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ERGONOMIA E SEGURANÇA NO SETOR AERONÁUTICO: A CONTRIBUIÇÃO DO DIAGNÓSTICO PARTICIPATIVO DE RISCOS EM UM AMBIENTE DE MANUTENÇÃO DE AERONAVES Pedro Nascimento de Lima (UNISINOS) [email protected] DANNA CAMPOS VIEIRA (UNISINOS) [email protected] MATEUS GIRARDI TEGNER (UNISINOS) [email protected] Igor Heck (UNISINOS) [email protected] Fabiano Rodrigues da Luz (UNISINOS) [email protected] Evidências apontam que a ergonomia e segurança do ambiente de manutenção de aeronaves influencia na segurança do próprio voo. Deste modo, condições de trabalho desfavoráveis tendem a diminuir a confiabilidade dos sistemas das aeronaves. Diversas abordagens para a identificação de riscos ergonômicos existem, e dentre elas emergem as abordagens participativas, como a estratégia SOBANE. Em um momento em que os acidentes aeronáuticos aumentam, emerge a seguinte questão: Qual a contribuição de métodos participativos em um ambiente de manutenção de aeronaves? Este trabalho ocupa-se de responder a esta pergunta por meio de uma pesquisa-ação. Deste modo, é conduzida um diagnóstico participativo de identificação de riscos em uma empresa de manutenção de aeronaves no rio grande do sul. A partir de evidências observadas em campo, este trabalho conclui afirmando a contribuição dos métodos participativos neste contexto, uma vez que permitiu a identificação rápida de riscos ergonômicos e o direcionamento de ações para contê-los. O trabalho conclui identificando perspectivas para o avanço do conhecimento em relação à aplicabilidade de diagnósticos participativos no contexto aeronáutico. Palavras-chave: Deparis, Manutenção de Aeronaves, Diagnóstico de Riscos Ergonômicos XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015.

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ERGONOMIA E SEGURANÇA NO

SETOR AERONÁUTICO: A

CONTRIBUIÇÃO DO DIAGNÓSTICO

PARTICIPATIVO DE RISCOS EM UM

AMBIENTE DE MANUTENÇÃO DE

AERONAVES

Pedro Nascimento de Lima (UNISINOS)

[email protected]

DANNA CAMPOS VIEIRA (UNISINOS)

[email protected]

MATEUS GIRARDI TEGNER (UNISINOS)

[email protected]

Igor Heck (UNISINOS)

[email protected]

Fabiano Rodrigues da Luz (UNISINOS)

[email protected]

Evidências apontam que a ergonomia e segurança do ambiente de

manutenção de aeronaves influencia na segurança do próprio voo.

Deste modo, condições de trabalho desfavoráveis tendem a diminuir a

confiabilidade dos sistemas das aeronaves. Diversas abordagens para

a identificação de riscos ergonômicos existem, e dentre elas emergem

as abordagens participativas, como a estratégia SOBANE. Em um

momento em que os acidentes aeronáuticos aumentam, emerge a

seguinte questão: Qual a contribuição de métodos participativos em

um ambiente de manutenção de aeronaves? Este trabalho ocupa-se de

responder a esta pergunta por meio de uma pesquisa-ação. Deste

modo, é conduzida um diagnóstico participativo de identificação de

riscos em uma empresa de manutenção de aeronaves no rio grande do

sul. A partir de evidências observadas em campo, este trabalho conclui

afirmando a contribuição dos métodos participativos neste contexto,

uma vez que permitiu a identificação rápida de riscos ergonômicos e o

direcionamento de ações para contê-los. O trabalho conclui

identificando perspectivas para o avanço do conhecimento em relação

à aplicabilidade de diagnósticos participativos no contexto

aeronáutico.

Palavras-chave: Deparis, Manutenção de Aeronaves, Diagnóstico de

Riscos Ergonômicos

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1. Introdução

Aeronaves são máquinas complexas que dependem das perfeitas condições de funcionamento

de seus componentes funcionais, salvo exceções onde hajam componentes ou sistemas com

redundâncias. De acordo com dados coletados pelo Ministério da Defesa, o número de

ocorrências de incidentes graves e acidentes vêm aumentando desde 2011, como pode ser

observado na Figura 1.

