tarde. Diferentemente do que possa parecer
a instituição tinha como objetivo refrear os exageros e pompas da nobreza com um conteúdo
totalmente secularizado, ou seja, o objetivo de inculcar os novos valores da europa culta e
também os pressupostos científicos em seus alunos. O programa do Colégio Real do Nobres
incluía as disciplinas de humanidades, ciências, línguas estrangeiras e aulas de dança e
esgrima. Pouco depois, em 1772, o ministro instituiu o ensino popular com programa
semelhante ao destinado aos filhos da nobreza29 causando polêmica. Muito foi investido no
27 Mesmo após a reforma é possível encontrar no corpo docente ex-membros da ordem religiosa. CRUZ, op. cit. p.95.
28 Inspirada na instituição francesa de mesmo nome.
29 CRUZ, op. cit. p.89.
10
Colégio e para lecionar foram contratados professores estrangeiros, principalmente italianos,
dentre os quais encontramos Domenico Vandelli, convidado a lecionar História Natural e
Química, mas que não chegou a ocupar o posto30. Tanta projeção e cuidado acabou em
insucesso: uma série de motivos teria levado ao fim da instituição como o pequeno número
de alunos, desinteresse de pais e filhos nobres, e má administração e em apenas seis anos de
existência o ensino científico foi encerrado.
Mas foi em 22 de setembro de 1772 que se verificou o ápice do projeto das reformas
pedagógicas há tanto tempo idealizadas (sem subestimar sua importância e impacto na
estrutura organizacional e mental do momento): a reforma da Universidade de Coimbra. Não
foi a toa que a instituição dos Estatutos da Nova Universidade foi recebida com muita
pompa e esplendor. Em sua cerimônia de inauguração, festejada durante um mês31, com
notório exagero Pombal pretendia creditar a ele o fato de que o estudo das modernas
ciências introduzia-se naquele momento, sob sua administração32. A nova instituição
conservava promessas de aproximação da Europa culta e a revitalização da economia
protuguesa levando a razão para o seio do Estado, promovendo a produção interna de
conhecimento científico e técnico modernos para obter uma elite intelectual hábil a difundir
os novos saberes e formar quadros profissionais que atendessem às necessidades imediatas
do Estado. Com a finalidade de atingir o “novo” o Estado acompanhou de perto a nova
organização confiando o trabalho à Junta de Providência Literária - formada por um seleto
grupo de intelectuais ligados a Pombal – que cuidou da organização do ensino, da
reorganização administrativa, dos regulamentos internos e a convocação do corpo docente e
diretivo da Universidade. 33
Outra característica relevante é que a Reforma da Universidade ocorreu de fora para
dentro e evidenciou o sentido político desta. A importação de professores italianos dá o tom
aos ares modernos da instituição e confirma o cosmopolitismo almejado da Universidade
que abre suas portas para as luzes da ciência experimental. Não resta dúvidas, portando,
30 Há registro de que Vandelli foi convidado ao posto, porém, foi deslocado para o Palácio da Ajuda, assumindo o projeto do Jardim Botânico e, futuramente ocupando o corpo docente da Nova Coimbra ganhando papel destacado dentro do contexto da Reforma da Universidade. CRUZ, op. cit. p.91.
31 Durante este período houve mobilização da cidade, que se rompia em festejos, e devemos perceber a importância que Pombal pretendia atribuir ao evento pelo tempo em que se afastou de Lisboa, considerado tempo demais para quem tomava todas as decisões do reino.
32 Ele usou muito bem o recurso ao teatro da política, não medindo esforços para deixar registrado na história os seus feitos, garantindo que tudo fosse atribuído a ele através de grandes comemorações e fontes literárias.
33 CRUZ, op. cit. p.101.
11
sobre a importância da Reforma que apostou suas fichas na razão em prol do Estado e ao
formar cientistas na Nova Coimbra teria seus novos representantes. Esta se tornou, nas
palavras de Raminelli, um celeiro de matemáticos, filósofos e naturalistas: “sem homens
instruídos na ciência, o Estado protuguês continuaria à mercê de matemáticos italianos e
alemães, como nas primeiras demarcações das fronteiras oriundas do Tratado de Madri.”34
Os novos Estatutos demonstram a estima atribuída a Filosofia e a definiram como
“Ciência Geral do homem, que abraça, e compreende todos os conhecimentos, que a luz da
Razão tem alcançado, e há de alcançar em Deos, no Homem, e na Natureza”35. É válido
lembrar que, no século XVIII, pretendia-se que a Filosofia abandonasse seu caráter
metafísico, chamando para si a produção do conhecimento experimental e pragmático.
Agrupando, entre outros ramos do conhecimento, a física, a química, a astronomia e as
ciências biológicas em geral, passaram a ser parte desta Filosofia Natural, percebe-se o novo
conceito atribuído a Coimbra Reformada através da obrigatoriedade das matérias científicas
em todos os cursos. Assim sendo, nenhum estudante poderia iniciar o curso escolhido sem
estudar as matérias obrigatórias dos cursos filosóficos mesmo os estudantes dos cursos mais
tradicionais como de Teologia, Direito e Medicina.
Como novidade, a fazer parte dos Estudos Maiores, introduziu-se um curso destinado
somente ao ensino das Ciências Naturais e das Ciências Físico-Químicas: a Faculdade de
Filosofia. Com duração de quatro anos se dividia em quatro disciplinas, estudadas uma a
cada ano: Filosofia Racional e Moral, História Natural, Física Experimental e Química.
Adquirindo a mesma importância a Faculdade de Matemática também foi elevada devido à
sua exatidão e método36 e, dentro dessa, uma cadeira de Astronomia construída sobre a
doutrina de Copérnico. A Faculdade de Filosofia tinha o claro objetivo de formar mestres
aptos a lecionar em faculdades ou naturalistas atuantes pelo vasto Império.
Através dos Estatutos é visível a administração despótica de Pombal. A ênfase da
opção pedagógica da Reforma de Coimbra por um ensino pautado pelo método científico
34 RAMINELLI, Ronald. Viagens Ultramarinas: monarcas, vassalos e governo à distância. São Paulo: Alameda, 2008. p94.
35 ESTATUTOS. v.3, p.2. Apud. CRUZ, op. cit. p. 101.
36 O sentido dado ao seu estudo está totalmente relacionado ao utilitarismo da mentalidade do Estado português, e os Estatutos da Universidade deixa bem claro o interesse útil pelos matemáticos para proveito do bem público e proveitosamente empregados no Real Serviço, aliado ao progresso técnico sob os auspícios da moderna ciência (ESTATUTOS. v.3, p.141. Apud. CRUZ, op. cit. p. 106). Fazendo parte do currículo de matemática, como disciplina optativa havia o desenho, incluindo Arquitetura Civil e Militar e além da Cartografia e desenho topográfico o desenho de animais, plantas, aves, etc. fazia parte do currículo na necessidade de exprimir, com exatidão, o objeto estudado.
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experimental a demonstra. Com a finalidade de atender as necessidades do Reino, bem
definidas, ditando as regras aos mestres, funcionários e alunos, eram podados de qualquer
iniciativa pessoal dentro da Universidade. Mas não podemos cair no deslize de ponderar que
a ciência foi vista apenas como mecanismo de controle e fortalecimento do Estado. Se em
um primeiro momento o utilitarismo foi prioritário não é de se crer que ao Estado não
interessava uma ciência pura, afinal a demonstração de poder também passava pela
conquista científica37, manifesto através da criação de outras instituições como o Museu de
História Natural38 que não se vinculava à economia.
Para se ter acesso à Universidade eram requisitos básicos ter feito o curso de
Humanidades, entender e escrever latim e noções de grego - o suficiente para entender
quando escrito - e ter 14 anos completos. Os estudantes do curso filosófico estavam dividos
em dois: os alunos ordinários e os obrigados. Ordinários eram os que estavam interessados
em se tornarem filósofos ou docentes da Universidade. Obrigados eram todos que desejavam
ingressar em outras Faculdades que exigiam como pré-requisito algumas disciplinas
filosóficas.
No detalhamento do programa dos estudos vemos reforçado o pragmatismo na
cobrança do utilitarismo das ciências. No estudo de Zoologia o foco deveria ser nos animais
que podiam “prestar” ao homem “demorando-se com mais indagação sobre os animais que
pertencem ao comércio, agricultura e outros usos mais sensíveis e importantes da vida
humana”.39 Na Botânica a mesma ênfase: perceber os usos e préstimos das diferentes
espécies atendo-se apenas ao útil em detrimento do curioso. Nos cursos de Física,
Mineralogia e Química a insistência no exercício da prática que não podem ser adquiridos
apenas pelo estudo dos livros nos gabinetes, na função de formar o hábito da pesquisa de
campo e a observação da natureza, atuando em conjunto as duas maneiras de estudo.
Segundo Cruz, os próprios reformadores admitiam que a extensão do programa não era
suficiente para um estudo aprofundado no tempo de quatro anos, a opção era garantir noções
37 PEREIRA, Mário Clemente. Apud. RAMINELLI. Viagens Ultramarinas... op. cit. p. 94.
38 As instruções comprovam o caráter pouco pragmático do Museu. Para ele deveriam ser enviadas as coisas mais curiosas e exóticas. Espécies e artefatos dos povos destinados às pesquisas científicas que Raminelli define como “um notável espaço cortesão”, apesar das investidas do mestre Vandelli, que viabilizavam o anfiteatro da natureza próprio de um grande soberano. RAMINELLI. Viagens ultramarinas... op. cit. p. 95. Vale ressaltar aqui que o Museu não era bem visto pelo ministro Pombal que o achava dispendioso demais em seus gastos. Ou seja, o caráter totalmente pragmático imbuído na mentalidade do Iluminismo português pode ser atribuído ao período pombalino, ao passo que o período mariano é visto como um momento de maior abertura neste sentido.
39 ESTATUTOS. v.3, p.242. Apud. CRUZ, op. cit. p. 104.
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elementares e cada aluno buscaria aperfeiçoamento nas áreas que lhe interessassem40, bem
ao espírito enciclopédico da época. A única Faculdade que fugiu à regra foi a de Medicina,
que passou a ter duração de oito anos após a reforma, e fez com que muitos jovens
buscassem esses estudos em outras Universidades como Edimburgo, Leiden e Montpellier
onde se poderia concluir o curso em apenas dois anos.
A obrigatoriedade de se cursar História Natural antes de qualquer outro curso se
enquadra na necessidade de novas formas de ações políticas que vai além da
contemporaneidade da Coroa. A proliferação de advogados e padres naturalistas não
demonstra apenas o modismo da época e o espírito “curioso” pela ciência, pelo
descobrimento dos mistérios da natureza. Essa medida vinha ao encontro de ações mais
imediatas e bem definidas do Ministro Pombal, do Estado, de Vandelli e outros tantos
naturalistas no intuito de melhor conhecimento das colônias e de suas possibilidades
exploratórias.
Nesse momento, há uma nova configuração nas relações entre Portugal e Brasil. No
século XVIII como o Brasil era a mais importante colônia do Império nada mais prudente
que incentivar os filhos desta elite colonial a estudar em Coimbra, através do fácil acesso à
Universidade. Temerosa das idéias revolucionárias que circulavam pela Europa, da
independência dos Estados Unidos e com o comércio das rotas do Oriente abalado pela
concorrência de outras nações e pelos territórios perdidos, Portugal viu na Universidade a
oportunidade de sustentar os laços com a elite colonial e conservar suas posses. Para tal
finalidade a cooptação das elites coloniais, como coloca Magnus Roberto de Mello Pereira41,
era uma prática que os mantinha sob os olhos da metrópole e, como recompensa, enviava-os
novamente às colônias para a atuação científica e, ao mesmo tempo, a ocupação de cargos
administrativos42. O que se vê é que apesar da crescente modernização do Estado, a Coroa
continuou se utilizando dos tradicionais meios de recompensa como forma de incentivar seus
agentes, como os denomina Raminelli43, a registrarem o mundo colonial como viajantes e/ou
40 CRUZ, op. cit. p. 110.
41 PEREIRA, Magnus R. de Mello. Um jovem naturalista num ninho de cobras. A trajetória de João da Silva Feijó em Cabo Verde em finais do século XVIII. História: Questões & Debates. Curitiba, n.36, p.29-60, 2002. Editora UFPR. p.30.
42 PEREIRA, op. cit., p.32.
43 RAMINELLI. Viagens Ultramarinas... op. cit. p.69.
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funcionários44 régios. É importante perceber, como aponta a historiadora Maria Odila Leite
da Silva Dias45, as atitudes conscientes destas políticas de Estado nesse movimento de
estudiosos e as implicações que acarreta, uma vez que cursos superiores eram proibidos no
Brasil. Por parte dos naturalistas e da elite colonial, um dos interesses está em angariar
posições de destaque dentro do sistema de dádivas e mercês. Ou seja, não eram apenas
opções de profissionalização, mas também de aproximação do poder real e garantir benesses
posteriores, ascensão social. Como a secularização do Estado estava em alta, nada melhor do
que tornar-se cientista. Além do prestígio social que significava o título de bacharel ou
doutor, a honra de ter passado pela Universidade se extendia à família do graduado.
O grande número de estudantes brasileiros matriculados na Coimbra reformada
reflete o sucesso das medidas. Entre 1772 e 1822, período limitado pelo início da reforma
pombalina no ensino superior e pelo fim do período colonial, 608 brasileiros matricularam-
se na Coimbra reformada, grande parte deles optando pela formação naturalista46. As
profissões de naturalista e matemático estavam em voga após a reforma pombalina que se
deu com o projeto de modernização. Portanto, a grande maioria dos brasileiros que
participaram das expedições científicas do setecentos, organizadas pela coroa portuguesa,
fez parte da primeira geração de cientistas do mundo português moderno. Mas é importante
destacar que ao mesmo tempo em que havia o incentivo Pombal defendia a limitação de
formação destes profissionais, e sugeriu que o número de 1.200 estudantes seria um número
satisfatório de matriculados na Universidade47. Alegou que o excesso de profissionais
cientistas ocasionaria o prejuízo de outras profissões. Cruz adverte que a intenção de reduzir
os acadêmicos - que chegavam a 4.000, entre eles vários italianos - faz crescer a importância
e o significado da política de introdução de brasileiros na Universidade48.
A administração de Pombal é importante para esse estudo pela reforma do ensino e a
introdução das ciências na Universidade de Coimbra, mas é durante o reinado de D. Maria I
44 Para Pereira é importante frisar o termo funcionário, que com este título e função aparece na cena político-administrativa portuguesa. PEREIRA, op. cit. p. 35.
