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    Epistemologiada Comunicaono Brasil:trajetriasautorreflexivas

    Maria Immacolata Vassallo de Lopes

    (organizadora)

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    1a edio

    So Paulo

    2016

    Maria Immacolata Vassallo de Lopes(organizadora)

    Epistemologia daComunicao no Brasil:trajetrias

    autorreflexivas

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    Catalogao na PublicaoServio de Biblioteca e Documentao

    Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo

    E64L

    Epistemologia da comunicao no Brasil : trajetrias autorreflexivas / MariaImmacolata Vassallo de Lopes (organizadora) So Paulo: ECA-USP, 2016.

    248 p.

    ISBN: 978-85-7205-148-4

    1.Teoria da comunicao 2. Pesquisa em comunicao 3. EpistemologiaI. Lopes, Maria Immacolata Vassallo de

    CDD 21.ed. 301.16

    Copyright AssIBERCOM Todos os Direitos Reservados

    A presente publicao encontra-se disponvel gratuitamente em:

    Maria Immacolata Vassallo de Lopes

    OrganizadoraRichard Romancini

    Edio Cientfica

    Tony RodriguesProjeto Grfico e DiagramaoAndr Drumond Ortega

    Giulia Bonfiglioli

    Reviso

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    Sumrio

    Apresentao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .VIIMaria Immacolata Vassallo de Lopes

    Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IXElizabeth Saad, Eneus Trindade e Roseli Figaro

    P A R T E 1PERCURSOS EPISTEMOLGICOS NAS NOVAS MDIAS

    Da Engenharia Comunicao. Tradues e Mediaespara compreender a Tcnica e a Comunicao na CulturaContempornea. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . 1Andr Lemos

    Cincia, reflexo e crtica nos estudos de mdia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

    Francisco Rdiger

    Por uma epistemologia antidualista. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35Lucia Santaella

    P A R T E 2TRADIES EPISTEMOLGICAS DO CAMPO

    DA COMUNICAO: TRS PERCURSOS

    Trajetos de pensar em companhia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51Antonio Fausto Neto

    Circunstncias que marcaram o percurso de um Jornalista /Pesquisador pelo Campo das Cincias da Comunicaono Brasil (1965/2015) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . .69Jos Marques de Melo

    Um trajeto literrio e conceitual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101Muniz Sodr

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    P A R T E 3PERCURSOS EPISTEMOLGICOS

    CONTEMPORNEOS NA COMUNICAO

    Pelas trilhas do indecifrvel da comunicabilidade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113Ciro Marcondes Filho

    Perspectivas para um conhecimento comunicacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123Jos Luiz Braga

    Epistemologia da comunicao: assero e indeciso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143Lucrcia DAlessio Ferrara

    P A R T E 4PERCURSOS EPISTEMOLGICOS DA PESQUISA

    EMPRICA NA COMUNICAO

    Epistemologia da Comunicao: um percurso intelectual. . . . . . . . . . . . . . 159Luiz C. Martino

    Um percurso epistemolgico para a pesquisaemprica de comunicao. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .185Maria Immacolata Vassallo de Lopes

    Partilhando experincias: a atrao e o desafio

    da comunicao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . 209Vera Veiga Frana

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    VII

    Apresentao

    M A R I A I M M A C O L A T A V A S S A L L O D E L O P E SOrganizadora do livro e do II Seminrio de Epistemologia da Comunicao

    Os doze textos publicados neste livro foram originalmente apresentadosno II Seminrio Nacional de Epistemologia da Comunicao,ocorrido no dia de maro de , na Biblioteca Brasiliana Guita

    e Jos Mindlin da Universidade de So Paulo, numa realizao conjuntada AssIBERCOM Associao Ibero-Americana de Comunicao, daEscola de Comunicao e Artes da Universidade de So Paulo ECA-USP,do Programa de Ps-Graduao em Cincias da Comunicao da Uni-versidade de So Paulo PPGCOM/USP e da Federao Brasileira dasAssociaes Cientficas e Acadmicas de Comunicao Socicom. Oseminrio foi um evento prvio ao XIV Congresso Ibero-americanode Comunicao IBERCOM e pretendeu ser uma retomada econtinuao do seminrio realizado pelo Programa de Ps-Graduao emCincias da Comunicao da USP, em conjunto com a COMPS, em ,por ocasio dos anos desse Programa e que marcou poca no campoda Comunicao. Respondia, ento, a uma demanda ainda embrionriade debates sobre o tema da epistemologia da Comunicao.

    Hoje, mais de anos depois, verifica-se ter sido notvel o crescimento

    das anlises crtico-reflexivas sobre as prticas da pesquisa e dos estudosna rea. Elas tm se mostrado no somente teis, mas principalmenteindispensveis, pois traduzem a reflexo de uma cincia sobre si prpriae contribuem para aclarar seu campo de atuao, seus procedimentos, ovalor de seus resultados e o mbito de suas possibilidades. Se, por um lado,essas anlises so sinais de maturidade do campo, por outro, reproduzem-se crticas e insatisfaes com o estado atual do campo. Deste modo, esteII Seminrio criou uma oportunidade de avanar nessas discusses

    reflexivas propondo a sistematizao dos trabalhos de reconhecidospesquisadores de temas epistemolgicos no campo.

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    Epistemologia da Comunicao no Brasil: trajetrias autorreflexivas

    VIII

    O tema central, A epistemologia da Comunicao no Brasil: trajetriasautorreflexivas, props um ngulo especfico e indito que foi o daautorreflexo feita pelo prprio autor sobre seus trabalhos epistemolgicosem comunicao. Tal proposio vai ao encontro das abordagensepistmicas contemporneas que, na relao Sujeito-Objeto, problematizam,questionam, reveem principalmente a figura do Sujeito: o olhar e o habitusintelectual; as decises, escolhas, valores e subjetividade, entre outrosaspectos. Tais premissas conduziram os investigadores convidados autocrtica e crtica da cincia aberta s suas condies de produo, queso tanto sociais como cientficas e individuais, conforme as apresentaesrealizadas nas quatro mesas temticas do evento reproduzidas na estruturadeste volume.

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    IX

    Introduo

    Os olhares do Outrosobre as trajetriase autorreflexes em comunicao

    E L I Z A B E T H S A A D 1

    E N E U S T R I N D A D E 2

    R O S E L I F I G A R O 3

    Aoportunidade da realizao do II Seminrio Nacional de Epistemologiada Comunicao, como uma sesso prvia ao XIV Congresso Ibero-americano de Comunicao IBERCOM , partiu da constataonecessria sobre a atualizao dessa discusso, num espao reflexivo queconsiderasse os avanos da rea no intervalo de uma dcada aps a rea-lizao da primeira edio deste evento em , bem como o resgatedo estgio atual dos debates crtico-reflexivos sobre as conformaes eos embates do campo comunicacional. A referncia para tal empreitadafoi a apresentao de trajetrias de docentes destacados do campo esuas autorreflexes, considerando os percursos de formao, as trajetriasprofissionais e as opes terico-metodolgicas para a pesquisa de cadaconvidado.

    Nesse sentido, torna-se importante registrar que foi com grandeentusiasmo que o Programa de Cincias da Comunicao (PPGCOM) da

    Universidade de So Paulo (USP) acolheu, mais uma vez, o II SeminrioNacional de Epistemologia da Comunicao,desta vez sob o foco dastrajetriasautorreflexivas.4

    1. Professora Titular da ECA-USP, vice-coordenadora do PPGCOM Programa de Ps-Graduao em Cincias da Comunicao da USP e Coordenadora do COM+ Grupo dePesquisa em Comunicao, Jornalismo e Mdias Digitais .2. Professor Associado da ECA-USP, coordenador do PPGCOM Programa de Ps-Graduaoem Cincias da Comunicao da USP e Vice-lder do Grupo de Estudos Semiticos emComunicao, Cultura e Consumo GESC3/CNPq.

    3. Professora Associada da ECA-USP e Chefe do Departamento de Comunicaes e Artes.Coordenadora do Centro de Pesquisa em Comunicao e Trabalho da ECA/USP/CNPq.4. O seminrio anterior ocorreu em 7 e 8 de novembro de 2002, dentro do III Interprogramas

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    Epistemologia da Comunicao no Brasil: trajetrias autorreflexivas

    X

    A perspectiva oferecida nesta introduo vai um pouco alm do papelde uma mera apresentao e busca introduzir pelos olhares do Outro,aquiactorializados por pesquisadores do PPGCOM/USP que coordenaramas mesas deste II Seminrio, os quais assinam este texto conjuntamente,buscando assim contribuir para um primeiro exerccio reflexivo e inter-pretativo sobre os sentidos derivados do referido seminrio. Trata-se deum dilogo intelectual que se estendeu para alm das sesses do eventoe que ganham corpo nesta publicao.

    A primeira mesa do Seminrio, coordenada pela Prof. Dr. ElizabethSaad, trouxe os pesquisadores Prof. Dr. Andr Lemos (UniversidadeFederal da Bahia), Prof. Dr. Francisco Rdiger (Pontifcia UniversidadeCatlica do Rio Grande do Sul) e Prof. Dr. Lucia Santaella (PontifciaUniversidade Catlica de So Paulo), para situar a temtica Percursos epis-temolgicos nas novas mdias. Pode-se afirmar que esta no foi uma tarefasimples, pois no se trata apenas de introduzir a questo da epistemologiada comunicao frente aos novos aparatos miditicos, mas tambm requerenfatizar um ponto central tambm indicado pelas prprias trajetriasdos diletos pesquisadores aqui representados acerca da requalificaodo termo novas vinculado s mdias contemporneas.

    A digitalizao que tanto referenciou o termo novas nos idos dadcada de , quando da introduo das tecnologias digitais de informa-o e comunicao nos dispositivos miditicos e nos meios de transmissoe distribuio da informao, hoje, aps mais de anos de experinciacoletiva e sociabilidade generalizada, um processo integrado e orgnicoao campo comunicacional.

    Desta constatao, ao relatarmos sobre os percursos dos professoresdoutores Andr Lemos Da Engenharia Comunicao, Francisco Rdiger

    Cincia, reflexo e crtica nos estudos de mdiae Lucia Santaella Por uma epis-temologia antidualista o mesmo que apresentar aos leitores de seus textoseste processo de integrao e organicidade que o campo da comunicaoassume a partir da irreversibilidade da digitalizao das relaes sociais, eco-nmicas, artsticas, cientificas e, para no dizer do humano como um todo.

    Chama a ateno logo de incio um ponto em comum entre os trspesquisadores: suas origens de formao multidisciplinar privilegiandoum encontro favorvel no mbito de uma matriz de saberes muito tpica do

    da COMPS em realizao conjunta com o PPGCOM-USP, e cujos textos foram publicadosno livro Epistemologia da Comunicao, M.I.V.Lopes (org.). So Paulo: Loyola, 2003.

