Estrutura comunicativa de petições jurídicas: um estudo dos ...

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Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Difusão da língua portuguesa, n o 39, p. 253-271, 2009 253 ESTRUTURA COMUNICATIVA DE PETIÇÕES JURÍDICAS: UM ESTUDO DOS MOVIMENTOS RETÓRICOS DO GÊNERO A PARTIR DA ANÁLISE DO DISCURSO Heliud Luis Maia Moura RESUMO Este trabalho objetiva apresentar um mapeamento dos movimentos retóricos presentes nos gêneros: Ação de Investigação de Paternidade Cumulada com Alimen- tos e Ação de Alimentos, com base nas teorias de Swa- les (1993), Bhatia (1994), Fairclough (2001) e Bittar (2001). PALAVRAS-CHAVE: Análise do Discurso; análise de Gênero; movimentos retóricos. E ste trabalho tem por objetivo apresentar um estudo sobre o processo argumentativo de Petições Jurídicas, tendo como núcleo principal de análise os Movimentos Retóricos e sua estrutura léxico-gramatical, os quais compõem estes gêneros: Ação de Investigação de Paternidade Cumula- da com Alimentos, Ação de Alimentos. O corpus analisado é constituído de quarenta petições iniciais da Vara de Família e envolve questões relacionadas aos direitos do menor. Tendo por fundamento as Teorias de Gênero e as da Análise do Dis- curso, preconizadas por Swales (1993), Bhatia (1994), Fairclough (2001) e a Teoria Funcional de Halliday (1985), assim como alguns pressupostos da área jurídica, relativos ao Direito de Família, embasados na teoria de estudiosos, tal como Bittar (2001), as análises realizadas referendam o fato de que as pe- tições estudadas não são tipos de textos escritos, mas constituem “uma classe de eventos comunicativos” (Swales, 1993, p. 58), com uma estrutura léxico- gramatical e discursiva específica, possuindo um propósito comunicativo pró- prio, o que as distingue de outras formas de prática social.

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ESTRUTURA COMUNICATIVA DE PETIÇÕES JURÍDICAS: UM ESTUDO DOS MOVIMENTOS

RETÓRICOS DO GÊNERO A PARTIR DA ANÁLISE DO DISCURSO

Heliud Luis Maia Moura

RESUMO

Este trabalho objetiva apresentar um mapeamento dos movimentos retóricos presentes nos gêneros: Ação de Investigação de Paternidade Cumulada com Alimen-tos e Ação de Alimentos, com base nas teorias de Swa-les (1993), Bhatia (1994), Fairclough (2001) e Bittar (2001).

PALAVRAS-CHAVE: Análise do Discurso; análise de Gênero; movimentos retóricos.

E ste trabalho tem por objetivo apresentar um estudo sobre o processo argumentativo de Petições Jurídicas, tendo como núcleo principal de análise os Movimentos Retóricos e sua estrutura léxico-gramatical, os

quais compõem estes gêneros: Ação de Investigação de Paternidade Cumula-da com Alimentos, Ação de Alimentos. O corpus analisado é constituído de quarenta petições iniciais da Vara de Família e envolve questões relacionadas aos direitos do menor.

Tendo por fundamento as Teorias de Gênero e as da Análise do Dis-curso, preconizadas por Swales (1993), Bhatia (1994), Fairclough (2001) e a Teoria Funcional de Halliday (1985), assim como alguns pressupostos da área jurídica, relativos ao Direito de Família, embasados na teoria de estudiosos, tal como Bittar (2001), as análises realizadas referendam o fato de que as pe-tições estudadas não são tipos de textos escritos, mas constituem “uma classe de eventos comunicativos” (Swales, 1993, p. 58), com uma estrutura léxico-gramatical e discursiva específica, possuindo um propósito comunicativo pró-prio, o que as distingue de outras formas de prática social.

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De acordo com as formulações de Fairclough (2001), a concepção de discurso extrapola a mera representação abstrata de pensamentos e ideias, mas encara o discurso como uma prática social, como um modo pelo qual as pes-soas e entidades constroem a sociedade ou se relacionam nela. Nessa medida, o conceito de Fairclough constitui uma reversão no que diz respeito aos con-ceitos tradicionais de discurso. Assim, para que a ideia de discurso seja mais profundamente compreendida, Fairclough não descarta a análise linguístico-textual através do que podemos entender um dado discurso como prática. Nesse sentido, afirma:

Minha tentativa de reunir a análise linguística e a teoria social está centrada numa combinação desse sentido mais societário de ‘discurso’ com sentido de ‘texto e interação’ na análise de discurso orientada lingüisticamente. Esse conceito de discurso e análise de discurso é tridimensional. Qualquer ‘evento’ discur-sivo (isto é, qualquer exemplo de discurso) é considerado como simultaneamente um texto, um exemplo de prática discursiva e um exemplo de prática social. A dimensão do ‘texto’ cuida da análise linguística de textos. A dimensão da ‘prática discursiva’, como ‘interação’, na concepção ‘texto e interação’ de discurso, especifica a natureza dos processos de produção e interpretação textual ( FAIRCLOUGH, 2001, p. 22)1.

