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1 Espiritualidade nas Organizações e Comprometimento Organizacional. Estudo de Caso com um Grupo de Líderes de Agências do Banco do Brasil na cidade de Recife. Autoria: Maria de Fátima da Nóbrega Bezerra, Lúcia Maria Barbosa de Oliveira Resumo: Este estudo trata das relações existentes entre espiritualidade nas organizações e o comprometimento organizacional, além da compatibilidade do modelo de Rego, Cunha ; Souto (2005) para medir espiritualidade nas organizações com a percepção dos respondentes. Foram entrevistados 121 líderes, todos funcionários de agências do Banco do Brasil localizadas na cidade de Recife. Os resultados do estudo sugerem que existe relação entre espiritualidade e comprometimento organizacional, sendo essa associação mais percebida entre espiritualidade na organização e comprometimento afetivo. Ainda como resultado desta pesquisa surgiram novas características de espiritualidade que poderiam vir a complementar as dimensões da espiritualidade na organização definidas por Rego; Cunha; Souto (2005), tais como: prática da espiritualidade no local de trabalho, valorização do funcionário e diminuição da competição interna. É possível que as empresas que incluírem em seu programa de desenvolvimento do ser humano a espiritualidade estejam contribuindo não só para o comprometimento do seu funcionário, mas também para o engrandecimento deste, da organização, da comunidade e até mesmo do mundo. INTRODUÇÃO A velocidade das mudanças provenientes da globalização permite um nivelamento tecnológico das empresas aumentando a competitividade entre elas. Para Milkovich e Boudreau (2000), entretanto, ainda que as instalações físicas, os equipamentos e os recursos financeiros sejam necessários para a organização, as pessoas são particularmente importantes, pois elas trazem consigo o brilho da criatividade. Conscientes das transformações que se aceleram em sua direção, as organizações criam programas para desenvolver seus funcionários de modo que eles possam enfrentar-las. Nesse processo, pode ser esquecida a transmissão de valores, de ética e de sentido para o trabalho, ou seja, ensinamentos que completam o ser humano. Na busca desenfreada para tornar seus funcionários um diferencial competitivo, as organizações não percebem que essas transformações mundiais exigem que elas passem a ter uma visão holística dos indivíduos a qual procura levar em conta o corpo, a mente, a alma e o espírito; uma visão que, no pensamento de Wilber (2000), abarca a ciência, a arte e a moral. Por considerarem o homem como um ser de necessidades materiais e também espirituais, Ashmos e Duchon (2000) entendem que a facilidade de se conseguir bens materiais e o declínio de instituições como família, igreja e clubes sociais está levando o homem cada vez mais a buscar um sentido para a realização do trabalho, bem como a fazer deste o único laço consistente com outras pessoas e a única via para satisfazer as necessidades humanas de conexão e distribuição. A essa necessidade de se buscar um sentido para o trabalho, vários autores (ASHMOS; DUCHON, 2000; MILLIMAN; CZAPLEWSKI; FERGUSON, 2003; MATOS, 2001) chamam de despertar da espiritualidade nas organizações. O surgimento natural desse sentimento nas organizações serviu de impulso para o interesse sobre o assunto e o tema foi relacionado em vários livros e trabalhos com algumas variáveis tais como: estilos de liderança (HAWLEY, 1993); satisfação no trabalho, intenção de deixar a empresa; envolvimento com o trabalho (MILLIMAN; CZAPLEWSKI; FERGUSON, 2003); cidadania (MATOS, 2001) e comprometimento (REGO; CUNHA; SOUTO, 2005). Um dos mais expressivos trabalhos empíricos sobre espiritualidade nas

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Espiritualidade nas Organizações e Comprometimento Organizacional. Estudo de Caso com um Grupo de Líderes de Agências do Banco do Brasil na cidade de Recife.

Autoria: Maria de Fátima da Nóbrega Bezerra, Lúcia Maria Barbosa de Oliveira

Resumo: Este estudo trata das relações existentes entre espiritualidade nas organizações e o comprometimento organizacional, além da compatibilidade do modelo de Rego, Cunha ; Souto (2005) para medir espiritualidade nas organizações com a percepção dos respondentes. Foram entrevistados 121 líderes, todos funcionários de agências do Banco do Brasil localizadas na cidade de Recife. Os resultados do estudo sugerem que existe relação entre espiritualidade e comprometimento organizacional, sendo essa associação mais percebida entre espiritualidade na organização e comprometimento afetivo. Ainda como resultado desta pesquisa surgiram novas características de espiritualidade que poderiam vir a complementar as dimensões da espiritualidade na organização definidas por Rego; Cunha; Souto (2005), tais como: prática da espiritualidade no local de trabalho, valorização do funcionário e diminuição da competição interna. É possível que as empresas que incluírem em seu programa de desenvolvimento do ser humano a espiritualidade estejam contribuindo não só para o comprometimento do seu funcionário, mas também para o engrandecimento deste, da organização, da comunidade e até mesmo do mundo. INTRODUÇÃO

A velocidade das mudanças provenientes da globalização permite um nivelamento tecnológico das empresas aumentando a competitividade entre elas. Para Milkovich e Boudreau (2000), entretanto, ainda que as instalações físicas, os equipamentos e os recursos financeiros sejam necessários para a organização, as pessoas são particularmente importantes, pois elas trazem consigo o brilho da criatividade. Conscientes das transformações que se aceleram em sua direção, as organizações criam programas para desenvolver seus funcionários de modo que eles possam enfrentar-las. Nesse processo, pode ser esquecida a transmissão de valores, de ética e de sentido para o trabalho, ou seja, ensinamentos que completam o ser humano.

Na busca desenfreada para tornar seus funcionários um diferencial competitivo, as organizações não percebem que essas transformações mundiais exigem que elas passem a ter uma visão holística dos indivíduos a qual procura levar em conta o corpo, a mente, a alma e o espírito; uma visão que, no pensamento de Wilber (2000), abarca a ciência, a arte e a moral.