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    Introduo | Elizabeth Saad | Eneus Trindade | Roseli Figaro

    momento as engenharias em suas diferentes vertentes; as cincias sociais a filosofia, a sociologia em especial; e as diferentes expresses das cinciasda comunicao, a linguagem, a literatura, a semitica, as artes, entre outras.

    Pensar a comunicao a partir do marco da digitalizao incluir emseu espectro de atuao a diversidade de conhecimentos e aportes terico--metodolgicos propiciados por perfis como os de Andr, Lucia e Francisco.Aqui, encontramos um segundo ponto em comum entre eles: suas esco-lhas e olhares com relao aos fenmenos comunicacionais fenmenosestes em reconstruo contnua diante da transformao infindvel dasTecnologias Digitais de Informao e Comunicao, todos refletindo a tonecessria resilincia epistemolgica destes tempos.

    Andr Lemos tem seu olhar direcionado para os diversos fenmenosdaquilo que entendemos por Cibercultura, e parafraseando o pesquisador,de forma no essencialista sobre o fenmeno tcnico e por uma viso noestruturalista da vida social a partir da sociologia compreensiva e dasociologia das associaes. Lucia Santaella avana, imprimindo um olharem evoluo contnua no qual a Cincia verdadeira evolui a partir de umestar permanente de metabolismo e crescimento. Francisco Rdiger, porsua vez, construiu sua trajetria sob uma viso reflexiva da sociedadeque ora vivenciamos, focando numa construo do saber para alm doinformativo e do burocrtico.

    Por fim, um terceiro ponto que temos a destacar entre os pesquisadorestraz, ao mesmo tempo, aderncias e divergncias salutares. Hoje, por contada j citada acelerao tecnolgica irreversvel, assistimos uma hibridaodos objetos comunicacionais de sujeitos para coisas, constituindo todo umnovo cenrio de sociabilidades homem-objetos-mquinas-homem-redesque exige mais um salto no embasamento epistemolgico nos estudos

    de comunicao.Andr Lemos e Lucia Santaella focam seus avanos a partir da TAR

    Teoria Ator-Rede sustentada por Bruno Latour e outros filsofos decorrente de pensamento francs/europeu. Os textos aqui apresentadospor eles sustentam os caminhos do no dualismo e do no cartesianismonecessrios s bases epistemolgicas da comunicao na contemporanei-dade. Por outro lado, Rdiger apresenta-se mais crtico com relao aotema, posicionando-se como necessria uma viso questionadora acerca

    dos prprios conceitos de epistemee comunicao diante do momentotransformador.

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    Epistemologia da Comunicao no Brasil: trajetrias autorreflexivas

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    Podemos dizer que os percursos epistemolgicos de Andr Lemos,Francisco Rdiger e Lucia Santaella aqui relatados representam com muitacompetncia e dignidade a necessria expanso de horizontes do campoda comunicao e sua oportuna centralidade na matriz de saberes dacontemporaneidade.

    A segunda mesa, coordenada pelo Prof. Dr. Eneus Trindade, trou-xe a discusso na perspectiva de Tradies epistemolgicas do campo daComunicao: trs percursos, tem-se em destaque a expresso do pensamentodo Prof. Dr. Antonio Fausto Neto (Universidade do Vale do Rio dos Sinos),Prof. Dr. Jos Marques de Melo (Universidade de So Paulo e UniversidadeMetodista de So Paulo) e Prof. Dr. Muniz Sodr (Universidade Federaldo Rio de Janeiro).

    A autorreflexo iniciada pelo Prof. Dr. Antonio Fausto Neto como texto Trajetos de pensar em companhia. O autor apresenta seu modo deolhar para o campo da Comunicao, a partir do que ele denominou deepistemologia da observao.

    Sua formao doutoral pela cole de Hautes tudes en SciencesSociales de Paris na Frana, na rea de Cincias da Comunicao e daInformao, a exemplo de outros pesquisadores que fazem parte destaobra, permitiu-lhe a construo de um olhar terico que pode ser enqua-drado pela trade interdisciplinar da perspectiva scio-semio-discursiva. nesta perspectiva terica que a mediao reguladora dos sentidos dasmdias na vida social se faz emergir, na compreenso deste pesquisadorsobre a comunicao.

    Seus estudos, majoritariamente, filiados aos produtos jornalsticossobre os acontecimentos e seus modos de presena na vida cotidiana,como tambm a cobertura de assuntos polticos e da comunicao na

    religio, possibilitaram, ao longo de cinco dcadas, a consolidao de umabagagem singular compreenso dos processos miditicos. Sua heranaintelectual d-se nas leituras e pelo profcuo dilogo com seus mestres einterlocutores, a exemplo do seu orientador e amigo, Prof. Eliseo Vern.

    Tal construo terica, na companhia de nomes que iluminam o seupercurso de conhecimento, centrada nos processos miditicos, identificaa possibilidade de crtica e do reconhecimento das lgicas das mdiasinstitudas na vida social de seus sujeitos, por meio da compreenso da

    gramaticalidade dos processos discursivos miditicos, considerada emseus recursos scio-tcnicos-discursivos, suas normas e estratgias. Desse

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    Introduo | Elizabeth Saad | Eneus Trindade | Roseli Figaro

    reconhecimento, nasce a epistemologia da observao, a partir da qualo autor oferece uma proposio terica operativa da comunicao em quese identificam os processos inconclusos da midiatizao na vida cultural.

    Antonio Fausto Neto se institui como sujeito pesquisador no campoque, ao mesmo tempo em que buscou seus caminhos tericos para definiodo campo comunicacional, tambm colaborou para a institucionalizaopoltica deste ao ser um dos membros fundadores da Comps AssociaoNacional dos Programas de Ps-Graduao em Cincias da Comunicaoe criar o CISECO Centro Internacional de Semitica e Comunicao.

    O segundo texto Circunstncias que marcaram o percurso de um Jornalista/Pesquisador pelo Campo das Cincias da Comunicao no Brasil (/)doProfessor Jos Marques de Melo, registra a contribuio de uma das figurasmais entusiastas e preocupadas com a institucionalizao do campo dacomunicao no pas. Seu texto se refere recuperao de suas memriase experincias vividas, trabalhos de pesquisa seus e de alunos que, soba gide do seu protagonismo ou do seu olhar, serviram consolidaopoltica do campo da comunicao, por suas abordagens terico-metodo-lgicas e seus objetos.

    A autorreflexo deste pesquisador se pauta no sentido dado porOrtega Y Gasset, isto , da compreenso do homem e suas circunstn-cias. No caso de Jos Marques de Melo isso diz respeito a ele como sujeitoagente na construo do campo comunicacional, desde a sua formaoem comunicao na Universidade Catlica de Pernambuco, quando con-tou com a orientao do emblemtico Prof. Luiz Beltro, sua atuaocomo jornalista e que depois, j com doutoramento na Espanha sobretema em Jornalismo, consolida-se na sua atuao como docente na Escolade Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo e, por fim, na

    Universidade Metodista de So Paulo em So Bernardo do Campo.O foco institucional do campo sempre esteve e est no horizonte deste

    pesquisador. Seu legado se faz refletir na legitimao dos estudos emcomunicao e de seus objetos como rea de saber no mbito de instnciasgovernamentais de financiamento da pesquisa e na criao da SociedadeBrasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao INTERCOM,h anos em atividade (entidade esta que se configura como a maior darea e que traduz toda a diversidade do campo).

    A partir de sua autorreflexo Jos Marques de Melo representa umperfil de pesquisa em que o olhar emerge das prticas miditicas em

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    Epistemologia da Comunicao no Brasil: trajetrias autorreflexivas

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    direo construo dos saberes da comunicao na cultura, constituin-do-se como um dos sujeitos fundantes desta rea no Brasil.

    Por fim, Um trajeto literrio e conceitual o ttulo dado pelo ProfessorMuniz Sodr para a sua autorreflexo. O pesquisador autodidata em idio-mas, com formao em Direito, Doutorado em Sociologia da Informaoe Comunicao pela Universit Sorbonne Paris IV, Professor Emritoda Escola de Comunicao da Universidade Federal do Rio de Janeiro,lugar onde construiu sua carreira docente, e ex-presidente da FundaoBiblioteca Nacional. Toda essa trajetria descreve um percurso profissio-nal exemplar. Pode-se afirmar que Muniz Sodr , sem dvida, um dosmaiores intelectuais do pas e, sem demrito aos demais integrantes daobra, trata-se do grande intelectual da comunicao. O seu pensamentona rea evolui da crena sobre as teorias das linguagens e discursos comolugar do pensamento comunicacional, em direo ao melhor sentido decompreenso na vida cultural, instituindo, numa perspectiva antropo-cultural, aquilo que ele chamou de bios miditicoe que culmina, maisrecentemente, no olhar filosfico da comunicao como Cincia do Comum.

    Este percurso, nada trivial, aponta para a maturidade de um intelectualque talvez tenha dado o melhor caminho de resposta ao que se poderiadenominar de filosofia da comunicao. No se trata de desmerecer outrospercursos que tambm buscam a afirmao da comunicao a partir deum olhar filosfico, a partir do qual se possa instituir teorias, mtodose procedimentos de pesquisas para a rea. Trata-se, antes de tudo, dereconhecer que nesta busca Muniz mostra, de forma singular, as cone-xes de abstraes da primeira manifestao esttica de linguagem, queinstitui o homem na histria, escrita e escrita como Literatura. Essasconexes, como potencialidade do exerccio intelectual para as tentativas

    de conceitualizaes, permitem a compreenso da natureza complexa doproblema comunicacional como campo.

    A terceira mesa, coordenada pelo Prof. Dr. Massimo Di Felice, discutiuo tema Percursos epistemolgicos contemporneos na comunicao, a partir dastrajetrias dos professores doutores Ciro Marcondes Filho (Universidadede So Paulo), Jos Luiz Braga (Universidade do Vale do Rio dos Sinos) eProf. Dr. Lucrcia DAlessio Ferrara (Pontifcia Universidade Catlica deSo Paulo).

    Pelas trilhas do indecifrvel da comunicabilidade, o professor CiroMarcondes Filho apresenta sua proposta filosfica-crticana qual defende

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    Introduo | Elizabeth Saad | Eneus Trindade | Roseli Figaro

    o pensamento da comunicao como objeto raramente observvel. Oautor parte de um questionamento, ser que h sempre comunicao?Para Marcondes Filho h uma diferena entre informar e comunicar.Grosso modo, informar um ato de conservao e o comunicar um atode transformao, da sua ocorrncia rara, visto que a maioria das aesso informativas. Essa posio filosfico-crtica tem origem na formaoalem deste pesquisador, cuja atuao tem sido demarcada pelo seu tra-balho na liderana do FiloCom, grupo que estuda os desafios filosficosda comunicabilidade contempornea.

