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ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING

MESTRADO PROFISSIONAL EM PRODUÇÃO JORNALÍSTICA E MERCADO

Narrativa, expressividade e potencialidades na reportagem multimídia:

o caso Um Mundo de Muros

Emilio José de Sant’Anna Neto

São Paulo

2019

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Emilio José de Sant’Anna Neto

Narrativa, expressividade e potencialidades na reportagem multimídia:

o caso Um Mundo de Muros

Dissertação apresentada à ESPM como

requisito para obtenção do título de

Mestre no Mestrado Profissional em

Produção Jornalística e Mercado.

Orientação: Prof. Dr. Renato Essenfelder

São Paulo

2019

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Emilio José de Sant’Anna Neto

Narrativa, expressividade e potencialidades na reportagem multimídia:

o caso Um Mundo de Muros

Dissertação apresentada à ESPM como

requisito para obtenção do título de

Mestre no Mestrado Profissional em

Produção Jornalística e Mercado.

Aprovada em

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________________

Presidente – Prof. Dr. Renato Essenfelder Orientador, MPPJM, ESPM-SP

____________________________________________________________

Membro: Prof.ª. Dr.ª Egle Müller Spinell, ESPM-SP

____________________________________________________________

Membro: Prof. Sílvio Antonio Luiz Anaz, FIAM-FAAM-SP

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Às três Anas de minha vida, a meu pai,

por me mostrar a direção,

aos amigos e professores

que tive durante a vida.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos entrevistados: Lalo de Almeida, Patrícia Campos Mello, Thea Torlaschi Severino,

Luciana Coelho e Roberto Dias por compartilharem suas experiências. À Suzana Singer pelo

apoio e incentivo para ingressar nesse caminho. Aos amigos da Folha de S.Paulo Camila

Marques e Raphael Hernandes pela ajuda, e à equipe de Cotidiano.

Aos amigos e companheiros dessa trajetória na ESPM: Jéssica, Daniela, Eduarda, Martha, Dal,

Leandro, Gusthavo, Raul, Murilo e Elly.

Meu especial agradecimento a Renato Essenfelder, pela dedicação e apoio para a realização

desta dissertação. E a aos professores Egle Müller Spinelli e Sílvio Antonio Luiz Anaz.

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O real não está no início nem no fim, ele se mostra pra gente é no

meio da travessia.

(João Guimarães Rosa, 1956)

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NETO, Emilio José de S. Narrativa, expressividade e potencialidades na reportagem

multimídia: o caso Um Mundo de Muros. 2019. Dissertação (Mestrado) - Escola Superior de

Propaganda e Marketing, ESPM, São Paulo, 2019.

RESUMO

Esta dissertação analisa a série de reportagens Um Mundo de Muros, dividida em sete capítulos

publicados entre junho e setembro de 2017 pela Folha de S.Paulo. Originada com a iniciativa

de repórteres do jornal, a série aborda o aumento do número de barreiras físicas construídas

entre países, estados e cidades de quatro continentes. Nesta dissertação, o objeto da pesquisa é

analisado quanto a suas características narrativas e de uso do potencial expressivo do meio

digital. Para tanto, o estudo recorre a referencial teórico sobre conceitos como narrativa,

narrativa digital, expressividade do meio digital, ciberjornalismo, cibercultura e ciberespaço.

Os objetivos são identificar características que definem os produtos ciberjornalísticos, bem

como possíveis caminhos futuros apontados pela série, a serem desenvolvidos em novas

experiências.

PALAVRAS-CHAVE: jornalismo; narrativas digitais; grande reportagem; expressividade,

cibercultura, ciberjornalismo

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NETO, Emilio José de S. Narrativa, expressividade e potencialidades na reportagem

multimídia: o caso Um Mundo de Muros. 2019. Dissertação (Mestrado) - Escola Superior de

Propaganda e Marketing, ESPM, São Paulo, 2019.

ABSTRACT

This dissertation analyzes the series of reports A World of Walls, divided in seven chapters

published between June and September of 2017 by Folha de S.Paulo. Originated with the

initiative of the newspaper's reporters, the series addresses the increasing number of physical

barriers built between countries, states and cities on four continents. In this dissertation, the

object of the research is analyzed regarding its narrative characteristics and use of the expressive

potential of the digital medium. For this, the study uses a theoretical reference on concepts such

as narrative, digital narrative, expressivity of the digital medium, cyberjournalism, cyberculture

and cyberspace. The objectives are to identify characteristics that define the cyberjournalistic

products, as well as possible future paths pointed out by the series, to be developed in new

experiences.

KEYWORDS: journalism; digital narratives; great report; expressivity, cyberculture,

cyberjournalism

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Tabela dos elementos multimídia presentes e futuros............................................. 31

Figura 2 – Homepage da série Um Mundo de Muros ............................................................ 48

Figura 3 – Gráfico com o aumento da construção de muros entre países .................................50

Figura 4 – Foto do muro em Lima, no Peru................................................................................52

Figura 5 – Gráfico audiência Um mundo de muros....................................................................53

Figura 6 – Gráfico audiência Um mundo de muros – Estados Unidos México...........................54

Figura 7 – Foto do capítulo EUA e México na homepage da série..........................................58

Figura 8 – Foto do capítulo México e EUA na homepage da série..........................................61

Figura 9 – Foto do capítulo Quênia e Somália na homepage da série......................................64

Figura 10 – Foto do capítulo Brasil na homepage da série ......................................................67

Figura 11 – Foto do capítulo Sérvia e Hungria na homepage da série.....................................72

Figura 12 – Foto do capítulo Peru na homepage da série.........................................................75

Figura 13 – Foto do capítulo Cisjordânia e Israel na homepage da série..................................78

Figura 14 – Foto de muro entre a Cisjordânia e Israel................................................................84

Figura 15 – Policiais húngaros em treinamento na fronteira entre a Hungria e a Sérvia.............87

Figura 16 – Crianças palestinas sobem no muro e desafiam soldados israelenses......................87

Figura 17 – Foto de Barwago, uma das esposas de Noor Addow...............................................88

Figura 18 – Foto de palestinos tentando passar da Cisjordânia para Israel.................................88

Figuras 19 e 20 – Fotos da cerca entre o México e os EUA (esq.) e imagens de crianças em

acampamento para refugiados no Quênia..................................................................................89

Figura 21 – Agentes americanos empregados na fronteira com o México.................................90

Figura 22 – Infográfico complementar à narrativa sobre o muro entre Quênia e Somália..........92

Figura 23 – Mapa da fronteira com barreiras entre EUA e México............................................93

Figura 24 – Frame de vídeo do capítulo sobre a fronteira entre México e EUA.......................94

Figura 25 – Frame de vídeo 360º do capítulo sobre a fronteira entre México e EUA..................95

Figura 26 – Frame de vídeo com infográfico animado e narração com a rota de entrada de

imigrantes clandestinos na Europa........................................................................................ 95

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Categorização das questões elaboradas para as entrevistas..................................... 41

Tabela 2 – Estratégias de objetivação ................................................................................... 45

Tabela 3 – Estratégias de subjetivação.................................................................................. 46

Tabela 4 – Elementos midiáticos presentes................................................................................56

Tabela 5 – Conflito principal e conflitos secundários................................................................57

Tabela 6 – Personagens e trama.................................................................................................58

Tabela 7 – Estratégias de objetivação........................................................................................59

Tabela 8 – Estratégias de subjetivação.......................................................................................59

Tabela 9 – Conflito principal e conflitos secundários................................................................62

Tabela 10 – Personagens e trama .......................................................................................... 62

Tabela 11 – Estratégias de objetivação......................................................................................63

Tabela 12 – Estratégias de subjetivação.....................................................................................63

Tabela 13 – Conflito principal e conflitos secundários..............................................................65

Tabela 14 – Personagens e trama...............................................................................................65

Tabela 15 – Estratégias de objetivação......................................................................................66

Tabela 16 – Estratégias de subjetivação ................................................................................ 66

Tabela 17 – Conflito principal e conflitos secundários..............................................................69

Tabela 18 – Personagens e trama...............................................................................................69

Tabela 19 – Estratégias de objetivação......................................................................................70

Tabela 20 – Estratégias de subjetivação.....................................................................................70

Tabela 21 – Conflito principal e conflitos secundários..............................................................73

Tabela 22 – Personagens e trama...............................................................................................73

Tabela 23 – Estratégias de objetivação......................................................................................74

Tabela 24 – Estratégias de subjetivação ................................................................................ 74

Tabela 25 – Conflito principal e conflitos secundários..............................................................76

Tabela 26 – Personagens e trama...............................................................................................76

Tabela 27 – Estratégias de objetivação......................................................................................77

Tabela 28 – Estratégias de subjetivação.....................................................................................77

Tabela 29 – Conflito principal e conflitos secundários..............................................................79

Tabela 30 – Personagens e trama...............................................................................................79

Tabela 31 – Estratégias de objetivação......................................................................................80

Tabela 32 – Estratégias de subjetivação.....................................................................................81

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Tabela 33 – Distribuição de blocos de fotografias por capítulo..................................................85

Tabela 34 – Distribuição de fotografias por tipo e por capítulo..................................................86

Tabela 35 – Distribuição dos infográficos por tipo e por capítulo..............................................91

Tabela 36 – Nome e função dos entrevistados...........................................................................96

Tabela 37 – Itens e características............................................................................................106

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SUMÁRIO

1 – INTRODUÇÃO.................................................................................................................10

1.1 – OBJETIVOS.....................................................................................................................13

1.2 – JUSTIFICATIVA............................................................................................................ .13

2 – CONCEITOS E REFERENCIAIS TEÓRICOS............................................................16

2.1 – ORIGENS DA NARRATIVA..........................................................................................16

2.2 – NARRATIVA JORNALÍSTICA......................................................................................18

2.3 – ANÁLISE DA PERSONAGEM.......................................................................................20

2.4 – NARRATIVA FOTOGRÁFICA E VIDEOGRÁFICA....................................................22

2.5 – INFOGRAFIAS E O DISCURSO JORNALÍSTICO.......................................................24

2.6 – CIBERCULTURA E CIBERJORNALISMO..................................................................25

2.7 – NARRATIVAS DIGITAIS E A EXPRESSIVIDADE DO MEIO..................................34

3 – METODOLOGIA..............................................................................................................39

3.1 – ABORDAGEM QUALITATIVA....................................................................................39

3.2 - REVISÃO BIBLIOGRÁFICA.........................................................................................40

3.3 – ENTREVISTAS...............................................................................................................40

3.4 – ESTUDO DE CASO.........................................................................................................42

3.5 - ANÁLISE DA NARRATIVA...........................................................................................43

3.6 – INTERPRETAÇÃO DE DADOS E RESULTADOS ......................................................46

4 – ANÁLISE DE UM MUNDO DE MUROS .....................................................................48

4.1 – O QUE É UM MUNDO DE MUROS E SOBRE O QUE TRATA? ..............................48

4.2 – ESTUDO DE CASO: UM MUNDO DE MUROS..........................................................51

4.2.1 – Um Mundo de Muros e o ciberjornalismo ........................................................55

4.2.2 – Análise de capítulos...........................................................................................57

4.2.2.1 – Estados Unidos/México .................................................................................57

4.2.3.2 – México/Estados Unidos..................................................................................61

4.2.3.3 – Quênia/Somália ..............................................................................................64

4.2.3.4 – Brasil/Brasil....................................................................................................67

4.2.3.5 – Sérvia/Hungria................................................................................................72

4.2.3.6 – Peru/Peru ........................................................................................................75

4.2.3.7 – Cisjordânia/Israel ...........................................................................................78

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4.2.3.8 – Análise comparativa das narrativas textuais....................................................81

4.2.3.9 – Análise comparativa das narrativas fotográficas.............................................84

4.2.3.10 – Análise comparativa dos infográficos...........................................................90

4.2.3.11 – Análise comparativa das narrativas videográficas.........................................93

4.3 – ANÁLISE DAS ENTREVISTAS E DISCUSSÕES.........................................................96

4.3.1 – Métodos – pauta e produção e edição.................................................................96

4.3.2 – Narrativa, expressividade digital e caminhos futuros.......................................103

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................................107

6 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................110

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1 - INTRODUÇÃO

Narrar é ato primordial do ser humano. É dessa forma que a história e o conhecimento

se propagam, passam de geração em geração. Narrar é também atividade indissociável do fazer

jornalístico. Não por acaso, repórteres se referem a suas pautas como histórias. Histórias que

são, foram ou serão contadas. Histórias do dia a dia, histórias especiais, histórias de pessoas,

expressas em números, imagens estáticas ou em movimento, impossível dissociá-las, e a forma

de contá-las, do jornalismo.

[...] os primeiros estudos da narrativa começaram a partir da Poética de

Aristóteles, escritos em torno do ano de 335 A.C. A profundidade com que

este autor analisou a tragédia foi tão grande que até hoje esta permanece sendo uma obra de referência para o entendimento da narrativa. (VIEIRA, 2001, p.

599)

Narrativas não se resumem apenas à ação de contar uma determinada história. Podem

ser entendidas como o processo que se estende da forma como a realidade é racionalizada e

sistematizada pelo narrador até a forma como esse enredo é estruturada no ato narrativo.

De tempos em tempos, a forma de contar essas histórias é afetada nesse processo seja por

mudanças socioculturais ou por avanços tecnológicos que se refletem no ato narrativo.

Assentada sobre uma construção teórica estabelecida durante o século XX, à narrativa

jornalística abriram-se possibilidades tão grandes quanto pode ser o desafio de dominar a

técnica e o potencial de expressividade que um novo meio traz em si. Passadas duas décadas

desde o surgimento da internet como realidade comercial para os meios de comunicação e para

os usuários, o processo de reconfiguração do fazer jornalístico se molda em um ambiente

emergente: o ciberespaço. É nele que sua principal atividade experimenta e exprime suas

mudanças. “O termo [ciberespaço] específica não apenas a infraestrutura material da

comunicação digital, mas também o universo oceânico de informação que ela abriga, assim

como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo.” (LÉVY, 1999, p. 17).

É nesse ambiente que uma nova gramática para o fazer jornalístico e sua narrativa se

desenvolvem. Ocorre que a emergência de um meio não significa sua apropriação instantânea.

Pelo contrário, os primeiros anos do jornalismo feito na web foram marcados pelo modelo de

transposição do conteúdo do meio impresso para os meios digitais.

Repensar a forma de produção jornalística e as possibilidades abertas pelo campo digital,

sem perder suas características primárias e essenciais, é premente ao jornalismo, não apenas

porque este precisa encontrar uma forma de atravessar a crise do modelo de financiamento,

aberta pelos próprios meios digitais e pela mudança de paradigma para um formato pós-

industrial, mas também porque esse movimento obedece a uma ordem natural de ocupar

espaços abertos pela emergência desses novos meios.

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Ainda que iniciativas tenham sido feitas desde o início deste século, foi apenas em 2012

que uma reportagem se estabeleceu como experiência norteadora para a narrativa jornalística

multimídia. Naquele ano, o jornal The New York Times publicou Snow Fall, uma reportagem

multimídia sobre uma nevasca. O título da reportagem acabou assumindo um novo significado:

se tornou sinônimo de uma determinada forma de produção narrativa com a utilização

coordenada de mídias convergentes. Desde então, Snow Fall inspirou outros veículos de

comunicação, que parecem ter despertado para a possibilidade de estabelecerem modelos

complexos combinando diferentes recursos narrativos de forma orgânica, mas nem sempre

singular.

Snow Fall virou também uma espécie de jargão jornalístico para identificar a

combinação ideal de canais de comunicação numa narrativa online, graças à rara felicidade do produtor John Branch em usar o recurso certo para a situação

adequada na hora de contar a história da avalancha. (CASTILHO, 2013)

O que se seguiu, no próprio NYT e em outros jornais, foi a gradual experimentação

desse formato que, longe de ser uma novidade em si, marcou uma espécie de retomada no

campo experimental nos meios digitais. Esse processo foi estimulado, notadamente, pelo

desenvolvimento tecnológico e pelas possibilidades cada vez maiores – e mais rápidas – de

conexão, processo que potencialmente deve continuar a se expandir com a introdução de

tecnologias de informação que possibilitem conexões ainda mais rápidas, como a chegada da

tecnologia 5G1.

Até 2020, estimamos que metade de toda a visualização de TV e vídeo será

feita em uma tela móvel - um aumento de 85% desde 2010. Quase um quarto

dos usuários estará sozinho em smartphones, o que representa um aumento de

quase 160% desde 2010. O tempo total de visualização também deve aumentar,

chegando a aproximadamente 31 horas por semana até 2020 - cerca de uma

hora a mais que hoje. (CONSUMERLAB TV AND MEDIA, 2017, tradução

nossa)

Ainda que o caminho não tenha se iniciado quando da publicação de Snow Fall, é

possível dizer que essa iniciativa se tornou um ponto balizador para outras, dada sua

competência em ocupar espaços ainda então pouco explorados de expressividade digital e dada

sua repercussão entre outros veículos mundo afora.

Esse impulso ao desenvolvimento das narrativas multimídia se deu ao mesmo tempo em

1 A quinta geração de conectividade móvel (5G, com potencial de velocidade de 1.000 mbps) não deve chegar tão

cedo ao Brasil. Além das dificuldades financeiras, há fatores técnicos e regulatórios no caminho. A projeção mais

realista é a de que o Brasil tenha conexões 5G no mercado em 2021. (SOARES, Tecnologia 5G só deve chegar ao

mercado nacional em 2021. Folha de S.Paulo, 01/02/2019. Disponível em http

s://www1.folha.uol.com.br/seminariosfolha/2019/02/tecnologia-5g-so-deve-chegar-ao-mercado-nacional-em-

2021.shtml [última consulta em maio de 2019]

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que a evolução tecnológica possibilitou melhores conexão e navegação aos usuários. Sem isso,

muito da experiência que essas narrativas proporcionam se perderia, ou então, nem seria

possível.

Processo semelhante ocorreu em outras mídias como o cinema e a televisão, e mesmo o

livro. Ao gradual avanço tecnológico corresponderam novas formas narrativas nesses meios.

Dos primeiros filmes mudos às salas de projeção 3D, uma gramática própria e apropriada ao

meio se desenvolveu ao longo do tempo e a partir de diversas experimentações (MURRAY,

2003).

Snow Fall marcou uma inovação na forma de narrativa multimídia e o modelo se

espalhou por outros veículos, incluindo os brasileiros. Objeto de estudo desta dissertação, a

série de reportagens Um Mundo de Muros, publicada pelo jornal Folha de S.Paulo e veiculada

em seu site entre junho e setembro de 2017, é um dos exemplos. A questão que este trabalho

responde é se a série, da forma como foi elaborada, contempla as possibilidades da narrativa

digital e aponta para novas potencialidades que possam vir a ser desenvolvidas e usadas no

futuro por outras experiências.

Também publicada no jornal impresso, Um mundo de Muros aborda o aumento do

número de muros em todo mundo e o cotidiano de moradores de quatro diferentes continentes

que convivem com a presença forçada dessas barreiras. Para alcançar os objetivos estabelecidos

para este trabalho e investigar em profundidade os formatos narrativos empregados, a pesquisa

foi dividida em seis capítulos: Introdução, Conceitos e Referenciais Teóricos, Metodologia,

Análise de O mundo de muros, Considerações Finais e Referências Bibliográficas.

No segundo capítulo são abordados os conceitos e referenciais teóricos da narrativa e

da narrativa digital. Nesse capítulo, os conceitos de ciberespaço, cibercultura e ciberjornalismo

são explicitados. A expressividade do meio digital, em que se dá o processo narrativo aqui

estudado, também é abordada. O contexto histórico e cultural em que esses fenômenos se

desenvolveram e como o jornalismo foi impactado fazem parte dessa etapa da dissertação. Para

isso, são utilizados autores como Benjamin (1994), Lévy (1999), Murray (2003), Motta (2013),

Lorenz (2014), Palacios (2014), Salaverría (2014) e Canavilhas e Baccin (2015). Pesquisas

fazem parte do referencial teórico aqui desenvolvido.

O capítulo “Metodologia” apresenta os principais referenciais metodológicos

empregados para a análise da série de reportagens. A metodologia é baseada na abordagem

qualitativa, com a definição dos critérios para a realização de entrevistas com alguns dos

realizadores de Um mundo de muros e para a análise do conteúdo das reportagens, além da

Análise Pragmática da Narrativa, desenvolvida por Motta e amplamente utilizada por outros

autores que se dedicam ao tema.

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No capítulo “Análise de O mundo de muros”, é feita a análise de cada um dos sete

capítulos da série em relação aos itens que constituem a narrativa digital – textos, fotografias,

vídeos e infográficos – e em relação ao que configura o ciberjornalismo. O objetivo primário é

levantar as características do objeto que possam ir de encontro ao referencial teórico e, também,

o que não está completamente de acordo com a literatura. O segundo ponto a ser observado,

com base nos itens anteriores e com o auxílio das entrevistas com alguns dos realizadores do

projeto, é a investigação da presença de características e escolhas narrativas que possam apontar

para possíveis caminhos futuros a serem desenvolvidos em novas experiências.

1.1 – OBJETIVOS

O objetivo geral é analisar em que medida Um Mundo de Muros contempla

possiblidades abertas pelo ciberjornalismo, segue padrões identificados por teóricos e

estabelecidos pelo mercado jornalístico, sobretudo na última década, para a produção de

narrativas digitais e para quais possíveis caminhos aponta essa experiência. Como objetivos

específicos, esta dissertação avalia a expressividade digital da narrativa e como são aplicados

os conceitos do ciberjornalismo. Além disso, é analisado o método utilizado para edição e

organização das informações – índice, texto de abertura, textos das reportagens, fotos, vídeos,

mapas, links – e como esses diferentes elementos são combinados. O presente trabalho também

investiga as escolhas narrativas que resultaram no formato do produto e como são aplicados na

edição da série de reportagens os conceitos de hipertextualidade, multimidialidade e

interatividade, sistematizados por autores como Salaverría, Schwingel, Canavilhas, entre outros.

1.2 – JUSTIFICATIVA

O estudo de caso da série Um mundo de muros torna-se especialmente relevante quando

essa iniciativa, analisada isoladamente dentro do contexto mais amplo de produção geral,

marcado por tentativas, acertos e desacertos, tornou-se uma das mais exitosas dentre os meios

de comunicação brasileiros que se aventuram pelo caminho do estabelecimento de modelos de

expressividade no meio digital.

Mesmo que as bases epistemológicas da produção científica no campo da narratologia

e da narrativa jornalística já tenham sido lançadas e sistematizadas durante o século passado, e

esta não seja essencialmente diferente do modelo aplicado às narrativas na multimidialidade

enquanto paradigma norteador de sua produção, a ocupação desse espaço, o digital, com

linguagem e gramática próprias, não se dá de forma gradual e constante.

O jornalismo, como prática social e ainda campo de pesquisa científica,

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desenvolveu a sua própria história, no decurso da qual acumulou um

patrimônio específico de teorias, paradigmas, técnicas, métodos, obras de referência etc.; ou seja, elaborou a sua própria cultura. (BERTOCCHI, 2007,

p. 8)

O processo de estabelecimento dessa gramática jornalística no meio digital

experimentou um salto qualitativo e quantitativo quando se observa o que ocorreu em veículos

de imprensa nacionais, reflexo de uma aparente tendência nos principais jornais, sobretudo os

periódicos norte-americanos. Esse processo, no entanto, é lento e não ocorrerá sem

investimentos e experimentações.

Empiricamente pode-se notar que, no que se refere às narrativas digitais, mesmo após

o estabelecimento de meios mais rápidos e eficazes de conexão, notadamente a tecnologia de

banda larga, essas iniciativas não tiveram crescimento exponencial. Antes disso, o que

prevaleceu durante boa parte da primeira década e parte da segunda do século XXI foram

modelos de transposição do conteúdo do meio impresso para os meios digitais.

O paradoxo não é novo e reforça a constatação de que uma nova tecnologia por si só

não modifica os hábitos de uma de uma determinada sociedade. O que a modifica é sim o uso

que se faz dessa tecnologia. Quanto mais ou menos efetivo seu emprego, mais ou menos

modificados serão esses hábitos e, por fim, a própria sociedade.

Transpondo essa perspectiva para o campo das narrativas, o mesmo processo se deu

com o advento de novas formas de comunicação. Assim como o cinema e a televisão, os meios

digitais não surgiram já com uma “nova gramática” e não mudaram imediatamente a forma de

consumo de informação. O cinema, durante seus primeiros anos, emulava as técnicas do teatro,

e a televisão, o rádio. O estabelecimento de linguagens próprias que se adaptassem e ocupassem

toda a potencialidade dos meios se deu com o tempo e com a consequente viabilidade comercial

dos novos suportes. Murray (2003) dá o exemplo do livro impresso, que levou mais de

cinquenta anos para se tornar um meio coerente de comunicação a partir das diversas

convenções que foram sendo estabelecidas – numeração de páginas, uso de parágrafos, divisão

de capítulos, entre outras.

Tal constatação reforça a importância do estabelecimento de um fazer próprio da

narrativa jornalística que se apodere e explore as potencialidades dos meios digitais, um fazer

que se estabeleça e se reconheça como forma de expressividade.

As histórias impressas e nos filmes estão pressionando os formatos lineares

do passado, não por mera diversão, mas num esforço para exprimir uma

percepção que caracteriza o século XX, ou seja, a vida enquanto composição

de possibilidades paralelas (...). Para apreender um enredo que se bifurca tão constantemente, entretanto, é preciso mais do que um denso romance

labiríntico ou uma sequência de filmes. Para capturar de fato essa cascata de

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permutações, é preciso um computador. (MURRAY, 2003, p. 49)

O caso aqui estudado, Um Mundo de Muros, alcançou prêmios como o Rei de Espanha

– premiação internacional de trabalhos jornalísticos, entregue pessoalmente pelo

monarca espanhol Juan Carlo – e reconhecimento do mercado e da academia. Torna-se, então,

importante objeto de pesquisa e sua análise pode permitir o reconhecimento do atual estágio de

desenvolvimento dos modelos de narrativas digitais neste que é o maior jornal brasileiro na

soma das circulações 2 impressa e online e pode apontar, dado o estágio alcançado de

complexidade, para caminhos futuros.

O mesmo caminho trilhou a reportagem do New York Times. Assim como o aqui

proposto, sua análise também foi de grande importância para o que se seguiu no próprio veículo

norte-americano, onde o êxito do modelo empregado em Snow Fall originou novas experiências.

Por acreditar que o objeto aqui estudado contém características que possam diferenciá-lo dos

demais, e que essa análise pode trazer reflexões para futuras experiências, a pesquisa torna-se

relevante para o atual estágio de desenvolvimento da gramática própria das narrativas digitais.

2 De acordo com dados do IVC (Instituto Verificador de Circulação), em dezembro de 2017, a Folha de S.Paulo

tinha 285 mil assinantes entre impresso e online. O jornal era seguido por O Globo (243 mil) e Super Notícia (204

mil). Fonte: Poder 360

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2 – CONCEITOS E REFERENCIAIS TEÓRICOS

2.1 – ORIGENS DA NARRATIVA

Narrar é, antes de tudo, a tentativa primeira de imprimir ordem ao caos e dar coerência

aos fatos tal qual ocorrem e se sucedem. É através das narrativas que o conhecimento do

Homem sobre o Homem, sobre o mundo ao seu redor e sobre a forma como o apreende é

traduzido, sistematizado e repassado através dos tempos.

Objeto de estudo de áreas diversas como a Comunicação, a História, a Educação e a

Psicologia, narrar é, segundo o psicólogo norte-americano Jerome Bruner, ato antecessor até

mesmo à fala. De acordo com Luiz Gonzaga Motta, “a partir dos enunciados narrativos somos

capazes de colocar as coisas em relação umas com as outras em uma ordem e perspectiva, em

um desenrolar lógico e cronológico.” É a enunciação dos estados de transformação que organiza

o discurso narrativo, que produz significações e dá sentido às coisas e aos nossos atos.

(MOTTA, 2013, p. 2)

A troca de experiências, para o filósofo alemão Walter Benjamin, é o ato inicial da

experiência narrativa. Segundo ele, os pioneiros a colocar oralmente em curso as narrativas, ou

seja, a contar histórias, seriam os camponeses sedentários, guardiões das tradições de suas terras,

e os que se aventuravam pelos mares, que traziam novas histórias a cada regresso. Para

Benjamin, a tradição oral é o fundamento do ato narrativo, e os detentores dessa capacidade

comunicacional seriam os mais sábios dentro das sociedades antigas e, também, os mais

respeitados e valorizados.

O filósofo alemão expressa sua inquietação quanto ao desaparecimento da tradição oral

de repassar histórias ante o surgimento de uma forma comunicacional mais direta, clara e

objetiva: a imprensa moderna. Em sua obra O Narrador, de 1936, ele afirma que após a volta

dos soldados da Primeira Guerra Mundial, ficou nítido que essa tradição oral sucumbia frente

às necessidades informacionais modernas. Ele faz uma distinção entre informação e narrativa:

a primeira é apropriada e consumida, terminando aí seu ciclo, a segunda se tornaria mais valiosa

e melhor de acordo com o tempo e com o quanto é repassada.

Ante a emergência das novas formas comunicacionais, Benjamin lamenta o que para ele

é a morte do narrador. Sobre as histórias escritas, afirma, “as melhores são as que menos se

distinguem das histórias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos”. (BENJAMIN,

1994, p. 198)

Os registros das primeiras narrativas escritas, no entanto, não datam do século vivido

pelo filósofo alemão, nem tampouco do século XV, quando do surgimento da imprensa de

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17

Gutenberg, mas sim de mais de 2.000 anos antes de Cristo. Uma das mais antigas narrativas

conhecidas é de cerca de 2.100 a.C.: a “Epopeia de Gilgamesh”, um poema épico encontrado

na antiga Mesopotâmia, atual região do Iraque, cunhado em placas de argila, conta a história

do rei e fundador da cidade de Uruk em doze cantos, com trezentos versos cada um. O poema,

de acordo com pesquisadores, antecipa mitos fundadores presentes na Bíblia, como o grande

dilúvio.

