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Vicent van Gogh- Excertos de cartas- CHIPP, H.B.. Teorias da arte moderna. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 28 MINHA PINCELADA NÃO TEM SISTEMA A Émile Bernard, Arles, abril de 1888 (B3, p. 478). No momento, estou absorvido pela floração das árvores frutíferas, róseos pessegueiros, pereiras amarelo e branco. Minha pincelada não tem qualquer sistema. Eu ataco a tela com toques irregulares do pincel, que deixo como saem. Empastes, pontos da tela que ficam descobertos, aqui e ali pedaços absolutamente inacabados, repetições, brutalidades; em suma, estou inclinado a pensar que o resultado é demasiado intranquilizante e irritante para que isso não faça a felicidade dessas pessoas que têm ideias preconcebidas fixas sobre a técnica. Aliás, eis aqui um desenho, a entrada de um pomar provençal com suas cercas amarelas, com sua proteção (contra o mistral) de ciprestes negros, seus legumes característicos de variados tons de verde: alfaces amarelas, cebolas, alho, alho- poró cor de esmeralda. Trabalhando diretamente no local, procuro fixar no desenho o que é essencial – mais tarde, encho os espaços delimitados pelos contornos – expressos ou não, mas de qualquer modo sentidos – com tons que também são simplificados, no sentido de que tudo que vai ser solo terá o mesmo tom parecido com violeta, que todo o céu terá um tom azul, que a vegetação verde será verde- azulada, ou verde- amarelada, exagerando deliberadamente os amarelos e azuis nesse caso. Em suma, meu querido camarada, nada de ilusões de ótica. Willian Kentridge- TONE, Lilian (org). William Kentridge: Fortuna. Catálogo da exposição Willian Kentridge Fortuna. Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo, Ago- Nov 2013. P. 25 O estúdio sempre tem dentro dele mais coisas do que fazem sentido. Há restos de projetos presos às paredes. Os primeiros esboços de projetos a ponto de começar. Os vestígios de projetos que foram abandonados. Há objetos nas paredes e no chão do

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Vicent van Gogh- Excertos de cartas- CHIPP, H.B.. Teorias da arte moderna. 2 ed. So Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 28MINHA PINCELADA NO TEM SISTEMAA mile Bernard, Arles, abril de 1888 (B3, p. 478).No momento, estou absorvido pela florao das rvores frutferas, rseos pessegueiros, pereiras amarelo e branco. Minha pincelada no tem qualquer sistema. Eu ataco a tela com toques irregulares do pincel, que deixo como saem. Empastes, pontos da tela que ficam descobertos, aqui e ali pedaos absolutamente inacabados, repeties, brutalidades; em suma, estou inclinado a pensar que o resultado demasiado intranquilizante e irritante para que isso no faa a felicidade dessas pessoas que tm ideias preconcebidas fixas sobre a tcnica. Alis, eis aqui um desenho, a entrada de um pomar provenal com suas cercas amarelas, com sua proteo (contra o mistral) de ciprestes negros, seus legumes caractersticos de variados tons de verde: alfaces amarelas, cebolas, alho, alho- por cor de esmeralda. Trabalhando diretamente no local, procuro fixar no desenho o que essencial mais tarde, encho os espaos delimitados pelos contornos expressos ou no, mas de qualquer modo sentidos com tons que tambm so simplificados, no sentido de que tudo que vai ser solo ter o mesmo tom parecido com violeta, que todo o cu ter um tom azul, que a vegetao verde ser verde- azulada, ou verde- amarelada, exagerando deliberadamente os amarelos e azuis nesse caso.Em suma, meu querido camarada, nada de iluses de tica.

Willian Kentridge- TONE, Lilian (org). William Kentridge: Fortuna. Catlogo da exposio Willian Kentridge Fortuna. Pinacoteca do Estado de So Paulo, So Paulo, Ago- Nov 2013. P. 25O estdio sempre tem dentro dele mais coisas do que fazem sentido. H restos de projetos presos s paredes. Os primeiros esboos de projetos a ponto de comear. Os vestgios de projetos que foram abandonados. H objetos nas paredes e no cho do estdio que esto ali h anos, esperando ser completados ou guardados.Da mesa do estdio, posso ver um trip de madeira, um batedor de ovos grande. Debaixo de um desenho de uma xcara quebrada. Ao lado do desenho de uma paisagem. Ao lado de um molde de madeira de um cavalo, coberto com desenhos de nanquim. H um espelho anamrfico. Um desenho de um pssaro voando em uma moldura. As patas traseiras de um gato, em nanquim. H uma lista de horrios de apresentaes para este ano e para o prximo. (...) a partir desse caos de excesso que acontece o trabalho no estdio. essa incoerncia, essa fragmentao de pensamentos diversos, que preciso transformar num desenho coerente, num corpo de desenhos, numa obra.A exposio, A sala de excesso no tenta recriar o estdio, mas sim mostrar algo da superabundncia de imagens e impulsos que constantemente circulam na realizao do que acontece no estdio. (2012).