Entrevista Com Witkin

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Entrevista com o fotógrafo Joel-Peter Witkin.

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ENTREVISTA COM JOEL-PETER WITKIN

O fotgrafo Guilherme Komel, durante o seminrio A inveno de um Mundo, no Instituto Ita Cultural (outubro de 2009), fez uma entrevista com Joel-Peter Witkin.

Komel tentou fazer o workshop de Witkin mas no conseguiu. Porm, sua determinao em conhecer o artista nos proporcionou uma entrevista bem interessante que publicada com exclusividade aqui no Olhav.

Veja aqui a cobertura do seminrio feita por Georgia Quintas.

Fotos: Guilherme Komel

Por Guilherme Komel.

Em uma manh quente de Outubro recebo o e-mail que esperava. a confirmao de que terei alguns minutos, no mximo 30, para conversar com Joel-Peter Witkin. Rapidamente peguei minhas coisas e fui para o hotel indicado. Chegando l, aprontei o set: um trip, uma filmadora, um pequeno caderno para anotaes e, claro, um livro para ser autografado. Minutos depois, Witkin desce ao lobby do hotel, falamos brevemente e comeamos um papo.

Guilherme Komel Voc prefere que o eu o chame de Witkin ou

Joel-Peter Witkin Claro que no! S minha minha me me chama pelo meu sobrenome, apenas Joel, por favor.

Guilherme Komel O que o traz a So Paulo?

Joel-Peter Witkin Bem, eu fui convidado para um evento em So Paulo, e eu j sabia sobre o evento meses atrs por causa dos e-mails com todas as informaes (sobre o evento). J estive em So Paulo antes, 11 anos atrs e naquela ocasio um documentrio foi feito sobre mim e meu trabalho. Iniciou-se em So Paulo e depois continuou na Europa, Albuquerque (EUA) e nos leste europeu tambm. Eu realmente gosto de So Paulo, a ltima vez que estive aqui, no fiquei nesta zona nobre (ele estava hospedado nos Jardins), eu estava em outra parte da cidade que no tenho a menor idia de onde era. Eu lembro que era perto de um museu com paredes de vidro.

Guilherme Komel E nesta ocasio, voc fotografou pessoas aqui em So Paulo?

Joel-Peter Witkin Sim, fotografei em So Paulo e foi bom para o cinematografista (que estava fazendo o documentrio), mas pssimo para mim, pois nada funcionou. Nada. Eu estava praticamente batendo minha cabea na parede. Pretendo mostrar este vdeo amanh durante o workshop.

Guilherme Komel O que voc ir ensinar em seu workshop?

Joel-Peter Witkin Bem, eu no sou um professor.

Guilherme Komel Mas voc um mestre, no entanto.

Joel-Peter Witkin Um mestre, no sei do que voc est falando Eu me xingo todos os dias, me amo e me odeio, amo e odeio o que fao mas acho que isto normal, pois voc deve se colocar no centro e se desafiar. Se voc no se desafia digo, quebrar as regras para produzir algo bom e novo. Algumas vezes eu fao escolhas ridculas, mas eu sou um apostador, um apostador visual. Algumas vezes a resultado fantstico.

Guilherme Komel Ento existem fotos que voc produz e nunca publica?

Joel-Peter Witkin Claro! Eu imprimo cerca de 12 imagens finais por ano no mximo.

Guilherme Komel Cpias?

Joel-Peter Witkin No, no diga cpias. Veja, cpia significa algo repetvel, como se fossem impressas.

Guilherme Komel Ento voc no considera o seu trabalho como a produo de ready-mades?

Joel-Peter Witkin Claro que no! Eu penso que primeiro a idia, depois o rascunho e finalmente fazendo a foto e a o negativo a porta que abre para a realidade que eu quero mostrar. E muita gente pensa que a cmera, basicamente, captura a imagem trabalhos muito bonitos j foram feitos assim mas a cmera basicamente captura a imagem. Normalmente, uma vez que eu tenha chegado ao negativo eu interfiro no negativo. Uso qumicos nele, arranho e algumas vezes eu os imprimo em vidro. Pois eu posso gerar manchas e marcas no vidro que no poderia fazer no negativo por que isto arruinaria o negativo. Assim eu posso experimentar diversas possibilidades que no seriam possveis no negativo apenas. Ento uso o vidro para efetuar a ampliao e normalmente gasto cerca de 20 minutos apenas no trabalho de dodge and burn e uso materiais como tecido. Quando eu processo a ampliao tambm uso qumicos para atingir o resultado esperado. Assim eu produzo o master print e quando eu considero que tenho a imagem que pretendia, mas a cmera sozinha no poderia ter me dado.