    J o Professor Jos Luiz Braga, em Perspectivas para um conhecimen-to comunicacional, trata do problema epistmico da comunicao comocampo interdisciplinar e prope o delineamento de seus objetos a partirda compreenso da comunicao como contexto das interaes. Nessademanda haveria lugar para compreenso da comunicao em suas fra-gilidades e, portanto, como tentativa, algo inconcluso ou inacabado queno permite uma formulao de pensamento definitivo e generalizanteda totalidade das suas ocorrncias/objetos. Tal perspectiva busca expe-rimentar a possibilidade de uma epistemologia da comunicao a partirdo seu carter indeciso e, portanto, de uma tentativa construo de umsaber comunicacional possvel. O Professor Jos Luiz Braga, ao longo desua trajetria, demarca uma importante atuao cientfica e poltica paraa legitimao do campo sendo um dos fundadores da Comps.

    Por um caminho distinto e paradoxalmente semelhante ao do Prof.Jos Luiz Braga, a Professora Lucrcia DAlessio Ferrara em Epistemologiada comunicao: assero e indecisotambm recupera em sua trajetriaautorreflexiva a ideia de epistemologia assertiva que confunde o processocomunicacional com seus objetivos empricos e busca a compreenso

    de um processo comunicacional indeciso, prximo ao pensamento deJos Luiz Braga, em funo das fragilidades e dificuldades impostasnos limites da apreenso dos objetos do campo comunicacional e quese referem s questes fundantes do campo, a saber: a comunicaoestaria restrita aos fenmenos da mediao dos meios tcnicos? possvel comunicar sem transmitir? possvel duvidar a partir de umconhecimento tido como comunicacional? Tais questes, propostas pelaautora so complexas e seriam fundantes da conformao cientfica da

    Comunicao como campo do saber, pois definem os horizontes polticos,empricos, ticos/deontolgicos do que pode ser objeto deste campo

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    e da lgica que tal conhecimento pode instituir na vida social comocincia. A Professora Lucrcia Ferrara apresenta sua proposta comolhar interdisciplinar refinado que parte da sua formao em Letrasque se acumula sua experincia na construo de conhecimento narea de arquitetura, mostrando como possvel pensar a epistemologiada comunicao livre da assero, caracterstica reducionista, que trazlimites ao desenvolvimento do campo comunicacional como possibilidadede rea de conhecimento.

    A ltima mesa, coordenada pela Prof. Dr. Roseli Figaro, apresen-tou reflexes sobre o tema Percursos epistemolgicos da pesquisa emprica naComunicao, tendo como protagonistas o Prof. Dr. Luiz Cludio Martino(Universidade de Braslia), a Prof. Dr. Maria Immacolata Vassallo deLopes (Universidade de So Paulo) e a Prof. Dr. Vera Frana (UniversidadeFederal de Minas Gerais).

    Em Epistemologia da Comunicao: um percurso intelectual, Luiz ClaudioMartino esclarece seu interesse de pesquisa: Vejo meu trabalho como umareflexo sobre a singularidade da comunicao moderna, entendida como ainterveno da tecnologia nos processos de comunicao. Um pensamentoe um posicionamento sobre a atualidade meditica. A partir dessa afirma-o, o autor estabelece a comunicao mediada por tcnicas e tecnologias(as mais diversas) como seu objeto de estudo. A discusso e a polmicadizem respeito a esse objeto cientfico especfico, fundador de um campocientfico. Para Martino, estudar a comunicao estudar as tcnicas e astecnologias e suas caractersticas, especificidades e problemticas.

    Fundar uma cincia significa, para Martino, definir seu objeto pr-prio e com isso seu campo de atuao e de perguntas possveis de seremrespondidas. O autor critica aqueles que fazem da interdisciplinaridade

    um eixo de definio para o campo da comunicao.Segundo Martino, na cincia, uma disciplina deve ter sua prpria

    personalidade, objetos e teorias. Tratar da comunicao como um campointerdisciplinar, formado na interseco de outras disciplinas, a lingus-tica, a sociologia, a psicologia, a antropologia, a filosofia, entre outras, tergiversar e no esclarecer a questo central a ser problematizada. Nessesentido, a interao entre sujeitos no exatamente um problema comu-nicacional para Martino; poder s-lo se a questo for elaborada sobre

    como os meios de comunicao (as mdias, em seu mais amplo sentido)compem o comunicacional.

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    Introduo | Elizabeth Saad | Eneus Trindade | Roseli Figaro

    No entanto, a trajetria intelectual formada na Filosofia e na Psicologiaque marca sua abordagem da comunicao. Martino afirma: Destes estu-dos de filosofia e psicologia retiro minha compreenso da teoria geral doconhecimento e a base para os conceitos de processo e meio de comunica-o. A Filosofia clssica e o pensamento de Nietzsche vo influenciar suaforma de pensar o objeto comunicacional. Ele analisa, no plano da episte-mologia, a insuficincia da teoria Funcionalista e da escola de Frankfurt;prope a definio de meio de comunicao como objeto tcnico cujo pro-duto a expresso social da experincia; e o desenvolvimento do conceito decomunicao no qual o lastro especfico e histrico, centrado no avanotecnolgico do sculo XIX, constituindo umelo social singular.Ou seja, oobjeto da comunicao so os meios de comunicao e sua condio deproduo da expresso social da experincia. Tambm a partir dos apor-tes da Antropologia da tcnica, de Andr Leroi-Gourhan e de Jack Goody,que Martino vai aproximar os meios tcnicos da experincia sensvel damente, ou seja, como afirma o autor: a formulao do conceito de meio decomunicaocomosimulao tecnolgica da conscincia (mente humana). Notocante a essa abordagem, Martino destaca a reatividade humanacomo oque permite a esse meio tcnico simular a conscincia humana.

    Maria Immacolata Vassallo de Lopes em Um percurso epistemolgicopara a pesquisa emprica de comunicaodeclara o esforo de reflexo e deautoanlise na trajetria terico-metodolgica at ento empreendida. Achave de leitura para sua obra compreender o paradigma que orienta adesconstruo e a reconstruo dos objetos de pesquisa. Sua paixo pelacomunicao dirigida a dois objetos prioritrios de estudo: a teleno-vela e a metodologia. Esse caminho comea a ser traado nos primeirosmomentos do mestrado, com o estudo dos programas de rdio voltados ao

    pblico popular e, depois, no doutorado, quando desenvolve sua propostade um modelo metodolgico. Para Lopes, o modelo que prope: Persegueo rigor metodolgico sem deixar de lado a imaginao metodolgica doofcio de pesquisador.

    Nesse sentido, a pesquisadora faz um esforo para que a reflexoepistemolgica esteja articulada ao prprio desenvolvimento dos pro-cedimentos de pesquisa. no fazer e na reflexo sobre o fazer que seconstri a prtica verdadeiramente cientfica sem que se oblitere o olhar

    do pesquisador e o contexto de existncia e de edificao do objeto cien-tfico. O modelo em rede que prope articula nveis e fases da pesquisa

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    e d condies de o pesquisador manter-se em constante vigilncia eautocontrole. Desse permanente movimento de reflexo epistemolgica,segundo a autora, resulta a autonomia relativa da pesquisa.

    Ainda em termos de uma sociologia da cincia, Lopes considera que oconhecimento cientfico resultado das condies concretas de sua produ-o. Aqui a autora nos inspira a problematizar o campo da comunicaoa partir do que ela denomina de trs contextos de produo: o discursivo:no qual podem ser identificados paradigmas, modelos, instrumentos,temticas que circulam em determinado campo cientfico; o institucional:constitudo por mecanismos de mediao entre as variveis sociolgicasglobais e o discurso cientfico e que se realizam como dispositivos organi-zativos de distribuio de recursos e de poder dentro de uma comunidadecientfica; e o histrico-social: onde residem as variveis sociolgicas queincidem sobre a produo cientfica, com particular interesse pelos modosde insero da cincia e da comunidade cientfica dentro de um pas ouno mbito internacional.

    Com esse desenho metodolgico, articulado reflexo epistemolgicano quadro mais geral das cincias sociais no Brasil, Lopes volta-se para osestudos da comunicao tendo como objeto privilegiado a telenovela e afico televisiva em geral. Suas contribuies para a rea so publicaesreconhecidas nacionalmente e internacionalmente, sobretudo, na articu-lao de grupos de pesquisa, configurando redes como o Observatriode Fico Televisiva Obitel; e o Centro de Estudos de Telenovela (CETVN)da ECA-USP.

    A professora e pesquisadora Vera Frana no artigo Partilhando experi-ncias: a atrao e o desafio da comunicaodeclara-se: fui atrada pelo viscomunicacional, pela maneira como a linguagem, a produo discursiva

    se insere no mago das relaes, configurando-as, abrindo possibilidadesou afunilando o desafio do encontro com o outro. da filosofia da lingua-gem, a exemplo de Paul Ricoeur, que a autora problematiza a comunicaocomoparadoxo entre a transgressodos limites e a distncia intransponvelentre o eu e o outro. Suas primeiras influncias, ainda em um perodode desenvolvimento inicial do pensamento comunicativo na AmericaLatina, foram: o pensamento crtico da Escola de Frankfurt, a Teoria daDependncia, a matriz dialgica de Paulo Freire, aos quais aproximou

    autores como Armand Mattelart, Luiz Ramiro Beltrn, Antonio Pasquali,Hctor Schmucler, entre outros.

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    Introduo | Elizabeth Saad | Eneus Trindade | Roseli Figaro

    Mais adiante, num processo de amadurecimento intelectual e de seuperfil de pesquisadora, Frana depara-se com a dificuldade de entender oque comunicao, para alm de uma abordagem dual: ou funcionalista oucrtica. E afirma: Dei-me conta de que o desafio no era apenas buscarformas de estudar o que a comunicao, mas tambm de compreendercomo ela estudada, e identificar as incidncias que diferentes teorizaesproduzem na apreenso desse objeto de estudo. Suas escolhas tericasforam se configurando pelos desafios da pesquisa emprica na medidaem que foi se dando conta dos riscos de ir a campo dotada de convicesfortes e teorias muito definidas.

    Esse aprendizado faz com que Vera Frana se aproxime de tericosfranceses que se revelaro importantes para direcionar seu olhar aos obje-tos de pesquisa da comunicao. A obra de Michel Maffesoli permitiu-lheabrir-se para a fora do relacional e do sensvel como elementos centraisna construo da abordagem metodolgica; e, assim como, a colaboraocom Maurice Mouillaud lhe permitiu chegar ao vis do acontecimentocomo um conceito que se revela significativo para a pesquisa. Almdeles, Roger Chartier histria cultural e Patrick Charaudeau Anlisedo Discurso , formam um quadro de referncia que lhe permite apro-fundar suas reflexes sobre o comunicacional.