[1] Ele o abismo viu, o fundamento da terra,

Ele - - - - conheceu, ele sabedor de tudo, [3] Gilgámesh o abismo viu, o fundamento da terra,

Ele - - - - conheceu, ele sabedor de tudo.

[5] Ele - - - - da mesma maneira, De todo saber, tudo aprendeu,

[7] O que é secreto ele viu, e o coberto descobriu,

Trouxe isto e ensinou, o que antes do dilúvio era.

[9] De distante caminho volveu, cansado e pacificado, Numa estela pôs então o seu labor por inteiro. (BRANDÃO, 2014, p. 129)

A narrativa e suas implicações são objeto de estudo e sistematização desde a Grécia

Antiga. Em sua Poética, Aristóteles já se ocupava da análise do ato narrativo e das formas como

esse se apresentava na antiguidade clássica. As diferenças entre Poesia e História, por exemplo,

foram identificadas e classificadas por ele. Apenas a primeira poderia ser considerada arte, uma

vez que apenas esta utilizava a mimese3.

Essa característica foi amplamente abordada por Aristóteles em sua obra, que mergulha

na análise da Tragédia e estabelece uma característica do ser humano que fez da poesia algo

possível. “A tendência para a imitação é instintiva no homem, desde a infância. Neste ponto

distinguem-se os humanos de todos os outros seres vivos: por sua aptidão muito desenvolvida

para a imitação.” (ARISTÓTELES)

[...] os primeiros estudos da narrativa começaram a partir da Poética de

Aristóteles, escritos em torno do ano de 335 a.C. A profundidade com que este

autor analisou a tragédia foi tão grande que até hoje esta permanece sendo

uma obra de referência para o entendimento da narrativa. (VIEIRA, 2001, p.

599)

3 Logo após delimitar seu universo de investigação nas linhas inaugurais da Poética, Aristóteles nos dá uma

definição geral de poesia: “De fato, a composição épica, bem como a composição da tragédia, e ainda a comédia,

a arte do ditirambo e a maior parte da aulética e da citarística, todas são, no geral, mímeses” (1447a 13-15). A

característica necessária de toda poesia, portanto, é a imitação, mímēsis. Contudo, como já assinalamos, a

explicação autoral do que seja a mímēsis nos é inacessível – não a temos nem na Poética nem nos demais textos

do Corpus. Sabe-se que o conceito é uma herança da Academia, porém, ao contrário do mestre, que condena certo

tipo de poesia mimética, Aristóteles parece reabilitar a mímēsis. De fato, a despeito da explanação ausente, é

consensual entre os comentadores que a imitação em Aristóteles não se identifica com nenhum realismo grosseiro.

(SILVA, 2013, p.221)

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Narrativa é também uma forma de poder. Nenhum ato narrativo, seja ele histórico,

jornalístico ou outro, é isento de carga ideológica ou deixa de ser permeado pelo contexto

sociocultural em que é produzido, assim como seus efeitos no receptor, intencionais ou não,

não podem deixar de ser considerados sob a ótica desse paradigma.

Quem narra evoca eventos conhecidos, seja porque os inventa, seja porque os tenha vivido ou presenciado diretamente (atitude de alteridade). Revela, assim,

uma tendência para a exteriorização temporal, para uma atitude de

distanciamento autônomo. Mas sempre de forma verossímil, como se os houvesse presenciado. Narrar é uma técnica de enunciação dramática da

realidade, de modo a envolver o ouvinte na estória narrada. Narrar não é,

portanto, apenas contar ingenuamente uma história, é uma atitude

argumentativa, um dispositivo de linguagem persuasivo, sedutor e envolvente. Narrar é uma atitude - quem narra quer produzir certos efeitos de sentido

através da narração. (MOTTA, 2013, p. 74)

Segundo Foucault (2007), assim também os discursos, sejam eles “religiosos,

judiciários, terapêuticos e, em parte também, políticos” não podem deixar de ser considerados

uma forma de expressão de poder e parte da prática que se subordina aos papéis

preestabelecidos dos sujeitos.

2.2 – NARRATIVA JORNALÍSTICA

Sendo o ato narrativo parte constituinte não só do comportamento humano, como

também de suas diferentes manifestações, a atividade jornalística não é excluída desse processo.

Pelo contrário, narrar é a atividade principal do fazer jornalístico.

A narrativa é, portanto, uma combinação entre a história que se quer contar e

a representação discursiva dessa história (HERMAN; JAHN; RYAN apud MARQUES). Se a esta definição juntarmos as três caraterísticas do processo

narrativo identificadas no Dicionário de Narratologia, de Carlos Reis e Ana

Lopes (1990: 263), o distanciamento do narrador em relação aos fatos

narrados, a caraterização e descrição de um mundo autônomo, normalmente com uma atitude distanciada por parte do narrador (exteriorização) e a

sucessividade dos fatos narrados no tempo (dinâmica temporal), estamos,

então, em condições de afirmar, sem hesitações, que qualquer texto jornalístico se consubstancia no modo narrativo. (MARQUES, 2016, p. 35)

Não por acaso, como visto, repórteres se referem a suas pautas como histórias. São essas

histórias a matéria-prima do fazer jornalístico que se expressa através da narrativa. Dessa forma,

não há processo comunicativo completo no jornalismo sem ela, assim como é desejável que a

mesma seja refletida à luz de seu conhecimento.

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Poder-se-ia dizer que o jornalismo é um conjunto de ‘estórias’, ‘estórias’ da

vida, ‘estórias’ das estrelas, ‘estórias’ de triunfo e tragédia. Será apenas coincidência que os membros da comunidade jornalística se refiram às

notícias, a sua principal preocupação, como ‘estórias’? (TRAQUINA, 2005,

p.21)

Uma vez que é o jornalismo uma forma de representação do mundo construído e

apreendido pelo Homem, e fundamentado sobre o ato narrativo, este não existe livre de um

processo de interações socioculturais e causador de efeitos, sejam eles intencionais ou não.

Dessa forma, a narrativa jornalística lança mão de uma série de jogos de linguagem, como

pontua Motta, notadamente permeados pelo discurso. Assim, a narratologia pode ser analisada

não apenas como desdobramento dos estudos da linguagem, mas também como expressão de

uma determinada sociedade em que esses discursos são produzidos.

A narratologia é a teoria da narrativa. Abarca também os métodos e os

procedimentos empregados na análise das narrativas humanas. É, portanto,

um campo e um método de análise das práticas culturais. Como a concebemos aqui, a narratologia é um ramo das ciências humanas que estuda os sistemas

narrativos no seio das sociedades. Dedica-se ao estudo das relações humanas

que produzem sentidos através de expressões narrativas, sejam elas factuais

(jornalismo, história, biografias) ou ficcionais (contos, filmes, telenovelas, videoclipes, histórias em quadrinho). Procura entender como os sujeitos

sociais constroem os seus significados através da apreensão, compreensão e

expressão narrativa da realidade. (MOTTA, 2013, p. 2)

Para o autor, diferentemente do que ocorre com a narrativa ficcional, que contém em si

mesma início, meio e fim, essa análise da narrativa jornalística deve ser feita reconstituindo-se

e recriando-se uma narrativa completa com a justaposição de diferentes textos jornalísticos

sobre o mesmo assunto separados no tempo, dia após dia. Isso se deve à natureza da narrativa

jornalística, que parte do factual e nem sempre se completa temporalmente. Dessa forma,

reunindo-se diferentes textos sobre o mesmo tema, atinge-se o objetivo de criar um enredo com

clímax e desfecho.

Podemos aqui ressaltar, como exemplo, a cobertura jornalística de atores políticos

envolvidos em escândalos e às voltas com a Justiça. Muitas vezes, o que essa cobertura diária

do jornalismo nos dá são textos isolados que aparentemente não contêm narratividade, mas sim

a justaposição de fatos. Ocorre, no entanto, que o acompanhamento de perto dessa cobertura e

a reconstrução, via diferentes reportagens sobre o mesmo caso, pode revelar um enredo

completo, bem como as intenções do discurso e os possíveis efeitos que se completam no leitor.

A realidade recriada adquire então nova estrutura, clímax e desfechos de histórias que se encaixam em uma narrativa inédita e completa. As notícias

unitárias passam a ser parte de um acontecimento integral. É assim que

percebemos e construímos, através da memória, a nossa realidade no mundo

da vida: a vida se transforma em arte (em narrativas dramáticas) e a arte se

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converte em um veículo através do qual a realidade se torna manifesta.

Construímos então as nossas identidades, a nossa biografia, a nossa história, nosso passado, presente e futuro. (MOTTA, 2013, p. 3)

Ponto importante da análise proposta pelo autor 4 são os recursos e as figuras de

linguagem utilizadas pelo texto jornalístico. São esses elementos que irão remeter aos leitores

as interpretações subjetivas do fato narrado.

Por “interpretações subjetivas”, entendemos as interpretações que são próprias

do sujeito, ou seja, acompanhamos o pensamento de Benveniste, segundo o

qual a “subjetividade corresponde à capacidade do locutor para se propor como sujeito” (1991, p. 286) – são, assim, únicas, fruto de um complexo

entrecruzamento entre experiências e vivências pessoais e identidades sociais.

No caso do discurso jornalístico, as passagens ditas de subjetivação seriam,

portanto, aquelas em que o autor se coloca como sujeito e evoca a constituição de um outro sujeito em dialogia com ele, estabelecendo uma relação Eu-Tu.

(ESSENFELDER, 2017, p. 39).

Esses recursos de retórica, sustenta Motta (2013, p. 9) causam efeitos como surpresa,

comoção, empatia etc., e estão presentes em abundância nas narrativas jornalísticas, em

manchetes, títulos, legendas, fotografias e imagens televisivas. Também se revelam nas

escolhas léxicas, nos verbos empregados, adjetivos e substantivos, por exemplo. Assim como

podem ser percebidos nas figuras de linguagem como as metáforas, sinédoques, sinonímia,

hipérboles.

2.3 – ANÁLISE DA PERSONAGEM

Elemento central na narrativa jornalística, a personagem deve ser analisada com especial

atenção, pois é o eixo em torno do qual as ações e a intriga se desenrolam, principalmente na

reportagem. De acordo com a proposta de Motta (2013) para uma análise da narrativa, a

identificação da personagem e de sua dinâmica dentro da história narrada “ocorre

concomitantemente com a identificação dos episódios porque as personagens são atores que

realizam coisas (funções) na progressão da história”. Assim como ocorre na narrativa ficcional,

estas podem ser identificadas como protagonistas, antagonistas, heróis, anti-heróis, doadores,

ajudantes etc. Ou seja, a construção de suas características se dá de acordo com a função que

desempenham na narrativa.

Cabe ressaltar, no entanto, que ainda que tenham semelhanças à definição das

personagens ficcionais, as personagens nas narrativas jornalísticas diferem no que diz respeito

4 A Análise Pragmática da Narrativa Jornalística, proposta por Motta, é apresentada detalhadamente no capítulo

que trata da metodologia empregada nesta dissertação.

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a sua construção por guardarem características fundadas no real, por mais que possam ser

analisadas como produto das escolhas do jornalista, pois é este que vai moldá-las de acordo

com as características elencadas e descritas e também pelas falas selecionadas.

A personagem jornalística é submetida a um trabalho de construção e composição que nos impede de a lermos como o reflexo especular da figura

real que lhe deu origem. Antes de mais porque o jornalista capta apenas alguns

traços que permitam identificá-la de modo célere e eficaz, privilegiando a existência de personagens planas que se submetam a uma economia narrativa

e sejam de fácil leitura. (PEIXINHO apud MARQUES, 2016, p. 26).

Motta parte da reflexão de Mário Mesquita (2002) para estabelecer a ambivalência da

personagem jornalística entre a construção do autor/jornalista e a recepção feita pelo leitor

baseada em um modelo de crenças e valores. A partir do que apresenta Mesquita, ele estabelece

que a personagem é a representação de uma pessoa com existência real e esta “é sempre

irredutível às narrativas que se contam a seu respeito”. Ocorre, porém, “que sabemos dessa

pessoa apenas a personagem que os mídia nos oferece.”

Personagens do mundo do espetáculo, da política, da aristocracia e dos esportes retratados cada dia pelo jornalismo operam uma circulação

permanente entre o mundo da identificação e o da projeção e suscitam

simpatias, compaixões, dores e angústias, como ocorre na arte (na literatura). A personagem constitui uma construção não apenas do texto, mas igualmente

uma reconstrução do receptor (MOTTA, 2013, p. 8).

Em outras palavras, como afirma Roland Barthes (1970), “a personagem é um ser de

papel, e não um indivíduo de carne e osso.” A forma como o jornalismo apresenta essa

personagem é também parte de uma práxis aparentemente bem estabelecida. Esse “ser de

papel”, que guarda relação com o real, e tem sua construção no texto e configuração no receptor,

pode ser também entendido como elemento central para a imersão em grandes narrativas

jornalísticas, como defendem autores como Peixinho e Marques (2016).

A defesa da aplicação do storytelling ao jornalismo passa também, portanto,

pelo incentivo ao investimento nas personagens, até enquanto elemento

diferenciador dos textos: “no lugar de noticiar o que todos os veículos já noticiaram, são escolhidos ângulos desenvolvidos sobre história de

personagens” não se pretendendo, com isso, “tirar os relatos jornalísticos do

campo noticioso e reclassificá-los na literatura”. (PEIXINHO; MARQUES,

2016, apud CUNHA; MANTELLO, 2014, p. 65)

Sendo para o jornalista a reportagem oportunidade de aprofundamento do fato, ou dos

fatos, narrados, a personagem constitui, também, oportunidade de maior envolvimento do leitor

com a narrativa. Esse encontro pode ser dar a partir da maior identificação deste com,

recorrendo à metáfora barthesiana, o “ser de papel”, representado como reflexo do processo de

escolhas do narrador e apreendido pela visão e experiência do real do receptor. Assim, há que

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22

se estabelecer a construção das personagens, calcadas no real, como estratégia possível de

imersão no texto.

2.4 – NARRATIVA FOTOGRÁFICA E VIDEOGRÁFICA

Não apenas o texto deve ser considerado objeto de análise da narrativa. O mesmo se

aplica a fotografia, aos vídeos e infografias. As fotos, no entanto, nem sempre são entendidas

como expressão, dotadas de sintaxe própria, resultado de uma escolha narrativa, por mais que

sejam acessíveis e reprodutíveis, como afirma Susan Sontag (2004).

O que está escrito sobre uma pessoa ou um fato é, declaradamente, uma

interpretação, do mesmo modo que as manifestações visuais feitas à mão,

como pinturas e desenhos. Imagens fotografadas não parecem manifestações a respeito do mundo, mas sim pedaços dele, miniaturas da realidade que

qualquer um pode fazer ou adquirir. (SONTAG, 2004, p. 8)

Para Vilém Flusser (1985), assim como a escrita inaugura a história, a invenção das

imagens técnicas inaugura a pós-história, o processo circular que retraduz textos em imagens.

Se o paralelo é válido, o mesmo deve ser entendido em relação às narrativas e discursos que a

fotografia expressa.

Para Sontag (2004), trata-se do estabelecimento de um código visual. “Ao nos ensinar

um novo código visual, as fotos modificam e ampliam nossas ideias sobre o que vale a pena

olhar e sobre o que temos o direito de observar. Constituem uma gramática e, mais importante

ainda, uma ética do ver.” (SONTAG, 2004, p. 13)

Essa gramática, por certo, também se estabelece na ação do fotojornalismo, campo

aberto para as discussões entre indicialidade e expressão. De acordo com André Rouillé (2009),

a expressividade é deixada em segundo plano em função da associação da imagem com seu

referente.

Os objetos, a paisagem, as coisas, os móveis, os corpos são materiais estéticos.

O que é materialmente necessário para que as fotos existam; porém, não é a mesa que está na imagem, mas a mesa traduzida por um olhar, uma técnica,

uma estética etc. Meu desacordo com Barthes não é uma mera oposição, é

uma diferença filosófica total sobre a maneira como pensamos as imagens. (ROUILLÉ, 2008 e 2009)

Ao discordar de Barthes e da ideia que a fotografia não é um objeto expressivo em si

mesmo, Rouillé levanta a questão sobre autoralidade, cuja morte é anunciada por Barthes

(1998), e a intenção expressiva que se mostra, na fotografia, mesmo no simples ato da escolha

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de ângulos e perspectivas que irão construir a expressão da imagem e se completar nos olhos

do destinatário.

Ao contrário da fotografia-documento, a fotografia-expressão não apregoa a relação direta com o referente, nem a imagem transparente. Neste caso, toma-

se a fotografia como uma experiência da imagem em si e com isso aqueles

aspectos antes rejeitados pelo documento se fortalecem: a dimensão poética, o autor (sua subjetividade) e o Outro em diálogo com o processo fotográfico.

É com a expressão que a fotografia mostra não ser mais mero efeito do

referente, mas sim, um processo capaz de contribuir no “fazer” da

representação. Assim, passa a distinguir o sentido da imagem da coisa a qual ela faz referência. As preocupações voltam-se para a busca por sua sintaxe

particular. (SOARES, 2010, p.244)

Nesse processo dialógico e de expressividade, as narrativas fotográficas podem ser

entendidas e analisadas. Como se constroem e se completam no nível discursivo, passam assim

a fazer parte do percurso de investigação da pesquisa.

O mesmo se aplica à narrativa videográfica. Quando faz parte de um produto multimídia,

no entanto, é importante observar que essa narrativa, no campo jornalístico, originalmente

documental e linear, pode abarcar novas formas de expressão. Como parte do ciberespaço, não

só a forma de produção, mas também a estrutura narrativa pode ser afetada.

Sobre a forma de produção, importante ressaltar que a imagem deixa de ser uma

sequência de quadros fotografados em uma matriz física e organizados de acordo com a

intenção de um editor e passa a ser imagem digital, composta por pequenas unidades de imagem,

pixels, “cada um deles correspondendo a valores numéricos que permitem ao computador dar

a eles uma posição precisa no espaço bidimensional da tela no interior de um sistema de

coordenadas geralmente cartesianas” (SANTAELLA; NÖTH, 2011, p.166).

A relevância dessa distinção se mostra nas possibilidades abertas ao autor/editor de

influir e alterar a programação de cada um desses pontos que compõem a imagem, posto que

são definidos digitalmente por uma combinação de valores numéricos. Essa maleabilidade da

unidade funcional da imagem reflete-se também nas infinitas possibilidades que se abrem à

expressão do conjunto dessas unidades, que é a própria imagem.

As mudanças que o digital e o ciberespaço abrem à narrativa videográfica, no entanto,

são ainda mais perceptíveis ao receptor, potencialmente transformado em interator, resultado

de uma das características dos ambientes digitais: a possibilidade de participação e interação

com o conteúdo, conforme sistematizado por Murray (2003).

A construção das páginas através de micronarrativas organiza a informação

de maneira fragmentada, mas articulada dentro da totalidade do documentário, oferecendo níveis de aprofundamento e integrando formatos distintos. Tanto

entrevistas em texto, como em áudio e vídeo, podem ser divididas por assunto

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e reorganizadas, tendo em vista a fácil movimentação do usuário na busca por

informações (EMERIM, CAVENAGHI apud RIBAS, 2003, p. 108)

Abre-se assim ao vídeo a possibilidade do desenvolvimento de uma narrativa não-linear.

Ou seja, uma narrativa que pode ter seu percurso alterado e definido, dentro dos parâmetros

pré-estabelecidos pela programação e que se revelam na produção do que se convencionou

chamar de webdocumentário5, termo que se popularizou a despeito de diferentes nomenclaturas

empregadas por diferentes autores, e que identificam os documentários produzidos dentro do

contexto do ciberespaço, mediado por computador e que pode apresentar narrativa não linear,

ou multissequencial.

2.5 – INFOGRAFIAS E O DISCURSO JORNALÍSTICO

Parte do discurso jornalístico, as infografias foram incorporadas de forma consistente e

deram origem nas décadas finais do século passado a uma série de reformas gráficas nos jornais

impressos. “Ela acabou servindo como um dos grandes motes das mudanças e reformas gráficas

nos jornais, principalmente a partir das décadas de 1980 e 90” (BAGGIO apud MORAES, 1998,

p. 81).

A Guerra do Golfo (1991) é apontada como um exemplo singular de evento

impulsionador da infografia. Ao explicar esse fenômeno, Irene Machado (2002) explica como

as transmissões de televisão do conflito se limitavam às imagens de pontos brilhantes no céu

noturno de Bagdá, ou seja, mísseis disparados contra a capital iraquiana.

O jornal impresso diário, cuja iconografia sempre privilegiou a fotografia,

ficou privado dessas imagens que a televisão oferece ao vivo. Na ausência de

informações mais precisas, os jornalistas abriram espaço mais uma vez para o imaginário e preencheram o branco da página assustada com desenhos,

diagramas, tabelas numa tentativa de ativar as imagens de algo que não se

podia alcançar. (MACHADO, 2002, p. 1).

A emergência da internet e com ela a possibilidade de hibridismo das mídias alimentou

uma nova etapa no desenvolvimento de infográficos. Antes subordinada à linguagem verbal do

texto jornalístico, a linguagem não verbal dos infográficos experimenta, no início deste século,

novas possibilidades. Estas passaram a ser impulsionadas pelo uso de programas específicos,

como o Macromedia Flash, que permitiram a interação, movimento e ligação com bancos de

dados.

O novo poder que a tecnologia digital confere à imagem a torna infinitamente

maleável. Antigamente, a informação visual era estática no sentido de que a imagem, embora passível de edição em filme ou capaz de ser incorporada a

outras em uma montagem, era fixa. Uma vez transferida para a linguagem

5 Para aprofundar os conceitos e discussões sobre webdocumentário, consultar: http://webdocumentario.com.br/

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digital no computador, a imagem transforma-se em ‘informação’, e todas as

informações podem ser manipuladas. 'Pela primeira vez na história', diz Peter Weibel, diretor do Institute for new Media em Stadelschule, Frankfurt-am-

Main, ‘a imagem é um sistema dinâmico.’ (QUATTRER apud RUSH, 2006,

p. 164)

Com o desenvolvimento da linguagem de programação HTML, e sua evolução HTML5,

além do Javascript, as possibilidades de que o infográfico multimídia fosse transportado para

os dispositivos móveis, como o celular, foram também impulsionadas.

Alberto Cairo (2008) explica as diferenças entre os infográficos no contexto do

ciberjornalismo em três categorias, de acordo com as possibilidades de interação que

proporcionam: instrução, manipulação e exploração. (LIMA JUNIOR; BARBOZA apud

CAIRO, 2015). O primeiro é o tipo mais recorrente em que é possível interagir, geralmente por

meio de botões, para executar alguma ação no infográfico. No segundo, é possível interagir de

forma a mudar formatos, cores e tamanhos das informações visuais dentro de uma escala pré-

estabelecida. No terceiro caso, o mais complexo de todos, é dada a possibilidade de interagir de

forma a se deslocar pelo infográfico e pelas informações, também de forma pré-estabelecida.

Isso, contudo, não significa que os infográficos nas narrativas multimídia sempre terão

alguma das características elencadas por Cairo. Em alguns casos, infográficos estáticos são

utilizados como forma de driblar as restrições de acesso, principalmente nos aparelhos móveis,

devido às dificuldades de conexão e à consequente demora para o carregamento do conteúdo.

2.6 – CIBERCULTURA E CIBERJORNALISMO

Um Mundo de Muros deve ser analisado à luz de suas características de produto

jornalístico que, apesar de também contar com uma versão impressa, insere-se e preenche as

características do fazer jornalístico que se utiliza do ciberespaço para, na definição de Salaverría

(2005, p.21), “investigar, produzir e, sobretudo, difundir conteúdos jornalísticos”.

O produto dessa forma de fazer jornalístico é chamado de ciberjornalismo. Segundo

Schwingel (2012, p. 37), assim definido: “(...) é a modalidade jornalística no ciberespaço

fundamentada pela utilização de sistemas automatizados de produção de conteúdos que

possibilitam a composição de narrativas hipertextuais, multimídias e interativas”.

Antes de prosseguir, faz-se necessário conceituar os termos acima expostos. Para Pierre

Lévy, são assim definidos ciberespaço e cibercultura:

O termo [ciberespaço] especifica não apenas a infraestrutura material da

comunicação digital, mas também o universo oceânico de informação que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo.

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Quanto ao neologismo ‘cibercultura’, especifica aqui o conjunto de técnicas

(materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço.

(LÉVY, 1999, p. 17).

Importante notar que na série analisada, apesar de se tratar de reportagem com

informações colhidas in loco, com o envio de repórteres a diferentes países, não se pode nem

se deve negar o ciberespaço como fonte de apuração. Antes disso, trata-se de exemplo claro de

como o fazer jornalístico a que se convencionou chamar de ciberjornalismo, a partir da presença

de uma série de elementos constituintes, como iremos ver, deve andar junto e se somar aos

conceitos que sempre nortearam o jornalismo analógico e consequentemente devem continuar

a nortear o jornalismo seja qual for o suporte, meio social ou cultural em que este seja produzido

e onde esteja inserido o jornalista.

Destacamos aqui alguns dos conceitos que servem de parâmetro aos jornalistas sobre

sua produção e o valor notícia, recorrendo para isso ao que traz o Manual da Redação da Folha

de S.Paulo:

1) Ineditismo (a notícia inédita é mais importante do que a já publicada). 2)

Improbabilidade (a notícia menos provável é mais importante do que a esperada). 3) Interesse (quanto mais pessoas possam ter sua vida afetada pela

notícia, mais importante ela é). 4) Apelo (quanto maior a curiosidade que a

notícia possa despertar, mais importante ela é). 5) Empatia (quanto mais pessoas puderem se identificar com o personagem e a situação, mais

importante ela é). 6) Proximidade (quanto maior a proximidade geográfica

entre o fato gerador da notícia e o leitor, mais importante ela é) (MANUAL,

2001, p. 43).

A emergência do ciberespaço e da cibercultura não modificam, nem pretendem, esses

conceitos. Ao contrário, esses continuam a fazer parte do repertório do profissional, agora

dentro do contexto do ciberjornalismo. Se esses conceitos não mudam, por outro lado, a forma

do fazer jornalístico é impactada pelo ciberespaço e a cibercultura. A relação com as fontes e a

forma de apuração são alguns dos processos que sofrem esses impactos.

Enquanto no jornalismo convencional em que muitas vezes declarações são transcritas como notícias predomina o uso das fontes oficiais, no jornalismo

digital a participação dos usuários contribui para a utilização de fontes

independentes, desvinculadas de forma direta dos casos publicados. Com a descentralização da redação ocorre uma inversão no fluxo de notícias, antes

muito dependente das fontes organizadas. O próprio jornalista necessita

rastrear nas redes os dados antes de redigir a matéria solicitada ou mesmo

quando apura a veracidade dos conteúdos das matérias enviadas pelos colaboradores. O alargamento do conceito de fontes coloca na ordem do dia a

reflexão sobre as consequências para o jornalismo da incorporação dos

usuários no circuito de produção de conteúdos. (MACHADO, 2003, p. 10)

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27

À cibercultura, pode-se somar o ciberjornalismo como expressão técnica do fazer

jornalístico no mundo intermediado e, em grande parte, apreendido via conexões digitais. Seus

princípios básicos são assim sistematizados por Schwingel (2012): a) multimidialidade, que é

a utilização de texto, som e imagem na construção da narrativa jornalística; b) interatividade,

caracterizada pela integração do usuário no processo de produção jornalístico, de acordo com

os seguintes aspectos: relação do usuário com as ferramentas interativas, do usuário com os

conteúdos, do usuário com a equipe de produção, do usuário com outro ou outros usuários e do

conteúdo com o conteúdo; c) hipertextualidade, definida como as conexões, os links, as

vinculações entre os conteúdos, a teia que se constrói e é percorrida ao deslocar-se por

informações; d) customização do conteúdo, que é a possibilidade de o usuário escolher o

conteúdo que deseja receber e hierarquizá-lo de acordo com seus interesses; e) memória, que

é a possibilidade de arquivar, conservar e acumular a informação; f) atualização contínua,

definida como a possibilidade de a cada momento ir dispondo a informação que,

automaticamente, está disponível para o usuário web; g) flexibilização dos limites de tempo e

espaço como fator de produção, que é a possibilidade e a liberdade de utilizar a quantidade

de tempo e espaço desejada ao elaborar determinada narrativa; h) ferramentas automatizadas

no processo de produção, que são os sistemas de gestão de conteúdos, associados a banco de

dados próprios ou da organização jornalística, para organizar de forma automatizada as

informações do produto e viabilizar a publicação.

De acordo com Schwingel (2012), alguns desses parâmetros estão mais ligados aos

aspectos narrativos, como a hipertextualidade, a multimidialidade, a flexibilização dos limites

de tempo e espaço, a memória, a customização, enquanto outros estão relacionados a mudanças

nas rotinas jornalísticas, como a atualização contínua, o uso de ferramentas automatizadas, a

interatividade.

Essas características abordadas por Schwingel são também apontadas por outros autores

como Canavilhas e Baccin (2015) e Salaverría (2003) com poucas diferenças de nomenclaturas

e terminologias.

Desde a metade dos anos 1990, as pesquisas procuraram estudar os elementos

que caracterizam o webjornalismo enquanto espaço de produção discursiva.

Inicialmente, a hipertextualidade, a interatividade e a multimidialidade foram

identificadas como as grandes novidades da prática discursiva no ambiente digital. Com a consolidação do webjornalismo, outras características

destacaram-se, chegando-se a sete elementos que o definem: hipertextualidade,

multimidialidade, interatividade, memória, instantaneidade, personalização e ubiquidade (CANAVILHAS; BACCIN, 2015, apud MACHADO;

PALACIOS, 1996, p. 12).

Entre os parâmetros diretamente relacionados aos aspectos narrativos, é necessário que

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28

se faça uma maior contextualização para que não se perca de vista de que forma são aplicados

nos produtos jornalísticos.

