Episódio do adamastor

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EPISÓDIO DO ADAMASTOR - Canto V - estâncias 37 a 60 1. INTRODUÇÃO (Est. 37-40) Circunstâncias que precederam o aparecimento do gigante (cenário): depois de cinco dias de bonança (tinham partido há cinco dias da ilha de Santa Helena) apareceu uma nuvem que escureceu os ares e ouviu-se um som terrível vindo do mar; esta súbita mudança no ambiente amedrontou os corações dos marinheiros. Caracterização do Adamastor: o Gigante tem um aspecto aterrador. Além de muito grande é disforme, com pernas e braços imensos. Tem os olhos encovados, a barba suja, a pele de cor estranha, os cabelos crespos e cheios de terra, a boca negra e os dentes amarelos; tudo isto lhe confere um ar medonho. O rosto sombrio e a postura agressiva completam esta figura aterradora, cuja voz horrenda parece sair do mar profundo. Pela postura já referida, pelo tom de voz e pelas palavras que profere depreende-se que está furioso, tomando uma postura ameaçadora e vingativa. 2. DESENVOLVIMENTO (Est. 41-59) Discurso do Adamastor Elogio aos portugueses: pela ousadia que os coloca acima dos outros povos; pela sua persistência; pela proeza de terem cruzado mares nunca «arados de estranho ou próprio lenho»; Ainda assim, ele está furioso por os portugueses se terem atrevido a navegar nos seus mares, terem tido a ousadia de vir desvendar os segredos até então vedados a qualquer humano; O Gigante revela pelos Portugueses admiração e ódio. Pelo que se depreende do seu discurso, por um lado, admira o atrevimento, a coragem, a determinação da “gente ousada”, mas, por outro lado, odeia essa mesma gente que veio descobrir os segredos dos seus mares, e por isso a vai castigar. Profecias do Gigante Dificuldades na passagem do Cabo, em viagens futuras(est. 43); Tempestade que há-de fustigar a 1ª armada de Pedro Álvares Cabral (est. 43); Vingança sobre o homem que o descobrira: naufrágio de Bartolomeu Dias (est. 44);

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EPISÓDIO DO ADAMASTOR - Canto V - estâncias 37 a 60

1. INTRODUÇÃO (Est. 37-40)

Circunstâncias que precederam o aparecimento do gigante (cenário): depois de cinco dias de

bonança (tinham partido há cinco dias da ilha de Santa Helena) apareceu uma nuvem que

escureceu os ares e ouviu-se um som terrível vindo do mar; esta súbita mudança no ambiente

amedrontou os corações dos marinheiros.

Caracterização do Adamastor: o Gigante tem um aspecto aterrador. Além de muito grande é

disforme, com pernas e braços imensos. Tem os olhos encovados, a barba suja, a pele de cor

estranha, os cabelos crespos e cheios de terra, a boca negra e os dentes amarelos; tudo isto

lhe confere um ar medonho. O rosto sombrio e a postura agressiva completam esta figura

aterradora, cuja voz horrenda parece sair do mar profundo. Pela postura já referida, pelo tom

de voz e pelas palavras que profere depreende-se que está furioso, tomando uma postura

ameaçadora e vingativa.

2. DESENVOLVIMENTO (Est. 41-59)

Discurso do Adamastor

Elogio aos portugueses: pela ousadia que os coloca acima dos outros povos; pela sua

persistência; pela proeza de terem cruzado mares nunca «arados de estranho ou

próprio lenho»;

Ainda assim, ele está furioso por os portugueses se terem atrevido a navegar nos seus

mares, terem tido a ousadia de vir desvendar os segredos até então vedados a

qualquer humano;

O Gigante revela pelos Portugueses admiração e ódio. Pelo que se depreende do seu

discurso, por um lado, admira o atrevimento, a coragem, a determinação da “gente

ousada”, mas, por outro lado, odeia essa mesma gente que veio descobrir os segredos

dos seus mares, e por isso a vai castigar.

Profecias do Gigante

Dificuldades na passagem do Cabo, em viagens futuras(est. 43);

Tempestade que há-de fustigar a 1ª armada de Pedro Álvares Cabral (est. 43);

Vingança sobre o homem que o descobrira: naufrágio de Bartolomeu Dias (est. 44);

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Outros naufrágios e toda a espécie de perdições daquele dia em diante (44);

Naufrágio e morte de D. Francisco de Almeida (est. 45);

Suplícios da família Sepúlveda que sobreviverá a um naufrágio, mas que sofrerá os

maiores tormentos nas mãos dos cafres.\ (est. 46-48).