Guilherme Komel Neste sentido voc se considera um artista ao invs de fotgrafo?

Joel-Peter Witkin No, absolutamente diferente: me considero um fotgrafo, pois fotgrafos considerando a si prprios artistas basicamente um tipo postura ps-moderna. Eu tenho uma graduao em fotografia e escultura e gosto de escrever. Mas no me considero nada alm de um fotgrafo que consegue, qui, por causa do meu treinamento e de ter devotado minha vida fotografia, expressar minhas emoes de uma maneira fsica.

Guilherme Komel Isto me leva para prxima pergunta: por que voc produz as imagens que produz?

Joel-Peter Witkin Eu no tenho outra escolha! Eu acredito que a minha vida e as minhas fotografias so inseparveis. Em outras palavras, enquanto fao as fotos, e eu acho que isto verdade para a maioria dos artistas verdadeiros, no em uma base diria, mas atravs de uma descoberta visual atravs do anos. Duas coisas acontecem em meu trabalho, comecei a fotografar quando tinha 11 anos e agora estou com 70 anos ento tive muito tempo para fazer fotos e pensar sobre as coisas e aumentar o nvel de amor. Muitas pessoas pensam que minhas fotografias so muito dark e blab la bla, mas na verdade elas no so. Nas fotografias que eu fao minha inteno mostrar os nossos tempos, o presente tempo que estamos vivendo na Terra, baseado na histria da civilizao ocidental. Isto significa que eu tenho que viajar, eu acabo de chegar de um trabalho em Bogot que durou 1 ms, e depois fui a Paris e de l para So Paulo. Eu estava fotografando prostitutas e colocando estas prostitutas em metforas que eu criei. Levo comigo os sets de estdio para fotografar e pago as modelos. Em Bogot algumas das prostitutas faziam sexo pelo equivalente a 2 dlares preo de uma casquinha de sorvete. Realmente me partiu o corao saber que uma das prostitutas mais velhas estava se aposentando aps 20 anos. Eu as mostrei o rascunho e, claro elas estavam interessadas no dinheiro (eu iria pag-las 200 dlares) e, aps 1 hora de maquiagem e sem roupa pareciam donas de casa. A foto se chama Duas prostitutas adorando a virgem, em outras palavras, a me de Cristo. Ento ai voc tm duas pessoas que trabalham com sexo, dentro da metfora, elas esto adorando a virgem. E ningum, at onde eu saiba, produziu uma imagem assim. Isto o que eu basicamente fao. Eu leio muito e penso muito.

Foto: Edouard Fraipont | Witkin fazendo leitura de portflio

Guilherme Komel Que tipos de livro voc l?

Joel-Peter Witkin Eu gosto de histrias curtas de qualquer tipo, especialmente algumas histrias japonesas, de indos americanos e russas. Por que histrias curtas? Porque elas contm uma histria que potente e comprimida, mas que se entende. Assim como uma fotografia.

Guilherme Komel Voc l filosofia?

Joel-Peter Witkin Eu leio filosofia mas, normalmente, eu leio sobre filsofos. Mas, principalmente eu leio sobre a religio catlica e a histria da igreja Catlica. Pois eu sou catlico, embora meu pai fosse judeu. A maior parte do meu trabalho, interiormente, possui esta base. Quero dizer, voc aquilo em que acredita. Voc produz aquilo que acredita. E se algum muito imaturo, muito jovem ou fucked up aquilo que ele produz vai refletir isto. Mas se algum screwed up de uma maneira bonita, magnfica como o Van Gogh ento este talento ir ser muito poderoso. Mas no temos muitos Van Goghs no mundo.

Guilherme Komel No apenas trabalho duro que torna algum Van Gogh

Joel-Peter Witkin Eu acho que providential (oportuno / feliz). Eu realmente acho que todos ns recebemos coisas positivas que podemos usar talentos e tambm recebemos tragdias pessoais que temos que lidar. Boas e m coisas. E a vida na Terra um desafio para, basicamente, superar a parte problemtica, egosta e desenvolvermos a compaixo e o autrusmo. Por que se algum possui compaixo e autruista, eu no quero dizer dizer que no possuem bens. Todos temos que possuir algumas coisas para poder viver nesse mundo, mas temos que colocar qualquer pessoa que podemos pensar no mesmo nvel em que estamos. No momento em que se pensa que se melhor do que outra pessoa se destri a razo fundamental para se fazer arte que educar e melhorar o nvel de awareness e sensibilidade da pessoa que est experimentando o trabalho (de arte).

Guilherme Komel Voc gosta de cinema?

Joel-Peter Witkin Eu vou ao cinema pelo menos 1 vez por semana. Amo cinema.