45 DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Aspectos da ilustração no Brasil. Revista do IHGB, vol. 278, pp. 105-170, primeiro trimestre: 1968, p. 48.
46 CRUZ, Ana Lúcia R. B. da. As viagens são os viajantes. Dimensões identitárias dos viajantes naturalistas brasileiros do século XVIII. História: Questões & Debates, Curitiba, n.36, pp. 61-98, 2002. Editora UFPR. p. 66.
47 CRUZ. Verdades por mim vistas e observadas... op. cit. p. 143.
48 Carta de Pombal para o reitor reformador Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, datada de novembro de 1772. In: BRAGA. Apud. CRUZ. Verdades por mim vistas e observadas... op. cit. p. 143.
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que os projetos políticos e econômicos do Império ganham corpo através desta geração de
estudantes naturalistas brasileiros. A historiografia há muito que deixou de lado a idéia de
ruptura com o fim do período josefino e ascensão de Maria I, que governou de 1777 a 1816.
A chamada “viradeira” é vista mais como um período de continuidades e aberturas49 na área
da indústria, agricultura e comércio e, em relação aos naturalistas, é nesse momento que
ocorre o aliciamento efetivo destes nos projetos da Coroa.
1.3 – COLONIALISMO E ILUMINISMO
É nesse quadro que temos a organização das famosas Viagens Filosóficas em 1778,
coordenadas pelo mestre Vandelli50, no intuito de melhor conhecimento das colônias e de
suas possibilidades exploratórias, marcando uma nova etapa na produção de conhecimento
não só científico mas também de utilidade econômica. O espírito iluminista associou formas
de explorações diversas caracterizando as viagens setecentistas com as organizadas pelos
Estados modernos europeus, ou seja, não era apenas em Portugal que havia essa “parceria”
entre ciência, Estado e economia. Destacando-se das jornadas anteriores, as viagens
filosóficas, mobilizou e recrutou cientistas que contribuíram para a ampliação do
conhecimento sobre seus domínios através da cartografia, dos produtos nativos, ampliando a
comunicação e incentivando o saber etnográfico e agrícola responsável por consolidar as
fronteiras imperiais51. O incentivo estatal à ciência pretendia a promoção da “felicidade, a
manutenção das balanças positivas e o crescimento da economia”52 caracterizando o
utilitarismo da ciência do Iluminismo português. Tais expedições produziram documentação
49 Maria I ocupou o lugar de seu pai D. José e parece não ter tido o radicalismo que muitos dos inimigos de Pombal desejaram. Talvez esta idéia de “viradeira” tenha se dado com o desterro do ministro para Pombal, a libertação dos presos políticos mandados encarcerar por Pombal e de uma progressiva quebra do controle estatal sobre muitas das áreas econômicas, a retomada da influência da Igreja e da Alta Nobreza sobre o Estado. No que se refere à Universidade de Coimbra, muitos professores foram expulsos sob diversas acusações ligadas à heresia como enciclopedismo, naturalismo e deísmo. A piedosa senhora que pretendia restaurar os Autos de Fé, começou por nomear Pina Manique, chefe das polícias, para, entre outras incumbências, vigiar os espíritos sediciosos.
50 Domingos Vandelli (1730-1815), italiano, foi recrutado para ser Mestre de Química e História Natural da Universidade de Coimbra após as reformas, aí permanecendo de 1772 a 1791. Assaz ativo em suas funções participou da criação, da direção e da docência, da Academia Real das Ciências de Lisboa e também da direção e docência no departamento de História Natural do Museu da Ajuda. Também organizou “Manuais de Instruções” para orientar os cientistas.
51 RAMINELLI. Viagens Ultramarinas... op. cit. p. 94.
52 RAMINELLI, Viagens Ultramarinas... op. cit. p. 131.
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vasta relacionada às viagens abrangendo diários, memórias, relatórios, desenhos, mapas e
coleções de história natural que são verdadeiras representações sobre a natureza brasileira
dos séculos XVIII e XIX.
Discussões historiográficas apontam o século XVIII como um período em que a idéia
de uma ciência pura, espalhou-se junto com o Iluminismo por toda a Europa e o utilitarismo
científico aparece somente no século XIX. Porém existe um outro discurso acerca do
pragmatismo científico de modo geral e particularmente em Portugal. Inúmeros relatos,
memórias destes naturalistas e estudos atuais mostram essa característica. Para Alexandre
Rodrigues Ferreira53 a ciência portuguesa ainda era muito pouco autônoma, dependente dos
desígnios e da lógica administrativa. Para Raminelli, Ferreira não aproveitou a
potencialidade do material coletado e de todo seu conhecimento científico devido a essa
limitação utilitária da ciência portuguesa. Ao mesmo tempo em que incentivava o Estado
não exigia resultados efetivos como debates e a publicação de seus principais resultados e,
para Raminelli e Ângela Domingues, a solicitação de remessas por longos anos pela
Secretaria de Estado não recorria ao saber acumulado para guiar suas investidas no
ultramar54. A defasagem das instituições científicas de Coimbra e Lisboa não as capacitava
para sistematizar as informações reunidas pelas viagens sendo essa a principal reclamação de
Vandelli que tentou reformar o museu de História Natural na década de 1790, intervir e
fomentar a pesquisa dos estudos do material armazenado sem sucesso55.
As primeiras viagens foram organizadas a partir da primeira geração de naturalistas
formados na Coimbra Reformada. Para que terminassem sua formação, através de aulas
práticas e diretamente com o mestre Vandelli, reuniu-se um grupo de estudantes no Museu
de História Natural do Palácio da Ajuda. A formação do grupo e a organização da expedição
coincidiram com a criação da Academia de Ciências de Lisboa, em 177956. Sob os auspícios
53 É o naturalista que mais tem suas viagens estudadas, viajou pela Amazônia e sertão brasileiro de 1783 a 1792, produzindo importantes trabalhos. Ocupou vários cargos administrativos antes de depois de sua extensa viagem como no Real Museu da Ajuda, Oficial da Secretaria do Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, diretor interino, e posteriormente vice diretor, do Real Gabinete de História Natural do Jardim Botânico, Administrador das Reais Quintas e Deputado da Real Junta do Comércio. Pertenceu a Ordem de Cristo, foi sócio-correspondente da Academia de Ciências de Lisboa, participou da Tipografia do Arco do Cego, etc. Com uma produção muito extensa foi considerado pela historiografia, por um bom tempo, como o único naturalista expressivo do período.
54 RAMINELLI. Viagens Ultramarinas... op. cit. p131.
55 RAMINELLI. Viagens Ultramarinas... op. cit. p.129.
56 Sua fundação teve o objetivo de canalizar a produção científica com economia. Sua organização foi fruto do esforço de um grupo de intelectuais que tiveram a idéia ainda no interior da Universidade de Coimbra no curso
17
de Vandelli e do secretário dos Negócios da Marinha e Ultramar Martinho de Melo e
Castro57, a princípio ambicionavam uma grande expedição pela Amazônia enviando um
grupo formado pelos naturalistas brasileiros: Alexandre Rodrigues Ferreira, como líder,
Manoel Galvão da Silva, Joaquim José da Silva e José da Silva Feijó. Porém o grupo foi
desmantelado e Alexandre Rodrigues seguiu sozinho para o Brasil em uma viagem bastante
longa. Feijó foi enviado para as ilhas de Cabo Verde. Manoel e Joaquim da Silva tiveram
como destino a África, onde além de naturalistas foram incumbidos dos cargos de secretários
de Estado em Moçambique e Angola, respectivamente. Sobre o motivo que levou a divisão
do grupo não se tem certezas, mas a decisão é atribuída ao secretário Martinho de Melo e
Castro devido a questões financeiras. Um empreendimento deste porte custava caro e ambos
teriam chegaram ao acordo de dividir o grupo enviando-os a lugares distintos. Magnus
Pereira distingue que o desmembramento da equipe não pode ser visto de modo tão simplista
e atribui a decisão como resultado da corrida científica estabelecida entre as nações
européias: era uma questão de orgulho nacional dar a conhecer o maior número de espécies
utilizando o sistema lineano de taxonomia58 garantindo o cosmopolitismo português.
Separados estes naturalistas possibilitariam a reunião, para catalogação, de diversos
“produtos da natureza” de diferentes partes do Império de maneira mais rápida59. Assim a
legitimação das práticas científicas contemporâneas foi também um espaço de afirmação de
poder e intervenção do Estado na vida das populações. Permeando esses objetivos, no caso
português, cumpria superar o estado de “incivilidade” das populações das colônias,
preparando-as para o mundo do trabalho industrioso.
Kury coloca como fazendo parte do mesmo movimento histórico colonialismo e
iluminismo. Afinal seria insatisfatório considerar a ciência como campo neutro, imune à
de Filosofia através da articulação política de Domingos Vandelli.CRUZ. Verdades por mim vistas e observadas... p.118.
57 Se notabilizou como reformador do sistema colonial quando exerceu as funções de Secretário de Estado da marinha e do Ultramar. Ex-aluno de Coimbra ficou conhecido como protetor das ciências durante o período em que ocupou a pasta de secretário de 1756 a 1795 ano de sua morte.
58 O Systema Naturae do sueco Lineu, foi o mais utilizado entre os viajantes-naturalistas do setecentos. Com a grande ambição de catalogar toda a natureza desenvolveu um sistema de nomenclatura a todas as espécies conhecidas, partindo de uma visão estática desta, e a dividiu em três reinos: animal, vegetal e mineral. Porém o grande volume de novas espécies tornava difícil uma classificação definitiva, devido à intensidade de novas descobertas, pois a cada dia surgiam novos elementos, sendo impossível contá-las. Eis aí o motivo de tanta recomendação de cautela na utilização de sistemas pelos mestres naturalistas. HAZARD, op.cit. p.130.
59 PEREIRA. op. cit. p. 30.
18
política e às disputas mundiais60, como já visto, a dinâmica de exploração natural por parte
dos impérios através das viagens denuncia a relação. Além da importância da participação já
mencionada dos naturalistas luso-brasileiros e da arregimentação destes, Magnus Pereira
indica que um outro motivo que garantiu a presença nas viagens foi: a resistência ao clima.
Para muitos dos nascidos na Europa a incumbência de cargos administrativos nas colônias
era como uma sentença de morte devido às agruras do clima, o que a seu ver, não devia
passar despercebido pelos olhares administrativos61.
A diversidade de áreas científicas em que atuaram esses brasileiros, já basta para a
elevação da importância desses personagens para a história de Portugal, do Brasil e das
ciências no mundo colonial. Afinal os naturais do Brasil estavam envoltos em uma dinâmica
que transcendia os limites da sua terra exercendo papel ativo na administração e na vida das
colônias da América e da África em diversos aspectos refletindo, tão de perto, a realidade
brasileira constituindo imenso valor documental.62 Até então pouco discutidas, ou abordadas
de forma isolada do contexto português e apagadas na historiografia, as viagens e a trajetória
desses indivíduos não podem ser desprezadas, o que, para Cruz, pode levar a dois tipos de
equívoco.
Primeiro, o de tomar como verdadeira a afirmação de que as primeiras informações
relevantes de caráter científico produzidas sobre o Brasil sejam obra dos viajantes
estrangeiros do século XIX. Segundo, mas não menos importante, o de perder a perspectiva
de que esse conhecimento científico estava sendo gerado, por cientistas nascidos no Brasil,
simultaneamente, em várias regiões do Império e, portanto, fazia parte de uma política
articulada com alcance e dimensões muito maiores. 63
Maria Odila considera um “esquecimento notável” figuras como Alexandre
Rodrigues Ferreira ou Lacerda Almeida que foram expoentes máximos das viagens
científicas do século XVIII ficarem fora da historiografia. Atribui “ao ‘secretismo’ da Coroa
em relação às suas colônias, ou o acanhamento editorial no mercado português” o fato de
não terem atingido o grande sucesso de naturalistas como Bouganville, La Condamine ou
60 KURY. op. cit. p. 111 e 126.
61 PEREIRA. op. cit. p. 30.
62 DIAS. op. cit. p. 39.
63 CRUZ. Verdades por mim vistas e observadas... op. cit. p. 15.
19
Thomas Cook64. Entretanto é comum a historiografia que tem se debruçado sobre o tema o
esforço português de inserção na comunidade científica internacional65 inclusive com
sucesso de alguns que atingiram grande prestígio ilustrando o cosmopolitismo dos cientistas
luso-brasileiros. Ao mesmo tempo em que silenciados por tanto tempo, pela defasagem das
instituições científicas e da evidência pragmática do iluminismo português, houve o
estabelecimento de produção e divulgação de informações confiáveis sobre as colônias.
Cientes de sua vulnerabilidade o Império constituiu a formação de redes de informações
como forma possível de administração e manutenção de suas posses através dos agentes
imperiais que desempenharam tanto missões científicas quanto administrativas e, com
freqüência, as duas funções ao mesmo tempo.
Em parceria com o também paduano Julio Matiazzi, Vandelli, responsável pela
administração do Jardim Botânico, cuidou em reunir remessas de sementes e plantas de
todos os lugares para a coleção botânica do reino instruindo seus discípulos para tal
atividade. As “viagens filosóficas estiveram intimamente ligadas ao projeto do Jardim
Botânico da Ajuda e à constituição de seu acervo, que teria chegado a cinco mil espécies
vivas.” Ao lado do jardim o museu que era anexo mais o Laboratório Químico e a Casa do
Risco formavam “um importante complexo de produção de conhecimento, ensino e pesquisa
de História Natural no século XVIII português”66. A construção de um novo conhecimento
sobre o Império e a circulação de suas informações deviam agir em paralelo à racionalização
da agricultura introduzindo novas técnicas que tornassem mais produtivas as atividades
agrícola, de mineração e industrial.
Para a execução das viagens foram elaboradas guias de instrução aos viajantes com a
finalidade de padronizar as observações e orientar os procedimentos a serem adotados por
esse novo personagem pressupondo metas a atingir e informações que servissem a todos67
com o discernimento do que merecia atenção. Assim como a circulação desse material
constituiu verdadeiras redes de informações em alguns casos, como o português, acabou
produzindo discursos administrativos e a sistematização da informação de natureza
64 DIAS. op. cit. p. 71.
65 A utilização do sistema de Lineu poderia funcionar como garantia de que as descrições de espécies realizadas por portugueses e brasileiros seriam levadas em conta para além das fronteiras do império. KURY. op. cit. p. 115.