Por considerarem o homem como um ser de necessidades materiais e também espirituais, Ashmos e Duchon (2000) entendem que a facilidade de se conseguir bens materiais e o declínio de instituições como família, igreja e clubes sociais está levando o homem cada vez mais a buscar um sentido para a realização do trabalho, bem como a fazer deste o único laço consistente com outras pessoas e a única via para satisfazer as necessidades humanas de conexão e distribuição.

A essa necessidade de se buscar um sentido para o trabalho, vários autores (ASHMOS; DUCHON, 2000; MILLIMAN; CZAPLEWSKI; FERGUSON, 2003; MATOS, 2001) chamam de despertar da espiritualidade nas organizações. O surgimento natural desse sentimento nas organizações serviu de impulso para o interesse sobre o assunto e o tema foi relacionado em vários livros e trabalhos com algumas variáveis tais como: estilos de liderança (HAWLEY, 1993); satisfação no trabalho, intenção de deixar a empresa; envolvimento com o trabalho (MILLIMAN; CZAPLEWSKI; FERGUSON, 2003); cidadania (MATOS, 2001) e comprometimento (REGO; CUNHA; SOUTO, 2005). Um dos mais expressivos trabalhos empíricos sobre espiritualidade nas

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organizações é o de Milliman; Czaplewski; Ferguson (2003). Os autores se basearam no trabalho desenvolvido por Ashmos e Duchon (2000) e testaram o grau em que três das dimensões da espiritualidade (trabalho com significado; sentido de comunidade; alinhamento do indivíduo com os valores da organização) explicam cinco atitudes no trabalho (comprometimento organizacional, intenção de abandono, satisfação intrínseca no trabalho; envolvimento na função; auto-estima de base organizacional).Esse estudo desperta para a importância de se considerar o tema como algo que está se tornando indispensável para o novo modelo de gerenciamento das organizações.

Os resultados apresentados no trabalho de Milliman; Czaplewski; Ferguson (2003) são ratificados pelo recente trabalho de Rego; Cunha; Souto (2005), que serve como base para o presente estudo. Os autores se utilizaram de achados da literatura, mais precisamente dos escritos de Ashmos e Duchon (2000) e de Milliman; Czaplewski; Ferguson (2003), no desenvolvimento de seu próprio instrumento para medir espiritualidade e relacionaram o tema com o comprometimento afetivo, normativo e instrumental nas organizações

Além de discutido no meio acadêmico, o tema espiritualidade está presente também dentro das organizações. Algumas empresas, como por exemplo, o Banco do Brasil têm se preocupado em discutir o tema espiritualidade com seus funcionários. Parece haver um entendimento de que é possível criar uma relação entre o homem como um ser total, nas suas dimensões material, intelectual, emocional e espiritual e a economia nos limites de uma organização (BANCO DO BRASIL, 2006).

Apesar de este assunto começar a fazer parte da pauta das organizações, na pesquisa literária realizada para o presente trabalho, poucos foram os estudos encontrados que relacionassem o tema espiritualidade ao comportamento do indivíduo dentro da organização, especialmente quando relacionado ao contexto brasileiro. Com o intuito de preencher parte da lacuna existente na literatura, este trabalho tem o objetivo de entender: a) Até que ponto existe relação entre a percepção da espiritualidade da organização, de acordo com o modelo de Rego; Cunha; Souto (2005), e o comprometimento organizacional de um grupo de líderes do Banco do Brasil na cidade de Recife; b) O que os respondentes percebem como mudanças alavancadoras da espiritualidade na sua organização e até que ponto essa percepção é compatível com o modelo de Rego; Cunha; Souto (2005).

Os resultados deste estudo podem contribuir para o entendimento de que a prática da espiritualidade no ambiente de trabalho pode trazer reais benefícios ou não para a organização e seus membros, evitando-se assim, o uso de modismos, muitas vezes baseados apenas em teorias. Podem também ser de grande importância para o Banco do Brasil se essa instituição se utilizar dos seus resultados para conhecer áreas do comportamento organizacional que demonstrarem ser influenciadas pelo sentimento de espiritualidade. Espiritualidade nas organizações

O interesse pela espiritualidade do homem precede os estudos da

espiritualidade nas organizações. Trata-se de um campo infinito porque, de uma forma ou de outra, todos os grandes filósofos discutiram questões ligadas ao espírito. Bombassaro; Paviani; Zugno (2003) referem-se a Sócrates como o autor de uma espécie de teoria da ação humana na qual é introduzida a noção do não-saber, processo através do qual se experimentam dúvidas, perguntas, questões e problemas e, jamais, respostas ou certezas sobre o espírito humano.

Ao trazer o tema espiritualidade para os dias de hoje, encontra-se o assunto sendo discutido em livros escritos por rabinos, filósofos, físicos, teólogos e administradores

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envolvidos e encantados com o crescimento das necessidades espirituais apresentadas pelo homem, seja nos momentos de família, de comunidade ou de trabalho.

Importante estudo desenvolvido pelo neuropsicólogo Emmos (2000) merece destaque no contexto das pesquisas sobre espiritualidade. Em sua análise o autor contesta o fato de Gardner (apud Emmos, 2000) não incluir a espiritualidade entre os tipos de inteligência, ao afirmar que a inteligência tem uma faceta espiritual que pode e obedece a todos os critérios indicados por este para que possa ser assumida no espectro das inteligências múltiplas.

É consenso entre muitos autores a existência dessa essência espiritual do homem (MODIN, 2005; VAILL, 1997; WILBER, 2000; BONDER, 2001; MATOS, 2001; BARROS, 2003), entretanto, os conceitos atribuídos ao tema por esses estudiosos são bastante subjetivos.