De acordo com Canavilhas (2014), por questões de ordem histórica e econômica, o texto

é o fator principal e mais utilizado no webjornalismo, termo utilizado por ele para designar o

jornalismo que se faz na web e para a web. Na visão dele, isso se deve à relação entre o jornal

impresso e os primeiros sites noticiosos. Era então natural que a emergência de um novo suporte

fosse apropriada com técnicas utilizadas no meio analógico. A qualidade das conexões de rede,

baixa à época dos primeiros sites noticiosos, reforça a preferência e a predominância dos textos

escritos, que demandam menos velocidade de acesso. Mas esse não é o único motivo: segundo

Canavilhas (2014), o modelo de referência do online continua a ser a imprensa escrita, e por

isso o webjornalismo tem no texto o seu elemento fundamental.

Na web, o texto transforma-se numa tessitura informativa formada por um conjunto de

blocos informativos ligados por hiperligações (links), ou seja, num hipertexto (CANAVILHAS,

2014). O conceito de hipertextualidade, que ganhou importância à medida que foi sendo

aplicado no webjornalismo e em outras formas de narrativa digital, surgiu bem antes que a web:

a palavra hipertexto, segundo Canavilhas (2014), “foi utilizada pela primeira vez nos anos 1960

por Theodor Nelson, que definiu o conceito como uma escrita não sequencial, um texto com

várias opções de leitura que permite ao leitor efetuar uma escolha”. Mais de 50 anos depois, o

conceito de Nelson, complementado e enriquecido posteriormente por outros autores, continua

bastante atual.

“De forma mais ou menos complexa, as definições incluem sempre dois elementos

nucleares: nós e links, ou seja, blocos informativos e hiperligações.” (CANAVILHAS, 2014).

O conceito de bloco informativo aplica-se a todo tipo de conteúdo: textos, imagens fixas,

imagens em movimento, sons ou infografias. Tendo como foco principal o bloco de tipo textual,

Canavilhas (2014) apresenta alguns elementos importantes relacionados à hipertextualidade: a

dimensão do texto, que precisa ser pensada de forma que o leitor se sinta confortável na leitura,

e a descentralização, que deve ser levada em conta para produzir blocos com sentido,

independentemente do contexto oferecido pelos restantes blocos informativos.

Ainda sobre a hipertextualidade, Canavilhas e Baccin discorrem sobre as possibilidades

abertas para contextualização pela web. Contextualizar é exercício fundamental nos textos

jornalísticos, lembram os autores. No entanto, no meio analógico ou eletrônico (rádio e

televisão), contextualizar muitas vezes é sinônimo de perda de espaço da informação factual

para que o contexto da notícia seja inserido. Ela pode ser realizada de duas formas: diacrônica,

quando o jornalista recorre a acontecimentos anteriores relacionados com o fato; sincrônica,

quando explica o ambiente (social, geográfico etc) em que o fato ocorreu. Nos dois casos, a

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contextualização requer a inclusão de mais informações na notícia. “Ao incluir essa informação,

o jornalista é obrigado a “gastar” espaço (imprensa) ou tempo (rádio e televisão), impedindo

assim outras notícias de entrar no jornal/radiojornal/telejornal.” (CANAVILHAS; BACCIN,

2015, p.16).

Segundo os autores, a “web acabou com essa contenda e fez confluir em um único

espaço, não só todos os meios existentes, como um público cada vez mais ativo no processo

informativo.”

Para Pavlik (2005), as possibilidades de contextualização podem ser observadas por meio de cinco aspectos: a ampliação das modalidades de

comunicação (texto, áudio, vídeo, fotos, gráficos, animação); a hipermídia

(que permite situar a notícia em contexto histórico, político e cultural muito mais rico); a participação cada vez maior dos leitores, que necessitam estar

interagindo com a máquina − “uma das maneiras de aumentar a participação

é o relato imersivo”; os conteúdos mais dinâmicos (conteúdos informativos mais fluidos) e a personalização da informação (cada leitor pode filtrar a

informação que quiser e também pode ampliar as informações que a

reportagem lhe oferece). (CANAVILHAS; BACCIN, 2015, p.17).

Com relação às hiperligações, Salaverría (apud Canavilhas, 2014) define quatro tipos:

i) documentais: ligação a blocos com informação de contexto existente no arquivo da publicação; ii) ampliação informativa: ligação a blocos de

contexto, mas neste caso de informação contextual recente; iii) atualização:

como o próprio nome indica, liga a blocos com informações atuais sobre o

acontecimento; iv) definição: ligação a blocos de informação mais específica e aprofundada. (CANAVILHAS, 2014, p.7).

A inclusão destas hiperligações, fora ou dentro do texto, informam o leitor sobre a

importância do bloco de destino (CANAVILHAS, 2014). O autor, porém, apresenta um ponto

a ser investido na formação do jornalista. Apesar de a hipertextualidade ser uma caraterística

fundamental do webjornalismo, é notória a ausência de um conjunto de regras de utilização

desse elemento que ajudem os jornalistas no processo de produção de notícias para a web.

Com relação à multimidialidade, Salaverría (2014) afirma que compor eficazmente uma

mensagem multimídia implica coordenar tipos de linguagem ou formatos que tradicionalmente

eram empregados separadamente. Os conteúdos multimídia, de acordo com o pesquisador,

podem ser constituídos por oito elementos diferentes: “1) texto; 2) fotografia; 3) gráficos,

iconografia e ilustrações estáticas; 4) vídeo; 5) animação digital; 6) discurso oral; 7) música e

efeitos sonoros; 8) vibração” (SALAVERRÍA, 2014, p. 33). Sobre esse último ponto, que

dificilmente é lembrado e elencado entre os elementos multimídia, o autor explica:

Na verdade, os autores de conteúdos multimídia raramente interpretam este

elemento como um ingrediente da sua narrativa. No entanto, é obrigatório

reconhecer que nos dispositivos móveis atuais a vibração faz,

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30

indiscutivelmente, parte das modalidades de transmissão informativa. A

vibração em dispositivos móveis avisa os utilizadores sobre informações básicas: a recepção de uma mensagem, um alerta silencioso a uma

determinada hora, um erro num determinado processo... mediante estes usos

atuais, nada impede que no futuro essas mesmas vibrações se convertam numa forma de comunicar: um gol de um time, uma alteração relevante na cotação

de um determinado valor financeiro, etc. Apesar da vibração ser um elemento

técnico bastante comum na atualidade, o seu uso enquanto meio informativo

é praticamente inexistente. Porém, pode ser que num futuro próximo os criadores de conteúdos multimídia descubram as suas indubitáveis

possibilidades narrativas. (SALAVERRÍA, 2014, p. 38).

Segundo Salaverría, vinte anos após o surgimento das primeiras publicações

jornalísticas na internet, os meios digitais vivem um momento de exploração narrativa e

descobrimento de novos gêneros. “Já não se trata, apenas, de apostar neste ou naquele formato

em particular, mas antes de investigar as possibilidades oferecidas pela articulação de vários

formatos.” (SALAVERRÍA, 2014, p. 48).

O autor se permite um exercício de imaginação de como serão as mensagens multimídia

no futuro e afirma que elas não devem se esgotar nesses oito elementos atuais elencados, que

são apreendidos por três sentidos humanos: visão, audição e tato. Para ele, dado o atual estágio

de desenvolvimento científico-tecnológico, existem cada vez mais evidências de que no futuro

novos formatos de mensagens multimídia serão decodificados pelos demais sentidos. Dessa

forma, além da visão, audição e tato “quem sabe, até pode ser que passemos a receber

informação através do olfato e do paladar”.

No que se refere ao tato, além dos sinais mediante vibração, já é tecnicamente possível transmitir mensagens que incluam variações de temperatura e

representações táteis sobre a forma de um determinado objeto. No que diz

respeito ao olfato, foram já realizadas experiências de transmissão digital de

aromas e, inclusivamente, há empresas que chegaram a comercializar dispositivos digitais que emanam cheiros, embora com pouco êxito. Quanto

ao paladar deve acrescentar-se que também já se verificaram iniciativas de

transmissão de sensações gustativas, embora de forma meramente experimental. (SALAVERRÍA, 2014, p. 38).

Segundo ele, caso as experiências realizadas se concretizem em inovações, no futuro a

lista de elementos multimídia pode resultar nos doze elementos ilustrados pela tabela seguinte.

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Figura 1 – Tabela de elementos multimídia presentes e futuros

Fonte: SALAVERRÍA, 2014

Uma vez estabelecidos os elementos multimídia, tão importante quanto conhecê-los é

saber como utilizá-los de forma coerente. Estabelecendo um paralelo, assim como não basta

conhecer as palavras e suas funções sintáticas em uma frase para que se construa um texto

coerente, não basta conhecer os elementos multimídia e colocá-los lado a lado para que se

obtenha um resultado coerente, que forme uma mensagem com significado e organicidade entre

os diferentes meios. Salaverría (2014) fala em sintaxe multimídia e Murray (2003) em

superação dos formatos aditivos para ingresso nos formatos expressivos. Segundo Salaverría,

são três os tipos de multimidialidade identificadas:

1) Multimidialidade por justaposição: consiste em apresentar um elemento multimídia

juntamente com outro. É a forma mais comumente encontrada e a mais simples.

Ocorre por exemplo quando uma página jornalística da web apresenta um texto e

um vídeo. Não há ordem lógica para a inserção e, muitas vezes, vídeo e texto são

redundantes.

2) Multimidialidade por coordenação: todos os elementos multimídia de uma

determinada página na web, por exemplo, são coordenados de forma a criar um

único discurso. Não há redundância e requer de seu autor a planificação das

diferentes mensagens em um roteiro.

3) Multimidialidade por subordinação: recorrendo-se à analogia da sintaxe do texto,

nesta modalidade um elemento multimídia é preponderante e a ele se subordinam

os outros. Muitas vezes, o acesso a eles é feito através do elemento principal. Por

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exemplo, um vídeo que é acessado via um link presente em um texto, ou então, um

arquivo de áudio que só pode ser acessado da mesma forma.

Com relação à memória, Palacios (2014) afirma ser possível identificar uma série de

continuidades no webjornalismo com relação a suportes anteriores. No entanto, na produção

jornalística em rede, altera-se o lugar da documentação e da memória. Abre-se a possibilidade

da “clipagem digital” ao alcance dos usuários.

“Em outras palavras, além do incremento do uso da memória como ferramenta

narrativa pelos produtores de informação jornalística, um processo de

empowerment está ocorrendo no que diz respeito à construção de contextos para as notícias por parte do próprio usuário através da memória arquivada e

os conteúdos das bases de dados à sua disposição.” (PALACIOS, 2014, p. 96).

Outra consequência das possibilidades abertas pelas redes digitais, afirma o autor, e que

pode ser facilmente identificável na produção jornalística, é que essa mesma produção tornou-

se mais fácil no que diz respeito à introdução de conteúdos de memória (comparações de um

determinado evento com eventos passados, por exemplo), assim como tornou-se comum um

formato de edição dos textos jornalísticos que contenham links como “Leia Mais”, “Notícias

Relacionadas” etc. O que faz isso ser possível não é outro motivo senão a tecnologia de

algoritmos e de bancos de dados que permite a indexação do material arquivado e sua utilização

por meio das tags. Tagueamento tornou-se palavra comum em qualquer redação.

As potencialidades dadas pelas redes digitais à memória também se estendem aos

“especiais jornalísticos”, afirma Palacios. Reportagens sobre fatos históricos são impulsionadas

pelas possibilidades abertas em tal volume e qualidade que o autor sugere que possa ser esse

um novo gênero jornalístico, porém sem se assegurar disso.

A comemoração dos 10 anos do atentado ao World Trade Center foi ocasião para um grande número de produções desse tipo, em jornais do mundo todo.

Em alguns casos, experimentos mais radicais hibridizam textos jornalísticos e

relatos de memórias vividas dos usuários, a partir da solicitação explícita de que o leitor que vivenciou os fatos deixe seu registro em seções de ‘memórias

dos leitores’, que são especialmente criadas com hibridização de linguagens e

presentificação do passado. Estará emergindo um novo gênero jornalístico?

Deixo tal questão para os especialistas. (PALACIOS, 2014, p.98).

Sobre a customização, fenômeno que se observa no jornalismo digital em sites como o

brasileiro Nexo, com foco em jornalismo aprofundado e voltado principalmente para quem

deseja entender mais sobre determinados assuntos em pauta, Mirko Lorenz (2014), afirma que

assim como há níveis diferentes de agregação de notícias – ele exemplifica com o site americano

Huffington Post – pode haver também níveis diferentes de personalização da informação. A

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33

questão tão debatida desde o início do século, ao menos, afirma Lorenz, sobre quem teria tempo

para consumir tamanha quantidade de informação, talvez possa ser invertida, e os meios de

comunicação tenham nas estratégias para manter seus leitores entretidos por mais tempo com

um produto que seja a eles mais aprofundado e interessante uma saída para driblar as diferentes

concorrências. “Para os produtores de notícias que estão acostumados a produzir um produto

perecível de atualização diária, isso seria algo novo” (LORENZ, 2014, p. 138).

Dessa forma, o produto notícia iria se aproximar em conteúdo em algo mais similar a

um livro − um conjunto de informações, sobre um só tema ou sobre um interesse particular do

leitor. Sobre o desafio do custo que um sistema de produção assim pode ter, o autor explica o

conceito de “personalização em massa”: “baixo custo, alto volume e produção eficiente de

ofertas personalizadas individualmente” (LORENZ, 2014 apud PINE II, 1993).

Mas como os meios de comunicação, acostumados a medir seu sucesso em termos de

audiência, podem ingressar nesse mercado aparentemente promissor por ter como característica

a maior fidelidade? Lorenz afirma que a mudança de paradigma está em entender que o

crescimento de veículos dessa natureza está não na “pequena audiência” e sim em passar a

enxergá-la como um “grande nicho”. “Resumidamente, os grupos pequenos tornaram o

mercado mais interessante e promissor, baseado em interesses comuns, hábitos de leitura,

preferências de conteúdos para textos longos, grandes fotografias de imagens, vídeos ou

comunidades que comentam (LORENZ, 2014 apud SHIRKY, 2006).

A evolução do jornalismo digital é dividida em gerações por autores como Mielniczuk

(2003). Segundo ela, essas gerações não são isoladas no tempo, não representando um salto

evolutivo completo de uma para outra. Pelo contrário, elas podem conviver por um determinado

período. De acordo com Mielniczuk, a primeira geração do jornalismo digital foi marcada pelo

processo de reprodução do conteúdo do jornal impresso para a internet, ou uma mera

transposição do trabalho jornalístico para um diferente suporte; a segunda etapa, pelo início do

uso de links e hipertexto nas reportagens e pelas atualizações mais constantes da produção; a

terceira geração seria marcada pela melhor exploração das potencialidades da internet com o

uso de elementos multimídia e recursos de interatividade.

Vale observar que as etapas de desenvolvimento no Brasil e no exterior, com destaque

para os Estados Unidos, não são simultâneas, podendo haver descompassos entre as linhas

temporais evolutivas entre os países. Schwingel (2012) sugere que essas etapas sejam

sistematizadas em função dos produtos gerados da seguinte forma:

a) Experiências pioneiras – realizadas a partir do final da década de 1960, com

o início da informatização e digitalização e que avançam até o início da

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década de 1990. São procedimentos, vistos a distância, muito diferentes do

que se tem ideia hoje de jornalismo digital. Alguns exemplos são o envio de

material por fax e distribuição via contratos com provedores de internet.

b) Experiências de primeira geração – realizadas a partir de 1992, com o início

do aparecimento de notícias na internet. O processo era a transposição integral

do conteúdo do impresso para o digital.

c) Experiências de segunda geração – começam a ser testadas em 1995. A essa

altura os produtos passam a ter características como a personalização e a

interatividade. No entanto, ainda vigora o modelo de metáfora do impresso

no meio digital.

d) Experiências de terceira geração – a partir de 1999, os produtos passam a ser

elaborados tendo em vista os diferenciais do ciberespaço. O conteúdo

audiovisual ganha força, assim como a interatividade. A produção se distancia

um pouco mais do impresso e o processo passa a ser controlado por jornalistas,

com o uso de sistemas de gestão da informação.

e) Experiências ciberjornalísticas – começam a partir de 2002, com o uso de

sistemas de produção de conteúdo, bancos de dados. Ganham força os

mecanismos de jornalismo colaborativo e os usuários passam a fazer parte da

produção do material jornalístico

2.7 – NARRATIVAS DIGITAIS E A EXPRESSIVIDADE DO MEIO

O mero surgimento de um novo suporte para os meios de comunicação não faz com que

uma nova gramática se estabeleça de imediato e esse meio seja utilizado em toda sua

potencialidade. Fatores econômicos das empresas, em um ambiente de produção industrial, e

de formação de profissionais fazem parte do caminho a ser trilhado para que as bases de um

modelo sejam lançadas e para que essa nova gramática surja de forma coesa e capaz de apontar

para caminhos de desenvolvimento futuros.

Experimentações e experiências se acumulam pelo caminho, são deixadas de lado ou

melhoradas. Assim é o processo cumulativo que levou ao estabelecimento do ciberjornalismo

como prática da comunicação social no ciberespaço e que, por certo, não surgiu pronta e

acabada. Tendo em vista que o próprio meio, impulsionado pela tecnologia, se desenvolve

continuamente, tampouco é possível dizer que estejamos próximos de um modelo definitivo

para o fazer jornalístico ou que a gramática empregada hoje seja, de fato, a base de um

paradigma perene.

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Guardadas as devidas proporções e assimetrias, assim foi, por exemplo, com o advento

do cinema. Dos primeiros filmes mudos aos filmes 3D, um século de experimentações

transcorreu. “Nas três primeiras décadas do século XX, os cineastas inventaram coletivamente

o meio através da criação de todos os principais elementos da narração fílmica, incluindo o

close-up, a cena de perseguição e o comprimento do filme padrão” (MURRAY, 2003, p. 73).

Do que se acredita que tenha se passado na noite de 28 de dezembro de 1895 – quando

os irmãos Lumière projetaram a imagem em movimento de um trem chegando à estação La

Ciotat, em Paris, que teria causado pânico entre os espectadores – até o estabelecimento de uma

forma narrativa própria, principalmente com a dramaturgia, o processo foi marcado por

tentativas. No início, chamados de photoplays (algo como “fototeatro”), esses filmes eram

experiências de arte aditivas (foto e teatro) que retratavam cenários tão estáticos quanto o

movimento inexistente das câmeras. “A lenda do café de Paris nos satisfaz porque une,

erroneamente, a chegada da tecnologia de representação com a do meio artístico, como se a

simples construção da câmera tivesse resultado nos filmes.” (MURRAY, 2003, p. 73)

Processo semelhante de apropriação de uma nova tecnologia e desenvolvimento se

passou com o livro, três séculos antes do cinema. Incunábulos: assim eram chamados os

primeiros livros desde o surgimento da prensa de tipos móveis e a publicação da Bíblia de

Gutenberg, por volta de 1455, até cerca de 1500. Essas obras eram como manuscritos impressos.

Capítulos, parágrafos, recuos, folha de rosto, elementos que marcam a composição de qualquer

obra atual não faziam parte dessas publicações. Foram necessários quase 50 anos para que o

livro assumisse características próprias e se desenvolvesse de forma a estabelecer uma

linguagem que permitisse à narrativa também se desenvolver.

Com o jornalismo digital ocorre o mesmo. Como visto acima, seu desenvolvimento

passou e passa por diferentes etapas até a emergência do ciberjornalismo.

Num primeiro momento, os produtos oferecidos eram reproduções de partes dos grandes jornais impressos, que passavam a ocupar o espaço na internet. É

muito interessante observar as primeiras experiências realizadas: o que era

chamado então de ‘jornal online’, na web, não passava da transposição de uma

ou duas das principais matérias de algumas editorias. Esse material era atualizado a cada 24 horas, de acordo com o fechamento das edições do

impresso. (MIELNICZUK, 2003, p. 32)

Das primeiras experiências com o uso de bancos de dados integrados e participação dos

leitores, via comentários nas reportagens ou endereçadas aos jornalistas, ao estágio atual de

desenvolvimento, mais de uma década se passou. O período foi marcado por experimentações

no mercado jornalístico e pela sistematização dessa forma de fazer jornalístico pela academia.

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A definição e conceituação de algumas características do meio digital, computadores,

tabletes, celulares, em que a prática se desenvolve, são fundamentais para o entendimento do

processo. Murray (2003) define assim as seguintes características dos ambientes digitais que

proporcionam uma experiência narrativa nunca antes experimentada com tamanhas

possibilidades em outros meios:

A) Os ambientes digitais são Procedimentais - Dizer que os ambientes

digitais são procedimentais equivale a dizer que eles respondem da forma

que foram programados para responder. O computador tem o poder de

processamento de regras definidas pelo seu programador. Dessa forma, uma

narrativa digital somente é computada mediante instruções definidas pelos

seus autores. Estas instruções formarão o enredo desejado para a narrativa,

que deverão ser codificadas pelos programadores de forma a abstrair o

comportamento desejado na interação do autor e sua audiência.

B) Os ambientes digitais são Participativos - Os programas de computador

reagem às informações ou comandos inseridos pelo interator,

proporcionando novos caminhos para suas narrativas multiformes.

C) Os ambientes digitais são Espaciais - Enquanto meios lineares como livros

e filmes retratam os espaços tanto pela descrição verbal quanto pela imagem,

os ambientes digitais oferecem espaços nos quais é possível se movimentar.

D) Os ambientes digitais são Enciclopédicos - O poder de armazenamento,

recuperação e processamento de informação por meio dos computadores é

algo além do imaginado. Esta quantidade de informação armazenada

proporciona a criação de um ambiente rico em detalhes.

São essas as características que proporcionam às narrativas digitais desbravarem novos

campos e formas de contar histórias e transformam o fazer jornalístico tanto quanto o jornalista,

que agora deve ser capaz de entender e interpretar o meio em que está inserido e o que a ele

será pedido como requisito para a elaboração de seu trabalho.

Segundo Murray, “a beleza narrativa não depende do meio. Contos de tradição oral,

histórias ilustradas, peças de teatro, romances, filmes de cinema e programas de televisão, todos

podem variar do fraco e sensacionalista ao comovente e brilhante.” (MURRAY, 2003, p. 255).

Ou seja, a estética da narrativa não depende exclusivamente do meio. No entanto, cada meio

oferece características que podem tornar a narrativa mais ou menos interessante e mais perto

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ou não de seu objetivo. Portanto a escolha do meio pelo qual o autor deseja veicular sua

narrativa torna-se uma decisão crucial para que existam mais pessoas interessadas na sua

história.

Um meio com características próprias pode, também, ter estética própria. Segundo a

autora, três pontos focais representam a estética do meio: a imersão, a agência e a

transformação. Esses pontos são assim explicados por ela:

a) A imersão representa a experiência de ser transportado para um lugar

primorosamente simulado.

b) A agência se refere à capacidade de realizar ações significativas e ver os

resultados de nossas decisões e escolhas. A navegabilidade oferecida pelos espaços virtuais ou hiperlinks emerge o prazer da tomada de decisão pelo

interator.

c) A transformação significa escrever as regras para o envolvimento do interator, isto é, as condições sob as quais as coisas acontecerão em

resposta às ações dos participantes. (MURRAY, 2003, p. 149)

Uma vez que o ato narrativo, entendido como o estabelecimento de um fato ou de um

acontecimento, bem como suas causas e consequências no espaço e no tempo, é indissociável

do fazer jornalístico, e seu desenvolvimento no meio analógico e eletrônico, jornais, revistas,

rádio e televisão, foram alcançados ao longo do tempo, avanços em direção ao estabelecimento

de uma linguagem própria também são esperados no meio digital. Algumas iniciativas

apresentadas dentro e fora dos grandes meios de comunicação, como a série aqui analisada e

exemplos do jornalismo independente, já se fazem notar. Nesse cenário, Murray (2003) aponta

dois caminhos possíveis:

A) Exógeno - Como a inovação e o estabelecimento de linguagem nova e própria passa

pela crise identitária fundamental dessa indústria, de ter que se reinventar para sobreviver, o

processo será exógeno, resultante do avanço do ato narrativo experimental vindo de fora do

campo específico do jornalismo.

B) Colaborativo - Iniciativas independentes e/ou colaborativas podem ser uma saída

para essa crise e apontar para novos caminhos e experimentos que tendem a refletir.

E para onde essas características e suas potencialidades apontam? De acordo com

Murray, “não há, provavelmente, duas coisas mais difíceis de prever neste mundo do que o

futuro da arte e o futuro do software”. Com isso, a autora defende que imaginar os

desdobramentos também do ato narrativo em um ambiente tecnológico em constante mudança

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é um ato especulativo. No entanto, ela se esforça para imaginar os impactos no porvir dessa

mesma tecnologia, em especial na forma de contar histórias.

A criação e o refinamento de fórmulas narrativas são os pré-requisitos

necessários para a criação de qualquer obra de arte. Sem aquelas repetitivas peças de vingança, que hoje só são lidas nas universidades, não haveria

Hamlet. Tampouco o realismo psicológico de Jane Eyre poderia existir sem a

simplista tradição gótica das heroínas ameaçadas e trancadas em castelos assombrados. (MURRAY, 2003, p. 259)

Marques (2016) reforça essa reflexão, mais especificamente sobre as narrativas

jornalísticas e as possibilidades abertas pela tecnologia, em face do desenvolvimento de

formatos digitais de storytelling, que se organiza na perspectiva da humanização do relato

jornalístico, e a posição de destaque das personagens nesse contexto.

O storytelling constitui uma técnica para narrar fatos como se fossem histórias. Ao enfatizar a narração e descrição, há um esforço de recriar cenas e

personagens, tarefa estética de despertar sensações no consumidor de notícia,

seja ela impressa ou audiovisual, para que ele se identifique com o relato e goste do texto jornalístico como apreciaria um texto mais elaborado,

propriamente literário ou poético. (CUNHA; MANTELLO, 2014, p. 58)

O que Cunha e Mantello (2014), assim como Marques (2016), defendem é que a

aproximação do jornalismo do texto literário, assim como o feito pelo New Journalism, no

século XX, guardando suas diferenças, dá ao leitor maior possibilidade de envolvimento com a

narrativa. Esse envolvimento será fundamental para que, seja qual for a arquitetura do produto

noticioso apresentado, a narrativa se imponha e prenda a atenção do leitor em uma experiência

que pode recorrer nos mais diferentes formatos.

Seja qual for o caminho a seguir, o que parece certo é que a reportagem é o meio e o

caminho para as experimentações. “A reportagem é um dos principais campos de

experimentação que o jornalismo possui, permanecendo como uma modalidade expressiva

central para a informação diferenciada, profunda e aberta.” (CANAVILHAS, 2014, p. 14)

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39

3 - METODOLOGIA

3.1 – ABORDAGEM QUALITATIVA

A metodologia utilizada nesta dissertação para a análise da série de reportagens Um

Mundo de Muros é baseada em uma pesquisa exploratória, delimitada por uma abordagem

qualitativa fazendo uso de entrevistas, revisão bibliográfica e estudo de caso.

De acordo com Gil (2002), as pesquisas exploratórias buscam proporcionar maior

familiaridade com o problema para “torná-lo mais explícito ou a constituir hipóteses. Pode-se

dizer que estas pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de ideias ou a

descoberta de intuições”.

Para Bervian, Cervo e Silva (2009), a pesquisa exploratória:

Não requer a elaboração de hipóteses a serem testadas no trabalho,

restringindo-se a definir objetivos e buscar mais informações sobre determinado assunto de estudo. Tais estudos têm por objetivo familiarizar-se

com o fenômeno ou obter uma nova percepção dele e descobrir novas ideias

(BERVIAN; CERVO; SILVA, 2009, p. 63).

Essa metodologia se revela adequada ao caso por proporcionar a possibilidade de maior

aproximação com o objeto de estudo e a consequente sistematização de seus elementos e de

que forma este é construído.

Fizemos uso da abordagem qualitativa, a partir dos dados levantados pela pesquisa em

comparação com a bibliografia utilizada.

Para Oliveira (2007, p. 37) a abordagem qualitativa pode ser caracterizada como “um

estudo detalhado de um determinado fato, objeto, grupo de pessoas ou ator social e fenômenos

da realidade”. Os dados, segundo a autora, podem ser obtidos por meio de pesquisa

bibliográfica, entrevistas, questionários, planilhas e todo instrumento (técnica) necessário para

obter informações.

Ainda de acordo com Oliveira (2007, p. 58), a abordagem qualitativa “se preocupa com

uma visão sistêmica do problema ou objeto de estudo” e pode ser caracterizada como uma

tentativa de explicar em profundidade “o significado e as características do resultado das

informações obtidas por meio de entrevistas ou questões abertas, sem a mensuração quantitativa

de características ou comportamento”.

De acordo com Lakatos e Marconi (2007), as técnicas correspondem à parte prática da

coleta de dados. Os dados qualitativos, segundo Gibbs (2009), são essencialmente significativos

e bastante diversificados. Gibbs analisa que eles “não incluem contagens e medidas, mas sim

praticamente qualquer forma de comunicação humana – escrita, auditiva ou visual; por

comportamento, simbolismos ou artefatos culturais”.

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40

Na presente dissertação, as técnicas a serem utilizadas serão a entrevista em

profundidade e o estudo de caso. E para que esse caminho metodológico seja trilhado de forma

coerente, a pesquisa se dividirá nas seguintes etapas: revisão bibliográfica, entrevistas, estudo

de caso e interpretação de dados e resultados.

3.2 – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

A revisão bibliográfica foi a primeira etapa nesse percurso metodológico. Para tanto, o

levantamento da bibliografia correspondente ao tema envolverá material pertinente à análise da

narrativa, à convergência digital, ao jornalismo digital e ao ciberjornalismo. A partir dessas

fontes a serem pesquisadas, será formado um arcabouço teórico de fundamental importância

para a compreensão do objeto ora em estudo.

De acordo com Gil (2009, p. 45), a partir da pesquisa bibliográfica o pesquisador pode

acessar fontes de pesquisa e informações muito mais amplas que o ajudarão a entender o

fenômeno a ser analisado. Reside nisso a vantagem desse tipo de pesquisa ao permitir ao

investigador acesso a uma série de fenômenos mais abrangente do que a que poderia constatar

de forma direta. “Essa vantagem torna-se particularmente importante quando o problema de

pesquisa requer dados muito dispersos pelo espaço.”