66 CRUZ. Verdades por mim vistas e observadas... op. cit. p. 84.
67 KURY. op. cit. p. 110.
20
científica68. Em Portugal, Domingos Vandelli em 1779, elaborou um manual visando o
naturalista aprendiz em processo de formação na Universidade de Coimbra intitulada
Viagens Filosoficas ou Dissertação sobre as importantes regras que o Filosofo Naturalista
nas suas peregrinações deve principalmente observa69. Em seqüência a esta instrução
seguiram-se outras diversas, coordenadas pelo mestre italiano com a ajuda de seus discípulos
coimbrõens, discutidas no círculo das instituições da Academia de Ciências de Lisboa, na
Faculdade de Filosofia e na Universidade de Coimbra. Com realidades distintas em toda a
extensão do Império português várias outras instruções foram elaboradas a fim de melhor se
adequarem ao seu desígnio, fosse para cumprir com os projetos da Coroa de fomentismo
agrícola ou instruir coletas para aumentar a coleção dos museus e jardins da Coroa.
Vários autores discutem a preparação das instruções, concordando que são variações
da primeira instrução de Vandelli que aproveitou o conhecimento já estabelecido em viagens
anteriores ao projeto das viagens científicas e os naturalistas luso-brasileiros advindos de
Coimbra70. A formação do corpo técnico das expedições científicas portuguesas requeria
também algumas qualidades de seus membros, as quais o naturalista José Antonio de Sá
classificou em quatro: qualidades do corpo, dotes da alma, instrução política e instrução
filosófica71. De modo geral em uma viagem deveria haver um naturalista, um engenheiro ou
matemático e um desenhista, caso o primeiro não possuísse as outras habilidades, porém a
atuação de outros profissionais como naturalistas é constante, como sobredito. Além das
viagens patrocinadas pelo Estado alguns governadores de capitanias tomaram a iniciativa de
promover expedições produzindo estudos bastante competentes.
68 DOMINGUES. Ângela. Para um melhor conhecimento dos domínios coloniais: a constituição de redes de informação no Império Português, em finais do setecentos. História, Ciências, Saúde. Manguinhos, vol. 8 (suplemento), p. 823-838, 2001, p. 2.
69 PATACA. Ermelinda Moutinho. Terra, água e ar nas viagens científicas portuguesas (1755-1808). Campinas, SP, 2006. Tese de Doutorado. p.80. Essa instrução de Viagem tinha um claro direcionamento para o Brasil, foi composta com descrições e referenciais teóricos dos locais por onde o naturalista passou, ou seja, da natureza européia. O referencial da natureza européia fez com que Vandelli elaborasse sua instrução descrevendo toda a paisagem européia, que depois seria preenchida com espécimens brasileiros que o naturalista tinha recebido até então armazenadas no Gabinete de História Natural. P75: Ela sugere o desejo de Vandelli de realizar pessoalmente uma viagem ao Brasil, quando chegou a Portugal, empenhando-se em realizar o projeto através de seus discípulos.
70 Para melhor compreensão ver a tese onde se encontra discussão sobre a participação dos brasileiros nas instruções. CRUZ. Verdades por mim vistas e observadas... op. cit. p. 128.
71 Em instrução para as viagens empreendidas no Reino, em um capítulo intitulado: “qualidades do viajante”, PATACA. op. cit. p. 11.
21
Com a morte de Melo e Castro em março de 1795 seu lugar é ocupado por D.
Rodrigo de Souza Coutinho72 em setembro de 1796. O ministro reuniu sob sua tutela uma
equipe de naturalistas para explorar as colônias portuguesas e é durante sua administração
que há o engajamento definitivo destes com os projetos da Coroa73. Nas palavras de Maria
Odila Dias, D. Rodrigo foi um “incansável homem de projetos e reformas”74 que organizou
novas expedições exploratórias executadas por naturalistas de uma segunda geração de
formados em Coimbra e cuidou de enviar ordens de patrocínio a viagens de naturalistas que
já se encontravam nas colônias. Foi Dias a primeira a trazer a idéia de uma “equipe de
bacharéis e cientistas brasileiros que passou a se agitar em torno dele, em razão de uma
política de renovação da agricutura e da introdução de novas técnicas rurais.”75 Pataca
também verificou uma grande diferenciação entre as viagens organizadas na administração
de Melo e Castro e de D. Rodrigo de Souza Coutinho76. Ambas as administrações tinham
como objetivo a complementaridade entre Portugal e o ultramar, porém a política de
fomentismo vai encontrar na direção de Souza Coutinho maior efetividade, aplicando o
utilitarismo ao máximo, em detrimento da “ciência pura”. Modificações ocorreram nas
orientações aos viajantes, de acordo com as novas políticas de Estado, aproveitando-se dos
resultados já obtidos no ministério anterior e explorando novas áreas, como a investigação
feita pela costa brasileira desde o Maranhão até a Bahia na procura por alguns gêneros
específicos. 77
D. Rodrigo deu destaque especial a colônia americana, sem abandonar as
investigações na África, orientando para a introdução de novos gêneros e técnicas destinados
a ensaiar a diversificação da agricultura. De acordo com Dias
Nesse intuito, madava pedir aos governadores das capitanias relatórios sobre os processos
empregados no preparo e cultivo dos gêneros exportáveis; ordenava que se procedessem a
levantamentos de plantas nativas a serem remetidas para o Reino e às explorações
72 A trajetória política de D. Rodrigo era bastante longa, pois ele já servia a Portugal como ministro em Turim desde 1779, quando tinha apenas 23 anos de idade. CURTO,1999. Apud. PATACA. op. cit. p. 393.
73 CRUZ. Verdades por mim vistas e observadas... op. cit. p. 117.
74 DIAS. op. cit. p. 55.
75 Até então as viagens filosóficas e as tentativas de reformas eram vistas apenas como ações isoladas. Ela é pioneira ao tratar do assunto como uma medida centralizadora das reformas portuguesas para reforçar laços políticos. DIAS. op. cit. p. 56.
76 PATACA. op. cit. p. 15.
77 PATACA. op. cit. p. 393 e 401.
22
mineralógicas; prometia prêmios aos lavradores mais industriosos; tratava de promover a
introdução do arado e a cultura de novos gêneros.78
A variedade de assuntos embutidos no projeto fomentista da época reflete a
amplitude e o surto de desenvolvimento intencionado nesse período. É comum a
historiografia dizer que a Revolução Industrial, a pressão demográfica e a modernização
agrícola condicionaram a economia. Atendê-la foi o objetivo primordial da política
fomentista portuguesa e dos membros da academia. A bipolaridade administrativa defendida
por D. Rodrigo foi determinante na execução das viagens científicas. A exploração da
colônia era condição de desenvolvimento da metrópole e apenas um progresso simultâneo
das duas partes poderia romper o círculo vicioso de dependência da metrópole em relação às
colonias, “e em especial à colonia aparece sob a forma de comunidade de interesses, que era
precisamente o que naufragava na crise do sistema colonial; esta, na realidade revelava o
antagonismo entre os dois polos do sistema.”79 É basicamente a preocupação com essa crise
que direciona o discurso do colonialismo ilustrado, o qual Novais chamou de mistificação
ideológica80, propondo um enlace natural entre Portugal e seus domínios ultramarinos
diferente de outras colônias que justamente por serem de uma união não correspondente
estavam a romper seus laços.
É sob essa configuração que temos na historiografia um novo olhar sobre à ciência
no século XVIII. A idéia de ciência com fim em si mesma, uma “ciência pura” e sem
utilidade é deixada de lado. Para vários historiadores o utilitarismo da ciência na Europa se
desenvolveu apenas no século XIX. Entretanto há um outro discurso historiográfico, a
respeito da utilidade das ciências na Europa, que abandona sua universalidade,
principalmente em Portugal. A ciência tinha como função resolver os problemas da
humanidade. A partir do momento que o conhecimento científico encontrava-se a serviço do
homem, da sociedade, a sua utilidade passa a ser a essência da própria visão de ciência.
²__€0O pragmatismo do Iluminismo português, que por muito tempo foi visto de modo depreciativo pela historiografia, passa a ser ressaltado como uma das variações do movimento. Os estudos da natureza abriam o caminho para a auto-suficiência nacional. O utilitarismo, portanto, fez parte dos projetos da Coroa de exploração da natureza dos territórios imperiais. Prova disso foi a falta de sistematização e aproveitamento do material recolhido nas colônias como mencionado acima. Muitas das remessas enviadas para a
78 DIAS. op. cit. p. 58.
79 NOVAIS. op. cit. p.111.
80 NOVAIS. op. cit. p.111.
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metrópole nunca chegaram a ser estudadas devido à defasagem das instituições. Para Vandelli, um fisiocrata, o objetivo era a investigação da natureza onde o conhecimento científico não era um fim em si mesmo, mas que forneceria os meios necessários para atingir o desenvolvimento econômico.
Sem agricultura não se pode avaliar como feliz um estado, pois se vê precisado a
olhar a mãos alheias para a sua subsistência; e sem artes, e sem comércio tão pouco
o será, porque faltando isto faltam as riquezas, e com elas as forças da nação, ficando
portanto inabilitada, não só para se manter em estado de independência, que deve
caracterizar a nação sábia, e industriosa, mas até impossibilitada para na falta das
próprias produções, comprar as dos países estranhos.81
O discurso utilitário esteve sempre presente nos projetos de Vandelli e nos estudos de
seus pupilos naturalistas. Geralmente o resultado dos estudos dos cientistas vinham
acompanhados da utilidade economica e qual o procedimento a ser feito para que houvesse
um aproveitamento racional do objeto observado. Ângela Domingues retrata como a História
Natural e a administração do vasto império ultramarino português se entrelaçam e se tornam
indispensáveis. Ângela Domingues ainda discute a questão do acúmulo de funções do
naturalista que, geralmente, ocupava um cargo de funcionário da Coroa portuguesa como
essencial para a “rede de circulação de informações” que se formou. As descrições e
amostras realizadas por estes naturalistas foram além da inventariação contribuindo para o
“incremento das indústrias, manufaturas e do comércio ou (...) para a cura de doenças” 82
O Fazendeiro do Brazil, de Frei Veloso, distribuída na colônia do americana83 foi um
projeto de divulgação de técnicas modernas européias a serem aplicadas na agricultura com
vistas a atingir o objetivo de racionalização da agricultura. As memórias, relações e
representações dedicadas à Coroa pelos seus vassalos, sempre de caráter utilitário, não
serviam apenas para contribuir com o progresso da Coroa através da política fomentista
portuguesa mas também como elo para a manutenção de postos de funcionários régios
81 VANDELLI, Domingos. Memória sobre a necessidade de uma viagem filosófica feita no reino, e depois nos seus domínios. In: VANDELLI, Domingos. Aritmética Política, Economia e Finanças, 1770-1804. Lisboa: Banco de Portugal, 1994. p.21-23. Apud. CRUZ. Verdades por mim vistas e observadas... op. cit. p. 126.
82 DOMINGUES. op. cit. p. 827.
83 A obra consiste em coletâneas de vários autores agraristas europeus e norte-americanos lançada em dez volumes. CRUZ. Verdades por mim vistas e observadas... op. cit. p.136. Estudar seu alcance e sucesso não é prioridade deste trabalho, porém deixo aqui registrado que houve muita resistência entre os colonos quanto a sua aplicação.
24
caracterizando-se em uma via de duas mãos. Pois não era somente o interesse inocente no
progresso da humanidade que movia estes naturalistas mas antes um negócio pessoal, de
promoção e manutenção de interesses particulares. Movimentados pelo espírito científico da
época estabeleceu-se um esquema intrincado de relações muito rico para a exploração
historiográfica, permitindo uma infinidade de análises importantes sobre o período através
desses personagens e suas produções.
A presença destes profissionais nem sempre era festejada e vista com bons olhos pela
elite e moradores locais. Causando desconforto por onde passavam com sua vaidade
ilustrada, principalmente quando ocupavam cargos administrativos, o sentimento de
superioridade que possuíam, as “regalias” garantidas e o poder de voz deste novo
personagem criavam um ambiente propício a intrigas de todo o tipo. Para Pereira84 os
cientistas funcionários enfrentaram uma verdadeira luta para estebelecerem sua identidade
profissional e a verem reconhecida, uma vez que eram personagens novos no quadro
burocrático em que os nichos de poder eram assaz disputados. Configuração que certamente
interessava a política da coroa e que já era prática de outros tempos. Em seu artigo Pereira
distingue a cena político-administrativa das colônias como um “ninho de cobras” estimulado
pela coroa a fim de que as desavenças entre os funcionários coloniais fornecessem várias
versões sobre um mesmo fato, sendo uma importante fonte de informações sobre os distantes
domínios.
Também ocorre que nem todos estes naturalistas estavam contentes com o fato de
serem designados a funções administrativas, isso porque, ficavam impedidos de se
dedicarem às atividades científicas, reclamando, em várias ocasiões, dessa condição85. Ou
ainda o inverso, se utilizavam do “dom” em história natural para obter créditos, honra e
recompensas que promovessem a ascensão social. A análise da trajetória desses funcionários
cientistas permite entender como a produção de conhecimento servia como serviço prestado
à monarquia para se aliar ao sistema de patronagem liderado por Martinho de Melo e Castro
e D. Rodrigo de Sousa Coutinho, respectivamente. 86
84 PEREIRA. op. cit. p. 36.
85 PEREIRA. op. cit. p. 35.
86 RAMINELLI, Ronald. Baltazar da Silva Lisboa. A honra e os apuros do juiz naturalista. Comunicação apresentada no Colóquio Internacional: BIOGRAFIAS E MICROBIOGRAFIAS NO IMPÉRIO COLONIAL PORTUGUÊS. UFF, Niterói, 31 de março de 2005. p. 3.
25
Em sua tese Cruz87 aponta a busca pela auto-representação destes naturalistas, nesta
conjuntura, como um viés muito rico a ser explorado que permite uma aproximação de sua
auto-imagem.
As manifestações dos diversos “eus” exercitados por esses autores, aparecendo de forma
mais, ou menos, explícita em seus textos, permitiram, a um só tempo, vislumbrar as formas
como eles se reconheciam no universo colonial ao qual pertenciam, que fronteiras
identificaram nesses espaços e como transitaram por elas e, ao mesmo tempo, perceber a
articulação orgânica entre conhecimento técnico-científico e projeto governativo tal como
concebida pelo despotismo esclarecido português, do qual foram agentes. 88
A ciência e a técnica permitiriam transformar o Novo Mundo à imagem do Velho e,
sobretudo, potencializá-lo e explorá-lo em benefício próprio89 através da fundamental
presença desses novos funcionários que, ocupando o papel de verdadeiros agentes
civilizadores, não se limitaram a descrever a barbárie mas levavam consigo uma receita para
superá-lo90. Como possuíam o conhecimento dos territórios Ângela Domingues atribui a eles
um controle dos acontecimentos que podiam ser determinantes nas viagens e observações
científicas91.
