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ESTADO DE MINAS S E G U N D A - F E I R A , 2 5 D E J U N H O D E 2 0 1 2 POL ÍTICA EDITOR: Baptista Chagas de Almeida EDITOR-ASSISTENTE: Renato Scapolatempore E-MAIL: [email protected] TELEFONE: (31) 3263-5293 3 Eleonora Menicucci contou ao Conselho de Direitos Humanos de Minas que sofreu em 1971, num quartel de Juiz de Fora, castigos semelhantes aos aplicados à amiga Dilma Rousseff MINISTRA RELATA TORTURA SANDRA KIEFER A presidente Dilma Rousseff não é a única integrante do atual governo que prestou de- poimento ao Conselho de Direitos Humanos de Minas Gerais (Conedh-MG) relatando as torturas que sofreu no período da ditadura. Nos arquivos localizados no Edifício Maletta, Centro de Belo Horizonte, também está guar- dado o processo da ministra Eleonora Meni- cucci, hoje com 68 anos, nomeada em feverei- ro para a Secretaria de Políticas para as Mulhe- res. Embora sem a mesma riqueza de detalhes contados por Dilma em 2001, o documento referente à ministra reforça o horror vivido pelos militantes de esquerda em Minas du- rante os anos de chumbo. Eleonora conta que sofreu choques elétricos e socos, além de ameaças psicológicas envolvendo a filha de pouco mais de um ano e o marido. O depoimento de Eleonora, que o Estado de Minas revela com exclusividade, não foi feito pessoalmente. Em 7 de maio de 2001, ela escreveu as suas agruras ao Conselho para rei- vindicar o direito à indenização de R$ 30 mil oferecida pelo governo de Minas aos que fo- ram torturados no estado. No texto, ela relata dois momentos de terror vividos em novem- bro de 1971 no quartel militar de Juiz de Fora, para onde foi levada presa depois de viajar “brutalmente algemada” num camburão des- de o Presídio Tiradentes, em São Paulo. Numa noite, ela foi retirada da cela. “Fui torturada no próprio quartel com choques elétricos, tapas, socos e muita ameaça psicológica que não vol- taria viva para São Paulo, que voltaria separada de Ricardo (Prata Soares, seu marido), que eles me matariam durante a viagem e depois di- riam que foi um acidente, que prenderiam no- vamente a minha filha”. Em outro momento, Eleonora, que disse no texto não lembrar o nome dos torturadores, conta que pediu ao carcereiro uma revista para ler e que recebeu como resposta o catálogo tele- fônico de Belo Horizonte. O carcereiro então lhe disse: “Se quiser ler, leia isto que lhe fará muito bem, é divertido, é uma leitura leve e vocês ter- roristas não necessitam mais que isso, sobretu- do as mulheres que têm filhas como você”. A filha de Eleonora, Maria de Oliveira Soares, é um capítulo à parte nesta história, documen- tado no curta 15 filhos, disponível para down- load gratuito no YouTube. Publicitária e produ- tora que hoje mora em Nova York, ela viveu com a avó até os 3 anos. Só então se reencon- trou com a mãe, que era socióloga e militava com o marido no Partido Operário Comunista (POC). Nessa e nas prisões seguintes de Eleono- ra, os militares ameaçavam voltar a capturar sua filha e também matar o marido dela, ten- tando arrancar confissões nos interrogatórios. No filme 15 filhos é contado o drama da dita- dura do ponto de vista dos filhos de militantes políticos que foram presos e torturados. Além de Maria, filha da ministra, assina a produção do filme a cineasta Marta Nhering, de 48. Aos 6 anos, ela perdeu o pai, Norberto Nhering, mor- to pelas forças da repressão em São Paulo, em 1960. “De início, a ideia era fazer um filme sobre a época da ditadura, mas ao começar a filmar os depoimentos dos sobreviventes começamos a ver que nós, filhos de militantes políticos, contá- vamos uma história parecida de dor, que havia sido sufocada pela censura”, explica. SEM PERDÃO A ministra Eleonora Menicucci foi ouvida ontem à noite pelo Estado de Minas , voltando da Rio +20, no Rio de Janeiro, onde se encontrou com a presidente Dilma Rousseff, mas não teve chance de conversar com a antiga companheira de militância em BH sobre a série de reportagens a respeito das torturas sofridas em Minas – que disse estar acompanhando. Por telefone, a ministra fez questão de ressaltar a importância do esclarecimento dos fatos pela Comissão da Verdade, para impedir que se re- pitam episódios de tortura: “A Comissão da Ver- dade será fundamental para recuperar a me- mória histórica da época da ditadura. O esclare- cimento do que ocorreu naquele período servi- rá para evitar que se repitam as torturas viven- ciadas por milhares de jovens brasileiros e tam- bém as que ainda existem hoje.” Eleonora não se pronunciou quanto a nome de torturadores e manteve o mesmo tom do que havia dito anteriormente a presidente: “Não tenho ódio nem magoa, é um sentimento de não perdão, de superação. Sou uma pessoa que superei”, disse. IANO ANDRADE/CB/D.A PRESS - 10/2/12 Eleonora ganha abraço de Dilma na solenidade de posse como ministra Fac-símile com trecho do depoimento de Eleonora Menicucci

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E S T A D O D E M I N A S ● S E G U N D A - F E I R A , 2 5 D E J U N H O D E 2 0 1 2

