ESTUDO DO ESCOAMENTO ATMOSFÉRICO DE UMA ......Análise CFD para Implementação de um Projeto...
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ESTUDO DO ESCOAMENTO ATMOSFÉRICO DE UMA REGIÃO COM
OROGRAFIA COMPLEXA VIA ANÁLISE CFD PARA IMPLEMENTAÇÃO DE
UM PROJETO EÓLICO
Daniel Agnese Ramos
Projeto de Graduação apresentado ao
Curso de Engenharia Mecânica, da Escola
Politécnica, Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção de título de
Engenheiro.
Orientador: Profº. Ph.D. Fernando Pereira
Duda
Rio de Janeiro
Maio de 2016
ii
ESTUDO DO ESCOAMENTO ATMOSFÉRICO DE UMA REGIÃO COM
OROGRAFIA COMPLEXA VIA ANÁLISE CFD PARA IMPLEMENTAÇÃO DE
UM PROJETO EÓLICO
Daniel Agnese Ramos
PROJETO DE GRADUAÇÃO SUBMETIDO AO CORPO DOCENTE DO CURSO
DE ENGENHARIA MECÂNICA DA ESCOLA POLITÉCNICA DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS
REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE
ENGENHEIRO MECÂNICO
Aprovado por:
Prof. Fernando Pereira Duda, Ph.D. (Orientador)
Prof. Daniel Onofre de Almeida Cruz, Ph.D.
Prof. Flávio de Marco Filho, D.Sc.
Vanessa Gonçalves Guedes, D.Sc.
RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL
MAIO DE 2016
iii
RAMOS, Daniel Agnese.
Estudo do Escoamento Atmosférico de uma Região com Orografia
Complexa via Análise CFD para Implementação de um Projeto Eólico/
Daniel Agnese Ramos - Rio de Janeiro: UFRJ/ Escola Politécnica,
2016.
X 132 p.: il.; 29,7 cm.
Orientador: Fernando Pereira Duda
Projeto de Graduação - UFRJ/ Escola Politécnica/ Curso de
Engenharia Mecânica, 2016
Referências Bibliográficas: p. 113
1. Energia Eólica 2. Escoamento Atmosférico 3. CFD 4.
Otimização I. Fernando Pereira Duda II. Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Escola Politécnica, Curso de Engenharia Mecânica III.
Estudo do Escoamento Atmosférico de uma Região com Orografia
Complexa via Análise CFD para Implementação de um Projeto Eólico
iv
“Este trabalho é dedicado à memória de
Maria da Gloria Cosenza Agnese”
v
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, por ter me dado saúde durante todo o período
de desenvolvimento desse trabalho.
Agradeço a toda a minha família. Em especial: aos meus pais, Maria Cristina
Cosenza Agnese e Fabio de Oliveira Ramos, que me ensinaram todos os meus valores,
demonstrando a prática do bem acima de qualquer outra questão; à Monica Ramos de
Macedo Soares, que sempre me lembrou da importância da família, mantendo a família
Ramos sempre unida e presente em sua morada; e à minha namorada Luiza Brener
Magalhães, por estar presente na minha vida e ser uma grande parceira nessa jornada.
Agradeço a todos os meus amigos, pois representam a extensão da minha
família. Em especial: aos amigos do surfe – esporte que pratico com todo o afinco e
dedicação –do posto 7 da Barra da Tijuca, por me socorrerem quando me acidentei na
Indonésia; aos amigos da faculdade, por transformarem a jornada da graduação na
Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro em uma tarefa mais
agradável; e aos outros amigos que tive o prazer de conhecer durante a vida, por
trazerem mais leveza ao enfrentamento dos desafios no cotidiano.
Agradeço a todas as pessoas que me ajudaram profissionalmente, cuja ajuda foi
diretamente responsável pelo trabalho desenvolvido. Em especial: ao meu orientador
Fernando Pereira Duda, que além de me orientar nesse projeto também foi meu
orientador acadêmico durante toda a jornada da graduação, auxiliando na tomada de
decisões importantes para o meu futuro profissional; aos pesquisadores do Cepel,
Vanessa Gonçalves Guedes e Sérgio Roberto Ferreira Cordeiro de Melo, que,
primeiramente, também estão inclusos no agradecimento aos amigos e que tiveram a
enorme solidariedade de me ajudar na execução desse trabalho; e a todos os professores
que tive a oportunidade de conhecer durante todo o período da graduação e do ensino
básico e médio.
Por fim, agradeço a todas as empresas que me ajudaram. Em especial: à Natural
Energia, por ter sido o meu primeiro emprego na área de energia eólica e me
proporcionar a oportunidade de conhecer um pouco desse setor fascinante; e ao Cepel,
por ter disponibilizado toda a infraestrutura necessária para a realização desse trabalho.
vi
Resumo do Projeto de Graduação apresentado à Escola Politécnica/ UFRJ como parte
dos requisitos necessários para obtenção do grau de Engenheiro Mecânico.
Estudo do Escoamento Atmosférico de uma Região com Orografia Complexa via
Análise CFD para Implementação de um Projeto Eólico
Daniel Agnese Ramos
Maio de 2016
Orientador: Fernando Pereira Duda
Curso: Engenharia Mecânica
O desenvolvimento de um projeto eólico é uma tarefa multidisciplinar e, por esta razão,
necessita do conhecimento e da integração de várias áreas do saber. Dessa forma, o
trabalho foi idealizado com a intenção de realizar uma revisão bibliográfica da teoria
que embasa a avaliação do potencial eólico de uma região e da criação de uma
metodologia confiável para o desenvolvimento de um projeto eólico em condições de
terreno complexo, visto que essa situação traz uma série de desafios à modelagem.
Palavras-chave: Energia Eólica, Escoamento Atmosférico, CFD, Otimização.
vii
Abstract of Undergraduate Project presented to Poli/UFRJ as a partial fulfillment of the
requirements for the degree of Mechanical Engineering.
Simulation of Atmospheric Flow over Complex Terrain using CFD tools and
Development of an Eolic Project
Daniel Agnese Ramos
May of 2016
Advisor: Fernando Pereira Duda
Course: Mechanical Engineer
The development of an eolic project is a multidisciplinary task and demands the
knowledge of many fields of science. Thus, this work was idealized to review all the
theory behind the assessment of the wind resource and to create a reliable methodology
to deal with complex terrain situation while developing an eolic project.
Keywords: Eolic Energy, Atmospheric Flow, CFD, Optimization.
viii
ÍNDICE ANALÍTICO
CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO ...................................................................................... 1
I.1 MOTIVAÇÃO ............................................................................................................... 1
I.2 CONTEXTO ECONÔMICO ................................................................................................ 2
I.3 PRINCÍPIOS BÁSICOS DE AEROGERADORES ......................................................................... 4
I.3.1 História e Configuração Atual ......................................................................... 5
I.3.2 Energia e Potencia Extraída do Vento ............................................................. 8
I.3.3 Fator de Capacidade ..................................................................................... 12
I.4 ESCOLHA DA REGIÃO DE INTERESSE PARA O ESTUDO DE CASO ............................................... 12
CAPÍTULO II – CLIMATOLOGIA ................................................................................ 14
II.1 CIRCULAÇÃO GERAL DA ATMOSFERA .............................................................................. 15
II.1.1 Movimentos verticais ................................................................................... 16
II.1.2 Movimentos horizontais ............................................................................... 17
II.2 EFEITOS DE ESCALA SINÓTICA QUE AFETAM A REGIÃO DE INTERESSE ..................................... 18
II.2.1 Zona de Convergência Intertropical do Atlântico ........................................ 18
II.2.2 Vórtice Ciclônico de Altos Níveis .................................................................. 20
II.2.3 Linhas de Instabilidade ................................................................................. 21
II.2.4 Frentes Frias ................................................................................................. 22
II.2.5 Ondas de Leste ............................................................................................. 22
II.3 EFEITOS DE MESOESCALA QUE AFETAM A REGIÃO DE INTERESSE .......................................... 23
II.3.1 Brisas ............................................................................................................ 24
II.3.1.1 Brisa Marítima/Terrestre .................................................................................... 24
II.3.1.2 Brisa Vale/Montanha ......................................................................................... 25
II.3.2 Complexos Convectivos de Mesoescala ....................................................... 25
II.4 A INFLUÊNCIA DOS OCEANOS E ALGUNS FENÔMENOS ANÔMALOS ........................................ 26
II.4.1 Influência dos oceanos Atlântico e Pacífico na climatologia do NEB .......... 26
II.4.2 Anomalias nas temperaturas da superfície dos oceanos ............................. 26
II.4.2.1 El Niño ................................................................................................................ 27
II.4.2.2 La Niña ................................................................................................................ 28
ix
II.4.2.3 Dipolo do Atlântico ............................................................................................. 28
CAPÍTULO III – FUNDAMENTOS DA AVALIAÇÃO DO POTENCIAL EÓLICO .................. 29
III.1 TERRENO NO ESCOAMENTO ATMOSFÉRICO ................................................................... 29
III.1.1 Classificação, Obtenção e Tratamento de Dados ....................................... 29
III.1.1.1 Topografia ......................................................................................................... 30
III.1.1.2 Rugosidade do Terreno ..................................................................................... 32
III.1.1.3 Geoprocessamento de Dados ........................................................................... 35
III.1.2 Implicações do Terreno na Modelagem Física ............................................ 36
III.1.2.1 Camada Limite Atmosférica (CLA) ..................................................................... 36
III.1.2.1.1 Perfil Logarítmico ...................................................................................... 39
III.1.2.1.2 Perfil Exponencial ...................................................................................... 41
III.1.2.2 Obstáculos e Esteira .......................................................................................... 43
III.1.2.3 Estabilidade Atmosférica ................................................................................... 45
III.2 MEDIÇÃO E ANÁLISE ESTATÍSTICA DOS DADOS DE VENTO ................................................. 47
III.2.1 Tipos de Dados de Vento ............................................................................. 48
III.2.2 Sensores (Custo, Localização, Calibração e Tecnologias) ........................... 51
III.2.2.1 Localização ........................................................................................................ 51
III.2.2.2 Custos de Medição ............................................................................................ 52
III.2.2.3 Tipos de Sensores .............................................................................................. 52
III.2.2.3.1 Anemômetros ........................................................................................... 53
III.2.2.3.2 Birutas (“Wind Vanes”) ............................................................................. 55
III.2.2.3.3 Termo-higrômetros ................................................................................... 56
III.2.2.3.4 Barômetro ................................................................................................. 56
III.2.2.3.4 Piranômetro .............................................................................................. 57
III.2.2.4 Calibração e Montagem .................................................................................... 58
III.2.3 Análise Estatística dos Dados de Vento ...................................................... 60
III.2.3.1 Intensidade de Turbulência (IT) ......................................................................... 60
III.2.3.2 Distribuição de Weibull ..................................................................................... 61
III.2.3.4 Rosa Setorial de Frequência .............................................................................. 63
III.2.3.5 Correlação e Validação de Dados ...................................................................... 64
III.3 RESTRIÇÕES PARA A IMPLEMENTAÇÃO DE UM PROJETO EÓLICO ......................................... 65
III.3.1 Restrições Técnicas ...................................................................................... 65
III.3.2 Restrições Ambientais ................................................................................. 68
x
III.3.3 Restrições Burocráticas ............................................................................... 68
III.4 MODELAGENS PARA SIMULAÇÃO DO VENTO .................................................................. 68
III.4.1. Modelagem do Software de Simulação do Escoamento via CFD .............. 69
III.4.1.1 Embasamento Teórico ....................................................................................... 69
III.4.1.1.1 Equações Governantes .............................................................................. 70
III.4.1.1.2 Equação da Continuidade ......................................................................... 70
III.4.1.1.3 Equação de Navier-Stokes ......................................................................... 72
III.4.1.1.4 Reynolds Averaged Navier-Stokes Equations (RANS) ................................ 74
III.4.1.2 Modelo de Turbulência - (Parametrização do WindSim) ............................ 75
III.4.2 Modelo de Esteira ....................................................................................... 77
III.4.2.1 Modelo Comprimento de Mistura (AINSLIE, 1986) ........................................... 77
III.4.2.1.1 Modelagem Matemática ........................................................................... 78
III.4.2.1.2 Simplificações à Modelagem Matemática ................................................ 81
III.4.2.2 Metodologia Deep Array ................................................................................... 82
III.4.2.2.1 Aspectos Teóricos da Metodologia Deep Array ........................................ 82
III.4.2.2.2 Acoplamento da Metodologia Deep Array com o Modelo ‘Comprimento
de Mistura’ ................................................................................................................. 86
CAPÍTULO IV – ESTUDO DE CASO ............................................................................ 88
IV.1 MANIPULAÇÃO E OBTENÇÃO DE DADOS DE TERRENO ...................................................... 88
IV.2 OBTENÇÃO E CORRELAÇÃO DOS DADOS DE VENTO ......................................................... 89
IV.2.1 Correlação da Climatologia Local ............................................................... 90
IV.3 SIMULAÇÃO DO ESCOAMENTO ATMOSFÉRICO ................................................................ 92
IV.3.1 Simulação de “Larga Escala” ...................................................................... 92
IV.3.2 Metodologia Nesting .................................................................................. 97
IV.4 DEFINIÇÃO E OTIMIZAÇÃO DO LAYOUT DO PARQUE EÓLICO ............................................ 106
CAPÍTULO V – CONCLUSÃO ................................................................................... 112
CAPÍTULO VI – REFERÊNCIAS ................................................................................. 113
ANEXOS DOS RESULTADOS DO ESTUDO DE CASO ................................................. 115
1
CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo a elaboração de uma metodologia
confiável para o estudo do escoamento atmosférico de regiões de terreno complexo e do
consequente desenvolvimento de um projeto eólico em uma cadeia de montanhas,
localizada no estado do Ceará.
Para isso, o trabalho foi realizado com a finalidade de revisar toda a bagagem
teórica referente à avaliação do potencial eólico de uma região e, posteriormente, aplicar
tais conceitos em um estudo de caso, elaborando uma metodologia que pode ser
aplicada na análise de qualquer projeto eólico em terreno complexo.
Em suma, a introdução do trabalho irá contextualizar o desafio apresentado com
o momento econômico atual – e com projeções para até 2040 realizadas pela
International Energy Agency (IEA) –, definir a escolha da área que será estudada e
apresentar os princípios básicos do mecanismo que possibilita a extração de energia do
escoamento dos ventos, o aerogerador.
I.1 Motivação
A crescente demanda por energia elétrica ainda é um problema muito presente
na atualidade e fonte de inspiração para inúmeras soluções de engenharia.
Nas últimas décadas, a exploração de recursos renováveis ou de fluxo foi
gradativamente viabilizada, tanto no que tange à sua geração quanto à sua inserção no
sistema elétrico, e recursos como a radiação solar e a energia dos ventos representam,
atualmente, uma parcela significativa da produção de energia de determinados países -
dentre os quais se destacam Portugal, Alemanha, Noruega e Dinamarca.
No cenário nacional a opção da exploração da energia proveniente dos ventos se
torna ainda mais interessante devido à sua complementaridade com a principal matriz
energética do Brasil, as hidroelétricas, e ao potencial promissor do recurso eólico em
determinadas regiões do país.
2
Para usufruir de tal fonte é necessário se assegurar que a qualidade desse recurso
é realmente satisfatória na área a ser explorada, e para isso são necessárias campanhas
de medições de longa duração no local. Entretanto, assim como na exploração dos
recursos tradicionais, como o petróleo e outras commodities, o investimento para todo
esse processo de investigação e certificação da qualidade do prospecto é caro e
demorado, o que torna ainda mais importante escolher bem o lugar que se vai investir
tempo e capital para comprovar a qualidade do vento.
E é nessa conjuntura que estudos preliminares como a modelagem do
escoamento atmosférico utilizando como entrada séries históricas de longo prazo de
reanálise e dados de topografia e rugosidade disponíveis se tornam muito importantes,
uma vez que feita tal análise é possível estimar um provável fator de capacidade
característico da região e determinar se é válido ou não investir na área em questão –
sem a necessidade de investir a priori para determinar tal veredito.
I.2 Contexto Econômico
De acordo com o relatório do ano de 2009 da World Wind Energy Association
(WWEA), a energia eólica era um business com a considerável marca de 50 bilhões de
euros de receita e mais de 550.000 postos de trabalho gerados ao redor do mundo.
Naquele ano, 159,2 GW de potência instalada em parques eólicos estavam ligados na
rede elétrica.
Esse mesmo relatório também demonstrava outro fator interessante para aquela
época, o crescimento da taxa de ampliação da soma da potência instalada em parques
eólicos no mundo. O mercado eólico mundial, que havia crescido 21,3% no ano de
2004, cresceu 31,7% no ano do referido relatório, 2009.
Dessa forma, fica notório que o mercado eólico já era representativo no cenário
mundial – apesar de, se comparado à indústria do petróleo, ser muito menor em valores
absolutos de demanda mundial – daquela época. A situação do mercado de energia
eólica foi impulsionada, principalmente, pela necessidade de alguns países
implementarem um forma de geração de energia elétrica alternativa à baseada em fontes
fósseis, seja por metas de redução de emissão de carbono ou por questões estratégicas
de diversificação das fontes energéticas – vale ressaltar que uma das maiores barreiras
3
para a ampliação do uso desse tipo de geração era o desafio de conectar e operar, de
forma à garantir a segurança energética de um sistema elétrico, uma forma de geração
intermitente de energia.
Outro relatório que também foi avaliado nesse trabalho foi o World Energy
Outlook (WEO) da IEA do ano de 2014, contendo previsões para o futuro do mercado
energético mundial – inclusive o mercado eólico. Nesse relatório foram avaliados três
cenários possíveis de incentivo à geração de fontes renováveis: o cenário New Policies,
que considerava medidas mitigadoras da emissão de carbono anunciadas mas ainda não
implementadas pelos países; o cenário Current Policies, que considerava apenas as
medidas mitigadoras da emissão de carbono existentes nos países; e o cenário 450, o
cenário menos realista, que considerava que todos os países adotariam medidas
necessárias para bater a meta mundial de controle do aumento temperatura do planeta.
De acordo com as projeções do WEO para 2040, fica constatado que, em todos
os cenários projetados, a inserção de energias renováveis no sistema – sobretudo a
energia eólica – aumenta em todos os países e blocos econômicos analisados pelo
estudo. A Figura 1 ilustra o investimento acumulado, projetado para o período de 2014
a 2040, dividido por fontes energéticas e expresso em bilhões de dólares de 2013.
Figura 1 - Investimento acumulado mundial no mercado energético (New Policies Scenario – WEO)
4
Na Figura 1, é possível notar a significativa parcela de investimentos que é
projetada para energias renováveis nos próximos vinte e cinco anos. Nesse diagrama,
enquanto todas as fontes fósseis acumulam um investimento de 33.111 bilhões de
dólares de 2013, as fontes renováveis – sozinhas – acumulam a quantia de 7.377 bilhões
de dólares de 2013, o que significa que o investimento total projetado para as fontes
renováveis já representaria 23 % do investimento destinado para as fontes fósseis.
Por fim, a última projeção analisada no WEO de 2014 foi a projeção da potência
instalada da soma dos parques eólicos nos países, blocos econômicos e continentes para
o ano de 2040 (Figura 2) – os destaques dessa projeção seriam: a potência instalada na
China, que se aproximaria de 400 GW; e o percentual das eólicas na matriz energética
da União Europeia, que está projetada para representar 20 % da geração de energia.
Figura 2 – Potencia instalada de parques eólicos em 2040 (New Policies Scenario – WEO)
I.3 Princípios Básicos de Aerogeradores
A seguinte seção tem como finalidade apresentar conhecimentos teóricos básicos
em relação à extração da energia do deslocamento de massas de ar, definindo, também,
a configuração de aerogerador utilizada no estudo de caso do projeto – aerogeradores de
eixo horizontal – e o parâmetro mais utilizado para definir a eficiência de um projeto
eólico, o fator de capacidade.
5
I.3.1 História e Configuração Atual
O primeiro registro histórico da utilização da energia eólica se dá pela utilização
de cata-ventos, para realizar tarefas como bombeamento de água e moagem de grãos, na
Pérsia antiga, por volta de 200 A.C.. Esse tipo de moinho de eixo vertical veio a se
espalhar pelo mundo islâmico sendo utilizado por vários séculos. Acredita-se que antes
da invenção dos cata-ventos na Pérsia, a China – por volta de 2000 A.C. – e o Império
Babilônico – por volta de 1700 A.C. – também utilizavam cata-ventos rústicos para
irrigação (DUTRA, 2008). A imagem a seguir (Figura 3) ilustra um exemplo de cata-
vento antigo encontrado na província de Razavi Khorasan1 – na imagem ainda é
possível notar a dimensão considerável da máquina, por volta de 15 m, comparando-a
com o tamanho do indivíduo ao lado dela.