    Dessa forma, Frana vai construindo um caminho de pesquisa que lhepossibilita a crtica epistemolgica ao modelo transmissivo e lhe orientaa apreender a complexidade da prtica, a globalidade dos fenmenosanalisados. Ao apropriar-se de um paradigma de apreenso da dinmicacomunicacional inscrita no fenmeno, Frana traz para suas pesquisaso conceito de interaes comunicativas, ou modelo relacional da comu-nicao perspectiva que desde ento vem orientando [seus] trabalhos.

    Dessa forma, as problematizaes sobre o campo da comunicao eseus objetos de pesquisa esto demarcadas, para Martino, pela especifi-cidade das tecnologias e das mdias e a potencialidade delas de simular aconscincia humana. Para Lopes, os contextos de produo de uma cinciae suas especificidades esto relacionados potencialidade da construodos objetos cientficos, a partir de reflexes epistemolgicas que articulamo campo da comunicao, como campo cientfico, no contexto de produodo discursivo, do institucional e do histrico-social. E, para Vera Frana, o

    objeto comunicacional compreendido por meio da problematizao dacomunicao como acontecimento e interaes a ser estudado por meio de

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    um modelo relacional. As trs abordagens no que tm de distantes, tmde relevncia ao nos permitir constatar a maturidade das reflexes e aqualidade do conhecimento produzido sobre as cincias da comunicao.

    As trajetrias dos doze pesquisadores e as discusses ocorridas nasmesas do II Seminrio Nacional de Epistemologia da Comunicao demonstramnaprxise pelos recortes e opes terico-metodolgicos que o campo dasCincias da Comunicao no Brasil est em plena evoluo, buscando anecessria adequao aos novos tempos em que a comunicao assumeum protagonismo multi e transdisciplinar na sociedade.

    A rea, com base nas autorreflexes apresentadas, parece manifestardois aspectos importantes de seu estgio atual: a) o campo tem buscadoperseguir seus objetos diversos a partir de problematizaes de pesqui-sas que garantam a especificidade da comunicao. Isto , a natureza doproblema que d o carter de pesquisa em comunicao aos seus objetose no o corpusemprico por si mesmo; b) em funo disso, percebe-seque a rea, entre seus pesquisadores destacados, j apresenta profundossinais de que as pesquisas no campo no so apenas multidisciplinares(trazendo o conhecimento de outras reas de saber/disciplinas aplicadasaos objetos da comunicao), assumindo de fato a natureza complexa deseus objetos, por problematizaes na perspectiva inter e transdiciplinar,isto , a comunicao como elemento ressignificador de outros saberes, apartir de suas problematizaes especficas.

    O Programa de Ps-Graduao em Cincias da Comunicao daUniversidade de So Paulo PPGCOM-USP espera, com a sistematizaodo seminrio aqui apresentada em livro, contribuir para a multiplicaodos debates e para a contnua evoluo e atualizao de nosso campo deatuao.

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    Parte 1

    Percursos epistemolgicosnas novas mdias

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    Da Engenharia Comunicao.Tradues e Mediaes para

    compreender a Tcnica e a Comunicaona Cultura Contempornea1

    A N D R L E M O S 2

    1. APRESENTAO

    Oobjetivo desse ensaio apresentar um resumo do meu percursoacadmico no campo da comunicao no Brasil3. Se h aqui alguminteresse, este se situa no processo multidisciplinar, construdo semmuita conscincia, passando aos poucos da engenharia (graduao) para oestudo da histria das cincias e da filosofia da tcnica (mestrado), migrandopara a sociologia (doutorado), chegando comunicao aps o trmino daformao doutoral. A construo terico-epistemolgica do meu trabalhose d no cruzamento de uma formao nas cincias exatas (engenhariamecnica), nas cincias sociais (filosofia e sociologia) e na comunicao.

    Desenvolvo pesquisas no campo da cultura digital desde meados dosanos no Programa de Ps-Graduao em Comunicao e CulturaContemporneas da Faculdade de Comunicao da UFBA, com apoio de

    bolsas de pesquisa do CNPq. Meu percurso epistemolgico foi construdopor um olhar no essencialista sobre o fenmeno tcnico e por uma visono estruturalista da vida social a partir da sociologia compreensiva e da

    sociologia das associaes. Este vis marca as minhas pesquisas na reada Cibercultura no Brasil ao longo dos anos de atuao. Minha linhade pesquisa atual investiga as caractersticas infocomunicacionais dosobjetos nos recentes fenmenos da Internet das Coisas, do BigData e

    1. Este artigo adapta (amplia e modifica) parte do meu memorial acadmico apresenta-do no processo de progresso para a classe de professor titular da FACOM/UFBA emdezembro de 2014, indito.2. Professor titular da Faculdade de Comunicao da UFBA e Pesquisador 1A do CNPq.

    3. Agradeo o convite e as orientaes da Professora Maria Immacolata Vassalo de Lopespara apresentao desse artigo no IBERCOM 2015 (USP) e para a sua publicao.

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    das Smart Cities, adotando a postura epistemolgica da Teoria Ator-Rede(TAR) (LATOUR, , ).

    Neste artigo, em um primeiro momento fao uma discusso sobre aepistemologia da cincia a partir da TAR. Aponto como a cincia instituiuma forma especfica de acesso ao mundo, sendo que esta no esgota arealidade, mas a constri, constituindo a res extensacomo uma res extensacogitans(LATOUR, ). Esse um dos problemas centrais da epistemo-logia da cincia, seja daquela das coisas (as naturais), seja a dos sujeitos(as humanas). No caso especfico da rea em questo, ao tratar fenmenosda comunicao no podemos aderir a uma nica epistemologia, mas aformas diferenciadas de acesso ao mundo. O meu olhar sobre os fenme-nos comunicacionais devedor desta epistemologia.

    Em um segundo momento, descrevo meu percurso da engenharia comunicao. A migrao comea no mestrado na COPPE/UFRJ ondesofro forte influncia da filosofia crtica frankfurtiana da tecnologia edepois no doutorado na Universit Ren Descartes (Paris V, Sorbonne),no qual adoto a perspectiva da sociologia do quotidiano e da apropria-o social da tecnologia para entender a incipiente cultura digital emformao nos anos . Ironicamente, minhas atuais pesquisas no cam-po das cincias da comunicao me reaproximam, pelo vis dos objetoscomunicacionais, da materialidade dos processos e da filosofia da tcnica,mais uma vez da engenharia. Sa da engenharia para me tornar filsofo esocilogo, e hoje retorno e passo a reivindicar o lugar de um engenheiroanalista dos processos sociotcnicos da comunicao.

    2. SOBRE EPISTEMOLOGIA DA CINCIAEm seu artigo, Trazendo as coisas de volta a vida, Tim Ingold () diz:

    Pensar a pipa como um objeto omitir o vento esquecer que ela , antesde tudo, uma pipa-no-ar. E, assim parece, o voo da pipa resultado dainterao entre uma pessoa (quem a empina) e um objeto (a pipa); enquantotal, ele s pode ser explicado imaginando que a pipa seja dotada de umprincpio animador interno, uma agncia, que a coloca em movimento,na maioria das vezes contraria a vontade daquele que a empina. De modomais geral, sugiro que o problema da agncia nasce da tentativa de rea-

    nimar um mundo de coisas j morto ou tornado inerte pela interrupodos fluxos de substncia que lhe do vida.

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    A cincia uma forma especfica de acesso ao mundo. A epistemo-logia diz sobre a forma desse acesso ou como se pode conhecer algo. Oproblema sempre a incapacidade de dizer a verdade sobre uma coisa,j que quando falamos da coisa estamos falando da forma como criamosum especfico acesso a ela. A pipa de Ingold inesgotvel pelas cinciasdo sujeito ou da coisa (as naturais). O mesmo podemos dizer dos objetoscomunicacionais. Isso no significa que no possamos produzir boas eeficazes formas de acesso a eles. Sim, podemos. As cincias da comunica-o, em suas diferentes disciplinas e ao longo de sua evoluo na histriadas cincias sociais (estudos de efeitos, de mdia, de recepo, dos signose significados, da economia poltica...) tm produzido formas eficazes deacesso aos objetos, sujeitos e processos comunicacionais.

    No entanto, para um campo disperso, plural e inicialmente hbrido edevedor de construes epistemolgicas oriundas da histria, da socio-logia, da psicologia, da administrao e da economia poltica, produzirum olhar prprio sobre o campo (uma disciplina prpria) me parece umailuso (epistemolgica), assim como seria tambm pensar que h umadisciplina da sociologia, da filosofia, da histria, mesmo que esses camposestejam politica e historicamente configurados. Essa iluso se origina, jus-tamente, por ser a cincia uma forma de acesso ao mundo e no o mundonele mesmo. Este, o mundo, irredutvel a uma filosofia do acesso.

    No captulo trs do Enqute sur les Modes dExistence(), o socilogofrancs Bruno Latour anuncia esta perigosa mudana de correspondn-cia entre o pensamento sobre o mundo e o mundo com o surgimento dacincia moderna. Revelar e discutir esta tenso um dos pilares paraentender e produzir uma antropologia dos modernos e revelar suas formasde ao sobre o mundo, seus modos de existncia. A cincia moderna,

    afirma Latour, diferentemente da forma de conhecimento pr-cientfico,ou mgico-religioso, no qual o conhecimento se confunde com a coisa,tem a pretenso de esgotar a coisa conhecida revelando-a. Mas, diferentedo que poderia se pensar, esta epistemologia cientfica mais do que des-velar a res-extensaacaba por reduzi-la, como forma de domnio, a umares-extensa-cogitans(a coisa pensada pelo sujeito).

    H uma diferena epistemolgica importante aqui. Ao dizer que a cin-cia fala do mundo real e revela suas leis e essncias, institumos um erro

    epistemolgico importante. O que ela faz esconder de fato o mundo pordetrs da criao de um duplo que seria essa res extensa cogitans, produzida

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    por um sujeito que conhece. A cincia, que diz fazer aparecer a naturezapela sua forma de conhecer, de fato a esconde. Mas esse esconder produ-tivo, o que faz com que o problema fique ainda mais obscuro. Para Latour,a modernidade tecnocientfica o sucesso do ocultamento da res extensanaproduo eficiente de uma res-extensa cogitanscomo o mundo conhecido.

    Essa uma viso interessante para pensarmos qualquer epistemologiae particularmente a do nosso campo, minando qualquer pretenso (epis-temolgica e no poltica, econmica, administrativa), de fundar uma dis-ciplina que possa revelar a res extensado campo. Vamos sempre produzirres extensa cogitansdos objetos que apontamos (no sem problemas) comocomunicacionais. Podemos investir nessa busca por uma epistemologiado campo sabendo de antemo que no estamos falando do mundo, masproduzindo uma forma de acesso a ele.