POLÍTICA E D I T O R : B a p t i s t a C h a g a s d e A l m e i d a

E D I T O R - A S S I S T E N T E : R e n a t o S c a p o l a t e m p o r e

E - M A I L : p o l i t i c a . e m @ u a i . c o m . b r

T E L E F O N E : ( 3 1 ) 3 2 6 3 - 5 2 9 3

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Eleonora Menicucci contou ao Conselho de Direitos Humanos de Minas que sofreu em 1971,num quartel de Juiz de Fora, castigos semelhantes aos aplicados à amiga Dilma Rousseff

MINISTRA RELATA TORTURASANDRA KIEFER

A presidente Dilma Rousseff não é a únicaintegrante do atual governo que prestou de-poimento ao Conselho de Direitos Humanosde Minas Gerais (Conedh-MG) relatando astorturas que sofreu no período da ditadura.Nos arquivos localizados no Edifício Maletta,Centro de Belo Horizonte, também está guar-dado o processo da ministra Eleonora Meni-cucci, hoje com 68 anos, nomeada em feverei-ro para a Secretaria de Políticas para as Mulhe-res. Embora sem a mesma riqueza de detalhescontados por Dilma em 2001, o documentoreferente à ministra reforça o horror vividopelos militantes de esquerda em Minas du-rante os anos de chumbo. Eleonora conta quesofreu choques elétricos e socos, além deameaças psicológicas envolvendo a filha depouco mais de um ano e o marido.

O depoimento de Eleonora, que o Estadode Minas revela com exclusividade, não foifeito pessoalmente. Em 7 de maio de 2001, elaescreveu as suas agruras ao Conselho para rei-vindicar o direito à indenização de R$ 30 miloferecida pelo governo de Minas aos que fo-ram torturados no estado. No texto, ela relatadois momentos de terror vividos em novem-bro de 1971 no quartel militar de Juiz de Fora,para onde foi levada presa depois de viajar“brutalmente algemada” num camburão des-de o Presídio Tiradentes, em São Paulo. Numanoite, ela foi retirada da cela. “Fui torturada no

próprio quartel com choques elétricos, tapas,socos e muita ameaça psicológica que não vol-taria viva para São Paulo, que voltaria separadade Ricardo (Prata Soares, seu marido), que elesme matariam durante a viagem e depois di-riam que foi um acidente, que prenderiam no-vamente a minha filha”.

Em outro momento, Eleonora, que disse notexto não lembrar o nome dos torturadores,contaquepediuaocarcereiroumarevistaparalerequerecebeucomorespostaocatálogotele-fônicodeBeloHorizonte.Ocarcereiroentãolhedisse: “Se quiser ler, leia isto que lhe fará muitobem, é divertido, é uma leitura leve e vocês ter-roristas não necessitam mais que isso, sobretu-do as mulheres que têm filhas como você”.

AfilhadeEleonora,MariadeOliveiraSoares,é um capítulo à parte nesta história, documen-tado no curta 15 filhos, disponível para down-loadgratuitonoYouTube.Publicitáriaeprodu-tora que hoje mora em Nova York, ela viveucom a avó até os 3 anos. Só então se reencon-trou com a mãe, que era socióloga e militavacom o marido no Partido Operário Comunista(POC). Nessa e nas prisões seguintes de Eleono-ra, os militares ameaçavam voltar a capturarsua filha e também matar o marido dela, ten-tando arrancar confissões nos interrogatórios.

Nofilme15 filhosécontadoodramadadita-dura do ponto de vista dos filhos de militantespolíticos que foram presos e torturados. AlémdeMaria,filhadaministra,assinaaproduçãodofilme a cineasta Marta Nhering, de 48. Aos 6

anos, ela perdeu o pai, Norberto Nhering, mor-to pelas forças da repressão em São Paulo, em1960.“Deinício,aideiaerafazerumfilmesobreaépocadaditadura,masaocomeçarafilmarosdepoimentos dos sobreviventes começamos averquenós,filhosdemilitantespolíticos,contá-vamos uma história parecida de dor, que haviasido sufocada pela censura”, explica.

SEM PERDÃO A ministra Eleonora MenicuccifoiouvidaontemànoitepeloEstado de Minas,voltando da Rio +20, no Rio de Janeiro, onde seencontrou com a presidente Dilma Rousseff,masnãotevechancedeconversarcomaantigacompanheirademilitânciaemBHsobreasériede reportagens a respeito das torturas sofridasemMinas–que disseestaracompanhando.Portelefone, a ministra fez questão de ressaltar aimportância do esclarecimento dos fatos pelaComissão da Verdade, para impedir que se re-pitamepisódiosdetortura:“AComissãodaVer-dade será fundamental para recuperar a me-móriahistóricadaépocadaditadura.Oesclare-cimentodoqueocorreunaqueleperíodoservi-rá para evitar que se repitam as torturas viven-ciadaspormilharesdejovensbrasileirosetam-bém as que ainda existem hoje.”

Eleonoranãosepronunciouquantoanomede torturadores e manteve o mesmo tom doque havia dito anteriormente a presidente:“Nãotenhoódionemmagoa,éumsentimentode não perdão, de superação. Sou uma pessoaque superei”, disse.

IANO ANDRADE/CB/D.A PRESS - 10/2/12

Eleonora ganha abraço de Dilma na solenidade de posse como ministra

Fac-símile com trecho do depoimento de Eleonora Menicucci