A partir dessas formulações, pode-se ter em vista a característica emi-nentemente linguístico-sociológica perpetrada por Fairclough em relação à natureza dos discursos, cuja interpretação tem como base as diferentes mani-festações textuais e o modo como essas servem de instrumento para constru-ção de diferentes discursos. Assim, determinados discursos, como o jurídico, utilizam-se de certas construções linguísticas e textuais com a finalidade de expressar um conglomerado de conceitos-chave, sem os quais esses discursos não se sustentariam ou não existiriam enquanto tal.

1 FAIRCLOUGH, Norman. Análise crítica do discurso e a mercantilização do discurso públi-co: as universidades. Tradução de Célia Maria Magalhães. In: MAGALHÃES, Célia. Reflexões sobre a análise crítica do discurso. Belo Horizonte: Faculdade de Letras – UFMG, 2001. p. 22.

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Daí que, no discurso jurídico, a presença de determinadas expressões formu-laicas constitui o elemento central por meio do qual esse discurso consegue se sustentar, ou melhor, construir-se. A “fuga” a essas construções, ditadas no próprio seio desse discurso, implicaria uma desconstrução deste, um esvazia-mento e uma quebra das convenções que são esperadas daqueles que coparti-cipam desse tipo de manifestação discursiva ou interagem por meio dela.

Diante do que nos propõe Fairclough (2001), o interesse na interpreta-ção dos discursos leva-nos a entender a dinâmica e a transformação destes, já que constituem, segundo ele, o próprio social. Dada essa natureza, Fairclough conceitua discurso:

ao usar o termo ‘discurso’, proponho considerar o uso de lin-guagem como forma de prática social e não como atividade pu-ramente individual ou reflexo de variáveis situacionais. Isso tem várias implicações. Primeiro, implica ser o discurso um modo de ação, uma forma em que as pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente sobre os outros, como também um modo de representação [...]. Segundo, implica uma relação dialética entre o discurso e a estrutura social, existindo mais geralmente tal re-lação entre a prática social e a estrutura social: a última é tanto uma condição como um efeito da primeira. Por outro lado, o discurso é moldado e restringido pela estrutura social no sentido mais amplo e em todos os níveis: pela classe e por outras rela-ções sociais em um nível societário, pelas relações específicas em instituições particulares [...].O discurso é uma prática, não ape-nas de representação do mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado2.

Tomando como pressuposto as ideias veiculadas por esse conceito, po-demos pensar em discurso não como um elemento acabado, não como um produto, mas como o uso da linguagem, como uma prática corrente e quo-tidiana, que, de acordo com Fairclough (2001), é constituída por relações de poder e investida de ideologias. Assim, a ideia de discurso como prática social

2 FAIRCLOUGH, op. cit., p. 90-91.

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incorpora em seu bojo uma infinidade de conceitos, valores e crenças, os quais têm servido aos interesses das classes hegemônicas. Sem nos determos muito na análise crítica do discurso, amplamente discutida por Fairclough em seus trabalhos, consideramos a importância das formulações desse teó-rico, as quais têm se prestado a uma análise de gêneros e de discursos que ultrapassa os limites de fatores meramente situacionais e micro-gramaticais, e se voltam para interpretação de fatores discursivos mais amplos, em cuja base então elementos gramaticais e textuais, sem o que não se poderia implemen-tar uma discussão mais aprofundada e segura acerca das várias manifestações de uso da linguagem.

O discurso jurídico

Segundo Bittar (2001), a textualidade jurídica constitui uma manifestação semiótica. Para o autor, isso é dito no sentido de esclarecer que podemos falar em linguagem jurídica de modo especial. Isso não implica pensar que essa lin-guagem se separe dos processos comuns de produção de significado. Para que possa se manifestar, essa linguagem vale-se dos elementos de uma linguagem verbal, assim como dos elementos de linguagens não-verbais. Nesse âmbito, a linguagem verbal apresenta, sempre, de acordo com Bittar (2001), “a maior base de manifestação jurídica, sobretudo grafando-se por meio da escrita”3.

Bittar chama a atenção para o fato de que o campo das práticas jurídico-textuais constitui um universo de discurso que se apresenta como autônomo, sendo capaz de construir suas injunções específicas e de influenciar os demais universos de discurso que o circundam. Assim, enquanto prática de lingua-gem, o discurso jurídico exerce uma função essencialmente reguladora sobre esses outros discursos, ao mesmo tempo em que se deixa nortear por uma multiplicidade de práticas sociais.