Figura 1: Total de ocorrências de incidentes graves a acidentes aeronáuticos (2004-2013)

Fonte: MINISTÉRIO DA DEFESA – CENIPA (2014).

Nesse contexto onde as falhas de aeronaves apresentam grande impacto no número de

acidentes aeronáuticos, a ergonomia do trabalho de mecânicos de manutenção aeronáutica

pode se caracterizar como eventuais causas, diretas ou indiretas, dos acidentes aéreos.

Campos (2011) traz evidências que relacionam a segurança de voo à ergonomia da

manutenção das aeronaves, afirmando que o ambiente de trabalho de manutenção de

aeronaves está intrinsicamente ligado aos problemas por falhas de mecânicas.

Considerando este contexto, faz-se necessária a identificação de riscos ergonômicos

relacionados ao trabalho dos mecânicos de aeronaves para que a própria segurança do voo

seja maximizada.

Para a identificação destes riscos existem diversos métodos, dentre eles o nível Deparis da

Estratégia SOBANE que teve seu início em meados dos anos 80, época em que o Professor

Jacques Malchaire, participava de uma pesquisa em uma siderúrgica, na qual havia

envolvimento dos funcionários através de negociações com os executivos da empresa. Na

época a pesquisa foi muito notável, pois não era comum gestores e funcionários discutirem a

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autonomia individual dos postos de trabalho. Porém, apesar dos bons resultados a pesquisa

não foi prosseguida. A partir de então Malchaire, passou a fazer mais pesquisas desta natureza

em outras empresas, onde cada vez mais comprovava sua teoria. Levou aproximadamente um

ano, para desenvolver a base do método que se dividia em três etapas: Observação, Análise e

Avaliação. Era uma síntese de outros instrumentos como perfis Renault, LEST, AVISEM,

ANCT, denominado então de guia de diálogo Deparis - Diagnóstico participativo dos riscos.

Outros aspectos teóricos também já tinham sido desenvolvidos, e outros quatro níveis da

estratégia estavam bem definidos, que incluindo o Deparis (Diagnóstico participativo dos

riscos) passou a se chamar SOBANE.

Considerando a importância da ergonomia na manutenção de aeronaves e o desenvolvimento

dos diagnósticos participativos de risco, surge a seguinte questão de pesquisa: “Qual a

contribuição dos Diagnósticos Participativos de Risco no contexto da ergonomia em

manutenção de aeronaves? ”

Este trabalho busca a resposta para esta pergunta por meio de uma avaliação sobre a

percepção dos funcionários de um posto de trabalho do setor operacional de uma empresa do

ramo de manutenção de aeronaves. Afim de introduzir o funcionário de forma participativa na

identificação dos fatores de risco que levam a um aumento nas falhas da manutenção de

aeronaves utilizando a estratégia de riscos SOBANE. Para fins deste trabalho foi aplicado

apenas o estudo no nível Deparis desta estratégia.

A seção “Revisão Bibliográfica” resgata os principais conceitos necessários ao entendimento

do problema em si, destacando a diferença que existe entre estratégias participativas e

estratégias não participativas. Em seguida, a seção “Método” apresenta a sequência de passos

seguidos para a condução do trabalho, de tal forma que o mesmo possa ser replicado

futuramente.

A seção “Resultados e Discussões” apresenta os resultados oriundos do presente estudo, e os

compara às informações observadas na revisão bibliográfica. Em seguida são apresentadas as

considerações finais do trabalho, bem como as referências bibliográficas. As tabelas utilizadas

durante a execução do trabalho são apresentadas no Apêndice A.

2. Referencial Teórico

Esta seção do trabalho destaca a visão reducionista identificada por White (1995) na maioria

dos métodos existentes, evidenciando como alternativa a estratégia SOBANE proposta por

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Malchaire (2004). Em seguida o foco é voltado ao Deparis, etapa da estratégia que tem o

objetivo de identificar riscos de forma participativa.