Por exemplo, seria impossível a um pesquisador percorrer todo o território brasileiro em busca de dados sobre população ou renda per capita; todavia, se

tem a sua disposição uma bibliografia adequada, não terá maiores obstáculos

para contar com as informações requeridas. (GIL, 2009, p. 45)

A partir desse levantamento, foi possível estabelecer as bases para o correto

delineamento do arcabouço teórico a ser utilizado para analisar fenômenos como a cibercultura

e o jornalismo digital.

3.3 – ENTREVISTAS

As entrevistas com os realizadores da série de reportagens foi a etapa seguinte à revisão

bibliográfica. Deverão ser entrevistados editores de arte, foto e texto, assim como os repórteres

envolvidos na produção dos textos. Para Yin (2010), as entrevistas

São uma fonte essencial de evidência do estudo de caso porque a maioria delas

é sobre assuntos humanos ou eventos comportamentais. Os entrevistados bem-informados podem proporcionar insights importantes sobre esses

assuntos ou eventos. Eles também podem fornecer atalhos para a história

prévia dessas situações, ajudando-o a identificar outras fontes relevantes de

evidência (YIN, 2010, p. 135).

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41

Segundo Bervian, Cervo e Silva (2009, p. 51), a preocupação do entrevistador ao

elaborar as perguntas a serem aplicadas ao entrevistado “deve ser, além da validade, a finalidade

e a relação das questões com o objetivo da pesquisa. As perguntas, em maior ou menor número,

devem sempre colher informações a respeito das variáveis e das hipóteses do trabalho”.

Por meio de questionário semiestruturado a ser utilizado nas entrevistas com os

realizadores da série de reportagens, pretendeu-se estabelecer alguns parâmetros. O objetivo foi

entender os marcos referenciais utilizados neste projeto, a forma como se estruturou, bem como

quais foram os motivos das escolhas feitas por esses profissionais.

Outro objetivo da entrevista será analisar, por meio das respostas, como os entrevistados

avaliam a evolução no estabelecimento da narrativa digital tomando por base experiências

pregressas dos mesmos na empresa e/ou em outros veículos.

Segundo Lodi (1974), a padronização tem por objetivo estabelecer parâmetros únicos

para as respostas dos entrevistados e para que essas possam ser comparadas entre si. Dessa

forma, as diferenças devem refletir diferenças entre os respondentes, e não diferenças nas

perguntas.

A escolha por realizar as entrevistas a partir de um questionário semiestruturado se dá

em razão da possibilidade de as respostas a perguntas pré-estabelecidas serem comparadas.

Outro motivo é dar ao pesquisador um mínimo de coerência para o roteiro a ser percorrido sem

que isso impeça que novos questionamentos inicialmente fora do roteiro sejam feitos.

A tabela abaixo estabelece as categorias às quais perguntas feitas aos entrevistados

foram relacionadas. As perguntas se baseiam no material teórico levantado a partir da revisão

da literatura sobre temas como a narrativa digital e o ciberjornalismo.

Tabela 1 - Categorização das questões elaboradas para as entrevistas

Categoria Perguntas relacionadas

Métodos – pauta e edição - Como surgiu a pauta?

- Qual era a pauta inicial?

- Quantas pessoas foram envolvidas?

- Qual foi o investimento financeiro?

- Repórteres de texto e foto/vídeo foram

sempre juntos a campo?

-Quais foram as dificuldades de realização

da pauta?

Narrativa e expressividade digital

- Por que esse modelo de arquitetura da

informação foi empregado?

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42

- Como foi a escolha?

- Texto, fotos, vídeos e infográficos se

complementam na narrativa?

- Em que medida eles têm informações

diferentes?

- Há uma hierarquização entre esses

elementos?

- Por que não há links nos textos da série?

- Por que os capítulos foram publicados em

datas diferentes?

- O modelo de produção da série utiliza

plataforma já utilizada previamente?

- Algum outro formato de mídia poderia ter

sido utilizado na série?

Resultados - Como avalia a experiência?

- Como avalia o resultado?

3.4 – ESTUDO DE CASO

Vencidas as etapas anteriores, o objeto foi analisado em um estudo de caso. O objetivo

nessa fase foi explorá-lo e explicá-lo em profundidade. Segundo Gil (2002), o estudo de caso

“consiste no estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira que permita seu

amplo e detalhado conhecimento (...)”. (GIL, 2002, p. 54)

De acordo com Yin (2001), em geral, os estudos de caso representam a estratégia

preferida “quando se colocam questões do tipo 'como' e 'por que', quando o pesquisador tem

pouco controle sobre os eventos e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos

inseridos em algum contexto da vida real”.

Para o autor, trata-se de uma investigação empírica que se debruça sobre “um fenômeno

contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o

fenômeno e o contexto não estão claramente definidos”. Segundo ele, são quatro os tipos de

estudo de caso:

1) projeto de caso único holístico – única unidade de análise em um caso único

2) projeto de caso único incorporado – várias unidades de análise em um só caso

3) projeto de casos múltiplos holísticos – uma única unidade de análise em vários casos

4) projeto de casos múltiplos incorporados – várias unidades de análises em vários casos.

Yin traça um interessante paralelo com os estudos de caso e a atividade jornalística. Para

ele, certos trabalhos jornalísticos podem ser assim caracterizados. O autor exemplifica com um

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43

dos casos mais famosos do jornalismo americano, o caso Watergate, que levou à renúncia do

então presidente dos Estados Unidos Richard Nixon.

Transformado em livro, All the President's Men, de Bernstein e Woodward, é um bom

exemplo de estudo de caso ao revelar que o que está em análise não é exatamente o caso em si

do roubo de documentos, mas os motivos que levaram àquela situação.

O "caso", nesse livro, não é propriamente o roubo em Watergate, ou mesmo a

administração Nixon mais genericamente. Em vez disso, o caso é um "encobrimento", um conjunto complexo de acontecimentos que ocorreram no

rastro de um roubo. Bernstein e Woodward confrontam continuamente o leitor

com duas questões do tipo "como" e "por que": como ocorreu o encobrimento e por que ocorreu? Não se responde nenhuma das duas perguntas facilmente,

e o que chama atenção no livro é a sua tentativa de montar os fatos, um após

o outro, sendo cada peça curiosa e depois potencialmente acrescentada a uma

explicação para esse encobrimento. (Yin, 2001, p. 25)

Dessa forma, a decomposição do objeto em suas partes constitutivas, permite a

investigação das escolhas metodológicas trilhadas pelo (s) autor (es). Esse processo também

pode ser, muitas vezes, revelador dos motivos que levaram à tal configuração.

3.5 - ANÁLISE DA NARRATIVA

As reportagens que compõem Um Mundo de Muros também foram analisadas a partir

do ponto de vista de sua narrativa textual. Como visto anteriormente, de acordo com Canavilhas

(2014), o texto é o item principal e mais utilizado no webjornalismo devido a questões de ordem

históricas e econômicas, e também pelo fato de o modelo de referência do jornalismo produzido

na internet continuar a ser a imprensa escrita.

A começar pelo texto, o caminho escolhido foi o da Análise Pragmática da Narrativa,

em consonância com o que estabelece Motta (2007), aceito e empregado por diversos autores.

Dividido em seis etapas analíticas, o percurso é assim delimitado: 1) recomposição da intriga

ou do acontecimento jornalístico em casos de séries de reportagens; 2) identificação dos

conflitos e da funcionalidade dos episódios; 3) análise da construção das personagens

jornalísticas (no nível discursivo); 4) análise de estratégias comunicativas; 5) estabelecimento

da relação comunicativa e o “contrato cognitivo”; e a identificação dos significados de fundo

moral ou fábula da história.

Esse percurso permite a identificação da retórica jornalística empregada a partir do

reconhecimento das marcas textuais, bem como sua compreensão a partir dos efeitos que essa

retórica e seus elementos podem e pretendem suscitar.

Os discursos narrativos midiáticos se constroem através de estratégias comunicativas (atitudes organizadoras do discurso) e recorrem a operações e

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opções (modos) linguísticos e extralinguísticos para realizar certas intenções

e objetivos. A organização narrativa do discurso midiático, ainda que espontânea e intuitiva, não é aleatória, portanto. Realiza-se em contextos

pragmáticos e políticos e produz certos efeitos (consciente ou

inconscientemente desejados). Quando o narrador configura um discurso na sua forma narrativa, ele introduz necessariamente uma força ilocutiva

responsável pelos efeitos que vai gerar no seu destinatário. Assim, a

comunicação narrativa pressupõe uma estratégia textual que interfere na

organização do discurso e que o estrutura na forma de sequências encadeadas. Pressupõe também uma retórica que realiza a finalidade desejada. Implica na

competência e na utilização de recursos, códigos, articulações sintáticas e

pragmáticas: o narrador investe na organização narrativa do seu discurso e solicita uma determinada interpretação por parte do seu destinatário.

(MOTTA, 2011, p. 2)

No entanto, assim como o próprio Motta sugere e autoriza, cabe ao autor a escolha das

etapas de seu método a serem utilizadas da forma que melhor couber ao estudo do objeto em

questão. No caso das narrativas aqui analisadas, algumas das etapas sugeridas não se mostram

necessárias ao objetivo. São elas:

a) Recomposição da intriga ou do acontecimento jornalístico: ainda que seja uma série,

dividida em capítulos, os fatos aqui narrados começam e terminam em si mesmos.

Não há transitoriedade entre as reportagens, tampouco tratam de fatos e personagens

que terão desdobramento temporal fora dos capítulos. Dessa forma, essa etapa

mostra-se desnecessária.

b) Estabelecimento da relação comunicativa e o “contrato cognitivo”: a análise não se

propõe a discorrer sobre a relação estabelecida entre o leitor e o meio jornalístico,

dado o vasto conhecimento e literatura sobre o assunto.

Restou-nos, assim, as demais etapas, construídas e sistematizadas dessa forma:

a) Identificação dos conflitos e da funcionalidade dos episódios: aqui,

procederemos de forma a identificar o conflito principal e os secundários em

cada reportagem. Ao redor desses, serão apresentadas as personagens e as tramas

e subtramas que podem se desenrolar.

b) Análise da construção das personagens jornalísticas (no nível discursivo); as

representações das personagens entrevistadas e retratadas em cada reportagem

serão individualizadas e a trama em que se inserem explicitadas.

c) Estratégias comunicativas: cabe aqui especial atenção à forma e ao uso de

elementos narrativos e retóricos que revelarão as intenções da construção

narrativa. Para isso, sistematizamos a análise desta etapa de forma a possibilitar

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o acesso indicial a esses elementos, a saber: elementos de objetivação e de

subjetivação.

A escolha do trajeto analítico deste último item se revelou por meio de uma divisão que

toma como base o trabalho de Motta (2011) e sua utilização por outros autores como

Essenfelder (2017). Dessa matriz apresenta-se a seguinte tabela:

Tabela 2 - Estratégias de objetivação

Citação em aspas Recurso amplamente utilizado na narrativa jornalística que confere ao leitor a identificação de

verossimilhança ao emprestar a voz da personagem

ao texto.

Estatísticas e didatismo Prática também largamente empregada para a

contextualização dos acontecimentos narrados

dentro de uma lógica maior à qual o fato se

subordina.

Instituições Visando um lastro de objetividade, o texto

jornalístico recorre com frequência ao uso de

elementos, sejam eles estatísticos ou discursivos, baseados na divulgação ou confirmação de

informações de instituições. Essas podem ser

oficiais, como governos, institutos, universidades,

ou não oficiais, como ONGs, por exemplo.

Entre as estratégias de subjetivação analisadas, cabe uma ressalva. A descrição

pormenorizada poderia ser entendida como estratégia de objetivação por dar ao leitor a

descrição exata da cena, ambiente ou personagem. No entanto, é aqui entendida como forma

subjetivante, ou como meio de despertar no leitor sentimentos e sensações por meio da

observação do narrador e do uso de recursos retóricos para tanto. O objetivo foi revelar traços

de autoralidade, bem como elementos literários que nem de longe podem ser tratados como

estranhos ao jornalismo. Não se trata apenas do uso de recursos como as figuras de linguagem,

mas também do que pode ser entendido como a abertura de um espaço no ethos jornalístico à

poética literária.

Tabela 3 - Estratégias de subjetivação

Descrição pormenorizada de cenas,

ambientes e personagens

Revela a intenção do narrador de criar determinadas

reações por meio do uso de elementos como figura

de linguagem e também da descrição de uma

realidade que só pode ser acessada por meio dele.

Ênfase e intensidade Recurso de expressão que ressalta determinadas

características ou situações, visando causar no leitor

efeitos como surpresa, apreensão, atenção, entre outros.

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Verbos e expressões de sentimento Marcas de estratégia de subjetivação que revela

características e estados emocionais da personagem capazes de criar empatia e identificação no leitor.

Assim, textos, fotos, vídeos e infográficos foram detalhados quanto ao percurso

narrativo escolhido pelos autores/editores em cada um dos capítulos, para a posteriori serem

reconfigurados em conjunto. Isso permitiu que se possa estabelecer de que forma interagem

entre si esses diferentes elementos. O objetivo foi estabelecer as características intrínsecas das

narrativas para poder, de forma dialógica com os conceitos de ciberjornalismo, estabelecer a

expressividade no meio digital.

3.6 – INTERPRETAÇÃO DE DADOS E RESULTADOS

Após o estudo de caso, foi feita a compilação e interpretação dos dados e a apresentação

do resultado obtido com as entrevistas e o estudo de caso, tomando como embasamento teórico

a revisão bibliográfica.

Para Marconi e Lakatos (2003), a interpretação de dados exige a comprovação ou

refutação das hipóteses. Ambas só podem ocorrer com base nos dados coletados. Segundo as

autoras, deve-se levar em consideração que “os dados por si só nada dizem, é preciso que o

cientista os interprete, isto é, seja capaz de expor seu verdadeiro significado e compreender as

ilações mais amplas que podem conter” (2003, p. 49). A importância dos dados, portanto, não

está nos dados em si, mas no fato de proporcionarem respostas às investigações.

Segundo Yin (2001), a análise de dados é o exame, a categorização e a classificação, ou

até mesmo a recombinação das evidências de acordo com as proposições iniciais da pesquisa.

O rigor científico a ser empregado nessa fase deve ser redobrado, uma vez que sua não

observação pode comprometer o esforço prévio da investigação e o levantamento realizado nas

outras fases da pesquisa, bem como contaminar as conclusões da pesquisa. Best (1972 apud

Marconi; Lakatos, 2003), aponta alguns aspectos que podem comprometer o êxito da

investigação:

1. Confusão entre afirmações e fatos. As afirmações devem ser comprovadas, tanto

quanto possível, antes de serem aceitas como fatos.

2. Incapacidade de reconhecer limitações. Tanto em relação ao grupo quanto pelas

situações, ou seja, tamanho, capacidade de representação e a própria composição, que

pode levar a resultados falsos.

3. Tabulação descuidada ou incompetente. Realizada sem os cuidados necessários,

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47

apresentando, por isso, traços mal colocados, somas equivocadas etc.

4. Procedimentos estatísticos inadequados. Leva a conclusões sem validade, em

consequência de conhecimentos errôneos ou limitações nesse campo.

5. Erros de cálculo. Os enganos podem ocorrer em virtude de se trabalhar com um

número considerável de dados e de realizarem muitas operações.

6. Defeitos de lógica. Falsos pressupostos podem levar a analogias inadequadas, a

confusões entre relação e causa e/ou à inversão de causa e efeito.

7. Parcialidade inconsciente do investigador. Deixar-se envolver pelo problema,

inclinando-se mais à omissão de resultados desfavoráveis à hipótese e enfatizando mais

os dados favoráveis.

8. Falta de imaginação. Impede a descoberta de dados significativos e/ou a capacidade

de generalizações, sutilezas que não escapariam a um analista mais sagaz. A imaginação,

a intuição e a criatividade podem auxiliar o pesquisador, quando bem treinadas.

O resultado a ser apresentado na presente dissertação procurou responder à pergunta

definida como problema da pesquisa: “Da forma como foi elaborada, a série Um Mundo de

Muros contempla as possibilidades da narrativa digital e aponta para novas potencialidades que

possam vir a ser desenvolvidas e usadas no futuro por outras experiências?”.

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4 – ANÁLISE DE UM MUNDO DE MUROS

4.1 – O QUE É UM MUNDO DE MUROS E SOBRE O QUE TRATA?

Publicada pela Folha de S.Paulo entre junho e setembro de 2017, a série de reportagens

multimídia Um Mundo de Muros foi publicada em dois suportes, o digital e o analógico. A série,

segundo seus idealizadores foi pensada para ambos os suportes. As edições impressas são

resultantes do projeto desenhado para o meio digital. Textos, infográficos, mapas, vídeos,

animações, fotos e vídeos em 360º compõem o repertório multimídia utilizado em cada uma

das sete reportagens do especial.

Figura 2 – Homepage da série Um Mundo de Muros

A série aborda a presença e a violência do aumento do número de muros construídos

entre países, cidades ou até mesmo bairros e o cotidiano de moradores desses locais em que se

dá a presença forçada dessas edificações. Construídos tendo como justificativas problemas tão

distintos quanto a insegurança pública, conflitos étnicos ou para impedir e regular os fluxos

migratórios entre as nações e continentes, esses muros, mais do que modificar a paisagem e

barrar os deslocamentos afetam fundamentalmente as vidas das pessoas retratadas nas

reportagens.

Originada da inciativa de dois repórteres do jornal, Lalo de Almeida (repórter-

fotográfico) e Patrícia Campos Mello (repórter-especial), a série teve cerca de seis meses de

fase de produção antes que o primeiro capítulo fosse publicado no site da Folha de S.Paulo e na

edição impressa. O levantamento dos locais dessas construções foi a primeira etapa do projeto.

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Na verdade, era uma ideia meio óbvia, porque era um assunto que estava [em

pauta] ainda durante a eleição do Donald Trump: a questão dos muros. Eu sabia que existiam os muros óbvios, tipo Palestina e Israel, mas caiu em algum

momento a história do muro do Peru também. Aí me veio na cabeça essa coisa

dos muros, fui dar uma olhada, e vi que tinha mais de 70 muros construídos no mundo entre fronteiras de países. Fui com a Pata [Patrícia Campos Mello]

fazer uma pauta sobre zika nos Estados Unidos. Aí, eu comentei com ela essa

história dos muros. Estava no meio da eleição do Trump e surgiu essa ideia de

fazer um megaprojeto contando o impacto dos muros na vida das pessoas. Pensamos em pegar alguns muros que contassem histórias e estivessem

relacionados a algum tema. (ALMEIDA, 2019)

A pesquisa de Elisabeth Vallet, Zoe Barry e Josselyn Guillarmou, professores e

pesquisadores da Cátedra Raoul Dandurand de Estudos Estratégicos e Diplomáticos, da

Universidade de Quebec em Montreal, ajudou a balizar o projeto. O estudo do grupo aponta um

forte crescimento na construção de muros com as finalidades acima reportadas desde o início

deste século. De acordo com os resultados levantados pela pesquisa, em 2001 eram 17 barreiras

físicas como essas espalhadas nos mais diversos países. Em 2017, esse número passou para 70.

Algumas dessas barreiras têm grande destaque midiático, como o muro entre Israel e a

Cisjordânia, ou as áreas com barreiras de arame e concreto entre o México e os Estados Unidos,

com repercussão amplificada pelas promessas de campanha do presidente norte-americano

Donald Trump e suas afirmações polêmicas após ser eleito, de que construirá um muro em toda

a extensão da fronteira, e a resposta do presidente mexicano Enrique Peña Neto, que afirmou

que seu país não pagaria pela construção.

Outras, no entanto, têm destaque bem menor na imprensa internacional e brasileira,

como o muro entre o Quênia e a Somália, a barreira que separa moradores de um bairro de

Cubatão, no litoral sul de São Paulo, da rodovia dos Imigrantes, ou a enorme construção em

Lima, capital peruana, que divide bairros de classe média e média alta de comunidades e favelas.

De acordo com o texto de abertura da série, a presença dos muros se deve a variados motivos:

“Alguns separam fronteiras. Outros dividem a mesma população. Alguns freiam refugiados.

Outros escondem a pobreza. Ou o medo. Ou a guerra. Ou a desigualdade. Ou a mudança

climática” (FOLHA DE S.PAULO, 2017).

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Figura 3 – Gráfico com o aumento da construção de muros entre países

Fonte: Estudo organizado por VALLET (2014)

Para a elaboração da série, repórteres da Folha registraram o fenômeno em quatro

continentes: África, América do Sul e do Norte, Europa e Oriente Médio. Paradoxalmente à

ideia de um mundo cada vez mais interconectado e interdependente, a constatação de Vallet e

seus colegas, de que nunca antes na história da humanidade se construíram tantas formas de

separação entre os povos, joga por terra a ideia de um mundo globalizado.

Comecei a estudar os muros e cercas do mundo dois anos depois do 11 de

Setembro de 2001. Na época, eu e minha equipe de pesquisadores partimos do pressuposto de que os ataques haviam desencadeado o aumento no número

de muros. Depois que coletamos e analisamos os dados, porém, chegamos à

conclusão de que essa tendência tinha se acelerado alguns anos antes e que, na realidade, a diminuição na quantidade de muros e cercas após a queda do

Muro de Berlim não tinha sido tão grande quanto se esperava (VALLET,

2017).

Longe de ser a expressão de um mundo pregresso, polarizado e separado por barreiras

fixas e bem delineadas, e em boa medida superado, a construção desses muros – que muitas

vezes não respeitam o traçado das fronteiras dos países – revela uma reação à globalização e à

forma como o fenômeno se deu, de acordo com a pesquisadora.

Concluímos que os atentados de 2001, da mesma maneira que a Primavera

Árabe [iniciada em 2010], tinham sido um acelerador para a multiplicação de muros, mas não um desencadeador. O fator real foi a globalização, a maneira

como ela mudou as estruturas econômicas nos países e como muitas pessoas

sentem que não têm o menor controle sobre suas próprias vidas. O fator desencadeador, o gatilho para a multiplicação de muros foi essa reação contra

a globalização e a crise de identidade ligada a isso. (VALLET, 2017)

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De acordo com a pesquisadora, o que leva a essa separação física e imposição de

barreiras é menos uma questão que guarda semelhanças com outros momentos históricos, como

o processo que levou à separação da Alemanha em duas, na Europa do pós-guerra, e mais uma

expressão dos temores do mundo contemporâneo. Há uma crise econômica, com aumento da

desigualdade de renda e uma sensação de impotência das pessoas. “É menos uma questão de

insegurança no sentido militar e mais uma insegurança social.” (VALLET, 2017)

Assim como as cidades muradas da Idade Média eram constituídas para proteger seus

moradores das invasões e da barbárie, os muros atuais reforçam o temor em suas próprias

populações. Da mesma forma, os “invasores” são claramente identificados como os

estrangeiros.

Os muros de nossa história contemporânea – construídos por Israel na

Cisjordânia, no lado leste da Palestina e pelos Estados Unidos, na fronteira

com o México – por trás de uma função comum, que é ‘tentar impedir, de modo absoluto, a transposição, pela população, da fronteira entre duas

unidades políticas distintas’, diferenciam-se do seu congênere mais famoso de

nosso passado recente, o muro de Berlim. (EVANGELISTA, 2004, p. 17)

O tamanho e a relevância do fenômeno fazem com que o tema seja objeto de estudos de

diversos autores. Outros a se debruçarem sobre o assunto são Ron Hassner e Jason Wittenberg,

professores de Relações Internacionais da Universidade de Berkeley, Califórnia. Ambos

projetam, tomando por base o ritmo atual do aumento dos muros, um crescimento exponencial

dessas construções. “A Europa terá mais barreiras físicas entre seus países do que tinha na

Guerra Fria”. (CHARLEAUX, 2016).

4.2 – ESTUDO DE CASO: UM MUNDO DE MUROS

Dividida em sete capítulos, a série Um Mundo de Muros trata de seis muros

especificamente. São eles:

- O muro entre Israel e a Cisjordânia

- O muro que divide bairros urbanizados de favelas em Lima, capital peruana

- A cerca entre a Sérvia e a Hungria

- O muro que separa uma favela Vila Esperança, em Cubatão, da rodovia dos Imigrantes

- O muro entre o Quênia e a Somália

- A barreira entre o México e os Estados Unidos, que inclui cercas e áreas muradas. É abordado

em dois capítulos: México e EUA, a partir de reportagem feita em cidades mexicanas, e EUA

e México, a partir de reportagens em cidades norte-americanas. Separadas, as duas reportagens

ajudam a dar a ideia da extensão e dos diferentes pontos de vista sobre o mesmo muro.

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Figura 4 – Foto do muro em Lima, no Peru, separando uma favela de bairros ricos

A ordem da leitura é apresentada em um índice na página da série, acessada por meio

do site do jornal, com chamadas recorrentes na homepage. Seu conteúdo é o que se chama de

evergreen, ou seja, é perene e não depende do factual – justamente por não ter sido feito a partir

de uma pauta factual, mas sim a partir de um fenômeno presente no cotidiano dos lugares

retratados, ainda que esse mesmo fenômeno se expanda e se renove de tempos em tempos,

como quando da eleição do presidente americano Donald Trump, que promete aumentar de

forma massiva a barreira já existente entre os Estados Unidos e o México. Quando a série foi

publicada, 1.046 km do total de 3.200 km da fronteira entre EUA e México já tinham algum

tipo de cerca.

A disposição dos capítulos, da forma como é apresentada no índice, não corresponde,

no entanto, à ordem cronológica de publicação das reportagens. O leitor que tenha

acompanhado a publicação de cada um dos capítulos leu na seguinte ordem:

1) Estados Unidos e México - Ao norte da fronteira, passado acalenta e futuro

intimida, 26 de junho

2) México e Estados Unidos - Expectativa e ressentimento atormentam quem fica

para trás, 26 de junho

3) Quênia e Somália – Na fronteira dos desprovidos, quem foge da fome se depara

com o terror, 7 de julho

4) Cubatão, Brasil – À beira da estrada, a pobreza se esconde e o crime prospera,

24 de julho

5) Sérvia e Hungria – Na porta da Europa, tentar entrar é ciclo de espera e incerteza,

7 de agosto

6) Lima, Peru – Muro da Vergonha separa indígenas de “gringos” em Lima, 21 de

agosto

7) Cisjordânia e Israel - Barreira construída para trazer segurança aparta vidas e

memórias, 4 de setembro

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O resultado se mostra no seguinte gráfico de audiência dos capítulos. Entre os capítulos,

com dados computados pela Folha, até o dia seguinte ao lançamento do penúltimo capítulo,

aponta que a reportagem sobre o muro em Cubatão, no Brasil, teve mais do que o dobro de page

views no dia em que foi ao ar em relação aos demais. Tal desempenho é atribuído por editores

e repórteres à proximidade dos leitores do fenômeno.

[...] Foi o muro mais lido, porque é isso, é um muro que está debaixo do nosso

nariz, todo mundo que vai para praia, pega o carro e vai para o Guarujá, não

sabe que tem uma comunidade murada atrás. Então acho que isso foi muito

marcante para as pessoas, ou seja, a gente está falando muito “ai, que horror o que estão fazendo com os sírios”, a gente tem um muro aqui, uma comunidade,

e ninguém nem sabe, acho que isso pega muito. Tanto que a gente perguntou:

“Vocês sabem o que têm aqui? Não, não sei”. As pessoas passavam ali... não têm a menor ideia. (MELLO, 2019)

Todas as reportagens, em suas datas de lançamento, se enquadram no que o jornal

considera como “muito bem lidos”, ou seja, mais de 10 mil pageviews.

Figura 5 – Gráfico audiência Um mundo de muros

Fonte: Folha de S.Paulo

A apresentação das reportagens foi pensada desde o início para ser feita em formato de

série, segundo os idealizadores.

A gente pensou como seriada desde o começo. Queríamos testar o formato.

Obviamente isso ajudou muito na produção também porque se a gente tivesse que fazer todas as viagens e depois editar todo o material, ia entrar numa fila

imensa. (DIAS, 2019)

Page 60: ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING MESTRADO ...

54

Esse formato se revelou acertado, pois além de facilitar o lançamento do projeto por não

criar um afunilamento de reportagens já apuradas e escritas à espera de edição, programação e

edição de vídeo, fotos e infográficos, acabou acarretando retomada de audiência para os

capítulos já no ar quando do lançamento de novas reportagens. Isso reforça uma das

características da série: o long tale, ou cauda longa, que significa que as reportagens, além de

não serem datadas, têm vida útil longa e são capazes de se manter atuais e atrair audiência

mesmo após semanas em que foram ao ar, como mostra o gráfico a seguir.

Figura 6 – Gráfico audiência Um mundo de muros – Estados Unidos México

Fonte: Folha de S.Paulo

Exceção feita ao próprio dia em que foi ao ar, os capítulos sobre o muro entre o México

e os Estados Unidos, aqui contabilizadas as duas reportagens, obtiveram as maiores audiências

nas datas em que os capítulos seguintes foram ao ar. Tomando-se todo o período como

referência para a análise, a audiência total desses dois primeiros capítulos, lançados juntos, veio

34% no dia da publicação e 66% nos dias posteriores, evidenciando o efeito cauda longa. O

mesmo se observou em relação aos demais capítulos. Ou seja, a cada novo capítulo, as

reportagens já publicadas se beneficiaram da audiência atraída. Aqui também o efeito da maior

atenção atraída pelo capítulo brasileiro da série se observou. Após sua data de lançamento, a

maior quantidade de pageviews dos capítulos sobre o muro entre o México e os Estados Unidos

ocorreu quando a reportagem sobre Cubatão foi ao ar.

Fenômeno raro, o especial continuou recebendo audiência considerável em todos os dias,

Page 61: ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING MESTRADO ...

55

mesmo nos em que não houve o lançamento de nenhum novo capítulo.