Na base dessas concepções, Bittar se manifesta mais explicitamente ao afirmar:

se as práticas jurídico-textuais se lastreiam em estruturas de lin-guagem, é certo que possuem como sustentação um sistema se-

3 BITTAR, Eduardo. Linguagem jurídica. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 167.

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miótico. A juridicidade4, então, pode-se dizer, passa a constituir um metassistema, ou seja, um sistema assentado sobre os pilares de um (ou de vários) outro(s) sistema(s). O que há é que o conjunto das práticas jurídico-textuais se vale de um sistema de manifestação preexistente socialmente, engajado socialmente, produto de uma história cultural, de ambiguidades semióticas, de fluxos e re-fluxos de toda espécie. Desse modo, o compro-metimento do sistema jurídico com outras instâncias e sistemas parece evidente5.

De acordo com a citação de Bittar, o discurso jurídico pode ser com-

preendido como um sistema de práticas diretamente imbricado na prática social, ou seja, nos outros discursos que permeiam essa prática, nutrindo-se das estruturas sociais preexistentes para se estabelecer, para se constituir, sem perder, no entanto, suas características centrais, seu próprio feitio, frutos do processo histórico a que foi submetido, mas em cuja base está também a so-ciedade. Por outro ângulo, só é possível conceber as várias facetas do discurso jurídico e suas implicações se observarmos todo um conjunto de crenças, valo-res, comportamentos, posicionamentos e manifestações ocorrentes no seio da sociedade. Em outras palavras, segundo as formulações de Fairclough (2001), se observarmos as formações ideológicas e as relações de poder intrínsecas e manifestas nas várias sociedades.

Assim, dada a importância da concepção de discurso jurídico para este trabalho, apresento a seguinte formulação de Bittar:

O discurso jurídico não é um discurso descontextualizado, mas sim um discurso que se produz no seio da vida social. [...] O aspecto macrossemiótico de que se reveste a problemática per-mite a inserção da discursividade jurídica em meio a um con-junto de sistemas em verdadeira dinâmica de fluxos e refluxos

4 Juridicidade. DE PLÁCIDO E SILVA, citando Picard, sugere o “uso da palavra para de-signação do Direito, em seu estado de complexo orgânico, visto e encarado em seu todo ou como Direito total”. (Cf. DE PLÁCIDO E SILVA, Oscar Joseph. Vocabulário jurídico. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 801).

5 BITTAR, 2001, p. 168.

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recíprocos, intromissões e extromissões, o chamado inferno dos intercâmbios sígnicos; a participação do discurso jurídico no conjunto das relações sociais dota-lhe dessa especial caracterís-tica que é a constante mutação. Ao contrário do que se pensa quando se refere a normas, a leis, a códigos, não é a imutabili-dade a característica do sistema jurídico, mas sua transformação dialética, movimento que vivifica sua estrutura em permanente contato com os demais sistemas sociais6.

O posicionamento de Bittar nos faz constatar a ambivalência existente entre o discurso jurídico e os outros discursos, numa espécie de realimentação recíproca, o que retira o discurso, em questão, da concepção de sua estaticida-de ou mera normatividade. Ressalto ainda o fato de que o discurso jurídico, em razão de ser heterogêneo, comporta variadas nuances ou aspectos, sendo possível afirmar que compreende outros discursos, conforme apontei na seção anterior. Tal característica se deve à existência de diferentes práticas sociais his-toricamente construídas, as quais determinam a constituição desses discursos; ao mesmo tempo que estes constituem, de modo particular, uma dada prática. Assim, não é possível falar em discurso jurídico sem nos reportarmos ao dis-curso legal e, a partir dessa interseção, ao discurso cível, ao discurso jurídico-burocrático, ao discurso jurídico normativo, etc. Cada um desses discursos está ligado a uma “atividade socialmente ratificada”(FAIRCLOUGH, 1995).

Conceito de gênero segundo Swales

Swales (1993), argumenta, segundo Miller, que o conceito de gênero está relacionado à ideia de meio de ação social inserido num contexto sócio-retórico mais amplo, colocando-o não só como um mecanismo para atingir objetivos comunicativos, mas sobretudo para clarificar o que esses objetivos podem ser. Essa ênfase, dada por Miller, visa mostrar que o conceito de gê-nero tem mudado de acordo com a visão que se tem dele e de seus objetivos em diferentes fases da História, no qual mudam também os tipos de situação comunicativa e seus propósitos.