Figura 3 - Cata-Vento rústico encontrado no nordeste do Iran
1 Província localizada na região nordeste do Iran.
6
Com o avanço da rede elétrica, foram feitas, no início do século XX, várias
pesquisas para o aproveitamento da energia eólica em geração de energia elétrica.
Enquanto os Estados Unidos estavam difundindo o uso de aerogeradores de pequeno
porte nas fazendas e residências rurais isoladas, a Rússia investia na conexão de
aerogeradores de médio e grande porte diretamente na rede.
A França também se empenhou nas pesquisas de aerogeradores conectados à
rede elétrica. Entre 1958 e 1966 foram construídos diversos aerogeradores de grande
porte – entre os principais estavam três aerogeradores de eixo horizontal e três pás, que
é a configuração utilizada comercialmente nos dias atuais. Um dos modelos apresentava
30 m de diâmetro de rotor com potência instalada de 800 kW (DUTRA, 2008).
Dessa forma, durante o período que compreende o século passado, houve uma
evolução significativa da tecnologia agregada à fabricação de aerogeradores de
pequeno, médio e grande porte. A Figura 4 demonstra a mudança da dimensão e da
potência instalada das máquinas de grande porte ao longo das últimas décadas do século
passado até o ano de 2005 – nesse estudo é interessante notar que as projeções para o
ano de 2010 foram alcançadas recentemente, como demonstra o aerogerador Enercon
E-126 do fabricante alemão Enercon (Figura 5), que possui 126 m de diâmetro de rotor
e uma potência instalada de 7,6 MW.
Figura 4 - Evolução dos aerogeradores (fonte: CRESESB)
7
Figura 5 - Enercon E-126 (7,6 MW de potência instalada)
Atualmente, tem-se mais de uma solução possível para a configuração de um
aerogerador, mas apenas uma é amplamente utilizada comercialmente – e, por esta
razão, será a única configuração contemplada no trabalho em questão –, os
aerogeradores de eixo horizontal.
A disposição dos equipamentos de um aerogerador de eixo horizontal pode ser
feita de maneiras diferentes, porém as mais comuns são mostradas na figura 6. A
principal diferença entre elas é o tamanho e formato da nacele2, presença ou não de
caixa multiplicadora3 e o tipo de gerador utilizado, podendo esse ser convencional ou
multipolos – que é o caso do aerogerador da Enercon apresentado anteriormente.
2 Nacele é a carcaça montada sobre a torre, onde se situam o gerador, a caixa de engrenagens (quando
necessária), todo sistema de controle, medição do vento e motores para rotação do sistema para o melhor posicionamento em relação ao vento. 3 A caixa multiplicadora transmite a energia mecânica entregue pelo rotor para o gerador.
8
Figura 6 - Diferentes tipos de arranjo em um aerogerador de eixo horizontal (fonte: CRESESB)
I.3.2 Energia e Potencia Extraída do Vento
A energia no vento é proveniente de seu movimento, logo, as pás da turbina
extraem parte da energia cinética ( ) presente na massa de ar que atravessa a turbina. A
energia cinética é dada pela equação abaixo (eq. 1.1).
(1.1)
onde: é a massa de ar que atravessa a turbina [kg]; e é a velocidade do vento [m/s].
Considerando a mesma massa de ar em movimento a uma velocidade ,
perpendicular a uma sessão transversal de um cilindro imaginário (Figura 7), pode-se
demonstrar que a potência disponível no vento ( ) que passa pela seção , transversal
ao fluxo de ar, é dada por:
(1.2)
onde: é a massa específica do ar [kg/m3]; e é a área da seção transversal [m
2].
9
Figura 7 - Fluxo de vento através da turbina (fonte: CRESESB)
A potência disponível no vento não pode ser totalmente aproveitada pelo
aerogerador na conversão de energia elétrica. Para levar em conta esta característica
física, é introduzido um índice denominado coeficiente de potência , que pode ser
definido como a fração da potência eólica disponível que é extraída pelas pás do rotor.
Em cálculos feitos pelo físico alemão Albert Betz4, a seguinte equação (eq. 1.3) foi
obtida para o coeficiente de potência:
(1.3)
onde: representa a velocidade do vento na região anterior às pás [m/s]; a
velocidade do vento no nível das pás [m/s]; e a velocidade no vento após deixar as
pás [m/s] – que podem ser vistos esquematicamente na Figura 8.
4 Alber Betz (1885-1968), físico alemão. Foi um pioneiro no desenvolvimento do aerogerador moderno.
10
Figura 8 - Perdas de velocidade do vento ao passar pelas pás da turbina (fonte: CRESESB)
É possível plotar a curva do coeficiente de potência em relação à razão de
velocidades
, esse gráfico pode ser visto na Figura 9.
Figura 9 - Distribuição do coeficiente de pressão (fonte: CRESESB)
É possível então achar um valor máximo para o coeficiente de pressão, chamado
de Coeficiente de Betz ( ), dado por (eq. 1.4):
(1.4)
11
Também é preciso levar em conta a eficiência da máquina eólica, dada por ,
logo, a potência aproveitada do vento é dada por (eq. 1.5):
(1.5)
Dessa forma, uma conclusão pertinente na temática “energia e potência extraída
do vento”, é que a velocidade do vento é um parâmetro de alta sensibilidade da variável
potência do aerogerador – a potência varia com o cubo da velocidade do vento.
Por fim, é possível traçar curvas de potência teóricas para cada modelo de
aerogerador. Tais curvas dependem da configuração do gerador utilizado, dos
parâmetros de controle da máquina – velocidades de cut-in5 e cut-out
6 –, da eficiência
eletromecânica da turbina eólica e da velocidade do vento incidente e determinam a
potência despachada pelo aerogerador. A validação das curvas teóricas é realizada por
testes em campo, seguindo a norma IEC 61400-12. A Figura 10 demonstra uma curva
de potência de uma máquina com cut-in de 3,5 m/s e cut-out de 25 m/s.
Figura 10 - Curva de potência de um aerogerador convencional
5 Velocidade do vento incidente a partir da qual o aerogerador entra em operação.
6 Velocidade do vento incidente a partir da qual o aerogerador para sua operação.
12
I.3.3 Fator de Capacidade
O fator de capacidade é uma taxa percentual que exprime a relação entre a
energia elétrica gerada e a sua capacidade nominal de produção. Considerando o
período de um ano padrão – 365 dias ou 8760 horas –, tem-se que a energia anual
gerada (EAG) em kWh é expressa pela fórmula a seguir (eq. 1.6):
(1.6)
onde: é a frequência percentual de ocorrência da velocidade do vento [%]; e
é a potência produzida pela turbina na velocidade do vento [kW].
Dessa forma, pode-se expressar o fator de capacidade ( ) de um modelo de
turbina eólico pela equação 1.7:
(1.7)
onde: é a potência nominal do vento [kW].
Por fim, também é válido resaltar que o fator de capacidade não é a eficiência da
máquina – apesar de ser um parâmetro muito utilizado para medir a eficiência de um
parque eólico – e, por conseguinte, não se limita a um coeficiente máximo teórico,
podendo registrar valores superiores ao coeficiente de Betz – o fator de capacidade
mede a eficiência de operação de uma turbina eólica em relação à máxima energia que
ela poderia gerar no período de um ano.
I.4 Escolha da região de interesse para o estudo de caso
A escolha da área de interesse é um tópico fundamental para a elaboração de
todo o trabalho que vem a seguir. Como já fora antecipado, existiam duas condições que
guiaram a definição dessa escolha: a condição de um terreno com orografia acidentada e
a localidade dessa região, que deveria ser dentro dos limites do estado do Ceará.
13
A razão pela qual essas duas condições foram adotadas como referência é
devido, primeiramente, a desafiante tarefa de descrever o escoamento atmosférico sob
uma cadeia de montanhas e a condição climatológica do estado do Ceará – trabalhada
no capítulo II do presente trabalho – que é determinante na boa qualidade do vento da
região. Desse modo, foram mapeadas cadeias de montanhas no estado do Ceará com
potencial adequado para a realização do estudo, utilizando dados da base de
sensoriamento remoto disponível: o atlas eólico do estado do Ceará e o sistema de
informações georreferenciadas do setor elétrico (SIGEL).
Após essa etapa de determinação de hot spots7, foi escolhida a localidade final
do projeto (Figura 11) guiada pelos seguintes parâmetros limitantes: a oferta de dados
de vento observado próximos a região de interesse; a não existência de áreas de
influências de aeroportos e de projetos eólicos já outorgados; a existência de
propriedades privadas com regularização fundiária em dia; e a proximidade com linhas
de transmissão do sistema interligado nacional com capacidade de atender a demanda de
energia despachada pelo projeto – essa dinâmica será melhor descrita na seção do
capítulo III que trata do estudo das restrições.
Figura 11 - Área de interesse para o estudo do projeto (fonte: Google Earth Pro)
7 Hot spots são lugares associados a condições favoráveis dentro de um critério de avaliação.
14
CAPÍTULO II – CLIMATOLOGIA
Os diferentes fenômenos meteorológicos que ocorrem na atmosfera do planeta
possuem dimensões espaço/temporais típicas. Tais fenômenos podem ser descritos por
quatro escalas espaço/temporais distintas: a microescala com dimensões espaciais
inferiores a 1 km e duração temporal inferior à uma hora; a mesoescala com dimensões
espaciais na faixa de 1 km a 100 km e duração temporal superior a uma hora e inferior a
um dia; a escala sinótica com dimensões espaciais na faixa de 100 km a 2000 km e
duração temporal da ordem de semanas ou até meses; e a escala global com dimensões
espaciais superiores a 2000 km e duração temporal da ordem de meses.
O impacto mais significativo que a análise das diferentes escalas atmosféricas
gera nos estudos climatológicos é a determinação da resolução espacial e temporal de
certa amostra de dados – sejam eles de pressão, temperatura ou qualquer outra grandeza
– necessária para o estudo de um determinado fenômeno meteorológico. A Figura 12
ilustra as diferentes dimensões das escalas citadas.
Figura 12 – Diferentes Escalas dos Fenômenos Atmosféricos.
15
Para uma melhor compreensão do recurso eólico de uma determinada região é
necessário entender o clima local, tanto a influência de efeitos de escala sinótica quanto
os de microescala.
O clima é definido como a média das condições do tempo ao longo de um
período de algumas décadas e está diretamente relacionado com a dinâmica dos fluidos
presentes na atmosfera ˗ o ar e a água.
Por outro lado, as diferentes escalas dos fenômenos que influenciam na
climatologia tratam desde os efeitos locais que afetam o clima de uma região – micro e
mesoescala –, tais como a brisa marítima/terrestre e a brisa vale/montanha, até os
fenômenos globais que influenciam nesse clima – escalas sinótica e global –, tais como
ciclones, anticiclones e frentes frias.
A dinâmica dos fenômenos climatológicos será brevemente descrita neste
capítulo. Contudo, será empregado um foco especial para os efeitos que caracterizam o
clima e, por conseguinte, o recurso eólico da região estudada no projeto.
II.1 Circulação geral da atmosfera
O Sol não aquece o planeta de forma homogênea e proporciona a formação de
gradientes térmicos que impulsionam o deslocamento dos fluidos na atmosfera.
O aquecimento diferenciado da superfície terrestre ocorre pela inclinação dos
raios solares incidentes. Quanto mais próximos de uma incidência vertical, maior a taxa
de aquecimento da superfície. Devido à inclinação do eixo de rotação da Terra com
relação ao plano da órbita, os raios solares incidem, ao meio-dia, muito próximo da
vertical nas regiões tropicais e quase na tangente nas proximidades dos polos.
Quando o Sol está na vertical, os raios solares chegam perpendicularmente à
superfície que recebe a máxima quantidade de energia. Para outras inclinações a mesma
energia é repartida por uma área maior, resultando em um valor menor de energia
incidente por segundo por metro quadrado. A Figura 13 ilustra esse fenômeno.
16
Figura 13 - Variação Angular da Incidência de Raios Solares. (Figura adaptada de Tempo e Clima
no Brasil/ Iracema F. A. Cavalcanti)
Dessa forma, a região tropical possui um excesso de energia, ao passo que as
regiões polares possuem um déficit de energia, e o deslocamento dos fluidos presentes
na atmosfera, previamente descrito nessa seção, atua no sentido de redistribuir o calor
das regiões com excesso de energia para as regiões com déficit.
A maneira como a atmosfera realiza essa redistribuição se dá por meio de
movimentos horizontais – os ventos geostróficos8 – e de movimentos verticais.
II.1.1 Movimentos verticais
O excesso de energia nos trópicos, especificamente nas regiões equatoriais, faz o
ar aquecido se elevar. O ar que sobe nas proximidades do equador desce nos
subtrópicos, por meio de uma célula de circulação denominada célula de Hadley. Nessas
regiões onde o ar desce – a aproximadamente 30 graus de latitude norte e sul –,
definem-se os sistemas de alta pressão subtropical.
Por outro lado, do encontro entre as massas frias e massas quentes, no cinturão
de baixas pressões – localizado a aproximadamente 60 graus de latitude norte e sul –,
ocorre o levantamento do ar que vai descer nos subtrópicos e polos. Dessa forma, ficam
definidas três células de circulação vertical, que recebem os nomes de célula de Hadley,
célula de Ferrell – ou célula de latitudes médias – e célula polar. Essa dinâmica é
ilustrada na figura abaixo (Figura 14).
8 Ventos geostróficos: vento horizontal, não acelerado que sopra ao longo de trajetórias retilíneas.
17
Figura 14 - Esquema da Circulação Geral da Atmosfera (Figura adaptada de Tempo e Clima no
Brasil/ Iracema F. A. Cavalcanti)
II.1.2 Movimentos horizontais
Até o momento não foram considerados no estudo da circulação geral da
atmosfera os efeitos da rotação da Terra em torno de seu próprio eixo. Ao
acrescentarmos a influência dos movimentos do planeta nessa análise, viabilizamos a
existência de movimentos horizontais na dinâmica da circulação atmosférica.
O efeito mais importante na dinâmica dos movimentos horizontais é o Efeito
Coriolis9, que é a tendência que qualquer corpo em movimento sobre a superfície
terrestre tem de mudar sua trajetória devido à rotação da Terra. Tal tendência pode ser
modelada pela descrição de vetores velocidade e aceleração para um referencial não-
inercial em rotação, quando observados de um referencial inercial fixo.
Portanto, a massa de ar que caminha de uma zona de alta pressão para uma zona
de baixa pressão, nos níveis inferiores das células de recirculação vertical, não segue
9 Gaspard-Gustave Coriolis (1792-1843), matemático francês. É conhecido principalmente pelo teorema
da mecânica que leva seu nome e pela força inercial de Coriolis.
18
uma trajetória retilínea na vertical. O que origina os ventos alísios de nordeste no
Hemisfério Norte e de sudeste no Hemisfério Sul, que convergem na Zona de
Convergência Inter Tropical (ZCIT). A Figura 15 ilustra a formação dos alísios devido
ao Efeito Coriolis e a formação da ZCIT.
Figura 15 - Efeito Coriolis (Figura adaptada de Tempo e Clima no Brasil/ Iracema F. A.
Cavalcanti)
II.2 Efeitos de escala sinótica que afetam a região de interesse
Assim como descrito na introdução do trabalho, a região de interesse para este
projeto é a região nordeste do Brasil (NE). Portanto, os sistemas meteorológicos que
serão brevemente abordados nessa seção estão diretamente relacionados com a
climatologia e o regime de ventos da região nordeste brasileira.
II.2.1 Zona de Convergência Intertropical do Atlântico
A Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) é considerada o sistema mais
importante gerador de precipitação sobre a região equatorial dos oceanos Atlântico,
Pacífico e Índico, assim como sobre áreas continentais adjacentes. Na escala planetária,
a ZCIT está localizada no ramo ascendente da célula de Hadley, atuando no sentido de
19
transferir calor e umidade dos níveis inferiores da atmosfera das regiões tropicais para
os níveis superiores da troposfera e para médias e altas latitudes.
A ZCIT é formada principalmente pela confluência dos ventos alísios do
hemisfério norte com os ventos alísios do hemisfério sul - assim como já fora
demonstrado na seção anterior que tratava da circulação geral da atmosfera - nas
condições de: baixas pressões, altas temperaturas da superfície do mar e intensa
atividade convectiva. Esse sistema é visualizado em imagens de satélite como uma
banda de nuvens convectivas que se estende em uma faixa ao longo da região
equatorial, como ilustra a figura abaixo (Figura 16).
Figura 16 - Imagens do satélite GOES da Zona de Convergência Inter Tropical (ZCIT)
Considerando a região do Atlântico Equatorial, a ZCIT migra sazonalmente, em
anos considerados normais, de sua posição mais ao norte (em torno de 14ºN), durante
agosto-setembro, para sua posição mais ao sul (em torno de 2ºS), durante abril-março.
Essa migração sazonal da ZCIT tem papel importante na determinação da estação
chuvosa na região norte do NE.
20
Imagens de satélite foram utilizadas por Citeau et al. (1985, 1988a, 1988b) e
Uvo (1989) para identificar a banda máxima de cobertura de nuvens como
representativa da ZCIT. Para tais autores, essa permanência por um período prolongado
da ZCIT em suas posições mais ao norte ou mais ao sul que determina a qualidade da
estação chuvosa de regiões como o Sahel10
, a costa noroeste da África e o norte do
Nordeste do Brasil (NEB). No norte do NE, se a ZCIT somente iniciar a sua migração
para o norte em fins de abril e início de maio, as chuvas provavelmente serão
abundantes.
II.2.2 Vórtice Ciclônico de Altos Níveis
Os Vórtices Ciclônicos de Altos Níveis (VCANs) são sistemas meteorológicos
caracterizados por centros de pressão relativamente baixos que se originam na alta
troposfera e se estendem até os níveis médios, dependendo da instabilidade atmosférica.
Eles se desprendem do escoamento atmosférico associado, são quase estacionários, mas
podem se deslocar lentamente tanto para leste quanto para oeste, e também se
caracterizam por um tempo de vida de vários dias.
Os VCANs que penetram na região Nordeste do Brasil formam-se no oceano
Atlântico, principalmente entre os meses de novembro e março, e sua trajetória
normalmente é de leste para oeste. O tempo de vida desses sistemas que atuam no NEB
varia em média, entre 4 a 11 dias. Os efeitos desse sistema sobre a precipitação no
Nordeste do Brasil são bastante evidentes, principalmente quando os VCANs se
originam no continente.
Na periferia dos VCANs há formação de nuvens causadoras de chuva e no
centro há movimentos de ar de cima para baixo (subsidência), aumentando a pressão e
inibindo a formação de nuvens. A Figura 17 ilustra essa dinâmica.
10
Sahel é uma faixa territorial de 500 km a 700 km de largura e 5.400 km de extensão, situada na África
Subsaariana.
21
Figura 17 - Imagem do Satélite GOES-13 com formação do VCAN próximo ao Recôncavo Baiano
II.2.3 Linhas de Instabilidade
As Linhas de Instabilidade (LI) são bandas de nuvens causadoras de chuva
organizadas em forma de linha – essa é a razão pela qual são nomeadas Linhas de
Instabilidade. Sua formação se dá basicamente pelo fato de que com a grande
quantidade de radiação solar incidente sobre a região tropical ocorre o desenvolvimento
de nuvens com consequentes chuvas. Outro fator que contribui para o incremento das LI
é a proximidade com ZCIT.
Também é válido ressaltar que a convecção profunda nos trópicos tem um papel
fundamental na circulação global e energética da atmosfera tropical, por meio da
extração de calor da camada limite planetária – o conceito de camada limite será melhor
explicado no capítulo de avaliação do potencial eólico –, o qual é redistribuído na alta
troposfera. Assim, essas LIs constituem um dos sistemas mais importantes no transporte
de calor para a alta troposfera.
22
II.2.4 Frentes Frias
Outro importante mecanismo causador de chuva no NE está ligado à penetração
de frentes frias até as latitudes tropicais entre os meses de novembro a janeiro.
