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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO vem,
com espeque no artigo 29, I, da Lei nº 8.625/93; artigo 30, XVI, da Lei
Complementar Estadual nº 95/97 - Lei Orgânica do Ministério Público; artigo
112, III da Constituição do Estado do Espírito Santo; e artigo 168 e seguintes
do Regimento Interno do Tribunal de Justiça - RITJES, propor a presente
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em face dos artigos 1º, §3º; 3º, §2º; 4º da Lei Municipal da Serra nº 1.900/96,
da Lei Municipal da Serra nº 2.177/99, que a alterou, requerendo, desde
logo, que seja concedida a medida cautelar com o fim de que seja
decretada a suspensão liminar das normas impugnadas, pelos fatos e
fundamentos abaixo aduzidos.
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I – DA NORMA IMPUGNADA
A Câmara Municipal da Serra editou a Lei Municipal da Serra nº
1.900/1996, que dispõe sobre a autorização do funcionamento de serviços
de som por sistema de autofalantes em centros comerciais e
comunidades.
Posteriormente, foram realizadas alterações nas redações do artigo 1º, §3º,
e artigo 3º, §2º, desta Lei pela Lei Municipal da Serra nº 2.177/99. A
alteração trazida pela Lei Municipal da Serra nº 2.177/99 disciplinou que a
autorização para o funcionamento do serviço de difusão de som por
autofalante será concedida pela Associação de Serviços de Audição
Pública, de Rádios Livres e Comunitária do Município da Serra.
Além disso, em seu artigo 4º, a Lei Municipal estabeleceu que o limite para
a operação desse serviço é de 70 decibéis.
Ocorre que, consoante será demonstrado, os dispositivos mencionados,
violam o princípio da proporcionalidade, a Resolução CONAMA nº 01/90,
a NBR nº 10.151/00 e a Constituição Estadual.
Veja-se o teor dos dispositivos guerreados:
Lei Municipal de Vitória nº 1.900/96
Autoriza o funcionamento de serviços de som por sistema de
auto-falantes em centros comerciais e comunidades.
O PREFEITO MUNICIPAL DA SERRA, ESTADO DO ESPÍRITO
SANTO usando de suas atribuições legais, faço saber que a
Câmara Municipal da Serra decretou e eu sanciono a
seguinte Lei:
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Art. 1° - Fica autorizado o funcionamento de serviços de som
por sistema de Auto-Falantes nos centros de concentração
comercial e comunidades. (…)
§ 3° - Para obtenção da autorização para funcionamento, a
empresa ou entidade terá que submeter seu projeto de
instalação para apreciação e verificação de viabilidade
técnica à Associação de Serviços de Audição Pública, de
Rádios Livres e Comunitária do Município da Serra. Parágrafo
alterado pela Lei 2177/1999
(...) Art. 3° - Os serviços de Auto-Falantes destinarão 30 minutos
diários de seus programas à divulgação das atividades dos
Poderes Executivo e Legislativo Municipais.
(…) § 2° - As atividades a serem divulgadas serão encaminhadas
pelas Assessorias de Comunicação dos dois Poderes à
Associação de Serviços de Audição Pública, de Rádios Livres
e Comunitária do Município da Serra, que se encarregará de
distribuir o programa aos serviços de som situados no
Município. Parágrafo alterado pela Lei 2177/1999 (…)
Art. 4° - Fica limitado a 70 decibéis o volume para operação
desse serviço.
Conforme visto, a legislação em apreço, por meio da redação conferida
pela Lei nº 2.177/1999 conferiu a uma entidade privada a competência
para autorizar o funcionamento do serviço de difusão de som por
autofalante, o que viola a vedação de delegação de competência
exclusiva dos Poderes.
Ademais, a norma municipal do artigo 4º da Lei Municipal da Serra nº
1.900/1996, ao disciplinar o volume de 70 decibéis como limite para a
operação desse serviço, deixou de observar o imperativo da
proporcionalidade, haja vista que os diversos ambientes externos
necessitam de tratamento diferenciado, conforme Tabela 1 da NBR nº
10.151/00.
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Isto é, a Lei permitiu que serviços de som por sistema de autofalantes
possam atuar em centros de concentração comercial e comunidades em
volume superior aos estabelecidos pela ABNT.
Assim, a norma em questão conferiu tratamento menos protetivo ao meio
ambiente.
Diante disso, faz-se necessária a declaração de inconstitucionalidade dos
dispositivos mencionados da Lei Municipal da Serra nº 1.900/96, da Lei
Municipal nº 2.177/99, que trouxe a sua alteração, bem como do Decreto
nº 3.420/03, que a regulamenta, pelos vícios que se passam a expor.
II – DAS RAZÕES DA INCONSTITUCIONALIDADE
A. NORMA QUE EXCEDE A COMPETÊNCIA LEGISLATIVA MUNICIPAL.
VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 19, IV, E 28, II, DA CONSTITUIÇÃO DO
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO.
Conforme já citado, a Lei Municipal da Serra nº 1.900/96 disciplinou que o
volume dos serviços de autofalantes em centros comerciais e
comunidades fica limitado a 70 decibéis.
Tal disposição, por sua vez, contraria normas federais sobre o assunto e,
logo, configura extrapolação da competência legislativa suplementar
conferida ao legislador municipal.
Para exata compreensão da matéria, cumpra ressaltar a princípio que a
proteção ao meio ambiente e o controle da poluição foram elencados
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pela Constituição da República como matérias cuja competência
legislativa é concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal1,
tendo sido reservada ao Município a competência para suplementar a
legislação federal e a estadual2.
A Constituição Estadual do Espírito Santo, consoante os termos da
Constituição da República, dispôs que:
Constituição do Estado do Espírito Santo
Art. 19. Compete ao Estado, respeitados os princípios
estabelecidos na Constituição Federal:
(...)