Assim a figura do viajante naturalista do império português difere do francês, assim
designado por serem correspondentes do Jardim do Rei em missões distantes92. No caso de
Portugal os naturalistas têm uma formação mais abrangente visto a obrigatoriedade de cursar
História Natural podendo ser classificados, de acordo com Domingues, como matemáticos,
naturalistas, magistrados filósofos e médicos93 com grandes chances de desempenhar
funções administrativas. Assim levanto a questão de Cruz: o que era ser um cientista no
87 CRUZ. Verdades por mim vistas e observadas... op. cit. p.189.
88 CRUZ. Verdades por mim vistas e observadas... op. cit. p. 178.
89 BOURGUET, BONNEUIL. 1999, p. 30.
90 PEREIRA, Magnus. Brasileiros a serviço do Império; a África vista por naturais do Brasil, no século XVIII. REVISTA PORTUGUESA DE HISTÓRIA, Coimbra, v.33, 1999. p.153-190. p. 187.
91 DOMINGUES. op. cit. p. 4.
92 BOURGUET. Apud. DOMINGUES. op. cit. p. 13.
93 DOMINGUES. op. cit. p. 13.
26
século XVIII português? “Uma das condições objetivas para a produção de conhecimento
científico era ser remunerado pela coroa, portanto, ser servidor régio.” 94
94 CRUZ. Verdades por mim vistas e observadas... op. cit. p. 180.
27
2 – O CIENTISTA FUNCIONÁRIO: OS ALTOS E BAIXOS.
2.1 – JOAQUIM DE AMORIM E CASTRO: O BACHAREL E SUA INCLINAÇÃO
PELAS CIÊNCIAS NATURAIS.
O termo cientista, no século XVIII, não era utilizado para nomear quem se dedicava à
produção do conhecimento. Estes eram antes identificados por sua formação profissional
como: bacharéis, naturalistas, matemáticos, médicos, etc. ou ainda de maneira mais genérica:
sábios, ilustrados, eruditos, filósofos. A opção por denominá-los como cientistas se dá pelas
atividades de que se ocupam esses homens, sua formação acadêmica e a produção dos seus
estudos.95 O ser cientista constituía-se como agente indutor de mudanças viabilizando meios
para atingir o progresso material com a finalidade de proprorcionar o bem estar social. O
fazer-se desse novo agente96, no sentido de legitimar sua condição, estava na capacidade e
aptidão de analisar e apresentar planos e projetos para uma nova sociedade.
Foram estes cientistas e funcionários capacitados os responsáveis pela sustentação de
uma rede de informações que permitiu ao Estado português conhecer e agir de modo mais
preciso sobre seus domínios na Europa, Ásia, África e principalmente o Brasil. Ou seja, estas
informações vinham das mais diferentes partes do Império de modo criterioso e sistemático
e, na maioria dos casos, confundia-se com a administração.97 Portanto o discurso desses
“personagens-autores” – que ao mesmo tempo em que atuavam como naturalistas ocuparam
cargos na burocracia colonial – fornece subsídios para a contextualização de uma análise de
segmento das elites coloniais em colaboração com as elites metropolitanas.98
Não havia outra opção para os jovens acadêmicos que quisessem desenvolver suas
habilidades científicas. O espaço de atuação deste profissional era bastante restrito: ser
professor na própria Universidade de Coimbra, dar aulas régias ou ocupar funções
governativas na metrópole ou nas colônias. Muitos dos estudiosos viram na História Natural
um meio de ascensão social. A obtenção de dádivas, honras e mercês era uma possibilidade
de melhorar os negócios de família e ascender socialmente, aproximando-se da realeza por
95 CRUZ, Verdades por mim vistas e observadas... op. cit. p. 179.
96 PEREIRA, Um jovem naturalista... op. cit. p. 35.
97 DOMINGUES. op. cit. p. 3.
98 CRUZ, Verdades por mim vistas e observadas... op. cit. p. 178.
28
uma prática largamente utilizada pela coroa no Antigo Regime como meio de governação. É
importante deixar claro que essa “troca” não era vista de maneira depreciativa e não tinha
qualquer ligação com uma noção de corrupção. Antes essa complexa cadeia de dádivas e
mercês era uma maneira, talvez a única, que Portugal tinha para gerir um império
gigantesco. Sendo assim a História Natural passou a ser uma moeda de troca utilizada para
fortalecer a lealdade à monarquia em tempos de instabilidade política.
No comando da Secretaria de Estado da Marinha e Negócios Ultramarinos Martinho
de Melo e Castro e D. Rodrigo de Souza Coutinho, respectivamente, fizeram o que podiam
para defender a harmonia entre as províncias do Império sendo verdadeiros patronos da
História Natural e seus desdobramentos com o objetivo de reunir sob um único sistema
administrativo as possessões portuguesas.99 Tanto interesses econômicos como científicos
agiam como chamariz e explicam a grande quantidade de servidores empenhados em tarefas
científicas e de exploração dos recursos naturais, motivados pelo maior interesse Iluminista
na História Natural. Porém o servidor cientista estava revestido de conhecimentos que o
distinguia dos simples curiosos. O fato de terem passado pela universidade conferia ao
cientista especialização e erudição próprias características deste profissional que tinha
contato com instituições científicas e produzia diversos estudos gerando uma verdadeira rede
de informações seguras sobre os domínios do Império português.100
Inseridos nesse projeto os alunos de Coimbra supervisionados pelo mestre Vandelli
eram enviados a várias regiões nas cercanias de Coimbra para serem habilitados na profissão
e darem início ao ofício. Esta etapa de praxe do curso de História Natural era uma
oportunidade aos jovens coimbrõens para apresentar competências e garantir a proteção do
mestre Vandeli e dos ministros da Secretaria de Negócios Ultramarinos. Da geração de
brasileiros ilustrados, engajados nesse projeto imperial, muitos nasceram na Bahia como
Alexandre Rodrigues Ferreira, Manoel Galvão da Silva, Baltasar da Silva Lisboa e seu irmão
José da Silva Lisboa. Estes eram membros de famílias poderosas da região, comerciantes de
escravos ou donos de engenhos de açúcar101 tal qual Joaquim de Amorim e Castro, que fez
parte desta geração de brasileiros à serviço do Império. Sua trajetória é bastante similar a de
99 RAMINELLI. Viagens Ultramarinas... op. cit. p. 177.
100 DOMINGUES. op. cit. p. 2.
101 PATACA. op. cit. p. 348.
29
seus colegas que passaram por Coimbra após sua reforma em 1772. O interesse pelas
atividades ligadas às ciências naturais, independente do curso escolhido, exercia um fascínio
que também seduziu o jovem estudante.
Nascido em 1760, na freguesia do Santíssimo Sacramento do Pilar, no recôncavo
baiano, aos dezesseis anos Amorim e Castro matriculou-se na Universidade de Coimbra
freqüentando os cursos de Filosofia, Matemática e Direito. Sobre sua vida anterior ao
ingresso na universidade e do tempo em que permaneceu em Portugal após sua formação
pouco se sabe. Apenas que era filho de dono de engenho e que seu pai era membro da
Ordem de Cristo, logo pertencia à elite local.
Na Universidade de Coimbra freqüentou como aluno obrigado as categorias de
Filosofia e Matemática e se formou em 1776 e 1778, respectivamente. Entretanto não
sabemos em qual categoria freqüentou a disciplina de Direito na qual se formou em 1777 e
que mais tarde, em 1783, obteve o grau de doutor.102 Contemporâneo de Baltasar da Silva
Lisboa103 estudaram juntos sob a orientação do mestre Vandelli no Laboratório de Química
da Universidade do qual tornaram-se pupilos. Colegas de estudo, Amorim e Castro teria
assistido a experiência realizada por Silva Lisboa sobre a extração de caparrosa104 do carvão
de pedra compartilhando de seus resultados.105 Fato que ilustra a interação entre os
brasileiros na metrópole.
Como parte de seu aprendizado Amorim e Castro foi enviado pelo mestre italiano a
investigar as minas de Carvão da Figueira, nas proximidades de Coimbra, que já se
encontravam em decadência em 1781. O objetivo era treinar os alunos no reconhecimento de
potencialidades naturais úteis à economia e desenvolver o gosto pela observação e pela
prática. Desta expedição, Amorim e Castro elaborou uma memória intitulada: Memória de
Joaquim de Amorim e Castro mandado pelo seu sabio mestre e senhor Domingos
102 LAPA, J. R. Amaral. Um agricultor ilustrado do século XVIII. In: Economia Colonial. Ed. Perspectiva, 1973. p. 143 e 144.
103 Baltasar da Silva Lisboa é uma figura eminente e bastante explorada nos estudos que se tem feito até então sobre História Natural. Formado em Direito, dedicou-se também as ciências naturais apresentando importantes estudos e ocupando cargos elevados na administração colonial como Ouvidor e Conservador das Matas de Ilhéus; sua trajetória foi bastante conturbada. Para uma discussão mais profunda deste personagem ver: PEREIRA, Um jovem naturalista... op. cit. p. 29-60. RAMINELLI, R. Baltazar da Silva Lisboa. A honra e os apuros... op. cit.
104 Composto de sulfatos.
105 CASTRO, Joaquim Amorim de. Memória de Joaquim Amorim de Castro mandado pelo seu sábio mestre o Senhor Doutor Domingos Vandelli a observar o augmento da mina da Figueira. ACL, série azul, 376. s/d.
30
Vandelli, a observar o augmento da Mina de Figueira dividida em duas partes. Na
primeira se mostra, augmento da mina, e juntamente a bondade do carvão q~
prezentem.te se extrahe. Na segunda a fabricação da caparroza com m.ta cõmodidade
junto a mina. E finalm.te se faz menção da descoberta de huma nova mina junto à
crapinheira.106 No início da memória Amorim e Castro se posiciona quanto a importância de
que se reveste a prática de campo para o naturalista na aquisição de conhecimentos que não
podem ser adquiridos apenas através do estudo dos livros:
O Estudo de Gabinete não chega a comprehender as dificuldades de huma viagem,
nem a Leitura descançada sobre os Livros pode julgar de inaceSsivel no exame de
huma mina: faltão muitos theoremas, e todos parecem incompetentes.107
Na viagem, que tinha a duração de cinco dias108, a tarefa do estudante era, através
da análise, observar o estado em que se encontrava a mineração e propor soluções para sua
melhoria complementando os “tantos, e tão excelentes” estudos já feitos sobre a região.
Amorim e Castro se mostra modesto em sua atuação e ressalta a importância das
experiências feitas anteriormente por seus colegas de curso para a sua atividade.109 Todavia a
memória se mostrou substanciosa ao propor um processo inovador na purificação do carvão,
atingindo o mesmo nível da produção inglesa, sugeriu ainda a instalação de uma fábrica de
extração junto à mina. Representadas em duas ilustrações, anexas a memória, além de
demonstrar a habilidade em desenho do jovem naturalista as imagens, ricas em detalhes,
mostram passo a passo seu projeto de produção do carvão110 bem ao modo enciclopédico.
Na volta da expedição à Coimbra, instigado pela curiosidade de averiguar uma
mina de chumbo da qual tivera notícia, Amorim e Castro decide passar pela Crapinheira e,
ao examiná-la, descobre indícios de “uma rica mina” de carvão inexplorada. Empolgado pela
sua “descoberta” se diz interessado a observá-la futuramente e “manifestar em uma
memória” os seus resultados ao sábio mestre “todo o interesse e utilidade dela para que
consiga o mesmo patrocínio que a outra tem conseguido, e vai conseguindo”. Entretanto o
106 CASTRO. Memória de Joaquim de Amorim de Castro mandado pelo seu sábio... op. cit.
107 CASTRO. Memória de Joaquim de Amorim de Castro mandado pelo seu sábio... op. cit.
108 PATACA. op. cit. p. 129.
109 CASTRO. Memória de Joauim de Amorim de Castro mandado pelo seu sábio..., op. cit.
110 Ter habilidade em desenho era extremante importante para os naturalistas.
31
intento não se concretizou: em 1786 foi nomeado de juiz de fora e provedor das fazendas dos
defuntos e ausentes na Vila de Cachoeira111 assumindo o posto de “magistrado filósofo” em
28 de Março de 1787.112
Em carta particular a Martinho de Melo e Castro113, em que lhe participa de sua
chegada na Bahia, se mostra pronto a tomar as providências necessárias para assumir a posse
de seu cargo assim que melhorasse de uma moléstia e, sem mais delongas, se por a verificar
o estado de uma mina de cobre da região114. Mas para poder por na “presença de V.
Excelência o fiel resultado” de suas observações Amorim e Castro afirma que somente as
forças de um naturalista não seriam suficientes. A colaboração dos “sistemáticos” que o
“assistem” era essencial para que, sem obstáculos, ele pudesse dar a conhecer as vantagens
das produções que somente através da “mão do Naturalista é que os faz conhecer o valor”.115
Não apenas no ramo da mineralogia, mas também de outros tantos “ramos da História
natural inteiramente desconhecida neste país”. Por fim Amorim e Castro pede proteção e
ânimo para dar atividade aos seus “desejos”, “estudos” e observações indicando sua
predileção pela História Natural.
Por Amorim e Castro ter se tornado sócio correspondente da Academia de Ciências
de Lisboa ainda em 1780, na primeira classe acadêmica que correspondia às Ciências
Naturais, e ter trabalhos publicados pela mesma nos permite inferir sobre o destaque que o
bacharel obteve como naturalista na metrópole. A Academia funcionava como centro
canalizador das informações produzidas e era um espaço importante de sociabilidade,
portanto, participar do seleto grupo desta elite intelectual era sinônimo de prestígio e
reconhecimento dos pupilos que mais se destacavam no período de formação profissional.116
Assaz produtivo Amorim e Castro movido pelo espírito científico, ou pela garantia de seu
111 IANTT, Registro Geral das Mercês. Apud. RAMINELLI. Viagens Ultramarinas... op. cit. p. 206.
112 AHU, Bahia, Castro Almeida, disco 9 – cx 62, doc. 12489. 113 AHU, Bahia, Castro Almeida, disco 9 – cx 62, doc. 12489.
114 Sobre a verificação efetiva da mina não se encontrou registros nas fontes consultadas.
115 AHU, Bahia, Castro Almeida, disco 9 – cx 62, doc. 12489.
116 CRUZ, Verdades por mim vistas e observadas... op. cit. p. 120.
32
cargo, cuidou de enviar diversas coleções para abastecer o Museu da Academia para o seu
“aumento”.117
Poucos eram os naturalistas que tinham seus trabalhos divulgados pela Academia.