As frentes frias são bandas de nuvens organizadas que se formam na região de
confluência entre uma massa de ar frio, mais densa, com uma massa de ar quente menos
densa. A massa de ar frio penetra por baixo da massa de ar quente, como uma cunha, e
faz com que o ar quente e úmido suba, forme as nuvens e, consequentemente, as chuvas.
A imagem abaixo (Figura 18) ilustra essa dinâmica.
Figura 18 - Diagrama esquemático de formação de Frentes Frias
II.2.5 Ondas de Leste
As Ondas de Leste se formam no campo de pressão atmosférica, na faixa
tropical do globo terrestre, na área de influência dos ventos alísios, e se deslocam de
oeste para leste, ou seja, desde a costa oeste da África até o litoral leste do Brasil.
Este fenômeno provoca chuvas principalmente na Zona da Mata que se estende
desde o Recôncavo Baiano até o litoral do Rio Grande do Norte, mas, quando as
condições oceânicas e atmosféricas estão favoráveis, as ondas de Ondas de Leste
também provocam chuvas no estado do Ceará nos meses de junho a agosto,
principalmente na parte centro-norte do estado. A Figura 19 ilustra esse fenômeno.
23
Figura 19 - Imagem do Satélite GOES-13 com formação das Ondas de Leste bem definida
II.3 Efeitos de mesoescala que afetam a região de interesse
Traçando um paralelo com a seção anterior, essa seção irá descrever brevemente
alguns fenômenos de mesoescala que afetam a climatologia e o regime de ventos do
NEB.
A escala dos fenômenos estudados nessa seção – a mesoescala – caracteriza
alguns efeitos locais que não encontram definição quando a escala utilizada é a escala
sinótica ou a escala global. Logo, fenômenos presentes na escala em questão são de
suma importância para a caracterização do microclima de um sistema e, por
conseguinte, fundamentais na análise de um terreno de orografia11
complexa.
11
A orografia é a parte da geografia física que se dedica à descrição de montanhas. Através das suas
representações cartográficas, é possível visualizar e estudar o relevo de uma região.
24
II.3.1 Brisas
A proximidade com o mar e a altitude local são dois controladores muito
importantes do clima local denominados, respectivamente, brisa marítima/terrestre e
brisa vale/montanha.
II.3.1.1 Brisa Marítima/Terrestre
A brisa terrestre ocorre durante a noite, quando a terra se resfria mais
rapidamente do que o oceano. Este, por ter capacidade calorífica maior que a da terra
demora mais que a superfície terrestre tanto a se aquecer quanto a se resfriar. Dessa
forma, o gradiente de pressão formado pela diferença de temperatura do ar que está
sobre a terra e do ar que está sobre o mar gera um deslocamento da massa de ar da terra
para o mar.
Por outro lado, durante o período do dia observa-se exatamente o oposto, e a
brisa marítima sopra do mar para a terra. Tal dinâmica é demonstrada na Figura abaixo
(Figura 20).
Figura 20 - Diagrama esquemático da dinâmica da brisa marítima
25
II.3.1.2 Brisa Vale/Montanha
Em regiões altas, durante a noite, o ar se resfria mais do que nos vales. O ar frio
é mais denso e flui para os vales formando a brisa de montanha, também conhecida
como fluxo catabático.
Assim como na brisa marítima/terrestre, ocorre uma inversão no período diurno
para a brisa vale/montanha. Durante o dia, o sol aquece as encostas com face para leste
antes de aquecer os vales, gerando a brisa de vale para montanha (Figura 21).
Figura 21 - Diagrama esquemático da dinâmica da brisa vale/montanha
II.3.2 Complexos Convectivos de Mesoescala
Os Complexos Convectivos de Mesoescala (CCMs) são aglomerados de nuvens
que se formam devido às condições locais favoráveis como temperatura, relevo,
pressão, etc., e provocam chuvas fortes e de curta duração, normalmente acompanhadas
de fortes rajadas de vento.
Normalmente chuvas associadas a esse fenômeno meteorológico ocorrem de
forma isolada. Os CCMs, na região subtropical, ocorrem preferencialmente durante os
meses de primavera e de verão do hemisfério sul, formando-se no período noturno com
um ciclo de vida entre 10 e 20 horas.
26
II.4 A influência dos oceanos e alguns fenômenos anômalos
A última seção desse capítulo visa tanto descrever – novamente de forma breve
– fenômenos anômalos que interferem na climatologia do nordeste brasileiro (NEB),
quanto organizar o conceito da influência que os oceanos exercem no clima, uma vez
que vários fenômenos já descritos anteriormente – tanto de escala sinótica quanto de
mesoescala – possuíam relação direta ou indireta com os oceanos, principalmente com a
temperatura superficial média (TSM) dos oceanos.
II.4.1 Influência dos oceanos Atlântico e Pacífico na climatologia do NEB
Retomando um pouco do que já foi dito previamente nesse capítulo, a
temperatura superficial dos oceanos é de extrema importância para o comportamento da
maioria dos mecanismos meteorológicos já descritos até então.
O posicionamento da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) é influenciado
principalmente pelo perfil norte-sul da TSM no Atlântico Tropical e a região de máxima
cobertura de nuvens localiza-se sobre ou muito próxima à região de águas superficiais
mais quentes (et al. Pike 1971).
O trabalho de Hanstenrath (1978), além de associar alterações no período
chuvoso no estado do Ceará com variações nas TSM do Atlântico Sul e Norte, também
observou influências das variações na TSM do Pacífico Leste no referido clima.
II.4.2 Anomalias nas temperaturas da superfície dos oceanos
Assim como descrito na subseção anterior, os sistemas meteorológicos que
configuram a climatologia de uma determinada região – no caso o nordeste brasileiro –
sofrem forte influência da TSM dos oceanos próximos a eles.
Dessa forma, fica mais que demonstrado que alterações nos valores históricos da
temperatura média dos oceanos (TSM) podem afetar o período chuvoso e o regime de
27
vento dessa tal região. A Figura 22 mostra a anomalia da TSM do Pacífico Tropical
para o período que vai de 13/10/2015 até 20/10/2015.
Figura 22 - TSM anômala do Pacífico Tropical (fonte: INPE)
Entretanto, mesmo possuindo esse caráter aleatório, tais anomalias possuem uma
certa repetibilidade na história. Fato que permitiu agrupar e classificar certas
ocorrências dessas anomalias e, por conseguinte, nomear tais fenômenos anômalos.
II.4.2.1 El Niño
El Niño é um fenômeno atmosférico-oceânico caracterizado por um
aquecimento anormal das águas superficiais no oceano Pacífico Tropical, e que pode
afetar o clima regional e global, mudando os padrões de vento a nível mundial, e
afetando assim, os regimes de chuva em regiões tropicais e de latitudes médias.
28
II.4.2.2 La Niña
La Niña representa um fenômeno oceânico-atmosférico com características
opostas ao EL Niño, e que se caracteriza por um esfriamento anormal nas águas
superficiais do Oceano Pacífico Tropical. Alguns dos impactos do La Niña tendem a ser
opostos aos de El Niño, mas nem sempre uma região afetada pelo El Niño apresenta
impactos significativos no tempo e clima devido à La Niña.
II.4.2.3 Dipolo do Atlântico
O Dipolo do Atlântico também é um fenômeno oceânico-atmosférico e consiste
na diferença entre a anomalia da Temperatura da Superfície do Mar-TSM na Bacia do
Oceano Atlântico Norte e Oceano Atlântico Sul.
O dipolo positivo do Atlântico quando ocorre em conjunto com o fenômeno El
Niño, dependendo de sua intensidade, é responsável por anos considerados secos ou
muito secos na região do nordeste brasileiro (NEB). A tabela abaixo (Tabela 1) ilustra a
influência dessas três anomalias nos anos de 1995 a 2003 no clima do NEB.
Tabela 1 - Influencia dos fenômenos anômalos no clima do NEB
Ano El Niño La Niña Dipolo do Atlântico
Classificação Climática (ano foi considerado)
1995 Moderado - Negativo Chuvoso
1996 - Fraca Positivo Normal a Chuvoso
1997 Neutro Neutra Positivo Seco
1998 Forte - Positivo Muito Seco
1999 - Forte Negativo Normal
2000 - Moderada Negativo Normal
2001 - Moderada Neutro Normal a Seco
2002 Fraco - Negativo Normal
2003 Neutro Neutra Negativo Normal
Fonte: FUNCEME e INPE/CPTEC
29
CAPÍTULO III – FUNDAMENTOS DA AVALIAÇÃO DO POTENCIAL
EÓLICO
Assim como tratado na introdução do trabalho, é de suma importância para o
desenvolvimento de um bom projeto eólico a avaliação correta do potencial da região de
interesse, não só do vento propriamente dito, mas de todas as variáveis que influenciam
no desenvolvimento de um projeto de geração eólica.
Dentre os principais parâmetros avaliados na análise do potencial eólico de uma
região, se destacam: a avaliação do terreno – mapeamento da topografia e da rugosidade
do local –, a campanha de medição do vento da região, o estudo de todas as restrições
do projeto e, por fim, a modelagem do escoamento atmosférico e estimativa da
produção energética do parque eólico.
III.1 Terreno no Escoamento Atmosférico
O relevo, sobre o qual um projeto eólico é desenvolvido, influi diretamente no
regime dos ventos atuante na região e, também, determina algumas restrições físicas
para o projeto – a inclinação do terreno pode ser responsável por inviabilizar a
instalação de um aerogerador em um determinado ponto.
Essa seção, do presente capítulo, tem como objetivo tratar, brevemente, todos os
aspectos abordados na análise de um terreno quando o projeto eólico está em fase de
desenvolvimento.
III.1.1 Classificação, Obtenção e Tratamento de Dados
Primeiramente, é fundamental definir os parâmetros necessários para o estudo do
terreno – classificando-os quanto a suas características básicas – e descrever as
ferramentas e metodologias utilizadas para o seu tratamento.
30
Seguindo uma ordem lógica, essa subseção tratará os dois parâmetros
necessários para a avaliação do terreno – a topografia e a rugosidade – e descreverá uma
metodologia de tratamento desses dados utilizando ferramentas de geoprocessamento.
III.1.1.1 Topografia
A palavra "Topografia" deriva das palavras gregas "topos" (lugar) e "graphen"
(descrever), o que significa, a descrição exata e minuciosa de um lugar. Sua finalidade é
determinar o contorno, dimensão e posição relativa de uma porção limitada da
superfície terrestre, do fundo dos mares ou do interior de minas, desconsiderando a
curvatura resultante da esfericidade da Terra. Compete ainda à Topografia, a locação,
no terreno, de projetos elaborados de Engenharia. (DOMINGUES, 1979).
Assim como antecipa a definição acima, a topografia é um parâmetro que
precisa ser considerado em projetos de engenharia. No caso de um projeto eólico, dados
do terreno, referentes à topografia, são utilizados como condição de contorno para os
modelos que calculam o escoamento do vento para a região do projeto e, também,
determinam possíveis restrições para o posicionamento dos aerogeradores dentro do
projeto.
Dados topográficos podem ser matriciais (raster12
), triangulares (Triangulated
Irregular Networks13
- TIN) ou vetoriais (feição14
). Cada forma de representação citada
associa valores de altitude a uma coordenada do globo terrestre, usando técnicas
diferentes. As imagens a seguir ilustram as formas existentes de dados topográficos
(Figura 23) e sua visualização em três dimensões (Figura 24).
12
O formato matricial é baseado numa estrutura de grade de células (matriz). Pelo fato do valor ou código de uma célula representar todas as feições dentro de uma grade, este não mantém corretos o tamanho, a forma ou a localização, para feições individuais. 13
A grade triangular é uma estrutura topológica vetorial do tipo arco-nó formando recortes triangulares do espaço. A grade de um arquivo TIN é formada por conexão entre amostras do fenômeno, utilizando a triangulação de Delaunay. 14
Por definição, vetores são elementos de dados que permitem descrever posição e direção. Em SIG (Sistemas de Informações Geográficas), um vetor é a representação gráfica de feições como mapa, sem o efeito de generalização de uma grade matricial.
31
Figura 23 – Tipos Existentes de Dados Topográficos para uma Mesma Área (gerados no ArcGIS)
Figura 24 - Visualização 3D dos Dados Topográficos (gerado no Global Mapper)
Na Figura 23 há quatro representações do mesmo terreno: representação do tipo
TIN (1); o raster da elevação (2); o mapa vetorial com as curvas de nível do terreno (3)
32
e as quatro representações sobrepostas (4). Na Figura 24 verifica-se a visualização em
três dimensões dos dados topográficos da mesma região abordada na Figura 23,
evidenciando, apenas, a visualização do arquivo matricial (raster) sobreposto ao arquivo
vetorial (curvas de nível).
Por fim, quanto à forma de obtenção de dados topográficos, existem duas
vertentes possíveis, o sensoriamento remoto e as medições em campo. Ambas as
técnicas, apesar de distintas, podem atuar de forma complementar, isto é, pode-se usar o
sensoriamento remoto como forma de estudo prévio e as medições em campo como
uma maneira de detalhar os resultados e mitigar algumas incertezas do estudo do
projeto.
Uma forma viável de realizar as medições via sensoriamento remoto é pela
utilização de sistemas de satélite. As radiações do espectro visível e do infravermelho
podem ser registradas pelos sistemas passivos de sensoriamento remoto com métodos
fotográficos, de vídeo e de varredura (scanners). Esses sistemas registram a radiação
eletromagnética que é refletida ou emitida pelos alvos terrestres, mapeando os valores
de altimetria na resolução de medição do satélite.
A outra forma de levantamento de dados topográficos é a própria medição em
campo. Esta operação só pode ser realizada por um topógrafo qualificado de acordo
com a norma NBR 13133 da Associação Brasileira de Normas e Técnicas (ABNT).
III.1.1.2 Rugosidade do Terreno
A rugosidade descreve a força com que superfície atua como sumidouro de
momentum, absorvendo o impacto dos ventos. Dois parâmetros são utilizados para
descrever esse efeito: o comprimento da rugosidade (z0) – amplamente utilizado nos
estudos de potencial eólico – e o coeficiente de arrasto (CD). O parâmetro z0 é
independente da altura, enquanto CD é função da altura de referência (SHAW;
PEREIRA, 1982; WIERINGA, 1993).
Dos dois parâmetros citados acima, o que possui ampla utilização no estudo e no
desenvolvimento de projetos eólicos é o comprimento de rugosidade (z0).
33
Algebricamente, z0 é apenas uma constante de integração do perfil vertical de
velocidade horizontal do vento (eq. 3.1) acima de uma superfície com obstáculos de
porte alto e sob condições adiabáticas (MONIN; YAGLOM, 1971). Assim z0 é a altura
na qual a velocidade horizontal do vento tende a zero, ou seja, é o limite inferior de
validade do perfil médio. A equação 3.1 correlaciona a velocidade horizontal média do
vento (Uz) à altura z com o comprimento de rugosidade (z0).
(3.1)
onde: k(=0,40) é a constante de von Kármán; é a velocidade de fricção [m/s] (eq.
3.2); é o limite superior da subcamada atmosférica rugosa (SCR) [m]; e d é o
deslocamento do plano zero [m] – d é um escalar empírico para compensar o
deslocamento vertical da dissipação de momentum pela superfície com obstáculos.
(3.2)
onde: é a tensão de cisalhamento na superfície do solo [N/m²]; é a massa
específica do ar [kg/m³].
Analogamente à topografia, os dados de rugosidade de um terreno também são
expressos em formatos específicos, podendo ser obtidos via sensoriamento remoto ou
medições em campo – as visitas em campo também são usadas para a validação de
dados de sensoriamento remoto.
Os dados de rugosidade são geralmente matriciais (raster), mas, em algumas
aplicações, também podem ser expressos como dados vetoriais (feições, polígonos de
rugosidade ou polylines). A imagem a seguir (Figura 25) ilustra um raster de
rugosidade da região nordeste do Brasil, obtido via processo de sensoriamento remoto
(fonte: European Space Agency – ESA) à uma resolução de 300 m.
34
Figura 25 - Raster de Rugosidade do Nordeste Brasileiro (fonte: banco de dados do Meteodyn)
Assim como já fora citado, as técnicas de obtenção de dados de rugosidade são,
de certa forma, similares às técnicas de aquisição de dados topográficos, salvo algumas
particularidades.
Em relação à obtenção de dados via imagens de satélite, metodologia mais
comum no sensoriamento remoto, utiliza-se uma tabela de conversão que atribui um
valor de comprimento de rugosidade (z0) para cada padrão de cor, associado a um tipo
diferente de uso do solo, da imagem retirada por satélite – esse processo de classificação
é feito após o tratamento da imagem bruta retirada do satélite, isto é, é necessário
primeiro segmentar a imagem bruta em padrões de cor. A Tabela 2 demonstra uma
tabela de conversão de rugosidade possível, utilizada pela empresa AWS Truepower –
empresa desenvolvedora do software OpenWind, um dos aplicativos usados no estudo
de caso desse projeto.
35
Tabela 2 - Faixa de Valores de Comprimento de Rugosidade (z0) por Tipos de Uso do Solo
Tipo de Uso do Solo Faixa de Valores de Z0 (m)
Água 0,001
Área Urbana 0,3 – 0,75
Floresta 0,9 – 1,125
Área Alagada 0,15 – 0,66
Mata Arbórea Arbustiva 0,1 – 0,2
Mata Antropizada 0,03 – 0,07
Fonte: AWS Truepower
Por fim, as visitas in loco – metodologia mais acurada de obtenção de dados de
rugosidade do terreno – devem ser realizadas por profissionais habilitados a classificar
os diferentes tipos de vegetação e uso do solo (engenheiros ambientais, geólogos e etc.).
Uma vez mapeados todos os diferentes tipos de uso do solo e vegetação da área
estudada, aplica-se uma tabela de conversão semelhante à mostrada acima para se obter
um arquivo matricial (ou vetorial) relacionando valores de comprimento de rugosidade
(z0) a uma coordenada específica do globo terrestre. As medições feitas pessoalmente na
área de estudo também são necessárias para validar os padrões definidos pela
metodologia de sensoriamento remoto que utiliza imagens de satélite.
III.1.1.3 Geoprocessamento de Dados
Geoprocessamento é um conjunto de técnicas computacionais que opera sobre
bases de dados – que são registros de ocorrência – georreferenciados, para transformá-
los em informação (XAVIER DA SILVA, 2001).
No caso do desenvolvimento de um projeto eólico, o geoprocessamento de
dados é fundamental para o tratamento de informações do terreno – rugosidade e
topografia – e continua presente em todas as outras etapas do desenvolvimento do
projeto, por exemplo, todas as simulações e otimizações que serão realizadas mais a
frente nos estudos do projeto são georreferenciadas.
36
Dessa forma, fica evidente que o geoprocessamento no seu viés mais amplo é
parte integrante de todo o estudo de avaliação do potencial eólico de uma região. As
técnicas citadas anteriormente para a obtenção e o tratamento de informações de
topografia e rugosidade do terreno são implementadas, atualmente, por ferramentas GIS
(Geographic Information System) disponíveis no mercado, tais como o ArcGIS, o
Global Mapper – software que será utilizado no estudo de caso – entre outros mais.
III.1.2 Implicações do Terreno na Modelagem Física
Como elucidado no início desse capítulo, as informações de terreno definem
condições de contorno para as simulações do regime dos ventos de uma determinada
região. Do ponto de vista da modelagem física, as informações de comprimento de
rugosidade (z0) e de altitude realizam o acoplamento das equações de transporte, que
regem o comportamento do vento, com o terreno sob o qual o escoamento se
desenvolve – a formulação de teorias e equações empíricas que definem a influência do
terreno na forma como o vento se comporta serão abordadas nas subseções a seguir.
III.1.2.1 Camada Limite Atmosférica (CLA)
A superfície da Terra exerce importante influência sobre o escoamento
atmosférico na Troposfera15
. O escoamento do vento nessa camada da atmosfera é
fortemente influenciado pelas tensões cisalhantes e forças de empuxo térmico devido à
sua interação com a superfície terrestre, pela aceleração de Coriolis devido à rotação da
Terra e também pelos movimentos de grande escala na atmosfera – os ventos
geostróficos e térmicos.
Dessa interação do escoamento atmosférico com o terreno, observou-se que o
atrito das correntes de ar com a superfície terrestre produz, devido a efeitos viscosos,
uma força horizontal contrária ao fluxo incidente e decrescente com a altura, até um
ponto chamado de camada limite planetária ou atmosférica, além do qual chamamos de
atmosfera livre – região onde o vento circula ao longo de linhas da mesma pressão,
15
A Troposfera corresponde à camada atmosférica mais próxima do solo. Tal camada estende-se do nível
do solo até aproximadamente 12 km acima dele.