IV - exercer, no âmbito da legislação concorrente, a
competente legislação suplementar e, quando couber, a
plena, para atender às suas peculiaridades;
Art. 28. Compete ao Município:
I - legislar sobre assunto de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e estadual no que
couber;
Compete, assim, à União e aos Estados legislar concorrentemente sobre
proteção do meio ambiente e controle da poluição: enquanto a primeira
estabelece normas gerais, os Estados complementam a legislação federal.
1 Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente
sobre:
(...)
VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos
recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle de poluição.
(...)
§1º- No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a
estabelecer normas gerais.
§ 2º- A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a
competência suplementar dos Estados.
(...) 2 Art. 30 – Compete aos Municípios:
I – legislar sobre assuntos de interesse local;
II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber.
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Os Municípios, por sua vez, poderão suplementar a legislação federal e
estadual no que couber.
Ressalta-se que a competência atribuída aos Estados para complementar
as normas gerais da União não afasta a competência dos Municípios para,
quando houver interesse local, baixar legislação que supra lacunas ou
especifique minúcias decorrentes de idiossincrasias locais.
No entanto, não poderá o Município, em hipótese alguma, dispor de forma
contrária (ou menos restritiva, no presente caso) às normas gerais da
União. A atuação municipal deve se restringir ao detalhamento daquelas
legislações, para adequá-las às particularidades locais, sob pena de
invadir seara normativa que não lhe é atribuída.
As normas gerais ditadas pela União e de observância obrigatória pelos
demais entes federados atinentes à poluição sonora estão delineadas na
Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama nº 01/90,
cujo item I esclarece que a “emissão de ruídos, em decorrência de
quaisquer atividades industriais, comerciais, sociais ou recreativas, inclusive
as de propaganda política, obedecerá, no interesse da saúde, do sossego
público, aos padrões, critérios e diretrizes estabelecidos nesta Resolução”,
dispondo o item II serem “prejudiciais à saúde e ao sossego público, para
os fins do item anterior, os ruídos com níveis superiores aos considerados
aceitáveis pela Norma NBR-10.151 – Avaliação do Ruído em Áreas
Habitadas visando o conforto da comunidade, da Associação Brasileira de
Normas Técnicas - ABNT”.
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Desse modo, são tidos como admissíveis (padrão de normalidade) em
áreas habitadas, sem que se exponha a saúde humana a riscos, os
seguintes limites de ruídos:
Tipos de áreas Diurno
dB(A)
Noturno
dB(A) Área de sítios e fazendas 40 35 Área estritamente residencial urbana ou de hospitais ou
de escolas
50
45 Área mista, predominantemente residencial 55 50 Área mista, com vocação comercial e administrativa 60 55 Área mista, com vocação recreacional 65 55 Área predominantemente industrial 70 60
Diante disso, verifica-se que a Lei Municipal da Serra nº 1.900/96, ao
disciplinar o limite único de 70 decibéis (art. 4º) e a exclusão da
autorização somente para os logradouros onde se verifique existência de
hospital, escola ou áreas residenciais nas quais os moradores manifestem a
não aprovação pela implantação do sistema (art. 1º, §2º,), afastou a
aplicabilidade dos limites de aceitabilidade de ruídos previstos para as
demais áreas.
Há, portanto, patente sobreposição da norma municipal aos balizamentos
técnicos federais, tendo a mesma conferido tratamento muito menos
protetivo ao meio ambiente do que o trazido pela legislação federal, em
clarividente extravasamento da competência legislativa municipal, e
consequente violação dos artigos 19, IV e 28, II da Constituição do Estado
do Espírito Santo.
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Corroborando a tese ora apresentada, o Professor Paulo Affonso Leme
Machado3 baseia-se na doutrina de Alvaro Luiz Valery Mirra para pontuar
que:
é bastante freqüente, na prática, que os Municípios, ao
legislarem em tema de meio ambiente, procurem diminuir o
rigor do legislador federal ou estadual e, com isso, ampliar
ou facilitar o exercício de atividades potencialmente
degradadoras do meio ambiente em seus territórios, sem o
devido respeito às restrições já anteriormente estabelecidas
pelas normas da União e dos Estados. Tais iniciativas das
municipalidades, porém, devem ser impugnadas por
contrariarem os limites constitucionais da competência
legislativa dos Municípios.
A mesma senda segue Márcia Dieguez Leuzinger4, afirmando que “não se
pode ignorar que o aspecto suplementar diz respeito exclusivamente ao
caráter mais restritivo da norma municipal, não sendo admitida pelo
sistema que contrarie ou deturpe a finalidade e conteúdo das normas
federais e estaduais, visto que a exacerbação da competência municipal
significaria, muitas vezes, o sacrifício da proteção e defesa do meio
ambiente”.
Nesse sentido, seguem esclarecedoras decisões do Supremo Tribunal
Federal, mutatis mutandis aplicáveis ao caso:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEGITIMIDADE
ATIVA DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DEFENSORES
PÚBLICOS (ANADEP) - PERTINÊNCIA TEMÁTICA -
CONFIGURAÇÃO - DEFENSORIA PÚBLICA -RELEVÂNCIA DESSA
INSTITUIÇÃO PERMANENTE, ESSENCIAL À FUNÇÃO DO ESTADO
- A EFICÁCIA VINCULANTE, NO PROCESSO DE CONTROLE
3 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 13. ed. São Paulo:
Malheiros, 2004, p. 386. 4 LEUZINGER. Márcia Dieguez. Meio Ambiente: propriedade e repartição constitucional de
competências. Rio de Janeiro: Esplanada, 2002, p.131.