    A cincia pretende produzir conhecimento sem pagar pelas cadeias dereferncias (as mediaes que produzem e constroem e no revelam oobjeto) criadas pelos diversos instrumentos da prpria forma de acessocientfico ao mundo. Deve-se pagar pelas mediaes e entender as redesque se fazem nessa forma de acesso ao mundo. S um pensamento queproduza transformaes sem mediao poderia afirmar o contrrio. Nose trata da existncia de um sujeito cognoscente de um lado, e da coisaconhecida (res extensa) do outro, pois so cadeias de referncia que cons-troem o conhecimento em uma mistura de sujeito e objeto.

    Sempre que ocultamos as mediaes e afirmamos a correspondnciade um pensamento ao mundo, camos nas iluses do demnio moderno,chamado por Bruno Latour de Duplo Clique (DC). Cada rea do conhe-cimento deve se esforar em identificar os seus DC. Quando as cadeias dereferncia (tudo aquilo, material ou conceitual que nos permite o acesso

    coisa) so esquecidas, salta-se de um lado para o outro, aniquilam-se asredes, instituem-se caixas-pretas considerando-se apenas as extremida-des, produzindo o que Alfred Whitehead () vai chamar da GrandeBifurcao (o sujeito e o mundo). isto que faz o demnio Moderno, dapurificao, do fim das mediaes e tradues, o Duplo Clique. a aodeste gnio do mal que vai acusar tudo que necessita de uma rede paraexistir de falso, tudo que precisa de traduo, de mediao, e de construode relativistas. Todos os que esto atentos s redes, s transformaes

    por saltos e descontinuidades so estigmatizados por Duplo Clique comorelativistas.

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    No se trata de dizer que uma coisa irracional (relativistas) e aoutra racional (absolutistas), mas de fazer aparecer uma racionalidadeque seja menos arbitrria, no podendo ser aplicada de forma absoluta atudo, sem pagar as transformaes e mediaes em rede. Devemos entoentender essas diversas formas de acesso aos objetos comunicacionaiscomo devedores de suas mediaes e esquecer (pelo vis epistemolgico)a ilusria vontade de constituio de um campo prprio com fronteirasbem delimitadas.

    A modernidade, perodo no qual surgem as primeiras disciplinasdo campo da comunicao, comea justamente com a expanso de umacincia moderna (no sculo XVII e XVIII), ancorada em uma epistemo-logia centrada na razo, na linguagem matemtica, na experimentaoe no universalismo. Ela vai justamente ser uma alternativa a formas deconhecer centradas nas crenas e nas religies. As questes dos modernosgiram em torno da correspondncia entre o mundo e os enunciados domundo, entre as palavras e as coisas (Foucault). O cientfico assim umtipo particular de verificao que passa a ser tomado como a verdade daforma de entender a relao entre verdade e realidade. Mas, como afirmaLatour (, p. ):

    En effet, ds quon parle de correspondance entre le monde et les noncssur le monde, on ne sait jamais exactement de quoi lon parle, si cest dumonde ou si cest de la Science. Comme si les deux, par la notion floue decorrespondance, staient en fait amalgams jusqu se confondre.

    A cincia passa a absorver toda a realidade, deixando aos outrosmodos de conhecer a possibilidade de serem formas depreciadas de

    jogos de linguagem. Para exemplificar seus argumentos, Latour dexemplo do seu acesso pessoal ao Monte Agulha4, mostrando a corres-pondncia construda entre o mundo (o Monte) e a cincia e sua repro-duo (o mapa do monte). O primeiro sendo constantemente desafiadopela inscrio da carta a partir de cadeias de referncia (mapa, o monte,o caminho, as balizas). O autor encontra-se assim no interior de umarede que coloca em associao o monte, o mapa, as balizas e formauma espcie de conduto, de correspondncia, de passagem entre seus

    4. Latour descreve nesse captulo do Enqueteseu passeio pelo Monte Agulha, tendo comoguia um mapa e as balizas de marcao deixadas ao longo do caminho.

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    elementos. O mapa no o territrio (o que seria a perdio total), masprodutor de cadeias de referncia (com o Monte e as balizas). Comoafirma Latour (, p. ): nous puissions clbrer la fois le Mont Aiguilleet la carte du Mont Aiguille, sans devoir oublier ni lun ni lautre, sans devoirrduire lun lautre!

    O mapa conecta a mobilidade (de quem se desloca pelas referncias) ea imobilidade (a carta a ser confrontada) e a se produz o acesso ao objeto.No se trata da realidade do objeto, j que esta seria sempre irredutvelao sujeito. O mapa no se parece nem um pouco com o monte, mas d aexata localizao e o usurio pode ir e vir em segurana pelas cadeias dereferncias, pelos documentos no qual no h nenhuma semelhana entreeles. a rede que permite o acesso. Nesse sentido, o esprito conhecedore a coisa conhecida no so duas extremidades da ao, mas produtoscriados pelas cadeias de referncias. Podendo reconhecer, nas suas dife-renas, um e outro o tempo todo.

    Reconhecer ser essa realidade uma construo por cadeias de refe-rncia leva muitos dos modernos a identific-la como falsa. Sendo cons-truda, ela no revelaria um conhecimento verdadeiro sobre o mundo.No entanto, justamente por ser operadora de mediaes e cadeias dereferncias que a epistemologia cientfica eficiente. Ela acerta errando demodo. Ela quer ser acesso coisa sem pagar pelas medies criadas porsuas prprias cadeias de referncias. Ela tenta (nos fazer) esquecer queo conhecimento o resultado progressivo da extenso das cadeias quemontam em determinada situao (uma rede de mediadores). Se pularmosdo sujeito ao objeto, matamos a rede por um passe de mgica e entramosna iluso de que conhecemos o mundo nele mesmo (a res extensa). Comoexplica Latour:

    Paradoxalement, ou bien on se concentre sur les extrmits (chose connueet sujet connaissant) et lon ne voit rien de la chane qui ne pourra plusstendre; ou bien on se concentre sur la chane: la chose connue comme lesujet connaissant disparaissent mais la chane, elle, va pouvoir stendre.(...) Les chanes de rfrence ne sont pas des ponts de liane accrochs dunct lesprit de lautre la ralit, mais des serpents ne dit-on pas leserpent de la connaissance ! dont la tte et la queue sloignent au fur

    et mesure quil sallonge et grossit...

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    Consequentemente, a cincia ao pretender revelar a res extensa produz,de fato, o seu ocultamento. As coisas no passam pelos mapas, frmulasmatemticas, desenhos geomtricos para existir, j que o que elas sono tem a mesma propriedade das inscries, das documentaes e dasinformaes cientificamente produzidas (ou suas qualidades primrias).O acelerador de partcula uma forma de acesso ao Bson de Higgs.Este, pelas cadeias de referncias, foi produzido, inventado, construdoe descoberto ao mesmo tempo! E no falso por isso, j que assim queele encontra sua condio de veracidade. De forma similar, a teoria do BigBang uma forma de acesso a uma cosmogonia (cientfica) por cadeias dereferncias, assim como a explicao dos Astecas (mgico-religiosa) sobrea origem do universo (outra forma particular de acesso ao mundo). Estesso, portanto, modos de existncia que precisam conviver.

    Pergunta ento Latour: como no ser injusto com o mundo (no oreduzindo coisa conhecida) ou com o sujeito (no o reduzindo ao esp-rito que conhece)? Qual seria o modo que poderamos apontar aqui queconsidere, ao mesmo tempo, as coisas que existem e os instrumentosde criao de correspondncia entre o esprito e a coisa? Podemos fazersurgir, ao mesmo tempo, o mundo (que paradoxalmente a cincia apaga)e o mapa do mundo sem fusion-los na noo rpida de correspondncialinear sem mediao? Aparece aqui o problema do sujeito e do objeto nocerne da modernidade e um problema que devemos pensar na discussosobre epistemologias da comunicao.

    No podemos mais continuar nesta confuso entre as coisas e os ins-trumentos das cadeias de referncias. No se trata de fazer aqui uma crticaao conhecimento cientfico (j que ele muito eficiente em sua forma deacesso ao mundo), mas pensar em uma correo do seu posicionamento

    (devedor de cadeias de referncia). Acedemos s coisas pelos encadea-mentos de referncias, j que as coisas so inacessveis nelas mesmas. Masno pode vir da a crtica, j que esta a forma de acesso a ela. A cincia uma forma poderosa de acessar a coisa, mas no pode reduzi-la corres-pondncia. A crtica no pode ser que o conhecimento com os truquesda rede no conhecimento. Ou que o conhecimento construdo falso.Ele s conhecimento justamente por ser construdo, entendendo queacedemos s coisas por encadeamentos.

    Dada esta rpida introduo centrada nos objetivos precpuos des-te Seminrio (Epistemologia da Comunicao), volto ao que me foi

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    solicitado e falo um pouco sobre o meu percurso acadmico e as minhasescolhas epistemolgicas para compreenso do meu objeto de estudo: acomunicao e a cultura digital.

    3. DA ENGENHARIA COMUNICAOSem muita conscincia, fui da engenharia comunicao. Este percur-

    so, embora parea tortuoso, tem certa linearidade e lgica: a busca pelacompreenso do fenmeno tcnico na cultura, na sociedade, na comuni-cao, unindo fazer e saber, migrando das cincias exatas para as cinciashumanas e aplicadas. Em muitos momentos e lugares, fui questionadosobre ser engenheiro e querer estudar filosofia, ou sobre ser engenheiroe ir fazer um doutorado em sociologia, ou mesmo ser professor em umaescola de Comunicao5.

    Formei-me em Engenharia Mecnica pela UFBA em . Fiz enge-nharia pois me interessava pelo funcionamento e pelo papel dos objetose mquinas. Ainda muito cedo, na graduao, emerge o gosto pela leiturae a necessidade de compreenso mais ampla do fenmeno tecnolgico.Aos poucos vou descobrindo um desejo de entender melhor a cinciae a cultura tcnica por um vis que no fosse apenas o da prtica daengenharia. Este entendimento, infelizmente, a escola de engenharia, napoca, no me dava. Ela prepara o estudante para o fazer prtico e nopara o entendimento das questes correlatas prtica da engenharia.Precisava, portanto, de instrumentos tericos para pensar uma sociologiae filosofia da tcnica que a escola no me oferecia. Mas queria entender ofuncionamento das coisas, instrumentos, mquinas e processos. Por issofui at o fim da formao.

    Comecei de forma autodidata a ler tudo que podia sobre esse tema. E

    isso em uma poca sem internet e em Salvador, onde as ofertas em biblio-tecas e livrarias eram mnimas. No havia disciplinas sobre tecnologia esociedade, ou sobre histria das cincias e tecnologias. Nenhuma destasquestes era discutidas na Faculdade. A formao era totalmente voltadapara os aspectos tcnicos da prtica. Consequentemente, aos poucos fui medistanciando da ideia de ser um engenheiro (prtico) e me aproximandodo sonho de ser um engenheiro-socilogo ou filsofo. Meu interesse eraestudar os aspectos sociais, culturais e polticos do desenvolvimento da

    5. No entanto, este questionamento me foi feito por pessoas e instituies de outras reas,nunca por pesquisadores, alunos ou instituio da rea de Comunicao no Brasil.