37
chamadas de isóbaras16
. Na atmosfera livre, devido às forças barométricas, que também
dependem da altura, os ventos crescem linearmente até atingirem a tropopausa, de onde
voltam a cair de valor.
A altura da camada limite atmosférica não é constante, variando com o tempo e
a localização geográfica. Ela é influenciada por diversos fatores, como a aceleração de
Coriolis, a velocidade do vento, a rugosidade da superfície e processos de troca de calor.
Dependendo da hora do dia e das condições atmosféricas, a faixa em que a velocidade
do vento é não perturbada está entre 600 e 2000 m.
Portanto, alterações no tipo do uso do solo e/ou da vegetação do terreno influem
diretamente na intensidade da média do vento local. A Figura 26 ilustra essa dinâmica.
Nessa ilustração esquemática são apresentados três perfis de velocidade para três
terrenos diferentes, considerando o mesmo vento geostróficos de 4,5 m/s e as mesmas
condições atmosféricas – a modelagem desse tipo de análise será explicada na próxima
subseção que trata dos perfis verticais de velocidade do vento horizontal.
Figura 26 – Perfis de velocidade em diferentes terrenos (figura de Renewable Energy/ Kaltschimitt)
16
Isóbaras é um termo meteorológico que representa linhas de um mapa que ligam pontos de igual pressão atmosférica, medido em bares. Além da pressão, o mapa de isóbaras também pode dar informações sobre a intensidade da média do vento e de sua direção, em uma determinada região.
38
A área da camada limite próxima ao solo é chamada de camada de Prandtl17
. As
condições de fluxo nessa área são dominadas pelo atrito do fluxo do ar contra a
superfície terrestre. A altura da camada de Prandtl varia com as condições
meteorológicas. Durante a noite, ela tem somente 10 a 50 m de espessura, ao passo que
durante o dia a extensão vertical está entre 50 e 150 m. Investigações mostram que o
rotor de um aerogerador a 60 m de altura tem somente cerca de 30% das horas anuais
dentro da camada de Prandtl. A Figura 27 apresenta de forma esquemática a porção da
CLA correspondente a Camada de Prandtl e a compara com a dimensão média de um
aerogerador padrão de grande porte disponível no mercado – para aplicações onshore a
altura de uma turbina eólica de grande porte está na faixa de 86 a 120 m.
Figura 27 - Camada Limite Atmosférica (Figura de Fundamentos de Energia Eólica/ Milton Pinto)
17
Ludwig Prandtl (1875-1953), físico alemão. Foi um dos pioneiros da aerodinâmica, tendo desenvolvido a base matemática para os princípios fundamentais da aerodinâmica subsônica na década de 1920. Entre seus estudos mais importantes estão a camada limite, os aerofólios finos e a teoria da linha de sustentação.
39
III.1.2.1.1 Perfil Logarítmico
Assim como descrito anteriormente na formulação do comprimento de
rugosidade (z0), existe uma lei empírica (eq. 3.1) que descreve como a média da
velocidade horizontal do vento varia com a altura para um determinado valor de z0. O
perfil vertical resultante dessa equação empírica também é conhecido como perfil
logarítmico e descreve de forma satisfatória os efeitos formulados na teoria de camada
limite – para alturas inferiores a 50 m aproximadamente – essa altura varia durante o dia
devido à estabilidade atmosférica –, onde há uma predominância dos efeitos do terreno
no desenvolvimento vertical do escoamento atmosférico.
Considerando o comportamento logarítmico da velocidade do vento, é possível
estimar a média de velocidade horizontal do escoamento numa determinada altura com
a informação da média de velocidade horizontal em outra altura, conforme equação 3.3
– descrita para dois referenciais distintos de altura para o mesmo perfil vertical.
(3.3)
onde: é a altura acima do solo no referencial 1 [m]; é a altura acima do solo do
referencial 2 [m]; é a velocidade horizontal do vento no referencial 1 [m/s]; e é a
velocidade horizontal do vento no referencial 2 [m/s].
Para alturas superiores à, aproximadamente, 50 m, o comportamento logarítmico
do vento sofre alguns desvios. A influência da rugosidade do terreno sobre o
escoamento diminui e o efeito do empuxo térmico passa a ser mais atuante.
Para alturas de interesse que excedem esse limite aproximado de 50 m, o
escoamento quente da superfície adquire grande importância, fazendo com que o perfil
de velocidade passe a se comportar conforme descrito na equação mais genérica abaixo
(eq. 3.4).
40
(3.4)
onde: é o fator empírico de correção do perfil atmosférico devido à influência
do fluxo de calor no solo [adimensional] – a função faz a correlação da influência do
fluxo de calor do solo no comportamento da camada limite e é fortemente dependente
de estratificação atmosférica18
.
Para condições estáveis, temos a equação 3.5:
(3.5)
Para condições instáveis, temos a equação 3.6:
(3.6)
onde: é o comprimento de estabilidade de Monin-Obukov [m].
Uma interpretação física, pertinente ao viés de análise de potencial eólico, do
comprimento de Monin-Obukov seria a altura em relação a superfície terrestre em que
as forças de empuxo passam a exercer domínio em relação ao efeito viscoso na
produção de turbulência (STULL, 1988). Esse parâmetro pode ser determinado pela
equação abaixo (eq. 3.7):
(3.7)
onde: é a temperatura absoluta da superfície [K]; é o calor específico do ar à
pressão constante [J/(kg.K)]; é a aceleração da gravidade [m/s²]; e é o fluxo de
calor na superfície [J/s].
18
A estratificação da atmosfera é a sua segmentação em regiões características. A estratificação que afeta o potencial eólico se da na Troposfera, região na qual cada estrato, camada, apresenta um comportamento diferente quanto à variação de temperatura e pressão em relação à altura.
41
III.1.2.1.2 Perfil Exponencial
Outra forma de determinação da velocidade do vento em alturas diferentes é
através do perfil exponencial, também conhecido como lei de potência (Power Law),
dado pela equação 3.8.
(3.8)
onde: é o coeficiente de atrito [adimensional].
A tabela abaixo (tabela 3) expressa alguns valores típicos do coeficiente de atrito
para determinadas características do terreno.
Tabela 3 - Coeficiente de Atrito para vários tipos de terreno
Características do Terreno Coeficiente de Atrito ( )
Calma superfície aquática ou solo suave 0,10
Grama alta ao nível do solo 0,15
Arbustos e cercas 0,20
Áreas rurais com muitas árvores 0,25
Pequenas cidades com árvores e arbustos 0,30
Grandes cidades com prédios elevados 0,40
Fonte: Rohatgi, 1994 (adaptado)
Trabalhos mais recentes também estudam a influência da estabilidade da
atmosfera no parâmetro , considerando condições distintas da atmosfera de uma região
atuando no mesmo tipo de terreno (KALTSCHIMITT, 2007). A tabela a seguir (Tabela
4) demonstra a influência da estabilidade atmosférica na magnitude do coeficiente .
42
Tabela 4 - Coeficiente de Atrito para vários tipos de terreno em diferentes condições atmosféricas
Estabilidade Superfície Aquática Aberta Superfície Plana Vilarejos e Cidades
Instável 0,06 0,11 0,27
Neutra 0,10 0,16 0,34
Estável 0,27 0,40 0,60
Fonte: Kaltschimitt, 2007
Também é possível observar que as variáveis da equação 3.3 são praticamente as
mesmas da equação 3.8, com exceção do z0 e do coeficiente de atrito – variável que
engloba os efeitos da superfície e da estabilidade atmosférica, dentre outras influências,
no escoamento local. A magnitude do pode variar de 0,06 em locais lisos com
condições atmosféricas instáveis até 0,6 em locais com alta rugosidade e com condições
atmosféricas estáveis (Tabela 4).
Todavia, tanto a formulação exponencial em (eq. 3.8) quanto a logarítmica em
(eq. 3.3) são aproximações que somente oferecem um valor inicial da variação da
velocidade do vento com a altura. Na realidade, nada é melhor do que as medidas de
campo. A correlação entre o coeficiente de atrito , também conhecido como
expoente de Hellman, e a forma logarítmica pode ser mensurada na seguinte
aproximação (eq. 3.9).
(3.9)
onde: H é a altura de referência [m] – o valor padrão de 1/7 para (também chamado
de expoente de cisalhamento do vento) provém de assumir uma altura de 10 m para um
comprimento de rugosidade de 0,01 m.
43
III.1.2.2 Obstáculos e Esteira
Outro conceito importante na temática “influência do terreno no
desenvolvimento do escoamento dos ventos”, que será tratado na presente seção do
trabalho, é o estudo dos obstáculos. Qualquer forma de barreira física – árvores,
edificações, formações rochosas, dunas, aerogeradores, entre outras formas possíveis –
atua como um obstáculo ao interagir com o deslocamento de uma massa de ar passante,
causando perturbações ao escoamento que, posteriormente, se dissipam ao longo de
uma determinada extensão territorial, devido a efeitos, principalmente difusivos, de
amortecimento de tais perturbações.
O fenômeno que mais interessa ao estudo de desenvolvimento de um projeto
eólico, relacionado às perturbações que um obstáculo provoca no escoamento, é o efeito
esteira. O termo esteira é, geralmente, aplicado à região do escoamento de um fluido de
vorticidade19
não nula a jusante20
de um obstáculo (BATCHELOR, 1967). A Figura 28
a seguir ilustra a dinâmica da formação da esteira atrás de um obstáculo.
Figura 28 – Esteira formada atrás de um obstáculo (Figura adaptada de Fundamentos de Energia
Eólica/ Milton Pinto)
19
Vorticidade é um conceito matemático utilizado em mecânica dos fluídos. Ela pode ser entendida como a quantidade de circulação ou rotação de um fluido por unidade de área de um ponto no campo de escoamento. 20
Jusante, em hidráulica, é a região do escoamento entre o observador e a foz do curso de um rio. O emprego desse termo na temática “escoamento atmosférico” faz referencia a região do escoamento posterior a um objeto, considerando o vento incidente como anterior a esse objeto.
44
A região de esteira é caracterizada por um déficit de velocidade e incremento da
intensidade de turbulência e, por esta razão, é um fator importante na definição do
layout de um projeto eólico, visto que a configuração ideal de um parque eólico deve
atender a condição de mínima influência da esteira de aerogeradores à montante21
em
aerogeradores à jusante – a modelagem matemática desse fenômeno será apresentada
mais a diante nesse capítulo. A Figura 29 ilustra a influência da formação de esteira de
um aerogerador à montante num outro à jusante – nessa imagem o gradiente de cor
indica a variação da média de velocidade horizontal do vento, onde vermelho seria a
média mais intensa e azul a média menos intensa.
Figura 29 – Influência da esteira de aerogeradores dentro do mesmo parque
Por fim, a última consideração qualitativa, acerca da dinâmica “obstáculos e
formação de esteiras” seria a distinção entre duas situações: o relevo e a vegetação
atuando ora como uma rugosidade no solo, ora como obstáculo. Este efeito dual do
terreno em análises de recurso eólico é devido ao referencial principal do estudo: o
aerogerador. Dependendo da altura de um objeto e da sua distância em relação ao
parque eólico, a esteira formada por esse objeto – árvore, edificação e etc. - pode ser
percebida ou não na região do parque. Dessa forma, um vilarejo, uma floresta ou uma
cidade – entre outras várias formas possíveis de obstáculo – só devem ser encaradas
como um obstáculo para o projeto se estiverem até uma determinada distância do
mesmo.
21
Montante, em hidráulica, é a região do escoamento entre a nascente do curso de um rio e o observador. O emprego desse termo na temática “escoamento atmosférico” faz referencia a região do escoamento anterior a um objeto, considerando o vento incidente como anterior a esse objeto.
45
III.1.2.3 Estabilidade Atmosférica
A estabilidade da atmosfera é um dos fatores fundamentais para o estudo dos
fenômenos de dispersão de efluentes e poluentes (SEINFIELD; PANDIS, 2000). Essa
afirmação foi retirada de um artigo da revista brasileira de meteorologia e faz referência
à aplicação mais usual do conceito de estabilidade atmosférica. Entretanto, também
seria correto afirmar que a estabilidade da atmosfera local é um fator de considerável
relevância para a avaliação do potencial eólico de uma região.
Como antecipado na subseção que tratava dos perfis verticais das médias de
velocidade horizontal do vento, variações nas condições de estabilidade da atmosfera
local são capazes de causar impactantes alterações na forma como essas médias de
velocidade variam com a altura, isto é, a estabilidade atmosférica afeta o movimento
vertical do ar – a convecção e a turbulência são aumentadas quando a atmosfera está na
condição instável e inibidas quando a condição é estável.
Dessa forma, faz-se necessário o conhecimento de metodologias capazes de
determinar a estabilidade atmosférica de uma região, dado um determinado intervalo
temporal – a estabilidade da atmosfera varia consideravelmente durante o dia –, para
uma avaliação mais detalhada do potencial eólico.
Uma boa solução para o problema de determinação da condição atmosférica foi
desenvolvida pelo meteorologista inglês Frank Pasquill. O sistema de classificação de
Pasquill (PASQUILL, 1961) é provavelmente a metodologia mais usada para classificar
a estabilidade atmosférica baseando-se em condições meteorológicas observacionais –
metodologia empírica. Estas classes dependem da velocidade do vento, juntamente com
a radiação solar durante o dia ou a fração de cobertura de nuvens durante a noite
(Tabelas 5 e 6).
Tabela 5 - Classes da Tabela de Pasquill
A – extremamente instável C – levemente instável E – levemente estável
B – moderadamente instável D - neutra F – moderadamente estável
Fonte: Pasquill, 1961
46
Tabela 6 - Tabela de Classificação da Estabilidade Atmosférica
Vento Superficial Insolação durante o dia Nebulosidade durante a noite
(Medido a 10 m) [m/s] Forte Moderado Leve >4/8 <3/8
< 2 A A – B B - -
2 – 3 A - B B C E F
3 - 5 B B - C C D E
5 – 6 C C – D D D D
> 6 C D D D D
Fonte: Pasquill,1961
Alternativamente à metodologia observacional de Pasquill, também é possível
calcular a condição de estabilidade atmosférica de forma algébrica. Um método
algébrico possível consiste no cálculo do fluxo turbulento vertical de empuxo – a média
do produto das flutuações de velocidade vertical e temperatura potencial – para a
determinação da condição de estabilidade.
Se o fluxo turbulento vertical de empuxo é positivo, a atmosfera é considerada
estar em condições instáveis, devido à instabilidade experimentada por uma parcela de
ar que se move verticalmente e adiabaticamente sob tais condições. Quando o fluxo é
negativo, a parcela de ar é inibida de movimento turbulento vertical e assim a atmosfera
é caracterizada como estável. Se o fluxo é igual a zero, a atmosfera é dita estar em
condições neutras.
Entretanto, a utilização desse método para aplicações práticas é inibido pela
grande dificuldade de realizar medições de temperatura potencial em campo. A
temperatura potencial é definida na equação abaixo (eq. 3.10).
(3.10)
47
onde: corresponde à razão e é o calor específico a volume constante por
unidade de massa de ar [adimensional]; é a pressão atmosférica na altura de referência
[KPa]; é a pressão ao nível do solo [KPa]; e é a temperatura absoluta na altura de
referencia [K].
III.2 Medição e Análise Estatística dos Dados de Vento
Para qualquer empreendimento eólico desenvolvido em território brasileiro, é
exigido, pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), um certo número de medições –
esse número varia com a área do projeto e com a complexidade do terreno – com um
intervalo mínimo de três anos de duração para a validação do projeto do parque eólico.
A importância de uma boa campanha de medição, comprovada pela exigência
das agências reguladoras, está relacionada à mitigação de incertezas da variável mais
significativa da avaliação do potencial eólico de uma região, o vento – isto é, o campo
de médias de velocidade do vento.
Como será elucidado mais adiante nesse capítulo, os dados de vento são
utilizados como entrada para qualquer ferramenta computacional de simulação do
regime de ventos. Logo, o fornecimento de dados problemáticos, isto é, com alguma
espécie de erro de calibragem, de medição, ou de qualquer outra origem, é capaz de
gerar um campo de médias de velocidade do vento com um erro considerável e com
nenhuma representatividade com o escoamento real – devido à natureza fortemente não-
linear dos fenômenos descritos pela modelagem utilizada em tais simulações.
Em suma, esta subseção irá descrever brevemente os tipos de dados de vento,
questões práticas de uma campanha de medição de vento – sensores, estratégias de
posicionamento, calibração e custos de medição –, a avaliação estatística dos dados de
vento e algumas técnicas de correlação e validação desses dados.
48
III.2.1 Tipos de Dados de Vento
Uma premissa muito importante para todo o conteúdo dessa seção, referente à
medição e análise do vento, é a discretização dos principais tipos de dados de vento.
Uma segmentação tradicional desse tipo de dados distingue-os quanto a sua
natureza. Portanto, tem-se dois grupos bem característicos de dados de vento possíveis:
os dados observados, isto é, medidos em campo, e as séries de reanálise.
O primeiro grupo, os dados observados (medidos), como o nome já adianta, é
obtido pela medição direta em campo. Sua medição é feita tradicionalmente por
sensores instalados em torres treliçadas – solução convencional para se medir dados na
altura de interesse – conectados a um datalogger que armazena e envia tais
informações. A imagem a seguir (Figura 30) ilustra uma configuração padrão de uma
torre treliçada com sensores de aquisição de dados de vento – essa solução também é
conhecida como Torre Anemométrica ou Meteorological Tower.
Figura 30 – Esquema representativo de uma torre anemométrica
49
Atualmente, existem duas alternativas de sensores, em oposição à solução
clássica da torre anemométrica, que medem informações do vento de alturas
consideráveis – de 25 m até 1500 m – sem a necessidade de estarem fisicamente
alocados em tais alturas, ou seja, tais sensores são capazes de realizar medições de
ventos em alturas superiores a 100 m estando posicionados ao nível do solo. Esses
sensores são de dois tipos distintos: Light Detection And Ranging (LIDAR) – utiliza a
emissão e recepção de sinais de laser para a medição das variáveis de interesse – e Sonic
Detection And Ranging (SODAR) – utiliza a emissão e recepção de sinais sonoros para
a medição das variáveis de interesse. A imagem a seguir (Figura 31) ilustra a utilização
dessas duas novas tecnologias de medição de dados de vento em projetos eólicos.
Figura 31 - Tecnologias modernas de obtenção de dados de vento (SODAR e LIDAR)
Por fim, o segundo tipo possível de dados de vento é formado pelas séries de
reanálise. As séries de reanálise de dados de vento são desenvolvidas através de
modelos numéricos de previsão do tempo com base na manipulação de dados de
variáveis físicas coletados em diversas fontes – estações sinóticas, radiossondas,
satélites, boias oceânicas, dentre outras – para a geração de séries históricas em cada um
dos pontos de uma malha global atrelada a cada tipo de série de reanálise. A Figura 32
ilustra a malha, referente a uma pequena porção do globo terrestre, de uma série de
50
reanálise muito utilizada para a avaliação de potencial eólico, a série Modern-Era
Retrospective analysis for Research and Applications (MERRA).
Figura 32 - Malha da série de reanálise MERRA para uma reião do leste canadense
Diferentemente dos dados observados, os dados advindos de séries de reanálise
não foram medidos por sensores posicionados na localidade de suas coordenadas. Esse
fato adiciona uma considerável incerteza a esse tipo de dado de vento.
Por esta razão, a utilização desse tipo de dado é mais usual em estudos
preliminares da avaliação do potencial eólico, quando, por alguma razão, não há
disponibilidade de dados observados no local avaliado e/ou o intervalo de tempo
medido é inferior ao mínimo necessário para a avaliação do prospecto de vento.
Das séries de reanálise existentes na atualidade, três são usadas com mais
frequência para fins de estimativa do recurso do vento para o desenvolvimento de
projetos eólicos: a série Modern-Era Retrospective analysis for Research and
Applications (MERRA) – fornecida pela National Aeronautics and Space
Administration (NASA), a série ERA-Interim – fornecida pelo European Centre for
Medium-Range Weather Forecasts (ECMWF) e a série Climate Forecast System
51
Reanalysis (CFSR) – fornecida pelo National Centers for Environmental Prediction
(NCEP).