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ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE, NÃO SE ESTENDE AO
PODER LEGISLATIVO - LEGISLAÇÃO PERTINENTE À
ORGANIZAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA - MATÉRIA
SUBMETIDA AO REGIME DE COMPETÊNCIA CONCORRENTE
(CF, ART. 24, XIII, C/C O ART. 134, § 1º) - FIXAÇÃO, PELA
UNIÃO, DE DIRETRIZES GERAIS E, PELOS ESTADOS-MEMBROS,
DE NORMAS SUPLEMENTARES - LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL
QUE ESTABELECE CRITÉRIOS PARA INVESTIDURA NOS CARGOS
DE DEFENSOR PÚBLICO-GERAL, DE SEU SUBSTITUTO E DE
CORREGEDOR-GERAL DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO -
OFENSA AO ART. 134, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA,
NA REDAÇÃO QUE LHE DEU A EC Nº 45/2004 -LEI
COMPLEMENTAR ESTADUAL QUE CONTRARIA,
FRONTALMENTE, CRITÉRIOS MÍNIMOS LEGITIMAMENTE
VEICULADOS, EM SEDE DE NORMAS GERAIS, PELA UNIÃO
FEDERAL - INCONSTITUCIONALIDADE CARACTERIZADA -
AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE. ASSOCIAÇÃO
NACIONAL DOS DEFENSORES PÚBLICOS (ANADEP) - ENTIDADE
DE CLASSE DE ÂMBITO NACIONAL - FISCALIZAÇÃO
NORMATIVA ABSTRATA - PERTINÊNCIA TEMÁTICA
DEMONSTRADA - LEGITIMIDADE ATIVA "AD CAUSAM"
RECONHECIDA. – (...) A USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA
LEGISLATIVA, QUANDO PRATICADA POR QUALQUER DAS
PESSOAS ESTATAIS, QUALIFICA-SE COMO ATO DE
TRANSGRESSÃO CONSTITUCIONAL. - A Constituição da
República, nos casos de competência concorrente (CF, art.
24), estabeleceu verdadeira situação de condomínio
legislativo entre a União Federal, os Estados-membros e o
Distrito Federal (RAUL MACHADO HORTA, "Estudos de Direito
Constitucional", p. 366, item n. 2, 1995, Del Rey), daí
resultando clara repartição vertical de competências
normativas entre essas pessoas estatais, cabendo, à União,
estabelecer normas gerais (CF, art. 24, § 1º), e, aos Estados-
membros e ao Distrito Federal, exercer competência
suplementar (CF, art. 24, § 2º). Doutrina. Precedentes. - Se é
certo, de um lado, que, nas hipóteses referidas no art. 24 da
Constituição, a União Federal não dispõe de poderes
ilimitados que lhe permitam transpor o âmbito das normas
gerais, para, assim, invadir, de modo inconstitucional, a
esfera de competência normativa dos Estados-membros,
não é menos exato, de outro, que o Estado-membro, em
existindo normas gerais veiculadas em leis nacionais (como
a Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública,
consubstanciada na Lei Complementar nº 80/94), não pode
ultrapassar os limites da competência meramente
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suplementar, pois, se tal ocorrer, o diploma legislativo
estadual incidirá, diretamente, no vício da
inconstitucionalidade. A edição, por determinado Estado-
membro, de lei que contrarie, frontalmente, critérios mínimos
legitimamente veiculados, em sede de normas gerais, pela
União Federal ofende, de modo direto, o texto da Carta
Política. (...) (ADI 2903, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO,
Tribunal Pleno, julgado em 01/12/2005, DJe-177 DIVULG 18-
09-2008 PUBLIC 19-09-2008 EMENT VOL-02333-01 PP-00064 RTJ
VOL-00206-01 PP-00134)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. LEI MUNICIPAL.
COMERCIALIZAÇÃO DE ÁGUA MINERAL. TEOR DE FLÚOR.
RESTRIÇÃO À SUA COMPOSIÇÃO: IMPOSSIBILIDADE. MATÉRIA
DISCIPLINADA POR LEI FEDERAL. 1. A decisão agravada
aplicou entendimento fixado pela 2ª Turma desta Corte no
julgamento do RE 596.489-AgR/RS, rel. Min. Eros Grau, DJe
20.11.2009, o qual declarou a inconstitucionalidade da Lei
Municipal 8.640/2000. 2. No caso, padece de
inconstitucionalidade a lei municipal que, na competência
legislativa concorrente, utilize-se do argumento do interesse
local para restringir ou ampliar as determinações contidas
em regramento de âmbito nacional. 3. Agravo regimental a
que se nega provimento. (RE 477508 AgR, Relator(a): Min.
ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 03/05/2011, DJe-
092 DIVULG 16-05-2011 PUBLIC 17-05-2011 EMENT VOL-02523-
01 PP-00141)
Também o Superior Tribunal de Justiça se posicionou sobre o assunto:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO RESCISÓRIA.
LEGITIMIDADE DO MUNICÍPIO PARA ATUAR NA DEFESA DE SUA
COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL. NORMAS DE PROTEÇÃO
AO MEIO AMBIENTE. COMPETÊNCIA PARA LEGISLAR.
EDIFICAÇÃO LITORÂNEA. CONCESSÃO DE ALVARÁ
MUNICIPAL. LEI PARANAENSE N. 7.389/80. VIOLAÇÃO. (...) 2.
A teor do disposto nos arts. 24 e 30 da Constituição Federal,
aos Municípios, no âmbito do exercício da competência
legislativa, cumpre a observância das normas editadas pela
União e pelos Estados, como as referentes à proteção das
paisagens naturais notáveis e ao meio ambiente, não
podendo contrariá-las, mas tão somente legislar em
circunstâncias remanescentes. (...) 4. A Lei Municipal n.