Apesar da presença do índice guiar o leitor entre os capítulos de forma pré-estabelecida,

o caminho a ser trilhado por esse leitor entre as reportagens não depende dessa ordem. Dessa

forma, Um Mundo de Muros é um exemplo de narrativa multilinear. Ou seja, o leitor é livre

para estabelecer a ordem a ser seguida da forma como quiser, sem que isso implique em

mudança substancial do que se depreende da mesma narrativa.

Os capítulos são compostos por diferentes elementos narrativos presentes em todas as

sete reportagens: textos, infográficos, mapas, vídeos e fotos. Cada um deles oferece uma entrada

para o percurso narrativo do leitor na reportagem, assim como cada um deles possui

características distintas e que evidenciam a estratégia narrativa adotada pela série.

4.2.1 – Um Mundo de Muros e o ciberjornalismo

À luz dos conceitos anteriormente estabelecidos de ciberjornalismo, expressão técnica

do fazer jornalístico no mundo intermediado e, em grande parte, apreendido via conexões

digitais, a análise da série de reportagens e de seus capítulos pretende responder se há

pertinência ou não do produto e sua filiação a esses conceitos de forma integral ou parcial.

De acordo com a sistematização estabelecida por Schwingel (2012), tomando por base

processos semelhantes desenvolvidos por outros autores, como Canavilhas e Baccin e

Salaverria, temos em Um Mundo de Muros a seguinte configuração:

a) Multimidialidade - Todas as reportagens da série são compostas igualmente por mais de

um elemento midiático. Assim, textos, infográficos, mapas, vídeos e fotos compõem a

narrativa. Segundo Canavilhas (2014), por questões de ordem histórica e econômica, o texto

é o fator principal e mais utilizado no ciberjornalismo. Um Mundo de Muros acompanha

esse diagnóstico.

b) Interatividade – Ocorre em meio limitado na série. Ao usuário/interator é facultada a

possibilidade de acessar as diferentes mídias na ordem em que preferir e interagir de forma

parcial, como no caso dos vídeos 360º. Interação do usuário com a equipe de produção e do

usuário com outros usuários não ocorrem. Importante notar que a série não tem espaço

dedicado a comentários dos leitores, como a maioria das reportagens do site da Folha de

S.Paulo.

c) Hipertextualidade – Outra característica parcialmente ausente do objeto aqui estudado.

Nenhuma das reportagens possui em seus textos qualquer hiperlink para outro conteúdo,

interno ou externo à série. As conexões se fazem necessariamente ao fim das reportagens,

Page 62: ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING MESTRADO ...

56

ou por meio do homepage da série, que dá acesso a todos os capítulos. Importante notar

também que essas hiperligações, fora dos textos, apresentaram durante o período em que

essa análise foi realizada problemas técnicos em alguns navegadores web que, por vezes,

impossibilitou a conexão e a passagem de um ponto a outro da série sem ter o usuário que

retornar à homepage.

d) Customização do conteúdo – Ao usuário é facultada a possibilidade de acessar os

conteúdos na ordem em que achar melhor. Assim entendida, a customização se mostra

presente.

e) Memória – Característica do ciberjornalismo potencialmente presente em toda reportagem

na web. Não é diferente aqui.

f) Atualização contínua – Outra característica do ciberjornalismo potencialmente presente

em toda reportagem na web, concretiza-se na série pela inclusão posterior, não de um novo

capítulo, mas de uma entrevista com Elisabeth Vallet, professora e pesquisadora, além de

autora de livro referência sobre o assunto tratado pela série.

g) Flexibilização dos limites de tempo e espaço como fator de produção – Característica

que também se mostrou efetivada de forma parcial. Ainda que as reportagens não tenham

limite espacial para o desenvolvimento da narrativa, todas têm tamanhos similares, bem

como os vídeos e vídeos 360º. Tal característica confere à série unidade estética entre seus

capítulos.

h) Ferramentas automatizadas no processo de produção – A série contou com ferramenta

de publicação própria e integrada a banco de dados da Folha de S.Paulo. Assim como a

flexibilização dos limites de espaço e tempo e a interatividade, esse é um elemento

pertinente ao ciberjornalismo mais ligado à prática, ou ao fazer jornalístico, do que à

estrutura narrativa.

Tabela 4 – Elementos midiáticos presentes na série de reportagens e divisão por capítulos

Capítulo Texto

(caracteres)

Foto Vídeos Infográficos

Estados Unidos e

México

11.005 21 3 10

México e

Estados Unidos

10.057 22 5 5

Quênia e

Somália

10.442 20 5 9

Cubatão, Brasil 9.015 10 5 6

Sérvia e Hungria 10.273 20 5 7

Lima, Peru 7.800 13 3 6

Cisjordânia e

Israel

9.964 20 3 8

Total 68.556 126 29 51

Page 63: ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING MESTRADO ...

57

Como visto anteriormente, Um Mundo de Muros é uma série de reportagens multimídia

que contempla as características do ciberjornalismo quase integralmente. Importante ressaltar

que tais elementos constitutivos não formam um cânone a ser seguido por todas as inciativas

jornalísticas nessa área. Antes disso, são itens que podem ou não estar presentes e que em maior

ou menor grau conferem ao produto jornalístico maior ou menor relação com o conhecimento

sistematizado por diversos autores. Dessa forma, atender ou não tais características integral ou

parcialmente não fazem da iniciativa melhor ou pior. Antes disso, a escolha desses itens pode

e deve ser resultado da reflexão que se dá no processo de edição.

Ainda sobre uma das características aqui elencadas como pertinente ao ciberjornalismo,

a multimidialidade, vale um outro olhar como proposto por Salaverría. O autor chama a atenção

para a forma como essa característica é disposta nos produtos jornalísticos. Conforme visto

anteriormente, são elas: multimidialidade por justaposição, por coordenação e por subordinação.

No caso aqui exposto e examinado, dá-se a multimidialidade por coordenação, ou seja,

os diferentes elementos multimídia presentes em cada uma das sete reportagens da série são

coordenados de forma a criar um discurso único. Não se notam redundâncias entre esses

elementos, o que implica na existência prévia de um plano bem detalhado durante a fase de

produção.

4.2.2 – Análise de capítulos

4.2.2.1 – Estados Unidos/México

A reportagem de Isabel Fleck e Avener Prado tem 11.005 caracteres. O foco está no

lado americano da fronteira e a intriga principal deste capítulo da série é a separação de famílias

de imigrantes ilegais entre os Estados Unidos e o México.

O que motiva o movimento dessa população rumo ao norte são questões econômicas.

Trabalho, estabilidade e segurança financeira para as famílias, seja de forma legal ou não, são

as razões apontadas pelos entrevistados.

Maria de Lourdes Mendoza sintetiza o drama das famílias de imigrantes mexicanos

separadas pela cerca de metal entre San Diego e Tijuana, através da qual é possível ver o que

se passa do outro lado. Seu filho, Ramón, foi deportado para o México após passar um período

na prisão por ter sido pego com drogas. Ela e a família, no entanto, permaneceram em San

Diego. Uma semana antes de ser entrevistada, ela reviu Ramon e pôde abraçá-lo por três

minutos, tempo cronometrado pelos agentes da fronteira. Isso só foi possível graças ao

programa da ONG Anjos da Fronteira, que promove os encontros pelo menos uma vez por ano.

Page 64: ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING MESTRADO ...

58

Figura 7 - Foto do capítulo EUA e México na homepage da série

As famílias rumam para a cerca, e através de um portão de metal enferrujado eles podem

se encontrar com parentes do lado mexicano. Apenas as famílias cujos membros têm bons

antecedentes criminais, ou que não tenham se envolvido com problemas recentes com a Justiça,

podem participar.

Apesar do sofrimento com a distância, os Mendoza não pensam em voltar ao México, assim como milhares de famílias divididas pela fronteira. Na maioria

dos casos, as razões citadas para permanecer nos Estados Unidos se resumem

à palavra “oportunidade”: de emprego e de vida. (FLECK; PRADO, 2017)

A reportagem traz ainda o depoimento de outros mexicanos que vivem do lado

americano da fronteira e que tiveram que ou viver separados do resto da família ou estão na

iminência de passarem por essa situação. A antítese dos mexicanos é exemplificada por dois

fazendeiros texanos que vivem próximos ao limite dos dois países, em Tornillo, a 60 km de El

Paso, em uma área sem barreiras por 15 km.

“Acho que eles ficaram sem dinheiro”, diz Jim Ed Miller, 68, dono de

fazendas de algodão cujos limites se confundem com a fronteira. Com uma arma na cintura, o vizinho que se identifica apenas como Andy reclama que a

região é menos segura por não ter barreira. “Já tentaram roubar minhas

máquinas, por isso ando com a arma. E tenho que proteger minha mãe”, diz, rodeado por seus cachorros, que rosnam ao menor movimento. (FLECK e

PRADO, 2017)

Recorrendo-se à análise pragmática da narrativa, com base no modelo formulado por

Motta (2011), adotado e adaptado por outros autores, tem-se:

Page 65: ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING MESTRADO ...

59

Tabela 5 – Conflito principal e conflitos secundários

Conflito principal Conflitos secundários

Separação de famílias de

imigrantes ilegais entre os EUA

e o México

Obtenção de visto para morar e trabalhar nos EUA, medo da

prisão ao atravessar do México para os EUA, e da deportação

para o México, disputa do presidente Donald Trump e o Congresso americano para liberação de verbas para a

construção do muro, medo de ser roubado por imigrantes.

O conflito principal nesta reportagem é a separação de famílias entre os EUA e o

México. É com esse conflito que o texto é apresentado e é o mesmo que irá se mostrar presente

entre os personagens da narrativa.

A construção do muro, intento do presidente dos EUA, Donald Trump, e as barreiras já

existentes à época da publicação, 1.046 km do total de 3.200 km da fronteira entre EUA e

México, bem como a ação das patrulhas da fronteira e do Serviço de Fiscalização de Imigração

e Alfândega constituem as principais ameaças aos imigrantes ilegais que tentam a sorte no país

vizinho, ao norte da fronteira.

Este, no entanto, não é o único conflito que movimenta a narrativa. Subtramas e

conflitos secundários se desvelam na reportagem. A espera pelo visto para os que já estão em

solo americano, o medo dos cidadãos dos EUA de serem vítimas de algum tipo de violência,

física ou material, o medo dos imigrantes ilegais e a luta pelo reconhecimento dos direitos dessa

população marginalizada compõem os conflitos secundários.

Tabela 6 – Personagens e trama

Personagens Trama

Maria de Lourdes Mendoza, 50, e Ramón, 27 (filho de

Maria de Lourdes)

Separados pela fronteira. Ramón foi deportado após cumprir pena por tráfico de drogas. A família teme ir ao México e não

poder regressar e espera pelo Green Card.

Cecília Martínez, 44 Ilegal, há 13 anos nos EUA, por segurança deu a guarda das filhas para os pais dela (residentes permanentes nos EUA) e

teme, como ocorreu com o marido, ser deportada. Por isso,

evita sair às ruas da cidade em que vive, El Paso, no Texas.

Fernando García, diretor da Rede Fronteiriça pelos

Direitos Humanos.

Luta para conscientizar os imigrantes ilegais sobre seus direitos.

Rocío Orozco, 42 Passou 20 anos separada do marido e dos filhos pela fronteira

– ela em Mexicali, no México, eles em Calexico, na Califórnia. Em setembro de 2016, obteve o Green Card e mudou-se para

os EUA. Vive em uma casa a poucos metros da cerca de onde

vê imigrantes ilegais tentando entrar e sendo presos.

Eduardo Olmos, chefe da

comunicação da patrulha de

San Diego

Personagem lateral

Page 66: ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING MESTRADO ...

60

Jim Ed Miller, 68, e Andy

(não informou sobrenome)

Americanos, temem ser roubados pelos imigrantes legais e

esperam a construção do muro.

Joel Olivas, 28 Foi um dos 63.397 capturados pela Patrulha da Fronteira na região de Tucson, Arizona, em 2015. Ele cruzou a fronteira

com outros cinco imigrantes, todos carregando drogas.

Cumpriu dois anos de prisão em Nogales, no México.

John Hunter e Laura Casados, fundadores de uma ONG que deixa garrafas de água

pelo caminho em que ilegais costuma entrar nos EUA.

Tabela 7 - Estratégias de objetivação

Tipo de objetivação Ocorrências Exemplos

Citação em aspas 14 “As meninas choram, temem que nos separem. É muito doloroso. Quero estar aqui, quero ser eu a educá-las.”

Cecília Martínez, 44, sobre o medo de ser separada das

filhas caso seja deportada

Estatísticas e

didatismo

21 O mexicano Joel Olivas, 28, foi um dos 63.397 capturados pela Patrulha da Fronteira na região de

Tucson, Arizona, em 2015. Ele cruzou a fronteira com

outros cinco imigrantes, todos carregando drogas.

Centenas morrem por ano. Em 2016, foram 322 – 84 só

na região de Tucson, onde Joel cruzou.

Instituições citadas 7 ONG Anjos da Fronteira, Patrulha da Fronteira, Departamento de Segurança Doméstica, Rede Fronteiriça

pelos Direitos Humanos, Serviço de Fiscalização de

Imigração e Alfândega, Congresso americano, Water Stations

Tabela 8 - Estratégias de subjetivação

Tipos de subjetivação Ocorrências Exemplos

Descrição

pormenorizada de

cenas, ambientes e

personagens

6 Em um domingo no fim de abril, a diarista teve a chance de abraçar o filho de novo. Foram três minutos observados

por agentes da Patrulha da Fronteira, que abriram

temporariamente uma enferrujada porta da cerca que divide os EUA e o México no extremo oeste da fronteira

e adentra o mar.

Com uma arma na cintura, o vizinho que se identifica apenas como Andy reclama que a região é menos segura

por não ter a barreira.

Ênfase e intensidade 12 A expressiva queda no número de detidos desde o início

do governo Trump sugere que menos pessoas estão

tentando entrar ilegalmente nos EUA.

Verbos e expressões

de sentimento

11 Entre lágrimas e diante de jornalistas, disse a Ramón que

o amava e pediu que se cuidasse. Ouviu dele que não se

preocupasse mais.

Page 67: ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING MESTRADO ...

61

O emprego da análise pragmática da narrativa aponta que o texto utiliza mais recursos

de objetivação do que de subjetivação. Dessa forma, o resultado é uma reportagem que lança

mão em maior escala de estratégias como aspas e citações, além de dados e fontes oficiais, o

que lhe confere características comuns aos textos jornalísticos informativos.

Ainda que recursos de subjetivação existam no objeto de análise, os autores os utilizam

de forma comedida e pouco recorrente. A descrição física das personagens, por exemplo, não é

feita em nenhum dos casos. Condições psicológicas e emocionais de alguns dos entrevistados,

no entanto, são apresentadas ao leitor.

A estrutura da narrativa é quase que integralmente linear. Ainda que o texto obedeça à

sua própria temporalidade, o narrador desloca-se de um ato a outro sem abrir exceções e voltas

aos pontos de origem de cada um dos personagens. Estratégias típicas do jornalismo literário,

como o tripé linguagem, estrutura e personagens (ESSENFELDER, 2017), são pouco

exploradas. A narrativa dá espaço à subjetivação, mas é eminentemente objetivadora.

4.2.3.2 – México/Estados Unidos

O capítulo que trata do muro entre o México e os Estados Unidos, sob a perspectiva dos

moradores ao sul da barreira, narra as dificuldades sociais e econômicas enfrentadas pelos

mexicanos e imigrantes centro-americanos que tentam ingressar nos EUA, mas que passam

longo período no México à espera da oportunidade de se tornarem ilegais em solo americano.

Figura 8 -Foto do capítulo México e EUA na homepage da série

A reportagem “Expectativa e ressentimento atormentam quem fica para trás”, de

Fabiano Maisonnave e Lalo de Almeida, tem 10.057 caracteres e retrata a construção do muro

Page 68: ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING MESTRADO ...

62

e os impactos criados no cotidiano dos moradores de cidades mexicanas. Esses impactos são

largamente explorados neste capítulo, evidenciando o drama causado pela segregação imposta

por sucessivos presidentes norte-americanos, especialmente a partir da eleição de Donald

Trump, que promete ampliar e reforçar a barreira com a construção de muros em substituição

às cercas vazadas que ainda existem em muitos locais.

Entre as histórias de personagens expostas na reportagem, a mais aprofundada é a saga

de um mexicano deportado para seu país há sete anos e que agora tenta dar a seus filhos a

possibilidade de um futuro no país vizinho.

O muro venceu José Hector Nevarez, 33. Detido e deportado pela primeira

vez em 2010, no governo Obama, tentou voltar aos EUA duas vezes e foi

capturado pela Patrulha da Fronteira nas duas. Resignado, decidiu reunir a

família no México, que Hector havia deixado quando tinha 15 anos. Vieram a

mulher, Gabriela, 32, e os filhos, Emiliano, 12, e Azul, 7. (MAISONNAVE;

ALMEIDA, 2017)

O muro impôs uma divisão na família. Em um drama que se repete com frequência cada

vez maior, os pais são mexicanos, mas os filhos possuem cidadania norte-americana por terem

nascido lá.

Para eles e centenas de outras famílias de deportados, a solução foi morar no

povoado de Puerto Palomas, (157 km a oeste de Juárez). Todo dia, enquanto

os pais trabalham no lado mexicano, os filhos atravessam a fronteira para ir às

escolas norte-americanas do Novo México. “Os EUA são o seu país. Em seu

momento, vão ter um emprego lá, ter uma vida social lá”, diz Hector, que nos

EUA trabalhou na construção civil e como motorista. “Queremos que façam

a sua vida lá. E, obviamente, se tivermos a oportunidade de lá visitarmos, tudo

bem, mas vivendo não.” (MAISONNAVE; ALMEIDA, 2017)

Tabela 9 – Conflito principal e conflitos secundários

Conflito principal Conflitos secundários

Segregação

econômica e social

Endurecimento das leis imigratórias sob o governo Trump e seus efeitos sobre a

população de mexicanos, precariedade nas condições de trabalho do lado

mexicano da fronteira, separação entre famílias, violência e narcotráfico.

A segregação econômica e social criada pelo muro entre o México e seu vizinho do

norte é o conflito principal apresentado pela reportagem. É ao redor dele que outros conflitos

se revelam, como o endurecimento das leis imigratórias sob o governo Trump e seus efeitos

sobre a população de mexicanos, a precariedade nas condições de trabalho do lado mexicano

da fronteira, a separação entre famílias, a violência e o narcotráfico.

Page 69: ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING MESTRADO ...

63

Tabela 10 – Personagens e trama

Personagens Trama

Padre Javier

Calvillo, 47

Diretor da Casa do Migrante de Ciudad Juárez, teme que as regras de

imigração fiquem ainda mais rígidas sob Trump

Marcos, operário Mexicano, trabalha a contragosto na construção do muro

Fabiola Vellez, 31, operária

Complementa sua renda com restos do material de construção do muro

José Hector

Nevarez, 33

Mexicano deportado para seu país há sete anos, tenta dar a seus filhos a

possibilidade de um futuro melhor mantendo-os em escola do lado

americano, onde nasceram. Teme a ação de narcotraficantes e, por isso, leva os filhos diariamente até a aduana

Emir, 33,

salvadorenho

Desde seu país, levou 45 dias até chegar à cidade mexicana de Caborca. Diz

ter viajado em 15 trens e conhecido uma menina, imigrante como ele, que perdeu a perna tentando pegar um dos trens

Aída Laurean, 47,

faxineira

Morava nos EUA, foi ao México para o funeral da mãe e não conseguiu

mais voltar para o lado norte da fronteira. Ficou sete anos sem ver a filha,

que ficou nos EUA

José Hector Nevarez, 33, é o personagem principal desta narrativa. Sua luta diária de

deportado que tenta criar os filhos mantendo-os em escola do lado americano da fronteira e as

dificuldades dele e da mulher para conseguirem obter o sustento da família – a poucos passos

da terra para onde imigrou no passado em busca de melhores oportunidades – representam a

síntese da segregação. Sua saga, no entanto, é complementada na narrativa pela jornada das

personagens secundárias, como o salvadorenho Emir, 33, que levou 45 dias do seu país até

chegar à cidade mexicana de Caborca, a partir de onde espera partir para os EUA após ter

viajado em mais de 15 trens através do México.

Tabela 11 – Estratégias de objetivação

Tipo de objetivação Ocorrências Exemplos

Citação em aspas 12 “Não gosto de trabalhar aqui, mas tenho de alimentar a

família.” Marcos, operário que trabalha na construção

muro no lado mexicano

Estatísticas e didatismo

19 As sobras da obra viraram uma fonte de renda extra para os

moradores. Carregando um longo pedaço de cano de aço

em um dos ombros, a operária Fabiola Vellez, 31, disse

que a peça vale 50 pesos (US$ 2,80, ou R$ 9,30).

Instituições citadas 3 Casa do Migrante de Ciudad Juárez, Patrulha da Fronteira dos EUA, Casa de Migrante de Caborca

Lugares 4 Ciudad Juárez, Nogales, Puerto Palomas, Caborca

Tabela 12 – Estratégias de subjetivação

Tipos de subjetivação Ocorrências Exemplos

Descrição

pormenorizada de

cenas, ambientes e

personagens

5 As obras estão agora em Puerto de Anapra, bairro de ruas de areia e casas sem acabamento a cerca de 30 minutos do centro

de Juárez...

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O muro também atrai crianças, que pedem dólares e doces

através da cerca. Mais ousado, um adolescente demonstrou à reportagem que conseguia escalar até o topo do novo muro em

poucos segundos, para irritação de um operário, que prometeu

chamar a mãe e recebeu em resposta uma saraivada de

xingamentos em espanhol.

Ênfase e intensidade 13 A poucos metros, no Texas, o salário mínimo semanal está em

US$ 290, o quíntuplo.

Mais ousado, um adolescente demonstrou à reportagem que conseguia escalar até o topo do novo muro em poucos

segundos, para irritação de um operário, que prometeu chamar

a mãe e recebeu em resposta uma saraivada de xingamentos

em espanhol.

Verbos e expressões de

sentimento

14 Os mexicanos também se ressentem; Trump nos assusta; Em

El Paso, as pessoas têm medo de ir à escola, ao trabalho

A análise da narrativa aponta que o texto utiliza mais recursos de objetivação do que de

subjetivação. Diferentemente de outras reportagens da série, apesar de recorrer a estratégias

como aspas e citações, além de dados, as instituições citadas são apenas três. Entre elas, apenas

uma é órgão de estado, a Patrulha da Fronteira. As outras duas são entidades do terceiro setor.

Em relação à presença de recursos de subjetivação, assim como nos outros capítulos,

itens como a descrição de cenas e personagens estão presentes de forma discreta. Condições

psicológicas e emocionais de alguns dos entrevistados são apresentadas ao leitor. A estrutura

da narrativa é linear e o texto é predominantemente denotativo. A narrativa dá espaço à

subjetivação, mas é eminentemente objetivadora.

4.2.3.3 – Quênia/Somália

O capítulo sobre a fronteira entre o Quênia e a Somália, onde uma cerca de 700 km

começou a ser construída pelo governo queniano para restringir a entrada dos somalis, revela

algumas das piores situações sociais e de violações dos direitos humanos apontados pela série.

Figura 9 -Foto do capítulo Quênia e Somália na homepage da série

Page 71: ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING MESTRADO ...

65

A reportagem começa narrando o trajeto de um imigrante e sua família em direção ao

Quênia, e o que tiveram que enfrentar pelo caminho. É, parcialmente, a jornada do herói, como

a proposta por Campbell (1990). Parcial porque o ciclo que o autor apresenta não se completa

na saga do somali, ficando ele e a família ainda em situação incerta ao fim da narrativa.

Noor Addow, 45, suas duas esposas e dez filhos andaram durante 17 dias. Fugindo da seca, da fome, do terrorismo e da epidemia de cólera na Somália,

levavam apenas a roupa do corpo. As crianças, algumas descalças, outras com

chinelos, tinham os pés cobertos de bolhas e de feridas. (MELLO; ALMEIDA, 2017)

Após o vídeo de abertura, é apresentado o texto da reportagem, com 10.442 caracteres

entremeados por fotos, mapas, infográficos e outros dois vídeos. Assim como nas outras

reportagens da série, o conflito é apresentado sempre a partir de pontos de vista distintos. Em

posição antagônica à de Noor, a funcionária pública queniana Saadia Kullow, 29, festeja a

construção da cerca entre os dois países. A justificativa de Saadia são os ataques terroristas

constantes em sua cidade, na tríplice fronteira entre o Quênia, a Somália e a Etiópia, e que

partiriam do país de Noor.

Tabela 13 – Conflito principal e conflitos secundários

Conflito principal Conflitos secundários

O governo queniano passou a fazer repatriação voluntária dos refugiados somalis, apesar da seca,

do cólera e da milícia terrorista ainda estar em

boa parte do território somali. O Quênia deixou de dar status de refugiados aos somalis que

cruzam a fronteira fugindo da seca e da violência

em seu país.

Por não serem considerados refugiados, os somalis que chegaram em Dadaab nos últimos

dois anos não recebem o pacote de assentamento

- terreno e materiais para construírem suas barracas – nem o vale-ração que dá direito a uma

porção quinzenal de alimentos.

O conflito principal apresentado neste capítulo da série é a fuga da seca e da violência

na Somália barrada por um cerca na fronteira com o Quênia e a repatriação forçada a que os

somalis estão sendo submetidos pelo país vizinho. Os conflitos secundários que vão se

mostrando ao longo da narrativa são as condições subumanas no acampamento de refugiados,

como a falta de comida e de higiene básica, além do conflito da personagem principal.

Tabela 14 – Personagens e trama

Personagens Trama

Noor Addow, 45 anos Agricultor somali que migrou com a família para o Quênia e está no

campo de refugiados de Dadaab.

Fatma, 19 anos Esposa mais nova de Noor, deu à luz a gêmeos no caminho entre a

Somália e o Quênia – ambos morreram.

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66

Uhuru Kenyatta Presidente do Quênia, cujo governo determinou a repatriação

voluntária de refugiados somalis, com o objetivo de fechar o campo de Dadaab, que segundo ele tinha se transformado em um viveiro de

terroristas do Al Shabaab.

Jean Bosco Rushatsi Chefe de operações do Alto Comissariado das Nações Unidas para

Refugiados (Acnur) nos campos de Dadaab

Abay, 20 anos Filha de Noor

Habiba, 13 anos Filha de Noor

Liesbeth Aelbrecht Chefe da missão dos Médicos sem Fronteiras no Quênia.

Saadia Kullow, 29 Funcionária pública queniana que festeja a construção da cerca.

Mohammad Salat Chefe da aldeia BP1 (de Border Point 1, por ser o primeiro ponto desta

que é uma das mais voláteis fronteiras do mundo)

Fredrick Shisia Comissário do condado de Mandera, afirma que o propósito da cerca

não é dividir somalis e quenianos, é evitar a entrada de terroristas.

Harun Kamal Vice-comissário do condado de Garissa, onde fica Dadaab

Parcialmente vencida a saga desde seu país, Noor é apresentado de forma dicotômica:

ao mesmo tempo em que mostra força e coragem para vencer os 17 dias de caminhada com

suas duas mulheres e crianças, além da perda de dois filhos pelo caminho, apresenta extrema

fragilidade ao revelar que pouco sabia previamente das condições e regras do acampamento e

nada sabe sobre as barreiras impostas e a situação dos imigrantes ilegais nos Estados Unidos,

país para onde sonha ir como refugiado.

Tabela 15 – Estratégias de objetivação

Tipo Ocorrências Exemplos

Citação em aspas 17 “Em vez de criticar o fechamento dos campos e a

construção da cerca, a comunidade internacional

deveria entender que Dadaab se transformou num covil

de terroristas”

Estatísticas 15 A Somália tem a menor renda per capita do mundo:

US$ 400, ou cerca de R$ 1.300, por ano.

No Quênia, a renda é mais de oito vezes a dos somalis. Ainda assim, o país fica em 185º de 230 países. Seus

US$ 3.400 anuais por pessoa correspondem a 25% da

renda anual per capita brasileira.

Instituições citadas 4 ONU / Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), condado de Mandera, condado de

Garissa, Médicos sem Fronteiras

Tabela 16 – Estratégias de subjetivação

Tipo Ocorrências Exemplos

Descrição

pormenorizada

de cenas,

ambientes e

personagens

6 Noor Addow, 45, suas duas esposas e dez filhos andaram

durante 17 dias. Fugindo da seca, da fome, do terrorismo e da epidemia de cólera na Somália, levavam apenas a roupa do

corpo. As crianças, algumas descalças, outras com chinelos,

tinham os pés cobertos de bolhas e de feridas.

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67

Toda vez que passavam por um vilarejo, paravam na mesquita

e mendigavam comida. Quando a água de suas vasilhas acabava, enganavam a sede chupando raízes que achavam no

caminho. À noite, dormiam no mato, com medo dos leões e das

hienas.

Ênfase e

intensidade

8 Dentro das tendas, morava um enxame inimaginável de moscas. Ao redor do terreno, uma cerca feita com galhos secos de acácia, cheios de espinhos, e uma infinidade de roupas velhas

e trapos enroscados

Verbos e

expressões de

sentimento

4 Noor ficou feliz com a moradia herdada, mas logo descobriu

que não teria direito ao vale-ração. A funcionária pública queniana Saadia Kullow, 29, festeja a

construção da cerca.

Ainda que a narrativa predominantemente recorra às estratégias de objetivação, à

subjetivação abre-se espaço de forma generosa a partir da descrição de cenas como a situação

de falta de higiene dentro das tendas do acampamento de refugiados – “dentro das tendas,

morava um enxame inimaginável de moscas” – ou a travessia de área desértica para chegar até

lá – “as crianças, algumas descalças, outras com chinelos, tinham os pés cobertos de bolhas e

de feridas”.

4.2.3.4 – Brasil/Brasil

Na reportagem sobre o muro brasileiro, em Cubatão, no litoral sul de São Paulo, que

divide a rodovia dos Imigrantes de uma comunidade pobre chamada Vila Esperança, inverte-se

a lógica de apresentar primeiro os personagens atingidos negativamente pelas construções.