III.2.2 Sensores (Custo, Localização, Calibração e Tecnologias)
Quando consideramos questões práticas de uma campanha de medição de vento,
é necessário, primeiro, estabelecer a localização da campanha de medição –
coordenadas e alturas –, o tipo de informação que será requisitada, os tipos de sensores
que serão utilizados nessa campanha, e, por fim, realizar a montagem, calibração e
monitoramento dos dados coletados.
III.2.2.1 Localização
A localização da coleta dos dados de uma campanha de medição de vento, para
fins de aproveitamento do recurso eólico, deve ser tal que a região onde a medição está
localizada seja representativa quanto ao comportamento global da área estudada. Em
outras palavras, dentro de uma região de interesse, para uma campanha de medição,
existem inúmeras situações que provocam particularidades no escoamento atmosférico
– formações abruptas do relevo, regiões com elevado comprimento de rugosidade, entre
outras – que, se escolhidas como sede de tais campanhas, iriam produzir resultados, nas
simulações, incompatíveis com a realidade, uma vez que tais simulações utilizariam
essas situações particulares como referência para todo o restante da área estudada.
Dessa forma, é de bom tom que se conheça a área que será avaliada previamente
ao início de qualquer campanha de medição. Existem opções de avaliação do
posicionamento ideal das medições de vento em algumas das ferramentas
computacionais de avaliação de potencial eólico, mas é sempre recomendável a visita in
loco para ajustes mínimos do posicionamento final de tais medições.
Ainda referente a representatividade dos dados de uma campanha de medição,
existem normas e recomendações da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) quanto ao
número mínimo de medições em relação a área que necessita ser validada. Essa norma
varia de acordo com a qualidade do terreno e determina que, para um relevo complexo –
foco do estudo de caso desse trabalho –, o raio de influência de uma local de medição,
52
para fins de validação, tem o valor máximo de 2 km, sendo necessária a instalação de
outra coleta de dados fora dessa região de influência para áreas do projeto que não
forem englobadas por tal circunferência de 2 km de raio, centrada no local da medição
realizada.
III.2.2.2 Custos de Medição
Na determinação das médias de velocidade horizontal do vento, obtém-se
incertezas consideráveis no cálculo da produção energética. Os custos envolvidos na
medição do vento giram em torno de 0,1 % do custo total do parque eólico, valores bem
menores se comparados com a redução do risco do investimento.
Os custos das campanhas medição são devidos: ao transporte, instalação e
montagem da estrutura necessária para a coleta dos dados, à compra e instalação
(comissionamento) dos sensores e do datalogger, à manutenção preventiva, geralmente
mensal, da estrutura – uma campanha de medição não pode possuir um intervalo maior
que quinze dias sem medição, sob pena da invalidação de toda a campanha de medição
já realizada – e ao monitoramento e tratamento das informações medidas – essas duas
últimas formas de custo perduram durante todo o período de medição.
Por fim, o montante de todos os custos discriminados anteriormente pode variar
de trezentos mil reais – projetos tradicionais com sensores alocados em torres
anemométricas – até valores acima um milhão de reais – campanhas de medição usando
um LIDAR ou um SODAR – (dados de 2015), dependendo da tecnologia utilizada.
III.2.2.3 Tipos de Sensores
Assim como descrito anteriormente, a escolha do sensor de uma campanha de
medição está diretamente relacionada com a definição de quais variáveis interessam
para o estudo. No estudo de avaliação do potencial eólico de uma região, as variáveis de
interesse são: a média e a direção da velocidade horizontal do vento, a pressão, a
temperatura absoluta, a umidade relativa do ar e, em alguns casos, a velocidade vertical
e a radiação global.
53
Dessa forma, os sensores que serão abordados a seguir, nessa subseção, medem
as variáveis descritas anteriormente. Todavia, para cada variável – como será tratado na
subseção “Análise Estatística dos Dados de Vento” do presente capítulo – existem
parâmetros estatísticos específicos que devem ser medidos, visto que para algumas
dessas variáveis a medição de todos as grandezas estatísticas não agregaria informações
relevantes na análise do potencial eólico. A Tabela 7 abaixo demonstra os parâmetros
estatísticos de interesse para cada variável medida numa campanha de medição –
convencionais e não convencionais.
Tabela 7 - Parâmetros estatísticos de interesse associados às variáveis físicas medidas
Variáveis Físicas Parâmetros Estatísticos de Interesse
Velocidade Horizontal [m/s] Média, Desvio Padrão, Máx./Mín.
Direção do Vento [graus] Média, Desvio Padrão, Máx. na direção da rajada
Temperatura Absoluta [oC] Média, Máx./Mín.
Radiação Solar [W/m2] Média, Máx./Mín.
Velocidade Vertical [m/s] Média, Desvio Padrão, Máx./Mín.
Pressão [kPa] Média, Máx./Mín.
Umidade Relativa [%] Média, Máx./Mín.
Fonte: AWS Truepower
III.2.2.3.1 Anemômetros
A velocidade do vento é medida por um instrumento chamado anemômetro (do
grego anemus que significa vento). Há, atualmente, uma gama de tipos desse sensor
disponíveis no mercado: rotacionais, de pressão, termoelétricos, a laser e sônico ou de
fase – além do tipo de tecnologia empregada, os tipos possíveis de anemômetros
também se subdividem em sensores que medem a velocidade horizontal do vento e
sensores que medem a velocidade vertical do vento.
Dos tipos possíveis de anemômetros disponíveis comercialmente, o que tem
ampla utilização em campanhas tradicionais de medição de vento é o anemômetro de
copo – da classe de sensores rotacionais, que medem a velocidade horizontal. Essa
54
configuração foi inventada por John Thomas Rommey Robinson22
em 1846 e
aperfeiçoada por J. Patterson23
em 1926.
O anemômetro rotacional de copo é um mecanismo de arrasto, em outras
palavras, ele é movimentado pela interação com vento incidente, predominantemente,
por forças de arrasto e mede a sua velocidade de forma indireta convertendo a
informação de intensidade de rotação do sensor. A Figura 33 ilustra um modelo de
anemômetro de copo muito usado em campanhas de medição de vento: o sensor Thies
First Class Advanced Anemometer.
Figura 33 - Thies First Class Advanced Anemometer
22
John Thomas Rommey Robinson (1792-1882), astrônomo e físico irlandês. É conhecido entre os meteorologistas como o inventor do anemômetro de copos. 23
John Patterson (1872-1956), meteorologista e físico canadense. Responsável pelo desenvolvimento da configuração atual de anemômetro de copo, que possui um erro inferior a 3% quando submetido a velocidades inferiores a 60 mph.
55
III.2.2.3.2 Birutas (“Wind Vanes”)
A medição de dados referentes à direção do vento horizontal é necessária para a
modelagem espacial da distribuição do recurso eólico de uma área de interesse.
Para a realização desse tipo de medição utiliza-se um sensor chamado wind
vane. A configuração mais usual desse tipo de sensor utiliza uma haste vertical acoplada
a uma cauda horizontal que gira solidária a direção do vento. A imagem a seguir (Figura
34) ilustra um modelo de wind vane da empresa Renewable NRG Systems, opção de
ampla utilização em projetos eólicos.
Figura 34 – RNRG 200P Wind Vane
Em relação a questões práticas de instalação desse tipo de sensor, é
recomendável que, para a mesma torre anemométrica, sejam instalados dois wind vanes
em hastes diferentes e/ou alturas diferentes. Essa técnica de instalação e montagem atua
no sentido de garantir a validade do resultado final da direção do vento medido.
56
III.2.2.3.3 Termo-higrômetros
Outro sensor de ampla utilização em campanhas de medição é o termo-
higrômetro. Este mecanismo é capaz de auferir medições de temperatura absoluta e
umidade relativa do ar – variáveis físicas usadas na estimativa da massa específica do ar
da região do projeto, que, por sua vez, é utilizada para estimativas de produção
energética do parque eólico.
A Figura 35 ilustra um modelo de termo-higrômetro comum em campanhas de
medição com torres anemométricas – na imagem o sensor está encapsulado dentro de
um suporte branco que protege o sensor contra o aquecimento devido à radiação direta
do sol, impedindo que a exposição a esse tipo de radiação interfira na medição.
Figura 35 - Exemplo de termo-higrômetro usado em torres anemométricas
III.2.2.3.4 Barômetro
A tomada de dados relativos à pressão do ar, assim como a coleta de informação
de umidade e temperatura, também é guiada pela necessidade de estimar com maior
precisão a massa específica do ar da região do projeto. Esse tipo de medição é realizada
tradicionalmente por barômetros (Figura 36).
57
Figura 36 - Barômetro desenvolvido pela empresa Vaisala
Entretanto, devido à dificuldade de medir de forma acurada a pressão do ar em
ambientes sujeitos à significativa atividade de ventos – a pressão induzida pela interação
da massa de ar em movimento com o sensor pode acrescentar erros em relação a
resposta final de pressão desse sensor – e a baixa sensibilidade da variável física alvo, a
massa específica do ar, em relação a pressão do ar, é comum não incluir medições desse
tipo em campanhas de medição , utilizando, por conseguinte, dados de pressão de
estações meteorológicas próximas à área do projeto como fonte de dados para as
análises do projeto.
III.2.2.3.4 Piranômetro
Dados de radiação são geralmente associados a projetos de geração solar, seja
ela fotovoltaica, solar térmica ou qualquer outra tecnologia. Todavia, há também uma
considerável relevância desse tipo de informação em projetos de geração eólica. Esse
tipo de dado, quando associado com informações de médias de velocidade do vento,
pode ser usado para o cálculo da estabilidade atmosférica, que, como já fora
apresentado, é muito influente na forma como o vento se comporta.
58
O equipamento mais usado para a aquisição desse tipo de informação é o
Piranômetro. Esse sensor é utilizado para medir a radiação solar horizontal global, que é
a combinação das radiações direta e difusa projetada no plano horizontal. A imagem a
seguir (Figura 37) ilustra um modelo de piranômetro possível.
Figura 37 - Piranômetro
III.2.2.4 Calibração e Montagem
O último aspecto prático, de uma campanha de medição de vento, que será
abordado na presente seção é a calibração e montagem dos principais sensores. As
temáticas ‘calibração’ e ‘montagem’ são fundamentais para a compreensão dos aspectos
práticos de uma boa campanha de medição de dados. Entretanto, a presente subseção
não irá se aprofundar no referido tema, mas sim apontar algumas normas e
procedimentos mandatórios para uma coleta de dados de vento tradicional.
Quanto à calibração, o aspecto mais importante na instalação dos sensores é a
definição do norte verdadeiro24
. Saber a direção do norte verdadeiro é essencial para a
interpretação correta de dados de direção e, também, fundamental para a definição do
layout da montagem dos equipamentos na torre de medição. A importância da
24
O Norte verdadeiro é a direção tomada à superfície da Terra que aponta para o Polo Norte geográfico.
59
determinação do norte verdadeiro em campo é justificada pela geração de layouts de
parques eólicos ineficientes devido à entrada de dados desalinhados nas otimizações de
definição de posição dos aerogeradores. Uma fonte de erro frequente, quando se realiza
esse tipo de calibração em campo, é a escolha do norte magnético25
como sendo o norte
verdadeiro. Atualmente, a forma mais confiável definição da direção do norte
verdadeiro é realizada por um aparelho Global Positioning System (GPS) – esse tipo de
aparelho é capaz de determinar diretamente a posição do norte verdadeiro, excluindo a
necessidade de medir o norte magnético para determinar a correlação com o norte
verdadeiro pelo cálculo da declividade magnética da região.
Em relação à montagem dos sensores, considerando, ainda, uma campanha de
medição tradicional realizada em torres de medição, é sempre necessário avaliar que a
posição do suporte dos sensores pode interferir em suas respectivas medições – esse
efeito indesejado é muito mais significativo nos aparelhos de medição de velocidade do
vento: os anemômetros. Em relação a esse tipo de sensor, a recomendação é posicionar
o suporte do sensor baseado na direção predominante do vento, de modo a evitar que o
sensor fique alocado na frente da torre de medição, tendo como referência a direção
mais frequente do vento local. A imagem a seguir (Figura 38) ilustra essa dinâmica.
Figura 38 - Esquema de montagem de anemômetros em torres de medição (imagem adaptada de
Wind resource Assessment/ Michael C. Brower)
25
Uma agulha imantada aponta sempre para o norte magnético e, de modo aproximado, para o norte verdadeiro. O ângulo entre o norte magnético e o verdadeiro reflete a declinação magnética do lugar e varia geralmente de 20 a 30 graus.
60
III.2.3 Análise Estatística dos Dados de Vento
Assim como explicado na subseção anterior, as informações do vento coletadas
em campanhas de medição – dados observados – e /ou modeladas em séries de reanálise
são expressas sempre como medidas estatísticas: médias, desvios padrões, máximos e
mínimos. Para cada medida estatística de dado de vento é gerada uma série temporal –
séries de dados observados, geralmente, possuem um intervalo de dez minutos entre
cada tomada de dados, ao passo que séries de reanálise costumam possuir intervalos
(steps) diários ou horários. A frequência de aquisição de dados observados é, por
norma, equivalente a 1 Hz. A Figura 39 ilustra a série temporal das médias de
velocidade horizontal de um dado da série de reanálise MERRA usado no estudo de
caso do projeto.
Figura 39 – Série temporal da média de velocidade horizontal (fonte: MERRA)
A partir da obtenção de uma série histórica das medidas estatísticas básicas, são
calculados outros parâmetros estatísticos: distribuições probabilísticas, intensidade de
turbulência, rosa setorial de frequência das medidas entre outras.
III.2.3.1 Intensidade de Turbulência (IT)
A intensidade de turbulência (eq. 3.11) é um parâmetro importante para a
escolha da classe do aerogerador que será utilizado no projeto e é, por definição, a razão
61
entre o desvio padrão da flutuação da velocidade horizontal do vento ( ) e a média de
velocidade horizontal do vento ( ).
(3.11)
em que é dado por 3.12:
(3.12)
onde: é o período do tempo cuja referência é [s]; é a velocidade do vento
horizontal instantânea [m/s]; é a média de velocidade horizontal do vento.
A Intensidade de Turbulência (IT) varia com a velocidade média do vento, com
a rugosidade do solo, com a estabilidade atmosférica e com a topografia do terreno. Os
menores valores de IT são medidos sobre o mar aberto, apresentando valores próximos
a 5%, ao passo que os maiores índices – 20% em média – são medidos sob terrenos com
alto valor de comprimento de rugosidade (z0).
III.2.3.2 Distribuição de Weibull
Quando um dado evento ocorre de modo aleatório, ele é tido como estocástico26
.
O vento tem características estocásticas e sua velocidade é uma variável aleatória
contínua. Logo, para facilitar a análise do vento, é necessário discretizar os dados na
forma de histogramas e, por conseguinte, funções de densidade de probabilidade.
26
Existe uma sutil diferença entre aleatoriedade e estocacidade. Apesar de improvável, é possível que sete lançamentos, consecutivos, de dados resultem numa sequência de sete números iguais, logo, a sequência é não aleatória, mas o lançamento de dados é.
62
A função de densidade que mais se ajusta a distribuição do vento é a distribuição
de Weibull27
(eq. 3.13).
(3.13)
onde: k é o fator de forma [m/s]; e c é o fator de escala [adimensional].
A imagem a seguir (Figura 40) ilustra o histograma da série temporal – das
médias de velocidade horizontal – extraída da série de reanálise MERRA (Figura 39) e a
função de Weibull que realizou o melhor ajuste para essa distribuição de médias de
vento horizontal.
Figura 40 - Histograma e melhor ajuste da função de Weibull para uma distribuição de médias de
velocidade horizontal do vento (fonte: MERRA)
27
Ernest Hjalmar Wallodi Weibull (1887-1979), físico suéco. Apresentou, em 1939, o modelo de planejamento estatístico sobre a fadiga de um material. É reconhecido, na estatística, pelos seus estudos sobre a distribuição de Weibull.
63
III.2.3.4 Rosa Setorial de Frequência
A rosa de frequência de dados de vento é uma distribuição probabilística muito
usada para a análise de variáveis vetoriais, como a direção do vento horizontal –
também, apesar de não muito usual, pode ser aplicada à grandezas escalares, como a
média de velocidade. Essa forma de representação de uma série histórica se dá pela
discretização da frequência de um tipo de medida estatística primária – média, desvio
padrão e etc. - em cada um de n setores, que sempre totalizam 360o, de um domínio
polar28
.
A Figura 41 ilustra a rosa de frequência da direção do vento horizontal da
mesma série de reanálise do MERRA, usada posteriormente no estudo de caso, que vem
sendo usada como referência dessa subseção de análise estatística dos dados de vento.
Figura 41 - Rosa de frequência da direção do vento discretizada em 16 setores (fonte: MERRA)
28
Em matemática, um sistema de coordenas polares é um sistema de coordenadas bidimensional, no qual cada ponto de um plano é determinado pela sua distância em relação a um ponto fixo e do ângulo em relação a uma direção fixa.
64
III.2.3.5 Correlação e Validação de Dados
O último tópico, referente à análise estatística dos dados de vento, é a validação
e correlação das informações coletadas. Antes dos procedimentos estatísticos realizados
com as séries temporais, descrito anteriormente, existe uma etapa muito importante que
consiste na validação dos dados brutos extraídos das medições – esse procedimento só é
necessário em dados observados – para a posterior análise de tais séries temporais.
Quando se trabalha com dados brutos de medição de vento, é comum se deparar
com erros de medição, tais como: medidas de direção sem nenhuma variação em um
longo intervalo de tempo devido ao travamento do wind vane, medidas de velocidade
absurdas – valores irreais de 400 m/s, por exemplo – devido a alguma falha de
processamento do anemômetro e/ou data logger e outras formas de falha possíveis.
Desse modo, a validação de dados brutos, extraídos em campanhas de medição,
atua no sentido de identificar e remover – esse procedimento é usualmente chamado de
flag – tais ocorrências das séries temporais brutas.
Para a realização dessa operação, existem duas técnicas principais: o uso de
filtros lógicos que podem ser empregados nas séries temporais – exemplo: “para >
400 m/s, marque o dado e o exclua” – e a própria inspeção visual dos dados expressos
graficamente.
Por fim, o último processo realizado na análise estatística do vento, deve ser a
correlação entre dados de vento de regiões próximas. Esse processo tem duas
finalidades principais: a primeira é determinar se é possível usar dados de uma série
temporal para completar alguns ‘buracos’ – pontos sem medição ou com dados
excluídos no processo de filtragem para validação – de outra série e /ou extrapolar um
período curto de dados observados – um a três anos de duração – para um intervalo de
longo prazo – dez a trinta anos ou mais de duração –; e a segunda seria determinar se
ambas as séries se encontram no mesmo regime climático.
Para a realização desse procedimento de verificação da correlação, é necessário
ajustar as séries estudadas para o mesmo step – intervalo temporal entre cada dado da
série. Após o ajuste das duas séries com mesmo step, realiza-se a escolha do período de
interesse que será avaliado.
65
Geralmente, têm-se séries de durações diferentes nesse tipo de análise, onde o
intervalo de medição de um dado contém o intervalo do outro, logo, o período escolhido
para a análise corresponde ao período da série de menor duração – considerando um
cenário onde se deseja correlacionar uma série com intervalo de duração que vai de
1999 até 2015 com outra série com intervalo de duração correspondente ao ano de 2013,
escolhe-se o ano de 2013 como referência para o estudo de correlação.
Feita a escolha das séries e do período de interesse, realiza-se a discretização das
diferenças do valor dos dados das séries, para cada intervalo temporal desse período de
interesse, na forma de um gráfico de dispersão. Para esse gráfico de dispersão, realiza-se
um ajuste da melhor reta – existem algumas técnicas possíveis para esse ajuste, mas a
mais usual é a técnica dos mínimos quadrados – e calcula-se o coeficiente angular da
reta gerada, que, por sua vez, é nomeado como fator de correlação (R2). Para a
confirmação da correlação satisfatória dos dados, espera-se encontrar valores de R2
superiores a 0,8 em séries de médias de velocidade com step temporal equivalente a um
mês.
III.3 Restrições para a Implementação de um Projeto Eólico
Outra análise mandatória para a implementação de um projeto eólico é o estudo
das restrições. Esse estudo lida, em grande parte, com as questões burocráticas do
desenvolvimento de um empreendimento eólico, sendo, por muitas vezes, um divisor de
águas entre a idealização do projeto e a concretização do mesmo.
Nesta subseção do capítulo de avaliação do potencial eólico, serão avaliadas
todas as restrições possíveis para um projeto eólico no Brasil, que, visando uma melhor
compreensão, foram subdivididas nas seguintes categorias: restrições técnicas,
restrições ambientais e restrições burocráticas.