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    tecnologia. Me aproximava do sentido etimolgico da tecnologia comouma tecn+ logos ou seja, de uma filosofia da tcnica.

    3.1. Filosofia Crtica da Tecnologia

    Descobri no final da graduao o curso de Ps-Graduao emEngenharia de Produo da COPPE/UFRJ, com uma linha de pesquisavoltada para poltica de cincia e tecnologia (hoje chama-se Gesto deIniciativas Sociais), com forte nfase na filosofia e sociologia da tcnicae histria da cincia. O curso visa (ainda hoje) dar uma formao huma-nista aos engenheiros e preparar futuros gestores de Cincia e Tecnologia(C&T). Achei poca que seria uma boa transio.

    Em sou aceito no curso de mestrado, comeando meu caminhopara as cincias humanas. O Prof. Roberto dos Santos Bartholo Jr., dou-tor em filosofia da tcnica por uma universidade alem, me aceitou nacondio de orientador e me deu rgua e compasso, ensinando-me apensar e a produzir textos mais rigorosamente vinculados ao exerccioanaltico e exploratrio. Mergulhei, sem muito conhecimento prvio, noestudo da sociologia e da filosofia da tcnica. No meu incipiente projeto depesquisa tinha o objetivo de fazer uma crtica da modernidade cientfica etecnolgica e encontrar formas concretas de resistncias. Minhas refern-cias naquele momento foram as obras de autores como Lewis Mumford,Oswald Spengler, Hans Freyer, Michel Foucault, Daniel Bell, Alvin Tofler,Karl Polanyi, Max Weber, Jrgen Habermas e Walter Benjamin.

    Por sugesto do prprio prof. Bartholo Jr., tomei como contraponto(resistncias) uma expresso da cultura negra baiana (os grupos de Afoxsda Bahia) que misturavam elementos religiosos e ldicos, entendido entocomo contrapontos racionalidade cientfico e tecnolgica. Este objeto de

    pesquisa me permitiu entender os modos de existncia (LATOUR, )dos modernos, a filosofia da tcnica, a histria e a sociologia da cincia ea dimenso sociocultural do povo brasileiro. Estudei a formao da cul-tura brasileira, africana e baiana com Darcy Ribeiro, Sergio Buarque deHolanda, Gilberto Freyre, Antnio Risrio, Muniz Sodr, Roger Bastide,Pierre Verger, bem como as dimenses religiosas e ldicas com JackobNeedleman, Rubem Alves, Mircea Eliade, Edgar Morin, Johan Huizinga,Roger Caillois, entre outros. Defendo, e sou aprovado, em maro de

    com a dissertao intitulada Tempos e Movimentos. Sobre a modernidadevivida e resistncias.

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    Sem saber, estava entrando j nesse momento em uma dimenso deanlise de um produto comunicacional importante ao tratar de um grupovinculado ao carnaval, produto cultural forte e amplamente estudado narea. O objeto era comunicacional, mas a epistemologia no. No fiz an-lise do processo miditico do carnaval, ou das formas de inter-relao nointerior do bloco ou nas suas dimenses institucionais. No analisei suassemioses ou produo discursiva, nem me interessei pelo vis da recepo.Com entrevistas e imerso etnogrfica, tentei entender, de forma muitosimples, seus elementos constitutivos e compar-los com os modos deexistncia dos modernos6. Fiz uma antropologia dos modernos porcontraste a dimenses naquele momento vistas como no modernas. Oobjetivo foi apontar, a partir de uma perspectiva filosfica e antropolgica,as formas de resistncia ldico-religiosas a uma modernidade cientficae tecnolgica globalizante.

    A formao no mestrado foi de base crtica, fortemente marcada peloestudo dos pensadores da escola de Frankfurt. Esta epistemologia me deuelementos cruciais para o desenvolvimento de um pensamento futurosobre a cultura digital. Pensar a modernidade tecnocientfica e as dimen-ses de suas redes sociotcnicas constitudas historicamente passava,naquele momento, por uma abordagem histrico-filosfica ancorada nadenncia dos mecanismos que solapavam as dimenses comunitrias,religiosas, simblicas e plurais no vinculadas ao mercado ou a uma racio-nalidade instrumental. S depois percebi que nesse quadro faltava algo eque, de fato, jamais tnhamos sido modernos (LATOUR, ). O quadroestava, portanto, incompleto. Mas s percebi isso muito tempo depois.

    No que se refere a influncias do campo da comunicao, os professo-res da Escola de Comunicao da UFRJ foram decisivos naquele momento,

    principalmente aqueles voltados para uma perspectiva filosfica do fen-meno tcnico. A revista Tempo Brasileiro era uma companheira per-manente nas minhas leituras. Conheo e sou influenciado pela leitura deautores como Muniz Sodr, Marcio Tavares do Amaral, Emanuel CarneiroLeo, Eduardo Portella, Henrique Lima Vaz, e do meu orientador RobertoBartholo Jr. Junto a eles estavam J. Habermas, T. Adorno, M. Horkheimer,

    6. Naquela poca tive contato apenas com oJamais Fomos Modernosde Bruno Latour. No

    havia a noo de modos de existncia. Essa uma reflexo posterior. A perspectiva deuma antropologia dos modernos ainda no me influenciava diretamente. O seu impactono meu trabalho s vai aparecer mais recentemente, a partir dos anos 2000.

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    H. Marcuse, Eric Fromm, W. Benjamin, assim como M. Heidegger e F.Nietzsche. Sem ter conscincia clara, professores do campo da comunica-o apareciam me dando bases tericas para compreender a questo datcnica. Uma epistemologia de base marxista era importante para enten-der o surgimento e constituio da era moderna, elemento fundamentalpara o acontecimento de uma sociedade da comunicao. O surgimentoda informtica e a convergncia com as telecomunicaes deveriam seranalisadas tendo em vista o legado frankfurtiano, mas indo alm dele.

    3.2. Sociologia do Quotidiano e Apropriao social da Tecnologia

    O surgimento da microinformtica, mostrando formas interessantesde criao e apropriao das novas tecnologias de base microeletrnicaa partir de relao inusitada entre vida social e desenvolvimento tec-nolgico me levou a reconhecer incompletudes no pensamento crtico,exigindo uma outra epistemologia que desse conta da cultura digital queento emergia. A minha hiptese de trabalho era ento (e ainda ) a deque a relao homem-tecnologia-sociedade um contnuo e no pode serdefinido por essncias imutveis de quaisquer umas dessas dimenses.No possvel definir o homem sem a dimenso da tcnica. Cada pocada histria aponta para redes sociotcnicas especficas que devem seranalisadas por olhares mltiplos.

    A relao entre a sociabilidade e as novas tecnologias de base microele-trnica criavam, nos anos , uma incipiente cultura digital com traosde forte dimenso vitalista. Assim sendo, na minha viso, ela exigia novosinstrumentos tericos para a sua compreenso, ampliando e apontandoos limites da escola crtica adotada at ento nas minhas pesquisas. Asanlises crticas me pareciam por demais estruturalistas, cegas para as

    dinmicas sociais que ento apareciam como motor das transformaestecnolgicas. Precisava de uma epistemologia que olhasse para os movi-mentos da vida social sem grandes enquadramentos prvios com o intuitode compreender o novo fenmeno sem engess-lo de antemo.

    Me interessei pela revoluo dos microinformtica e as novas redessociotcnicas criadas com a telemtica, tendo na incipiente internet a suafigura emblemtica. Escolho analis-la a partir de uma sociologia quefosse atenta vida quotidiana, s formas de sociabilidade e aos desvios,

    apropriaes e produo de sentidos que no estivessem congelados porum sistema total, fechado, estruturando de uma vez por todas as formas

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    de relao entre sociedade, tecnologia e cultura. Muitos noticiavam umaguerrilha surgindo de baixo contra a grande informtica, um movimentode jovens que se associavam, de maneira criativa e ldica, aos objetostcnicos, criando novos usos para a informtica de origem militar, gover-namental e empresarial.

    Esta conjuno de rebelio da informtica e de uma cultura ps--moderna me encantou j que pareceria haver vida querendo se infiltrarna razo tecnolgica. Senti um choque entre a viso crtica (da minhaformao frankfurtiana) e o vitalismo social que se apropriava dos com-putadores, criando a microinformtica e expandido a internet para forado crculo militar. Ainda no mestrado conheci a obra do socilogo francsMichel Maffesoli (principalmente A conquista do Presentee O tempo dasTribos) que parecia oferecer uma postura epistemolgica interessante paracompreender esta nova realidade sociotcnica. A forma de conhecer dasua sociologia (ps-moderna, vitalista, emptica, tribal) caia como umaluva para a compreenso da cibercultura nascente.

    O pensamento maffesoliniano herdeiro de uma linhagem que vemda sociologia compreensiva de Weber, do olhar atento aos fenmenos desociabilidade urbana de G. Simmel, da psicossociologia de Gabriel Tarde,da microeconomia de W. Pareto, mostrando como a ao social baseia-seem aspectos no racionais, das formas de ligaes comunitrias de M. Bollede Bal, da fora do imaginrio de G. Durham e das noes de efervescn-cia de E. Durkheim. A sua obra, e a leitura dos autores que constituemo cerne das suas principais influncias tericas, me dava fundamentossociolgicos importantes para compreender a tecnosociabilidade emer-gente em contraponto com a crtica frankfurtiana da cultura tecnolgicae das mdias de massa.

    A sociologia que me interessava poca reforava aspectos do mundoda vida e no do sistema, mostrando como a partilha de sentimentos,o fazer junto, a esttica da existncia, o tribalismo so elementos impor-tantes a serem considerados para compreender a vida social no final dosculo XX, particularmente a emergente cultura digital. Este instrumentalconceitual e metodolgico (ver o social se fazendo, dar ateno s formasformantes, deixar o objeto falar) da sociologia maffesoliniana me pareceumuito apropriado para analisar a cultura digital como uma nova siner-

    gia entre a tcnica e a vida social. Terminei o mestrado e decidi que iriaestudar com ele na Frana.

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    Em sou aceito para o doutorado pleno na Frana com MichelMaffesoli na Universit Ren Descartes, Paris V, Sorbonne, com umabolsa do CNPq. O objetivo, em um primeiro momento, era estudar oundergroundda informtica, a revoluo dos microcomputadores, a culturacyberpunk que se formava no final dos anos e incio dos .No entanto, em a cultura digital ganhava contornos muito maiores,revelando aspectos sociais, comunicacionais, cognitivos, polticos globais.Resolvo ento, por ainda haver poucos estudos mais amplos sobre o tema(havia muitos para aspectos particulares desta cultura emergente comosobre games, realidade virtual, ciberespao, comunidades virtuais...),ampliar o escopo da pesquisa.