Dentre os escritos de Amorim e Castro três foram publicados pela instituição: História
Natural do Brasil segundo o Sistema de Linnêo com descrições de alguns animais e
observações sobre a cochonilha, o tabaco e a salsa e a nova imprensa cilíndrica para a
fatura do tabaco de folhas, com estampas exatas e fiéis em 1789; Memória sobre a
cochonilha no Brasil em 1790 e Memória sobre o malvaísco do distrito da vila de
Cachoeira no Brasil em 1791. O historiador Amaral Lapa na década de 1970, em trabalho
sobre a economia colonial, foi o primeiro a tratar de Amorim e Castro.118 Em capítulo
dedicado ao estudo do tabaco ele se utiliza das memórias do bacharel e ainda publicou uma
memória que permanecia manuscrita de Amorim e Castro dirigida ao duque de Lafões119,
presidente da Academia de Ciências: Memória sobre as espécies de tabaco que se cultivam
na Vila da Cachoeira com todas as observações relativas a sua cultura, fabrico e
comércio, e com a breve descrição botânica das mesmas espécies datada de 1788. Todavia
esta memória permaneceu inédita, sem atinarmos pelo motivo já que Amorim e Castro
parecia ter facilidade para publicar seus escritos na instituição.
A atuação profícua como naturalista do jurista na colônia rendeu diversos escritos
sobre o aproveitamento econômico das produções locais, nomeadamente o tabaco,
cochonilha, malvaísco, madeiras e outros produtos botânicos em menor escala. Seu
desempenho não passou despercebido às autoridades competentes: o próprio ministro
Martinho de Melo e Castro, nas Instruções do Ministro Martinho de Melo e Castro para o
vice-rei Luis de Vasconcelos, faz referência a Joaquim de Amorim e Castro. Este “não
deveria ser deixado no esquecimento, pois dedicara-se com o maior zelo ao fomento da
cultura e fabrico do fumo em Cachoeira, na Bahia, onde era juiz de fora”.120 A referência
atesta a distinção que o bacharel obteve no desempenho de suas funções como naturalista e o
117 Carta enviada à Academia de Ciências de Lisboa. ACL. Apud. PATACA. op. cit. p. 370.
118 LAPA. op. cit. p. 187-213. Porém o estudo de Lapa é exclusivamente sobre a economia do tabaco no período colonial, em nada se aproximando dos estudos recentes sobre os funcionários-cientistas.
119 O Segundo duque de Lafões foi sócio-fundador da Academia Real das Ciências de Lisboa e presidente perpétuo nomeado pelos membros da instituição. Seu cosmopolitismo e erudição o faziam admirado e muito respeitado, foi membro da Sociedade Real de Londres, viajou pela Europa e Oriente, ocupou cargos políticos e militares em diversas ocasiões, inclusive fora de Portugal.
120 VARNHAGEN. Apud. DIAS. op. cit. p. 55.
33
amparo do ministro.
Contribuindo largamente às aspirações fomentistas da Coroa e ao aprimoramento
da agricultura Amorim e Castro dedicou boa parte de sua atenção à produção de tabaco
sendo, ele mesmo, produtor. O tabaco ganhou importância na economia da colônia brasileira
em meados do século XVII se tornando o segundo produto de maior interesse estatal. Mas
foi no século XVIII que sua importância atingiu o ápice, especialmente nas últimas três
décadas em que sua difusão e consumo mundiais apresentavam índices expressivos
alcançando os quatro cantos do mundo.121 Amorim e Castro em sua Memória sobre o
tabaco122, de 1788, dirigida à rainha, ressalta a importância do gênero na localidade como o
principal ramo e sua superioridade comparada a outras regiões, e que, por isso “se faz digno
das mais prontas providências para evitar as ruínas que são necessárias conseqüências, uma
vez que se deixarem a negligência dos lavradores” “e ambição de outros indivíduos” que
agem de forma inescrupulosa em detrimento da Coroa.
O caráter utilitário está presente na memória. Apenas na sua introdução faz uma
breve descrição da vila com suas produções e características gerais não se detendo na
descrição da população local. Nas descrições geográficas o território é delimitado pela rede
hidrográfica de extrema importância para a dinâmica agrícola e urbana da vila de Cachoeira
“de que todos os moradores se servem”: “he banhada pela C.te do Sul pelo Rio Caguente q.
corre despenhando se p.r grandes rochedos a meterse no m.mo Rio Paraguassu; pela p.te do
Norte pelo Rº Capapina, e pelo centro pelo Rio Pitanga q. todos correm a engrossar sobre o
Rio Paraguassu”. Refere-se aos naturais como “aptos, e capazes para as artes e ciências, mas
atualmente destituídos pela maior parte da cultura necessária, e por isso pouco
industriosos”123 “a quantos erros não se acham sacrificadas a cultura e manufatura deste
gênero pela total inércia e falta de observações dos mesmos lavradores”.124 Depois realizar a
experiência ponderou sobre o método de como se deve proceder para obter um produto de
melhor qualidade que vai desde o preparo da terra até a finalização do produto e seu destino
121 LOPES. Gustavo Acioli. Correntes de Fumaça. REVISTA DE HISTÓRIA DA BIBLIOTECA NACIONAL. Ano I. N°8. Fev./Mar. 2006 p. 65-69.
122 CASTRO. Memória dirigida á Rainha D. Maria I pelo Juiz de fóra da Villa da Cachoeira Joaquim de Amorim Castro, sobre a agricultura, preparação e conservação dos tabacos que constituem o principal ramo de commercio da Capitania da Bahia. AHU, Bahia, n.12.985. Pela análise dos documentos esta memória é uma versão da memória dirigida à Academia de Lisboa publicada por LAPA. op. cit. p 215-229.
123 CASTRO. Memória sobre as espécies de tabaco que se cultivam... op. cit.
124 AHU, Bahia, n. 12.985.
34
que é a exportação. Recorrendo o tempo todo à atenção e vigor com o cultivo e a observação
do tabaco considerando que “é necessário fazer ver aos Lavradores as regras conforme o
princípio verdadeiro da Agricultura”. Amorim e Castro mostra sua erudição ao citar
referências na área da agricultura, mas para discorrer sobre o assunto, tratou de “se
acomodar aos termos da Agricultura do país”. Deve-se estar atento ao fator de que as
memórias produzidas por esses cientistas-funcionários são representações construídas por
eles a partir da realidade vivida. Para Roger Chartier a representação é apenas uma
referência do fato real, porém devemos nos aproximar dela para nos aproximarmos do fato
em si.125 Nos relatos deixados pelos naturalistas há todo um caráter de busca pela
cientificidade dos textos mostrando estritamente os objetivos a que se dedicam.
Amorim e Castro persiste na questão do tráfico e do mau beneficiamento do
tabaco como causa principal da decadência do produto além da incerteza de preços que a
Mesa de Inspeção lhes taxa. A má qualidade ocorria com a antecipação da colheita e
beneficiamento do produto em condições prematuras o que fazia com que muitas vezes o
tabaco chegasse ao seu destino podre, impróprio para o consumo “com notória deterioração
da fé pública da Casa da Real Arrecadação desta Capitania.”, porém vendidos a preços
vantajosos. Estimulado pelos “atravessadores” “ambiciosos” que frequentemente
monopolizavam o comércio do produto, pois ofereciam preços vantajosos, os produtores se
viam coagidos com “total prejuízo, e reputação deste atendível ramo do comércio” nos
“diversos Portos da Europa.”126 Amorim e Castro propôs como solução o estabelecimento de
Casas Públicas de enrola com assistência de “administradores inteligentes” representando a
ordem da Mesa de Inspeção e a garantia de “um fixo e geral preço”. Mas, de acordo com
Amorim e Castro, isso só seria possível com a criação, na vila, de um magistrado
superintendente da agricultura do tabaco com as precisas e necessárias instruções de
História Natural, para poder promover mais acertadamente os interesses e aumento
desta agricultura, levando-a a um ponto de perfeição de que ela é capaz, dando as
providências econômicas para a melhor conservação do dito gênero; desta forma se
poderá conseguir a maior perfeição do mesmo que até o presente não é possível
obtê-la.127
125 CHARTIER, Roger. O mundo como representação. In: Estudos Avançados, RJ, n.11(5), 1991.
126 AHU, Bahia, n. 12.985.
127 AHU, Bahia, n. 12.985.
35
A relação juiz-cientista que Amorim e Castro faz como aptidões fundamentais para a
ocupação do cargo e a necessidade de racionalização do sistema burocrático para o bom
funcionamento indica a disponibilidade desse vassalo em se engajar nos serviços reais, seja
com seus conhecimentos como magistrado, seja como naturalista para o engrandecimento da
pátria. O juiz-naturalista ainda foi responsável pela introdução de mais duas
espécies cultivadas na, Virginia e Havana cujas sementes me forão enviadas pelo
Doutor Domingos Vandelli, e pela Secretaria do Estado dos Negócios do Ultramar
para se conhecer a grande utilidade que se podia obter introduzindo se no Brazil a
cultura das ditas especies que são as seguintes Nicotiana Glutinoza no Sistema de
Lineu e no Dicionario de materia Medica tomo 7, 703 denominada Tabaco do
Mexico. Nicotiana Fruticosa por Líneo, - e no mesmo Dicionario chamada Tab.° da
Virginia. 128
As experiências realizadas por Amorim e Castro, a maneira tradicional dos nativos,
em sua própria fazenda lhe fizeram ver que ambas as espécies diferiam das espécies nativas
em sua qualidade se mostrando bastante superior e por isso merecendo atenção dos
produtores locais.
Todas estas amostras não só forão cultivadas; maz tão bem preparadas, e fabricadas
do mesmo modo, com que os Naturaes, beneficião a nossa especie, para se vir no
verdadeiro conhecimento da bondade comparativa das sobreditas especies, e
amostras.129
O tabaco foi um artigo que mereceu a atenção de Amorim e Castro em toda a sua
trajetória justamente por ser, ele mesmo, um produtor na vila de Cachoeira. A
experimentação e cultivo de novos gêneros era uma prática que exigia tempo e fixidez em
um espaço de terra realizado essencialmente por naturalistas que vivessem nas colônias,
principalmente fazendeiros, como também o fez o baiano Manoel Arruda da Câmara.130 É
ainda bastante plausível que a referência a nova “imprensa cilíndrica” de tabaco,
mencionada na memória, tenha sido inventada e aperfeiçoada pelo próprio Joaquim de
128 CASTRO. Memória sobre as espécies de tabaco que se cultivam... op. cit.
129 Carta de Joaquim de Amorim e Castro para Domingos Vandelli, Cachoeira, 16 de março de 1791. AHU, Bahia, n.14.294.
130 PATACA. op. cit. p. 373.
36
Amorim e Castro. Como o fizeram alguns de seus companheiros naturalistas Manoel Arruda
da Câmara e João Manso Pereira que desenvolveram e aperfeiçoaram máquinas agrícolas. 131
Mas “sem perder de vista aquellas observaçoens, que me parecem mais uteis ao
Estado a fim de que merecendo aprovação de V. Ex° se ponhao em execução.”132 O envio
constante de remessas à metrópole, produto de suas diversas observações, bem o demonstra.
A pedido da Academia de Ciências de Lisboa, em 1796, o juiz ainda experimentou a cultura
de Algodão da Pérsia, tendo recebido as sementes da própria Academia, e que mostrava
“resultado interessante para que se consagram a V. Ex° os princípios desta mesma
agricultura”.133
Os espanhóis detinham o monopólio da cochonilha e entre os anos de 1769 a 1790 a
procura pelo produto atinge o seu auge134 Devido ao grande “ramo do comércio” e interesse
do governo português tanto para fornecimento de matérias-primas à indústria local, como
para reexportação a cochonilha mereceu atenção e estudo de Amorim e Castro.
Todo o mundo sabe o grande artigo de commercio, que fornece este genero aos
hespanhoes, os quaes tirão das suas conquistas hum prodigioso numero de arrobas
deste insecto e que pela utilidade visivel que representa ao nosso Estado o
estabelecimento de hum tão attendivel ramo de commercio, deve ser tratado com
toda a individuação e seriedade.135
Não foi à toa que Amorim e Castro se preocupou em se dedicar à sua produção. A
tinta extraída da planta era utilizada em vidros, porcelanas e, em sua maioria, em tecidos.
Sua memória sobre a cochonilha, publicada em 1790 pela Academia de Ciências, foi
131 PATACA. op. cit. p. 368.
132 AHU, Bahia, n.14.294.
133 Ofício do doutor Joaquim de Amorim e Castro ao governador e capitão-general da Bahia, D. Fernando José de Portugal solicitando incentivo à produção de tabaco e algodão, bem como aos seus ensaios na área de botânica. AHU, Projeto Resgate, Avulsos. Cd 24. Cx. 201. Doc. 14.447.
134 WHELING. Arno. O fomentismo português no final do século XVIII: doutrinas, mecanismos, exemplificações. p. 230.
135 CARTA do Juiz de fóra da Cachoeira Joaquim de Amorim Castro para Martinho de Mello e Castro, na qual se refere á seguinte memoria sobre a cochonilha (planta e insecto), a um apparelho paraprensar o tabaco e á sua obra Historia Natural do Brasil, cujo 1o volume enviava á Academia Real de Sciencias. Bahia, 27 de julho de 1789. AHU, Bahia. n.12.397.
37
significativa. Nela narra os processos utilizados para o cultivo da planta, a multiplicação dos
insetos, o preparo da tintura, a exemplo da exportada do México, e as medidas que o Estado
deveria tomar para incentivar os naturais a produzi-la, pois de acordo com Amorim e Castro,
estes não se interessavam pelo produto e não o aproveitavam por simples falta de
conhecimento. O conjunto de representações sobre o artigo enviado por ele continha texto,
imagem e coleção típicos da época.