Vasco da Gama está a contar este episódio ao Rei de Melinde e, naturalmente, os naufrágios

posteriores a esta viagem não podiam ser contados por ele próprio, que os desconhecia. O

Gigante, no entanto, como é um ser dotado de poderes sobrenaturais pode antecipar o futuro,

por isso é ele que narra esses naufrágios, apresentando-os como a sua vingança.

Interpelação do Gama (estrofe 49)

Vasco da Gama intervém, interrompendo as profecias ameaçadoras do Gigante e,

enfrentando o próprio medo, interrompe o Gigante ao perguntar-lhe “Quem és tu?”,

correndo o risco de o enfurecer ainda mais. É então que o Adamastor conta a sua

história, num tom de voz amargurado e sofredor.

Apresentação do Gigante/Narração dos amores infelizes de Adamastor com Tétis

O Gigante Adamastor participou com os seus irmãos na guerra contra Júpiter. A sua

participação centrou-se no Oceano em busca da armada do deus dos mares, Neptuno,

e meteu-se em tal empresa por amor de Thétis, filha de Nereu e Dóris. Consciente de

que com a sua figura assustadora seria impossível despertar o amor da ninfa, resolveu

conquistá-la à força e informou Dóris dos seus intentos. Esta pôs a filha ao corrente do

que se passava e Thétis, a quem o amor do Gigante não despertava senão troça,

marcou, através da mesma intermediária, um encontro com o Adamastor. A resposta

de Tétis é ambígua, mas ele acredita na sua boa fé. Na noite combinada, o

apaixonadíssimo Gigante viu a bela ninfa despida, bela, única e louco de amor corre

abraçá-la e beijá-la. Só depois se apercebeu que tinha nos seus braços um penedo e

que o que vira fora uma miragem preparada por Thétis. Além desta profunda

humilhação, sofreu ainda as consequências de Júpiter ter vencido a guerra contra os

Gigantes. Foi convertido naquele cabo remoto, banhado pelo mar e, portanto, pela

permanente recordação da sua adorada ninfa, que continua a atentá-lo sem ele a

poder tocar.

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1ª parte do discurso do Adamastor: o Gigante aparece perante os Portugueses

furioso, impondo o seu poder pelo medo que despertava nos humanos. É ameaçador

e vingativo, pois os portugueses invadiram os seus mares.

2ª parte do discurso do Adamastor: interpelado pelo Gama, fica amargurado,

sofredor, porque foi vítima de um amor não correspondido. O que deu origem à

mudança foi a recordação do seu sofrimento e talvez a consciência da sua

incapacidade de impedir que os seus segredos fossem desvendados.

Perfil psicológico do Adamastor: o Gigante Adamastor, que fisicamente é aterrador,

psicologicamente aproxima-se do comum dos mortais. É um ser solitário que procura esconder o seu

fracasso e o seu sofrimento no isolamento total. Apesar de admirar quem ousa enfrentá-lo, não

esconde a sua fúria vingativa por ver os seus domínios invadidos. Acima de tudo quer preservar o seu

esconderijo. Mas, tendo sido descoberto, conta a sua história. Revela-se então como um ser que,

essencialmente, foi vencido por amor. Mais do que a rejeição da amada, dói-lhe a humilhação a que

ela o sujeitou e dói-lhe, mais ainda, ter perdido a capacidade de sonhar. Preferia ter continuado na

doce ilusão de um dia conseguir o amor inalcançável de Thétis. É o que se depreende da interpelação

que lhe faz: “Ó Ninfa, a mais fermosa do Oceano, / Já que minha presença não te agrada, / Que te

custava ter-me neste engano, / Ou fosse monte, nuvem, sonho ou nada?”. Repara na gradação, na

sequência “monte”, algo palpável, material; “nuvem” algo de material, mas impalpável; “sonho”, o

imaterial; “nada”, o zero absoluto, a negação. O Gigante é afinal um sentimental, que tendo perdido

tudo, até a esperança, se refugia na solidão. O desvendar dos seus segredos vem tirar-lhe o pouco

que tinha. Daí o temível gigante reagir como qualquer ser humano em desespero – desaparecer para

chorar sozinho as suas mágoas.

Simbolismo do Adamastor: o Gigante Adamastor é uma figura mitológica criada por Camões para

representar todos os perigos, as tempestades, os naufrágios e “perdições de toda a sorte” que os

portugueses tiveram de enfrentar e transpor nas suas viagens, sendo o maior perigo o medo do

desconhecido. Com que “armas” se luta contra o que se desconhece? Como preparar o confronto

com não se sabe o quê? Foi esse problema que os navegadores portugueses tiveram de resolver no

preciso momento. Perante o desconhecido, enfrentaram o terror e, ao desvendar os seus mistérios,

o desconhecido deixou de o ser. Através do Gigante representa-se a vitória sobre os perigos

ignorados do mar e sobre o medo.