2.1 Métodos de Gerenciamento de Riscos

Muitos são os fatores de risco que afetam o trabalhador no desenvolvimento das suas

atividades diárias. Identificar tais fatores de risco é primordial para qualquer sistema de gestão

de segurança. Identificados os riscos necessitamos prever camadas de proteção para o

controlarmos e evitarmos doenças ocupacionais e acidentes de trabalho onde podemos citar:

concepção de processo; sistemas de controle e alarmes; alarmes em processos críticos;

sistemas de inter-travamento de segurança; dispositivos de proteção; sistemas de contenção;

planos de emergência (SALIBA, 2011).

O reconhecimento dos riscos ambientais é a primeira etapa da higiene ocupacional. Especial

atenção deve ser dada a essa etapa, pois se algum agente não for detectado, certamente não

será avaliado nem controlado (BREVIGLIERO; POSSEBON; SPINELLI, 2010).Outro autor

adiciona que para a etapa do reconhecimento dos riscos são necessários profundos

conhecimentos dos produtos envolvidos no processo, de métodos de trabalho, do fluxo dos

produtos e processos, do layout das instalações e da quantidade de funcionários envolvidos

em cada processo (SALIBA, 2011).

Após o reconhecimento, existem várias técnicas de Análise de Riscos com definição, objeto,

foco, formulário próprios: Análise Preliminar de Riscos – APR, conhecida como Análise

Preliminar de Perigos – APP; Hazard and Operbility Studies ou Estudos de Identificação de

Perigos e Operabilidade – HAZOP; Análise dos Modos de Falhas e Efeitos – AMFE; What If

ou E Se; Lista de Verificação ou Checklist; Análise por Árvore de Falhas – AAF; Análise por

Árvore de Eventos – AAE; Análise por Árvore de Causas; Inspeção Planejada, entre outros

(CARDELLA, 1999)

As análises de risco devem ser realizadas por grupos multifuncionais objetivando maior

assertividade. Esses grupos funcionais devem ser compostos pelos funcionários, pois são eles

quem operam os equipamentos nas estações, supervisão, engenharia de processos e segurança

do trabalho. Com a participação de todos os envolvidos, é possível detectar uma maior

quantidade de riscos e estabelecer a partir da expertise de cada um as camadas de proteção

para cada um dos riscos identificados (FUNDACENTRO, 2001).

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2.2 Estratégia SOBANE – Alternativa aos Métodos de Gerenciamento de Riscos

Ergonômicos Tradicionais

A necessidade por métodos que permitam o gerenciamento de riscos de forma holística não é

novidade. White (WHITE, 1995) empreendeu uma revisão na literatura, pesquisando e

avaliando de forma sistêmica os métodos disponíveis para o gerenciamento dos riscos. White

(WHITE, 1995) defende que a visão mecanicista e reducionista está inserida na maior parte

dos métodos disponíveis para a avaliação dos riscos.

Para o caso particular dos riscos ergonômicos Hignett, Wilson e Morris (2005) descrevem

exemplos nos quais abordagens participativas para a definição de soluções ergonômicas

trouxeram resultados a um custo coerente, sinalizando o potencial de tais abordagens.

Em um cenário no qual a avaliação de riscos carece de um método que permita reduzir custos,

ainda assim seja efetivo, surge a estratégia SOBANE.

Com o objetivo de tornar a prevenção de risco mais rápida, mais efetiva em relação ao custo,

e mais efetiva em coordenar as contribuições dos próprios trabalhadores em relação à

prevenção dos riscos, Malchaire (MALCHAIRE, 2004) propõe a estratégia de gerenciamento

de riscos SOBANE.

Contrapondo os custos e complexidade das análises de risco e o número de situações de risco

encontradas, Malchaire (2006) relaciona as quatro etapas de sua estratégia, conforme pode ser

observado na

Figura . Pode-se observar que, para prevenir um grande número de situações de risco, não são

necessárias técnicas tão complexas.

Figura 2 – Estratégia SOBANE

Fonte: (MALCHAIRE, 2006)

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Argumentando que são necessárias diversas competências complementares nos vários

estágios do gerenciamento de riscos, Malchaire (2006) defende que é necessária uma

estratégia para coordenar estes diversos parceiros para o aproveitamento correto de suas

competências. Deste modo, é possível que cada análise seja realizada dentro de um custo

correto e adequado conforme o estágio no qual a organização se encontre.

Para o correto entendimento da estratégia SOBANE, é necessário que sejam definidos alguns

conceitos.