A Cactus Tuna, assim classificada por Lineu, e conhecida entre os naturais pelo
nome de Palmatória se encontrava em abundância nos “contornos, e sertoens da Villa da
Cachoeira” o que facilitava a “execução deste importantíssimo ramo de comércio, sem que
seja necessário mais, do que procurar o meio de fazer olhar aos naturaes do paiz para este
objeto com utilidade.”136
De ordinario as terras mais seccas e incapazes para outras agriculturas são que
produzem a palmatoria fertilissima da cochonilha: a falta de utilidade que representa
n’este Estado do Brazil aquelles insectos, o incommodo com que os tirão das
palmatorias por falta de uzo e exercicio e a natural inercia a outras agriculturas, que
não sejão aquellas, que aprenderão dos seus maiores, são as verdadeiras causas que
impossibilitão aos naturaes a execução e adeantamento desta cultura e ramo de
commercio da villa da Caxoeira e seu termo.137
Porém o seu cultivo exigia exclusividade não podendo ser apenas complemento de
uma outra atividade o que talvez não tenha interessado aos “naturais”. Mas Amorim e Castro
garante que a produção racional da planta e inseto, Coccus cacti, voltada à exportação,
compensaria qualquer outro ramo desenvolvido na colônia. Sugeriu o estabelecimento do
preço e a cessão de privilégios e isenções aos lavradores como fundamental para o sucesso
da cultura. Sua garantia estava baseada na experiência mexicana e em observações de outros
naturalistas já consagrados como os enciclopedistas Du Fay e M. de Reamur que tiveram
bons resultados.138 Porém Amorim e Castro viu seus planos desmoronarem: seus projetos
para a cochonilha nunca foram adotados.139 A produção de novos gêneros na colônia foi
136 Carta do Juiz de fóra Joaquim de Amorim Castro, dirigida á Rainha, na qual lhe offerece a referida memoria sobre a cochonilha e o 1o tomo da sua Historia Natural do Brasil que lhe enviara por intermedio da Academia Real das Sciencias. Bahia, 27 de julho de 1789. AHU, Bahia, n.13.299. 137 AHU, Bahia, n.13.299. 138 AHU, Bahia, n.13.299.
139 WHELING. op. cit. p. 253.
38
caracterizada pelo fomentismo através dos agentes imperiais ilustrados e jamais pela
produção espontânea. Entretanto o elemento “empresário” faltou a Portugal e grande parte
do fracasso das medidas fomentistas pode-se atribuir à sua própria ausência.140
O apoio oficial também lhe faltou quando de sua tentativa de promover a produção
do “novo linho descoberto da planta conhecida pelos naturaes com o nome de malvaísco.”141
Amorim e Castro realizou algumas experiências que o levou a concluir que as cordas feitas
com o produto eram mais resistentes que a do linho e poderia substituí-lo no uso para as
velas nas embarcações. A abundância da planta na região e sua fácil colheita era outro fator
favorável à sua produção, mesmo assim não recebeu medidas de incentivo reais.
As investigações das madeiras causavam maior aceitação. As fibras encontradas nas
madeiras serviam, em sua maioria, para suprir o Arsenal Real da Marinha da Bahia; sendo
este ramo também abordado por outros naturalistas como Alexandre Rodrigues Ferreira em
sua Memória sobre a marinha interior, escrita em 1786.142
Quantas vantagens não póde o mesmo Estado tirar da grande abundancia de Páu
Brasil que nas mattas do Curralinho se encontra copiosamente do novo linho
descoberto da planta conhecida pelos naturaes com o nome de malvaisco? Das tintas
encarnadas da arariba, amarellas da amoreira e espinheiro, roxas do brazilete, páu
roxo e Genipapo? Do algodão, do café, cacáu, da salsa, do anil e da coxonilha? E
quantas não póde perceber das respectivas mattas, pela preciosidade e resistencia das
suas madeiras, principalmente dos Giquitibás, que difficultosamente se encontrão em
outros terrenos, de cuja bondade e preferencia nas matreações já tem a experiencia
decidido.143
Seu empenho pelas madeiras aparece na descrição detalhada na Relação ou memoria
sobre as madeiras que se encontram nas mattas do termo da Villa da Cachoeira e
140 WHELING. op. cit. p. 197.
141 Carta do Juiz de fóra da Villa da Cachoeira, Joaquim de Amorim Castro para Martinho de Mello e Castro, na qual se refere á descoberta do linho extrahido da planta malvaisco, á sua memoria sobre as madeiras das mattas da Cachoeira e ao seu tratado sobre o fabrico do tabaco. Cachoeira, 10 de julho de 1790. AHU, Bahia n.13.766.
142 PATACA. op. cit. p 372.
143 AHU, Bahia, n.13.766.
39
principalmente nas mattas dos Giquitibás144 de 1790, acompanhada de amostras das
madeiras e seus respectivos desenhos reunindo um total de 46 espécies “acompanhada de
quarenta e seis estampas aguareladas, feita pelo juíz de fora”.
Páos os mais proprios p.a as Mastriaçoens; Com todas as observaçoens pertencentes
ás suas quaLid.es, rezistencias, grosuras, alturas, uzos, e aplicaçoens particulares,
Com estampas illuminadas, e feitas a vista das mesmas Arvores; e juntam.te todas as
suas Amostras; p.a q’ V. Ex.a se digne ve-la, e examinala; dezejando Sempre
enterterme em objetos uteis ao Estado, e q’ Sejão do agrado e gosto de V. Ex.a
Em 1788 na memória sobre o tabaco Amorim e Castro já mencionava sua
observação das madeiras da região. Além do objetivo prático de aplicação nas embarcações
ele descreve várias qualidades de madeira destinada a moradias, mobília e faz ver o uso que
os naturais praticam das madeiras também na área medicinal. Porém
se acazo os seus habitantes fossem mais industriozos, e nam sacrificassem
continuamente ao fogo matas de grande ponderaçam, e utilidade: querer mostrar a
utilidade, que o Estado tira da sua conservacão, era cansarme [borrado] huá verdade
inteiramente conhecida, cujos rezultadoz de interesse, e utilidade todos os dias
vemos. As Nasçõens illuminadas da Európa, e os Povos, que habitam as margeñs do
Baltico, tem feito ver de quanta vantagem nam sejam ellas para a coñstrucção dos
importantes vazos, que formam as suas respectivas Marinhas, e nos mesmos temos
adquirido pela propria experiencia estes tão vantajozos conhecimentos.145
Sobre sua História Natural diz ter sido motivado a empreendê-la para “excitar a
emulação” de seus compatriotas contendo o primeiro tomo descrições de “animais, aves,
anfíbios, peixes, da palmatória, salsa e tabaco com observações relativas ao comércio, as
artes e ao Estado” e o segundo “estampas iluminadas fiéis a vista dos mesmos animais.”146
Objetos dignos de subirem à Real presença da Real Majestade pelas utilidades visíveis.
144 AHU, Bahia, n.13766.
145 AHU, Bahia, n.13766.
146 Carta de Joaquim de Amorim Castro ao príncipe regente, [D. João], solicitando protecção e acolhimento na realização de ensaios e experiências de Botânica na capitania da Bahia. 1796, Março, 15, Cachoeira. AHU, Bahia. Projeto Resgate, Avulsos, CD 25, CX 202. Doc. 14476.
40
Entretanto, as fontes consultadas não proporcionaram uma análise detalhada da História
Natural de Amorim e Castro.
A diversidade de objetos de que se ocupou o juiz naturalista mostra seu
cosmopolitismo e campo de atuação como agente do império trazendo soluções esclarecidas
para um povo pouco “industriozo” através dos resultados de suas aplicações durante os
“intervalos de descanso, que o real serviço” 147 o permite.
O ardente desejo de me aperfeiçoar nestes ensaios para mais dignamente mesmo
preparar no Real Serviço suprirá o defeito da obra. V. Ex° que sabe apreciar com
inteligência o conhecimento das Ciências Naturais será o mecenas que preciso para
chegar prostrado aos reais pés de Sua Alteza Real ao fazer em testemunho da minha
fidelidade os débeis ensaios dos meus trabalhos. Se eu tiver a fortuna de merecer o
acolhimento, a proteção da V. Ex°, animoso empreenderei por em execução todas as
minhas observações botânicas por ter a honra de dedicar e fazer a V. Ex°.148
O acúmulo das funções de naturalista e funcionário da Coroa era um problema
enfrentado no Império Português. Em diversos casos são relatadas reclamações a esse
respeito. O que não parece ser o caso de Joaquim de Amorim e Castro que apesar de afirmar
seu “ardente desejo” de aperfeiçoamento como naturalista e que suas atividades como tal são
realizadas durante os intervalos que a função de juiz o permite não reclama da situação. Mais
parece que Amorim e Castro se utiliza da História Natural para a concessão de cargos e
títulos como recompensa pelos trabalhos reais. O que era costume corrente em todas as
nações do Antigo Regime: as dádivas ou graças reais estavam sempre presentes na vida de
qualquer funcionário real.
2.2 – AS ATRIBULAÇÕES E A HONRA DO BACHAREL NATURALISTA.
Como a grande maioria dos bacharéis naturalistas Amorim e Castro se viu envolvido
em apuros ao entrar em conflitos com poderosos da vila da Cachoeira, assim como Baltazar
da Silva Lisboa que teve uma trajetória muito similar atuando em Cabo Verde e no Rio de
Janeiro. Ao sair da Universidade de Coimbra, certamente os bacharéis tinham idéia da sua
competência profissional e das alianças políticas necessárias para alcançar seus objetivos.
147 AHU. Bahia. Projeto Resgate. Avulsos, CD 25, CX 202. Doc. 14476.
148 AHU, Bahia. Projeto Resgate. Avulsos, CD 25, CX 202. Doc. 14476.
41
Afinal o espaço que ocupariam não estava dado. O fato de que o personagem do funcionário-
naturalista era algo novo na cena político-administrativa portuguesa e os conflitos nos quais
essa primeira geração de cientistas esteve envolvida por conta disso fez parte dos esforços
que estes tiveram de fazer para construir socialmente sua identidade em um quadro
burocrático bastante particular.149 Este novo servidor vinha revestido de uma autonomia que
não estava muito clara: o saber científico, o direito de opinar na burocracia local e o contato
direto junto às autoridades metropolitanas. Os juízes de fora eram magistrados escolhidos
pelo monarca para melhor administrar a justiça do povo e controlar as decisões dos juízes
ordinários atuando como instrumento da Coroa no controle das decisões tomadas pelos
juízes locais no longínquo ultramar. O de juiz de fora era um homem letrado, bacharel em
leis e instruídos no direito romano enquanto os juízes ordinários cuidavam da justiça pelo
direito costumeiro, que frequentemente desagradavam a Monarquia e aos juristas da Coroa
por serem levados, muitas vezes, por afeições e ódios.150
Investigando as grades jurídicas e institucionais das hierarquias sociais, vários
autores mostraram a existência de poderes concorrentes entre si, que lutavam pela obtenção
de terras, títulos, ofícios e privilégios comerciais. Hespanha definiu como “pluralidade de
tipos de laços políticos”151 esta rede de poderes. A heterogeneidade destes laços impedia o
estabelecimento de uma regra uniforme de governo colonial e ao mesmo tempo criava
limites ao poder da Coroa ou dos seus delegados. Principalmente se tratando de um Império
tão vasto como o português em que podia levar meses para se ter um parecer da realeza. A
centralização não pode ser real sem um quadro legal geral e não pode ser efetiva sem uma
hierarquia por meio da qual se possa chegar à periferia. Da existência de laços da hierarquia
funcional é que depende a sua eficiência. Ou seja, o poder do governo estava limitado
devido a este controle difuso ao qual estava subordinado. A passagem a seguir ilustra bem a
questão da limitação do poder central.
O quanto é poderoso qualquer ministro para perder um homem quando se dispõem a
isto por motivos particulares, está visto por desgraça nossa repetidas vezes neste
149 PEREIRA, Um naturalista num ninho de cobras....op. cit. p.35.
150 RAMINELLI, Baltazar da Silva Lisboa. A honra e os apuros... op. cit. p.3. 151 HESPANHA, Antonio Manuel. A constituição do Império Português: revisão de alguns enviesamentos correntes. In.: BICALHO, Maria Fernanda, FRAGOSO, João, et alii. O Antigo Regime nos trópicos. A dinâmica imperial portuguesa (séc. XVI-XVIII). Civilização Brasileira : Rio de Janeiro, 2001. p.9.
42
Reino, mas isto não tem comparação alguma com o que podemos do Ultramar onde
a distancia da V. Magestade os tem seguros, daquele imediato Castigo com que se
viam punidos se na mesma hora lhe fossem presentes os seus delitos e as suas
absolutas: o largo tempo, que se passa em ver uma queixa, em ver informada, e em
ter despacho faz ordinariamente inútil o recurso pois quando chega a providência
umas vezes já o ministro tem acabado o seu lugar; outras, já tem morrido o queixozo
perseguido; outras já o seu mal se acha em tal aumento que não tem remédio.
Infelizes vassalos que nascendo onde nasce o ouro, que faz brilhante e invencível a
Coroa Portuguesa não podem ajoelhar pessoalmente perante ela a pedir socorro,
quando os poderosos ministros daquele continente sem respeito às leis de que vão
ser executores, em lugar de juízes são Verdugos de todos que se lhes não unem aos
seus perversos partidos!152
Perceber a verdadeira dimensão de seu estatuto e os seus limites deve ter sido um
impacto para esses novos funcionários, afinal passavam a ser um membro a mais na
complexa rede de hierarquias locais onde os nichos de poder eram disputadíssimos.153
Em apenas três meses após a posse de Amorim e Castro os vereadores de Cachoeira,
através de uma representação dirigida à rainha, o acusaram de atos ilícitos e de improbidade
devido ao seu estatuto. De partida estes representantes da Câmara, que eram quatro, se
mostram insultados com o tratamento recebido do juiz que não merecia mais que um
tratamento dado a um general.
Ele não somente nos trata em particular com displicência, e sem atenção alguma,
mas também em público, por mais reverentes que sejam as nossas cortesias apenas
faz um pequeno sinal de cortejo, qual se dignaria fazer um príncipe a um homem
peão e vil; e por não irmos em corpo de Câmara busca-lo a sua casa para o
acompanhar-mos na vinda e ida para a Casa da Câmara, além de nos repreender
publicamente, tem mandado prender alguns Camaristas, como sucedeu em dia de
Corpo de Deus, tomando para isso outros pretextos frívolos ou falsos.154
152 AHU, Bahia. Projeto Resgate. Avulsos. CD 25. Cx. 203. Doc. 14530.
153 CRUZ. Verdades por mim vistas e observadas... op. cit. p.194.
154 Representação da Câmara da Vila da Cachoeira dirigida à rainha contra o juiz de fora AC ao qual acusa de fatos graves no exercício de suas funções. 17 de Julho de 1787. AHU, Bahia. Projeto Resgate. Castro Almeida. CD 9. Cx. 62. Doc.12533.
43
O próprio D. Fernando confirma o “gênio forte, pouco capaz de sofrer ou disfarçar
qualquer coisa que contra ele se diga” mas não põem em questão o caráter de Amorim e
Castro e emenda:
como nela [na vila] exercita emprego público, não é de admirar, como a experiência
as vezes mostra que a seu respeito se tenha fomentado e suscitado certas intrigas e
inimizades.155
Em 1797 os camaristas fazem crítica do protecionismo dado Amorim e Castro pelo
governador, que ao não enxergar as suas verdadeiras atitudes permite que as injustiças
continuem.