Essa variedade de conceitos levou o filósofo Barros (2003), a escrever um artigo que discorre sobre as dificuldades científicas do entendimento da espiritualidade. Para o autor, o exame profundo da espiritualidade foge do domínio da ciência e aos cientistas é permitida apenas a investigação de certos fenômenos a ela relacionados e conclui: “A espiritualidade, enquanto representativa da vivacidade do ser, de suas potencialidades de existência, representa, a dimensão de infinito que habita em cada homem” (BARROS, 2003, p. 5).

Apesar do pensamento de Barros (2003), muitos continuam a tentar entender e explicar o fenômeno da espiritualidade. O que é espiritualidade? É religião? Um jogo de opiniões? Um estado de consciência? A realização de um trabalho com alma? (BUTTS, 1999). Dar uma resposta a essa última pergunta é o desejo de muitos estudos que envolvem organizações (ARRUDA, 2005; FRESHMAN, 1999; KRIGER, 1999; BENEFIL, 2003). A velocidade das mudanças cria uma sensação de falta de continuidade de direção e de senso de progresso, de falta de realizações e coerência, enfim, um sentimento de falta de significado. Uma alternativa é ir além das soluções mundanas e é esse impulso que constitui a base do interesse contemporâneo pela espiritualidade na vida organizacional (VAILL, 1997).Se, como afirmam Zohar e Marshall (2002), a espiritualidade faz parte da inteligência do ser humano, seria natural que o interesse pelo tema enveredasse para a área organizacional.

A espiritualidade começou a fazer parte das organizações em meados dos anos 90, provavelmente devido a uma série de acontecimentos que passaram a fazer parte do dia-a-dia das empresas (ARRUDA, 2005). Entre os acontecimentos citados por esse autor, merecem destaque: o aumento de interesse pela ética e pelos valores humanos; o aumento da carga horária de trabalho, em função disso, os funcionários começam a trazer a vida pessoal para o trabalho; a maior necessidade de dar uma dimensão emocional e existencial ao trabalho criando um sentido para a vida;

A questão do sentido da vida aparece como tema principal de algumas palestras do Papa João Paulo II (IGREJA, 2006). Para ele, ética e sentido da vida estão intimamente ligados. A responsabilidade ao mesmo tempo pessoal – pela própria vida, e social – pela justiça, pela paz e pela ordem moral do próprio ambiente e da sociedade caracterizam o homem que tem consciência do sentido da vida. Nos últimos anos a espiritualidade vem se tornando objeto de estudo juntamente com outras variáveis que podem influenciar o comportamento do indivíduo nas organizações. Autores como Vaill (1997) e Senge (2002) referem-se à espiritualidade como parte do processo de aprendizagem necessário aos indivíduos dentro da organização. A espiritualidade também aparece relacionada com o trabalho nos estudos de Morris (1998). O autor percebe a crise existencial do ser humano nos dias de hoje, recorre a princípios da Filosofia e, baseado nos pensamentos de grandes nomes como Aristóteles e Platão, apresenta quatro necessidades

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espirituais universais: a singularidade como indivíduos; união com algo maior do que o eu; utilidade aos outros e compreensão da vida e do trabalho. Interessados na busca da felicidade e de sentido através do trabalho, muitos autores começaram a desenvolver pesquisas com o intuito de elaborar uma definição para o construto espiritualidade nas organizações. No primeiro estudo quantitativo com o objetivo de desenvolver instrumento para medir a espiritualidade nas organizações, Ashmos e Duchon (2000) cometam que, embora espiritualidade seja uma idéia relativamente nova no local de trabalho, não é nova na experiência humana. Esse pensamento foi completado por Rego; Cunha; Souto (2005, p.4-5) que utilizaram o instrumento desenvolvido por Ashmos e Duchon (2000) para medir a relação entre espiritualidade e comprometimento no trabalho e concluíram : “A espiritualidade nos locais de trabalho significa, pois, que os seres humanos são sensíveis a temas como: justiça, confiança, tratamento respeitador e digno, possibilidade de obterem no trabalho significado para a vida”.

O ensaio de Rego; Cunha; Souto (2005) deu origem a cinco dimensões da espiritualidade nas organizações que estão expostas no quadro 1.

DIMENSÕES ITENS RELACIONADOS

Sentido de comunidade na equipe

Espírito da equipe, zelo mútuo entre os seus membros, sentido de comunidade e propósito comum.

Alinhamento do indivíduo com os valores da organização

Compatibilidade de valores e da vida interior do individuo com os valores da organização. Abarca ainda um item respeitante ao sentimento de que os líderes procuram ser úteis à sociedade.

Préstimo à comunidade O trabalho realizado corresponde a importantes valores da vida do indivíduo e é útil à comunidade.

Alegria no trabalho O sentido de alegria e de prazer no trabalho.

Oportunidades para a vida interior

Modo como a organização respeita a espiritualidade e os valores espirituais do indivíduo.

Quadro 1 : Dimensões da espiritualidade nas organizações (REGO, CUNHA & SOUTO, 2005)

Comprometimento organizacional

Entre tantas atitudes do funcionário desejadas pela organização, a maior parte dos estudos do comportamento organizacional tem foco em três delas: satisfação com o trabalho, envolvimento com o trabalho e comprometimento organizacional (ROBBINS, 2002). Essas atitudes relacionadas com o trabalho revelam avaliações positivas ou negativas que os trabalhadores têm em relação a diversos aspectos de seu ambiente de trabalho. Este estudo se limita a abordar apenas o comprometimento organizacional.

Neste contexto de demandas por ajustes e mudanças, as organizações se vêem, entre tantos outros dilemas, frente à necessidade de manter uma força de trabalho comprometida com a sua missão e valores e, portanto, capaz de empreender esforços em prol de mudanças necessárias e, simultaneamente, tomar decisões que afetam os contratos psicológicos historicamente construídos entre as pessoas e a própria organização (ROCHA; BASTOS, 1999).

