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1 EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA .... VARA DA FAZENDA E REGISTROS PÚBLICOS DO ESTADO DO TOCANTINS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE JURISTAS PELA DEMOCRACIA ABJD, pessoa jurídica de direito privado, sem fins econômicos, CNPJ nº 31.045.402/0001-36, com sede na Rua da Abolição, 167, Bairro Bela Vista, São Paulo/SP, CEP: 01319-010, por seu NÚCLEO ESTADUAL DO TOCANTINS, vem diante de Vossa Excelência, por seus advogados infra-assinados, consoante procuração anexa, ajuizar a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA em desfavor do MUNICÍPIO DE PALMAS, pessoa jurídica de direito público interno, representado pela Prefeita Cinthia Ribeiro, instalado na Quadra 104 Norte - Avenida JK Edifício Via Nobre Empresarial, Lote 28-A, CEP: 77.006-014, Palmas TO, pelos motivos e fundamentos que ora passa a expor. I. PRELIMINARMENTE I.1 DO NÃO RECOLHIMENTO DE CUSTAS INICIAIS - ARTIGO 18 DA LEI FEDERAL Nº 7.347/85

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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA .... VARA DA FAZENDA E REGISTROS PÚBLICOS DO ESTADO DO TOCANTINS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE JURISTAS PELA DEMOCRACIA –

ABJD, pessoa jurídica de direito privado, sem fins econômicos, CNPJ nº

31.045.402/0001-36, com sede na Rua da Abolição, 167, Bairro Bela Vista, São

Paulo/SP, CEP: 01319-010, por seu NÚCLEO ESTADUAL DO TOCANTINS, vem

diante de Vossa Excelência, por seus advogados infra-assinados, consoante

procuração anexa, ajuizar a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA

em desfavor do MUNICÍPIO DE PALMAS, pessoa jurídica de direito público interno,

representado pela Prefeita Cinthia Ribeiro, instalado na Quadra 104 Norte - Avenida

JK Edifício Via Nobre Empresarial, Lote 28-A, CEP: 77.006-014, Palmas – TO, pelos

motivos e fundamentos que ora passa a expor.

I. PRELIMINARMENTE

I.1 – DO NÃO RECOLHIMENTO DE CUSTAS INICIAIS - ARTIGO 18 DA LEI

FEDERAL Nº 7.347/85

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Inicialmente, cabe destacar, que nas ações civis públicas como a

presente, não há que se falar em recolhimento de custas processuais, conforme

dispõe claramente o artigo 18 da lei da ACP (Lei Federal 7347/85), in verbis:

Art. 18. Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais. (Redação dada pela Lei nº 8.078, de 1990)

Deste modo, não há recolhimento antecipado de custas ou emolumentos

na presente demanda.

I.2 – DO CABIMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Nos termos do artigo 1º, IV, da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, a

qual disciplina especificamente a ação civil pública, é cabível o presente procedimento

quando a demanda versar sobre interesses coletivos ou difusos, veja-se:

“Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, (...) IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo. (...)” as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

Neste particular, cumpre salientar que, em razão do ordenamento

jurídico pátrio não contar com legislação processual específica para os processos

coletivos, as diretrizes consubstanciadas nas Leis nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil

Pública - ACP), nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor - CDC), nº 12.016/2009

(Lei do Mandado de Segurança - MS), nº 4.717/65 (Lei da Ação Popular - AP)

constituem um microssistema, aplicável aos processos coletivos em geral.

Considerando-se a previsão do artigo 81, I, do CDC, os interesses ou

direitos difusos são aqueles “transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam

titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”.

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No caso em questão, inequívoca a natureza indivisível do objeto da lide,

tendo em vista que versa sobre a necessidade de assegurar, prioritariamente, em

meio à grave pandemia, a saúde e a vida da população, mediante o isolamento social.

Os titulares do direito são todas as pessoas que se encontram ligadas

pelas cirscunstâncias do mesmo fato, no presente caso, decorrentes dos efeitos da

pandemia do COVID-19, no âmbito do Município de Palmas.

I. 3 - DA LEGITIMIDADE PARA PROPOSITURA DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

A legitimidade ativa, especificamente para propor ação civil pública, se

encontra estabelecida no disposto no artigo 5º e incisos da Lei nº 7.347/85, sendo

devido destacar:

“Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (...) V - a associação que, concomitantemente: a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre as suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. (...)”

A entidade Autora é uma associação suprapartidária, de relevância

pública e social, que busca a defesa do Estado Democrático de Direito, e dos valores

e princípios fundamentais a este inerentes, cuja finalidade social pauta-se pelo

respeito e promoção dos direitos humanos e da justiça social, dos direitos e garantias

fundamentais, dos direitos políticos, dos direitos e deveres individuais e coletivos, dos

direitos sociais e da ordem social.

Conforme se depreende de seus atos constitutivos, atende os requisitos

legais para o ajuizamento da presente demanda, tanto no tocante ao aspecto temporal

de sua formação, quanto em razão de sua finalidade institucional.