É tão feliz o juiz de fora que até tem tido pessoas de autoridade que o apoiassem
para com o excelentíssimo General [D. Fernando], que não vê nada do que se lhe
expõem, antes diz que o povo é mau, por [ileg.] sem numero de prisões, denuncias, e
perturbações, quase tem armado nesta vila, ouvidoria da comarca e do crime da
relação, sem advertir que o mesmo juiz de fora é o principal autor delas e seus sócios
os agentes. É certo senhora, que se vieram tirar informações de queixas dos
particulares; porem se o juiz de fora não foi canonizado, pouco menos: logo que
apareceu o ministro se pos um pasquim na porta do juiz de fora que quem jurasse ou
falasse contra ele aí vinha logo perde-lo: atemorizado o povo, e tendo a notícia que o
Ex° General o protegia todos [ileg.] a verdade: e os que sem medo [ileg.] se
escusaram e por esta forma parece a [ileg.] e a grande vila da Cachoeira será
arruinada sem remédio por um próprio patrício dela que logo que se recolher a ela
reforçará, e renovará os seus costumados despotismos e opressões dos habitantes. 156
Para não terem de enfrentar os seus “despóticos atos”, alguns moradores chegaram
mesmo a se retirar da vila para não presenciarem alguma “ruína” proporcionada pelo juiz
como sucedeu ao “Capitão Mor Antonio da Rocha Pita, ao Doutor Francisco Gomes Pereira
Guimarães e o Marechal Joze de Almeida”, como se vê pelos seus cargos, pessoas influentes
na elite e na burocracia da vila. Durante os onze anos, de 1787 a 1798, em que Amorim e
Castro atuou como bacharel em Cachoeira ocorreram denúncias e defesas, escândalos
155 AHU, Bahia. Projeto Resgate. Avulsos. CD 25. Cx. 203. Doc. 14530.
156 Representação dos moradores da vila de Cachoeira, na capitania da Bahia, em que se queixam dos crescentes desmandos do juiz de fora, Joaquim de Amorim Castro, e pedem providências. AHU. Bahia. Projeto Resgate. Avulsos CD 25. Cx. 205. Doc.14625.
44
públicos, representações, pedidos de devassa, contendas envolvendo moradores, vereadores,
ouvidor, desembargador, eclesiásticos, governador e o Conselho Ultramarino.
O envolvimento com as obras de um chafariz data desta primeira representação dos
vereadores. A princípio Amorim e Castro teria apenas embargado a obra que já havia sido
iniciada muito antes de sua gestão e por fim foi abandonada pela comarca por não poder com
a despesa157. O juiz teria, posteriormente, solicitado ao corregedor da comarca, que o
atendeu, para continuar as obras, que desviavam as águas do Rio Pitanga, do qual todo o
povo utilizava, em favor de um engenho seu que “se meteu a fazer” “á custa do povo”
desviando escravos, materiais e perdendo as lavouras. O engenho ainda era composto por
escravos não pagos. Desconfiando de denúncia “fez uma venda fantástica dele ao seu
tesoureiro da câmara” como se a dona fosse uma irmã sua. 158
Como resposta a representação, em 1788, a Câmara e o “povo” remetem uma carta à
rainha expressando o “geral contentamento” da nomeação do juiz de fora.
Exaqui Snrª as qualidades q ornão ojusto magistrado q V. Mag. comtanta
providencia houve denosmandar para nos tranqüilizar das grandes dezordens, e
publicas perturbaçõens, econtinuos vechames, que todo este Povo tam
frequentemente sofria.159
Na longa carta em reconhecimento dos grandes benefícios que um “magistrado sábio,
reto, inteiro, desinteressado” somente aplicado a fazer permanecer o sossego público e a
observação das leis do país, como Amorim e Castro, consta uma média de 70 assinaturas.
Nada mal. Nela manifestam a desordem e confusão que a vila se encontrava e a decisão
acertada da coroa ao escolher o dito juiz que “portava-se como um verdadeiro pai na
administração” como nunca presenciado naquela região. Refutando a acusação sobre
Amorim e Castro por ter sido feita por “quatro indivíduos mal contentes por se verem
quartados das suas desordens e prepotências que praticavam, com todo este Povo, sendo
estes os maiores perturbadores do público sossego de toda esta vila.”160 O caso se confirma:
157 AHU, Bahia. Projeto Resgate. Castro Almeida. CD 9. Cx. 62. Doc.12533. 158 AHU, Bahia. Projeto Resgate. Castro Almeida. CD 9. Cx. 62. Doc.12533 e Carta da Câmara da vila de Cachoeira à rainha [D. Maria I] em que se queixa do juiz de fora, Joaquim de Amorim e Castro e pede providências. 25 de Setembro de 1797, Cachoeira. AHU, Bahia. Projeto Resgate. Avulsos. CD. 25. Cx. 209. Doc.14758.
159 AHU, Bahia. Projeto Resgate. Avulsos. CD 24. Cx. 192 n. 13941.
160 AHU, Bahia. Projeto Resgate. Avulsos. CD 24. Cx. 192 Doc. 13941.
45
os reclamantes da atuação de Amorim e Castro foram basicamente os mesmos representantes
da câmara que formando “corporação” promoveram intrigas contra o juiz.
A partir de então Amorim e Castro intensificou o envio de remessas e memórias à
rainha e ao secretário recorrendo aos mesmos recursos empregados por outros naturalistas.
Envia, em 1788, a Memória sobre as espécies de tabaco para o duque de Lafões, presidente
da Academia de Ciências, que permaneceu inédita. Mas em 1789 é premiado pela sua
Memória sobre a cochonilha. Como condecoração recebeu uma medalha “esculpida em
pedra dentro de um Ovo de Ema” a qual ofertou a D. Fernando José de Portugal, governador
da Bahia161. Uma demonstração de amizade do juiz de fora que lhe garantiu o livramento de
várias acusações dos seus inimigos. Como os demais naturalistas de sua época, ao iniciar os
trabalhos de coleta e estudos de espécies, Amorim e Castro estava subordinado ao
governador da capitania. Seriam essas autoridades responsáveis por prover tudo que fosse
necessário aos exploradores, além de atuar como intermediários entre os naturalistas e o
secretário Martinho de Melo e Castro. Manter uma boa relação com os governadores era um
grande ponto a favor.
Era muito oportuno enviar um agrado à soberana mostrando que era um fiel vassalo e
que “todo o seu empreendimento é apenas para a utilidade e bem da nação com a intenção de
promover e adiantar a felicidade dos Portugueses”.162 Muito conveniente, pois neste período
Portugal não desejava a distinção entre os nascidos em Portugal e os habitantes das colônias,
fossem descendentes de portugueses ou não e ser acusado de sedição era coisa grave. Em
tempos de insubordinação a estratégia política de um Império que formasse uma só unidade
foi reforçada por D. Rodrigo de Sousa Coutinho. Para Cruz a metrópole e seus territórios
ultramarinos faziam parte de uma grande zona de contato, “na medida em que cada um
desses territórios, em graus variados, constituiam-se em centros de difusão e assimilação de
práticas que se tornariam mais ou menos comuns entre eles.”163 Como foi a política de
cooptação das elites coloniais que instruídas ocuparam cargos administrativos importantes
nas várias partes do ultramar atuando como exatos agentes imperiais. Ou ainda uma simples
161 AHU, Bahia, Castro Almeida n. 13.308. Ofício do governador D. Fernando José de Portugal para Martinho de Melo e Castro, Bahia, 1 de agosto de 1789. Apud. RAMINELLI. Viagens ultramarinas... op. cit. 207.
162 Carta do juiz de fora da vila de Cachoeira Joaquim de Amorim e Castro à rainha [D. Maria I] sobre a cochonilha e a sua cultura no termo e sertão da referida vila. AHU, Bahia. Projeto Resgate. Avulsos. CD 24. Cx. 193 Doc. 14.000.
163 CRUZ. Verdades por mim vistas e observadas... op. cit. p.197.
46
questão de pertença. Amorim e Castro em seus escritos sempre se refere aos nativos como
“pouco industriosos” a quem somente a instrução das luzes pode regenerar.
Ainda em 1789 dá início a sua História Natural, dedicada à rainha, movido
unicamente a “excitar a emulação dos meos compatriotas” e vê o seu plano como o mais
amplo e digno de ponderação onde sacrificou os seus trabalhos para fazer ver aos
compatriotas as utilidades que o Brasil pode fornecer:
Os conhecimentos das ciências naturais são os que habilitam os homens a estas
descobertas; o tempo, e a experiência irão mostrando a utilidade destes estudos que
com tanta gloria e eficácia a coroa promove. 164
O magistrado-filósofo usou muito bem da História Natural para manter sua proteção
e prestígio entre as autoridades servindo de trunfo por toda a sua carreira.
As intrigas envolvendo Amorim e Castro aumentam a partir da década de 1790. Os
dissabores entre Amorim e Castro e o padre João da Costa Ferreira se dá através da
realização de uma devassa ao religioso já em “decrépita” idade. Segundo o acusador, João
Luiz Ferreira, filho do religioso, Amorim e Castro por “um auto de resistência engendrado
por ele sem cunhos nem cruzes”165 comete diversas arbitrariedades levado pelas suas
“paixões particulares”. O que ocorreu é que Amorim e Castro ao aplicar a devassa estava
lidando com poderosos locais. João da Costa Ferreira além de padre era também juiz
ordinário da vila, formado em Coimbra e, segundo Amorim e Castro, cometia suas
atrocidades com condescendência do vigário geral. 166
As acusações de agir por paixões e motivos pessoais partem dos dois lados. João
Luiz Ferreira nas representações feitas contra Amorim e Castro que, aliás, eram enviadas em
nome do “povo”, o acusou de diversos crimes contra a sua família.
Este mal intencionado ministro deu do dito padre João da Costa Ferreira, que tem
quase oitenta anos de idade, uma denuncia em nome de Antonio de Souza Estrela
pelos crimes de incestos e do uso de armas curtas para o que ele mesmo foi falar ao
Exm° Arcebispo infamando, e inimizando o dito padre, como bem lhe pareceu; e ele
164 AHU, Bahia. Projeto Resgate. Avulsos. CD 24. Cx. 193 Doc. 14.000.
165 AHU, Bahia. Projeto Resgate. Avulsos. CD 25. Cx. 203 Doc. 14.530. AHU, Bahia. Projeto Resgate. Avulsos. CD. 25. Cx. 205 Doc. 14.625.
166 AHU, Bahia. Projeto Resgate. Avulsos. CD 25. Cx. 203 Doc. 14.530.
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mesmo [ileg.] sim com cobiça daquela diligencia pessoalmente foi prender o dito
padre a sua casa para deste modo melhor satisfazer o seu estranhável ódio. 167
Amorim e Castro em representação de defesa envia certidões extraídas da Relação da
Bahia que dão a conhecer “a péssima conduta deste eclesiástico que já era infamado e
compreendido em uma devassa geral” em tempos de seu antecessor Marcelino e Silva e
“outro horrendo e antinatural crime de incesto de sua própria filha, e neta coabitando com
todas elas”168 sem nenhum pudor é conhecido por todos antes mesmo dele tomar posse na
vila. Outra questão que “decide o caráter deste eclesiástico” é a utilização de nomes falsos o
que usa e o de João Inácio da Costa com o qual assinou o “patrimônio”: Amorim e Castro
afirma “um dos dois princípios é falso”.
E não deixará se achar algum mal entendido do meu governo por terem sido
castigado pelos seus crimes, principalmente no decurso de nove anos que sirvo o juiz
naquela vila; e é natural e ódio dos réus contra os juízes que os castiga; penso que
terá calúnia de na presença de S. Magestade a minha retidão, e o meu desinteresse:
os homens públicos de ordinários estão sujeitos a estas e outras imposturas. Logo o
suplico a V. Ex° que no caso do dito padre João da Costa ou outros parentes do
mesmo hajam de por na presença de V. Ex° fatos menos próprios do meu bom
comportamento, seus documentos juntos não foram bastantes por desvanecer a
calúnia deste meu inimigo declarado pela razão do meu ofício.169
A presença desse novo funcionário causava desassossego. Seu poder de vocalização e
as ordens para serem servidos em tudo que precisavam despertava um clima de disputa de
poderes como dito acima.
Amorim e Castro tinha razão. O filho do padre insiste que Amorim e Castro “não
satisfeito porem ainda com essas tiranias, induziu a Manoel Inácio Barreto”, “comparsa” do
juiz de denunciar ele, João Luiz Ferreira entre outros “parentes do dito padre” de posse de
“armas curtas” testemunhados pelos seus próprios meirinhos atendendo o desejo de Amorim
e Castro. A denúncia teria sido dada perante o ouvidor do crime Feliciano da Silva, que
167 AHU, Bahia. Projeto Resgate. Avulsos. CD. 25. Cx. 205 Doc. 14.625.
168 AHU, Bahia. Projeto Resgate. Avulsos. CD 25. Cx. 203 Doc. 14.530.
169 AHU, Bahia. Projeto Resgate. Avulsos. CD 25. Cx. 203 Doc. 14.530.
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“estava pronto para tudo o que o juiz de fora quisesse, uma vez que fosse para receber
dinheiro”.170
Segue outras acusações onde o juiz Amorim e Castro teria aceitado denúncias falsas
por uso de armas de pessoas inocentes e que o fazia em “corporação” com seus amigos.171
Como pela dada a uma mulher chamada Vitória que foi espancada grávida, levando a perda
do filho, e estava presa injustamente e assim permaneceu, por dois anos, mesmo após a
presença do corregedor Gonzaga que estaria na vila justamente para fazer ver algumas
arbitrariedades. Com consentimento do juiz de fora que “apóia todos os desconcertos e
ladroeiras” o dito corregedor manteve impune criminosos de sua simpatia. De acordo com
João Luis Ferreira, Amorim e Castro cumpriu com sua obrigação apenas nos três primeiros
anos e nos conseguintes não conhecia “outro superior, ou outra lei, que não seja a sua
vontade”. A soberba de sua autoridade é caracterizada, em vários momentos, como despótica
e violenta chegando a recair sobre ele acusações de abuso sexual das donzelas da região: “O
catálogo das donzelas e órfãs defloradas na opinião do povo é grande”. 172
Finalmente tudo são aflições para o povo, que se vê desesperado com insolências e
despotismos a fim de empossar [ileg.], dizendo que: quando se chega a corte não lhe
perguntam se fez justiça, mas quanto leva; e que com dinheiro se defende de tudo o
que lhe quiserem armar, e sem ele fica em um canto ainda que seja santo no lugar;
mas este pretexto ele mesmo o qualifica de afetado confessando, como confessa, que
quando V. Maj. o nomeou para esta vila nada tinha de seu, antes devia quantia
avultada.173
Afora os problemas com a administração Amorim e Castro tinha fama de irreligioso.