Os estudos sobre comprometimento organizacional trazem como marca importante a excessiva fragmentação e pulverização de medidas, tornando-se premente a necessidade de análise conceitual que permita estabelecer de forma mais consensual os limites

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do próprio conceito de comprometimento (BASTOS; BRANDÃO; PINHO,1997). O conceito de comprometimento assume importância ainda maior quando se

reveste de aspectos que atendem tanto aos interesses da organização – um indivíduo mais comprometido é mais produtivo – quanto aos interesses dos próprios indivíduos, já que a falta de comprometimento pode significar pouca perspectiva de transformar o trabalho em instrumento de auto-realização (ROCHA; BASTOS, 1999).

Para Allen e Meyer (1996), comprometimento organizacional pode ser definido como uma ligação psicológica entre o empregado e a sua organização que faz com que seja menos provável que o indivíduo saia voluntariamente da instituição.

Estudos específicos sobre dimensionalidade das medidas de comprometimento, associados àqueles que buscaram aprimorar os modelos explicativos de outros fenômenos organizacionais, fortalecem a tentativa de se decompor o conceito, passo inicial para a construção de distintas tipologias de comprometimento organizacional (BASTOS, BRANDÃO; PINHO, 1997). Trabalhos de pesquisa conceitual e de mensuração desenvolvidos por Allen e Meyer (1990); Meyer e Allen (1991 apud ALLEN; MEYER, 1996) resultaram em uma visão de três componentes do comprometimento. Para esses autores, de acordo com essa perspectiva a ligação psicológica entre empregados e sua organização pode se apresentar de três formas distintas: afetiva, continuada (instrumental) e normativa.

O comprometimento afetivo é definido por Allen e Meyer (1996) como aquele que se refere à identificação emocional para com a organização. Empregados com forte comprometimento afetivo permanecem na organização porque querem ficar. Para Siqueira (2001) o comprometimento afetivo se dá quando o indivíduo internaliza os valores da organização, identifica-se com suas metas ou envolve-se com os papéis de trabalho, desempenhando-os de forma a facilitar a consecução dos objetivos do sistema. O vínculo afetivo destaca a natureza emocional que pode unir indivíduo e organização, em função do atendimento de expectativas e necessidades pessoais. Expressa-se através de sentimentos de gostar, sentir-se leal, desejar se esforçar em prol da organização (ROCHA; BASTOS, 1999).

O comprometimento normativo é visto por Allen e Meyer (1996) como o comprometimento baseado no senso de obrigação para com a organização. Empregados com forte comprometimento normativo ficam na organização porque sentem o dever de ficar. Para Siqueira (2001), o vínculo normativo se constitui num conjunto de pensamentos de reconhecimento de obrigações e deveres morais para com a organização, os quais são também acompanhados ou revestidos de sentimentos de culpa, incômodo, apreensão e preocupação quando o empregado pensa ou planeja se retirar da organização.

Rego; Cunha ; Souto (2005) afirmam que é provável que as pessoas que sentem obrigações e deveres de lealdade para com a organização tendam a adotar comportamentos organizacionalmente positivos. Entretanto, esses sentimentos não despertam o mesmo entusiasmo e envolvimento que os produzidos pelo comprometimento afetivo.

Nas conclusões de Allen e Meyer (1996), o comprometimento continuado ou duradouro refere-se ao comprometimento baseado no reconhecimento do empregado dos custos associados com a sua saída da organização. Para os autores, empregados com forte comprometimento continuado permanecem nas suas organizações porque precisam ficar.

O comprometimento continuado é definido por Siqueira (2001) como a avaliação positiva dos resultados (posição alcançada na organização, acesso a certos privilégios ocupacionais, benefícios oferecidos pelo sistema a empregados antigos, planos específicos de aposentadoria) conseqüentes dos investimentos do empregado e pela possibilidade percebida de perder ou de não ter como repor essas vantagens caso se desligue da organização. Para a autora seu desenvolvimento, ou aparecimento, pode ser atribuído a um raciocínio econômico, podendo ser representado mentalmente por crenças, percepções ou

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avaliações a respeito de uma relação social de troca. Rego; Cunha; Souto (2005) sugerem que a criação de espaços espiritualmente

ricos nas organizações pode gerar comprometimento da força de trabalho. Para os autores, nessas organizações, os seus membros satisfazem as necessidades espirituais, experimentam um sentido de segurança psicológica e emocional, sentem-se valorizados como seres intelectuais e experimentam sentidos de propósito, de autodeterminação, de alegria e de pertença. Em contrapartida à recepção desses recursos espirituais e motivacionais, desenvolvem maior ligação afetiva e sentem o dever de responder reciprocamente, de serem mais leais, mais dedicados, mais produtivos. METODOLOGIA População e Amostra

A população da pesquisa é de 196 líderes de agências do Banco do Brasil localizadas na cidade de Recife.Os participantes da pesquisa final totalizaram 121 indivíduos com idade média de 38,7 anos, sendo 63 funcionários do sexo masculino e 58 do sexo feminino e que têm como média de tempo de trabalho no Banco do Brasil 14,7 anos. Instrumento de Coleta de Dados A coleta de dados foi realizada através do instrumento para medir espiritualidade nas organizações desenvolvido por Rego, Cunha ; Souto (2005) e do instrumento para medir comprometimento organizacional originalmente aplicada por Meyer; Allen; Smith (1991 apud ROCHA; BASTOS, 1999), com modificação do instrumento original proposto por Meyer e Allen (1993 apud ROCHA; BASTOS, 1999) e previamente validado para o contexto brasileiro por Medeiros (1997 apud ROCHA; BASTOS, 1999), além de perguntas abertas elaboradas pela pesquisadora. Análise dos dados Para proceder as análises sobre as relações entre as variáveis do estudo dos dados foram realizadas as médias, desvio-padrão e regressão com utilização do software Statistical Package for Social Science (SPSS), em sua versão 6.0 para Windows. Os dados das questões abertas foram submetidos a uma análise de conteúdo. RESULTADOS E DISCUSSÃO Médias, desvios-padrão e coeficientes de correlação – dimensões da espiritualidade nas organizações, dimensões do comprometimento organizacional, idade e tempo na organização.