    Proponho na pesquisa de tese investigar a cultura digital tendo comohiptese ser ela o resultado, no de um macrodeterminismo tecnolgico,nem de um microdeterminismo social, mas de uma relao especfica entrea sociabilidade dita ps-moderna e as tecnologias de base microele-trnica. A cibercultura nascente fruto de uma relao especfica criadapor redes sociotcnicas que, naquele momento, apontava para uma novarelao entre a tecnologia e a vida social contempornea em sua dimensoquotidiana.

    Conheci mais de perto o trabalho de Jean Baudrillard, Paul Virilio eEdgar Morin, com que tive o prazer e a oportunidade de contatos pessoaisdurante o doutoramento. Baudrillard participou de uma conversa compesquisadores do grupo de pesquisa criado por mim na Sorbonne, oGRETECH7, fiz um curso com Paul Virilio no Collge International dePhilosophie e entrevistei Edgar Morin (publicada na revista Socits). Pudeentender os mecanismos complexos, dos simulacros e da hiper-realidadeampliados pelas novas tecnologias digitais, a dinmica feroz da dromologia.

    Viajei pela Europa na busca de um contato mais prximo de hackersepensadores da cultura digital. Pierre Lvy, Edmond Couchot, Leo Scheer,Derrick de Kerckhove, Michel Benedikt, Michel Heim, Nicholas Negroponte,Brenda Laurel, entre outros, apontavam para dimenses especficas dacultura das novas mdias virtuais.

    7. Criei, em 1994, o Groupe de Recherche sur la Technique et le Quotidien (GRETECH),no Centre dEtudes sur lActuel et le Quotidien (CEAQ) da Paris V, dirigido por Maffesoli,

    justamente para discutir a cultura digital pelo olhar de uma sociologia do quotidiano. Essegrupo existe at hoje. Comecei, portanto, com os pioneiros da rea na Europa, a estudara incipiente cultura digital que se formava no incio dos anos 1990.

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    No que concerne s bases do meu pensamento, a influncia francesafoi muito forte, embora tenha estabelecido dilogos com uma bibliogra-fia anglfona que tratava dos diversos aspectos da cultura digital pelosautores citados acima. A minha relao mais prxima com a comuni-cao se deu na leitura dos frankfurtianos no mestrado e de McLuhanno doutorado, alm dos autores citados que fazem bem a interface entresociologia, filosofia e comunicao. O pensamento de McLuhan foi muitoimportante, principalmente o seu Galxia Gutenberg.

    Estudei os diversos aspectos da cultura digital constatando ser estauma cultura de base tecnolgica no mais industrial, no sentido de con-verso de matria prima e energia, mas de produo, consumo e circu-lao de informaes eletrnicas, de mquinas semiticas, de mquinasde comunicao. A tcnica em questo no era mais (apenas) aquela datransformao energtica e material do mundo (o Gestellheideggeriano),mas a de um outro tipo, comunicacional, das mquinas semiticas, oscomputadores, criando uma nova forma de provocao da natureza: atraduo do mundo em informao, um GestellDigital, como provocaoinformacional do mundo.

    Defendi a tese Cyberculture. Technologie et Vie Sociale dans laCulture Contemporaine em novembro de e, segundo Pierre Lvy,que fez parte da banca e depois tornou-se um amigo (escrevemos umlivro juntos em ), esta teria sido a primeira tese sobre a ciberculturana Europa. Duvido, mas realmente tinha um certo pioneirismo. Com cer-teza, ela foi a primeira sobre o tema na Universit Ren Descartes, ParisV, Sorbonne. E que ela tenha sido feito por um brasileiro, era ainda maisinteressante e me deu muito orgulho.

    A tese virou (depois de ser atualizada e traduzida para o portugus) o

    meu livro Cibercultura. Tecnologia e Vida Social na Cultura Contempornea, quehoje caminha para a sua stima edio pela Editora Sulina de Porto Alegre.Como apontei acima, a tese teve como vis epistemolgico uma sociologiado quotidiano e uma filosofia no essencialista da tcnica, reconhecendoas crticas frankfurtianas, mas indo alm do que ela permitia compreenderdessa relao: o sistema e suas relaes de poder estruturantes, certamente,mas a vida social e suas dinmicas imprevisveis, sensveis, nas quais osusos e apropriaes invertem as regras do jogo.

    Devo a Michel Maffesoli a oportunidade de frequentar um rico ambien-te de pesquisa, de liberdade e de efervescncia acadmica, bem como o de

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    trabalhar com uma postura voltada ateno vida que se faz no dia adia. Ele nos apresentava uma bibliografia rica para compreender o sociale nos incitava a adotar um procedimento metodolgico aberto ao objeto.Trabalhei com esse olhar terico e postura metodolgica na pesquisa dedoutorado e so eles ainda que dirigem o meu olhar para a cultura digital.

    Maffesoli, ao ter contato e receber muitos pesquisadores da rea decomunicao, fez a ponte para a minha entrada nela, que s acontece, defato, com o meu retorno ao Brasil e entrada no Programa de Ps-Graduaoem Comunicao da UFBA em . A maioria dos meus colegas vinhada comunicao e hoje so atuantes e reconhecidos na rea. Entre elesposso citar: Srgio Porto, Muniz Sodr, Vera Frana, Lus Martino, JuremirMachado da Silva, Ricardo Freitas, Nzia Vilaa, Claudio Paiva, para citaralguns. Uma nova safra de pesquisadores de escolas de comunicaocontinua a chegar vindo de uma formao no CEAQ, mostrando a atua-lidade e o interesse por esse tipo de compreenso do social para a reade comunicao.

    4. PESQUISAS NO CAMPO DA COMUNICAONa volta ao Brasil, me integro Faculdade de Comunicao da UFBA

    (Maffesoli me havia sugerido esta Faculdade, se eu fosse voltar paraSalvador), primeiro sendo convidado a solicitar uma bolsa recm-dou-tor (devo esse convite aos professores Wilson Gomes, coordenador doPrograma de Ps-Graduao em Comunicao e Cultura Contemporneasna poca, e Marcos Palacios, interessado na temtica das novas tecnolo-gias e jornalismo) e depois como professor concursado para a disciplinaComunicao e Tecnologia em .

    Hoje posso afirmar que comunicao e tecnologia o meu campo de

    atuao, tanto nas pesquisas, na orientao e nas disciplinas de gradua-o e ps-graduao. Meu trabalho entender, pesquisar, ensinar sobrea relao entre comunicao e tecnologia pela perspectiva da sociolo-gia do quotidiano, das teorias da comunicao, da filosofia e sociologiada tcnica e mais recentemente, a partir da perspectiva formulada pelaTeoria Ator-Rede. Hoje sou professor titular nessa matria. Sou tambmpesquisador PQ desde e hoje atingi o mais alto patamar na carreirade pesquisador no Brasil, sendo PQ A.

    Desde ento, sou convidado como pesquisador, professor e palestrantenas mais importantes Universidades e faculdades de comunicao do

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    Brasil e em algumas no exterior como Portugal, Espanha, Reino Unido,Canad e Frana. Em - fui Visiting Scholar, com bolsa de ps--doutoramento pelo CNPq, em duas universidades canadenses, uma nodepartamento de sociologia (University of Alberta) e outra no departa-mento de comunicao (McGill University). Nestas universidades estudeios processos de espacializao miditicos (mdias locativas e territrioinformacional foram conceitos que desenvolvi de forma pioneira no pas)fazendo relao e aproximao com reas como a geografia, a arquiteturae o urbanismo. Recentemente (agosto de ), fui professor convidadona Pontifcia Universidade Catlica do Paran no Programa de Gesto ePlanejamento Urbano da Faculdade de Arquitetura para discutir e ensi-nar sobre os processos comunicacionais em ao nos atuais projetos decidades inteligentes.

    Nesses anos de atuao na rea de comunicao, posso dizer queajudei a desenvolver conceitos e pesquisa que criaram, com outros colegas,o campo da cibercultura no Brasil. Investiguei os principais temas destarea de pesquisa, publicando artigos, captulos de livros e livros, dandopalestras e participando de bancas de mestrado e doutorado. Propus eproponho conceitos que ajudam outros pesquisadores a pensarem pro-blemas especficos de pesquisa na rea. Em muitos deles, fui pioneiro.

    Defini no doutorado a cibercultura, como a cultura emergente da rela-o entre os dispositivos comunicacionais de base digital e telemtica eas formas sociais de uso e apropriao dessas novas tecnologias. Sugerio conceito de mdias de funo ps-massiva e deliberao do polo daemisso para entender a mudana em relao s mdias de massa. Apontei,na anlise de comunidades virtuais,as formas de cibersocialidade emer-gentes. Fiz uma radiografia dos hackerse cyberpunksbrasileiros e fui

    um dos primeiros a discutir o tema do ciborgue na rea, ressaltando arelao entre comunicao, mdias eletrnicas e corpo. Minha pesquisasobre tecnologias mveis (com a ideia do celularcomo umDHMCM Dispositivos hbridos mveis de conexo multirrede), e mdias locativas(um campo em expanso, com o surgimento de novos processos de controleinformacional sobre o espao urbano os territrios informacionais)foipioneira no pas. A questo sobre mdia e processo de espacializao ainda hoje o centro das minhas investigaes. O mesmo posso dizer em

    relao s anlises das cibercidades, e agora das smart cities. Por fim,estou hoje dedicando esforos de pesquisa para a compreenso do que

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    chamei de comunicao das coisas (com a internet das coisas, o bigdatae a computao nas nuvens) a partir da Teoria Ator-Rede, sendo umdos primeiros no pas a se interessar e a trazer esta teoria para a rea decomunicao no Brasil, insistindo em ser ela um interessante aporte paraa discusso sobre epistemologias da comunicao8.

    4.1. Pesquisa Atual

    Talvez pela formao hbrida, sempre busco aproximaes com outrasreas de pesquisa, tentando ressaltar uma preocupao comunicacional(que processos comunicacionais esto em jogo?), como a sociologia, a geo-grafia e o planejamento urbano. A minha abordagem epistemolgica hoje realizada tentando colocar a TAR para dialogar com outras teoriasda comunicao e de reas vizinhas nas cincias sociais e na filosofia(como a Ontologia Orientada a Objeto da recente corrente filosficaconhecida como realismo especulativo9). Acredito que a TAR, junto comteorias do campo como a ciberntica, a semitica, a teoria matemtica dainformao, a teoria das materialidades da comunicao podero apon-tar pistas interessantes de pesquisa para compreender o atual fenmenocomunicacional e, no meu caso, particularmente a internet das coisas, ascidades inteligentes e o big data.