Devendo ele ser “o primeiro em dar bons exemplos ao povo, principalmente no que respeita
a Santa Religião” o faz contrariamente “foge dos cultos divinos, sem jamais ser visto ouvir
missa”. Causando falatório: “algumas pessoas dão noticia que ele dissera, que isto de inferno
são patranhas” e “abstinência não conhecia, comendo carne até na quaresma” fato que seus
próprios escravos contavam ao povo, com “notável escândalo”. João Luis Ferreira em sua
170 AHU, Bahia. Projeto Resgate. Avulsos. CD 25 Cx. 205 Doc. 14.625.
171 AHU, Bahia. Projeto Resgate. Avulsos. CD. 25 Cx. 205 Doc. 14.625; CD. 25 Cx. 209 Doc. 14.758.
172 AHU, Bahia. Projeto Resgate. Avulsos. CD 25. Cx. 209 Doc. 14.758 e AHU, Bahia. Projeto Resgate. Avulsos. CD 25. Cx. 205 Doc. 14.625.
173 AHU, Bahia. Projeto Resgate. Avulsos. CD. 25 Cx. 209 Doc. 14.758.
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representação ainda relata que tendo Amorim e Castro comprado “umas casas na rua direita
da matriz, numa parede das quais estava uma imagem de Nossa Senhora perante quem o
povo todas as noites entoavam o terço” mandou retirá-la imediatamente para que não fosse
mais incomodado com “semelhante coisa”. Caso mais grave ocorreu em uma ocasião
quando passava pela Bahia. Sua filha “enfermou gravemente” e o vigário foi chamado a
confessar e sacramentar a moça de dezesseis anos, porém se viu impossibilitado, pois a moça
nunca havia assistido a uma missa e muito menos confessado. Um escândalo já que
moravam ao lado da igreja. O fato foi abafado pelo padre Manoel Bernardino, amigo de
Amorim e Castro, que confessou a “inocente” e a preparou para o sacramento “encobrindo a
irreligião do pai”.174 O que leva os representantes da câmara a afirmar
Daqui [da vila] não podem deixar de nascer desordens na república, pois tirado o
vínculo da Santa Religião que faz os homens tementes a Deus e obedientes ao
príncipe e suas leis, acabou-se tudo.175
A razão era a peça chave do pensamento iluminista, porém tinha de passar por um
processo de legitimação na mentalidade conservadora portuguesa. A Inquisição via com
desconfiança as atividades dos naturalistas que geralmente eram associados à maçonaria.
Hipólito da Costa Ferreira também bacharel naturalista egresso de Coimbra, ocupando cargo
na Imprensa Régia, sentiu na pele a perseguição sendo inclusive preso pela instituição.176
Além do mais a Igreja Católica também fazia parte da complexa hierarquia administrativa do
além mar, ser irreligioso era sinônimo de conflito.177
Em dezembro de 1797, o governador D. José de Portugal, atendendo solicitação da
rainha178 sobre o caso, enviando cópias das representações de ambas as partes, “uma exata
informação de tudo o que se achasse a este respeito”. D. Fernando confirma, através de
documentos, o “péssimo caráter” do religioso João da Costa Ferreira e de seu filho, o pardo,
João Luis Ferreira e que as denúncias e acusações sobre Amorim e Castro e os oficiais
174 AHU, Bahia. Projeto Resgate. Avulsos. CD 25. Cx. 205 Doc. 14.625 e Cx. 209 Doc. 14.758.
175 AHU, Bahia. Projeto Resgate. Avulsos. CD 25. Cx. 205 Doc. 14.625 e Cx. 209 Doc. 14.758.
176 CRUZ. Verdades por mim vistas e observadas... op. cit. p 50 e 172.
177 HESPANHA. A.M. Estruturas político-administrativas do Império Português. 2001. In. BICALHO. Maria Fernanda; FERLINI. Vera Lúcia Amaral. (org.) Modos de Governar. Idéias e práticas políticas no Império português séculos XVI-XIX. Ed. Alameda. São Paulo, 2005.
178 AHU, Bahia. Projeto Resgate. Avulsos. CD 25 Cx. 205 Doc. 14.656.
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“parciais amigos do juiz” “antes se mostram caluniosos” e a origem das “contas dadas em
desabono do juiz de fora” se deram devido ao cumprimento da devassa de resistência
dirigida ao padre por motivo anterior a presença do juiz. O mesmo padre, a quem o
Arcebispo “o tem em muito má reputação” confirmando suas “culpas”, fora absolvido pelo
Juízo Eclesiástico e se encontrava em liberdade. Apesar do gênio forte de Amorim e Castro,
D. Fernando o isenta das acusações que diz serem provocadas unicamente pelo cumprimento
que suas funções como funcionário da coroa exigem e sugere, como solução às intrigas
infundadas, a transferência do juiz:
as queixas, e representações que chegaram a presença de V. Majestade se não
verifiquem e sejam caluniosas contudo, como este ministro serve naquele distrito há
perto de onze anos, e as intrigas das pessoas que estão pouco afeiçoadas continuam,
de que passem pleitos e litígios, seria conveniente, que V. Majestade ?? nomeasse
sucessor, provendo-o contudo em outro qualquer lugar, ou emprego, de que se faz
merecer.179
Em agosto de 1798 Amorim e Castro foi destituído de seu cargo devido a uma
suposta sedição chefiada por ele. Certamente essa acusação não teve boa repercussão para o
doutor em leis. Motivo pelo qual ele escreveu ao secretário de Estado D. Rodrigo de Souza
Coutinho para se retratar e queixar-se de tais calúnias180 assim como solicitou certidões que
comprovassem o cumprimento das ordens enviadas dos tribunais e autoridades. Dentre um
dos testemunhos há um atestado concedido em 1800 por Pina Manique, intendente geral da
polícia, comprovando que o bacharel Amorim e Castro durante o tempo em que serviu
“cumpriu as ordens que lhe foram expedidas por esta Intendência”.181 O novo juiz de fora da
vila de Cachoeira, João da Costa Carneiro foi responsável pela sindicância que durou dois
anos. Ao fim se descobriu o verdadeiro promotor das denúncias sendo um presbítero, José
Teixeira, que entre seus pertences possuía “uns versos por ele compostos sumamente
injuriosos ao juiz de fora”.182
179 AHU, Bahia. Projeto Resgate. Avulsos. CD 25 Cx. 209 Doc. 14.758.
180 AHU, Bahia, Castro almeida, n. 17443 Carta de Joaquim de Amorim e Castro para D. Rodrigo de Sousa Coutinho... Bahia, 15 de setembro de 1797. Apud. RAMINELLI. Viagens ultramarinas... p 208.
181 AHU, Bahia, Castro Almeida, n. 21792-806. Requerimento de Joaquim de Amorim e Castro... sl e sd. Apud. RAMINELLI. Viagens ultramarinas... p 208.
182 AHU, Bahia, Castro Almeida, n 20888. Ofício do governador D. Fernando José de Portugal... Bahia, 2 de
51
Mas seu destino não foi decidido somente por estes esclarecimentos. Em março de
1800 o Conselho Ultramarino dá um parecer sobre as atribulações anteriores à denúncia de
sedição e as considerou odiosas, fruto das presunções de Direito “que autorizam o seu bom
serviço”. Baseado nas informações do governador D. Fernando e do desembargador ouvidor
da comarca Joaquim Antonio Gonzaga – outrora acusado de “amigo parcial” do juiz –
Amorim e Castro “ocupou com préstimo e honra” os cargos de juiz de fora e provedor dos
defuntos e ausentes. O fato de Amorim e Castro ser amigo dos dois ao invés de causar “um
indubitável conceito de sua inteireza” forneceu provas de que a sua boa conduta fosse
“venável”. Apesar de sua altivez Amorim e Castro, que ao ver do conselho justificou a
atitude de defesa dos suplicantes para não serem “punidos maiormente e sem processo”, foi
considerado um homem honrado. Entretanto o conselho passa a decisão de resolver o destino
do ex-juiz a Vossa Alteza Real, e acha conveniente que “este ex-juiz de fora não seja
contemplado ou proposto ao futuro nas consultas dos lugares de letras do Estado do Brasil”.
A “parte menor” João Luis Ferreira, que viu frustrada sua petição de expulsão do ex-juiz, um
pequeno castigo o qual não é esclarecido. 183
A administração por intrigas não era uma prática nova. Já no Antigo Regime ela era
largamente utilizada por todas as nações européias com colônias distantes como um modo
possível de governação, de obter várias versões sobre um mesmo fato e a expulsão de um
magistrado não era prática aceita sem prudência pelo Conselho Ultramarino.184
Mas o destino de Amorim e Castro foi feliz. Mesmo com todas as querelas formadas,
com reconhecimento de sua arbitrariedade, e o conselho não achando conveniente sua
contemplação em “lugares de letras” ele foi nomeado, em fevereiro de 1801, por D. Rodrigo
de Souza Coutinho, Desembargador do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro. Ocupou
também os cargos de Juiz da Coroa e Fazenda e Adjunto ao Supremo Conselho de Justiça
Militar naquela corte, fiscal do Arsenal da Guerra do Rio de Janeiro185 e, em outubro de
1803, honrado com o título de cavaleiro da Ordem de Cristo. Posteriormente foi ouvidor em
Paranaguá entre 1805 e 1806. As fontes consultadas não fornecem dados relacionados às
atividades do bacharel naturalista neste período. Apenas que nunca abandonou suas
outubro de 1800: n. 20889 Informação do juiz de fora João da Costa Carneiro Oliveira... Bahia, 9 de junho de 1800. Apud. RAMINELLI. Viagens ultramarinas... p 208.
183 AHU, Bahia. Projeto Resgate. Avulsos. CD 25. Cx. 203 Doc. 14.530.
184 RAMINELLI, Baltazar da Silva Lisboa. A honra e os apuros... op. cit. p. 22.
185 LAPA. op. cit. p. 143.
52
investigações em História Natural. Nas viagens de ida e volta para o Rio de Janeiro, que
foram realizadas em sete meses
costeando a imensa costa, q. decorre da Sepetiba athe a Villa de Santos, e dahia athe
a villa de Parnagua na grande distancia de quazi trezentes legoas; e outra tanta
estensão de caminho no regresso athe esta Corte. 186
Em fevereiro 1817 Joaquim de Amorim e Castro foi nomeado Deputado da Mesa de
Consciência e Ordens no Rio de Janeiro, cargo que não chegou a exercer, pois teria vindo a
falecer no dia seguinte.187
Para Amorim e Castro as luzes, as ciências e o Antigo Regime conviveram em
harmonia longe de ser um problema lhe valendo posições honrosas na sociedade colonial. A
História Natural proporcionou ao magistrado as mais nobres insígnias e distinções do Antigo
Regime que um plebeu poderia imaginar. Portanto a História Natural funcionou
perfeitamente como bem de troca, como dom para obter mercês servindo ao monarca. A
trajetória de Joaquim de Amorim e Castro, e sua rápida ascensão, demonstra o tratamento
especial dado aos bacharéis naturalistas que com suas memórias e remessas viabilizaram um
conhecimento concreto do império colonial e, associados com seus conhecimentos em
jurisprudência, ajudaram a manter o objetivo da unidade entre metrópole e colônia.
186 Requerimento de Joaquim de Amorim e Castro encaminhando ao Ministério do Império, solicitando ser nomeado deputado da Junta do Comércio. 1805-1806. Anexos: 2 Documentos. BNRJ, C-0892,043. Apud. PATACA, op. cit. p. 373.
187 LAPA. op. cit. p.143.
53
CONCLUSÃO
Certamente que o objetivo desse trabalho não é avaliar até que ponto os bacharéis-
naturalistas contribuíram com suas produções para o desenvolvimento do império português.
Para muitos autores as políticas de aproveitamento científico das remessas de produtos
naturais, assim como seus textos, enviadas por esse novo funcionário presente nos quatro
cantos do império não foram satisfatórias não obstante algumas poucas iniciativas.188 O
cientista não exercia suas funções à parte dos interesses políticos e estratégicos da
metrópole: A ciência se fazia em nome do fortalecimento político e econômico. A história
natural promoveu vínculos entre os naturalistas e o Estado marcando a intervenção estatal e
ilustrada nas colônias. Porém o projeto científico acabou não sendo levado a cabo em favor
da crescente burocratização. O desenvolvimento de redes administrativas que incluía os
naturalistas foi a estratégia encontrada pela coroa para administrar o vasto Império. Letrados
e autoridades da administração imperial refletiam tanto sobre o melhor modo de continuar a
manter seu domínio sobre gentes e regiões tão diversas quanto sobre a necessidade de
reformas e equilíbrios necessários para a continuidade do domínio senhorial.189
E a estratégia funcionou. Afinal com o poder da coroa coexistiam outros tantos
poderes. Embora o rei dispusesse de prerrogativas que outros poderes não dispunham, o
certo é que os restantes poderes também tinham atribuições de que o rei não dispunha. Sendo
assim os limites do governo provinha mais deste controle difuso e tinha mais uma função
consultiva e cerimonial que absolutista. 190
A inserção desse novo funcionário no quadro burocrático colonial atendeu as
políticas bem definidas do Estado que devem ser vistas nesta perspectiva. Os cientistas
funcionários colaboraram através da História Natural para enriquecer o estabelecimento
científico visando a felicidade da nação, mas era igualmente uma boa oportunidade para
solicitar proteção e angariar posições de prestígio na administração colonial. Sendo assim ser
funcionário cientista constituía em uma via de duas mãos: Atuar como agentes do império,
passando pelo projeto governativo da coroa para alcançarem seus objetivos particulares.
188 DOMINGUES. op. cit. p. 2. e RAMINELLI. Viagens ultramarinas... op. cit.130.
189 LARA. Silvia Hunold. Conectando historiografias: a escravidão africana e o Antigo Regime na América portuguesa. p 21-38. p. 33. In. BICALHO. Maria Fernanda; FERLINI. Vera Lúcia Amaral. (org.) Modos de Governar. Idéias e práticas políticas no Império português séculos XVI-XIX. Ed. Alameda. São Paulo, 2005.
190 HESPANHA. op. cit. p. 9.
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