A tabela 1 expõe as médias e os desvios-padrão das dimensões da

espiritualidade na organização e das dimensões do comprometimento organizacional, como também as correlações entre essas variáveis. Para efeito de resultados, será considerado que uma média acima de 3,0 (três), o escore da escala foi de 1 a 5, representa uma resposta positiva para a percepção das variáveis espiritualidade nas organizações e comprometimento

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organizacional e suas respectivas dimensões.Analisando os resultados das médias das dimensões da espiritualidade na organização, pode-se perceber que os indivíduos consideram o Banco, o seu trabalho e a sua equipe como moderadamente espiritualizada.

A dimensão alegria no trabalho é considerada por eles como a mais vivenciada dentro da sua organização. As dimensões sentidos de comunidade, alinhamento com os valores da organização e sentido de préstimo à comunidade mantêm praticamente a média aproximada do escore 3 e contribuíram para o resultado que considerou o trabalho, a organização e a equipe como moderadamente espiritualizada. A dimensão oportunidades para a vida interior apresentou a menor média (2,7) o que sugere ser, entre as dimensões da espiritualidade aqui estudadas, a menos percebida pelos indivíduos na organização.

Com relação às dimensões do comprometimento organizacional, os indivíduos pesquisados apresentam relativo comprometimento afetivo (3,1) e normativo (3,0) com o Banco mantendo-se na média do escore apresentado no instrumento. O comprometimento instrumental aparece com um resultado abaixo da média (2,4), sugerindo que, em média, os indivíduos não estão na organização apenas por causa dos salários. Esses resultados são compatíveis com os apresentados por Rego; Cunha; Souto (2005). Os autores afirmam que o comprometimento afetivo e normativo elevado resulta geralmente em um comprometimento instrumental baixo.

A idade dos indivíduos e seu tempo na organização não estão relacionados significativamente com nenhuma das dimensões da espiritualidade aqui estudadas, assim como também não estão relacionados com as dimensões do comprometimento organizacional sugeridas neste trabalho. Apesar dos resultados citados anteriormente, todas as dimensões da espiritualidade se correlacionam significativamente entre si, como visto na tabela 1. As dimensões da espiritualidade se correlacionam significativamente com o comprometimento afetivo, mas não apresentam correlação significativa com o comprometimento normativo nem com o instrumental, à exceção da correlação entre o comprometimento normativo e o sentido de préstimo à comunidade. Os resultados mostram também uma correlação significativa entre o comprometimento normativo e afetivo e entre o comprometimento instrumental e normativo.

A análise da correlação entre as variáveis deste estudo permite compartilhar do pensamento de Rego; Cunha; Souto (2005) que discutem a importância de satisfazer as necessidades espirituais dos funcionários e valorizá-los como seres intelectual, emocional e espiritualmente válidos para que em contrapartida desenvolvam maior ligação afetiva com a organização e sejam mais leais e mais produtivos. TABELA 1: Médias, desvios - padrão e coeficientes de correlação das dimensões da espiritualidade e

do comprometimento organizacional MÉDIA DESVIO 1 2 3 4 5 6 7 8 9

1. Sentido de comunidade 3,3 0,7 - 2. Alinhamento 3,3 0,7 0,438** - 3. Sentido de préstimo 3,4 0,6 0,413** 0,578** - 4. Alegria no trabalho 3,9 0,7 0,251** 0,495** 0,322** - 5. Oport. P/ vida interior 2,7 0,7 -0,350** -0,414** -0,308** -0,250** - 6. Comp. Afetivo 3,1 0,4 0,054 0,365*** 0,252** 0,328** 0,033 - 7. Comp.Normativo 3,0 0,7 -0,183* 0,025 0,014 -0,172 0,023 0,211* - 8. Comp.Instrumental 2,4 0,5 -0,147 -0,015 0,033 0,003 0,042 0,028 0,192* - 9. Idade 38,6 6,7 -0,11 0,046 0,088 0,051 0,127 0,116 0,108 0,027 - 10. T. na organização 14,7 6,4 -0,114 0,03 0,083 0,003 0,06 0,116 0,136 0,031 0,851****p<0,05 **p<0,01 ***p<0,001

FONTE: Dados da pesquisa, 2006

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Regressão linear

A tabela 2 apresenta os resultados das regressões dos dados dessa pesquisa e mostram o grau em que as dimensões da espiritualidade explicam os tipos de comprometimento organizacional aqui estudados. Os resultados dos cálculos anteriores de correlação mostraram que a idade e o tempo na organização não se correlacionam significativamente com o comprometimento organizacional, sendo assim, foram inseridas em uma primeira etapa dos cálculos das regressões. Em seguida, foram adicionadas as dimensões da espiritualidade, para se identificar a variância por elas explicada.