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3. CONCLUSÃO (Est. 60)

Desaparecimento do Gigante e do cenário que o enquadra: o Adamastor, num

«medonho choro» deixa passar os portugueses. Este momento é sugerido pelo

desaparecimento da nuvem negra que tinha aparecido inicialmente.

CARACTERÍSTICAS DA EPOPEIA

Este episódio central d’ Os Lusíadas é uma espécie de abóbada arquitectónica do poema

(situado a meio da obra e a meio da viagem) que vem concentrar as grandes linhas da epopeia:

- a presença do real maravilhoso (dificuldade da passagem do Cabo);

- a existência de profecias (História de Portugal, anunciada pelo Adamastor);

- a presença do lirismo (história de amor do Adamastor);

- é um episódio trágico, de amor e morte.

É acima de tudo, um episódio épico em que consolida a vitória do homem sobre os elementos

naturais.

ANÁLISE ESTILÍSTICA

Trata-se de um episódio muito rico, são especialmente visíveis:

- adjetivação expressiva: (“cortadora”, “temerosa” “carregada”), dupla (“figura robusta e

válida”) e superlativada (“disforme e grandíssima estatura”);

- jogo de contrastes: (“cinco sóis” e “nuvem negra que os ares escurece”)

- sensações visuais (negro das trevas) e auditivas (“bramindo o negro mar de longe brada”)

- uso da aliteração em r e dos sons fechados nasais que sugerem o ruído do mar “Bramindo o

negro mar de longe brada”

- uso do gerúndio (cortando, assoprando, estando, vigiando, bramindo) para caracterizar a

serenidade da situação de repente alterada pelo aparecimento da nuvem ameaçadora,

traduzido pelos verbos já no presente e no pretérito imperfeito (escurece, aparece, brada,

vinha)

- uso da comparação para melhor visualizar a figura do Adamastor: (“…este era o segundo/De

Rodes estranhíssimo colosso”, “Com tom de voz nos fala, horrendo e grosso/Que pareceu sair

do mar profundo”)

- apóstrofes (“Ò gente ousada…” “Ó ninfa mais fermosa do Oceano,”)

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- verbos no imperativo (“ouve”, “sabe”) e no futuro do indicativo (serei, porá, virá, trará,

deixará, verão…), adequados ao carácter profético e ameaçador do Adamastor

- eufemismo “Abraçados, as almas soltarão/Da formosa e misérrima prisão.”

Page 6: Episódio do adamastor

CARACTERÍSTICAS DA EPOPEIA

Este episódio central d’ Os Lusíadas é uma espécie de abóbada arquitectónica do poema

(situado a meio da obra e a meio da viagem) que vem concentrar as grandes linhas da epopeia:

- a presença do real maravilhoso (dificuldade da passagem do Cabo);

- a existência de profecias (História de Portugal, anunciada pelo Adamastor);

- a presença do lirismo (história de amor do Adamastor);

- é um episódio trágico, de amor e morte.

É acima de tudo, um episódio épico em que consolida a vitória do homem sobre os elementos

naturais.

ANÁLISE ESTILÍSTICA

Trata-se de um episódio muito rico, são especialmente visíveis:

- adjectivação expressiva: (“cortadora”, “temerosa” “carregada”), dupla (“figura robusta e

válida”) e superlativada (“disforme e grandíssima estatura”);

- jogo de contrastes: (“cinco sóis” e “nuvem negra que os ares escurece”)

- sensações visuais (negro das trevas) e auditivas (“bramindo o negro mat de longe brada”)

- uso da aliteração em r e dos sons fechados nasais que sugerem o ruído do mar “Bramindo o

negro mar de longe brada”

- uso do gerúndio (cortando, assoprando, estando, vigiando, bramindo) para caracterizar a

serenidade da situação de repente alterada pelo aparecimento da nuvem ameaçadora,

traduzido pelos verbos já no presente e no pretérito imperfeito (escurece, aparece, brada,

vinha)

- uso da comparação para melhor visualizar a figura do Adamastor: (“…este era o segundo/De

Rodes estranhíssimo colosso”, “Com tom de voz nos fala, horrendo e grosso/Que pareceu sair

do mar profundo”)

- apóstrofes (“Ò gente ousada…” “Ó ninfa mais fermosa do Oceano,”)

- verbos no imperativo (“ouve”, “sabe”) e no futuro do indicativo (serei, porá, virá, trará,

deixará, verão…), adequados ao carácter profético e ameaçador do Adamastor

- eufemismo “Abraçados, as almas soltarão/Da formosa e misérrima prisão.”