III.3.1 Restrições Técnicas
O conjunto de restrições definido como pertencente à categoria técnica abrange
o conjunto de normas, leis e situações técnicas específicas que, por si só, seriam capazes
66
de impedir o posicionamento de um aerogerador em uma posição específica ou a
própria existência do empreendimento eólico em uma determinada região.
Primeiramente, é necessário analisar as restrições técnicas capazes de
inviabilizar a existência de um projeto numa determinada localidade. Os principais
eventos técnicos que podem ser considerados proibitivos ao projeto são: o prospecto de
vento do local; a existência de projetos eólicos já outorgados a jusante; a área de
influência de aeroportos; a logística de transporte dos aerogeradores para a região do
projeto; e a proximidade com uma infraestrutura de subestações de elevação de carga
capaz de absorver a demanda do projeto – no caso de projetos que serão ligados ao
Sistema Interligado Nacional (SIN)29
, caso o projeto atenda um geração distribuída, a
existência dessa infraestrutura não é necessária.
Em relação ao prospecto de vento da região, a confirmação da qualidade do
vento só ocorre depois da certificação – realizada por uma empresa autorizada – do fator
de capacidade (eq. 1.7) do parque calculado no desenvolvimento do projeto, cabe ao
desenvolvedor escolher a região certa para realizar toda a análise da avaliação do
potencial eólico – que vem sendo descrita nesse capítulo.
Os parâmetros para a escolha dessa área, considerando apenas a oferta de vento
e desconsiderando as outras restrições, são disponibilizados em bases GIS de
sensoriamento remoto, com as informações de climatologia do local, do atlas de
potencial eólico do país, de dados de vento de reanálise e de indícios de bons prospectos
de vento percebidos em visitas in loco na região escolhida – esses indícios podem ser
obtidos através da observação direta de indicadores biológicos, como árvores e arbustos
deformados pela ação contínua dos ventos, ou de censos realizados com a população
local.
A imagem a seguir (Figura 42) ilustra o atlas de potencial eólico do Brasil – a
uma altura de 50 m – cuja elaboração foi coordenada pelo Centro de Pesquisas de
Energia Elétrica (Cepel) no ano 2001.
29
Com tamanho e características que permitem considerá-lo único em âmbito mundial, o sistema de produção e transmissão de energia elétrica do Brasil é um sistema hidrotérmico de grande porte, com forte predominância de usinas hidrelétricas e com múltiplos proprietários. O Sistema Interligado Nacional é formado pelas empresas das regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e parte da região Norte. Apenas 1,7% da energia requerida pelo país encontram-se fora do SIN, em pequenos sistemas isolados localizados principalmente na região amazônica.
67
Figura 42 - Atlas eólico brasileiro (fonte: Cepel, 2001)
Por fim, no que tange o estudo de restrições técnicas, restaram apenas as
restrições que são proibitivas à locação de turbinas eólicas em uma determinada
posição, que, por sua vez, se subdividem em dois grupos principais: áreas de servidão –
nascentes, rios, estradas, benfeitorias e edificações – e restrições do terreno, isto é, a
inclinação do terreno. Um exemplo de análise desse tipo de restrição está presente na
otimização do layout final do parque eólico desenvolvido no estudo de caso do corrente
projeto.
68
III.3.2 Restrições Ambientais
Outra forma de restrição ao desenvolvimento de um projeto eólico são as
restrições ambientais. Elas podem estar relacionadas a áreas de proteção ambiental, que
por si só impedem a realização de um projeto, ou a parâmetros que devem ser mitigados
no desenvolvimento de um bom projeto eólico, dentre eles se destacam: o impacto
sonoro e visual do parque e a rota de migração dos pássaros.
III.3.3 Restrições Burocráticas
A última forma de restrição que será abordada nesse projeto é referente a
questões burocráticas que, no Brasil, seriam capazes de inviabilizar um empreendimento
eólico. Essa forma de restrição se faz presente em toda a questão fundiária que deve ser
resolvida para o desenvolvimento do empreendimento.
A magnitude dessa questão, no desenvolvimento de um projeto de grande e
médio porte – com potência instalada superior a 30 MW –, é de ordem elevada devido à
grande demanda por terras para o posicionamento das turbinas eólicas dentro do projeto.
Dessa forma, o desenvolvedor de um projeto eólico deve avaliar se há terras
regularizadas na área de interesse e/ou checar o trabalho que deverá ser realizado para
regularizar as terras ainda não regularizadas nessa área.
III.4 Modelagens para Simulação do Vento
Ao longo do desenvolvimento do capítulo em questão, foram citados inúmeros
fenômenos físicos do escoamento atmosférico. A compreensão da modelagem de tais
fenômenos é de suma importância para a análise dos resultados que as ferramentas
computacionais de recurso eólico fornecem.
Esta seção irá tratar, especificamente, de toda a modelagem de turbulência do
software de simulação do escoamento atmosférico via Computational Fluid Dynamics
(CFD) usado no estudo de caso, o software norueguês WindSim, e da modelagem de
esteira usado no software de otimização de parques eólicos Open Wind.
69
III.4.1. Modelagem do Software de Simulação do Escoamento via CFD
O software WindSim é uma interface para a aplicação do código de resolução via
análise CFD chamado Phoenics – desenvolvido por Cham (UK). O WindSim é
desenvolvido para o cálculo do escoamento do vento para aplicações específicas de
análise para aproveitamento em projetos eólicos.
As subseções a seguir, tem como finalidade contextualizar, de forma sucinta, os
aspectos fundamentais da modelagem da simulação do regime dos ventos.
III.4.1.1 Embasamento Teórico
Os estados de equilíbrio da matéria são caracterizados pela distribuição espacial
uniforme de cada uma de suas várias propriedades, com cada elemento da referida
matéria estando em balanço mecânico e térmico com os elementos vizinhos. Caso
algumas propriedades da matéria não estejam, inicialmente, uniformes, observa-se a
ocorrência da troca de propriedades térmicas e mecânicas entre os elementos adjacentes,
sempre no sentido de levar a matéria a seu estado de equilíbrio.
Um importante – e comum – resultado da troca entre dois elementos – com
propriedades diferentes – da matéria, é que o montante de algumas grandezas,
satisfazendo uma lei de conservação, associadas a um elemento diminui e o montante
associado ao outro elemento aumenta. O grupo que engloba todas essas trocas constitui
o que se intitula como ‘fenômenos de transporte’. Três tipos básicos de fenômeno de
transporte são o transporte de massa, energia e momentum (BATCHELOR, 1967).
Assim é descrito no trabalho de G.K.Batchelor, o comportamento da matéria é
regido pelos fenômenos de transporte. A modelagem que vem a seguir, nessa subseção,
atua no sentindo de estudar formas resolver o transporte de momentum no escoamento
de um fluido, com a finalidade de resolver os campos de velocidade e pressão do
escoamento atmosférico.
70
III.4.1.1.1 Equações Governantes
As principais equações governantes do escoamento, desprezando efeitos
moleculares, magnéticos e etc., são as equações de conservação de massa e energia e a
equação de transporte de momentum, também conhecida como equação de Navier-
Stokes.
Nesta subseção serão abordadas apenas as equações de transporte de momentum
e de conservação de massa – também conhecida como equação da continuidade –, visto
que são responsáveis pela base teórica da modelagem do software WindSim.
III.4.1.1.2 Equação da Continuidade
O primeiro assunto que deve ser abordado, no que tange a modelagem de todas
as equações que serão abordadas daqui para a frente, é a forma de descrição do espaço.
Para a descrição dos fenômenos de interesse desse trabalho, será utilizada a descrição
euleriana do movimento. Essa descrição se assemelha a descrição do campo magnético
em que grandezas do escoamento são definidas como função da posição do espaço (x) e
tempo (t).
O espaço descrito da forma euleriana pode ser pensado como o resultado de uma
foto da distribuição espacial das grandezas do fluido – velocidade, massa específica,
pressão e etc. – a cada instante de tempo (BATCHELOR, 1967).
Definida a forma de descrição do espaço sendo a forma euleriana, é necessário
descrever a aceleração de um elemento do fluido em (x, t). Todavia, derivada
não representa essa aceleração, uma vez que um elemento do fluido se encontra na
posição x apenas no instante t. Portanto, a expressão correta da aceleração de um
elemento do fluido necessita da compreensão de que um elemento na posição x no
tempo t estará na posição no instante , e que a alteração da velocidade no
intervalo infinitesimal de tempo é . A equação 3.14
aproxima a variação da velocidade em para uma ordem de erro de (O( )).
71
(3.14)
Logo, determina-se que a aceleração de um elemento no fluido, descrita no
espaço euleriano, é expressa pela equação 3.15.
(3.15)
onde: é definido, por convenção, como a derivada material.
Determinada a derivada material em função da aceleração do elemento de um
fluido, aplica-se essa definição à formulação integral da conservação da massa para um
cubo finito, descrito em coordenadas cartesianas, onde e são porções
infinitesimais de volume área superficial, é a massa específica e é o vetor unitário
normal à superfície (eq. 3.16). A Figura 43 ilustra o volume de controle definido
como um cubo finito de dimensões x, e .
Figura 43 - Volume de Controle (Figura de Introdução à Mecânica dos Fluidos/ Fox)
72
(3.16)
Considerando que o volume é fixo no espaço, pode-se reescrever 3.16 como a
equação a seguir (eq. 3.17).
(3.17)
onde: I é a matriz identidade.
Dessa forma, obtém-se que para um fluido incompressível, isto é, com derivada
material da massa específica nula, que o divergente da velocidade deve ser nulo. Logo,
a equação da continuidade para um fluido dito incompressível é representada pela
equação 3.18.
(3.18)
onde: u, v, e w são as componentes cartesianas da velocidade [m/s].
III.4.1.1.3 Equação de Navier-Stokes
Como antecipado anteriormente, a equação de Navier-Stokes é uma formulação
do fenômeno de transporte de momentum no meio fluido. Essa formulação utiliza a
hipótese do continuo, a segunda lei de Newton e a hipótese de fluido newtoniano para
descrever tal fenômeno.
A presente subseção descreverá de forma breve a formulação dessa equação tão
importante para a compreensão do escoamento atmosférico. A dedução completa da
equação de Navier-Stokes é feita nas referências [1] e [4] do presente trabalho.
73
Primeiro, ainda utilizando uma representação cartesiana do volume de controle,
descreve-se todas as tensões empregadas à superfície de um cubo finito. A ilustração a
seguir (Figura 44) ilustra a descrição de todas as tensões atuantes na direção x.
Figura 44 - Balanço de tensões na direção x de um volume de controle cartesiano (Figura de
Introdução à Mecânica dos Fluidos/ Fox)
Considerando a hipótese de fluido newtoniano, tais tensões podem ser expressas
como gradientes das propriedades do fluido, tais como a velocidade (u), a pressão ( ) e
viscosidade dinâmica ( ) [N.s/m2] – consultar referência [1]. As equações 3.19 e 3.20
explicitam a formulação das tensões axiais ( ) e cisalhantes (
) atuantes na
superfície do volume de controle.
(3.19)
(3.20)
74
O balanço dessas tensões e a aplicação da segunda lei de Newton resultam na
formulação cartesiana das equações de Navier-Stokes, representada pela equação a
seguir (eq. 3.21).
(3.21)
onde: é a aceleração da gravidade na direção i [m/s2]
Sob a condição da incompressibilidade do escoamento, a equação de Navier-
Stokes se reduz a equação vetorial 3.22.
(3.22)
III.4.1.1.4 Reynolds Averaged Navier-Stokes Equations (RANS)
Os escoamentos encontrados em situações de engenharia, como o caso do
escoamento atmosférico modelado para fins de estudo do potencial eólico, são
turbulentos.
Desse modo, uma forma de lidar com a turbulência, inerente ao escoamento de
um fluido, é a tomada da média das equações de transporte que modelam tal
escoamento. Portanto, define-se as grandezas do escoamento como a soma de médias e
flutuações e realiza-se a média da equação incompressível de transporte de momentum e
de conservação de massa.
O procedimento descrito acima é mostrado em detalhes na referência [2] e tem
como resultado a equação 3.23, também conhecida como Reynolds Averaged Navier-
Stokes Equations (RANS), que é sujeita a equação média da continuidade (eq. 3.24).
75
(3.23)
(3.24)
onde: é a média da velocidade do escoamento na direção i [m/s]; é a flutuação da
velocidade do escoamento na direção i [m/s]; é viscosidade cinemática do escoamento
[m2/s]; é a média das forças de campo na direção i [N]; e
é a média do produto
das flutuações da velocidade nas direções i e j.
A RANS é sujeita, também, à condição de não penetrabilidade e da lei da parede
– velocidade horizontal nula em qualquer superfície sólida.
III.4.1.2 Modelo de Turbulência - (Parametrização do WindSim)
A grande questão a se resolver quando se trabalha com as equações médias de
Navier-Stokes é a modelagem do termo proveniente da média do produto das flutuações
da velocidade (
). Para esse termo atribui-se o conceito de uma viscosidade
turbulenta ( ), descrito na equação a seguir (eq. 3.25).
(3.25)
onde: é o delta de Kronecker; e é a energia cinética turbulenta [m2/s
2], definida na
equação a seguir (eq. 3.26).
(3.26)
Dessa forma, existem modelagens de turbulência única e exclusivamente para
formular um fechamento para as equações médias de Navier-Stokes, também conhecida
como equações de Reynolds, modelando a viscosidade turbulenta ( ) – deve-se levar
76
em conta que a viscosidade turbulenta é uma propriedade do escoamento e não do
fluido.
Por sua vez, o software WindSim utiliza a modelagem de turbulência - para
realizar o fechamento da RANS. Essa modelagem possui esse nome porque expressa a
viscosidade turbulenta em função de duas equações de transporte criadas para grandezas
que satisfazem a dimensão da viscosidade turbulenta, a energia cinética turbulenta (k) e
a dissipação ( ). As equações a seguir (3.27 a 3.29) são o fechamento do problema da
modelagem da viscosidade turbulenta proposta por esse modelo de turbulência – a
dedução das equações de transporte se encontra na referência [2].
(3.27)
(3.28)
(3.29)
onde: é o termo de produção de energia cinética turbulenta, expresso pela equação
3.30; e , , , , são constantes determinadas pelas parametrizações do
software e expressas na tabela 8 – o WindSim dá a opção de duas parametrizações
diferentes: a tradicional parametrização do modelo - , denominada como standard k-
epsilon model constants; e a parametrização particular do programa, denominada como
modified k-epsilon model constants.
(3.30)
77
Tabela 8 - Parametrizações do Modelo de Turbulência no Software WindSim
Parametrização
Standard 0.09 1.0 1.3 1.44 1.92
Modified 0.324 1.0 1.85 1.44 1.92
Fonte: WindSim Validation
III.4.2 Modelo de Esteira
Ao agruparmos turbinas em parques eólicos ocorrem efeitos de interação entre
elas devido à operação de turbinas localizadas na esteira de outras turbinas. Como
consequência, temos uma ligeira queda de produção de energia e um aumento nas
cargas de fadiga aplicadas sobre as pás das turbinas.
Ao projetar um parque eólico, devem-se levar em conta todos estes efeitos, de
modo a conseguir uma operação que produza energia suficiente e para que as pás
possam resistir aos efeitos de fadiga causados pelas tensões turbulentas de Reynolds. É
necessário também atentar ao projeto da localização do parque em si.
Nessa subseção serão analisadas as duas técnicas, referentes à perda por efeito
esteira na geração energética do parque, que foram utilizadas no estudo de caso: a
modelagem de esteira “comprimento de mistura” e a metodologia Deep Array.
III.4.2.1 Modelo Comprimento de Mistura (AINSLIE, 1986)
Ao modelar a esteira através de um comprimento de mistura, Ainslie tinha em
mente entender a física do problema de esteira, uma vez que os modelos existentes até o
momento da publicação de seu artigo não conseguiam explicitar fisicamente todos os
problemas. O modelo de comprimento de mistura tem dois benefícios ao problema de
esteira: descrição dos efeitos turbulentos na mistura do escoamento na camada limite da
esteira e descrição do efeito da turbulência ambiental na esteira.
Segundo Ainslie, estudos feitos em esteiras de turbinas indicam a existência de
uma região complexa próximo à esteira que se estende sobre aproximadamente 2 a 4
diâmetros de turbina a jusante do escoamento. Nesta região há uma relaxação dos
78
gradientes de pressão axial e radial, que são causados pela extração de energia do
escoamento principal no rotor da turbina. Esta extração causa redução na velocidade e
um aumento na espessura da esteira conforme o ar continua o seu movimento natural. A
velocidade mínima irá ocorrer entre 1 e 2 diâmetros após a turbina, onde a velocidade
começa a aumentar novamente. Os vórtices de ponta do rotor da turbina começam a cair
dentro de 2 a 3 diâmetros devido à turbulência do ambiente.
A taxa de recuperação da esteira após passar por esta complexa região é
determinada pela turbulência gerada na camada limite da esteira e do nível de
turbulência ambiental, que é função do lugar onde é situado o parque eólico, da altura
das turbinas – quanto menores, ou seja, quanto mais próximas do solo, maior é a
turbulência ambiental – e da estabilidade da atmosfera.
III.4.2.1.1 Modelagem Matemática
No modelo de comprimento de mistura, o escoamento na esteira será
considerado axissimétrico, completamente turbulento, sem velocidade circunferencial –
irrotacional – e o campo de escoamento será considerado estacionário no tempo. Os
gradientes de pressão fora da região de esteira serão considerados desprezíveis. Os
gradientes na direção radial serão considerados muito maiores do que os gradientes na
direção axial. Assim, as equações de Navier-Stokes podem ser aproximadas pela teoria
de camada limite, desprezando os termos viscosos (eq. 3.31).
(3.31)
temos também a equação da continuidade (eq. 3.32):
(3.32)
onde: é a velocidade axial [m/s]; é a velocidade radial [m/s]; é a distância axial
medida em relação à turbina eólica [m]; é a distância radial medida a partir da linha de
79
centro da esteira [m]; e é a Tensão de Reynolds [m2/s
2] – definido como o produto
entre as flutuações das velocidades.
O conceito de viscosidade turbulenta será usado para descrever o termo da
tensão de cisalhamento através de um comprimento de mistura, definida como (eq.
3.33):
(3.33)
em que:
(3.34)
onde: é a escala de comprimento [m]; é a escala de velocidade que descrevem a
camada limite da esteira [m/s]; e é a contribuição da turbulência ambiente para o
comprimento de mistura [m2/s].
As escalas de comprimento e de velocidade são tomadas de forma a serem
proporcionais à largura da esteira e à diferença de velocidade através da camada limite
da esteira.
Para distâncias à turbina menores do que cinco diâmetros de rotor, é necessário
alguma correção na relação para o comprimento de mistura. A correção é feita com a
inserção de um fator F para filtrar a equação os valores da turbulência. O fator é
definido como (eq. 3.35 e 3.36):
; para x < 5,5
(3.35)
; para x ≥ 5,5
(3.36)
assim:
80
(3.37)
(3.38)
onde: é uma constante adimensional dada por 0,015; é a constante de Von Kármán;
é o nível de turbulência ambiental [%]; é a velocidade da linha central [m/s]; é
a velocidade do escoamento [m/s]; e é a medida da largura da esteira [m].
Todas as distâncias devem ser normalizadas com respeito ao diâmetro do rotor.
Baseado em dados experimentais, Ainslie concluiu que o perfil inicial da esteira é
Gaussiano e da forma descrita pela equação 3.39 abaixo:
(3.39)
Através da equação de conservação de quantidade de movimento é possível
relacionar o déficit da linha de centro da esteira ( ) com o coeficiente de impulsão do
rotor ( ) e assim chegar a uma expressão (eq. 3.40) para a largura inicial da esteira:
(3.40)
De dados experimentais, Ainslie chegou a uma relação empírica que relaciona o
déficit inicial da esteira ao coeficiente de impulsão do rotor e à intensidade de
turbulência ambiente (eq. 3.41):
(3.41)
81
Agora é possível resolver para a velocidade atrás de uma turbina eólica. A
solução requer um esquema de integração numérica. Usando o método de Crank-
Nicholson, incondicionalmente estável, baseado em diferenças centradas no espaço e
uma regra trapezoidal no tempo, dando um método de segunda ordem no tempo. A
solução deste problema é bem demorada, por isso, foi desenvolvido um método mais
simples para conseguir abordar este problema.
III.4.2.1.2 Simplificações à Modelagem Matemática
O perfil Gaussiano da esteira é preservado em todas as regiões após a turbina, de
tal maneira que apenas sua largura e sua profundidade sofrem alguma alteração. Já que
a largura da esteira está relacionada ao déficit através da conservação de quantidade de
movimento, sobra apenas o déficit da linha de centro da esteira para resolver.
(3.42)
Substituindo a equação (3.42) e a equação da continuidade (3.32) na equação de
conservação da quantidade de movimento, temos a equação 3.43:
(3.43)
onde:
(3.44)
A equação obtida acima (eq. BB) é uma equação diferencial de primeira ordem,
de forma que pode ser resolvida de maneira rápida e eficiente usando um esquema de
integração numérica simples.
82
III.4.2.2 Metodologia Deep Array
Os modelos de esteira para turbinas que existiam antes da proposição desta
teoria não levavam em consideração as perdas da esteira em projetos grandes com
muitas linhas de turbinas. Estes modelos ignoravam a interação entre as turbinas e a
atmosfera. Quando as turbinas retiram energia do vento através de seu rotor isso cria
uma zona onde a velocidade é reduzida a jusante. A montante e fora desta zona de
influência, o vento natural não é afetado pela presença das turbinas.
Teoria e experimentos demonstram que para grandes números de turbinas isto
não é válido, ou seja, a presença das turbinas irá reduzir a quantidade de energia
disponível para cada turbina retirar do vento que corre naturalmente no local de
instalação do parque eólico.
Novos modelos que envolvem o "deep-array" são necessários para simular
corretamente este efeito de perda de carga devido à presença de muitas turbinas na
região. Este problema de predição das perdas de carga envolve a dinâmica do problema,
interações entre as turbinas e algumas propriedades da atmosfera, como gradientes de
temperatura, pressão, velocidade e também a turbulência. Para a resolução de problemas
deste tipo é necessário um maquinário computacional muito forte, porém é de se esperar
que algumas simplificações funcionem bem para o projeto e estimativa da energia de
produção na próxima geração de projetos de energia eólica.
O modelo de Deep Array é um recurso do programa Open Wind para permitir
melhores cálculos que envolvam as perdas induzidas pela presença de turbinas no
caminho do escoamento natural de ar na região de localização do parque eólico – para o
estudo de caso, o cálculo das perdas por efeito esteira foi realizado com o auxílio do
modelo de comprimento de mistura atualizado pela metodologia deep array.
III.4.2.2.1 Aspectos Teóricos da Metodologia Deep Array
A aproximação usada no método de Deep Array empregada no Open Wind é
baseado em uma teoria de Sten Frandsen, onde um arranjo infinito de turbinas eólicas é
representado como uma região com alta rugosidade superficial. Esta rugosidade irá
gerar arrasto na atmosfera, causando uma redução na velocidade de escoamento do
83
vento na altura do cubo de geração da turbina. De acordo com a teoria, formulou-se uma
rugosidade equivalente para o parque eólico, que é escrita de acordo com a relação
abaixo (eq. 3.45):
(3.45)
onde: é a altura do cubo da turbina [m]; é a constante de Von Kármán, é a
rugosidade ambiental entre as turbinas [m]; e é o coeficiente de impulsão distribuído
(Thrust Coefficient) [adimensional] – pode ser encontrado de acordo com uma relação
entre o coeficiente de impulsão da turbina e os espaçamentos entre os cubos em duas
direções medidos em função do diâmetro do rotor (eq. 3.46):
(3.46)
A Figura 45 ilustra um gráfico onde é possível ver como a rugosidade
equivalente do parque eólico é profundamente dependente do espaçamento entre as
turbinas e nem tão dependente assim da rugosidade ambiental - no gráfico foi assumido
que a rugosidade para instalações offshore vale 0,001m e para instalações onshore vale
0,03m.
84
Figura 45 - Rugosidade equivalente (fonte: AWS True Power)
O gráfico mostrado acima usou um espaçamento médio (RD), calculado como a
média geométrica do espaçamento na direção do escoamento (sd) e o espaçamento na
direção transversal ao escoamento (sc).
É possível enxergar que para maiores espaçamentos entre as turbinas, a
rugosidade equivalente tem seu valor diminuído, concluindo que uma turbina exerce
pouca influência na perda de potencial das outras turbinas.
Uma vez que a rugosidade equivalente está definida, podemos obter uma relação
entre a verdadeira velocidade do vento na altura do cubo da turbina e a velocidade do
vento natural, longe da região afetada pelo posicionamento do parque eólico, de maneira
que o vento contém toda a energia possível para ele naquela região de acordo com
características da atmosfera. Considerando uma velocidade constante para o vento e um
perfil logarítmico através da camada limite planetária, temos o seguinte resultado para
comparar as duas velocidades citadas anteriormente no texto (eq. 3.47):
85
(3.47)
A Figura 46 ilustra a visualização gráfica desta relação.
Figura 46 - Perfil logarítmico através da camada limite planetária (fonte: AWS True Power)
Quanto menor a distância entre as turbinas, menor a velocidade disponível para a
altura do cubo de produção do rotor das turbinas, uma vez que um número maior de
turbinas dentro de uma mesma área causa maior turbulência na esteira, diminuindo a
energia do vento que está escoando naquele local.
86
Figura 47 - Aumento da distância entra as turbinas
A imagem acima (Figua 47) mostra o porquê de ao aumentarmos a distância
entre as turbinas o valor da velocidade disponível para elas na altura do cubo da turbina
aumenta. À medida que afastamos as turbinas estamos permitindo que o déficit de
velocidade causado pela retirada de energia em uma turbina é compensado pelo
escoamento natural que retorna ao seu valor original, permitindo que as turbinas
encontrem um valor mais alto de energia disponível para elas poderem transformar em
energia eólica.
III.4.2.2.2 Acoplamento da Metodologia Deep Array com o Modelo
‘Comprimento de Mistura’
O acoplamento entre os modelos é implementado no programa Open Wind e usa
equações que descrevem os efeitos à jusante das mudanças causadas pela rugosidade na
velocidade do vento do escoamento.
Em termos de modelagem, o acoplamento entre as duas técnicas se dá de uma
forma bem simples no software: as equações das camadas limites internas modificam a
velocidade de corrente do vento que é usada para colocar nas equações de comprimento
de mistura desenvolvidas por Ainslie.
Neste método, cada turbina ocupa uma área discreta com uma determinada
rugosidade equivalente de superfície. Ao chegar à turbina, o vento cria uma camada
limite interna, causada pela rugosidade da superfície. Após passar pela turbina, o vento
cria uma segunda camada limite para poder retornar às condições ambientais do seu
87
próprio escoamento. As duas camadas limites crescem com a distância à jusante, e são
geradas para cada uma das turbinas que apareçam no caminho do escoamento.
Considerando o primeiro par de camadas limites internas, podemos escrever a
equação abaixo (eq. 3.48) para o ajuste da velocidade disponível na altura do cubo da
turbina:
(3.48)
onde: e são as alturas da primeira e da segunda camada limite interna e e
são as rugosidades da turbina e a rugosidade ambiental respectivamente – após alguns
experimentos, chegou-se à conclusão de que a altura 1, da primeira camada limite
interna é a altura da parte de cima do rotor da turbina enquanto a altura 2, da segunda
camada limite interna é a altura da parte inferior do rotor da turbina.
Em suma, a metodologia Deep Array é uma ferramenta que melhora os métodos
já existentes, ao levar em conta a interação entre as turbinas ao diminuir a velocidade
disponível na altura do cubo de geração de energia elétrica de cada uma delas. Assim,
ele deve ser combinado com os métodos existentes para gerar resultados mais
realísticos. Ele também faz com que a relação entre a turbina e o ambiente ao seu redor
seja uma relação de duas vias, diferentemente do que os métodos originais levavam em
conta, acreditando que as turbinas não modificavam o escoamento do ambiente ao seu
redor. Esta ferramenta permite a otimização dos projetos, uma vez que está levando em
conta as perdas causadas pela colocação de turbinas nos locais de produção de energia.
88
CAPÍTULO IV – ESTUDO DE CASO
O estudo de caso, do projeto em questão, consiste no desenvolvimento de um
projeto eólico em terreno complexo e com a análise do escoamento realizada em
ferramenta CFD. Para a realização da meta ambiciosa descrita acima, foi necessário
concluir quatro etapas bem definidas e necessárias: a manipulação e obtenção dos dados
do terreno; a obtenção e a correlação dos dados de vento; a simulação do escoamento
atmosférico; e a definição e otimização do layout do parque eólico. As seções a seguir
descrevem em detalhes cada etapa do estudo de caso.
IV.1 Manipulação e Obtenção de dados de Terreno
Primeiramente, foi realizada a obtenção dos dados de topografia no banco de
dados do software Meteodyn WT – dados com uma resolução de 92,2m
aproximadamente (base SRTM) – e de rugosidade fornecido pelo INPE (Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais) – dados com resolução de 500m. A imagem a seguir
(Figura 48) ilustra a visualização dos dados de topografia e rugosidade do estado do
Ceará no Global Mapper.
Figura 48 - Topografia (esquerda) e Rugosidade (direita) do Ceará
89
Após a importação dos dados de terreno no software Global Mapper, foi criado
um arquivo da extensão .gws com os dados de rugosidade e topografia a uma resolução
de 92m. Nessa operação foi necessário realizar um 'sample30
' nos dados para uma
resolução única de 92m – correspondente à resolução do dado mais refinado, o dado de
topografia.
Por fim, foi criado um novo projeto na ferramenta WindSim com o arquivo .gws
gerado anteriormente e rodado o módulo (Terrain) do software para a criação de um
arquivo de terreno 3D. A imagem a seguir (Figura 49) ilustra a visualização do arquivo
3D de terreno no software WindSim.
Figura 49 - Arquivo 3D de terreno gerado no WindSim
IV.2 Obtenção e Correlação dos Dados de Vento
Para a realização desse estudo de caso, foram utilizados três dados observados
para uma região próxima à região do projeto – Embuaca, Icaraí I e Icaraí. Todavia,
como os dados observados disponíveis estavam à uma distância considerável da área do
30
A operação sample é amplamente utilizada em ambientes de geoprocessamento. Esta operação se dá pela modificação da resolução de um raster ou uma matriz para uma resolução objetivo.
90
projeto, foram baixados seis dados da série de reanálise MERRA para preencher o
domínio da simulação do vento – em anexo ao corrente trabalho encontram-se os
histogramas e rosas de frequência do vento de todos os dados utilizados nesse estudo de
caso, contemplando dados observados, de reanálise e as informações de vento sintéticas,
isto é, geradas no software de simulação do escoamento atmosférico, como será descrito
na próxima subseção desse capítulo.
IV.2.1 Correlação da Climatologia Local
Para utilização dos dados de reanálise do MERRA avaliou-se a correlação com
dados anemométricos de torres de medição próximas. Segundo Gardner (2007) o
coeficiente de Pearson (R2) para correlação mensal em todas as direções deve ser acima
de 0,8 para que seja uma boa correlação. Observa-se que, apesar das distâncias (entre 24
e 115 km) a maioria dos coeficientes encontra-se acima de 0,8.
As tabelas a seguir (Tabelas 9 a 11) mostram todos os resultados do estudo de
correlação. Foram utilizadas todas as técnicas de cálculo de R2, disponíveis no software
de análise estatística do vento WindoGrapher (Tabela 12), para avaliar a correlação de
todos os dados observados com todos os dados de reanálise. O único dado de reanálise
que apresentou valores de R2
abaixo do critério foi o dado nomeado como ‘Bs’ quando
correlacionado com o dado observado de Embuaca – esse dado, ponto ‘Bs’, obteve um
coeficiente de Pearson acima de 0,8 quando comparado com os outros dois dados
observados e valores muito próximos de 0,8 quando comparados com ‘Embuaca’, logo,
também foi considerado como tendo um coeficiente de correlação acima do critério.
Tabela 9 - Resultados do estudo de correlação (referência Embuaca)
MERRA DISTÂNCIA R2 (LLS) R
2 (TLS) R2 (VR) R
2 (WBL) R2 (SS)
A 80.9 km ENE 0.893 0.890 0.890 0.893 0.861
As 78 km ESE 0.860 0.854 0.855 0.855 0.841
B 31.6 km N 0.861 0.856 0.856 0.854 0.854
Bs 24 km S 0.780 0.763 0.767 0.761 0.780
C 115 km NE 0.903 0.900 0.900 0.902 0.877
D 87.2 km N 0.883 0.880 0.879 0.879 0.868
91
Tabela 10 - Resultados do estudo de correlação (referência Icaraí)
MERRA DISTÂNCIA R2 (LLS) R
2 (LTS) R2 (VR) R
2 (WBL) R2 (SS)
A 67.2 km NE 0.923 0.922 0.921 0.923 0.902
As 42.2 km E 0.915 0.914 0.913 0.914 0.902
B 61 km NNW 0.924 0.923 0.923 0.922 0.920
Bs 32 km W 0.875 0.871 0.871 0.868 0.875
C 116 km NNE 0.925 0.925 0.924 0.925 0.911
D 113 km NNW 0.934 0.934 0.933 0.934 0.925
Tabela 11 - Resultados do estudo de correlação (referência Icaraí I)
MERRA DISTÂNCIA R2 (LLS) R
2 (LTS) R2 (VR) R
2 (WBL) R2 (SS)
A 66 km NE 0.917 0.915 0.915 0.917 0.885
As 46.4 km E 0.896 0.893 0.893 0.893 0.875
B 55.4 km NNW 0.899 0.897 0.893 0.895 0.891
Bs 29.5 km WSW 0.832 0.824 0.825 0.820 0.832
C 113 km NNE 0.922 0.921 0.921 0.922 0.897
D 107 km NNW 0.915 0.914 0.914 0.914 0.900
Todos os dados de reanálise utilizados no estudo apresentaram correlação
mensal acima do critério de validação quando comparados com todos os dados
observados de vento do projeto – Embuaca, Icaraí e Icaraí I. Em suma, todos os seis
dados de reanálise, baixados do MERRA, serão utilizados nas simulações.
Tabela 12 - Ajustes possíveis para cálculo do coeficiente de correlação R2
LLS LTS VR WBL SS
Técnica Mínimos
Quadrados (Linear)
Mínimos Quadrados
(Total)
Raio de Variância
Weibull Fit
SpeedSort
Fonte: WindoGrapher
92
IV.3 Simulação do Escoamento Atmosférico
Após o tratamento dos dados do vento local, das informações orográficas e a
geração do arquivo 3D do terreno, referente à região a ser estudada, no software de
simulação WindSim, realizou-se o cálculo do escoamento e da produção energética do
parque eólico definido. Foram realizadas simulações setoriais – 16 setores
uniformemente espaçados – do escoamento da região de interesse. A etapa CFD
(Computational Fluid Dynamics), da metodologia aplicada pelo WindSim, usa como
dado de entrada os ventos geostróficos – ventos de 10m/s a uma altura de 500m.
IV.3.1 Simulação de “Larga Escala”
Foi realizada uma primeira etapa de simulações, denominadas como “larga
escala” devido à extensão da área a ser processada (aproximadamente 15.927 km2) e da
consequente baixa resolução utilizada para a geração da malha (aproximadamente 2 km)
devido a limitações do hardware.
A magnitude da área a ser processada deveu-se à necessidade de estudar o
comportamento do escoamento a jusante e a montante da região montanhosa, que
compreende o projeto eólico, mitigando, dessa forma, o impacto da imprecisão gerada
na fronteira da área estudada na região onde o projeto estará localizado – oeste da
cadeia de montanhas. Para esta etapa a metodologia utilizada aplica a lei logarítmica nas
fronteiras da região estudada como condição de contorno. As imagens a seguir (Figuras
50, 51 e 52) ilustram a convergência dos parâmetros de velocidade (U1, V1, W1),
energia cinética turbulenta (KE) e dissipação (EP) para os setores mais frequentes do
vento da região – 67, 90 e 112 graus – na simulação via CFD.
Para garantir a validade dos resultados gerados nessa etapa, a simulação setorial
via CFD, é necessário averiguar a convergência de todos os setores. Os gráficos que
comprovam a convergência dos demais setores dessa simulação se encontram em anexo
no final do trabalho. Nesse anexo é possível comprovar a convergência de todos os
setores simulados.
93
Figura 50 - Convergência Setorial 67o (Larga Escala)
Figura 51 - Convergência Setorial 90o (Larga Escala)
Figura 52 - Convergência Setorial 112o (Larga Escala)
94
Após a etapa CFD setorial do WindSim, foram inseridos os dados de vento na
simulação – tanto os dados de séries de reanálise quanto os dados observados da região.
A Figura 53 ilustra a localização desses dados de vento – a posição dos dados
observados, isto é, medidos, é simbolizada pelo marcador amarelo e a localização dos
dados sintéticos pelo marcador vermelho – e a Figura 54 apresenta a análise estatística
de um dos dados observados – dado observado de Embuaca.
Figura 53 - Localização dos dados de vento do conjunto de simulações de Larga Escala
95
Figura 54 - Relatório da análise estatística do dado observado de Embuaca
O software de simulação usado também é capaz de gerar dados sintéticos de
vento usando como referência dados já inseridos na simulação. Foram gerados oito
dados sintéticos de vento usando a metodologia descrita acima, um para validação e sete
para o uso posterior na segunda rodada de simulações do estudo.
A validação se deu pela comparação dos parâmetros estatísticos do dado
observado da região de Embuaca com os parâmetros estatísticos de um ponto gerado na
mesma localização desse dado observado, mas com referência de um outro dado
fornecido ao programa (Tabela 13) – O ponto ‘B’ da malha do MERRA (Modern Era
Retrospective-Analysis). A Figura 55 ilustra a localização dos dados gerados pelo
programa.
96
Figura 55 - Localização dos dados sintéticos de vento (gerados pelo WindSim)
Tabela 13 - Validação dos dados sintéticos
Dado Parâmetro A Parâmetro K Altura [m]
Observado 9,42 4,02 78
Sintético 9,26 4,31 78
Realizada a etapa de inserção dos dados na simulação de larga escala, foi gerado
o Wind Resource Grid (WRG), que contém informações do campo de velocidades da
região estudada para as alturas de 120m e 110 m – alturas de interesse para a posterior
otimização do layout do parque, por serem as maiores alturas de hub disponíveis para os
aerogeradores que serão avaliados nessa etapa de definição do layout do parque eólico.
97
O resultado obtido levou em conta o resultado das simulações de todos os
setores e informa a média do vetor de velocidade horizontal para cada ponto da malha
da simulação. A Figura 56 ilustra o WRG à 120 m obtido na simulação de larga escala e
a localização de todos os dados de vento utilizados e gerados durante o processo.
Figura 56 - WRG de Larga Escala @ 120 m
IV.3.2 Metodologia Nesting
Após o primeiro ciclo de simulações, iniciou-se o cálculo mais refinado do
escoamento, apenas da região montanhosa que engloba a área do projeto, com uma
resolução de 276m. As figuras a seguir (Figura 57 e 58) ilustram o modelo 3D de
terreno refinado para a área de processamento dessa segunda etapa de simulações.
98
Figura 57 - Modelo 3D de terreno com malha refinada
Figura 58 - malha do modelo 3D de terreno com malha refinada
99
A metodologia dessa segunda etapa de simulações é bastante semelhante à
primeira, todavia a condição de contorno nas fronteiras da simulação não utiliza a
simplificação da lei logarítmica, mas sim os dados calculados na simulação de larga
escala, realizando o acoplamento com o ciclo de simulações anterior.
Para compatibilizar as duas etapas de cálculo – ‘malha refinada’ e ‘larga escala’
–, a simulação de malha refinada também foi dividida em 16 setores uniformemente
espaçados e usou como entrada a condição de ventos geostróficos – para uma espessura
de camada limite atmosférica de 500m e com intensidade de 10m/s. A Figura 59 ilustra
a convergência dos parâmetros de velocidade (U1,V1,W1), energia cinética turbulenta
(KE) e dissipação (EP) para o setor predominante do vento da região – 90 graus. A
convergência dos demais setores está como anexo no final do trabalho.
Figura 59 - Convergência setorial 90o (Malha Refinada)
Analogamente ao primeiro ciclo de simulações, foram inseridos os dados de
vento na simulação com malha refinada após a simulação da etapa CFD do escoamento,
usando como entrada ventos geostróficos.
100
Os dados de vento inseridos neste ciclo de simulações foram gerados no ciclo
anterior (Larga Escala) e suas posições foram definidas de modo a respeitar a
recomendação da IEA (International Energy Agency) de 2 km de raio de espaçamento
entre as torres de medição – recomendação referente à certificação de projetos eólicos
situados em terreno complexo. A Figura 60 ilustra o raio de espaçamento dos dados e a
área definida como a área utilizável do projeto – critérios para a definição dessa área
serão descritos posteriormente no trabalho. A área utilizável do projeto encontra-se
simbolizada por dois padrões: pontos azuis para propriedades regularizadas e cor
vermelha para propriedades sem regularização fundiária pronta (banco de dados do
INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Figura 60 - Espaçamento dos dados de vento sintéticos
101
Uma vez definidos os dados de vento dentro das simulações de malha refinada,
foi calculada uma série de parâmetros para cada ponto da malha (Intensidade de
Turbulência, Inflow (β) – ângulo de ataque do escoamento incidente (eq. 4.1) –, Shear –
coeficiente de atrito ( ) –, Pressão, Direção e Média do Vento Horizontal) para as duas
alturas de interesse (120 m e 110 m). As imagens a seguir (Figuras 61 a 66) ilustram os
resultados a 120 m para o setor predominante do vento da região – 90 graus.
(4.1)
onde: é a componente da velocidade no eixo ‘z’ [m/s]; é a componente da
velocidade no eixo ‘x’ [m/s]; e é a componente da velocidade no eixo ‘y’ [m/s].
Figura 61 - Vetor velocidade horizontal (Malha Refinada) @ 120m/ 90o
102
Figura 62 - Inflow (Malha Refinada) @ 120m/ 90o
Figura 63 - Shear (Malha Refinada) @ 120m/ 90o
103
Figura 64 - Pressão (Malha Refinada) @ 120m/ 90o
Figura 65 - Direção do vetor velocidade horizontal (Malha Refinada) @ 120m/ 90o
104
Figura 66 - Média de velocidade (Malha Refinada) @ 120m/ 90o
Por fim, o resultado das simulações de malha refinada é um WRG (Wind
Resource Grid) com a média ponderada dos resultados dos 16 setores. A Figura 68
ilustra o resultado final do estudo do escoamento atmosférico da região do projeto, um
WRG de escala refinada da região montanhosa, e a Figura 67 mostra os dois WRGs
calculados, lado a lado, mostrando o impacto da metodologia Nesting.
Figura 67 - Comparação dos WRGs (esquerda ‘larga escala’; direita ‘nesting’)
105
Figura 68 - WRG de Malha Refinada
Ao compararmos os resultados das simulações com refinamentos de malha
diferentes, fica evidente que o simples fato de aumentar a resolução da malha pode
mudar drasticamente os resultados.
Basta realizar uma simples análise do range31
de médias de velocidade de ambos
os WRGs para verificar a veracidade da afirmação acima. Enquanto o WRG com malha
refinada ofereceu range de 2,168 a 12,507 m/s o WRG da simulação com malha menos
refinada ofereceu um range de 6,142 a 10,434 m/s.
31
Quando se fala no “range” dos resultados de uma simulação faz se referência a diferença entre o valor máximo e o valor mínimo de tais resultados
106
Essa necessidade de refinar a malha é ainda mais marcante em terrenos
montanhosos – como o caso do projeto em questão. No caso da impactante diferença
dos resultados apresentados acima, o range dos resultados advindos da malha menos
refinada foi bem menor que o range dos resultados do WRB de malha refinada devido à
incapacidade da simulação que utilizou a malha menos refinada de descrever
corretamente o escoamento do vento por entre os vales e montanhas da área estudada no
projeto.
Em suma, ao reduzir a resolução das informações do terreno e da malha, a
simulação deixou de enxergar diversas regiões de separação e recirculação do
escoamento devido ao relevo acidentado, oferecendo resultados com pouca
representatividade com a realidade.
IV.4 Definição e Otimização do Layout do Parque Eólico
Após a obtenção e o tratamento das informações de terreno e dos dados de vento
e o cálculo do Wind Resource Grid (WRG) em malha refinada, faltava apenas a
definição de dois parâmetros – as restrições de posicionamento dos aerogeradores e o
modelo da turbina eólica – e a otimização do parque eólico para a conclusão do projeto,
isto é, a definição do layout final dos aerogeradores e a estimativa de produção
energética à uma probabilidade de excedência P90.
Primeiramente, foi realizado um estudo das restrições do projeto. A primeira
restrição definida nessa análise foi a escolha da área do empreendimento. Acessando o
banco de dados do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária),
foram mapeadas as propriedades com regularização fundiária pronta na cadeia de
montanhas da região de interesse – problemas relacionados à regularização fundiária
dos imóveis arrendados podem inviabilizar um projeto eólico.
Dessa forma, foi definida a área do empreendimento contendo duas grandes
propriedades em situação regular e uma área contendo imóveis sem regularização
fundiária pronta – região vizinha às duas propriedades onde a simulação do escoamento
apontava um bom recurso de vento. A imagem a seguir (Figura 69) ilustra a poligonal
da área do empreendimento eólico dividida em terras regularizadas – caracterizada pelo
padrão de pontos azuis – e terras não regularizadas – caracterizada pela cor vermelha.
107
Figura 69 - Poligonal da área do empreendimento eólico
A anexação de terras ainda sem regularização fundiária pronta na área do
empreendimento do projeto eólico foi uma alternativa de considerar possíveis expansões
para o projeto. Considerando o ótimo prospecto de vento dessa área e a sua localização
– vizinha às duas propriedades regularizadas –, pode ser razoável, para o empreendedor
do projeto, realizar a regularização fundiária dessas terras, visando à expansão do
projeto eólico.
108
Definida a área do empreendimento, foram mapeadas as restrições físicas e
legais do projeto. Considerando a baixíssima frequência de algumas restrições físicas –
rios, açudes, edificações, estradas e rodovias – na área de interesse, a única restrição
considerada foi a restrição de inclinação do terreno, visto que para um terreno
complexo, como o do projeto em questão, a inclinação do terreno atinge frequentemente
valores que impedem a instalação de aerogeradores.
Por fim, foi considerada a norma da EPE (Empresa de Pesquisa Energética) que
define um buffer negativo de 200m em relação à borda de empreendimentos eólicos.
Dessa forma, foi gerado um raster da área utilizável do projeto em questão, com
uma resolução de 10 m, considerando todas as restrições mencionadas anteriormente. A
Figura 70 mostra a visualização do software de otimização de parques eólicos –
OpenWind – da área utilizável do empreendimento (“Buildable Area”).
Figura 70 - Raster da Buildable Area do empreendimento eólico (gerado no OpenWind)
109
Após o estudo e definição das restrições do projeto, o único parâmetro que ainda
falta ser definido é o modelo e o fabricante do aerogerador que será utilizado no parque.
Para tal análise, foram selecionados três aerogeradores diferentes: a máquina
Gamesa 2.1k 114RD do fabricante Gamesa; a máquina Alstom ECO 2.7k 122RD do
fabricante Alstom e a máquina SWT 2.3k 120RD do fabricante Siemens. A razão pela
qual tais modelos de máquina foram alvo do estudo em questão é devido: a sua
disponibilidade no mercado brasileiro; a dimensões das máquinas – como a altura de
Hub [120 m para a Alstom e a Gamesa e 110 m para a Siemens] e o diâmetro de rotor
que tais modelos oferecem; e a características das suas respectivas curvas de potência.
Para cada modelo de aerogerador selecionado, foi realizada uma otimização com
Layout expansivo a fim de determinar a capacidade máxima de aerogeradores, fixando
parâmetros como a máxima perda por efeito esteira permitida (10%) e o mínimo fator
de capacidade bruto à P50 (45%). A tabela a seguir (Tabela 14) reporta o resultado das
otimizações, demonstrando os valores de fator de capacidade e de geração de energia
líquida no P90, isto é, considerando as perdas e incertezas do projeto que devem ser
consideradas na hora de entrar em leilões de energia coordenados pela EPE.
Tabela 14 - Resultado das Otimizações
Turbina (Potência Nominal em MW)
Número de
Turbinas
Potência Instalada (MW)
FC @P50 Bruto (%)
FC @P90 (%)
Produção Líquida @P90
(GWh/ano)
GAMESA (2.1) 122 256.2 46.34 34.3 769.618
ALSTOM ECO (2.7) 94 253.8 45.16 33.4 743.600
SIEMENS SWT (2.3) 116 266.8 47.05 34.8 814.266
Para os cálculos do fator de capacidade líquido à P50 e, posteriormente, o
cálculo da produção energética do parque à P90, foram consideradas perdas elétricas e
mecânicas e incertezas de medição e modelagem – valores baseados em recomendações
do DEWI (Deutsches Windenergie Institut). As tabelas a seguir (Tabelas 15 e 16)
reportam as perdas e incertezas consideradas no estudo.
110
Tabela 15 - Perdas Consideradas para Cálculo de P50 Líquido
Perdas
Paradas Forçadas 3,00 %
Manutenção Programada 1,00 %
Degradação da Pá do Aerogerador 0,50 %
Elétrica – Grid Interna e Interconexão 2,00 %
Elétrica – Perdas de Transmissão 2,50 %
Fonte: DEWI
Tabela 16 - Incertezas Consideradas para Cálculo de P90 Líquido
Incertezas
Medição do Vento 9,00 %
Extrapolação Horizontal 3,00 %
Incerteza Climatológica 8,00 %
Curva de Potência 10,00 %
Eficiência do Parque Eólico 1,0 %
Incerteza Total Acumulada 14,8 %
Fonte: DEWI
A partir da análise crítica dos resultados das otimizações, foi determinado que a
máquina da Siemens apresentou os melhores resultados nos quesitos técnicos, obtendo
os maiores valores de energia líquida e fator de capacidade no P90 - é interessante uma
posterior análise financeira para comprovar a escolha dessa opção de turbina eólica. A
imagem a seguir (Figura 71) ilustra a posição dos aerogeradores do Layout otimizado
com a máquina da Siemens em relação ao WRG de malha refinada e a área utilizável do
projeto.
111
Figura 71 - Layout final do projeto
Por fim, na representação do Layout final do parque mostrada acima, cada
aerogerador está representado por um ponto inserido em uma elipse, que é, justamente,
o espaçamento mínimo que uma máquina pode se posicionar em relação à outra devido
à influência da esteira de aerogeradores a montante no desempenho de aerogeradores a
jusante – as dimensões da elipse são em função do diâmetro do rotor da turbina eólica e
é certificada pelo fabricante da máquina (5 diâmetros de rotor na direção predominante
e 2,5 na direção secundária).
A razão pela qual o espaçamento entre aerogeradores desse projeto teve esse
formato elíptico foi devido a uma característica muito importante do vento da região: o
comportamento monótono da rosa de frequência de todos os dados de ventos da região.
Dessa forma foi possível ajustar uma elipse na direção predominante do vento da região
– 90o (Leste).
112
CAPÍTULO V – CONCLUSÃO
O trabalho que fora apresentado foi capaz de suprir o objetivo principal do
projeto: a elaboração de uma metodologia confiável para o estudo do escoamento
atmosférico de uma região de orografia complexa – uma metodologia nova,
inteiramente desenvolvida pelo autor (Daniel Agnese Ramos), que será implementada
no Cepel e publicada no congresso Brazil WindPower de 2016; e do desenvolvimento
de um projeto eólico em tais condições de terreno – avaliando todos os quesitos que um
desenvolvedor de projetos eólico deve considerar.
Em relação ao estudo de caso desenvolvido no projeto, é válido analisar que a
configuração final do projeto demonstrou-se viável em relação a todos os parâmetros
técnicos que avaliam o potencial eólico de uma região – esse trabalho não abordou duas
análises necessárias, a posteriori da análise de potencial eólico, para a implementação
de um projeto eólico: a análise financeira; e o estudo de conexão ao sistema elétrico
brasileiro, visto que não estava no escopo do trabalho – e que seu resultado final de
fator de capacidade, à uma probabilidade de excedência P90 – exigida pela EPE quando
se deseja entrar em leilões de energia – foi superior à média mundial e muito próximo
da média nacional (Tabela 17).
Tabela 17 - Médias de fatores de capacidade nos países
Países Brasil EUA China Austrália Espanha
Fator de Capacidade 36% 32% 24% 33% 27%
Fonte: Ministério de Minas e Energia, 2016
Um fato que penalizou bastante o valor desse parâmetro foi a modelagem de
incerteza para P90. Logo, como uma recomendação para a oferta desse projeto em
leilões de energia, seria interessante a realização de investimentos como campanhas de
medição na área do projeto e tomada de dados do terreno por topógrafos em campo, à
uma resolução mais detalhada, visto que tais medidas diminuiriam algumas dessas
incertezas modeladas e tornariam o projeto ainda mais competitivo no mercado
nacional.
113
CAPÍTULO VI – REFERÊNCIAS
[1] Batchelor, G. K., AN INTRODUCTION TO FLUID DYNAMICS.
Cambrigde: Cambrigde University Press, 1967.
[2] Freire, A. P. S., Menut, P. P. M., Su, J., TURBULÊNCIA. Rio de Janeiro:
ABCM, 2002.
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WIND POWER PREDICTION. Netherlands: Springer, 2005.
[4] Stull, R. B., AN INTRODUCTION TO BOUNDARY LAYER
METEOROLOGY. USA: Springer, 1988.
[5] Fox, R. W., Pritchard, P. J., McDonald, A. T., INTRODUÇÃO À
MECÂNICA DOS FLUIDOS. Rio de Janeiro: LTC, 2014.
[6] Kaltschmitt, M., Streicher, W., Wiese, A., RENEWABLE ENERGY –
TECHNOLOGY, ECONOMICS AND ENVIROMENT. Berlin: Springer, 2007.
[7] Brower, M. C., WIND RESOURCE ASSESSMENT: A Pratical Guide to
Developing a Wind Project. New Jersey: Wiley, 2012.
[8] Jain, P., WIND ENERGY ENGINEERING. USA: McGraw-Hill, 2011.
[9] Burton, T., David, S., Jenkins, N., Bossanyi, E., WIND ENERGY
HANDBOOK. UK: John Wiley & Sons, Ltd, 2001.
[10] Pinto, M., FUNDAMENTOS DE ENERGIA EÓLICA. Rio de Janeiro:
LTC, 2013.
[11] Custódio, R. S., ENERGIA EÓLICA – PARA PRODUÇÃO DE ENERGIA
ELÉTRICA. Rio de Janeiro: Centrais Elétricas Brasileiras S.A., 2007.
[12] Cavalcanti, I. F. A., Ferreira, N. J., da Silva, M. G. A. J., Dias, M. A. F. S.,
TEMPO E CLIMA NO BRASIL. São Paulo: Oficina de Textos, 2009.
[13] Montgomery, D. C., Runger, G. C., APPLIED STATISTICS AND
PROBABILITY FOR ENGINEERS. USA: John Wiley & Sons, Ltd, pp 97-135, 2003.
114
[14] Olauson, J. e Bergkvist, M., MODELLING THE SWEDISH WIND
POWER PRODUCTION USING MERRA REANALYSIS DATA RENEWABLE
ENERGY, Vol. 76, pp. 717-725, 2005.
[15] Gardner, P., Garrad, A., Hansen, L.F., Jamieson, P., Morgan, C., Murray.
F., Tindal, A., Cruz, J.I., Arribas, L., Fichaux, N., 2007, Wind Energy – The Facts –
Part I – Technology.
[16] Lyra, G. B., PARÂMETROS DE RUGOSIDADE AERODINÂMICA
SOBRE VEGETAÇÃO ESPARSA. Tese (Doutorado em Agronomia) – Escola
Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – Universidade de São Paulo, Piracicaba,
2005.
[17] Zanardi, R. P., GERAÇÃO DE MODELO DIGITAL DE TERRENO A
PARTIR DE PAR ESTEREOSCÓPICO DO SENSOR CCD DO SATÉLITE CBERS-2
E CONTROLE DE QUALIDADE DAS INFORMAÇÕES ALTIMÉTRICAS.
Dissertação (Mestrado em Sensoriamento Remoto) – Programa de Pós-Graduação em
Sensoriamento Remoto – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
2006.
[18] Assireu, A. T., Pereira, R. R., Souza, V. C. O., Souza, A. F., Franchito, S.
H. APLICAÇÃO DO OPERADOR DE FRAGMENTAÇÃO ASSIMÉTRICA (FA)
PARA ESTIMATIVAS DA RUGOSIDADE SUPERFICIAL A PARTIR DE MAPAS
DIGITAIS DE ELEVAÇÃO: Universidade Federal de Itajubá, Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais, 2013 (Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto).
[19] Copque, A. C. S. M., Negrão, J. R. P., Ribeiro, V. R. USO DO
GEOPROCESSAMENTO EM ESTUDOS DE VIABILIDADE DE PROJETOS DE
PARQUES EÓLICOS NO ESTADO DA BAHIA: Universidade Católica do Salvador,
2013 (Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto).
[20] Ferreira, A. G., Mello, N. G. S. PRINCIPAIS SISTEMAS
ATMOSFÉRICOS ATUANTES SOBRE A REGIÃO NORDESTE DO BRASIL E A
INFLUENCIA DOS OCEANOS PACÍFICO E ATLÂNTICO NO CLIMA DA
REGIÃO: Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos, 2004 (Simpósio
Brasileiro de Climatologia).
115
ANEXOS DOS RESULTADOS DO ESTUDO DE CASO
A seguir os gráficos de convergência de todos os setores das simulações de larga
escala e malha refinada.
Figura 72 - Convergência Setorial 0o (Larga Escala)
Figura 73 - Convergência Setorial 22o (Larga Escala)
116
Figura 74 - Convergência Setorial 45o (Larga Escala)
Figura 75 - Convergência Setorial 67o (Larga Escala)
Figura 76 - Convergência Setorial 90o (Larga Escala)
117
Figura 77 - Convergência Setorial 112o (Larga Escala)
Figura 78 - Convergência Setorial 135o (Larga Escala)
Figura 79 - Convergência Setorial 157o (Larga Escala)
118
Figura 80 - Convergência Setorial 180o (Larga Escala)
Figura 81 - Convergência Setorial 202o (Larga Escala)
Figura 82 - Convergência Setorial 225o (Larga Escala)
119
Figura 83 - Convergência Setorial 247o (Larga Escala)
Figura 84 - Convergência Setorial 270o (Larga Escala)
Figura 85 - Convergência Setorial 292o (Larga Escala)
120
Figura 86 - Convergência Setorial 215o (Larga Escala)
Figura 87 - Convergência Setorial 337o (Larga Escala)
Figura 88 - Convergência Setorial 0o (Malha Refinada)
121
Figura 89 - Convergência Setorial 22o (Malha Refinada)
Figura 90 - Convergência Setorial 45o (Malha Refinada)
Figura 91 - Convergência Setorial 67o (Malha Refinada)
122
Figura 92 - Convergência Setorial 90o (Malha Refinada)
Figura 93 - Convergência Setorial 112o (Malha Refinada)
Figura 94 - Convergência Setorial 135o (Malha Refinada)
123
Figura 95 - Convergência Setorial 157o (Malha Refinada)
Figura 96 - Convergência Setorial 180o (Malha Refinada)
Figura 97 - Convergência Setorial 202o (Malha Refinada)
124
Figura 98 - Convergência Setorial 225o (Malha Refinada)
Figura 99 - Convergência Setorial 247o (Malha Refinada)
Figura 100 - Convergência Setorial 270o (Malha Refinada)
125
Figura 101 - Convergência Setorial 292o (Malha Refinada)
Figura 102 - Convergência Setorial 315o (Malha Refinada)
Figura 103 - Convergência Setorial 337o (Malha Refinada)
126
As imagens a seguir são referentes ao histograma da velocidade e a rosa de
frequência da direção de todos os dados de vento usados e gerados no estudo de caso.
Figura 104 – Dados do ponto do MERRA nomeado como ‘A’
Figura 105 - Dados do ponto do MERRA nomeado como ‘As’
127
Figura 106 – Dados do ponto do MERRA nomeado como ‘B’
Figura 107 – Dados do ponto do MERRA nomeado como ‘Bs’
Figura 108 - Dados do ponto do MERRA nomeado como ‘C’
128
Figura 109 - Dados do ponto do MERRA nomeado como ‘D’
Figura 110 – Dados gerados no WindSim
129
Figura 111 – Dados gerados no WindSim
130
Figura 112 – Dados observados de Embuaca
131
Figura 113 - Dados observados de Icaraí
132
Figura 114 - Dados observados de Icaraí I