TABELA 2: Regressão: como as dimensões da espiritualidade explicam o comprometimento

COMPROMETIMENTO AFETIVO

COMPROMETIMENTO NORMATIVO

COMPROMETIMENTO INSTRUMENTAL

1ª ETAPA

Idade 0,004 -0,003 0,000

Antiguidade 0,004 0,017 0,002 F 0,873 1,115 0,056 R² ajustado 0,2% 0,2% -1,6% 2ª Sentido de

comunidade -0,069 -0,239* -0,156

ETAPA Alinhamento 0,233** 0,206 0,003 Sentido de

préstimo 0,067 0,062 0,096

Alegria no trabalho

0,138* -0,235* 0,015

Oportunidade p/ a vida interior

0,149* -0,024 0,014

F 4,748*** 1,827 0,544 R² ajustado 17,9% 4,6% -2,7% Incremento da

variância explicada devido às variáveis de espiritualidade

18,1% 4,4% 1,1%

*p<0,05 **p<0,01 ***p<0,001 FONTE: Dados da pesquisa, 2006

Pelos resultados apresentados na tabela 2 pode perceber que a idade e o tempo

na organização não explicam de modo significativo as dimensões do comprometimento organizacional. Entretanto, as dimensões da espiritualidade explicam mais 1,1% do comprometimento instrumental, 4,4% do comprometimento normativo e 18,1% do comprometimento afetivo, do que a explicação da idade e do tempo na organização. Média, desvio-padrão e coeficientes de correlação – nota atribuída e dimensões da espiritualidade na organização.

A tabela 4 apresenta as médias e os desvios-padrão das dimensões da

espiritualidade na organização e da nota atribuída ( nota dada a organização no quesito espiritualidade), como também as correlações entre essas variáveis. Foram sugeridas notas de 0 a 10 e a média encontrada foi de 6,7 caracterizando uma percepção moderada da espiritualidade na organização. Esse resultado é compatível com a impressão demonstrada pelos respondentes nas questões quantitativas deste estudo nas quais consideraram à sua organização, em média, como espiritualizada.

A variável nota atribuída não se correlaciona significativamente com as dimensões da espiritualidade sentido de comunidade, alinhamento com os valores da organização e alegria no trabalho, mas aparece relacionada com sentido de préstimo à

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comunidade. TABELA 4: Médias, desvios e coeficientes de correlação da variável nota atribuída e das dimensões da espiritualidade nas organizações Média Desvio 1 2 3 4 5 6 7 8

1. Nota atribuída 6,7 1,4 -

2. Sentido de comunidade 3,3 0,7 0,052 -

3. Alinhamento 3,3 0,7 0,158 0,438** -

4. Sentido de préstimo 3,4 0,6 0,265** 0,413** 0,578** -

5. Alegria no trabalho 3,9 0,7 0,152 0,251** 0,495** 0,322** -

6. Oport. p/ vida interior 2,7 0,7 -0,198* -0,350** -0,414** -0,308** -0,250** -

7. Idade 38,6 6,7 0,017 -0,114 0,046 0,088 0,051 0,127 -

8. Antiguidade 14,7 6,4 -0,111 -0,114 0,030 0,083 0,003 0,060 0,851** -

*p<0,05 **p<0,01 ***p<0,001 FONTE: Dados da pesquisa, 2006

Exatidão das predições do instrumento de espiritualidade

Para medir a percepção da espiritualidade nas organizações, o presente estudo

utilizou o instrumento desenvolvido por Rego; Cunha; Souto (2005). Entretanto, por ser um instrumento desenvolvido em Portugal, país que apresenta cultura diferente do Brasil, levantou-se a dúvida da compatibilidade entre as dimensões da espiritualidade na organização proposta pelos autores citados e a percepção dos respondentes a respeito desse tema.

Com o intuito de testar essa compatibilidade, foram realizados cruzamentos dos dados obtidos nas respostas quantitativas e nas respostas qualitativas.

O instrumento fez uma média de 64,4% de predições corretas. O resultado desse cruzamento nos mostra que a percepção de espiritualidade na organização declarada pelos respondentes apresenta diferenças do esperado pelo instrumento.

Como pode ser visto na tabela 5, dos 95 respondentes que percebem sua organização como espiritualizada nas respostas do instrumento, 64 confirmaram seus pensamentos nos valores declarados, totalizando um percentual de acerto do instrumento de 67,3%, restando ainda um erro do instrumento de 32,7%. Quanto à percepção de que a organização não é espiritualizada, o percentual de acertos apresenta-se um pouco menor com um total de 61,5% elevando o percentual de erro para 38,5%.

TABELA 5: Exatidão do instrumento para predizer a percepção da espiritualidade na organização

DECLARADO Não -Espiritualizada

Espiritualizada Total Percentual de acertos

Não espiritualizada 16 10 26 61,5% Espiritualizada

31 64 95 67,3% ESPERADO

Total

47 74 121 64,4% méd.

X2 = 7,181 P< 0,01

FONTE: Dados da pesquisa, 2006 Análise de conteúdo

A análise de conteúdo permitiu relacionar cinco categorias. O quadro 3 faz um

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resumo dessas categorias e dos pensamentos dos respondentes correspondentes a elas.

CATEGORIAS SUB-CATEGORIAS

CONTEÚDOS

Difusão dos conceitos

Comunicar o conceito de espiritualidade a todos os setores da empresa. Promover palestras e cursos.

A PRÁTICA DA

ESPIRITUALIDADE Prática dos conceitos Incentivar ações como meditação.

Aumentar o significado do trabalho. Colocar na prática os programas de qualidade de vida já existentes. Promover os valores universais.

Respeitar o funcionário como pessoa.

Oferecer tratamento digno. Respeitar as necessidades emocionais. Promover ações de reconhecimento. Investir em motivação.

B VALORIZAÇÃO DO

FUNCIONÁRIO Evitar a valorização excessiva das metas

Valorizar o funcionário pelos seus valores morais e não pelas metas alcançadas. Diminuir a pressão para o alcance de metas

Evitar competições entre os colegas

Valorizar os aspectos da espiritualidade e não da competição. Desestimular a cultura de competição interna.

Promover atividades que gerem maior amizade

Considerar o colega como irmão e amigo. Programar encontros fora do expediente para estimular o companheirismo. Promover a interação.