Uma das definições mais importantes para utilizar a estratégia SOBANE é o entendimento

sobre o Posto de Trabalho e sobre a Situação de Trabalho. Normalmente se entende posto de

trabalho como o lugar onde um trabalhador executa uma determinada tarefa. Tal conceito

acaba se tornando obsoleto à medida que os trabalhadores se engajam em atividades

diferentes em diferentes lugares. Desta forma, o conceito de Situação de Trabalho mostra-se

mais relevante, pois se refere à todos os aspectos físicos, organizacionais, psicológicos e

sociais do trabalho (MALCHAIRE, 2004).

Outra questão relevante que é argumentada por Malchaire (2004) é que há grande

disponibilidade de métodos para mensurar os riscos ocupacionais. Proporcionalmente, pouca

atenção é dispensada para a definição das ações práticas que podem ser feitas para minimizar

a exposição (que por consequência terá impacto em tais riscos).

Desta maneira, Malchaire (2004) argumenta que existe um número muito grande de situações

de trabalho para que se possa analisar todas elas quantitativamente, e apenas após realizada tal

análise quantitativa, tomar ações que minimizem os riscos. O que ocorre é que na maioria dos

casos medidas de prevenção podem ser tomadas de imediato baseando-se na simples

observação realizada por pessoas que estão diretamente preocupadas com tais situações e que

conhecem em detalhe a situação de trabalho pois estão envolvidas com o mesmo em seu

cotidiano.

Em alguns casos, uma análise mais detalhada e técnica pode ser necessária quando a situação

de trabalho continua inaceitável, uma vez que as soluções óbvias foram implementadas.

Para a etapa do diagnóstico preliminar, Malchaire (2004) argumenta que é necessário o

desenvolvimento de uma ferramenta que tenha uma série de características, dentre as quais

podemos citar a necessidade de ser utilizável pelos próprios trabalhadores, portanto não

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requerendo conhecimento técnico aprofundado, e não requerendo o uso de medições

quantitativas.

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2.3 DEPARIS – Diagnóstico Participativo de Riscos

A estratégia SOBANE utilizada nesse trabalho, segundo J. Malchaire (2006), baseia-se na

prevenção de riscos através de uma metodologia estruturada, aplicável em qualquer tipo de

empresa. A abordagem é feita de forma progressiva observando as situações de trabalho e

coordenando a colaboração entre trabalhadores de vários níveis da organização, a fim de

realizar uma prevenção mais rápida, eficaz e menos custosa. Esta estratégia descreve quatro

níveis:

a) Diagnóstico preliminar: Detecção dos fatores de risco onde as soluções mais evidentes

são colocadas em prática.

b) Observação: Problemas que não puderam ser resolvidos são aprofundados, através da

análise de cada fator de risco, discutindo-se causas e soluções de maneira detalhada.

c) Análise: Realização de medições indispensáveis para resoluções específicas realizadas

por um prevencionista (se necessário).

d) Perícia: Especialista estuda a resolução de um problema específico

e) Neste trabalho, apresentaremos o método “Diagnóstico participativo dos riscos –

Deparis”, utilizado no nível 1 dessa estratégia.

Nesse método, a situação de trabalho é analisada e todos os aspectos que condicionam a

facilidade, a eficácia e a satisfação no trabalho são discutidos, pesquisando medidas concretas

de prevenção. A abordagem é efetuada através de uma reunião com trabalhadores chave, esta

deve ser simples, econômica em tempo e meios, tendo um papel significativo no

desenvolvimento de um plano dinâmico de gestão de riscos.

A estrutura do Método Deparis se apresenta sob a forma de 18 rubricas, questionando as

condições de trabalho quanto aos seguintes itens: locais de trabalho; organização técnica

entre os postos; postos de trabalho; riscos de acidente; comandos e sinais ; ferramentas e

materiais de trabalho; trabalho repetitivo; manuseios de carga; carga mental; iluminação;

ruído; ambientes térmicos; riscos químicos e biológicos; vibrações; relações de trabalho entre

operadores; ambiente social local e geral; conteúdo do trabalho e o ambiente psicossocial.