05/89, que instituiu diretrizes para o zoneamento e uso do
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solo no Município de Guaratuba, possibilitando a expedição
de alvará de licença municipal para a construção de
edifícios com gabarito acima do permitido para o local, está
em desacordo com as limitações urbanísticas impostas
pelas legislações estaduais então em vigor e fora dos
parâmetros autorizados pelo Conselho do Litoral, o que
enseja a imposição de medidas administrativas coercitivas
prescritas pelo Decreto Estadual n. 6.274, de 09 de março de
1983. Precedentes: RMS 9.279/PR, Min. Francisco Falcão, DJ
de 9.279/PR, 1ª T., Min. Francisco Falcão, DJ de 28.02.2000;
RMS 13.252/PR, 2ª T., Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de
03.11.2003. (AR 199800252860, TEORI ALBINO ZAVASCKI, STJ -
PRIMEIRA SEÇÃO, 14/04/2008)
Em caso análogo ao presente, este Egrégio Tribunal de Justiça já proferiu
decisão declarando a inconstitucionalidade da Lei Municipal da Serra n.º
3.819/2012, que, assim como a presente norma, também elevou os limites
máximos de emissão de ruídos previstos na NBR 10.151, ultrapassando os
parâmetros já estabelecidos pela legislação geral nacional, senão
vejamos:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - DIREITO
CONSTITUCIONAL - LEI N.º 3.819/12 DO MUNICÍPIO DE SERRA -
VÍCIO DE INICIATIVA - AUTORIA DO PODER LEGISLATIVO DO
MUNICÍPIO DE SERRA - IGREJAS E TEMPLOS RELIGIOSOS -
AUMENTO DO LIMITE DE PROPAGAÇÃO DE SOM PREJUDICIAL
À SAÚDE PÚBLICA - INFRINGÊNCIA À LEGISLAÇÃO FEDERAL DE
REGÊNCIA - ELEVAÇÃO DOS PATAMARES MÁXIMOS DE
DECIBÉIS - COMPETÊNCIA LEGISLATIVA SUPLEMENTAR OU
COMPLEMENTAR DO MUNICÍPIO - PEDIDO JULGADO
PROCEDENTE - LEI DECLARADA INCONSTITUCIONAL COM
EFEITOS EX TUNC E ERGA OMNES. 1 - Compete ao município
legislar sobre assunto de interesse local de forma
suplementar ou complementar à legislação federal e
estadual (art. 30, inciso II c/c art. 24, inciso VI, da CF e art. 28,
incisos I e II, da Constituição do Estado do Espírito Santo),
não poderia a Lei Municipal de Serra n.º 3.819/2012 elevar os
limites dos níveis toleráveis de sons e ruídos prejudiciais à
saúde já estabelecidos pela legislação federal de regência.
Precedentes do TJES e do STF. 2 - Na hipótese, a Lei
Municipal de Serra n.º 3.819/2012 elevou os limites máximos
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de emissão de ruídos nas igrejas e templos religiosos,
ultrapassando os parâmetros já estabelecidos pela
legislação geral nacional, inclusive no que diz respeito à
determinação da União em relação à observância de
normas técnicas editadas pelos órgãos normatizadores
(ABNT e INMETRO). 3 - Não cabe ao Município, não incluído
entre aqueles legitimados, concorrentemente, quanto ao
meio ambiente, art. 24, VIII, CF, somente dispondo de
competência legislativa subsidiária, no caso decorrente do
art. 30 da CF, abrir exceções ou tolerar níveis de ruído
superiores ao estabelecido na legislação federal e estadual,
sob pena de violação aos arts. 19, IV e 28, II, da Constituição
do Estado do Espírito Santo. 4 - Pedido julgado procedente,
declarando a inconstitucionalidade da Lei Municipal de
Serra n.º 3.819/2012, com atribuição de eficácia erga omnes
e efeitos ex tunc. (...)(TJES, Classe: Procedimento Ordinário,
100120011984, Relator: WILLIAM COUTO GONÇALVES, Órgão
julgador: TRIBUNAL PLENO, Data de Julgamento: 18/04/2013,
Data da Publicação no Diário: 30/04/2013)
Diante de todo o exposto, resta clara a extrapolação, por parte do
legislador municipal, de sua competência suplementar e, por conseguinte,
flagrante a inconstitucionalidade do artigo 4º da Lei Municipal da Serra nº
1.900/96, por violação aos artigos 19, IV e 28, II da Constituição do Estado
do Espírito Santo.
Importa registrar que o Decreto nº 3.420/03, ao regulamentar a Lei
Municipal nº 1.900/96, disciplinou, em seu artigo 8º, que os níveis de pressão
sonora, bem como os métodos utilizados para a sua medição e avaliação,
obedecerão, dentre outros atos normativos, a NBR 10.151/00, sendo
anexada (Anexo I) a sua Tabela de Nível de Critério de Avaliação (NCA)
para ambientes externos.
Nota-se que, apesar de o Decreto ter previsto o parâmetro correto de
avaliação de ruídos, o mesmo não possui força normativa para realizar
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alteração de lei, mas, pelo contrário, deveria retirar desta o seu
fundamento de validade.
Dessa forma, em razão da vigência do artigo 4º da Lei Municipal da Serra
nº 1.900/96, infere-se que deve ser decretada a sua inconstitucionalidade,
eis que a mesma confronta os artigos 19, IV e 28, II da Constituição do
Estado do Espírito Santo.
B. NORMA QUE OFENDE AO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE
ECOLOGICAMENTE SAUDÁVEL E EQUILIBRADO E AO PRINCÍPIO DA
PROPORCIONALIDADE. VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 3º, 32 E 186 DA
CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO.