C DIMINUIÇÃO DA

COMPETIÇÃO INTERNA

Promover o respeito entre os colegas

Estimular o respeito entre os colegas. Mostrar a importância da consideração ao colega. Treinar para evitar preconceitos e desrespeitos ao colega.

Estresse e cansaço Rever a carga de trabalho que causa estresse e cansaço. Diminuir a carga de trabalho exaustiva

D DIMINUIÇÃO DA

CARGA DE TRABALHO

Tempo para ações comunitárias e da prática da espiritualidade.

Disponibilizar tempo para ações comunitárias. Diminuir a carga de trabalho de modo a permitir o relaxamento e a meditação.

E RESPOSTAS EM

BRANCO

-

-

QUADRO 10: Mapa das categorias básicas do que deveria acontecer na organização para que ela

fosse considerada espiritualizada FONTE: Dados da pesquisa, 2006

Considerando os conteúdos relacionados à categoria prática da espiritualidade

percebe-se que prevalecem os pensamentos da importância do ensinamento do conceito de espiritualidade e de sua prática dentro da organização. Essas ações podem gerar maior significado no trabalho e melhor qualidade de vida de acordo com as declarações de alguns respondentes, como por exemplo: “Apoiar e divulgar temas ligados à espiritualidade pode dar um maior sentido à vida e ao trabalho do ser humano”;

Entre as solicitações para maior divulgação da espiritualidade, é interessante a citação de um respondente que considera já existir espiritualidade na organização e que é necessário apenas: “[...] aplicar a filosofia da empresa que é belíssima”.

Essas considerações podem vir a complementar o entendimento da dimensão de Rego; Cunha; Souto (2005) nos propósitos referentes à dimensão da espiritualidade nas organizações - oportunidades para a vida interior, que engloba itens a respeito da atenção que a organização dispensa à espiritualidade do indivíduo.

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O conteúdo relacionado à valorização do funcionário inclui referências ao respeito pelo indivíduo. Prevalecem aqui os depoimentos que se referem ao tratamento digno, respeito às necessidades emocionais e ao reconhecimento, como por exemplo: “É preciso que o Banco nos reconheça pelas nossas ações totais e não só pelo dinheiro que trazemos para ele”;

Nesta categoria sobressaem também pensamentos contra a valorização excessiva das metas estabelecidas pelo banco: “[...] verificar o funcionário não só pelas metas alcançadas, mas pela conduta e pelos valores morais”;

Se considerarmos que a dimensão da espiritualidade sentido de comunidade na equipe proposta por Rego; Cunha; Souto (2005) engloba itens como zelo mútuo entre seus membros e entendermos essas citações como uma necessidade dos respondentes de serem cuidados, pode-se considerar esses pensamentos como parte da dimensão citada.

Nas considerações a respeito da diminuição da competição interna, surgem solicitações para promover a amizade e o respeito entre os colegas através de encontros fora do expediente do trabalho e de treinamentos para evitar preconceitos entre eles.

Referências à não valorização da competição interna são realizadas pelos respondentes como, por exemplo: “Treinar melhor as pessoas para evitar preconceitos e atitudes desrespeitosas, além de desestimular a competição interna”;

Esses pensamentos cabem perfeitamente na dimensão da espiritualidade nas organizações proposta por Rego; Cunha; Souto (2005) - sentido de comunidade na equipe, que se refere a espírito de equipe e zelo mútuo entre seus membros.

No que se refere à categoria diminuição da carga horária, os respondentes pensam que uma empresa para ser espiritualizada tem que apresentar carga horária justa. Eles citam o estresse e o cansaço como conseqüência da carga de trabalho atual: “Diminuição da carga excessiva de trabalho, o funcionário vive cansado e estressado por causa dela”;

No seu entendimento, a espiritualidade na organização também passa pela permissão de tempo livre para que possam dedicar-se à espiritualidade e a ações comunitárias: “Diminuir a carga de trabalho pode oferecer tempo livre para ações na comunidade, o que poderá dar maior sentido ao trabalho”;

Esses depoimentos ratificam as idéias de Morris (1998) de que a utilidade aos outros é uma necessidade espiritual universal. Na pesquisa de Rego; Cunha; Souto (2005), carga horária justa não aparece como item da espiritualidade nas organizações, entretanto, ser útil à comunidade está englobada na dimensão sentido de préstimo à comunidade.

A quinta categoria se refere ao grupo de pessoas que deixaram a questão em branco e que representam 12% da amostra pesquisada.

É interessante fazer uma ligação entre essas categorias e os interesses atuais do Banco do Brasil. O Banco vive um processo de transição no qual deixa para trás a imagem de uma instituição pública ineficiente. Sua nova missão fala em soluções financeiras, satisfação dos clientes e acionistas e fortalecimento do compromisso entre funcionários e o Banco.

A título ilustrativo, na figura 6 está exposto o resultado, em percentual, da participação de cada categoria no pensamento dos respondentes. As referências à prática da espiritualidade e à valorização do funcionário aparecem com a mesma freqüência e foram citadas por 26% dos respondentes cada uma totalizando 52% das respostas. Em seguida, aparecem as citações feitas por 22% dos indivíduos sobre diminuição da competição interna. A diminuição da carga horária foi lembrada por 14% e as respostas em branco representaram 12%.

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FIGURA 6: Percentual de respostas que se enquadram em cada categoria básica FONTE: Dados da pesquisa, 2006

CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando o tema espiritualidade nas organizações foi escolhido como parte

desse trabalho, acreditou-se ingenuamente que era ainda um assunto pouco discutido. As pesquisas realizadas, entretanto, levaram a dezenas de estudo em sua grande maioria norte-americanos. Essas mesmas pesquisas mostraram também que o Brasil ainda encontra-se a margem do crescimento desse fenômeno nas organizações, visto que, falar em espiritualidade é tocar em um assunto pouco claro para as pessoas. Nota-se que o tema esbarra na tradicional.