Guilherme Komel J ouviu falar de um cinesta chamado Andrei Tarkovsky?

Joel-Peter Witkin J ouvi falar o nome, mas no tenho certeza se assisti. Estudei filmologia e amo a histria do cinema. Recentemente vi um filme chamado Fish Tank de um diretor ingls. O novo filme do Tarantino eu assisti duas vezes, a idia esplndida.

Guilherme Komel Voltando ao seu trabalho, voc se importa com a reao do pblico?

Joel-Peter Witkin Eu no produzo para o pblico, eu produzo para mim mesmo. Mesmo que no houvesse uma audincia para minhas fotografias, e no comeo eu fazia minhas fotos e guardava em uma caixa no armrio, mas depois que frequentei a universidade e trabalhei dia e noite com fotografia e fui fotgrafo militar por 3 anos e usei estes anos para, 24 horas por dia e 8 dias por semana, entender como eu iria produzir fotografias que estivessem conectadas com minhas emoes. Isto significou que eu no precisava fazer fotografias que estivesse no mundo ao invs disto eu optei por trazer o mundo para mim.

Guilherme Komel Genial

Joel-Peter Witkin Bem, a maior parte da fotografia, quando se pensa na histria da fotografia foi feita em estdio at o advento de cmeras pequenas como as Leica. Ento foi possvel outro tipo de fotografia atravs da velocidade das lentes e filme. Mas no meu caso isto no funciona. Eu considero que o que feito no mundo, de maneira oposta natureza (pois so duas coisas diferentes), esteticamente e culturalmente no muito bom, estamos sempre falhando no mundo. J a natureza sempre genial, mas ns estamos destruindo a natureza, centenas de hectares de floresta tropical e do nosso prprio meio. Somos os nicos animais que amam a guerra e que torturam e talvez os nicos que produzem arte, no tenho certeza. Basicamente arte uma forma de rezar, uma forma de santidade. Quando vou a museus, hoje estive em dois, gasto horas. Estive na fundao Cartier-Bresson em Paris e estavam expostas cerca de 125 fotos de August Sander, nunca havia visto tantas fotos dele juntas, e foi uma revelao para mim. Eu conhecia o trabalho, j havia pesquisado o homem, mas ver o prints reais foi incrvel.

Guilherme Komel Por que voc considera o trabalho dele brilhante?

Joel-Peter Witkin Por que o objetivo do trabalho dele era fazer um retrato da nao alem. E acho que ele obteve sucesso. Ele teve sucesso em gerar objetos de arte magnificamente compostos e com muita emoo. O trabalho tm a capacidade de entrar na conscincia do observador e este o grande truque. Eu creio que fazer arte significa que voc conseguir fazer exatamente isto: transferir a conscincia da sua alma para a conscincia da alma do observador. Isto no acontece frequentemente. Veja o trabalho de Niemeyer, hoje eu vi o domo dele (no Ibirapuera) e aquilo um belo trabalho de arquitetura e arte, j estive em outros prdios do Niemeyer em Berlim. Gastei uma semana no museu de arte moderna l, to perfeito e to bem construdo. E ele ainda est vivo, at hoje tm mais de 100 anos e acaba de se casar novamente.

Guilherme Komel Sobre seu trabalho, quando voc sabe que algo est pronto? Quando voc olha para algo e diz: isto est bom!

Joel-Peter Witkin Mais do que isto, se eu parasse em bom, no seria bom o suficiente. Eu paro quando eu fico surpreso com a parceria entre fisicalidade do material fotogrfico e aquilo que eu considero providential. Eu realmente penso que somos parte da criao, a criao no parou no stimo dia. A criao uma forma de existncia espiritual, que considero melhor representado nas sociedades sob forma de referncias estticas. Isto mostra o quo importante e preciosa a arte em nossa histria. Eu gasto tempo no que eu considero, atravs do anos de trabalho e sentimento, coisas muito, muito bonitas. Penso que um grande trabalho de arte uma reza, se no um sacramento.

Guilherme Komel Existe muita religio em seu trabalho.

Joel-Peter Witkin Existe religio em meu trabalho pois acredito que no sou um niilista, no sou um artista ps-moderno muito menos um mrtir. Pois todas estas filosofias possuem a condio do materialismo, especialmente o relativismo que prega que tudo bom a menos que eu no machuque o prximo. E isto no uma condio boa para se viver, isto uma rejeio a tudo o que possui propsito e significado, que ns fazemos nossas prprias leis nos tornando anarquistas. Isto no tm sentido para mim, nunca fez. O humanismo basicamente uma maneira de racionalizar tudo. Isto uma negao total a qualquer coisa supernatural. E eu no posso aceitar estes pensamentos.