Para cada rubrica haverá uma breve descrição da situação desejada, lista de aspectos a serem

controlados e melhorias concretas na opinião do grupo. No quadro também existe um espaço

onde o coordenador anotará aspectos que necessitam de um estudo mais aprofundado. Após é

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feito um julgamento global, através de um sistema figurativo de cores e sorrisos, indicando

desde a situação satisfatória, mediana ou insatisfatória. A Figura 3 mostra um exemplo

utilizado nesta pesquisa.

Figura 3 – Rubrica Ambientes Térmicos

Fonte: Elaborado pelos Autores a partir de Malchaire (2006)

As ações decididas durante as discussões e que podem ser adotadas, são colocadas em um

quadro resumo de tarefas e atribuições. Essa ferramenta é utilizada dentro de um clima de

franca colaboração, direcionado a uma unidade funcional, em grupo de 3 a 7 pessoas, com

reunião organizada em local calmo e próximo aos postos de trabalho, contando com a

orientação de um coordenador.

3. Método de Pesquisa

Foi utilizado como método de pesquisa a Pesquisa-Ação, uma vez que o objetivo do trabalho

é tratar uma situação em um determinado contexto, além disto, produzindo conhecimento de

cunho prático e teórico. Por meio deste método de pesquisa, o pesquisador pode fazer parte da

implementação de mudanças no contexto e ao mesmo tempo avaliar a intervenção aplicada,

sendo este fator o que o diferencia de um estudo de caso (DRESCH; LACERDA; ANTUNES,

2015). Por meio deste método o pesquisador participa na implementação de mudanças e

envolve-se no saber formal, que está na literatura e o saber informal vivido na prática

(THIOLLENT, 2011). Por este motivo o método utilizado para este trabalho foi a pesquisa

ação.

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4. Desenvolvimento

Esta pesquisa foi conduzida em uma empresa de manutenção de aeronaves, no estado do Rio

grande do sul. Conforme o método Deparis descrito anteriormente, foram conduzidas reuniões

em grupos focais, analisando cada uma das 18 rubricas.

Após a condução do grupo focal que respondeu às perguntas realizadas, os resultados foram

compilados. O resultado da avaliação realizada nas 18 rubricas foi compilado conforme pode

ser visto na Figura 3.

Figura 3 – Síntese do Estudo Deparis na Empresa

Fonte: Os Autores

Analisando os resultados apresentados, podemos observar que os riscos mais presentes são

relacionados aos acidentes, como o de queda em altura, incêndio e explosões. Isso se deve por

que a empresa na qual o estudo de caso foi empreendido que fez parte deste estudo trabalha

grande parte do tempo com seus trabalhadores em altura, principalmente pintores e mecânicos

de fuselagem.

O risco se intensifica, pois nem sempre existem as ferramentas de trabalho adequadas (tais

como andaimes e escadas apropriadas a cada tipo de aeronave) e são necessárias adaptações

para a continuidade do trabalho.

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Também existe o risco de explosão e incêndio, pois são utilizados diversos combustíveis

inflamáveis dentro do ambiente de trabalho e se ocorrerem vazamentos acidentais, podem

ocorrer graves acidentes.

Para este tipo de situação, a equipe do SESMT necessita autorizar cada atividade que envolver

algum tipo de risco. Na teoria isso praticamente elimina o risco, mas na prática se observa a

ocorrência do não cumprimento de tais regras e o risco se intensifica.

Tirando o fato do altíssimo risco de acidentes, podemos constatar também que no geral a

empresa tem um ambiente agradável para todos os trabalhadores.

A partir de todas essas informações, foi montado o balanço final, com as mudanças a serem

implementadas, com as tarefas e quem é responsável por elas, conforme imagem a seguir.

Figura 4 – Síntese das Melhorias Propostas

Fonte: Os Autores

Após a aplicação do método na empresa, os dados foram reunidos para a análise final. A

seção seguinte destaca as principais contribuições do método Deparis para a Ergonomia em

Manutenção de Aeronaves.

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5. Análise e Considerações Finais

O método atingiu seu propósito principal e demonstrou boa aderência em um ambiente de

manutenção de aeronaves. O produto gerado pela aplicação do DEPARIS foi um relatório

com sugestões de melhorias, evidenciando os pontos a serem corrigidos no posto de trabalho

em questão. Como resultado dos pontos evidenciados pelo DEPARIS, espera-se uma redução

de incidentes críticos e acidentes no ramo aeronáutico. A execução das oportunidades de

melhoria no posto de manutenção inevitavelmente trará melhores condições de trabalho,

reduzindo possibilidades de erros por parte dos mecânicos e os riscos inerentes à saúde do

trabalhador, bem como o aumento da produtividade e qualidade de vida do mesmo.