Os resultados desses dados mostraram que, em média, os indivíduos consideram o banco como espiritualizado e que o tempo na organização e a idade não se relacionam com as variáveis aqui estudadas. Ainda através dessa análise, é possível perceber a existência da correlação entre espiritualidade e comprometimento organizacional. Sendo maior a correlação entre espiritualidade na organização e comprometimento afetivo, e menor a correlação entre espiritualidade na organização e comprometimento instrumental. Esse resultado sugere que as pessoas que percebem a empresa como espiritualizada desenvolvem um comprometimento com a mesma porque realmente gostam da organização.

As categorias definidas na análise de conteúdo possuem linguagem diferente da proposta por Rego; Cunha; Souto (2005) para as dimensões da espiritualidade, mas como visto nos resultados da análise de conteúdo, demonstram algum tipo de semelhança nos significados das dimensões propostos por eles.Sendo assim, entende-se que a visão dos respondentes pode ser compatível com a do modelo de espiritualidade nas organizações, citado anteriormente.

Comprometer os funcionários através da prática da espiritualidade na organização pode passar por um âmbito cheio de obstáculos, que abrange mudanças de um padrão calcado no materialismo exagerado e no lucro, muitas vezes inconseqüente, para uma proposta de integralidade, onde o ser humano, a empresa e o meio ambiente parecem um único ser. Essa não parece ser uma tarefa fácil, mas deve merecer um esforço dos dirigentes, pois, toda a teoria aqui estudada leva a crer que as organizações que não tratarem todos os envolvidos nos seus processos com a devida consideração, dificilmente conseguirão dos seus funcionários o comprometimento e o respeito de que necessitam para se manterem vivas no mercado.

A espiritualidade é, hoje, considerado um assunto bastante atual e sua migração natural para o local de trabalho significa que os indivíduos interessam-se pelo tema e que algumas organizações já começam a considerar a idéia de que não é mais possível tratar o homem apenas como um ser material, intelectual ou emocional.

26%

26%22%

14%

12%Prática da espiritualidadeValorização do funcionário

Diminuição da competição internaDiminuição da carga horária

Respostas em branco

26

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A questão apresentada neste estudo nem de longe chegou ao fim, mas um início da consideração do homem como um ser espiritual já parece existir. Por sua importância o debate merece ser acompanhado. Para um tempo desumanizado como o de hoje, a espiritualidade tem elevado coeficiente de desejabilidade, mesmo que sua prática ainda dependa de esforços estratégicos para ser estudada e implementada nas organizações.

LIMITAÇÕES E SUGESTÕES PARA FUTUROS TRABALHOS

Algumas limitações foram sentidas durante a realização dessa pesquisa, entre elas: O fato de a espiritualidade nas organizações ainda ser um tema pouco claro. A subjetividade do conceito cria uma dificuldade de se pesquisar cientificamente o assunto; A existência de escassa de literatura empírica sobre o assunto, especialmente quando se refere ao contexto brasileiro, no sentido de poder criar uma teoria consistente para embasar o tema. Esse fato obrigou a pesquisadora a fazer uso de trabalhos elaborados por doutores, mas que diziam respeito apenas à visão dos próprios autores sobre o que vem a ser espiritualidade e espiritualidade nas organizações; O fato de a pesquisa se constituir em um estudo de caso, o que a impede de generalizar a percepção da espiritualidade na organização para a cultura brasileira.

Considerando-se as limitações expostas anteriormente, ficam algumas sugestões que podem ser apuradas por futuros estudos, de modo que possam melhor esclarecer o tema espiritualidade nas organizações, dentre elas: Como as pessoas vêem a espiritualidade dentro das organizações e se elas consideram-se pessoas espiritualizadas em relação às suas atitudes para com os colegas e para com a organização; A relação entre espiritualidade e religião de modo que possa descobrir-se em que momento uma é responsável pelo surgimento da outra dentro da organização e em que ponto elas se confundem; Como o sentimento é muito subjetivo, sugerem-se aqui, trabalhos futuros no sentido de unificar o conceito de espiritualidade nas organizações, além, da realização de trabalhos que discutam a correlação com temas mais atuais como cidadania organizacional, comportamentos inovadores e qualidade de vida; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALLEN, N. J.; MEYER, J. P. Affective, continuance, and normative commitment to the organization: an examination of construct validity. J. vocat. behav., Orlando, v. 49, p. 252-276, 1996. ARRUDA, Vitório César Mura. A inteligência espiritual: espiritualidade nas organizações. São Paulo: Ibrasa, 2005. ASHMOS, Donde P.; DUCHON, Dennis. Spirituality at work: a conceptuality and measure. Journal of Management Inquiry, Califórnia, v. 9, n. 2, p. 134 -145, jun. 2000. BANCO DO BRASIL. Princípios filosóficos do Banco do Brasil. Disponível em: <http:// www.bb.com.br/appbb/portal/bb/uni/edu/index.jsp>. Acesso em: 22 fev. 2006. BARROS, Luis Ferri. As dificuldades científicas do entendimento da espiritualidade. Revista International d’Humanitats, Barcelona, v. 6, n. 4. 2003. Disponível em: <http:// www.hottopos.com/rih6/ferri.htm>. Acesso em: 10 out. 2005. BASTOS, A. V. B.; BRANDÃO M. G. A.; PINHO, A. P. M. Comprometimento organizacional: uma análise do conceito expresso por servidores universitários no cotidiano de trabalho. Rev. adm. contemp., Curitiba, v. 2, n. 1, p. 97-120, maio/ago. 1997. BENEFIEL, Margaret. Mapping the terrain of spirituality in organizations research. J. organ. change manag., Bradford, v. 16, n. 4, p. 367-377, 2003.

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