Além de ser notório o excesso da competência legislativa municipal,
verifica-se ainda que o artigo 4º da Lei Municipal da Serra nº 1.900/96, ao
dispor limite único de 70 decibéis para o sistema de autofalantes em
centros de concentração comercial e comunidades, criou verdadeiro
permissivo legal à poluição sonora em áreas cujo limite deveria ser muito
inferior, conforme se evidencia da tabela I da NBR 10.151/00 da ABNT.
Tal permissivo ofende diretamente aos preceitos constitucionais do direito
fundamental ao meio ambiente ecologicamente saudável e equilibrado e
ao princípio da proporcionalidade.
No que tange ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente
saudável e equilibrado, tem-se que o mesmo é violado na medida em que
a poluição sonora desenfreada produz verdadeiro impacto ambiental,
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haja vista o desconforto, os prejuízos à sadia qualidade de vida e os
possíveis malefícios à saúde por ela provocados.
Ressalta-se que tal direito encontra previsão expressa tanto na
Constituição da República quanto na Constituição do Estado do Espírito
Santo, senão vejamos:
Constituição da República
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-
lo para as presentes e futuras gerações.
Constituição do Estado do Espírito Santo
Art. 186. Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente saudável e equilibrado, impondo-se-lhes e,
em especial, ao Estado e aos Municípios, o dever de zelar
por sua preservação, conservação e recuperação em
benefício das gerações atuais e futuras.
Infere-se que, além disso, houve violação ao princípio da
proporcionalidade, tendo em vista que a NBR 10.151 disciplina níveis
máximos de ruídos para cada tipo de área habitada, fazendo
diferenciação, inclusive, em relação ao período diurno e ao período
noturno.
No caso em tela, a imposição de um limite único de decibéis para o
sistema de autofalantes, qual seja, de 70 dB, além de ser superior aos
assegurados na Tabela I da NBR 10.151/00, desatende a proporcionalidade
prevista para as diferentes áreas habitadas.
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Assim, resta clara a inconstitucionalidade material da Lei Municipal da
Serra nº 1.900/01 em razão de a mesma ofender aos preceitos
constitucionais do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente
saudável e equilibrado e ao princípio da proporcionalidade e, portanto,
violar os artigos 3º, 32 e 186 da Constituição do Estado do Espírito Santo.
C. NORMA QUE OFENDE AS ATRIBUIÇÕES DE COMPETÊNCIA EXCLUSIVA
DOS PODERES. VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 91, I; 17, P. ÚNICO; 210,
CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO.
Cumpre salientar que o serviço público é aquele prestado pela
Administração ou por meio de delegação, através de controle estatal,
para atender a imperativos essenciais ou secundários da coletividade, ou
meras conveniências do Estado5.
A criação e a regulamentação dos serviços públicos são realizadas pelo
Poder Público, bem como a sua fiscalização.
Analisando-se a legislação colacionada nos artigos 1º, §3º, e 3º, §2º, da Lei
Municipal nº 1.900/01, que se referem à gestão do funcionamento dos
serviços de som por autofalantes, vislumbram-se vícios de
inconstitucionalidade, conforme se passa a expor em detalhes.
Importa registrar que, em âmbito estadual, o Governador do Estado, com
o auxílio dos Secretários de Estado, tem competência privativa para
5 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo:
Malheiros, 1993. p. 289.
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exercer a direção superior da administração estadual, conforme dispõe o
artigo 91, I, da Constituição do Estado do Espírito Santo.
Art. 91. Compete privativamente ao Governador do Estado: I
- exercer, com auxílio dos Secretários de Estado, a direção
superior da administração estadual;
Salienta-se que, embora as Constituições da República e Estadual tenham
se omitido no que diz respeito à competência da direção superior da
administração municipal, deve-se aplicar ao Município a mesma regra
estabelecida para a União e os Estados, em razão do princípio da simetria.
Desse modo, nota-se que, cabe ao chefe do Poder Executivo Municipal
exercer a gestão dos serviços públicos, inclusive a autorização para o
funcionamento dos mesmos, bem como a sua fiscalização.
Além disso, cabe destacar que o artigo 17, p. único, 1ª parte, da
Constituição Estadual prevê a vedação de delegação de atribuições de
competência exclusiva por qualquer dos Poderes6.
A esse respeito, Carvalho Filho diferencia os serviços públicos delegáveis
dos indelegáveis:
Serviços delegáveis são aqueles que, por sua natureza ou
pelo fato de assim dispor o ordenamento jurídico,
comportam ser executados pelo Estado ou por particulares
colaboradores. Como exemplo, os serviços de transporte
coletivo, energia elétrica, sistema de telefonia etc.
6 Art. 17. São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário. Parágrafo único. É vedado a qualquer dos Poderes delegar
atribuições de sua competência exclusiva. Quem for investido na função de um deles
não poderá exercer a de outro, salvo as exceções previstas nesta Constituição.
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Serviços indelegáveis, por outro lado, são aqueles que só
podem ser prestados pelo Estado diretamente, ou seja, por
seus próprios órgãos ou agentes. Exemplifica-se com os
serviços de defesa nacional, segurança interna, fiscalização
de atividades, serviços assistenciais etc.
Conforme o exposto, infere-se que os serviços de fiscalização de atividades
se tratam de serviços públicos indelegáveis, não podendo ficar ao dispor
de particulares.
Assim, no que se refere à Lei Municipal da Serra nº 1.900/01, resta claro que
a previsão de autorização para o funcionamento dos serviços de som por
sistema de autofalante pela Associação de Serviços de Audiência Pública,
de Rádios Livres e Comunitária do Município da Serra (art. 1º, §3º), bem
como a previsão de sua competência para realizar a distribuição do
programa aos serviços de som situados no Município (art. 3º, §2º), são
inconstitucionais, uma vez que ocorre delegação de atribuições de
competência exclusiva do Município a entidade privada.