    Minha pesquisa atual tem por objetivo discutir a Teoria Ator-Rede(TAR) e a Filosofia ou Ontologia Orientada a Objetos (OOO) no campo dasmdias digitais em particular, e das teorias da comunicao em geral. Estecorpus terico, ainda pouco conhecido e utilizado na rea de comunicaono Brasil, fundamental para compreender o que estou chamando deComunicao das Coisas. Essa comunicao pela mediao de objetostorna-se mais visvel com a emergncia de projetos de troca automtica de

    informao entre objetos reais e virtuais conhecidos sob o rtulo de Internetdas Coisas (Internet of Things IoT) e com o papel cada vez mais ativo dosdados no que se tem chamado da nova Cincia dos Dados ou Big Data.

    Objetos transformam-se em coisas inteligentes, perdem objetividade,criam demandas relacionais e transformaes na sociabilidade humanae no humana. isto que Knorr-Cetina () chama de post-social.

    8. Apresentei recentemente no encontro anual da COMPS um artigo sobre esse temano GT de Epistemologia da Comunicao. Para mais sobre os conceitos apontados ver

    meus livros: LEMOS, 2002a, 2002b, 2004, 2005, 2007, 2010, 2013; LEMOS e PALACIOS, 2000;LEMOS e CUNHA, 2003; LEMOS e JOSGRILBERG, 2009; LEMOS e LVY, 2010.9. Sobre realismo especulativo e ontologia orientada a objeto ver Levi, B. e Harman, G. (2011).

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    O objetivo epistemolgico mais amplo investigar as capacidades comu-nicacionais pela TAR e OOO a partir de projetos de IoT, Big Data e SmartCities. O que comum a todos esses projetos o papel autnomo dosobjetos a partir das novas funes infocomunicacionais adquiridas.Nunca objetos e dados tiveram tamanha independncia, performativi-dade, comunicabilidade e agncia, como na sociedade contempornea.Sensores, algoritmos, bases de dados, redes telemticas, tudo isso criaum ambiente infocomunicacional no qual os objetos sentem o seu con-texto, sabem do seu status, processam informaes, tomam decises e asdistribuem mediando outros objetos.

    O campo da comunicao centrado no sujeito, na perspectiva daafetao direta. No entanto, os objetos colocam hoje, com capacidadesinfocomunicacional (mdias) em jogo, novos desafios para pensar essainterao comunicacional. Sem eles, falta algo no balano dos processossociocomunicacionais. Seja na cidade, na minerao dos dados nas redessociais ou no processamento industrial de produtos e servios. O queestamos assistindo a expanso vertiginosa da ao dos objetos na vidasocial. A hiptese que sustenta a pesquisa que a teoria ator-rede e aontologia orientada a objetos podem ampliar o debate epistemolgicosobre os objetos da comunicao que ganham, com o desenvolvimentoda cultura digital, novas funes infocomunicacionais.

    5. CONCLUSONo caminho da engenharia sociologia encontrei a comunicao.

    Hoje me sinto um artfice (SENNETT, ), um pesquisador que aliafrutos de uma formao tcnica com uma perspectiva humanista e crtica(da filosofia frankfurtiana, adquirida no mestrado) e das cincias sociais

    compreensivas (trabalhada no doutorado). Migro, aos poucos, da posiode um construtor de artefatos, quela de um estudioso da tcnica pelasvias da filosofia, da sociologia e da comunicao. Hoje me interesso pelaTeoria Ator-Rede (TAR), conhecida como uma sociologia das associaesque tem em um dos seus mais importantes postulados a relao simtricaentre humanos e no-humanos.

    A TAR coloca em sinergia a viso do engenheiro e o olhar do socilogoe do comuniclogo. Tudo parece se encaixar agora, mas foi construdo ao

    acaso. A formao em engenharia, que em determinado momento refutei,hoje auxilia na compreenso do fenmeno miditico e comunicacional.

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    Passo a reivindicar esta formao, a valoriz-la e me considerar um enge-nheiro-socilogo que se interessa pelos aspectos sociais, filosficos e,principalmente, comunicacionais das novas TIC. Tenho a impresso quese tivesse feito uma graduao em cincias sociais, talvez fosse hoje umengenheiro.

    Devemos estar abertos aos desafios e s formas de pensamento queperturbem maneiras cristalizadas de pensar e de agir. Tenho tentadofazer isso, buscando novas vertentes tericas, explorando novos objetos(dentro da minha rea de pesquisa) e tentando inovar nas formas depassar o conhecimento, ensinar e orientar. Acredito que esta inquietao uma marca do meu percurso: inquietao para com os objetos empricosde pesquisa, inquietao em relao a filiaes tericas, inquietao emrelao aos mtodos de ensino. Precisamos, definitivamente, ampliar asperspectivas epistemolgicas no campo da comunicao, muito preocu-pado em achar uma epistemologia prpria.

    REFERNCIAS, M. (). Essais et confrences. Paris: Gallimard., T. (). Trazendo as coisas de volta vida: emaranhados criativos

    num mundo de materiais.Horizontes Antropolgicos, (), -.-, K. (). Postsocial Relations: Theorizing Sociality in a

    Postsocial Environment. In Ritzer, G. & Smart, B. (Eds.),Handbook of SocialTheory. London: Sage Publications

    , B. (). Reassembling the Social:An Introduction to Actor-NetworkTheory. Oxford: Oxford University Press.

    , B. (). Enqute sur les modes dexistence: une anthropologie desmodernes. Paris: La Dcouverte.

    , B., Harman, G. & Srnicekm, N. (). The Speculative Turn: ContinentalMaterialism and Realism. Melbourne: Re.Press. Retrieved from http://www.re-press.org/book-files/OA_Version_Speculative_Turn_.pdf

    , A. & Palacios, M. (). Janelas do Ciberespao: Comunicao eCibercultura. Porto Alegre: Sulina.

    , A. (a). Cibercultura: tecnologia e Vida Social na CulturaContempornea. Porto Alegre: Sulina.

    , A. (b). Cultura das Redes: ciberensaios para o sculo XXI. Salvador:EDUFBA.

    http://www.re-press.org/book-files/OA_Version_Speculative_Turn_9780980668346.pdfhttp://www.re-press.org/book-files/OA_Version_Speculative_Turn_9780980668346.pdfhttp://www.re-press.org/book-files/OA_Version_Speculative_Turn_9780980668346.pdfhttp://www.re-press.org/book-files/OA_Version_Speculative_Turn_9780980668346.pdf
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    , A & Cunha, P. (). Olhares sobre a Cibercultura. Porto Alegre: Sulina., A. (Ed.) (). Cibercidade: as cidades na cibercultura. Rio de Janeiro:

    E-papers., A. (Ed.) (). Cibercidade IICiberurbe: a cidade na sociedade da

    informao. Rio de Janeiro: E-Papers., A. (Ed.) (). Cidade Digital: portais, incluso e redes no Brasil.

    Salvador: EDUFBA., A., & Josgrilberg, F. (). Comunicao e Mobilidade. Salvador:

    EDUFBA, , A. (). Caderno de Viagem. Comunicao, Lugares e Tecnologias.

    Porto Alegre: Editora Plus.

    , A. Lvy, P (). O futuro da Internet., So Paulo: Paulus., A. ().A Comunicao das Coisas. Teoria Ator-Rede e Cibercultura.

    So Paulo: Annablume., R. (). O artfice. Rio de Janeiro: Record., A. (). The Concept of Nature. Cambridge: Cambridge

    University Press.

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    Cincia, reflexo e crtica

    nos estudos de mdiaF R A N C I S C O R D I G E R 1

    Talvez se avance no esclarecimento do estatuto epistemolgico dotermo comunicao fazendo notar a linha que, desde seu apare-cimento, separa, a respeito, uma conscincia essencialmente aca-

    dmica, ainda que muito influenciada pelos interesses profissionais emercadolgicos, de outra, aberta reflexo poltica e histrica, ainda que,pelas circunstncias, seja cada vez mais restrita aos circuitos da vidauniversitria. Apesar das interferncias recprocas e eventuais dilogos,estas abordagens formam duas ramificaes que, em ltima anlise, soradicalmente heterogneas em seu entendimento quanto estrutura esentido dos estudos da mdia que, na prtica, de fato, fornecem ou definemas tarefas do chamado campo acadmico da comunicao.

    O ponto muitas vezes esquecido que elas tambm divergem ementendimento no tocante ao que significa este ltimo termo desde o pontode vista epistmico e filosfico. A erudio presente na rea at admiteou reconhece o contraste entre pesquisa crtica e integrada. A pressa quea marca em geral passa por alto, contudo, os distintos modos como elas

    interpelam no apenas a atividade de pesquisa mas, em potncia, a figu-ra mesma que constitui a comunicao, chegando ao ponto de, em anosrecentes e entre ns, os proslitos da segunda vertente reivindicarem paraeste ltimo termo a condio de cincia nova, especializada e autnoma.

    Resumindo, pode-se dizer que a segunda tendncia se caracterizapor operar ingenuamente com a figura, endossa acriticamente o termo

    1. Professor da Pontifcia Universidade Catlica e da Universidade Federal do Rio Grande

    do Sul, mestre em filosofia e doutor em cincias sociais pela Universidade de So Paulo.Dedico este texto a Jos Marques de Melo (USP/Umesp), Iara Bendatti ( Pucrs), JorgeCampos da Costa (Pucrs) e Ciro Marcondes Filho (USP).

  • 7/25/2019 Epistemologia_da_Comunicacao_no_Brasil_t.pdf

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    Epistemologia da Comunicao no Brasil: trajetrias autorreflexivas

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    comunicao, ao se entregar s discusses a respeito da forma de pro-ceder a seu tratamento cientfico e desenvolver seus devidos trabalhos,sem pensar se e como a categoria pode, como tal, ser objeto de estudo;a primeira, em vez disso, preserva certo distanciamento em relao aotermo, ao desenvolver a conscincia ou trabalhar com o entendimento deque, com a figura da comunicao, no se avana nem no saber, nem naprxis vital, j que a mesma deve ser, sobretudo, objeto de crtica.

    Uma rpida recapitulao das origens desta bifurcao, coincidentecom a gnese da prpria rea de estudo, nos ajudar a entender melhor oponto, embora no se deva ignorar que a distino acima, alm de anal-tica, onde aparece de forma mais clara, nem sempre se faa acompanhardo abandono do dito termo, como ser o caso de notar mais para o final.

    Paul Lazarsfeld, personagem de proa no movimento que levaria fun-dao do campo acadmico que, entre os anglo-saxes, ficou conhecido pelonome de communication researchpor obra de Wilbur Schramm, colaboroudecisivamente para apontar-lhe as tarefas e limites, ao estabelecer uma dis-tino entre estudos crticos e administrativos de comunicao [de massas].Em texto programtico de , este socilogo austraco que se radicara emsolo norte-americano refere-se ao segundo tipo, observando que:

    Por trs deste tipo de pesquisa est a ideia de que os modernos meiosde comunicao so instrumentos manejados por pessoas e instituiescom dados objetivos. O propsito pode ser vender alguns bens, elevar ospadres intelectuais da populao ou assegurar um dad