Figura 10 -Foto do capítulo Brasil na homepage da série

Page 74: ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING MESTRADO ...

68

A primeira personagem a aparecer no texto é Mariana Salgado, uma dentista que não

faz ideia dos motivos que levaram à construção de um muro bem ao lado da rodovia, nem o que

há atrás dele.

Duas vezes por semana, a dentista Mariana Salgado, 39, passa de carro ao lado do muro de concreto que foi construído na altura do quilômetro 58,5 da

rodovia dos Imigrantes, em Cubatão (SP). Quando ela está se aproximando,

fica nervosa, acha que alguém vai aparecer de repente, com uma arma na mão. “Não faço a menor ideia do que tem atrás desse muro”, diz a dentista, que

mora em Santos e atende em São Paulo às terças e quintas-feiras. “Só sei que

duas amigas minhas foram assaltadas aí.” (FOLHA DE S.PAULO, 2017)

A personagem que representa o outro lado da história desse muro se chama Luzia

Gonçalves da Silva, de 54 anos, moradora da favela de Vila Esperança. Não só seu

deslocamento foi afetado, mas também sua forma de sustento. O detalhamento sobre a vida de

Luzia é bem maior do que sobre a vida da dentista. Sabe-se, por exemplo, que ela é uma

migrante vinda do Rio Grande do Norte, e que se instalou na região de Cubatão durante o

“Milagre Econômico” dos anos 1970, durante a ditadura militar, quando um grande número de

fábricas se instalou na região.

Luzia, no entanto, nunca teve emprego em nenhuma delas. Seu primeiro emprego foi

numa feira livre em outro ponto de Cubatão, em Vila Parisi, bairro de baixa renda “que ficou

conhecido como o coração do Vale da Morte depois que 37 crianças nasceram sem cérebro, por

causa da alta concentração de poluição.”

“Esse muro aí, é para proteger os turistas, né? Mas e a gente? Era por lá que a

gente passava para vender na pista”, diz a potiguar Luzia Gonçalves da Silva, 54. Para ela, a barreira só atrapalhou. Luzia vendia água, refrigerante, biscoito

de polvilho e salgadinho sabor bacon na pista. Da janela de casa, via a estrada

– se estivesse congestionada, ela comemorava. Enchia o isopor de mercadorias

e ajeitava no carrinho de mão. Chegou a virar noite vendendo na pista, em engarrafamento de Ano Novo. Luzia foi obrigada a desistir do trabalho de

ambulante. Por causa do muro, o caminho até a estrada ficou mais longo, e ela

não aguenta puxar o carrinho pesado na lama. De qualquer jeito, nem adianta chegar lá, porque o guarda manda voltar. Abriu então o Bar da Sofrência

embaixo do viaduto no bairro e vende a dose de pinga a R$ 2 e a de conhaque

a R$ 2,50. “Mas o movimento está fraco. Quem vai comprar se ninguém tem

emprego e os bêbados só pedem fiado?” (FOLHA DE S.PAULO, 2017)

A terceira personagem apresentada é Zumbi, apelido de Sebastião Ribeiro, 47 anos.

Apesar de já ter estado do mesmo lado do muro de Luzia, seu protagonismo na região é maior,

e sua situação social, também. A reportagem revela que Zumbi veio do Maranhão em 1980 e

foi morar em um barraco com a mãe e seis irmãos. “Nos anos 90, com a crise econômica, a

população da favela explodiu porque muita gente no polo industrial perdeu o emprego e acabou

na invasão”. À época da reportagem, Zumbi era secretário de Assistência Social do município.

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69

Sebastião Ribeiro, chamado de Zumbi, batizou de “muro da vergonha” a

barreira de concreto construída pela Ecovias. “Quando não sabem o que fazer, constroem um muro e acham que resolveram o problema”, diz. “São mais de

20 mil moradores pagando pelo que uns poucos fizeram.”

O maranhense, que hoje tem 47 anos, cresceu vendendo água mineral e cocada na Imigrantes com a mãe. Formou-se em Direito aos 44 e hoje é o principal

líder comunitário de Vila Esperança, além de ser secretário de Assistência

Social de Cubatão. (MELLO; ALMEIDA, 2017)

Tabela 17 – Conflito principal e conflitos secundários

Conflito principal Conflitos secundários

A segregação social e geográfica

dos moradores da favela de Vila

Esperança, em Cubatão, criada em nome da segurança dos

usuários da rodovia dos

Imigrantes

O medo da violência.

As dificuldades em obter sustento e meios de sobrevivência, pioradas após a criação do muro

As dificuldades de um líder comunitário e político saído da favela.

A segregação social pela ótica do prefeito de Cubatão,

contrário também à construção do muro.

A luta para se manter no “caminho certo”, ou dentro da lei,

de um morador da favela, desempregado e vindo de uma família desestruturada.

O capítulo sobre o muro que separa uma favela de uma rodovia, no litoral do estado de

São Paulo, traz como conflito principal a segregação social e geográfica dos moradores de Vila

Esperança, em Cubatão, criada em nome da segurança dos usuários da rodovia dos Imigrantes.

Esse choque gera os conflitos secundários da reportagem: o medo da violência, as dificuldades

em obter sustento e meios de sobrevivência, as dificuldades de um líder comunitário e político

saído da favela, a segregação social e a luta para se manter no “caminho certo”, ou dentro da

lei, de um morador da favela.

Tabela 18 – Personagens e trama

Personagem Trama

Mariana Salgado, 39, dentista Tem medo sempre que passa de carro, na rodovia, ao lado do

muro da favela

Luzia Gonçalves da Silva, 54,

dona de um boteco na favela, o Bar da Sofrência

Foi obrigada a desistir do trabalho de ambulante na estrada

desde que o muro foi erguido; sobrevive mal com o bar que montou na favela

Sebastião Ribeiro, o Zumbi,

advogado, líder comunitário e secretário de Assistência Social

de Cubatão

Batizou o muro de “Muro da Vergonha”, luta por condições

melhores para a comunidade da favela

Silvia Mari Azuma,

coordenadora de licenciamento

Personagem lateral

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70

ambiental da Rumo,

concessionária que explora a ferrovia ao lado da comunidade

Ademário Oliveira, prefeito de

Cubatão

Não foi consultado sobre a construção do muro pela

concessionária que administra a rodovia; condena a obra que

chama de apartheid

Carlos Alexandre Vieira de

Lima, o Xambito, 23,

desempregado

Sem perspectivas, luta para se manter no “caminho certo”, ou

dentro da lei, desempregado e vindo de uma família

desestruturada

Reinaldo Lima de Souza, 17, estudante

Morto por uma pedra arremessada no carro em que estava, na rodovia, apesar de o muro já ter sido construído quando o

crime ocorreu

As personagens principais desta estória são Luzia Gonçalves da Silva, 54, dona de um

boteco na favela, o Bar da Sofrência, e o desempregado Carlos Alexandre Vieira de Lima, o

Xambito, 23. Ambos sofrem as consequências da construção do muro, ainda que apenas a

primeira apresente o problema de forma clara. Para Xambito, o muro pouco importa, diz. Em

relação à dona do bar, sua condição de vulnerabilidade social é maior e fica escondida por detrás

da barreira de concreto construída pela concessionária da rodovia.

Tabela 19 – Estratégias de objetivação

Tipo Ocorrências Exemplos

Citação em aspas 23 “Esse muro aí, é para proteger os turistas, né? Mas e a

gente? Era por lá que a gente passava para vender na

pista.”

Luzia Gonçalves da Silva, 54, dona de um boteco na

favela

“Essa vida errada aí, biqueira [ponto de vendas de

drogas], tráfico, só tem dois caminhos: cadeia ou

morte; não quero nenhum desses dois, quero ver meu

filho crescer, botar ele pra jogar bola, pra estudar.”

Carlos Alexandre Vieira de Lima, o Xambito, 23,

desempregado

Estatísticas

e didatismo

9 Na Vila, apenas 24% dos moradores concluíram o

ensino médio. Xambito parou no quinto ano e já

tentou voltar a estudar várias vezes.

Instituições citadas 5 Ecovias, Artesp, Prefeitura de Cubatão, Rumo, ONG

Tabela 20 – Estratégias de subjetivação

Tipo Ocorrências Exemplos

Descrição

pormenorizada

de cenas,

11 Assim como Mariana, centenas de milhares de paulistas de

classe média descem para o litoral pela Imigrantes, onde o

pedágio é de R$ 25,60, e não sabem o que existe atrás

Page 77: ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING MESTRADO ...

71

ambientes e

personagens

daquele muro de 3 metros de altura, 25 centímetros de

espessura e 1 quilômetro de extensão, construído pela

Ecovias em maio de 2016.

Às 15h de uma segunda-feira, o campinho de futebol sob o

viaduto de Vila Esperança está lotado de jovens descalços

disputando o clássico Dois Poste contra Santa Cruz.

Ênfase e

intensidade

11 Para a vasta maioria da população que não tem nenhuma

esperança de sair da Vila, o muro não faz diferença.

Verbos e

expressões de

sentimento

12 Quando ela está se aproximando, fica nervosa, acha que

alguém vai aparecer de repente

Da janela de casa, via a estrada -se estivesse congestionada,

ela comemorava.

batizou de “muro da vergonha” a barreira de concreto

construída pela Ecovias.

Este capítulo traz também três características diferentes em relação aos demais: é o

único sobre um muro no Brasil, no estado mais rico do país, o que pode gerar maior

identificação com o leitor da Folha de S. Paulo e consequente maior interesse e explicar a maior

audiência em relação aos demais capítulos da série; diferentemente dos outros seis, é o único a

começar pela ótica de uma personagem em menor vulnerabilidade social, ainda que a narrativa

não despreze os motivos que levam essa personagem a ter medo de passar pelo local; e,

finalmente, é o único em que a ironia é utilizada como recurso argumentativo.

O muro separa os turistas dos cerca de 25 mil habitantes de Vila Esperança,

favela onde 12% da população não têm nenhuma renda, 14% ganham até um salário mínimo, e todos despejam seu esgoto no rio que deságua nas praias

frequentadas pelos paulistas de classe média. (MELLO; ALMEIDA, 2017)

Entre as sete reportagens, esta é a que mais utiliza outros recursos de subjetivação como

a descrição pormenorizada de lugares, cenas e personagens, além da ênfase e de verbos e

expressões de sentimento. Dessa forma, a intencionalidade do narrador se apresenta e fica

explícita em determinadas passagens, o que pode levar ao leitor, associado à proximidade com

sua realidade, um maior teor conotativo em relação aos outros capítulos. O texto, no entanto,

não abre mão dos recursos de objetividade, tendo grande número de aspas e citações, além de

recorrer com frequência a dados estatísticos.

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4.2.3.5 – Sérvia/Hungria

Na reportagem sobre a barreira entre a Sérvia e a Hungria, um migrante paquistanês,

Rana Muzzafar Sabir, 28 anos, que já tentou entrar na Hungria 11 vezes, e Zoltan Kovacs, porta-

voz do primeiro-ministro húngaro Viktor Orban, são os dois lados opostos da história, divididos

não por um muro, mas por uma cerca.

Figura 11 -Foto do capítulo Sérvia e Hungria na homepage da série

Desde 2012, o governo da Hungria combate a entrada de imigrantes ilegais em seu país.

Naquele ano, lançou uma campanha com outdoors em que se lia: “Se você vier para a Hungria,

não tome os empregos dos húngaros” e “Se você vier para a Hungria, você precisa respeitar

nossa cultura”.

O paquistanês Rana Muzzafar Sabir, 28, já tentou cruzar 11 vezes da Sérvia para a Hungria. Na última, há um mês, policiais húngaros o pegaram já dentro

do território da Hungria e o espancaram.

Sabir saiu de sua casa, em Lahore, há oito meses. Passou por Irã, Turquia, Bulgária e Sérvia. “Estou cansado, mas continuo determinado”, diz Sabir, da

“selva” onde se esconde, nos arredores de Subotica, na Sérvia. Ele e mais dez

paquistaneses acampam no local, onde há muito lixo espalhado, cobertores no

chão e uma barraca. Chutaram seu olho e quebraram seu nariz, ele conta. Depois, o deportaram para a Sérvia. Ele não foi para o hospital porque tem

medo de a polícia aparecer.

“Nós todos sabemos que isso não é uma crise de refugiados. Dos que estão vindo, 95% são migrantes econômicos, não são perseguidos, mas querem uma

vida melhor”, diz Zoltan Kovacs, porta-voz do primeiro-ministro húngaro

Viktor Orban. “Todos querem o estilo de vida europeu, e as fronteiras abertas passam a mensagem de que é isso possível; a Europa não pode assumir a

responsabilidade por todos.” (CAMPOS; ALMEIDA, 2017)

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Tabela 21 – Conflito principal e conflitos secundários

Conflito principal Conflitos secundários

Atravessar a fronteira em busca

de refúgio na União Europeia

Vencer duas cercas paralelas, de quatro metros de altura,

uma com arame farpado e outra eletrificada para entrar na

Hungria e sobreviver à violência da polícia húngara

O conflito principal desta narrativa é a busca pela condição de refugiado em algum país

da Europa. Sérvia e Hungria não estão no final da jornada dos imigrantes, antes disso, são

apenas o meio do caminho para quem tenta se estabelecer em países como Alemanha, Inglaterra

ou Suécia. A cerca dupla na fronteira entre os dois países é mais uma das barreiras para quem

muitas vezes já deixou para trás a própria terra e o mar que o separa do continente europeu.

Paralelamente, conflitos secundários são revelados nas tramas das personagens. Sobreviver à

violência da polícia húngara é uma delas.

Tabela 22 – Personagens e trama

Personagens Trama

Rana Muzzafar Sabir, 28, paquistanês Espancado por policiais húngaros, tentou cruzar 11

vezes da Sérvia para a Hungria antes de conseguir.

Hameedullah Suleiman, 18, afegão Tentou cruzar sete vezes. Cursava faculdade de engenharia aeronáutica no Paquistão com bolsa de

estudos, mas teve que parar para ajudar os pais.

Teme o Taliban em sua vila natal. Quer ir para

Londres, onde mora um tio que pode recebê-lo.

Mirjana Ivanovic-Milenkovski, porta-voz

do Acnur, a agência de refugiados da ONU,

na Sérvia

Personagem lateral, não faz parte de nenhuma trama

Stephane Moissaing, chefe da missão do MSF na Sérvia.

Personagem lateral, não faz parte de nenhuma trama

Zoltan Kovacs, porta-voz do primeiro-

ministro húngaro Viktor Orban.

Representa o obstáculo a ser vencido pelos

imigrantes. Faz parte da trama de todos de forma indireta

Attila Szegedi, 45, caminhoneiro Representa o obstáculo a ser vencido pelos

imigrantes. Faz parte da trama de todos de forma

indireta

Robert Molnar, prefeito da cidade

fronteiriça de Kubhekhaza, que se opõe ao

governo de Orban

Opõe-se ao governo de direita e tenta ser uma voz

de defesa dos imigrantes bem no local por onde

tentam entrar no país

Imre Csonka, agricultor em Horgos, na fronteira com a Sérvia

Representa os húngaros assustados pela chegada dos imigrantes

Sociólogo, Mark Kékesi é fundador da

ONG Migration Aid (ajuda à migração),

em Szeged

Ao lado de Molnar, representa as vozes dissonantes

ao governo de extrema-direita de Orban

Tibor Varga, 61, da Eastern Europe

Outreach, ativista

Parte de uma organização cristã, adota discurso

moderado, mas contrário aos ilegais

Page 80: ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING MESTRADO ...

74

As personagens principais dessa história são o paquistanês, Rana Muzzafar Sabir, 28, e

o afegão Hameedullah Suleiman, 18. Suas trajetórias ocupam maior espaço na narrativa e sobre

eles o narrador se detém. Diferentemente das outras reportagens da série, é a história deles que

abrirá uma brecha na estrutura narrativa linear dos textos. No final da reportagem, a narrativa

dos dois é retomada e atualizada a partir do ponto em que deixaram de estar sob os olhos da

repórter. Assim, o leitor fica sabendo que um deles conseguiu ultrapassar as cercas duplas da

fronteira, enquanto outro falhou, mas se prepara para tentar, agora, por um novo caminho.

Tabela 23 – Estratégias de objetivação

Tipo Ocorrências Exemplos Citação em

aspas 22 “Às vezes fico muito deprimido, não me acostumo com essa vida.”

“E quando cheguei aqui chamavam a gente de terrorista.”

Rana Muzzafar Sabir, 28, paquistanês, tentou cruzar 11 vezes da

Sérvia para a Hungria, antes de conseguir

Estatísticas

e didatismo 6

Instituições

citadas 6 Médicos sem Fronteiras (MSF), Acnur, Caçadores de Fronteiras,

governo húngaro, Migration Aid, Eastern Europe Outreach

Tabela 24 – Estratégias de subjetivação

Tipo Ocorrências Exemplos

Descrição

pormenorizada

de cenas,

ambientes e

personagens

5 Ele e mais dez paquistaneses acampam no local, onde há muito

lixo espalhado, cobertores no chão e uma barraca. Numa grade de jipe que virou grelha, os refugiados assam pão

chiapati e cozinham frango ao curry com mantimentos trazidos

por uma ONG.

Ênfase e

intensidade

4 Carregam os celulares em postos de gasolina e vivem à base de

energéticos.

...ficaram encalhados

Verbos e

expressões de

sentimento

3 Ele não foi para o hospital porque tem medo de a polícia

aparecer.

“Estou cansado, mas continuo determinado”

Em relação aos recursos de objetivação e subjetivação, mais uma vez é um texto com as

características jornalísticas predominantes, ou seja, com maior presença de elementos

objetivadores, mas com boas e minuciosas descrições dos locais em que as personagens vivem,

como a “selva” onde se escondem antes de tentar vencer a cerca e entrar na Hungria.

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4.2.3.6 – Peru/Peru

A reportagem sobre o muro que divide bairros ricos de favelas e povoados em Lima, no

Peru, é apresentada com o título “Muro da Vergonha separa indígenas e ‘gringos’ em Lima”. O

texto de 7.800 caracteres aponta as diferenças e idiossincrasias entre os dois lados: a favela e

os bairros ricos. Três personagens são retratadas de forma mais elaborada. Um que vive do lado

pobre da barreira e dois que moram nos condomínios fechados de classe alta.

Figura 12 -Foto do capítulo Peru na homepage da série

Esteban Arimana, o primeiro deles, exemplifica, do lado pobre, os impactos sofridos

pelos atingidos pela medida.

Caso pudesse caminhar até a mansão onde trabalha de ajudante geral, Esteban

Arimana levaria cinco minutos desde a porta da sua casa. Em vez disso, passa

cerca de duas horas por dia dentro de ônibus lotados pelas vias congestionadas de Lima. A distância entre as casas vizinhas é imposta pelo Muro da

Vergonha, como ficaram conhecidos os dez quilômetros de barreiras que

serpenteiam os morros da capital peruana. Erguido a partir de meados dos anos

1980, a sua função é separar as áreas urbanizadas dos “povoados jovens”, o eufemismo local para designar favelas. “Se abrissem uma porta, seria bom”,

diz Arimana, que vive com a mulher e três filhos, o mais velho de 14 anos, ao

lado do muro de concreto de três metros coberto por arame farpado. “Mas, porque estamos na pobreza, é muito difícil sermos ouvidos. (MAISONNAVE;

PRADO, 2017)

Do lado de lá estão dois personagens. Gastón Acurio, um reconhecido chefe de cozinha

peruano, e Julio Diaz, estudante, ambos moradores de condomínios fechados do lado rico da

barreira. Apesar de pertencerem à mesma classe social e terem origens parecidas, os dois têm

posições diferentes em relação à existência da separação física.

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76

Chamados de “gringos” pelos vizinhos pobres em alusão à pele mais clara

decorrente da origem europeia, os moradores de Las Casuarinas costumam argumentar que o muro foi erguido por razões de segurança e para conter as

invasões de terra. Os residentes incluem o renomado chef e empresário Gastón

Acurio, que tem uma das casas mais próximas ao muro. Filho de um senador e educado em Paris, ele é apontado como principal responsável pela

popularização da culinária peruana no mundo. Por e-mail, Acurio diz que

discorda do muro, mas não quis explicar o motivo. Ele afirma que planeja

abrir, em 2019, sua segunda escola de culinária em Pamplona Alta voltada para alunos pobres – a primeira, aberta em outra zona empobrecida da cidade,

ensina cerca de 300 jovens. “Tentamos, como empresários e família, atuar

diretamente para que o Peru consiga terminar rápido e para sempre com todas as divisões econômicas, sociais, culturais e físicas que nos têm desonrado por

séculos”, escreveu. (MAISONNAVE; PRADO, 2017)

Residente em La Molina, o estudante Julio Díaz havia escalado a montanha para se

exercitar. Apesar de não ter receio de visitar a zona, disse ser favorável ao muro.

“O muro é necessário para limitar as invasões. Há muito tráfico de terrenos.

Pessoas mal intencionadas se apoderam de tudo, loteiam e vendem aos mais

necessitados. Mas, como vemos aqui, há livre trânsito de pessoas.”

(MAISONNAVE; PRADO, 2017)

Tabela 25 – Conflito principal e conflitos secundários

Conflito principal Conflitos secundários

Conviver com as diferenças criadas pela divisão social, expressa

por um muro entre os moradores pobres e ricos da mesma cidade Vencer os problemas causados

pela invisibilidade social

A análise pragmática da narrativa aponta que o conflito principal retratado na

reportagem é a divisão social expressa por um muro entre os moradores pobres e ricos da mesma

cidade. É esse elemento fático que irá causar os conflitos secundários que irão se espraiar pelas

tramas das personagens. São conflitos como o que experimenta Esteban Arimana, ajudante

geral, personagem principal da narrativa.

Tabela 26 – Personagens e trama

Personagem Trama

Esteban Arimana,

ajudante geral

Vive do lado pobre do muro e sofre com a invisibilidade social que o

leva, por exemplo, a levar duas horas para o trabalho, de ônibus, quando

poderia levar 10 minutos a pé caso existisse uma passagem entre os dois lados

Gastón Acurio,

reconhecido chefe de

cozinha peruano

Vive do lado rico do muro, mas parece viver dividido entre o conforto e

a segurança e o desconforto causado pela divisão social tão gritante.

Julio Díaz, estudante

Vive do lado rico do muro e defende sua construção para proteger a área

de novas invasões como a do bairro que há no lado pobre da barreira.

Justifica sua posição afirmando que há livre trânsito para todos no local, o que não se mostra verdadeiro, segundo a reportagem

Dionisio Chirinos Personagem lateral

Page 83: ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING MESTRADO ...

77

Carlín, Arquiteto e

cartunista

Personagem lateral

Esteban vive do lado pobre do muro e sofre com a invisibilidade social que o leva, por

exemplo, a percorrer duas horas até o trabalho, de ônibus, quando poderia levar 10 minutos a

pé caso existisse uma passagem entre os dois lados.

À Esteban contrapõe-se na narrativa o estudante Julio Díaz, que mora em um

condomínio do lado rico do muro e não vê problemas na construção. Para ele, a liberdade de ir

e vir que experimenta quando se aproxima do obstáculo para se exercitar é uma prova de que

esse direito é gozado por todos. A segurança e o direito à propriedade privada também são

citados pelo estudante. O capítulo não se diferencia dos demais ao mostrar realidades distintas

com diferentes pontos de vista sobre o mesmo problema.

Tabela 27 – Estratégias de objetivação

Tipo Ocorrências Exemplos

Citação em

aspas

11 “Se abrissem uma porta, seria bom”,

“Daquele lado, todos têm piscina, enquanto nós

sofremos com a falta de água.”

Esteban Arimana, ajudante geral

“O muro é necessário para limitar as invasões. Há muito

tráfico de terrenos. Pessoas mal intencionadas se

apoderam de tudo, loteiam e vendem aos mais

necessitados. Mas, como vemos aqui, há livre trânsito de

pessoas.”

Julio Díaz, estudante

Estatísticas e

didatismo

26 Em 1961, 17% viviam em favelas limenhas. No censo

mais recente, de 2007, esse número chegou a 4,1

milhões, o equivalente a 40% da população limenha,

segundo dados coletados pelo sociólogo Julio Calderón

no livro “La Ciudad Ilegal”.

Instituições

citadas

1 Assessoria de imprensa de La Molina, uma das 43

municipalidades de Lima

Tabela 28 – Estratégias de subjetivação

Tipo Ocorrências Exemplos

Descrição

pormenorizada

de cenas

5 O muro é um pouco mais baixo do que o dos

condomínios privados e conta com um ponto de

passagem, onde há um posto de controle da guarda

municipal de La Molina.

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78

ambientes e

personagens

O acesso é usado diariamente por moradores de

Pamplona Alta que trabalham em La Molina, que tem

bairros de classe média e alta.

A descida é feita por pequenos caminhos pelo morro

íngreme –ao contrário do lado pobre, não há escadas.

Ênfase e

intensidade

2 Como a ampla maioria dos que vivem ali, os Arimana

são migrantes de origem indígena do altiplano peruano.

Verbos e

expressões de

sentimento

0

A ampla maioria dos recursos linguísticos são de objetivação. ‘Estatísticas e didatismo’

foi item com maior ocorrência dentro desta categoria. Ao contrário de outros textos da série,

que citam diversas instituições, esta cita apenas uma, a assessoria de imprensa de La Molina.

Em relação aos recursos de subjetivação, destaca-se a ausência de qualquer verbo ou

expressão de sentimento na descrição ou fala das personagens. A estrutura da narrativa é linear

e o texto é predominantemente denotativo. Estratégias típicas do jornalismo literário, como o

tripé linguagem, estrutura e personagens, são pouco exploradas. A narrativa dá pouco espaço à

subjetivação, e é eminentemente objetivadora.

4.2.3.7 – Cisjordânia/Israel

O capítulo sobre Israel e Cisjordânia é construído a partir do relato de dois personagens,

uma palestina e um israelense, e da relação deles com a barreira de 764 quilômetros que Israel

ergue desde 2002 para se separar dos territórios da Cisjordânia. Após um vídeo, é apresentado

o texto com 9.964 caracteres entremeados por fotos, mapas, infográficos e mais dois vídeos.

Figura 13 - Foto do capítulo Cisjordânia e Israel na homepage da série

Page 85: ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING MESTRADO ...

79

A decisão de cercear a autonomia de ir e vir das pessoas foi política e está relacionada

ao conflito entre israelenses e palestinos que já dura décadas. Apesar de o número de mortes

em atentados ter reduzido drasticamente após a construção do muro, o impacto social, sobretudo

para os palestinos, é enorme. A ordem escolhida para o encadeamento dos diferentes elementos

narrativos reflete essa realidade, tanto que a reportagem tem início com o drama vivido pela

palestina Umm Judah, de 64 anos, que vive em frente aos oito metros de altura da construção.

O trecho da barreira diante da casa de Umm Judah, segundo a reportagem, é um dos

mais recentes. Um ano atrás, ela caminhava dois ou três minutos até seu pomar. Hoje ela precisa

dirigir por 40 minutos para chegar ao outro lado.

É esse o horizonte à sua porta, que a separa da terra que cultivou por décadas

e das lembranças dos filhos iluminados pelos faróis e satisfeitos com os figos

recém-colhidos. “É como uma venda”, diz à Folha. “Como se nos

arrancassem os olhos.” Durante a entrevista, ela aponta a construção mais de

uma vez por não se lembrar de como chamá-la, mesmo em seu árabe nativo.

(BERCITO;ALMEIDA, 2017)

Tabela 29 – Conflito principal e conflitos secundários

Conflito principal Conflitos secundários

Separação entre Israel e Cisjordânia

por motivação política, com o intuito de reduzir a violência.

Separação de terras e dos locais de moradia e emprego de

palestinos, reduzindo a autonomia de ir e vir.

O principal conflito retratado no capítulo é a separação entre Israel e Cisjordânia por

motivação política, com o argumento de reduzir a violência. A esse conflito soma-se outro,

decorrente do primeiro: a separação de terras e dos locais de moradia e emprego de palestinos,

reduzindo a autonomia de ir e vir.

Tabela 30 – Personagens e trama

Personagens Trama

Umm Judah, 64

Palestina

Professora aposentada palestina, foi separada da terra onde cultiva alimentos

para o seu sustento. Vive nas cercanias de Belém, em frente ao muro de oito metros. Antes, ela caminhava dois ou três minutos até seu pomar. Hoje precisa

dirigir por 40 minutos para chegar ao outro lado.

Ury Vainsecher, 71 Israelense que vive em Kfar Saba, cidade a um quilômetro do muro, no

caminho para a palestina Qalqilya. Antes da construção do muro, ele vivia em constante estado de atenção, tendo perdido amigos e conhecidos em atentados

suicidas feitos por palestinos.

Yossi Beilin Estudioso israelense que arquitetou os Acordos de Oslo (as negociações de 1993 que levaram à divisão da Cisjordânia em diferentes áreas de controle).

Ele considera negativo o impacto do muro para a vida dos palestinos, mas

acredita na importância da barreira para a redução das mortes.

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80

Não identificado Tenente-coronel do Exército israelense que não pôde se identificar explicou à

reportagem que em alguns trechos o muro está 18 quilômetros distante de onde teoricamente deveria ter sido construído, e que o trajeto foi adaptado às

necessidades de segurança.

Dalia Qumsiyeh Advogada palestina que representa Umm Judah critica o poder de Israel em

aprovar medidas com base no argumento da segurança, sem pensar no impacto para a vida das pessoas.

Hani Amer, 60 Agricultor palestino que vive na região noroeste da Cisjordânia, sobre a linha

em que o governo israelense queria ter construído o muro. Ele se recusou a deixar

sua casa, a barreira a contornou, e ele foi cercado em seu terreno pelo muro. Após pressão de organizações humanitárias, Amer recebeu a chave para uma

portinhola no muro, pela qual hoje passa.

Eran Landau, 64 Israelense-uruguaio membro de uma força-tarefa voluntária para a segurança de Tzur Yigal, e guarda armas, um capacete e uma máscara de gás dentro de uma

sala à prova de explosões.