Dessa forma, conclui-se que não cabe ao Chefe do Poder Executivo
Municipal delegar autorização e fiscalização de serviço público, em razão
de serem atribuições de competência exclusiva.
É válido ressaltar, no entanto, que ainda que se versasse acerca de serviço
público delegável, a concessão ou permissão deveria obrigatoriamente
observar procedimento de licitação, conforme dispõe o artigo 210, caput,
da Constituição Estadual do Espírito Santo, abaixo transcrito:
Art. 210. Incumbe ao Estado e aos Municípios, diretamente
ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através
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de licitação, a prestação de serviço público, na forma da
lei, que estabelecerá:
Consoante se verifica do texto constitucional, as concessões e permissões
para a prestação de serviços públicos devem sempre ser precedidas de
licitação. Sendo assim, para que possa haver prestação de serviços
públicos por particulares, a licitação é elemento imprescindível.
José dos Santos Carvalho Filho, ao disciplinar acerca do tema, afirma que
tanto na concessão como na permissão é imprescindível a realização de
licitação para a escolha do permissionário, como exigido,
inclusive, pela Constituição (art. 175). Tendo em vista que a
permissão se configurava tradicionalmente como ato
administrativo, e não como contrato, não são raras as
notícias de que algumas permissões tem sido conferidas sem
o referido certame. Se assim for efetivada, a contratação é
nula, não apenas por ofensa ao aludido mandamento
constitucional, como também pelo desrespeito aos
princípios da impessoalidade e da moralidade, sobretudo
porque, em regra, tal conduta visa a beneficiar
determinadas pessoas, com evidente desvio de finalidade7.
Ainda a esse respeito, ao cuidar das concessões de serviços públicos,
Celso Antônio Bandeira de Melo, com a precisão costumeira, faz a
seguinte observação, que se aplica, igualmente, à hipótese da permissão:
Tendo sido visto que a concessão depende de licitação -
até mesmo por imposição constitucional - e como o que
está em causa, ademais, é um serviço público, não se
compreenderia que o concessionário pudesse repassá-la a
outrem, com ou sem a concordância da Administração.
Com efeito, quem venceu o certame foi o concessionário, e
7 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo / José dos Santos
Carvalho Filho. 20. ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. P.. 393.
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não um terceiro - sujeito, este, pois, que, de direito, não se
credenciou, ao cabo de disputa aberta com quaisquer
interessados, ao exercício da atividade em pauta. Logo,
admitir a transferência da concessão seria uma burla ao
principio licitatório, enfaticamente consagrado na Lei Magna
em tema de concessão, e feriria o princípio da isonomia,
igualmente encarecido na Constituição8.
A jurisprudência pátria é uníssona no sentido de que a concessão e a
permissão de exploração de serviços públicos devem ser precedidas de
licitação, senão vejamos o entendimento do Supremo Tribunal Federal.
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE
INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. PERMISSÃO OU CONCESSÃO
DE TRANSPORTE PÚBLICO. 1. NECESSIDADE DE LICITAÇÃO
APÓS O ADVENTO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 2.
RESTABELECIMENTO DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO-
FINANCEIRO DO CONTRATO. IMPOSSIBILIDADE DO REEXAME
DE PROVAS E DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS. INCIDÊNCIA
DAS SÚMULAS 279 E 454 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA
PROVIMENTO. (AI 774915 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN
LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 24/08/2010, DJe-179
DIVULG 23-09-2010 PUBLIC 24-09-2010 EMENT VOL-02416-09
PP-02009)
“Recurso extraordinário. Ação direta de
inconstitucionalidade de artigos de lei municipal. Normas
que determinam prorrogação automática de permissões e
autorizações em vigor, pelos períodos que especifica. (...)
Prorrogações que efetivamente vulneram os princípios da
legalidade e da moralidade, por dispensarem certames
licitatórios previamente à outorga do direito de exploração
de serviços públicos” (RE 422.591, Rel. Min. Dias Toffoli,
julgamento em 1º-12-2010, Plenário, DJE de 11-3-2011.)
Ainda nesse sentido, é o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça:
8 DE MELO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 12ª ed. Malheiros,
p.618.
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ACÓRDÃO EMENTA: AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE.
PEDIDO DE LIMINAR. LEI MUNICIPAL. EXPLORAÇÃO DE
SERVIÇOS DE TAXI. DEPENDE DE PROCEDIMENTO LICITATÓRIO-
PRESENÇA DOS REQUISITOS CONCESSÃO DA MEDIDA ¿
SUSPENSÃO DA LEI MUNICIPAL N. º 4.949/10. 1. De acordo
com os dispositivos constitucionais a permissão de
exploração de serviço de taxi, depende de procedimento
licitatório para escolha de seu permissionário, não sendo
possível a transmissão através ¿herança¿, até porque, trata-
se de contrato intuitu personae. 2. Nota-se ainda que o
perigo da demora poderá acarretar prejuízos futuros à
sociedade, haja vista que a licitação busca justamente dar
oportunidade a todos os cidadãos, que preencham os
requisitos, a oportunidade de obter a permissão para
exploração de serviços de táxi. Além disso, a lei concede
isenção do pagamento da taxa de transferência aos
herdeiros e sucessores, causando prejuízo ao erário. 3. Ante a
presença do fumus boni iuris e do periculum in mora defere-
se a liminar pleiteada. VISTOS, relatados e discutidos os
autos da Ação de Inconstitucionalidade nº 100120001159,
em que são partes as acima indicadas. ACORDA o Egrégio
Tribunal Pleno, na conformidade da ata e das notas
taquigráficas da Sessão que integrou este julgado, à
unanimidade de votos, deferir a liminar pleiteada, nos termos
do voto do eminente relator. (TJES, Classe: Direta de
Inconstitucionalidade, 100120001159, Relator : WILLIAN SILVA,
Órgão julgador: TRIBUNAL PLENO, Data de Julgamento:
27/02/2012, Data da Publicação no Diário: 12/04/2012)
À luz do que fora exposto, os artigos 1º, §3,º e 3º, §2º, da Lei Municipal da
Serra nº 1.900/01, ao não observarem a vedação de delegação de
atribuições de competência exclusiva dos Poderes, afrontam o
mandamento constitucional contido no art. 17, §2º, da Constituição do
Estado do Espírito Santo e, em última análise, o art. 210 da mesma Carta,
que prevê a necessidade de licitação para a prestação de serviços
públicos sob regime de concessão ou permissão.