6 BITTAR, Eduardo. Linguagem jurídica. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 169-170.

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Swales (1993), finalmente, propõe seis componentes que podem ser compreendidos no âmbito de uma pesquisa e mostra como a concepção de gênero é percebida nessas quatro disciplinas: Estudos Folclóricos, Estudos Li-terários, Estudos Linguísticos, Retórica, cujos enfoques são um tanto diferen-tes, mas que evidenciam objetivos relacionados a questões de ensino, dando oportunidade para que pesquisadores na área de educação, assim como edu-candos, possam não só repensar sobre retórica como, também, refletir acerca de suas escolhas linguísticas no contexto acadêmico e/ou profissional.

Os componentes são:

a) Uma desconfiança no que concerne à classificação e a um prescritivismo fácil ou prematuro;b) uma percepção de que os gêneros são importantes para inte-grar o presente e o passado;c) um reconhecimento de que os gêneros estão situados dentro de comunidades discursivas, onde as crenças e o sistema de no-menclatura dos membros têm relevância; d) uma ênfase no propósito comunicativo e na ação social;e) um interesse na estrutura genérica (e sua razão);f ) um entendimento da dupla capacidade gerativa dos gêneros – estabelecer propósitos retóricos e aguardar sua aplicação7.

A partir de critérios propostos por Swales, podemos agora analisar seu conceito de gênero na forma como ele o resumiu no seu trabalho, tendo em vis-ta a importância dessa definição para os objetivos a que se propõe este estudo:

Um gênero comporta uma classe de eventos comunicativos em que os membros compartilham um conjunto de objetivos comu-nicativos comuns. Estes objetivos são reconhecidos pelos mem-bros especialistas da comunidade que o gerou e por isso consti-tuem a razão do gênero. Esta razão regula a estrutura esquemática do discurso, influencia e impõe limitações referentes às escolhas de conteúdo e estilo. O propósito comunicativo do gênero é con-

7 SWALES, John M. Genre analysis – English in a academic and reseach settings.Cambridge: Cambridge University Press, 1993. p. 44-45.

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comitantemente um critério privilegiado e um critério que opera no sentido de assegurar seu âmbito de ação, aqui concebido como estritamente focado numa ação retórica similar. Além de um pro-pósito em comum, exemplares de um gênero exibem vários pa-drões de similaridade, em termos de estrutura, estilo, conteúdo e público alvo. Se todas as expectativas são realizadas, o exemplar será visto como prototípico pela comunidade que o gerou8.

Swales dá destaque ao caráter social e institucional dos gêneros através da

atuação destes nas várias comunidades em que “circulam e são produzidos”. Um gênero existe no sentido de satisfazer aos objetivos sócio-comunicativos pré-fixados por diferentes comunidades discursivas no âmbito de suas ações. Daí que gêneros diversos atuam diferentemente em uma ou em várias comu-nidades linguísticas. Uma das diferenças básicas entre essas duas comunidades é que na comunidade linguística os objetivos comunicativos são muito mais amplos e servem aos diversos tipos de comunicação para fins de relacionamen-to e intercâmbio social em áreas não especializadas e não-específicas, ou seja, para fins puramente socializantes. Já na comunidade discursiva, as atividades de natureza sócio-comunicativa possuem uma finalidade definida e compar-tilhada pelos membros da comunidade que as geraram, possuindo também características linguísticas e discursivas específicas que as tornam reconhecidas pelos membros especialistas que coparticipam e fazem uso das mesmas.

Nos gêneros ligados a Petições Iniciais da Vara de Família, pude verificar particularidades quanto às características inerentes a essas manifestações gené-ricas. Assim, de acordo com essas especificidades, aponto a configuração geral desses em termos de movimentos retóricos, centrando-me tão somente nesses, pois dadas as características específicas dos gêneros em estudo, não detectei a presença de passos, visto que a uniformização mais ou menos clara de cada movimento implica ausência desses elementos, levando em conta que cada movimento, em si mesmo, já constitui uma espécie de grande passo dentro do gênero, havendo, portanto, uma coincidência ou interseção entre essas duas estratégias retóricas. Desse modo, se é que é possível falar em passos, diríamos que cada movimento se constitui tão somente de um passo. De qualquer jeito,

8 SWALES, 1993, p. 58.

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nossa interpretação se coaduna com as postulações de Dudley-Evans (1989), citado por Bhatia9, segundo as quais, diferenças na identificação de movimen-tos retóricos decorrem de diferenças específicas dos contextos comunicativos. Podendo também se dar em função da própria natureza do discurso.

Nos gêneros em análise detectei a presença de quatro movimentos:

1– Identificação das Partes e da Ação;2) – Dos Fatos;3) – Do Direito; 4) – Do Pedido.