Anton Salman Recém-eleito prefeito de Belém, cidade dividida pelo muro, perdeu parte de suas

propriedades, isoladas do outro lado da barreira.

Dror Etkes Israelense e diretor da ONG Kerem Navot, que monitora os desvios de trajeto do muro em relação à Linha Verde, que marca as fronteiras anteriores a 1967,

ano da Guerra dos Seis Dias, quando Israel tomou a Cisjordânia.

Avner Gvaryahu,

32

Ex-soldado israelense, líder da organização Breaking the Silence, que compila

testemunhos de soldados israelenses sobre a violência da ocupação da

Cisjordânia.

Assim como os demais capítulos, este aborda a barreira a partir de diferentes pontos de

vista. Após apresentar a história de Umm em texto e fotos, a reportagem contextualiza a

construção do muro com mapa, texto, gráfico e foto panorâmica para na sequência mostrar o

outro lado: o israelense, Ury Vainsecher, de 71 anos. Sua relação com a barreira é bem diferente

da de Umm: para ele, foi uma maneira de diminuir o medo e a violência. Ele recorda que vivia

em constante estado de atenção antes da construção do muro, tendo perdido amigos e

conhecidos em atentados suicidas feitos por palestinos.

Tabela 31– Estratégias de objetivação

Tipo Ocorrências Exemplos

Citação em aspas 33 “Nunca haverá uma sensação real de segurança até

que os palestinos tenham respeito e dignidade.”

Estatísticas 10

Instituições citadas 2 Breaking the Silence, organização que compila

testemunhos de soldados israelenses sobre a

violência da ocupação da Cisjordânia.

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81

Tabela 32 – Estratégias de subjetivação

Tipo Ocorrências Exemplos

Descrição pormenorizada

de cenas, ambientes e

personagens

9 Às 5h, a fila já transbordava dos corredores

metálicos que lembram um curral, os ratos passando pelo chão imundo. Ansiosos, alguns

trabalhadores escalavam as grades e formavam

uma fila paralela no alto, como equilibristas distópicos.

Ênfase e intensidade 2 drasticamente

Verbos e expressões de

sentimento

5 (...) a palavra que moldou os anos mais recentes de

sua vida: “muro”.

A narrativa faz jus ao seu caráter multimídia ao encadear de forma coordenada o texto

e os demais elementos de forma que os conteúdos sejam complementares e criem um discurso

único e coerente, tendo em vista o conflito principal e os conflitos secundários, bem como a

inter-relação entre os diferentes personagens que compõem a narrativa. Exemplo disso é uma

fala da palestina Umm – “Mas o muro ajudou os israelenses. Estão relaxados.” – seguida por

uma foto de crianças e adultos judeus em uma rua diante do muro, reunidos em uma situação

pacífica e cotidiana.

Apesar das estratégias de objetivação preponderarem na narrativa, há também

estratégias de subjetivação que contribuem para a humanização do relato jornalístico: as

expressões faciais dos personagens captadas pelo fotógrafo e retratadas nas imagens, a forma

como o texto foi construído, tendo como conclusão a retomada da história da personagem que

aparece no primeiro parágrafo da reportagem, a descrição dos corredores dos postos de controle

militar, permeada de adjetivos e até de uma metáfora.

Outro aspecto que chama atenção e contribui para despertar a empatia do leitor é o

reconhecimento, por parte dos autores da narrativa, de que existe uma barreira cultural entre

eles e as pessoas inseridas na realidade que está sendo apresentada. Não há intenção de esconder

a existência dessa barreira, tanto é que em algumas passagens – em vídeo e no texto – ela é

revelada. Exemplo disso é a fala do cineasta palestino Emad Burnat no vídeo de abertura:

É diferente quando alguém como um jornalista vem de fora para tirar algumas fotos e vai embora, ou quando alguém vem fazer um documentário, ele vem,

faz alguns vídeos e algumas fotos, mas ele não sente como é viver essa

experiência, viver esses momentos de ocupação (BURNAT, 2017).

4.2.3.8 – Análise comparativa das narrativas textuais

Em todas as sete reportagens da série, os textos oferecem ao leitor ao menos dois

diferentes pontos de vista de pessoas afetadas de alguma forma por uma das construções

retratadas nos países visitados. São histórias de imigrantes em busca de vida melhor, fugindo

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82

da fome, da seca e da violência, de famílias separadas pela imposição das barreiras, e também

de pessoas que se sentem mais seguras pela presença dos muros.

Quem narra tem algum propósito ao narrar, nenhuma narrativa é ingênua. A análise deve, portanto, compreender as estratégias e intenções textuais do

narrador, por um lado, e o reconhecimento (ou não) das marcas do texto e as

interpretações criativas do receptor, por outro lado. (MOTTA, 2005, p.3)

Entre as marcas textuais que apontam para a intenção do narrador, consciente ou não, a

Análise Pragmática da Narrativa proposta por Motta aponta para as aspas e instituições citadas

nas reportagens. O exame desses dois itens pode indicar o enquadramento que o narrador dá a

sua estória. Isso, contudo, não significa que a escolha do percurso narrativo e dos elementos de

objetivação presentes no texto são uma forma pré-estabelecida para influenciar o leitor/receptor.

Vale destacar que a mensagem e/ou o discurso proposto pelo narrador apenas irá se completar

no narratário por meio da forma como apreende o texto, de seus referenciais e de seus valores.

Analisadas em conjunto, as sete reportagens que compõem a série apresentam equilíbrio

entre as instituições citadas como estratégia de objetivação. Assim, na reportagem sobre o muro

entre os Estados Unidos e o México, por exemplo, são apresentadas e citadas instituições como

Anjos da Fronteira e Patrulha da Fronteira, cada uma delas dedicada a um fim específico: a

primeira a ajudar os imigrantes e a segunda a impedir que esses entrem em território norte-

americano. Ainda que um lado ou outro do conflito possa sobressair-se nessa análise, a

contagem geral aponta para o equilíbrio.

O mesmo não ocorre com o uso das citações, as “aspas”, das personagens, tendo

predominância a fala das personagens mais frágeis e expostas socialmente. No entanto, é

importante ressaltar que é por meio destas que a narrativa transcorre. Ou seja, são essas

costumeiramente as personagens que têm um conflito maior a resolver ou a enfrentar. E essa é

uma característica indissociável do jornalismo. As estórias partem de problemas e não de

condições de estabilidade. Ou seja, onde há conflito, há narrativa.

No caso da reportagem sobre o muro que divide Israel da Cisjordânia, por exemplo, o

conflito mais premente está do lado palestino do muro. Enquanto um pai palestino conta que

seu filho pequeno passou por baixo de uma cerca, engatinhando para o lado israelense, e a mãe

não pode ir atrás do menino, o conflito do lado israelense era a preocupação de um pai com a

segurança dos filhos quando não existia o muro. Esse conflito, parcialmente, foi resolvido pela

construção da barreira.

A construção das personagens é coerente com o uso que se faz no jornalismo. No

entanto, por mais detalhadas que sejam algumas das apresentações feitas nas reportagens, não

há como se falar no uso em larga escala de estratégias de subjetivação que façam das

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83

personagens entes dotados de profundidade tal como se mostra na literatura e, mais

especificamente, no jornalismo literário. As personagens das estórias aqui analisadas, se

prezam, antes de tudo, a ser elementos por meio dos quais a narrativa jornalística se

desenvolverá. Por mais que sejam centrais para o entendimento dos conflitos retratados, pouco

delas se saberá além das referências que o texto fornece ao leitor. Assim, marcas indiciais que

possam despertar sentimentos e sensações no narratário não são a tônica aqui.

Como não se trata de advogar a representação da personagem como a verdade

intermediada pela figura do jornalista, nem alguém que pode ser reduzido ao que apresenta a

narrativa, mas sim de um ente apresentado em determinados e limitados aspectos que guardam

com a realidade verossimilhança, e que encontra confirmação no contrato implícito entre o

narrador jornalista e o leitor, a importância que se dá aqui a essa representação do real se mostra

coerente com estudos dessa área que apontam a personagem como elemento central para

imersão em grandes narrativas.

De forma geral, os textos apresentam predominância de elementos de objetivação em

relação aos elementos de subjetivação, o que vai ao encontro da prática dos textos jornalísticos.

Isso, contudo, não exclui o uso de recursos linguísticos para criar reações e sentimentos no

receptor como susto, surpresa, temor, compaixão, entre outros. As reportagens analisadas

apresentam tais recursos de forma moderada. Não se trata de estabelecer um parâmetro a ser

usado para alcançar tal finalidade. No entanto, quando se analisa o uso desses recursos nos

textos citados, não se pode afirmar que a série, ou qualquer das reportagens, possa se enquadrar

na categoria de jornalismo literário, sistematizada por Essenfelder a partir das características de

três elementos da narrativa: linguagem, estrutura de texto e personagens.

Segundo a repórter-especial Patrícia Campos Mello, uma das idealizadoras da série e

autora da maioria dos textos das reportagens, fatores como a escassez de tempo em alguns dos

lugares visitados ajudam a explicar a escolha pelo uso de menos elementos de subjetivação.

Idealmente, teria passado um mês em cada lugar, e aí obviamente o resultado seria melhor. Dada as possibilidades econômicas e de tempo, acho que deu

pra fazer... Fazer um texto muito comprido, as pessoas não leem também, acho

que não dá para superestimar a paciência do leitor. (MELLO, 2019)

Como se viu, a construção das personagens e os recursos de linguagem utilizados não

permitem a filiação a essa poética do fazer narrativo, e o mesmo pode se dizer da estrutura dos

textos. Por mais que apareçam em alguns deles o uso de elementos como o flashback e o

flashforward, recursos de retrocesso e avanço temporal típicos de textos literários, as narrativas

são, na maior parte das vezes, mas não em sua totalidade, orientadas de forma a seguir as

sequências temporais dos acontecimentos. A linguagem denotativa, outra característica do texto

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84

jornalístico, também é predominante em relação à linguagem conotativa, mais ligada a

estratégias de subjetivação.

4.2.3.9 – Análise comparativa das narrativas fotográficas

As imagens compõem um item especialmente atraente na série Um Mundo de Muros.

Ao tratar de tema tão sensível e atual, as reportagens dão margem para a construção de atraentes

narrativas fotográficas. Como elemento constituinte da narrativa multimídia de Um Mundo de

Muros, a fotografia nas reportagens da série estabelece um duplo percurso narrativo, e assim

também pode ser analisada.

Figura 14 – Foto de muro entre a Cisjordânia e Israel

Parte do todo, ainda que não abandone suas características documentais, a fotografia

não se subordina ao texto como estratégia de reforço ou comprovação do real, do que é narrado.

Ao contrário, estabelece com os outros elementos relação de complementariedade, conjugando

seu percurso narrativo dotado de sintaxe própria aos demais. Pode assim ser lida apartada do

conjunto e ainda assim se completará como discurso.

Apresentadas separadamente e em blocos, como os blocos informativos dos textos, são

dispostas lado a lado em séries de até oito imagens que compõem, ao mesmo tempo, unidades

fragmentadas de informação e lexias completas que remetem ao tema: muros e separações.

Assim como os textos e vídeos, as fotografias contemplam em todos os capítulos

diferentes visões do mesmo fenômeno, sem que isso remeta a uma pretensa estratégia de

objetivação. Em sentido oposto, as estratégias de subjetivação tampouco sugerem esforço para

Page 91: ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING MESTRADO ...

85

reforçar pontos de vista. Apresentam-se como elementos constituintes da apreensão da visão de

mundo dos fotojornalistas que se completam na decodificação e no repertório do leitor.

“Durante décadas, promoveu-se uma lavagem cerebral para abraçar a ideia de

que o trabalho de um fotojornalista é obrigatoriamente objetivo, tem a ver com

verdade e não interpretação. Até hoje, essa noção recebe pouca crítica em cursos e universidades. Mas os jovens que acessam diariamente o Facebook e

veem inúmeras fotos dos amigos sabem que imagens não são objetivas.”

(RITCHIN, 2014)

A navegabilidade dos capítulos se dá, como a maioria dos especiais multimídia, de

forma verticalizada. A disposição das imagens não é uniforme, mas vem sempre após o vídeo

em looping que abre a narrativa e de um vídeo que sucede os primeiros parágrafos. Após esses

dois elementos e, por vezes, infográficos, o leitor encontra as primeiras fotografias.

Durante a leitura, blocos de imagens interrompem o fluxo da narrativa textual e criam

um paralelo com o tema da série. Assim como as personagens, o leitor também precisa passar

pela representação das barreiras. Enquanto unidades informativas, internamente a esses blocos

de imagem reforçam-se as estratégias de repetição de ângulos e enquadramentos como

elementos de subjetivação.

Tabela 33 – Distribuição de blocos de fotografias por capítulo

Capítulo Blocos de fotos

Estados Unidos e México 4

México e Estados Unidos 4

Quênia e Somália 3

Cubatão, Brasil 3

Sérvia e Hungria 4

Lima, Peru 2

Cisjordânia e Israel 3

A narrativa fotográfica que se pretendeu desenvolver, de acordo com Alemeida, partiu

da ideia que as personagens fossem os elementos centrais na imersão dos repórteres no mundo

a ser narrado. Dessa forma, na ideia original, elas seriam também os elos entre suas histórias e

a materialização do fenômeno retratado, ou seja, os próprios muros.

A gente partiu da ideia que o que a gente queria contar era o impacto do muro

na vida das pessoas, então a gente queria encontrar os personagens, encontrar

um, dois personagens significativos. Eles seriam os narradores da história

deles, mas também contariam e apresentassem o muro. (ALMEIDA, 2019)

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86

Esse processo, de troca e efetivação, pode ser notado com maior ou menor clareza, em alguns

dos capítulos da série, como o de Cubatão e Israel, em que a presença das personagens e suas

relações com os muros se destaca em relação aos outros. Segundo Almeida, questões

estruturais, de tempo e acesso aos personagens e aos muros também devem ser consideradas

nessa equação para a avaliação dos resultados.

No conjunto, entre o documental e o expressivo, a fotografia e a edição alcançam seus

objetivos em ambos. Nota-se que o formato escolhido para a apresentação das imagens deixa

de lado as galerias, elementos comuns nas narrativas fotográficas digitais. Prioriza-se assim a

construção de uma linguagem que poderia ser, e foi, reproduzida em suporte analógico. Ou seja,

a expressividade pretendida pela edição passa pela clara definição e delimitação da

espacialidade no meio digital. Assim como acontece com os textos das reportagens, não há

variações significativas entre o número de imagens dispostas em cada um dos sete capítulos.

Tabela 34 – Distribuição de fotografias por tipo e por capítulo

Capítulo Personagens Muro

ou

cerca

Personagens

com o muro

ou cerca

Personagens

não

descritos no

texto e

legendas

Personagens

não descritos

no texto com o

muro ou cerca

Outras Total

Estados

Unidos e

México

1 10 1 1 1 7 21

México e

Estados

Unidos

0 8 1 4 9 0 22

Quênia e

Somália 5 2 0 9 1 3 20

Cubatão,

Brasil 1 2 1 2 1 3 10

Sérvia e

Hungria 2 1 0 9 0 8 20

Lima, Peru 2 5 0 4 0 2 13

Cisjordânia

e Israel 0 8 4 1 6 1 20

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Figura 15 – Policiais húngaros em treinamento na fronteira entre a Hungria e a Sérvia

Figura 16 – Crianças palestinas sobem no muro e desafiam soldados israelenses

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Figura 17 – Foto de Barwago, uma das esposas de Noor Addow, com filha Salado, 2, em

Dadaab, no Quênia –o maior campo de refugiados do mundo

Figura 18 – Foto de palestinos tentando passar da Cisjordânia para Israel

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Figuras 19 e 20 – Fotos da cerca entre o México e os EUA (esq.) e imagens de crianças em

acampamento para refugiados no Quênia

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90

4.2.3.10 – Análise comparativa dos infográficos

Na série, esses elementos narrativos não se prendem à posição de material de apoio ao

texto, mas também compõem uma narrativa paralela. Eles podem ser analisados e entendidos à

parte do texto, além de serem entradas para a narrativa. No capítulo que trata da barreira entre

o México e os Estados Unidos, por exemplo, é apresentada a evolução do número de agentes

de fronteira sob a gestão de três diferentes presidentes norte-americanos e o que se depreende

da leitura é que apesar da ameaça do republicano Donald Trump, a presença desses agentes que

patrulham as fronteiras e impedem a entrada de imigrantes ilegais é crescente desde meados

dos anos 1990, independentemente do partido que esteja no governo.

Figura 21 - Agentes americanos empregados na fronteira com o México (milhares / ano fiscal*)

*O ano fiscal nos EUA corresponde ao período de 1º de outubro do ano anterior a 30 de setembro do ano em questão.

Fonte: Patrulha da Fronteira dos Estados Unidos

Os infográficos em Um Mundo de Muros são basicamente de três tipos: mapas, gráficos e

tabelas. São utilizados para apresentar, por exemplo:

a) a localização dos países, cidades e muros abordados em cada reportagem

b) dados como o aumento do número de imigrantes ilegais apreendidos

c) índices econômicos e sociais dos países.

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Tabela 35 – Distribuição dos infográficos por tipo e por capítulo

Capítulo Mapas Gráficos Tabelas Total

Estados Unidos e

México

5 5 - 10

México e Estados

Unidos

3 2 - 5

Quênia e Somália 7 1 1 9

Brasil (Cubatão) 2 4 - 6

Sérvia e Hungria 5 2 - 7

Peru (Lima) 2 4 - 6

Cisjordânia e

Israel

2 3 2 8

Total 26 19 3 51

A distribuição não é uniforme entre os sete capítulos da série, variando de 5 a 10

infográficos por reportagem. Entre os diferentes tipos há a predominância dos mapas (26) e

gráficos (19). Do total de 51 elementos de infografia presentes na série, apenas três são tabelas.

Em relação aos demais elementos multimídia, os infográficos apresentam coordenação,

não sendo subordinados à informação verbal e fotográfica. Podem, também, ser lidos

separadamente, por apresentarem uma narrativa própria e independente.

Em alguns casos, essas informações gráficas podem ser lidas como se fossem parágrafos

da narrativa textual, como no caso do capítulo do muro entre o Quênia e a Somália – o

infográfico é colocado de forma centralizada na sequência do terceiro parágrafo, em que é

narrado que durante a viagem da família de imigrantes em direção ao Quênia, uma das mulheres

do personagem principal entra em trabalho de parto. O infográfico é colocado de forma a dividir

o parágrafo e traz informações sobre a pirâmide etária dos dois países, em que se refletem as

condições sociais. Segundo Severino, esse caso é não apenas uma forma de evitar a repetição

de informações presentes no texto, mas também um exemplo de complementariedade no

produto multimídia.

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92

Figura 22 – Infográfico complementar à narrativa textual sobre o muro entre o Quênia e a Somália

Todos os 51 infográficos que compõem o especial multimídia são estáticos. Isso remete

a uma aparente subutilização do potencial narrativo da plataforma, que permite a exploração de

recursos como a seleção e alteração da apresentação de informações. Por ser estático, nenhum

dos infográficos pode ser incluído nas categorias sistematizadas por Cairo (2008): instrução,

manipulação e exploração.

Sobre esse ponto, a editora do Núcleo de Imagem, responsável por fotografia, vídeos,

infográficos, diagramação e programação, a ausência de interatividade nesses itens,

especificamente, está relacionada à baixa da qualidade da conectividade das operadoras no

Brasil e ao consumo cada vez maior de informações em plataformas mobile.

Quando você vai fazer um material especial, você tem que lembrar que o

material especial tem que funcionar no celular e em todos os modelos, e no Brasil a gente não tem internet boa, 3G, 4G, é tudo muito lento. Então essas

artes interativas não funcionam bem em celulares antigos, e a internet

consome muitos dados, então por isso que a gente opta sempre pelo mais estático, e o movimento único a gente só coloca vídeo, que dá para colocar

leve. (SEVERINO, 2019)

Por serem estáticos, nenhum dos infográficos pode ser incluído nas categorias

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sistematizadas por Cairo (2008): instrução, manipulação e exploração. Severino, no entanto,

afirma que, como será visto a diante, um tipo específico de vídeo se aproxima dessas

características.

Figura 23 – Mapa da fronteira com barreiras entre EUA e México

------Inclui muros, cercas e arames

4.2.3.11 – Análise comparativa das narrativas videográficas

Os vídeos estão presentes em todos os sete capítulos, de três formas distintas, as três em

todas as reportagens. O primeiro vídeo de cada capítulo é uma reportagem videográfica, com

imagens de cobertura e entrevistas com moradores dos locais apresentados. Esse vídeo é o que

norteia a reportagem e exerce também a função de porta para o leitor para o capítulo do especial.

Cada um deles compõe uma narrativa completa, com começo, meio e fim. De forma geral, não

há redundância, e eles não repetem as informações que são trazidas no resto da reportagem em

textos e fotos.

Tanto vídeos como fotos foram feitas pelos mesmos profissionais. No entanto, como

linguagens diferentes, expressam elementos de subjetivação também diferentes. Enquanto as

fotos, transitam em diferentes planos, privilegiando os enquadramentos fechados, os vídeos

trabalham mais com planos abertos. Nota-se também a incorporação do uso de drones na

produção videográfica, equipamento cada vez mais presente no universo do jornalismo.

Quanto à duração, essa se apresentou variável, com vídeos de abertura de pouco mais

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de dez minutos e outros com pouco mais de vinte minutos.

Em nenhum dos primeiros vídeos dos capítulos é possível falar em webdocumentário

ou em qualquer uma de suas características. As narrativas são lineares e não se abrem para a

interação. Os vídeos são disponibilizados no player do Youtube, o que sugere uma escolha em

função da tecnologia.

Figura 24 – Frame de vídeo do capítulo sobre a fronteira entre México e EUA

O segundo tipo de vídeo presente em todos os sete capítulos fornece uma experiência

de imersão ao espectador. Trata-se de vídeo em 360º, que permite a sensação de imersão no

conteúdo em maior profundidade e em diferentes ângulos em relação aos vídeos convencionais.

Esse tipo de conteúdo, cada vez mais frequente em grandes reportagens, auxilia a composição

da percepção do ambiente em que a narrativa se desenrola.

Em todos os vídeos em 360º de Um Mundo de Muros há apenas imagens e som ambiente.

Nenhum deles traz informações adicionais, como infográficos e entrevistas, nem tampouco tem

trilha de fundo, como ocorre nos primeiros vídeos de todos os capítulos da série. Da mesma

forma, em nenhum deles há edições ou cortes. São vídeos de no máximo um minuto de duração

e que transcorrem em plano sequência.

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Figura 25 – Frame de vídeo 360º do capítulo sobre a fronteira entre México e EUA

O terceiro tipo de vídeo presente em todos os capítulos tem uma função específica: ele

explica de forma geral qual a situação geopolítica do local retratado e de que forma chegou-se

a essa realidade. São vídeos de cerca de dois a três minutos, compostos por fotos, infográficos

animados e com narração. A narração tampouco repete o que é mostrado nos infográficos. Esses

vídeos vão de encontro à produção infográfica da série.

Figura 26 – Frame de vídeo com infográfico animado e narração com a rota de entrada de

imigrantes clandestinos na Europa

Page 102: ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING MESTRADO ...

96

4.3 – ANÁLISE DAS ENTREVISTAS E DISCUSSÕES

4.3.1 – Métodos – pauta e produção e edição

Os muros que separam países e impedem os deslocamentos humanos são, no jargão

jornalístico, um assunto “quente”, dada a emergência de diversas barreiras ao redor do mundo

nos últimos anos. Trata-se de fenômeno recorrente, de amplo conhecimento e repercussão

internacional. Como pauta, matéria-prima do fazer jornalístico, recebe atenção de veículos de

imprensa no Brasil e no exterior.

Para a completa compreensão de como se deu o desenvolvimento e construção do objeto

aqui analisado, recorreu-se a entrevistas semiestruturadas realizadas com cinco jornalistas da

Folha, idealizadores e/ou responsáveis pela estruturação e edição do projeto, sendo duas

editoras, um secretário de redação, uma repórter especial e um repórter fotográfico. Eles são

apresentados na tabela a seguir:

Tabela 36 – Nome e função dos entrevistados

Nome Função

Lalo de Almeida Repórter-fotográfico

Patrícia Campos Mello Repórter Especial

Thea Torlaschi Severino Editora do Núcleo de Imagem

Luciana Coelho Editora de Mundo

Roberto Dias Secretário de Redação

A série de reportagens surgiu a partir de uma sugestão do repórter-fotográfico Lalo de

Almeida e da repórter especial Patrícia Campos Mello. A ideia que deu origem à série ocorreu

durante a cobertura que faziam juntos da eleição do presidente norte-americano Donald Trump,

em 2016. Após ser aprovada pela Secretaria de Redação, o desenvolvimento do projeto

envolveu meses de produção.

Eu tinha acabado de cobrir a eleição em 2016, a eleição do Trump, e tinha

toda aquela história do “build that wall”, que era a principal plataforma de

campanha dele. Aí o Lalo começou a dizer: “E se a gente fizesse um especial ‘muros ao redor do mundo’”? A gente ficava vendo porque esses caras estão

vindo para cá? Esses caras estão saindo do México, na verdade saindo de

Honduras, El Salvador, e vindo para cá.... era bem naquela época que falavam

que era tudo estuprador. O Trump falava... A gente pensou: e se tivesse uma serie em que a gente conseguisse mostrar para as pessoas quem são essas

pessoas, porque elas saem de onde estão e encaram um muro, encaram ser

refugiado em outro lugar? (MELLO, 2019)

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97

O mapeamento desse fenômeno, com narrativa ampla e apresentado como produto

exclusivo, resultado de esforço, investigação e análise, não encontra exemplos em larga escala,

sendo Um Mundo de Muros iniciativa pioneira na imprensa brasileira e uma das primeiras no

mundo com o alcance revelado.

O processo de desenvolvimento, de acordo com as entrevistas colhidas, pode ser assim

sistematizado:

Apresentação da pauta → Aprovação do jornal → Definição dos locais a serem visitados

e dos envolvidos no projeto → pré-produção → produção → edição → publicação

Após a apresentação da ideia para os editores, rapidamente o projeto foi sendo

estruturado, seguindo etapas que passaram pelas editorias de Imagem, Mundo e Secretaria de

Redação.

O Lalo veio com os olhinhos “brilhantes” pra redação, e falou: “Thea, tive

uma ideia e preciso de um projeto, preciso falar com você”. Aí ele contou como se fosse uma criança de cinco anos numa loja de doces, empolgadíssimo,

aquela coisa gigante. Era exatamente isso, viajar pelos muros. A ideia não foi

se transformando, realmente foi essa. E ele estava entusiasmadíssimo, aí eu

falei “vai com exatamente essa cara, vai já falar com o Dias porque a ideia é brilhante”. (SEVERINO, 2019)

Aprovado pela Secretaria de Redação, Um Mundo de Muros começou a ser produzido,

enquanto a pauta era aprofundada com as escolhas dos locais a serem visitados e os nomes de

quem faria parte do projeto, cuja publicação ficou a cargo da editoria Mundo.

Eu sugeri os outros repórteres que poderiam fazer além da Patrícia: o Fabiano

Maisonnave, o Diogo Bercito e a Isabel Fleck, de acordo com as pautas mais

ou menos que a gente tinha pensado, porque seria impossível a Patrícia fazer todas. Salvo engano, o Daigo Oliva [então editor-assistente do Núcleo de

Imagem] sugeriu o Avener Prado para fazer o que o Lalo não fizesse. Eu

chamei um redator extra, o Renan Marra. A Thea escolheu os infografistas, cada um escolheu na sua área. (COELHO, 2019)

Segundo Almeida, a ideia era óbvia e algum veículo de imprensa acabaria fazendo.

Alguns dos muros também eram óbvios, como a barreira entre a Cisjordânia e Israel ou entre

os Estados Unidos e o México. Sua percepção sobre o timing e temperatura da pauta se mostrou

correta quando, cinco meses antes da publicação de Um Mundo de Muros, o Washington Post

colocou no ar uma reportagem multimídia sobre o tema. Apesar de ser um projeto

consideravelmente menor do que o brasileiro, a reportagem do jornal americano chamou a

atenção dos concorrentes, o que se revelou também durante a produção da série da Folha.

Foi engraçado, eu trabalho um pouco para o New York Times, né? Aí eu

estava numa das viagens, acho que era na segunda viagem dos muros, aí me

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98

ligou o editor de fotografia do New York Times para uma pauta. Eu falei:

“Putz, David, não vai dar porque eu estou viajando”. Acho que eu estava na Hungria, provavelmente. Então, ele perguntou o que eu estava fazendo na

Hungria, e eu disse “tô fazendo uma pauta, um projeto grande sobre os muros

do mundo”. Ele ficou meio quieto do outro lado, aquele silêncio...Então ele falou: “Puta merda, isso era um projeto que o New York Times devia estar

fazendo”. Não só pelo tema, que era óbvio, era um tema que estava ali, na sua

frente, mas pela ambição de fazer um projeto assim, um projeto global, de ir

pra vários lugares, apresentar desse jeito, foi ambicioso. (ALMEIDA, 2019)

O processo para a definição da pauta passou pelo mapeamento das causas e diferenças

entre os muros ao redor do mundo. Cada um dos seis escolhidos se liga a algum tema central

como economia, refugiados, violência ou pobreza. Para isso, os idealizadores recorreram ao

trabalho de Elisabeth Vallet, Zoe Barry e Josselyn Guillarmou, professores e pesquisadores da

Cátedra Raoul Dandurand de Estudos Estratégicos e Diplomáticos, da Universidade de Quebec,

em Montreal. De acordo com os resultados levantados pelo estudo desses pesquisadores, em

2001 eram 17 barreiras físicas como essas espalhadas nos mais diversos países. Em 2017, esse

número passou para 70.