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III – MEDIDA CAUTELAR PLEITEADA – NECESSIDADE DE SUSPENSÃO DA
EFICÁCIA DA NORMA IMPUGNADA
Resta patente que o princípio constitucional básico do direito à tutela
jurisdicional também assegura ao jurisdicionado o direito a uma sentença
potencialmente eficaz, capaz de evitar dano irreparável a direito
relevante.
Nestes termos, não se pode olvidar que inexiste no ordenamento jurídico
pátrio direito mais relevante do que aquele relacionado com o respeito ao
nosso ordenamento fundamental, consubstanciado nas Constituições
Republicana e Estadual.
Urge salientar que, na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade, não
se almeja a análise de um caso concreto, mas sim de legislação em tese,
com o escopo de declarar sua inconstitucionalidade em face da Carta
Política Estadual, extirpando do mundo jurídico lei que com esta conflite.
Destarte, necessária se faz a concessão de medida cautelar na presente
Ação Direta de Inconstitucionalidade, para o fim de suspender a eficácia
das normas impugnadas, com espeque no artigo 10 e seguintes da Lei nº
9.868/99, pelos fundamentos adiante demonstrados:
Consoante demonstrado, as legislações impugnadas disciplinam sobre a
autorização para o funcionamento dos serviços de som por sistema de
autofalante pela Associação de Serviços de Audiência Pública, de Rádios
Livres e Comunitária do Município da Serra (art. 1º, §3º), bem como a sua
competência para realizar a distribuição do programa aos serviços de som
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situados no Município (art. 3º, §2º), em flagrante ofensa à vedação de
delegação de atribuições de competência exclusiva do Município a
entidade privada.
Ademais, a disposição legal criada pelo artigo 4º da Lei em tela, segundo
a qual limita a 70 decibéis o volume para a operação de serviços de som
por sistema de autofalantes nos centros de concentração comercial e
comunidades, permite a não observância aos limites fixados pelas normas
gerais federais de regência, em claro desbordo da competência
legislativa suplementar municipal.
Por fim, a fixação deste limite de forma não congruente com os previstos
pela NBR nº 10.151/00 ofende diretamente aos preceitos constitucionais do
direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente saudável e
equilibrado e ao princípio da proporcionalidade.
Diante disso, resta devidamente evidenciada a flagrante
inconstitucionalidade das normas impugnadas e, portanto, a presença o
fumus boni iuris.
No que tange ao periculum in mora, outro requisito indispensável à
concessão da cautelar, evidencia-se que a demora decorrente do
retardamento da decisão postulada pode acarretar danos irreparáveis
para todos aqueles que de alguma forma estão sendo prejudicados pela
previsão de limite superior aos estabelecidos pela NBR nº 10.151/00 e
sofrem os inúmeros danos físicos e psicológicos que decorrem da poluição
sonora.
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Ainda que se afastasse a ocorrência do periculum in mora, o que não
parece ser o caso, ainda restaria a conveniência política9 da suspensão
da eficácia dos artigos 1º, §3º; 3º, §2º; 4º da Lei Municipal da Serra nº
1.900/96, da Lei Municipal da Serra nº 2.177/99 a qual é suficiente para a
concessão de medida cautelar em ações do controle concentrado.
Sobre essa possibilidade, o ilustre Ministro Luís Roberto Barroso, ao discorrer
acerca da suposta inviabilização da concessão de medida cautelar nas
ações que discutem a constitucionalidade de lei já vigente há muito
tempo, esclareceu que “tal regra, todavia, não é absoluta: por vezes ‘é
possível utilizar-se do critério de conveniência, em lugar do periculum in
mora, para a concessão de medida cautelar’ (STF, DJU, 7 abr. 1995,
ADInMC 1.087-5-RJ, REL. Min. Moreira Alves)”.
Vale registrar que o Supremo Tribunal Federal por vezes deferiu medida
cautelar com fundamento na conveniência política, mesmo após afastar
a incidência do periculum in mora, vejamos:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 118 DA
CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. - NÃO HÁ
DUVIDA DE QUE HÁ RELEVÂNCIA JURÍDICA NAS QUESTÕES DE
SABER SE, EM FACE DA ATUAL CONSTITUIÇÃO, PERSISTE A
NECESSIDADE DA OBSERVANCIA PELOS ESTADOS DAS
NORMAS FEDERAIS SOBRE O PROCESSO LEGISLATIVO NELA
ESTABELECIDO, BEM COMO SE OS PRECEITOS DO PAR. 9. DO
ARTIGO 42 E DO PAR. 7. DO ARTIGO 144, AMBOS DA CARTA
MAGNA FEDERAL, OS QUAIS ALUDEM A LEI ORDINARIA,
9 A jurisprudência estabeleceu, de longa data, os requisitos a serem satisfeitos para a
concessão da medida cautelar em ação direta [...]. Alguns julgados referem-se à
relevância do pedido (englobando o sinal de bom direito e o risco de manter-se com
plena eficácia o ato normativo) e à conveniência da medida, que envolve a
ponderação entre o proveito e o ônus da suspensão provisória. (BARROSO, Luis Roberto. O
Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2012. P. 218)
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ABARCAM O ESTATUTO DOS SERVIDORES PUBLICOS MILITARES.