Em grande maioria, as empresas atuam em melhorias baseando-se exclusivamente na análise

de técnicos. Apesar disto, mesmo que esta análise seja importante, é fundamental avaliar a

eficácia de outras perspectivas participativas. Angeloni (2003) suporta esta afirmação

indicando que as decisões tomadas por um grupo pessoas, de preferência interação de uma

equipe heterogênea, geram resultados mais sólidos do que as tomadas individualmente.

Dentre as contribuições deste trabalho, destaca-se o embasamento fornecido para que a

empresa possa priorizar seus investimentos, no que concerne ergonomia e segurança, de

forma mais determinística. Ao longo do trabalho em campo, observou-se que este nível da

estratégia SOBANE realmente aproxima os altos e médios gerentes dos trabalhadores de nível

técnico e operacional. Os níveis hierárquicos mais inferiores percebem a valorização de seu

trabalho diante da oportunidade de compartilhar suas opiniões. Essa cooperação mútua dos

funcionários permite uma evolução no clima participativo por parte dos trabalhadores,

gerando um bom ambiente de trabalho no âmbito organizacional, reforçando a conjectura de

que a interação de opiniões de diferentes níveis da empresa gera um maior engajamento dos

funcionários em suas respectivas atividades. Em se tratando de segurança e ergonomia, este

fator mostra-se como fundamental. Os mecânicos mais motivados e empenhados, ou

popularmente com “moral elevada”, desempenham melhor suas atividades.

Considerando os bons efeitos observados neste caso, este trabalho responde sua questão de

pesquisa indicando que a aplicação de um diagnóstico participativo de risco traz as seguintes

contribuições:

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a) Identificação rápida e objetiva de riscos: Observou-se que com baixo custo e tempo

foi possível identificar os riscos ergonômicos mais aparentes para a manutenção de

aeronaves;

b) Elevação da Adoção de boas práticas ergonômicas: Ao incluir os mecânicos no

diagnóstico de riscos, percebe-se o aumento de seu engajamento às práticas de

segurança.

A partir destes benefícios observados, conclui-se que é relevante a contribuição de um método

participativo para a identificação de riscos ergonômicos à segurança dos mecânicos de

aeronaves. Consequentemente, este tipo de diagnóstico contribuirá para a segurança do setor

aeronáutico em geral.

A partir destas conclusões, recomenda-se para futuros trabalhos a realização de um novo

estudo em postos de trabalho de manutenção de aeronaves para verificação da eficácia de um

eventual plano de ação para as recomendações geradas através do DEPARIS ao longo do

tempo, identificando novas oportunidades de melhoria a serem implementadas através da

estratégia Sobane em todos os seus níveis.

REFERÊNCIAS

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1998, p. 17–22, 2003.

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biológicos, químicos e físicos. 5. ed. São Paulo: Editora SENAC, 2010.

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Mecânicos de Aeronaves na Casualidade dos Acidentes. [s.l.] UNIVERSIDADE

FEDERAL DE PERNAMBUCO, 2011.

CARDELLA, B. Segurança no Trabalho e Prevenção de Acidentes. 1. ed. São Paulo:

Editora Atlas, 1999.

DRESCH, A.; LACERDA, D. P.; ANTUNES, J. A. V. Design Science Research: Método

de Pesquisa para o Avanço da Ciência e Tecnologia. 1. ed. Porto Alegre: Bookman, 2015.

FUNDACENTRO. PONTOS DE VERIFICAÇÃO ERGONÔMICA. 1. ed. [s.l: s.n.].

HIGNETT, S.; WILSON, J. R.; MORRIS, W. Finding ergonomic solutions--participatory

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MALCHAIRE, J. B. The SOBANE risk management strategy and the Déparis method for the

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SALIBA, E. T. Manual Prático de Higiene Ocupacional e PPRA. 3. ed. São Paulo: Editora

LTR, 2011.

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