A gente queria saber quantos muros tem no mundo. Isso é uma coisa bem

difícil, porque depende do que você considera um muro. Tem uma acadêmica

canadense que tinha feito um levantamento e um livro. A gente partiu disso e foi vendo quais muros eram mais representativos, alguns são tradicionais e

conhecidos, outros não, e por diferentes motivos. Muro dos EUA com o

México é um muro econômico, de pessoas que estão buscando uma vida melhor e também de violência, de pessoas que estão fugindo da violência;

muro Israel-Palestina é um muro nacional, religioso, de busca de terra, muro

Somália-Quênia – cerca, no caso – é o muro da fome, do terrorismo, as pessoas ali fugindo; muro Sérvia-Hungria é um muro emblemático da imigração dos

sírios, afegãos para a Europa, da crise de imigração. (MELLO, 2019)

O caminho para a definição dos locais que fariam parte da série, no entanto, não se

limitou à consulta do trabalho dos pesquisadores. Também contou com a participação dos

editores e debate entre as partes.

Nesse percurso, o fator econômico pareceu, aos repórteres, um entrave. “Eles estavam

muito entusiasmados, mas tinham muito receio de que o jornal não comprasse a ideia, sobretudo

por causa de orçamento, mas a gente começou a conversar e a coisa foi andando.” (DIAS, 2019).

Uma hipótese levantada na época pelos repórteres com a concordância da Secretaria de

Redação foi a busca de parcerias externas em empresas de tecnologia e instituições do terceiro

setor que pudessem ter interesse em participar. Para tanto, os próprios idealizadores entraram

em contato com o Google e outras empresas. Esse movimento, no entanto, não se mostrou bem-

sucedido, e os custos do projeto acabaram sendo cobertos integralmente pelo jornal.

“Apresentamos o projeto para o Google, e outras empresas, ONGs que teriam algum interesse

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99

ali... acho que eles se arrependeram depois porque ia ser um retorno bom, ganhou um monte de

prêmio, para eles não era tanto dinheiro.” (MELLO, 2019)

Com a indefinição das empresas procuradas, a Secretaria de Redação resolveu arcar com

todos os custos do projeto. “[O custo foi] Acima de R$ 100 mil, considerando apenas as viagens,

obviamente isso não contempla a mão de obra dos mais de 20 profissionais envolvidos no

projeto.” (DIAS, 2019)

Do planejamento inicial, apenas um muro ficou de fora da fase de execuções das pautas.

“Teve um muro que a gente queria fazer e que não conseguiu por questão de visto, questão

burocrática, que era Índia-Bangladesh.” (DIAS, 2019)

A Patrícia já tinha falado sobre Servia e Quênia, o muro nos EUA era meio

óbvio. Não lembro se foi o Fabiano ou o Roberto que sugeriu o muro de Lima, eu quis incluir o da Cisjordânia, porque achava impossível falar de muros e

não falar desse. O Roberto sugeriu o de Cubatão, ele passava em frente, via,

não se conformava, era um troço gigante. Foi assim, as coisas foram sendo complementadas, e o interessante é que a gente tentou montar de um jeito que

cada muro tratasse de um tipo de problema diferente. (COELHO, 2019)

O exemplo brasileiro foi a reportagem de maior audiência entre as sete, resultado

explicado pelo fator proximidade e impacto direto no leitor do jornal. Segundo Mello, a

existência de uma comunidade com cerca de 30 mil moradores por trás do muro que divide a

Vila Esperança, em Cubatão, da rodovia dos Imigrantes era desconhecida pela maioria das

pessoas que utiliza a rodovia entrevistadas pela repórter. O êxito alcançado por este capítulo

também ajuda a explicar as dificuldades das investigações no exterior, com as limitações

naturais impostas pela língua e restrição de tempo e deslocamento impostas por autoridades

locais e a importância da personagem nas reportagens, segundo Mello.

Essa coisa de fazer reportagem internacional é muito legal, mas tem um limite, tem uma limitação. Um muro no Brasil você consegue aprofundar mais nos

personagens, você entende melhor os sinais das pessoas, os sinais do lugar,

entendeu? Então acho que a gente conseguiu se aprofundar mais. Às vezes em outros lugares você sempre tem o filtro do tradutor, nunca é 100%, não é ideal,

então eu achei que esse no Brasil a gente conseguiu ir mais a fundo. (MELLO,

2019)

Mello e Almeida citam o mesmo exemplo de dificuldade imposta por limitações quando

em campo: o caso do muro africano. Em Mandera, no Quênia, segundo Mello e Almeida, apesar

da pré-produção e do contato prévio com organismos internacionais, o toque de recolher, a

insegurança e as condições estabelecidas pelas autoridades locais para se aproximar da cerca

que divide o país com a Somália impediram que os repórteres passassem o tempo que

pretendiam no lugar e acompanhassem as personagens pelo tempo que esperavam. “A gente

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100

tinha as autorizações do Ministério do Interior. Só que você chega lá, tem um comandante, o

comandante fala: “Mas aqui quem manda sou eu”. Eu quase fui preso porque fiz um voozinho

com o drone para testar.” (ALMEIDA, 2019)

Quando você chega lá, são lugares muito difíceis sempre. Primeiro que para

você fazer filmagem com drone é um mega tabu nesses lugares todos porque

todo muro tem uma coisa de segurança em volta. A gente teve, na cerca em si, quarenta minutos porque a gente teve que ir acompanhado do soldado. Esse

lugar foi o mais difícil de trabalhar [..] estrangeiro não pode entrar, para

começar daí. Banco Mundial etc, ninguém pode ir lá. Eles meio que te obrigam

a contratar segurança armada, basicamente eles falam assim: “Ou você contrata aqui a nossa segurança” - que é meio que uma terceirização, um bico

dos policiais locais - “ou a gente não se responsabiliza por vocês”. (MELLO,

2019)

Além das barreiras apresentadas por Mello e Almeida, outra limitação em campo

enfrentada pelos repórteres diz respeito à dupla função desempenhada pelos repórteres

fotográficos: filmar e fotografar. Sobre as filmagens, a pauta exigiu dos profissionais o domínio

de mais uma habilidade: a capacidade de controlar um drone e filmar, o que ocorreu em todas

as reportagens.

Atividades com linguagens e dificuldades diferentes, a filmagem e a fotografia tiveram

que ser feitas pelo mesmo profissional, mesmo na pauta realizada no Brasil. A inclusão de mais

uma pessoa na pauta significaria também aumentar os gastos com passagens, hospedagem e

alimentação. Dessa forma, a escolha foi por fotógrafos que pudessem desempenhar a dupla

função sem prejuízos no resultado de nenhuma delas.

É muito incomum. Você tem que pensar foto de um jeito, e vídeo é outro. Vídeo geralmente é mais aberto, o frame, paisagens... e as fotos geralmente

são mais fechadas, é outro enquadramento. E por isso que é muito raro uma

pessoa conseguir fazer as duas coisas bem, e com drone. É muito cansativo. O Lalo voltou exausto, mas ele é uma das poucas pessoas que consegue fazer as

duas coisas bem. O Avener é o outro. (SEVERINO, 2019)

Ainda assim, fotografar e filmar exige muito do profissional. Questões como o tempo

dedicado a cada uma das atividades durante a pauta, as diferenças técnicas envolvidas e,

principalmente as linguagens a serem empregadas para o desenvolvimento das duas narrativas

precisam estar muito bem estabelecidas para o desempenho satisfatório.

Eu sou fotógrafo, me considero fotógrafo. Não sou videomaker. Então no começo, desde que eu comecei a fazer vídeo, eu fazia assim: eu dividia meu

tempo, priorizava, as coisas que eu achava mais legais, mais interessantes, eu

fotografava, e o que eu achava menos importante, eu fazia o vídeo. Mas com

o tempo, fui tentando equilibrar isso, tentando dar um pouco mais de peso para o vídeo, equilibrar um pouco as coisas. [...] Aí eu fico louco, é um estresse

medonho, às vezes você tem que optar entre uma coisa e outra, porque não dá

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101

pra fazer a duas coisas ao mesmo tempo, eu sofro bastante, é um negócio que

eu ainda não tenho resolvido [...] Mas eu gosto de fazer vídeo. Eu gosto de fazer, e eu acho que no final das contas, apesar do vídeo e da foto saírem

prejudicados, os dois saírem piores do que se fizesse um ou outro, o conjunto

para quem vai assistir é mais legal. (ALMEIDA, 2019)

A construção da narrativa fotográfica e videográfica em linguagens diferentes passa pela

compreensão pelos repórteres de texto de que o tempo do profissional de imagem para tanto é

outro. Outro até mesmo em relação ao que estavam acostumados.

Dessa forma, não se trata mais de entrevistar uma fonte enquanto o fotógrafo faz seu

trabalho, mas também mergulhar e auxiliar na construção da narrativa imagética. Segundo

Almeida, não apenas a capacidade técnica é um dos requisitos para isso, mas também a relação

entre repórteres de texto e imagem precisa ser redefinida nesse processo. “Quando você vai

fazer um trabalho multimídia, tem que estar todo mundo envolvido. É um novo jeito de

trabalhar, é um novo jeito de pensar o jornalismo.” (ALMEIDA, 2019)

Essa mudança de linguagens que se mostra necessária na construção de grandes

narrativas multimídia revela também uma outra forma de convergência, a convergência entre

os profissionais que precisa ser estabelecida não apenas em campo, mas em uma etapa anterior:

na produção da pauta.

Essas pautas grandes, coberturas grandes, multimídia, o segredo está na produção. Uma coisa bem produzida, pensada, que você vai produzir um

material multimídia, se você faz uma boa produção, o trabalho flui bem.

Normalmente a gente não faz isso porque a gente é super desorganizado, chega lá e vamos resolver, esse é o método de trabalho. Depende de cada um.

Tem gente que é mais fácil de lidar, tem gente que é mais difícil, mas é um

conflito constante, eu sinto isso.” (ALMEIDA, 2019)

A produção de Um Mundo de Muros revela algumas mudanças em relação ao trabalho

do jornalista. Além da questão da produção e da participação integral do repórter de texto em

todas as fases da elaboração da reportagem, a busca por parcerias também passou pela atuação

dos repórteres. Nesse caso, eles se incumbiram de fazer contato com as empresas e instituições

do terceiro setor em busca de parcerias que pudessem ser interessantes para ambos os lados. De

acordo com Almeida, essa não foi a primeira vez que parcerias do tipo foram tentadas. Em 2018,

um projeto sobre a Amazônia recebeu auxílio de uma ONG norueguesa. “E esse ano estamos

com [outro] projeto na Amazônia, enorme, vamos ver. Está praticamente fechado, bancado

também por um pool de organizações, ONGs, Fundação Ford etc.” (ALMEIDA, 2019)

Com isso, no entanto, surge uma nova questão a ser enfrentada e debatida pelo jornal e

jornalistas: quando vale a pena estabelecer parcerias? E que parcerias são coerentes com o

produto? Sobre isso, Almeida afirma que é um problema com o qual as empresas de

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comunicação deverão se defrontar com maior frequência na medida em que novos projetos de

fôlego forem elaborados. Segundo ele, o Google seria um parceiro estratégico nesse caso não

apenas pelo financiamento, mas também pelas possibilidades tecnológicas que poderiam ter

sido incorporadas ao produto, como geolocalização e imagens de satélite dos muros abordados

pela série.

As fases de pré-produção, produção e edição da série de reportagens, de acordo com as

entrevistas, revelam dois pontos que podem ser destacados como fundamentais para a narrativa

e o resultado da reportagem:

A) Definição detalhada da pauta

B) Pré-produção bem-feita

Das entrevistas também se depreendem mudanças na rotina e na atuação dos jornalistas,

além da emergência da discussão de alguns parâmetros que surgem com o avanço das

reportagens multimídia e devem ser considerados para iniciativas futuras.

A) Ampliação das funções: No caso dos fotojornalistas, fica claro que o domínio técnico e de

uma linguagem apenas não se mostra suficiente. Dessa forma, coube a eles o desenvolvimento

das narrativas fotográficas e videográficas, o que exigiu dos profissionais desenvoltura,

planejamento e maior envolvimento com a pauta ante a ampliação do escopo de trabalho. O

mesmo processo causa uma alteração na forma de atuação dos repórteres de texto,

transportados para o lugar de coautores das narrativas em vídeo. Levando em conta também

a busca por parcerias para o projeto, tanto os profissionais de imagem como os de texto

deixaram para trás os limites tradicionais de atuação para desempenhar a função de

administradores do próprio trabalho.

B) Busca por financiamento e parcerias para viabilizar o projeto: O estabelecimento de parcerias

que possam ser coerentes com o produto jornalístico multimídia aparece como oportunidade

para vencer os obstáculos financeiros que atingem o setor e para agregar valor ao projeto,

com a expertise, por exemplo, de outros setores como o de tecnologia. No caso apresentado,

os próprios repórteres, idealizadores da série de reportagens, entraram em contato com

possíveis interessados.

C) Limites da busca por parcerias: A busca por parcerias estratégicas ou puramente financeiras

para viabilizar os projetos levanta a questão dos limites entre o que é aceitável e desejável

para a produção jornalística e o que ultrapassa os limites de independência editorial dos

veículos. O assunto deve acompanhar o desenvolvimento das narrativas multimídia e ser

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debatido como forma de balizar iniciativas futuras, principalmente devido aos custos elevados

desse tipo de projeto.

4.3.2 – Narrativa, expressividade digital e caminhos futuros

Para que a linguagem utilizada na série fosse completamente viabilizada, uma nova

plataforma de publicação online foi pensada e desenvolvida. O jornal já possuía um programa

específico para tal, mas a avaliação dos editores era de que esta não comportava as demandas

que o projeto suscitava. As fotos, por exemplo, não poderiam ser colocadas na página de forma

a ocupar toda a largura da tela, assim como o player para os vídeos não era o ideal. Para tanto,

segundo Severino, quatro funcionários programadores se dedicaram a seu desenvolvimento

cerca de seis meses antes da primeira reportagem ir ao ar.

Outro item importante nesse processo foi que o desenvolvimento dessa nova plataforma

serviu ao mesmo tempo para aprimorar o publicador da empresa e para testar novos formatos

cuja incorporação era estudada no novo projeto gráfico da Folha, no impresso e no digital, que

foi implementado após a publicação da série. Em relação a isso, Severino afirma que as bases

tipográficas foram aperfeiçoadas e testadas nessa oportunidade.

Esse projeto [Um Mundo de Muros] foi o primeiro que saiu testando as tipografias do novo projeto [gráfico], que ia vingar. De fato, a gente usou as

bases, a estrutura do que vinha, a gente começou a testar as coisas, a tipografia

e inclusive o conceito gráfico do impresso e do digital dos dois a gente testou.

(SEVERINO, 2019)

A criação da nova plataforma de publicação permitiu também o desenvolvimento de

uma linguagem bastante particular para a edição das fotos. Blocos de imagens foram dispostos

na reportagem de forma dialógica com o próprio tema da série: os muros. O formato reforçou

a narrativa fotográfica desenvolvida em campo pelos dois fotojornalistas que buscaram

evidenciar a agressividade dos muros e o impacto das construções na vida cotidiana das

personagens.

A gente tentou criar alguns blocos, procurando mostrar as personagens, contar

as histórias, e além da narrativa, da história em si, uma narrativa também em

termos estéticos. No caso dos Estados Unidos, você tem cenas de muro, tem

vários muros no muro México-Estados Unidos, foram feitos vários, em várias fases, têm diversas caras, diversos materiais. Você fazia um blocão de muros,

a cara dos muros, aí você seguia um pouco, dava um respiro, colocava outra

história, uma personagem, e fazia um bloco dessa personagem, como era a vida dela, colocava um retrato, a casa, a vista dela. A gente foi criando essa

narrativa da história em si, mas também uma narrativa estética, para a coisa

fazer sentido e ficar agradável, ter ritmo. (ALMEIDA, 2019)

As reportagens foram publicadas em formato de série, com semanas de intervalo entre

elas. A escolha se deu em função do volume de informação produzida e da necessidade de que

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a edição ocorresse de forma a não criar afunilamento do material à espera de publicação. Tal

como visto no capítulo anterior, isso favoreceu uma das características da série: o long tale, ou

cauda longa, e resultou em realimentação de audiência para os capítulos na medida em que os

seguintes foram lançados.

No site da Folha foi criada uma página especial onde os capítulos foram publicados.

Antes dessa série, o jornal já havia feito outros especiais grandes, como a reportagem A batalha

de Belo Monte (2013)6, mas que haviam sido publicados integralmente de uma só vez.

Era um material muito volumoso, editorialmente não fazia sentido lançar tudo

de uma vez só, a gente queria envolver o leitor, os capítulos são grandes, as

reportagens são grandes, e a gente queria conseguir dar a devida atenção para todas. A gente tinha medo que, se esperasse para lançar quando tudo estivesse

pronto, algumas histórias já tivessem perdido um pouco o viço ou precisassem

ser atualizadas e acabassem perdendo destaque no meio de tudo. (COELHO,

2019)

Quanto à narrativa digital e à forma como os diferentes elementos multimídia se

relacionam em Um Mundo de Muros, Coelho afirma que a série foi pensada para que houvesse

convergência entre esses itens, trabalho que envolveu planejamento e produção para que não

houvesse redundância de informações entre eles. Ela aponta as diferenças entre vídeos e textos.

Enquanto as personagens são mais destacadas e funcionam mais como condutoras das

narrativas videográficas, os textos se abrem mais para outros aspectos dos fenômenos e acolhem

a contextualização.

Nada de texto funcionava sem que você conversasse com o pessoal de

interatividade, infografia, imagem, as coisas eram pensadas, ele (o projeto) foi

costurado com muito cuidado. Você não podia ter um capítulo que tivesse 10

mil caracteres e outro que tivesse 20 mil, um que tivesse três imagens de destaque e outro que tivesse oito, então tudo foi conversado, balizado, para ter

uma harmonia, para o texto e a imagem não redundarem, para a infografia e o

texto não redundarem, para as coisas não ficarem se repetindo, porque já era uma coisa de fôlego, então elas deveriam se complementar e não se repetir.

(COELHO, 2019)

Todos os elementos da reportagem funcionam bem sozinhos, mas foram pensados para

serem complementares. “Trabalhamos muito na equalização dos textos e imagens para que tudo

tivesse o mesmo estilo. Não pasteurizado [...], mas que eles tivessem harmonia entre si, a

mesma coisa com as imagens.” (COELHO, 2019)

Segundo Dias, um dos exemplos de complementaridade é o vídeo do capítulo do muro

entre o México e os Estados Unidos. “Tem uma qualidade ali, transmite uma emoção que você

não vai conseguir com o texto, muito dificilmente você vai conseguir isso no texto, e no vídeo

isso fica bem claro.” (DIAS, 2019)

6 A reportagem está disponível no link http://arte.folha.uol.com.br/especiais/2013/12/16/belo-monte/.

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Outro exemplo são os infográficos, produzidos e editados não apenas de forma a evitar

a repetição de informações presentes no texto, mas também como forma de complementação.

A ausência de interatividade nesses itens, especificamente, é explicada pela baixa qualidade da

conectividade e o consumo cada vez maior de informações em plataformas mobile.

Quando você vai fazer um material especial, tem que lembrar que tem que

funcionar no celular e em todos os modelos, e no Brasil a gente não tem internet boa, 3G, 4G, é tudo muito lento. Então artes interativas não funcionam

bem em celulares antigos, e a internet consome muitos dados, então por isso

que a gente opta sempre pelo mais estático e o movimento único, a gente só coloca vídeo, que dá para ser leve. (SEVERINO, 2019)

Sobre a navegação nas páginas da série e sobre a ausência de hiperlinks nas reportagens,

os entrevistados afirmam que isso se deve a dois fatores. O primeiro é que a própria plataforma

desenvolvida não permitia – o que poderia ter sido corrigido ou reprogramado –, mas o principal

é o segundo fator, que divide opiniões entre as duas editoras envolvidas no projeto. Para a então

editora de Mundo, não se desejava que os leitores fossem convidados a deixar as páginas de

Um Mundo de Muros para outras reportagens. “A gente também não fez questão porque a gente

não queria jogar a pessoa para fora do especial”. (COELHO, 2019). Para a editora do Núcleo

de Imagem, “devia ter, é sempre bom se auto alimentar”. (SEVERINO, 2019)

A expectativa dos cinco entrevistados para esse estudo de caso é que novos projetos

multimídia sejam realizados pela Folha. Um Mundo de Muros, segundo eles, não lançou bases

fundamentalmente diferentes em relação a outras grandes reportagens que o antecederam. No

entanto, seu desenvolvimento lega ao jornal know-how de como aprimorar a narrativa digital e

uma nova ferramenta, além de ter sido o primeiro produto da empresa a trazer em si as

inovações tipográficas adotadas pela Folha.

Ao alto custo, apontado como o principal entrave para projetos do tipo e para o

desenvolvimento de novas formas narrativas, contrapõe-se a afirmação de Dias sobre a busca

por maior eficiência com o uso de recursos humanos e soluções internas baseadas na

simplicidade e funcionalidade para o leitor. De acordo com ele, o fator financeiro deve ser o

maior entrave e a inclusão de novas funcionalidades e ferramentas para a produção da narrativa

digital tende a encarecer ainda mais o processo. Por esse motivo e pelas especificidades do

consumo desse produto em plataformas mobile, a tendência, sustenta, é caminhar em direção à

simplicidade e eficiência. Um exemplo, segundo ele, é o desenvolvimento cada vez maior de

podcasts, modelo de comunicação que não traz em si inovação substancial, mas que facilita o

consumo das narrativas.

Eu acho que a inovação não vai se dar tanto nesse trio que a gente está discutindo para muros, mas ela vai se dar em formatos de áudio, acho que esse

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é um campo que está crescendo rapidamente. É o que hoje se chama podcast,

mas sei lá que tipo de formato vai ter em algum momento para frente. Acho que vai ser por aí, mas se você olhar bem, um dos primeiros meios de

comunicação de massa era o rádio, escutar informação não é exatamente uma

novidade, mas você vai chegar a isso por um outro formato. Mas se você olhar o racional do podcast, ele também é uma busca de eficiência em relação a

transmitir a mensagem ocupando o tempo da pessoa. Então eu vejo isso como

o maior driver de inovação, mais do que a tecnologia em si ou você querer

fazer uma coisa que chame a atenção. (DIAS, 2019)

A opinião é compartilhada por Severino, para quem a inclusão de conteúdo em áudio

seria o melhor avanço em relação ao produto publicado. “Hoje em dia, eu faria também um

podcast. Acho que poderia ser meio que um diário de bordo. Eu incluiria uma parte de áudio,

mas só. O resto acho que cumpre a função bem.” (SEVERINO, 2019)

Ainda sobre os resultados da série, de acordo com a editora do Núcleo de Imagem, seus

idealizadores foram surpreendidos com um desdobramento não esperado do produto.

Depois que a gente terminou de publicar, a produtora Coiote veio atrás da

gente, e eles estão vendendo no mercado, não sei se para o GNT ou Netflix,

esse formato de muros. Primeiro eles queriam fazer o seguinte: eles queriam voltar nos mesmos lugares para refilmar algumas coisas, agora eles já estão

“vamos aproveitar o material”, estavam pensando em entrevistar e levar a

Patricia e o Lalo para lá, tem até um contrato já assinado. (SEVERINO, 2019)

Após a série de entrevistas com os idealizadores e realizadores de Um Mundo de Muros,

é possível estabelecer algumas características do produto em relação ao ciberjornalismo, bem

como avanços que a série trouxe e para quais caminhos aponta a iniciativa.

Tabela 37 – Itens e características

Itens Características

Narrativa Convergência Complementaridade

Serialidade

Expressividade digital Multimidialidade Edição de imagem

Ausência de hiperlinks

Infográficos estáticos Contribuição e inovação Criação de nova plataforma publicação

Teste de formatos adotados pelo jornal Caminhos futuros

Conteúdo em áudio

Reforço do modelo

Busca por eficiência

Entre os itens elencados acima, destacam-se positivamente o modelo de publicação em

série, que atingiu bons resultados, a edição de imagens bem-feita, a criação de plataforma de

publicação incorporada às ferramentas do jornal e a busca por eficiência, que parece ser a meta

a ser perseguida em iniciativas futuras.

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5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dentro dos objetivos traçados e em conformidade com a fundamentação teórica

elaborada para esta dissertação, a análise aqui realizada da série de reportagens Um Mundo de

Muros, publicada entre junho e setembro de 2017 pela Folha de S.Paulo, contribui para o maior

entendimento do estágio de desenvolvimento das narrativas digitais ao tomar como objeto de

estudo uma iniciativa que alcançou prêmios e reconhecimento internacional.

Ainda que os resultados apresentados não possam ser extrapolados, nem tomados como

paradigmas da produção digital nessa área como um todo, a observação do que aqui se discutiu

é um indício de como essa produção é feita atualmente e como poderá continuar a ser construída

futuramente a partir da experiência adquirida e da forma como essa produção foi recebida, seja

pelo leitor, seja pelo meio jornalístico.

Na forma como se estrutura, Um Mundo de Muros contempla as possiblidades narrativas

e de expressividade digital abertas pelo ciberjornalismo. Mesmo que alguns dos pontos

levantados nessa área não estejam completamente em acordo com o que autores como

Schwingel, Canavilhas e Baccin e Salaverria sistematizaram, isso se deve mais à opção dos

responsáveis pela série do que à desatenção a essas possibilidades. Exemplo disso é o uso

limitado da hipertextualidade e da interatividade, explicado pelos idealizadores como uma

forma de reter a audiência e garantir acessibilidade em diferentes plataformas, sobretudo em

dispositivos mobile.

Um Mundo de Muros não apresenta inovações substanciais da narrativa multimídia,

antes disso ajuda a estabelecê-la em seu atual estágio de desenvolvimento. À expectativa de

que isso ocorra, com inovações perceptíveis materializadas em avanços tecnológicos, no

entanto, contrapõem-se mudanças bem menos evidentes. Trata-se de alterações de paradigmas

e procedimentos dos jornalistas, notadamente os que vão a campo e que passam a ter

envolvimento maior com a definição e apresentação do produto. Curiosamente, tal

envolvimento cresce ao mesmo tempo em que a vida útil desse mesmo produto se expande. Da

mesma forma, é possível argumentar que o caminho para o estabelecimento de uma gramática

própria do meio digital passa pelo estabelecimento prévio de mudanças procedimentais que

levem a esse resultado.

No que se refere ao texto, a partir dos conceitos de Análise Pragmática da Narrativa, de

Motta, utilizados nesta pesquisa, a série apresenta uma narrativa mais próxima da prática

jornalística tradicional quando se verifica que os elementos de objetivação são bem mais

frequentes do que os elementos de subjetivação. Isso pode ser explicado por algumas limitações,

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a exemplo do que ocorreu na África, com a restrição de mobilidade dos repórteres, mas também

por uma escolha consciente, explicada por Coelho ao justificar a preferência por apresentar nos

vídeos as histórias das personagens com enfoque mais subjetivo e evocando as emoções do

internauta, cabendo à narrativa textual um panorama mais amplo e contextualizado do

fenômeno retratado.

Assim, o objeto analisado é resultado de escolhas feitas durante o percurso da construção

narrativa. Em vez de ser um produto nascido da prática irrefletida e de modelos de produção

jornalísticos pré-existentes, apesar da influência desses estarem presentes, é fruto de um projeto

construído pela reflexão e discussão entre as diversas partes envolvidas. Isso pode ser

constatado pela decisão de construir uma plataforma nova para a sua publicação, pelo

envolvimento da equipe de mais de 20 jornalistas e pelo dialogismo entre os diferentes

elementos multimídia que compõem a série, característica que reflete a busca por

complementação entre as linguagens. Esse trabalho em equipe impacta diretamente no resultado,

que reflete a construção de uma narrativa pautada pela complementariedade entre os diversos

formatos que compõem cada capítulo.

A principal limitação para a realização desta pesquisa é o fato de ela ter sido iniciada

quando o produto analisado, a serie O mundo de muros, já estava pronto publicado. Apesar de

ter todo o material à disposição no site, bem como o acesso facilitado aos entrevistados, que

são colegas de trabalho e continuam, em sua maioria, vinculados ao jornal, a limitação se dá

pela questão temporal: a análise se limitou ao produto final e aos relatos dos responsáveis pela

série, a partir de suas memórias. Teria sido interessante e enriquecedor para a pesquisa

acompanhar a fase de idealização e produção da série, a partir da qual certamente surgiriam

questões relevantes para a análise do produto.

Curiosamente, como repórter da Folha de S.Paulo, o autor desta dissertação teve

participação coadjuvante na produção da série: a narração de todos os vídeos explicativos que

a compõem. Essa participação, entretanto, não possibilitou a imersão no processo de produção,

até porque esta dissertação ainda não havia sido iniciada na ocasião.

As escolhas narrativas desse objeto indicam algumas características que podem ser

discutidas e futuramente aprofundadas. Um exemplo é a forma como a edição de fotos foi

realizada, em dialogismo com o tema da série e ocupando espaço pré-definido pelos editores,

como se fosse a plataforma digital espaço finito. Disto também resultou a uniformidade dos

capítulos.

Outras contribuições que podem ser aprofundadas, e que não eram o objetivo desta

dissertação, dizem respeito à forma como produtos multimídia como Um Mundo de Muros

podem ser viabilizados, a mudanças na prática dos jornalistas e a como serão debatidos os

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limites dessas novas funções assumidas pelos profissionais.

Durante a fase de entrevistas com os realizadores, a necessidade de desenvolvimento do

repórter como um profissional multimídia, a exemplo do fotógrafo responsável pelas fotos e

vídeos, foi um dos pontos levantados. É um tema que certamente poderia ser aprofundado em

um futuro trabalho de pesquisa por indicar uma mudança já em curso na dinâmica de trabalho

dos jornalistas. Outro aspecto relevante que poderia ser desenvolvido futuramente é o

envolvimento cada vez maior dos repórteres no processo de viabilização de um projeto como

esse, seja por meio de parcerias com outras empresas, seja por meio da negociação com a

diretoria do jornal. Esse envolvimento traz à tona a necessidade de uma reflexão sobre de que

forma isso será feito e como esses profissionais e as próprias empresas jornalísticas precisarão

se preparar e se adaptar a essas mudanças.

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110

6 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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