- DADA A RELEVÂNCIA JURÍDICA DESSAS QUESTÕES, QUE
ENVOLVEM O ALCANCE DO PODER CONSTITUINTE
DECORRENTE QUE E ATRIBUIDO AOS ESTADOS, E POSSIVEL -
COMO SE ENTENDEU NO EXAME DA MEDIDA LIMINAR
REQUERIDA NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N.
568 - UTILIZAR-SE DO CRITÉRIO DA CONVENIENCIA, EM LUGAR
DO "PERICULUM IN MORA". PARA A CONCESSÃO DE MEDIDA
CAUTELAR, AINDA QUANDO O DISPOSITIVO IMPUGNADO JÁ
ESTEJA EM VIGOR HÁ ALGUNS ANOS. PEDIDO DE LIMINAR
DEFERIDO, PARA SUSPENDER "EX NUNC", E ATÉ A DECISÃO
FINAL, A EFICACIA DO INCISO IX DO PARAGRAFO ÚNICO DO
ARTIGO 118 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO. (ADI 1087 MC, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES,
Tribunal Pleno, julgado em 01/02/1995, DJ 07-04-1995 PP-
08870 EMENT VOL-01782-01 PP-00001)
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - CONSTITUIÇÃO
DO AMAZONAS - SERVIDOR PÚBLICO - CONCESSÃO DE
VANTAGEM - ALEGADA USURPAÇÃO DO PODER DE
INICIATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO - PROCESSO
LEGISLATIVO - EXTENSAO E LIMITES DO PODER CONSTITUINTE
DECORRENTE - MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. - O Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, em seu art. 11, impôs
aos Estados-membros, no exercício de seu poder
constituinte, a estrita observância dos princípios consagrados
na Carta da Republica. - O poder constituinte decorrente,
assegurado as unidades da Federação, e, em essência, uma
prerrogativa institucional juridicamente limitada pela
normatividade subordinante emanada da Lei Fundamental.
- Modalidades tipológicas em que se desenvolve o poder
constituinte decorrente: poder de institucionalização e
poder de revisão. Graus distintos de eficácia e de
autoridade. Doutrina. - A norma que, inscrita em constituição
estadual, autoriza o servidor público a computar, para efeito
de adicional pelo tempo de exercício de cargo ou função
de confiança, o período de serviço prestado nas três esferas
de governo, sugere a discussão em torno da extensão do
poder constituinte deferido aos Estados-membros, no que
concerne a observância dos princípios inerentes ao processo
legislativo instituídos na Carta da Republica. - A alta
relevância da questão - alcance do poder constituinte
decorrente atribuído aos Estados-membros - torna possível
invocar o juízo de conveniência, que constitui critério
adotado e aceito pelo Supremo Tribunal Federal, em sede
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jurisdicional concentrada, para efeito de concessão da
medida cautelar. Precedentes. (ADI 568 MC, Relator(a): Min.
CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 20/09/1991, DJ
22-11-1991 PP-16845 EMENT VOL-01643-01 PP-00045 RTJ VOL-
00138-01 PP-00064)
Verifica-se, portanto, que o lapso temporal transcorrido desde a edição de
da norma impugnada não afastou o necessidade de suspensão liminar de
sua eficácia, tendo em vista a caracterização do fumus boni iuris, do
periculum in mora e ainda da conveniência política em sua suspensão.
Assim, resta evidente que, diante da gravidade da situação apresentada,
os artigos 1º, §3º; 3º, §2º; 4º da Lei Municipal da Serra nº 1.900/96, a Lei
Municipal da Serra nº 2.177/99 não podem se prolongar no tempo,
devendo ocorrer o quanto antes a suspensão da eficácia dos mesmos por
essa Colenda Corte.
Desta forma é urgente a concessão da medida cautelar por essa Corte
Constitucional Estadual para a suspensão da eficácia das normas ora
impugnadas, a fim de obstar que as mesmas continuem a produzir efeitos.
IV – DOS PEDIDOS
Ex positis, requeiro:
a) A concessão de medida cautelar com o fim de que seja
decretada a suspensão liminar dos artigos 1º, §3º; 3º, §2º; 4º da
Lei Municipal da Serra nº 1.900/96, da Lei Municipal da Serra nº
2.177/99, nos termos do artigo 169, alínea “b”, do Regimento
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Interno deste Egrégio Tribunal de Justiça e artigo 12 da Lei
Federal nº. 9.868/99;
b) A notificação do Presidente da Câmara e do Prefeito Municipal
da Serra, para os fins previstos no artigo 169, alínea “a”, do
Regimento Interno deste Egrégio Tribunal de Justiça;
c) E, por derradeiro, seja a presente Ação Direta de
Inconstitucionalidade julgada procedente, declarando-se a
inconstitucionalidade dos artigos 1º, §3º; 3º, §2º; 4º da Lei
Municipal da Serra nº 1.900/96, da Lei Municipal da Serra nº
2.177/99, adotando-se as providências necessárias para que
cessem, ex tunc, todos os seus efeitos.
Dá-se à causa, por força de expressa disposição legal, o valor de R$ 100,00
(cem reais).
Termos em que,
Pede deferimento.
Vitória, 08 de janeiro de 2016.
EDER PONTES DA SILVA
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA