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1 EXAME DA CATEGORIA “PARIDADE DE ARMAS”, SOB PERSPECTIVA ANTROPOLÓGICA 1 Vera Ribeiro de Almeida Pesquisadora do Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos InEAC/INCT e bolsista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA RESUMO: A partir de uma pesquisa qualitativa empregando métodos antropológicos, com a utilização da análise conjunta dos discursos jurídicos e demais dados resultantes da observação participante e descrição etnográfica das práticas dos operadores jurídicos que atuam na justiça criminal consensual do Rio de Janeiro, foi observado o tratamento variado e diferenciado oferecido aos jurisdicionados, em face das representações destes operadores acerca da categoria “paridade de armas”. Ocorre que, de acordo com os discursos jurídicos consultados, a paridade de armas consiste na concessão de oportunidades iguais de manifestações e de atos praticados pela defesa e pela acusação nos processos judiciais. Sendo assim, este artigo pretende promover uma reflexão sobre como tais representações orientam as práticas de administração institucional de conflitos notadamente a realizada durante a conciliação judicial -, além de atualizarem o princípio da igualdade jurídica, considerado como elemento formador da cidadania brasileira. A problemática aqui proposta consiste em saber como esta categoria, definida por uma heterogeneidade de discursos jurídicos, é inserida em um sistema jurídico onde prevalecem estruturas hierárquicas e institutos que perpetuam dissensos e desigualdades jurídicas, bem como verificar sua adequação dentre as garantias processuais específicas do Estado Democrático de Direito brasileiro. Este estudo permite o exercício peculiar da atualização do consenso no sistema jurídico e nas práticas processuais brasileiras e se justifica em face da importância atribuída aos Juizados Especiais Criminais Estaduais, dentro da estrutura organizacional do Poder Judiciário local, devido à crescente demanda de seus serviços. PALAVRAS-CHAVE: paridade de armas, discursos jurídicos e pesquisa empírica. 1. INTRODUÇÃO. Este artigo é parte de uma pesquisa mais ampla e que vem sendo desenvolvida desde 2010, junto às cortes judiciais criminais localizadas no Estado do Rio de Janeiro, 1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN.

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EXAME DA CATEGORIA “PARIDADE DE ARMAS”, SOB PERSPECTIVA

ANTROPOLÓGICA1

Vera Ribeiro de Almeida Pesquisadora do Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos –

InEAC/INCT e bolsista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA

RESUMO: A partir de uma pesquisa qualitativa empregando métodos antropológicos,

com a utilização da análise conjunta dos discursos jurídicos e demais dados resultantes

da observação participante e descrição etnográfica das práticas dos operadores jurídicos

que atuam na justiça criminal consensual do Rio de Janeiro, foi observado o tratamento

variado e diferenciado oferecido aos jurisdicionados, em face das representações destes

operadores acerca da categoria “paridade de armas”. Ocorre que, de acordo com os

discursos jurídicos consultados, a paridade de armas consiste na concessão de

oportunidades iguais de manifestações e de atos praticados pela defesa e pela acusação

nos processos judiciais. Sendo assim, este artigo pretende promover uma reflexão sobre

como tais representações orientam as práticas de administração institucional de conflitos

– notadamente a realizada durante a conciliação judicial -, além de atualizarem o

princípio da igualdade jurídica, considerado como elemento formador da cidadania

brasileira. A problemática aqui proposta consiste em saber como esta categoria, definida

por uma heterogeneidade de discursos jurídicos, é inserida em um sistema jurídico onde

prevalecem estruturas hierárquicas e institutos que perpetuam dissensos e desigualdades

jurídicas, bem como verificar sua adequação dentre as garantias processuais específicas

do Estado Democrático de Direito brasileiro.

Este estudo permite o exercício peculiar da atualização do consenso no sistema

jurídico e nas práticas processuais brasileiras e se justifica em face da importância

atribuída aos Juizados Especiais Criminais Estaduais, dentro da estrutura organizacional

do Poder Judiciário local, devido à crescente demanda de seus serviços.

PALAVRAS-CHAVE: paridade de armas, discursos jurídicos e pesquisa empírica.

1. INTRODUÇÃO.

Este artigo é parte de uma pesquisa mais ampla e que vem sendo desenvolvida

desde 2010, junto às cortes judiciais criminais localizadas no Estado do Rio de Janeiro,

1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de

agosto de 2014, Natal/RN.

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denominadas Juizados Especiais Estaduais Criminais. Estas cortes são competentes para

o processo e julgamento de infrações penais (crimes e contravenções), cujas penas não

ultrapassem a 2 (dois) anos e reintroduziram no Brasil o consenso, como modalidade de

administração institucional dos conflitos sociais, prática admitida aqui somente no

início do período republicano brasileiro. É certo que a administração dos conflitos pelo

Estado, é uma, dentre as diversas modalidades de resolução dos litígios sociais (Lynch,

2001), mas devido ao volume de demandas apreciadas nos Juizados Especiais nas

últimas décadas, tal prática ganhou relevo. E mais, criados pela Lei nº 9.099, de 26 de

setembro de 19952, os Juizados Especiais foram inseridos na estrutura do judiciário

estadual, seguindo a tendência de despenalização de crimes considerados de lesividade

menor para a sociedade e adotada por vários países, além da necessidade de se

promover uma justiça mais célere e acessível, como resposta às demandas sociais

verificadas no país, especialmente a partir dos anos 80.

Observar os discursos jurídicos e as práticas judiciárias é uma atividade

instigante, notadamente em vista da difícil adequação das promessas contidas na

Constituição da República de 1988, enquanto uma carta de direitos que limitam os

poderes governamentais, assegurando um tratamento igualitário a todos os cidadãos e

um perfil político-constitucional de Estado Democrático de Direito para o Brasil, com

institutos e práticas que reproduzem um processo penal marcadamente secreto,

hierárquico e desigual.

Entre nós, autores como Kant de Lima (1995, 2008 e 2010), Ferreira (2004) e

Mendes (2011), já ressaltaram esse confronto, especialmente diante da permanência de

institutos como o inquérito policial, de matriz inquisitorial, que se traduz em um

procedimento cautelar, de natureza administrativa, conduzido por uma autoridade

policial e fiscalizado, ao mesmo tempo, pelo órgão de acusação e pelo juiz e no qual a

produção de prova ou argumento pela parte investigada é proibida. É certo que além do

inquérito policial, outros institutos previstos em nossa legislação processual penal

igualmente enfatizam e reproduzem o tratamento desigual e as hierarquias presentes na

sociedade brasileira, merecendo destaque o foro por prerrogativa de função - ao

designar cortes judiciais especiais para o processo e julgamento de réus que ocupam

certos cargos públicos -, e a prisão especial, destinada à determinada parcela da

sociedade, como aquela que possui ensino superior completo ou desenvolve certa

2 A Lei nº 9.099/95 criou, no mesmo diploma legal, os Juizados Especiais Cíveis e Criminais Estaduais,

mas para efeito desse estudo será examinada apenas essa última modalidade de justiça.

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atividade profissional (conforme artigos 69 e 295, do Código de Processo Penal

Brasileiro).

É curioso que, apesar desses institutos possuírem características reprodutoras da

seletividade e da desigualdade social, os discursos que orientam as práticas dos

profissionais do direito - como a doutrina jurídica e a jurisprudência dos tribunais -,

afirmam existir “paridade de armas” no processo penal brasileiro, ou seja, que há

igualdade das partes na prática dos atos processuais, sendo tal igualdade considerada

como um corolário do princípio3 do contraditório e da ampla defesa, previstos no artigo

5, inciso LV da Carta, segundo a fórmula: "aos litigantes, em processo judicial ou

administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla

defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, pois garante a ampla defesa do

acusado.

Assim, para a manutenção desses mecanismos inquisitoriais em uma conjuntura

normativa – e que se diz democrática -, não representar a ruptura de uma lógica

hierárquica que pretende ver a Constituição Federal como legislação superior e,

portanto, acatada pelas legislações infraconstitucionais, esses discursos se esforçam em

elaborar a noção segundo a qual o sistema processual penal brasileiro seria misto:

inquisitório/acusatório (conforme Nucci, 2012, p. 78, entre outros). Todavia, qualquer

procedimento que altere a estrutura acusatória do sistema já é suficiente para

caracterizá-lo como inquisitório; a simples alteração de sua denominação não é capaz de

transformá-lo.

Diante da estrutura judiciária na qual estão inseridos os Juizados Especiais

Criminais e em face dos mecanismos processuais notadamente inquisitoriais que

orientam as práticas jurídicas brasileiras, entendi ser conveniente indagar como o

consenso, que pressupõe a igualdade entre as partes, é realizado nestes ambientes? Há

paridade de armas? Como um sistema judicial arraigado em institutos que perpetuam

dissensos e desigualdades jurídicas, se adequa às práticas consensuais que representam

garantias processuais específicas de um modelo de Estado Democrático de Direito?

3 A expressão “princípio” é empregada nas ciências exatas e encontra equivalência nas ciências sociais

(inclusive nas aplicadas, como no Direito) no termo “fundamento”. Assim, fundamentos (ou princípios)

são as bases gerais sobre as quais as instituições do Direito são construídas e que em um determinado

momento histórico informam o conteúdo das normas jurídicas de um Estado. A Constituição brasileira é

considerada como lei suprema do país, que alberga princípios localizados no topo da hierarquia de

normas e que, por si só, teria a capacidade de afastar ou excluir a prevalência de práticas que aviltassem

o ideal democrático nela previsto.

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Os Juizados Especiais Criminais Estaduais possuem uma composição mista e

heterogênea de órgãos, instituições e agentes. Além dos juízes de direito e dos

serventuários da justiça, eles contam também com a participação de profissionais que

não são funcionários do Poder Judiciário Estadual. São eles: o promotor de justiça,

integrante do Ministério Público e o defensor público, pertencente aos quadros

funcionais da Defensoria Pública. Tanto o Ministério Público quanto a Defensoria

Pública são órgãos autônomos e independentes financeira e funcionalmente e seus

operadores são aprovados em concurso público. Por fim, há também os conciliadores,

que são bacharéis ou estudantes do curso de graduação em Direito, das universidades

públicas e privadas do país. Enquanto o juiz de direito, o promotor de justiça e o

defensor público atuam em decorrência da aprovação em concurso público, os

conciliadores podem ingressar nos juizados sem qualquer formalidade ou exigência

específica para o desempenho de suas funções4.

Na pesquisa empreguei métodos colhidos nas ciências sociais, especialmente a

observação participante e a descrição etnográfica, conjugadas com o emprego de

entrevistas abertas não estruturadas e conversas informais com os atores que participam

do e promovem o consenso. Assim, no período de 2010 até a conclusão deste artigo

observei as práticas e as rotinas desenvolvidas em 07 (sete) Juizados Especiais

Criminais de diversas regiões do Estado do Rio de Janeiro, especialmente, os

localizados na Baixada Fluminense, na região metropolitana e na região serrana.

Entrevistei 20 (vinte) jurisdicionados; 07 (sete) promotores de justiça; 06 (seis)

conciliadores; 04 (quatro) funcionários dos cartórios dos juizados e 02 (dois) defensores

públicos.

O exame das práticas dos operadores dessas cortes judiciais consistiu na

participação, como ouvinte, das audiências de conciliação, pois é neste momento em

que é oferecida a transação penal, que segundo os discursos jurídicos consiste em uma

espécie de barganha sobre a pena a ser aplicada e que ocorre entre o promotor de justiça

e o acusado, quando não há consenso entre as partes. Quando o jurisdicionado rejeita a

transação penal, o procedimento passa para a etapa seguinte, com o oferecimento da

denúncia pelo órgão de acusação, que ao ser aceita pelo juiz inaugura o processo penal

4 A Resolução nº 01/2004 e o Aviso Nº 35/2000, ambos do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro,

informam a necessidade de os conciliadores participarem de uma formação profissional oferecida pela

Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ. No entanto, todos os conciliadores

entrevistados não receberam essa orientação e nem participaram dessa atividade.

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propriamente dito, que dá seguimento ao feito, realizando, em seguida, uma audiência

de instrução e julgamento5.

Os casos apreciados nos Juizados Especiais Criminais, em geral, se originam nas

Delegacias Policiais. Neste local, os fatos são comunicados pelas partes e em seguida,

traduzidos por policiais civis que os registram em documentos denominados termos

circunstanciados, informando os dados que estes próprios operadores computam como

necessários ou pertinentes. Durante a pesquisa foi observado que a maioria dos casos

(cerca de 90%) é encaminhada pelas delegacias. Os demais são recebidos pelos

próprios juizados, através do serviço de protocolo geral de petições dos advogados das

vítimas (PROGER) ou do serviço denominado de “primeiro atendimento às partes”.

Em quaisquer dos serviços mencionados, após o registro do fato, as partes são

informadas sobre as datas das audiências preliminares ou conciliatórias. Nos juizados,

estes documentos são autuados, recebendo uma capa de cartolina colorida, onde são

registradas informações sobre o juizado responsável por sua apreciação, o número de

processo, os nomes das partes e os tipos penais correspondentes à infração criminal.

Para o ingresso nesse campo foi suficiente, na maioria das vezes, minha

apresentação como estudante do curso de mestrado em Direito, interessada em

descrever as práticas relacionadas aos procedimentos ali analisados. Como foi

esclarecido desde a primeira visita qual era a finalidade daquela participação e como

minha frequência cotidiana àqueles ambientes confirmou este interesse, as poucas

resistências que encontrei foram afastadas com esse convívio. Nas audiências observei

especialmente as práticas, as falas e os gestos dos operadores e dos jurisdicionados,

descrevendo suas dinâmicas. Concomitantemente, realizei entrevistas com os

operadores envolvidos nesta tarefa. As entrevistas com os conciliadores aconteceram

sem a prática de qualquer formalidade burocrática, já que os interlocutores passaram a

me ver, depois de certo tempo, como uma “colega”, socializada em seu saber

“técnico”.6 Esta prática foi diferente com os promotores de justiça, pois todos os

5 A doutrina jurídica brasileira se divide quanto à crítica aos procedimentos dos juizados, havendo quem

entenda que há presunção de culpa quando é imposta a transação penal, pois nesse caso a pena ali

prevista é aplicada sem a produção de provas sobre o fato praticado, já que a audiência conciliatória é

anterior à instauração do processo criminal formalmente dito. Ver sobre o assunto, Almeida (2011). 6 Minha socialização acadêmica iniciou-se em 1980, na Universidade Federal Fluminense – UFF, onde

me graduei, sendo seguida pelos cursos de especialização, dentre eles, em Direito Penal, Didática e

Metodologia de Ensino realizado pela Faculdade de Direito da Universidade Estácio de Sá. Atualmente

sou pesquisadora do InEAC e bolsista do IPEA, além de professora de graduação em direito há mais de

vinte anos e durante os quais lecionei, dentre outras, as disciplinas Direito Penal e Direito Processual

Penal, em diversas instituições de ensino superior.

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entrevistados optaram por serem entrevistados em seus respectivos gabinetes, que ora

funcionavam no mesmo prédio dos juizados, ora em prédio próprio do Ministério

Público, conforme cada região, o que imprimiu certa formalidade ao ato, já que foi

necessário agendar este encontro junto aos respectivos secretários dos promotores com

antecedência. Nestes casos, após as entrevistas resolvi observar suas práticas e falas

durante as audiências que contaram com a participação desses operadores. Para o

recorte aqui pretendido, apresentarei apenas alguns exemplos dessa observação.

2 – A JUSTIÇA CONSENSUAL CRIMINAL E O SABER LOCAL

Para dar conta desse projeto adotei o direito como uma construção social,

precária e consensual. Sendo assim, recorri à literatura proveniente de outras áreas do

conhecimento, em especial aquelas das ciências sociais. Neste sentido, adotei Geertz

(1998, p. 259) como referência, para entender o direito como uma forma específica de

representar a realidade fática, aplicada através do processo judicial e que consiste “Na

descrição de um fato de tal forma que seja possível aos advogados defendê-lo, ao juiz

ouvi-lo e aos jurados solucioná-lo, nada mais é do que uma representação (...) o

argumento aqui (...) é que a parte ‘jurídica’ do mundo (...) é parte de uma maneira

específica de imaginar a realidade. Trata-se, basicamente, não do que aconteceu, e sim

do que aconteceu aos olhos do direito”.

Vale dizer, para Geertz (idem, pp. 261-262) o processo judicial é um

componente cultural de determinado grupo social e, para entendê-lo como tal, significa

pressupor que todo processo jurídico envolve um comportamento que tem a finalidade

de simplificar os fatos vividos, amoldando-os às normas; e que a própria operação que

transforma o processo judicial em um sistema de descrição do mundo, ou seja, a

descrição jurídica do fato, já é por si mesma normativa. Em outras palavras, os “fatos”

analisados são, eles próprios, interpretações, enquanto a normatividade dessa

interpretação (narrativa) indica que ela é feita tendo em vista um “dever-ser”. Significa

afirmar que o que o direito faz é representar, a sua maneira, a forma como os fatos e os

conflitos são representados por leigos. Além disso, Geertz (idem, p. 249) constrói a

categoria sensibilidade jurídica para designar o sentimento de justiça de uma

determinada cultura. Segundo o autor, toda e qualquer cultura tem uma sensibilidade

jurídica que pode ou não se aproximar da nossa, mas que não é única, nem absoluta.

Sensibilidade jurídica é o complexo de operações utilizado por uma sociedade para

relacionar princípios abstratos desse direito.

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E mais: para examinar o local onde o direito é operacionalizado, adotei a noção

sociológica que considera o campo do direito como um campo de disputa de poder,

enquanto segmento da vida social, diretamente ligado às decisões que vão definir as

normas jurídicas a serem adotadas, assim como a forma mais adequada de sua

interpretação, constituindo campo privilegiado de contenda de visões acerca do mundo,

de interpretações sobre os problemas nacionais e sua formulação jurídica (BOURDIEU,

2002, pp. 209-255) 7.

O campo jurídico brasileiro arquiteta o seu saber de forma descontextualizada e

as representações sociais que informam as práticas jurídicas são ocultas e implícitas. Por

esta razão, categorias como a paridade de armas passam a ser naturalizadas e

mecanicamente reproduzidas sem reflexão consciente e sem explicitação. Nem mesmo

os operadores desse campo conseguem identificá-las de forma explícita e assim,

naturalizam suas práticas sem saber explicá-las, na maior parte das vezes.

Para alcançar a análise dos discursos (legal, doutrinário e jurisprudencial) - já

que representam um conjunto de orientações que formam os operadores do campo

jurídico -, conjugada às representações dos próprios operadores acerca da categoria

paridade de armas, foi importante perceber o hiato entre esses discursos e as práticas

jurídicas. Além disso, há um desvio entre a visão do jurisdicionado e a do operador do

campo e que constitui uma relação de poder fundamentando dois sistemas de

pressupostos, duas visões de mundo, que se traduz, sobremaneira, em matéria de

linguagem, separando quem tem acesso ao saber construído nesse campo (os “donos do

saber”) daqueles que não tem: os comuns (BOURDIEU, 2002).

Por isso, neste exercício, apropriei-me da noção desenvolvida por Cardoso de

Oliveira (1992, p.42) acerca da atenção do pesquisador com a interpretação dos atores

sobre os princípios que regem a resolução de seus conflitos, pois segundo ele, a

avaliação dos pesquisadores deveria ir além da discussão sobre a validade das normas

empregadas nos locais observados, mas, sobretudo, sobre a adequação e equidade que

os atores vêm nas resoluções promovidas, ou seja, na justeza das decisões tomadas nas

resoluções dos conflitos8.

7 Bourdieu se refere a uma questão do campo jurídico, mas do campo jurídico francês, embora se aplique

também, neste aspecto, ao modelo brasileiro. 8 Cardoso de Oliveira ressalta ainda que a profundidade da análise vai depender do quanto o antropólogo

leve em conta as várias dimensões que envolvem o conflito: seu “contexto cultural abrangente”, que

permite ao antropólogo perceber o significado geral que as coisas têm num mundo mediado

simbolicamente; o “contexto situacional”, que o possibilita tematizar o significado de ações de uma

forma típico-ideal; e o “contexto do caso específico”, em que a adequação da definição de uma disputa

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A escolha da metodologia citada resultou da percepção quanto à singularidade

como a produção e reprodução do conhecimento ocorre neste campo. A cultura jurídica

brasileira, que segue a tradição da civil law, pode ser representada por um conjunto de

discursos díspares e concorrentes entre si. Os profissionais que atuam neste campo são

formados por cursos de bacharelado em direito, oferecidos por inúmeras universidades

(públicas e privadas), previamente reconhecidos pelo Ministério da Educação e da

Cultura, órgão que integra a estrutura organizacional do governo federal e responsável

pela regulação, avaliação e fiscalização de tais cursos. Nestes predomina a forma

dogmática e instrucional, fortemente apoiada em doutrinas jurídicas, as quais

representam diversas e diferentes maneiras de interpretação das leis oriundas do Poder

Legislativo e que ganham o status de reconhecimento, segundo o critério do argumento

de autoridade (PERELMAN e OLBREHTS-TYTECA, 1996, p. 256). Vale dizer, estas

interpretações não privilegiam a literalidade da lei.

Esta forma de construção do saber jurídico vai se perpetuando no campo, já que

os concursos públicos para o ingresso nas carreiras jurídicas exigem dos candidatos o

conhecimento e a reprodução de determinada doutrina. Todavia, no desempenho de suas

funções, os profissionais recrutados e, especialmente, os que integram o Judiciário,

desprezam o saber doutrinário orientador de sua formação profissional, aplicando o

direito segundo suas próprias representações e sentido, o que explicita uma luta entre o

saber e o poder, onde aquele fica submetido a este (BOURDIEU, 2002).

A infinidade de discursos, algumas vezes até concorrentes e antagônicos, produz

uma ética bastante singular entre os profissionais deste campo, na medida em que eles

podem assumir teses radicalmente diversas em um mesmo caso ou em casos diferentes

(conforme KANT DE LIMA, 1995). Provavelmente esta variação de entendimentos é

responsável pelos principais impasses relativos à eficácia da justiça brasileira e que vem

gerando, com assiduidade, o sentimento de insegurança para os jurisdicionados e o

afastamento do sentido de igualdade para toda a sociedade.

No que se referem aos Juizados Especiais Estaduais, os discursos jurídicos

defendem que essas cortes judiciais adotaram o consenso como modalidade específica

de administração institucional dos conflitos sociais através do desenvolvimento de um

particular é equacionada a partir da relação entre as duas dimensões anteriores. Segundo o autor, a partir

dessas dimensões o pesquisador estará mais apto a compreender não apenas o “senso de justiça” dos

grupos envolvidos num conflito específico, mas também adotar uma “atitude crítica” no que se refere à

adequação das decisões, isto é, uma atitude que valorize o ponto de vista nativo e a preocupação em

levá-lo a sério, como um interlocutor íntegro, sem idealizar seu discurso.

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rito que privilegia a conciliação entre as partes litigantes. Ainda segundo essas

orientações, os Juizados Criminais teriam introduzido o instituto da transação penal que

consistiria em uma barganha entre o órgão de acusação e o réu acerca da pena a ser

aplicada e, por isso teria sido comparada à plea bargaining norte americana9.

Na prática, no entanto, o que tenho observado é que o consenso é mitigado e a

paridade de armas não tem lugar porque o jurisdicionado não participa do processo de

escolha da pena ou da reflexão sobre o seu cabimento. Ao contrário, tal atividade é

desenvolvida pelo promotor de justiça de forma isolada, exclusiva e ilimitada e,

portanto, consistindo em uma atividade de quem detém o poder de dizer quando e se

será aplicada e também de definir quem será atingido e de qual forma. O poder do

promotor de justiça de definir e classificar as repostas penais contidas nas transações

penais é um poder tautológico, na medida em que – graças a um saber (íntimo e não

universalizado) que reconhece inclusive seu próprio poder –, suas definições vão

orientar suas decisões. Assim, seus discursos vão expressar, invariavelmente,

justificativas como: “por ser o autor do fato criminoso, vai receber a pena de ...”, ou “a

pena de ... vai ser aplicada porque ele é autor do fato criminoso”, que não explicitam os

fundamentos de suas decisões.

3. PARIDADE DE ARMAS - ENTRE O DISCURSO JURÍDICO E A

PRÁTICA JUDICIÁRIA.

A categoria “paridade de armas” consiste, segundo os discursos jurídicos, em

uma consequência lógica da igualdade das partes, já que lhes são concedidas idênticas

condições para a produção das provas de suas pretensões, conforme Rangel (2008, p.

18); Lauria, Cruz e Tucci (1989, p. 37), entre outros. Já Antonio Scarance Fernandes

(2002, p. 46) entende que, “ o princípio da igualdade garante, de um lado, o tratamento

paritário aos que se encontram em posições jurídicas idêntica no processo e, de outro,

as mesmas oportunidades para as partes comprovarem os seus argumentos.” Por

último, Luiz Flávio Gomes e Valério de Oliveira Mazzuoli (2010, p. 113) declaram que

as oportunidades dentro do processo (de falar, de contraditar, de reperguntar, de opinar,

de requerer e de participar das provas etc.) “devem ser exatamente simétricas, seja para

quem ocupa posição idêntica dentro do processo (dois réus, v.g.), seja para os que

9 Esta crítica pode ser vista em outras abordagens (como, por exemplo, em Almeida, 2011 e 2012).

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ostentam posição contrárias (autor e réu, que devem ter, em princípio, os mesmos

direitos, ônus e deveres).”

Para a maioria dos doutrinadores jurídicos, a ideia de igualdade entre as partes

está associada à noção de justiça, de tal forma que o processo deve contar,

necessariamente, com um juiz independente, imparcial, equidistante e que promova as

mesmas oportunidades e o mesmo tratamento às partes envolvidas no litígio (NICOLIT,

2010, p.43). Além disso, a paridade de armas decorreria do fato de a Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988 ter admitido o modelo de Estado Democrático

de Direito, no qual são assegurados a todos os direitos ao contraditório e à ampla defesa,

institutos estes inerentes aos processos judiciais e administrativos (artigo 5º, inciso LV).

Tais institutos traduziriam duas ideias: a primeira, que todo ato produzido por uma das

partes acarreta, consequente e obrigatoriamente, o mesmo direito à outra parte, por força

da isonomia descrita na expressão: todos são iguais perante a lei, sem distinção de

qualquer natureza e a segunda, que a todo indivíduo seria assegurada a paridade total de

condições com o Estado-persecutor e a plenitude de defesa (aí se inserindo o direito à

defesa técnica; à publicidade do processo; à citação; à produção ampla de provas; ao

processo e julgamento por um juiz competente; aos recursos; à decisão imutável; à

revisão criminal, entre outros). Para explicarem a prevalência desses princípios entre

nós, os autores brasileiros recorrem à orientação do jurista português, José Gomes

Canotilho, para quem tais institutos são considerados princípios constitucionais, ou seja,

são noções fundamentais que orientam todo o sistema de normas do país (Canotilho,

2002) e, portanto, não poderiam ser desobedecidos.

Todavia, o que verifiquei nas audiências conciliatórias dos Juizados Especiais

Criminais visitados foi justamente o contrário desses ideais. Começando pela total

ausência do juiz nas audiências conciliatórias10

. Em seu lugar, atuava o promotor de

justiça, conduzindo as audiências de conciliação e esta atuação chegou a causar nos

jurisdicionados a confusa ideia de que aquele operador, por ocupar a cadeira do juiz,

seria imparcial ou equidistante em sua decisão. E mais, mesmo nas hipóteses da

presença do juiz, especialmente nas audiências de instrução e julgamento,

topograficamente o promotor de justiça ocupava uma “posição cênica”, sentando-se à

direita do julgador. E como na maioria das vezes os jurisdicionados e até mesmo as

10

Essa mesma constatação pode ser vista em Amorim, Kant de Lima e Burgos (2002).

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testemunhas desconheciam a estrutura e o funcionamento do Poder Judiciário, eram

incapazes de distinguir quem acusava e quem julgava neste cenário.

Não se pode esquecer que o cenário das salas de audiências reproduz um

significado que é percebido, e por vezes, inconscientemente, pelas partes e pelos

operadores jurídicos. Ora, o ambiente das salas de audiências, dos corredores dos

fóruns, assim como o contato com a linguagem e o vocabulário jurídico, o uso das

vestimentas dos operadores jurídicos, os gestos que estes manifestam durante suas

práticas reproduzem imagens, rituais e atos, que são dotados de simbolismos, tal como

Garapon (2008) chamou a atenção. Ao sentarem-se próximos, o juiz e o promotor de

justiça - ambos representando o Estado -, gera a impressão de que não há igualdade de

tratamento11

.

Na maioria dos juizados visitados os ambientes das salas de conciliação eram

hierarquizados e estruturados, chegando a existir normas escritas estabelecendo a

disposição dos móveis e pessoas. Neste sentido, transcrevo parte de um documento

divulgado para os conciliadores por um promotor de justiça em um dos juizados

observados. Segundo esta orientação,

“A disposição dos assentos e a forma como serão ocupados durante a

audiência/sessão de conciliação transmite muito mais informações do que se

possa imaginar. Trata-se de uma forma de linguagem não verbal que deve

ser bem analisada, a fim de que se possa perceber o que os envolvidos

podem esperar da conciliação e como irão se comportar nesse ambiente. A

disposição física dos presentes deverá se dar conforme o número de pessoas

e o grau de animosidade entre elas.

O posicionamento do conciliador em relação às partes também é de grande

importância, já que a qualidade, imparcialidade, aptidão e liderança podem

ser transmitidas, em muito, por esses aspectos. Dessa maneira, ele deve se

posicionar com igual distanciamento em relação às partes. Quanto à

liderança, seu posicionamento deve se dar de modo a conseguir administrar e

controlar todo o desenvolvimento da audiência/sessão de conciliação. No

caso de uma audiência/sessão de conciliação ser conduzida por mais de um

conciliador é importante que se sentem próximos um do outro, para facilitar

a comunicação entre eles.” (grifo conforme o original)

Como o próprio texto acima está indicando, além da imparcialidade, a posição

do conciliador, distanciado das partes, revela que os principais atributos deste operador

são: autoridade, comando e liderança. Esta orientação merece relevo, se considerarmos

que na conciliação, diferentemente do que acontece em outras formas de resolução de

11 Em minha atuação como advogada nos fóruns cariocas, vivenciei inúmeras vezes exemplos de

conversas íntimas e pessoais entre juiz e promotor durante as audiências e, até mesmo, acordos

estabelecidos ao “pé-de-ouvido” entre acusador e julgador, definindo os rumos da decisão, sem a

participação da defesa.

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12

conflito (como na mediação, por exemplo), o conciliador deve participar do processo

decisório das partes, de tal forma que esta orientação contraria tal finalidade.

Os espaços físicos onde os processos judiciais se desenvolvem são, portanto,

marcados por representações vinculadas ao papel de cada ator e têm a finalidade de

confirmar as diferenças e hierarquias entre os seus participantes. Estes dados

representam também o afastamento da isonomia, reforçando um modelo muito peculiar

da cidadania que existe entre nós. Estes espaços mostram-se inadequados ao modelo

republicano e aos princípios garantidores expressos nas declarações universais de

direitos e na Constituição Federal brasileira e revelam a estrutura patriarcal e a ideologia

de casta, que, entranhadas na autoritária história do Estado brasileiro, favorecem o

surgimentos de violências simbólicas e tratamentos privilegiados, que acabam por não

ser sentidos, nem percebidos como tal.

A posição do ator nas salas das audiências é inerente ao papel que cada um

desempenha no ritual judiciário, de tal forma que trocar de posição significa trocar de

papel e esta representação foi constatada em diferentes oportunidades durante a

pesquisa. Em uma delas, após um pregão, uma parte ingressou na sala e sentou-se do

lado direito da mesa. O promotor de justiça estava ocupado, lendo um processo e não

reparou quando ela entrou na sala, oferecendo-lhe a proposta de transação penal, sem

retirar os olhos do processo. Todavia, tratava-se da vítima e não do autor do fato, e esta

inversão de lugares aconteceu porque o oficial de justiça, que fazia o pregão e

acompanhava as partes até o interior da sala (indicando-lhes as posições corretas a

serem ocupadas), por algum motivo não a acompanhou. Quando o promotor de justiça

percebeu a confusão dos papéis, solicitou à parte que ocupasse o lado contrário da mesa,

o que foi imediatamente providenciado. Vale dizer, nestes ambientes, sentar-se no local

“adequado” é importante para a definição dos papéis e do tratamento a ser concedido.

Além da representação quanto ao lugar de cada ator, nos juizados visitados

observei que havia também certa diferenciação de tratamento dos jurisdicionados,

conforme “a cara do freguês”, já que nesses casos não importou a personalidade do

jurisdicionado (se potencialmente perigoso ou não), nem seus antecedentes criminais ou

os motivos que o levaram a se envolver no conflito, mas sim valores relacionados ao

seu status social, ou sua condição financeira, ou ainda sua ligação ou prestígio com

operadores daquele campo, considerados a partir da representação que o promotor de

justiça lhe atribuía. Estas representações, muitas vezes foram indicadas através de

discursos que pretendiam justificar a prática desses operadores e contidas nas seguintes

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13

expressões: “eu olho as partes... então eu decido” ou “Se ele disser que não tem

dinheiro, então é traficante. Porque se ele está com essa quantidade toda de drogas e não

tem dinheiro, é porque é traficante”, ou ainda “porque ele é dono de um Chevette,

198312, não tem dinheiro nenhum” reproduzidos por estes atores em suas entrevistas e,

em outras vezes, na forma como se relacionaram e dialogaram com os jurisdicionados.

São juízos de valores baseados em preconceitos que classificaram os jurisdicionados.

Para melhor exemplificar o que estou afirmando, destaco dois casos que

exemplificam o tratamento diferenciado recebido pelos jurisdicionados. No primeiro

caso, assim que o jurisdicionado entrou na sala de audiência e entregou seu documento

de identidade para a secretária digitar seus dados na assentada da audiência, foi logo

informando que era funcionário público, assistente de um Procurador-geral do Estado e

apresentando, em seguida, um breve relato de sua experiência funcional de quase duas

décadas de serviço público. A própria argumentação deste jurisdicionado, recheada de

termos reconhecidos pelo linguajar jurídico, tais como “... o veículo foi apreendido ao

arrepio da lei”, ou “... a Constituição veda a autoincriminação”, entre outros, deixava

transparecer sua familiaridade com o saber deste campo. Todavia o fato que merece

destaque neste exemplo foi a ampla oportunidade de se manifestar, já que sua fala foi

produzida sem a interrupção do promotor de justiça, dado que constituiu também

exceção à regra neste procedimento.

Este jurisdicionado narrou que fora abordado durante a operação “lei seca”,

realizada por policiais militares na rua principal daquele município13

e a ele foi atribuída

a prática de desacato (crime previsto no artigo 331, do Código Penal). Ao ser indagado

pelo promotor sobre o motivo deste comportamento, alegou que ele próprio fora policial

por mais de vinte anos, antes do atual cargo que ocupava e que sempre tratou a todos

com urbanidade e civilidade, sendo contrário a comportamentos autoritários como os

dos policiais envolvidos. De acordo com este suposto autor do fato,

12

O Chevrolet Chevette é um carro da General Motors que foi lançado no Brasil em 1973 e a referência

ao ano 1983, supõe tratar-se de um veículo desvalorizado pelo mercado em função do tempo de

utilização, pressupondo que seu proprietário não possui recursos financeiros para adquirir outro veículo

mais novo. 13

A lei seca é a denominação dada à operação de fiscalização, geralmente efetuada pela polícia militar e

funcionários do Departamento de Trânsito – DETRAN, nas principais vias do Estado e em

cumprimento à Lei 11705, de 19 de junho de 2008, que alterou alguns artigos do Código de Trânsito

Brasileiro, com a finalidade de coibir a ingestão de bebida alcóolica pelos motoristas. Estes policiais,

que seriam as supostas vítimas deste caso, não compareceram, nem foi informado se justificaram suas

ausências. Contudo, dada a natureza do crime apontado, cuja ação penal é pública incondicionada, ou

seja, sua iniciativa cabe ao promotor de justiça, tal ausência não interfere no prosseguimento do feito.

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14

_ “... Os policiais resolveram me “dar um cansaço”14

, logo após ter me

identificado como assistente do procurador... (pausa). Acho que eles fizeram

isso devido à rixa que os policiais militares têm contra os promotores

(declaração esta que não foi afastada pelo seu inquiridor)... (pausa). Eu

reclamei com os policiais que não via motivo para permanecer ali parado por

mais de duas horas, já que eles já tinham apreendido minha carteira de

habilitação e rebocado meu carro, porque não quis me submeter ao teste do

bafômetro... (pausa) Como temia pela segurança de minha namorada, que

estava comigo, porque já passava das duas horas da madrugada, ao ser

ameaçado com ordem de prisão, resolvi me se dirigir à delegacia local para

registrar o abuso de autoridade destes policiais. Assim que nos afastamos,

fomos interpelados por eles... (pausa). Eu não sei em que pé está o processo

que apura este abuso de autoridade.”

Antes de decidir pela aplicação da transação penal, o órgão de acusação se ateve

à leitura atenta dos documentos que integravam este procedimento, comportamento este

também inusitado nestas audiências. Enquanto lia, a sala ficou em silêncio e esta tarefa

consumiu quase dez minutos da audiência. Ao seu término, o promotor passou a falar

com o jurisdicionado em tom extremamente baixo, com voz calma e pausada, iniciando

a justificativa da decisão que estaria por vir, da seguinte forma:

_ “... este procedimento apurou que você não tem outro procedimento e, por

isso, ofereço duas cestas básicas15

como transação penal que, se você quiser,

podem ser pagas de uma só vez, já que cada cesta básica tem o valor de cem

reais e, com isso, você fica logo ‘livre’ desta obrigação e do processo”.

Como este jurisdicionado era bacharel em direito há longa data e estava

habituado à cultura jurídico-processual, retrucou, dizendo que sabia que o “senso

comum” deste campo não privilegiava a presunção de inocência, indicando que não

desejava responder a um processo criminal para demonstrar sua inocência (o que seria

possível apenas se rejeitasse a transação penal oferecida), porque “não ia pegar bem em

seu emprego”, razão pela qual acolheu a oferta do promotor de justiça.

Neste caso específico a escolha da pena resultou de um processo reflexivo

também do jurisdicionado, muito embora esta afirmação tenha reforçado a noção

segundo a qual os motivos justificadores da aceitação da transação penal estão mais

ligados ao afastamento do processo do que qualquer outra justificativa, na medida em

que prevalece a presunção de culpa do jurisdicionado nesta etapa preliminar.

A dinâmica desta audiência, privilegiando a argumentação do suposto autor do

fato, constituiu exceção à regra e esta diferença de tratamento se fez notar, 14

Essa expressão significa que os policiais o fizeram esperar por muito tempo. 15

A cesta básica consiste na entrega pelo jurisdicionado de gêneros alimentícios e de uso pessoal à

instituição determinada pelos Juizados Criminais. Esta modalidade não está prevista nem no Código

Penal, nem na Lei nº 9.099, de 1995, embora a sua aplicação seja muito comum nos juizados, o que

revela a autonomia dos promotores de justiça na escolha das penas nesses juizados.

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15

principalmente, pela forma como foi desenvolvido um caso observado imediatamente

após, realizado pelo mesmo promotor de justiça. Este segundo caso versou sobre o

crime de injúria (artigo 140, do Código Penal) e, além do suposto autor do fato

compareceu a vítima acompanhada de seu respectivo advogado.

Interessa ressaltar que em ambos os casos, como os autores dos fatos criminosos

estavam desacompanhados de seus advogados (porque não foram constituídos), não lhes

foram indicados defensores públicos, que seria necessário se obedecidas às

formalidades legais. Esses dois casos confirmaram também que a defesa técnica nesses

juizados é amplamente afastada, diante da ausência reiterada desses profissionais.

A vítima deste caso relatou que o motivo do crime se deveu à rescisão de

contrato de trabalho, reputada injusta pelo agressor, o qual, em represália, teria utilizado

sua própria página de uma rede social para proferir palavras ofensivas, de baixo calão,

contra a vítima, que nesse caso era seu superior hierárquico. Havia nestas ofensas

também alguma correlação com o crime de ameaça, pois o agressor também afirmara

que conhecia a vida do patrão, “sabendo onde ele morava, o seu horário de trabalho,

etc.”, embora só lhe tenha sido imputado o crime de injúria.

Após ouvir a vítima que alegou ter sido essa demissão causada por uma crise

financeira que atingiu a empresa onde ambas as partes trabalhavam e que esta medida

foi extensiva a outros funcionários , o promotor de justiça passou a inquirir o acusado,

cujo diálogo resolvi transcrevê-lo abaixo:

_ “Então Sr.... (disse o nome do jurisdicionado), isso aqui foi o senhor que

fez mesmo? (indicando, da sua mesa, uma página do processo que

reproduzia o perfil de um site de relacionamento social da internet, onde,

provavelmente, se encontravam as tais ofensas ali em apuração). “ (PJ2)

_ “Não, senhor” respondeu o autor do fato.

_ “Isso não está na sua página? (pausa) Se não foi o senhor quem fez? Foi

quem? Foi o ‘sombra’?” Indagou o promotor, já aumentando o tom de voz.

(O suposto autor do fato não entendeu a ironia do promotor e respondeu):

_ “O quê?” – perguntou o jurisdicionado.

_ “Foi o ‘sombra’ que fez isso? Porque se não foi o senhor, foi quem?”

Perguntou novamente o promotor, agora visivelmente irritado.

_ “Não senhor, é que meu orkut16

foi hackeado, entendeu?” Retrucou o

jurisdicionado, quase sussurrando.

Diante desta resposta o promotor reagiu, em tom sarcástico, duvidando da

veracidade da afirmação do jurisdicionado:

_ “Ah! Tá... Foi hackeado...(pausa). Sei...”

16

O Orkut é uma rede social filiada ao Google, criada em 24 de janeiro de 2004.

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16

E, após essa manifestação, virou-se para a vítima indagando-lhe se desejava

prosseguir com o procedimento. Esta pergunta do promotor para a vítima causou-me

surpresa porque o seu advogado já havia informado, no início da audiência, o interesse

do seu cliente em “somente deixar registrado em ata o pedido de desculpas do acusado,

dizendo que nada do que ele disse era verdadeiro”.17

Vale dizer, o ofendido desejava

unicamente um pedido de retratação, já que o comportamento do colega de trabalho

teria gerado prejuízos no seu ambiente de trabalho. Ressalte-se ainda que em momento

algum da audiência o teor dessas ofensas foi mencionado pelas partes ou pelo promotor

de justiça.

Portanto, a própria vítima se satisfazia com a simples retratação do acusado, não

desejando dar continuidade ao processo. Contudo, o promotor não levou em

consideração este interesse, insistindo, mesmo assim, na pergunta quanto ao desejo da

vítima de prosseguir com o processo. Como não conseguiu obter tal confirmação,

voltou-se para o acusado e, alterando ainda mais seu tom de voz, o ameaçou:

_ “Já estou avisando que é assim... (pausa) Eu sou uma pessoa como você,

entendeu? Isso aqui não é capa de palhaço, de idiota (apontando para o terno

que estava vestindo)... (pausa) Então é assim, já vou avisando que aqui é

assim... (pausa) Porque vai chegar aqui dizendo: ah! Foi hackeado... (pausa)

Pára com essas palhaçadas porque a gente conhece disso tanto quanto vocês.

Entendeu? Inclusive tem delegacia pra ver se foi hackeado mesmo ou não, e

acho muito difícil que tenha sido... (pausa) Eu acho assim... O Defensor não

está aqui pra conversar com você, mas a proposta não é ruim. Afinal de

contas, isso aqui (apontando para o processo), se levado a cabo te

prejudicaria redondamente... (pausa) Redondamente... (pausa) Entendeu?

Então é assim, eu acho que é um momento de você ter calma, porque

ninguém gosta de ser mandado embora... (pausa) Você tem seus

compromissos e tal. Agora, uma coisa é assim: ‘pô’ eu não gosto do Sr...

(diz o nome da vítima) porque acho que ele me escolheu para me mandar

embora...(pausa) então eu vou prejudicá-lo.”

Neste caso, o autor do fato criminoso era pessoa de aparência humilde,

trabalhador assalariado, pouco articulado, tendo apenas respondido ao que foi

perguntado e tão somente quando lhe foi perguntado e que compareceu à audiência sem

um defensor (que também não lhe foi oferecido antes do início da audiência, como a lei

eige), sem conhecer ou ter familiaridade com o ambiente e o saber ali reproduzido. Em

comparação com os breves minutos que suas frases consumiram neste ato, o discurso

enfático do promotor, ao contrário, foi produzido por cerca de dez minutos.

17

O crime de injúria, segundo a lógica adotada pelo artigo 100 e seguintes, do Código Penal, é de ação

penal privada, ou seja, a lei penal concede à vítima o direito de verificar a conveniência ou interesse em

intentar a ação penal (BRASIL. 2013, p. 335).

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17

Este tratamento psicologicamente agressivo e discriminatório, contrário aos

direitos fundamentais consagrados na Constituição da República, ao atribuir que todos

os cidadãos devam ser considerados inocentes até condenação judicial definitiva e

concretizada após um processo público no qual todas as garantias necessárias de defesa

lhe sejam asseguradas, só perdura e é cultivado nas nossas salas de audiências porque

nossas instâncias judiciais, amiúde, estão contaminadas pelas práticas e noções

incutidas no modelo inquisitorial, centrado na autoincriminação do acusado.

Percebe-se nesse “diálogo” transcrito, que o promotor de justiça não considerou

os interesses da vítima, ou seja, não resolveu o conflito. Prevaleceu o seu interesse

próprio, que consistiu, exclusivamente, em punir o jurisdicionado. E mais, sequer foi

verificada a possibilidade da atuação de um defensor público ou dativo entre a plateia

que assistia à audiência e nem mesmo foi informado ao jurisdicionado que ele possuía o

direito de ser acompanhado por um advogado para defendê-lo. Mesmo assim, o

promotor de justiça ofereceu a transação penal, que neste caso consistiu no pagamento

de 3 (três) cestas básicas, no valor de R$100,00 (cem reais) cada.

E ainda, esta transação penal foi estabelecida sem levar em conta o fato de o

jurisdicionado se encontrar desempregado. Esta observação é importante porque quando

o entrevistei, este promotor de justiça afirmou atentar para a adequação das transações

penais às circunstâncias pessoais dos jurisdicionados, como descrito no seguinte trecho:

_ “... Por exemplo: eu vou aplicar a cesta básica, aí ele pode falar: eu estou

desempregado no momento, não tenho condição financeira. Então você vai

prestar serviço comunitário. O contrário também é possível, quando ele é

encaminhado pra prestação de serviço, ele passa por uma psicóloga e por

uma assistente social. Essas duas profissionais podem verificar algum tipo de

impossibilidade na prestação do serviço. Uma inadequação, um risco para as

outras pessoas, ou um problema de saúde, que vira e mexe acontece: uma

gravidez, uma operação marcada. E essa proposta de transação de prestação

de serviço é modificada pra cesta básica”.

Esta forma de dizer o que a lei manda e fazer o que o “seu próprio

entendimento” determina é comum entre os operadores deste campo. Trata-se de um

comportamento atrelado à representação acerca de quem é que tem autoridade, como já

afirmado por Mendes (2011). Esta autoridade vai sendo mantida em face de um

conjunto de representações, dentre as quais está o fato de que muitos promotores de

justiça são autores de doutrinas jurídicas e professores contratados por universidades

(privadas ou públicas) para lecionarem disciplinas de direito penal e direito processual

penal, especialmente. Esta atuação complementar amplia ainda mais o efeito e o espaço

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de aplicação da sua autoridade, constituindo locus privilegiado de divulgação e fomento

de suas práticas e de seus ideais, os quais serão reproduzidos por seus pupilos, futuros

operadores, e estes, consequentemente, reproduzirão tais noções e ensinamentos em

suas práticas profissionais.

Demonstra este relato que o promotor de justiça se esforçou em aplicar uma

resposta adequada a cada situação fática, conforme a possibilidade do acusado, mas

essa preocupação está ligada à efetividade da transação penal, se será ou não

cumprida e, portanto, ligada a sua própria competência e atuação, que ao final

podem lhe garantir uma promoção no cargo ou algum reconhecimento pelos demais

atores desse campo.

Nos dois casos trazidos à colação, o exame literal da lei aponta soluções

completamente diferentes daquelas produzidas. Até mesmo no que se refere à

quantidade da punição, a lei penal estabelece maior pena ao primeiro caso, por se tratar

de crime contra a administração pública (para o desacato é prevista a pena de detenção

de seis meses a dois anos, ou multa, enquanto para a ameaça, a pena é de detenção de

um a seis meses, ou multa). Desta forma, o tratamento justo e equânime, que pressupõe

o fim da paridade de armas, sequer foi observado.

Esses dois casos refletem, de maneira precisa, o modo como a justiça é prestada

nos juizados visitados. Nestes ambientes prevaleceu o discurso da autoridade e a

preocupação em separar e identificar o lugar de cada um dos atores. Esta hierarquia e

estruturação, impondo o afastamento entre os operadores e os jurisdicionados, causam

entraves gravíssimos para o consenso e a isonomia entre as partes. A paridade de armas

– que poderia ser a verdadeira motivação do modelo de justiça efetuado nestes órgãos -

não teve vez, de tal forma que os dados observados opõem-se à ideologia da justiça

consensual, ou dialógica. Vale dizer, as representações vinculadas ao papel de cada ator,

nos casos examinados, teve a finalidade de confirmar as diferenças e hierarquias entre

os seus participantes, reproduzindo as desigualdades presentes na sociedade brasileira.

4. CONCLUSÃO

A ideologia da justiça consensual, tão defendida pela doutrina jurídica e pela

jurisprudência brasileiras, não vem sendo seguida pelos operadores jurídicos dos

juizados observados, de tal forma que, mesmo havendo a orientação quanto ao

procedimento negocial constituir a natureza desses órgãos, o campo permanece

produzindo práticas inquisitoriais, o que mitiga o ideal democrático prometido

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constitucionalmente como reflexo do modelo do Estado brasileiro atual. Ali prevalecem

os argumentos fundados na interpretação particularizada e implícita, desconhecida do

público. São lógicas antagônicas de duas ordens: uma participativa, dialógica e

universal (especialmente declaradas nas leis e interpretadas pelas doutrinas e

jurisprudências) e outra excludente, solilóquia e particular (presentes nas práticas dos

operadores).

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