1o MOVIMENTO RETÓRICO: IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES E DA AÇÃO

Constitui o Primeiro Movimento Retórico e neste se verifica tanto a identificação das partes (pessoas) envolvidas diretamente no processo judicial quanto da ação. Nos gêneros Ação de Investigação de Paternidade Cumulada com Alimentos e Ação de Alimentos, as partes identificadas são: o menor, que é instituído o autor das referidas ações, sendo representado, na maioria das ve-zes, pela mãe, cuja identificação encontra-se expressa neste movimento; o pai ou suposto pai, denominado, geralmente, nesse contexto retórico de requerido e contra o qual está sendo movida a ação. Tal movimento, na parte inicial mais fixa, tem por finalidade introduzir a retórica do texto peticional, de modo a qualificar as partes através de nomes, prenomes, idade, estado civil, profissão, domicílio, assim como indicar o tipo de ação que está sendo implementada e a instituição a que pertence(m) o(s) advogado(s) representante(s) do requerente. Sendo que os advogados são apenas referidos, apontando-se, nesse contexto, para sua identificação, que vem expressa no fechamento (adendo) da petição.

Este Movimento não se confunde com item ou parte do documento peticional, pois constitui uma estratégia discursiva através da qual o escri-tor do gênero contextualiza os participantes e a ação retórica, nomeando-os. Constitui um elemento vestibular da retórica, pois é a partir daí que os outros movimentos passam a se estabelecer. Enquanto Movimento, como o próprio

9 BHATIA, Vijak K. Language and professional settings. New York: Longman, 1994.

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nome já indica, não fica restrito ao preâmbulo do documento, mas se encon-tra, algumas vezes, presente noutros Movimentos; o que pode ser comprovado pela reidentificação das pessoas que já foram citadas ou pela re-qualificação da própria ação. Tal procedimento evidencia o cuidado do escritor em esclarecer quem são os indivíduos diretamente envolvidos na atividade sócio-retórica, e como esta está expressa através dos gêneros.

Observe-se o exemplo:

1. X, menor impúbere, neste ato representado por sua genito-ra, Vívia Coração, brasileira, solteira, dona-de-casa, residente e domiciliada nesta cidade, na Rua Pitangueira, s/n, portadora do CIC nº XXX.X e RG nº XXX.X SSP/PA, vem ante V.Exª., por meio de seus procuradores firmatários, UT MANDATUM junto (doc.01), com o devido acatamento, propor a presente.AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C ALIMENTOS Em face de Zelino Kaiser, brasileiro, casado, professor e músi-co, residente e domiciliado nesta cidade, na Rua Rosa, s/n, em virtude das razões de fato e de direito a seguir enumeradas:

O exemplo é representativo dos dois gêneros em análise: Ação de Inves-tigação de Paternidade Cumulada com Alimentos e Ação de Alimentos, já que existe uma similaridade no que se refere à estrutura comunicativa destes, sendo que cada um dos quatro movimentos citados ocupa um lugar mais ou menos fixo dentro da retórica, além de estarem presentes noutros contextos. Assim, a forma do escritor do gênero organizar as informações dentro desse Movimento é semelhante nos dois gêneros peticionais citados.

De acordo com as análises que realizei, pude observar que este Movi-mento é o mais tipicamente formatado e fixo, ocorrendo, quase sempre, da mesma maneira, com uma ciclicidade mínima, já que é o Movimento que menos se desloca do seu ambiente característico10, conformando-se, em grande parte, com os modelos prescritos pelos manuais de prática forense.

10 Considero como ambiente característico, nos quatro movimentos em análise, o lugar, geralmente fixo, ocupado por cada um destes na estrutura comunicativa inerente aos gê-neros em estudo.

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2o MOVIMENTO RETÓRICO: DOS FATOS

Este Movimento vem expresso, nos dois gêneros, através das diversas fac-tualizações, ou seja, narração de episódios ou comentários destes, que se apre-sentam nos textos peticionais em forma de tópicos, fatos estes que constituem uma retextualização escrita de forma resumida, feita pelo(a) advogado(a), a partir do texto oral produzido pelo(a) requerente ou seu (sua) represen-tante legal, no momento de seu depoimento junto ao(s) advogado(s) que promoverá(ão) sua defesa. Tais relatos dizem respeito aos fatos geradores da reivindicação objeto da ação em pleito

É possível que essa distribuição dos fatos de maneira sintética, em forma de tópicos, se dê em razão da necessidade de tornar o texto peticional um ins-trumento capaz de permitir às autoridades judiciárias, que dele se utilizarão, uma leitura ágil e dinâmica, favorecendo o percurso desta comunicação por entre as diversas instâncias judiciárias por onde deva tramitar todo o processo relativo à ação que está sendo impetrada.

Por outro lado, a função deste 2º Movimento é reforçar ou ancorar o propósito comunicativo geral veiculado pela atividade retórica e colaborar para a consecução desta. Tais elementos factuais, dirigidos ao juízo competen-te, atuam como instrumentos de convencimento do que está sendo solicitado no 4º Movimento Retórico (Do Pedido), contribuindo também para embasar a retórica do Movimento do Direito, dando sustentação à ação que está sendo pleiteada, considerando o objeto desta como encampando o direito do (a) pleiteante. O emprego de factualizações constitui um dos cernes da retórica expressa pelo gênero. Sem elas a autoridade judiciária não poderia avaliar a própria ação e decidir em favor (ou não) do(a) peticionário(a).

Observe-se o exemplo:

2... O autor nasceu em 06 de janeiro de 2000, conforme prova declaração do hospital (doc.04), visto que o menor não é ainda registrado pois o requerido não aceita registrá-lo como se filho seu fosse, negando-se a reconhecer a PATERNIDADE alegan-do simplesmente que não é o pai da criança...

Segundo as análises que realizei, esse movimento constitui o menos “preso”

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ou restrito aos modelos peticionais. É nele que o escritor do gênero se “co-loca” mais enquanto produtor do seu próprio texto, pois em razão da singu-laridade de cada uma das ações dentro dos diversos processos existentes no âmbito jurídico, não se pode descrever um fato inerente à determinada ação retórica do mesmo modo que outro pertencente a uma ação distinta. Daí que cada advogado(a) relata determinados fatos utilizando o seu próprio estilo, sem extrapolar, é claro, o padrão retórico exigido pelo movimento. Assim, uma vez que os fatos são únicos, com poucas similaridades, o 2º Movimento Retórico adquire um caráter específico de mostrar fatos ou reconstituí-los, estando também sujeito a deslocar-se para outros movimentos, fora do am-biente característico que deve ocupar dentro da retórica. Possui, portanto, um caráter cíclico.

3o MOVIMENTO RETÓRICO: DO DIREITO

Este Movimento é amparado pelo Movimento dos Fatos e vai buscar na Lei os elementos que fundamentam e amparam os pedidos feitos ao juiz, ten-do por instrumento não só a Lei, mas também a Jurisprudência e a Doutrina, sendo que estas não constituem por si mesmas o Direito, mas são recursos retóricos que visam, antes de tudo, a garantir e legitimar o que está sendo plei-teado. Dessa forma, o modo pelo qual o escritor do gênero faz a interpelação à Lei é que constitui o cerne do movimento em análise, podendo isto ocorrer também com a Jurisprudência e com a Doutrina.

Observe-se o exemplo:

3. A investigação de paternidade tem por base legal o art. 363 do CCB c/c os arts. 20 do Estatuto da Criança e do Adolescente e art. 227 da Constituição Federal.O pedido de alimentos fundamenta-se na Lei 5.468, de 05.07.1968 que dispõe sobre alimentos, no art. 397 do Código Civil Brasileiro, no art. 244 do Código Penal e na Lei nº 8.069 de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, que dispõe no art. 27 o reconhecimento do estado de filiação como um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível.

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O exemplo acima é um excerto retirado de um dos dois gêneros em estudo, sendo que o trecho transcrito é inerente ao tipo de ação pleiteada, contemplando um direito específico, ou seja, quando a ação é de Investigação de Paternidade Cumulada com Alimentos o direito aí explicitado tem estreita vinculação com a prerrogativa do autor a esse benefício social, cujo fundamento tem respaldo em leis específicas, que para ações dessa natureza tem-se, por exemplo, como uma das bases legais mais recorrentes, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). É válido esclarecer que o Movimento do direito é eminentemente dinâmico e cíclico, pois, interpenetra partes mais fixas de outros movimentos, como o da Identificação das Partes e da Ação, o dos Fatos e o do Pedido, sendo às vezes, coocorrente com estes em determinadas porções do texto peticional.

4o MOVIMENTO RETÓRICO: DO PEDIDO

Neste Movimento, em sua porção final, tem-se uma espécie de conclu-são da ação que foi implementada no 1º Movimento, com a identificação das partes e da própria ação, que se ancorou nos Fatos (2º Movimento) e teve respaldo no Direito (3º Movimento), para finalmente desembocar no Pedido que está sendo efetivado, agora, diretamente à autoridade judiciária. O tipo de ação é que direciona os pedidos que estão sendo feitos. Nos dois gêneros peticionais que analisei, os pedidos manifestam-se diferentes, pois cada uma dessas ações aponta um propósito comunicativo específico, e o modo como o escritor do gênero elabora o pedido tem uma implicação direta com o que melhor atende aos interesses do(a) peticionário(a).

É importante ressaltar que esse movimento não está restrito à parte final do texto da petição, embora seja nesse ambiente característico que ele real-mente se consolida; é o que se verifica no Movimento de Identificação das Partes, onde já está manifesto o pedido, pois ao mesmo tempo que o escritor do gênero identifica a ação, ele também faz a solicitação relativa ao tipo de ação que está sendo implementada. Assim, o movimento em questão é dinâ-mico, pois está presente em outros movimentos, de forma a reiterar o pedido principal através do qual se justifica a própria atividade retórica, possuindo a função de restringir o alcance da ação peticional e de delimitar a extensão da sentença, tendo também o papel de indicar o objetivo para o qual essa ativi-dade está direcionada.

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Vejam-se os exemplos referentes a cada um dos dois gêneros estudados:

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C ALIMENTOS

4. Ex Positis, estando a inicial revestida de todos os documentos indispensáveis à sua correta propositura, a autora pleiteia o que segue:... Requer, se V.Exª assim entender necessário, a produção de prova pericial de investigação genética de paternidade através do exame de DNA, precedente à designação da audiência de instrução e julgamento. Requer a fixação dos alimentos provisionais na base de 50% do salário mínimo a partir da citação tendo vista as necessidades da autora, mediante depósito em juízo, sua imediata conversão a alimentos definitivos ao final da lide, após a decretação da sentença nos termos do art. 5º da Lei nº 883/49, na base de 25% do salário mensal percebido pelo requerido.

AÇÃO DE ALIMENTOS

5. Em razão do exposto requer a V.Exª: Os benefícios da justiça gratuita, na forma das leis 7.510/86 e 5.478/68 (arts. 2º e 3º). A notificação do representante do Ministério Público, na forma da lei, para acompanhar o feito;A fixação, liminarmente, dos alimentos provisionais, nos ter-mos do art. 852, II do CPC, no valor equivalente a 01 (um) salário mínimo.Que após toda a instrução processual, V.Exª julgue procedente a presente AÇÃO DE ALIMENTOS e condene o suplicado à obrigação definitiva de prestar alimentos.

Os exemplos 4 e 5 são relativos a cada um dos gêneros em análise, veri-ficando-se o fato de que os pedidos estão consorciados com o objetivo comu-nicativo próprio do Movimento, o qual está relacionado com as características

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e com a natureza da ação retórica. Assim, na Ação de Investigação de Pater-nidade Cumulada com Alimentos, o centro da retórica está direcionado para solicitações cuja finalidade é tornar exequíveis os procedimentos referentes à investigação de paternidade, o que poderá concorrer para o êxito da ação, sen-do tais solicitações dirigidas ao Juízo Competente, tendo-se, como fato decor-rente desse êxito, uma ação consequente, que é a de Alimentos. Esta última é viabilizada de modo exclusivo nesse gênero (Ação de Alimentos), daí ser fina-lidade dos pedidos, nesse caso particular, solicitar ao juiz o exercício do direito a alimentos devidos ao menor, cuja obrigação cabe, no gênero em questão, ao pai, constituindo tal atividade comunicativa o cerne desta ação retórica.

Como se pode verificar, alguns pedidos são específicos do caráter da ação, outros são mais gerais, por exemplo, a solicitação do exame de DNA é própria da Ação de Investigação de Paternidade Cumulada com Alimentos (vide exemplo 4), assim como a fixação de alimentos provisionais constitui um item específico da Ação de Alimentos (vide exemplo 5). No entanto, quanto à solicitação da justiça gratuita, o pedido é mais geral e não qualifica ou espe-cifica diretamente a natureza da atividade retórica, podendo estar contido em diversos tipos de atividades peticionais (outros gêneros).

Conforme afirmei, de acordo com os dados da pesquisa, os Movimentos Retóricos não estão restritos ao que denomino de lugar característico, mas apresentam-se como cíclicos, logo, como já dito, os movimentos, embora per-maneçam em seu lugar característico, se infiltram uns nos outros, interpene-trando-se. Desse modo, numa mesma porção do texto peticional, pude detec-tar a presença de mais de um movimento, o que comprova a ciclicidade acima referida. Vejam-se os exemplos relativos a esse fenômeno nos gêneros Ação de Investigação de Paternidade Cumulada com Alimentos e Ação de Alimentos, nos quais os Movimentos do Direito e do Pedido apresentam-se com maior mobilidade e dinamismo.

6. Diante do exposto requer:Que seja julgada inteiramente procedente a presente ação, com o reconhecimento e determinação da paternidade reclamada, expe-dindo-se mandado ao cartório civil para as averbações necessárias após o trânsito em julgado da sentença, por ser medida de lei, de direito, consequência natural dos fatos e exigência superior de justiça.

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7. X, menor, representada por sua genitora MARIA BRAGA [...], vem, respeitosamente, pela presente petição e devidamente assistida pelo Núcleo de Prática jurídica da UFPA, representado pelos advogados abaixo assinados (doc.1), requerer: AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C ALIMENTOS

.............................................................

8. Estando a inicial revestida de todos os documentos indispen-sáveis à sua correta propositura, a autora pleiteia o que segue:

..............................................................

Requer ainda, os benefícios da justiça gratuita, conforme Art. 1º § 2º da lei 5.478/68, por ser a representante da requerente pobre na forma da lei.

..............................................................

9. Do exposto, vêm as Suplicantes requerer, nos termos da Lei 8.971/94, Lei 5.478/68, 6.515/94 e arts. 400 do C.C.

..............................................................

O direito a alimentos provisionais a sua filha, por prestação ali-mentícia, no âmbito do direito de família.

No exemplo 6, retirado do gênero Ação de Investigação de Paternidade Cumulada com Alimentos, e nos exemplos 8 e 9, retirados do gênero Ação de Alimentos, constata-se, verificando os excertos em destaque, a inserção do Movimento do Direito no Movimento do Pedido, inserção esta que imprime ao pedido uma perspectiva de legitimidade, o que evidencia um direito do qual é detentor o peticionário.

Por sua vez, no exemplo 7, verifica-se a inclusão do Movimento do Pedi-do no Movimento de Identificação das Partes. Assim, após identificar o menor e sua representante, o escritor do gênero passa a requerer o que constitui o

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próprio objeto da ação retórica, dirigindo-se à autoridade judiciária. Tal pe-dido vem manifesto, neste contexto, pela expressão: vem respeitosamente [...] requerer: Ação de Investigação de Paternidade Cumulada com Alimentos. Desse modo, nessa porção inicial mais fixa do Movimento de Identificação das Par-tes, o escritor do gênero já antecipa a solicitação ao juiz.

Apresento, nas tabelas11 a seguir, a interpenetração dos quatro Movimen-tos uns nos outros, que se verificam nos dois gêneros acima referidos:

De acordo com as quantificações e porcentagens, verifica-se, nos gêneros Investigação de Paternidade Cumulada com Alimentos e Ação de Alimentos, que o Movimento do Direito apresenta-se como o mais cíclico, tendo uma

11 As referidas tabelas devem ser lidas da horizontal para a vertical, pois indicam a penetração de um movimento nos outros.

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inserção significativa no Movimento do Pedido. No primeiro gênero, acima ci-tado, o percentual dessas inserções é de 62,79% em relação ao total de inclusões nos demais movimentos, enquanto que no gênero Ação de Alimentos esse percentual está em torno de 65,96%.

Ainda nos gêneros já referidos, o Movimento do Pedido apresenta uma quantidade relevante de inserções no Movimento de Identificação das Partes, em comparação com os outros movimentos, nos quais também se inseriu, po-rém em menor quantidade. Nas Ações de Investigação de Paternidade Cumu-lada com Alimentos, o índice percentual dessas inclusões é de 53,85% e, nas Ações de Alimentos, essa percentagem é de 52,0%.

Assim, com base nos dados exibidos nas tabelas, verifica-se que, nos gêneros em questão, os Movimentos do Direito e do Pedido apresentam-se como os que mais se inserem em outros movimentos, o que traz evidências acerca da importância desses movimentos para o êxito da atividade retórica. É possível afirmar que, no caso do Movimento do Direito, sua inserção no Mo-vimento do Pedido se dê em razão do fato de que as solicitações feitas ao juiz devam se ancorar numa prerrogativa legal a que faz jus o requerente. Daí que, ao fazer o pedido, o escritor de gênero aponta com grande frequência para um direito aí imbricado ou implícito; tal direito, na maioria das vezes, encontra-se manifesto no Movimento do Pedido através de citações às leis.

Analisando a “infiltração” do Movimento do Pedido no Movimento de Identificação das Partes, é provável que tal inclusão se dê pelo fato de que é oportuno e conveniente identificar, nesse ambiente retórico, não apenas as partes envolvidas, mas também definir prévia e concomitantemente, através de um Pedido, qual o objeto da ação que está sendo impetrada. Tal procedi-mento discursivo confere maior objetividade àquilo que o produtor do gênero pretende alcançar na atividade peticional.

Pode-se inferir, portanto, que o fenômeno da inserção ou ciclicidade dos movimentos retóricos se dê em função da dinamicidade das atividades retóricas peticionais, as quais, embora possam estar vinculadas a modelos ou padrões pré-estabelecidos pela comunidade discursiva, não constituem sim-plesmente textos escritos estanques, mas são eventos comunicativos portado-res de nuances específicas, devidamente coadunadas com as mais diferentes, múltiplas e heterogêneas atividades sociais, comportando um dinamismo e uma peculiaridade próprios de cada situação comunicativa.

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ABSTRACT

This work aims at presenting a study of the mapping of the rhetorical movements that are found in these four genres: Paternity Investigation Action & Provisions Action and Provisions Action, based on the Theories of Genre by Swales (1993), Bhatia (1994), Fairclough (2001) and Bittar (2001).

KEY-WORDS: Discourse Analysis; genre Analysis; rhe-torical movements.

Recebido em 08/06/2009Aprovado em 24/08/2009