Estabelece o Estatuto da ABJD (doc):

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Art. 1º. - A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE JURISTAS PELA DEMOCRACIA, constitui-se sob a forma pessoa jurídica de direito privado, sem fins econômicos, constituída por tempo indeterminado, com sede e foro na cidade de São Paulo, Estado de São Paulo, na Rua Abolição, n. 167, Bairro Bela Vista, CEP: 01319-010, e se define como uma organização suprapartidária, de relevância pública e social, com a finalidade de defender o Estado Democrático de Direito, a soberania nacional e os princípios fundamentais da Constituição Republicana de 1988, pautando-se pelo respeito e promoção dos direitos humanos e da justiça social, dos direitos e garantias fundamentais, dos direitos políticos, dos direitos e deveres individuais e coletivos, dos direitos sociais e da ordem social, inclusive: I) Meio Ambiente; II) Consumidor; III) Educação, IV) Saúde V) Alimentação, VI) Trabalho digno, VII) Moradia digna, VIII) Transporte IX) Lazer, X) Segurança XI) Seguridade e Previdência social, XII) Proteção à maternidade e à infância, XIII) Assistência aos desamparados XIV) A livre associação profissional e sindical. XV) Serviço e Orçamento Públicos; XVI) Liberdades individuais e coletivas XVII) Tratados Internacionais XVIII) Progressividade dos Direitos Sociais. (...) Art. 2º. Para consecução de suas finalidades, a ABJD poderá: I – defender e representar perante as autoridades e órgãos os interesses inerentes à sua finalidade, sejam individuais, difusos ou coletivos, nacionais ou internacionais, sem necessidade de autorização prévia do quadro de associados e associadas; II - promover ações judiciais ou extrajudiciais, notificações, representações e intervir como assistente e/ou amicus curiae em demandas judiciais que versem sobre questões relevantes e de grande impacto social, na tutela de direitos individuais, difusos ou coletivos, em quaisquer foros ou tribunais, sem necessidade de autorização prévia do quadro de associados e associadas; (...)

Resta, portanto, inequívoco o interesse coletivo social envolvido no

presente caso ante a finalidade institucional da entidade autora, diante da proteção

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dos direitos fundamentais guerreados, defesa à saúde e vida de toda uma população

que se pretende preservar.

II – DOS FATOS 1 - DO RECONHECIMENTO PELA OMS DA PANDEMIA DA COVID-19, DA EMERGÊNCIA NACIONAL EM SAÚDE PÚBLICA E DO NECESSÁRIO ISOLAMENTO SOCIAL/QUARENTENA1 PARA COMBATE AO VÍRUS

A Organização Mundial de Saúde - OMS declarou no dia 11 de março

pandemia global do COVID-19, em razão da rápida expansão do novo coronavírus pelo

mundo.

Diante disso, tendo em vista a Declaração de Emergência em Saúde

Pública Internacional pela OMS e amparado no Regulamento Sanitário Internacional

da OMS (Decreto nº 10.212/2020), o governo federal declarou emergência nacional

em saúde pública em decorrência do novo coronavírus (covid-19), nos termos da lei

nº 13.979/2020 e da portaria nº 188/2020.

A partir da observação do desenvolvimento da epidemia em outros

países, cientistas constataram que O DISTANCIAMENTO SOCIAL É O MÉTODO

MAIS EFICAZ ATÉ O MOMENTO PARA BUSCAR EVITAR O CRESCIMENTO

EXPLOSIVO DE DOENTES E, CONSEQUENTEMENTE, O COLAPSO DO SISTEMA

DE SAÚDE, tal como o ocorrido na Itália, em virtude de gravidade da SARS demandar

quase 60 vezes mais hospitalizações do que a gripe sazonal. Neste contexto, a fim de

buscar evitar uma maior contagiosidade, diversos governos e instituições passaram a

adotar medidas restritivas de circulação.

Em 14 de março de 2020, a Prefeitura do Município de Palmas, por meio

do DECRETO Nº 1.856, declarou situação de emergência em saúde pública no

município, vedando a realização de quaisquer eventos em que ocorram a

1 No Brasil, nos termos da Lei 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, o método de distanciamento/isolamento social, é tratado na categoria denominada quarentena, conforme o art. 2º, II.

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aglomeração de pessoas, suspendendo as aulas nas escolas públicas municipais e

centros municipais de educação infantil e estabelecendo regras para os órgãos e

servidores públicos do município.

Ainda, em 18 de março de 2020, a Prefeitura do Município de Palmas,

por meio de DECRETO nº 1.859, alterou o DECRETO nº 1.856, incluindo a suspensão

de atividades em feiras livres, shopping centers, estabelecimentos situados em

galerias ou polos comerciais de rua; em cinemas, clubes, academias, bares,

restaurantes, boates, teatros, casas de espetáculos e casas de eventos; de saúde

pública bucal/odontológica, exceto aquelas relacionadas ao atendimento de urgências

e emergências e em escolas particulares.

No dia 13 de abril, ou seja, trinta dias após a primeira medida de

isolamento, o Governo do Tocantins, por meio de DECRETO nº 6.083, emitiu

recomendação para que todos os prefeitos do estado reabrissem o comércio não

essencial. Naquela data, o Tocantins tinha 27 casos confirmados da doença. No

mesmo dia, a primeira morte no estado foi confirmada.

No dia 27 de abril, com 79 casos confirmados de COVID-19 no estado,

foi prorrogada a suspensão das aulas até o fim de maio, bem como ficou mantida a

jornada reduzida para servidores públicos. Não houve alteração no decreto

recomendando reabertura do comércio. Nesta época, Palmas era a única das cinco

maiores cidades do Tocantins que mantinha os serviços não essenciais restritos.

No dia 5 de maio, o número de casos havia aumentado drasticamente

no estado, passando para 300 casos confirmados e 7 mortes. O governo então decidiu

recuar da recomendação para reabrir o comércio nos municípios. Tornou no mesmo

decreto o uso obrigatório de máscaras em todas as áreas públicas no estado.

Nenhuma alteração quanto ao decreto de recomendação das atividades comerciais

foi efetuada.

Não obstante, segundo os dados oficiais, atualizados em 12/06/2020,

o Brasil já ultrapassou a marca dos 802.828 mil casos por coronavírus e confirmou

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40.919 mil óbitos, já um dos países mais afetados no mundo pela doença2. O

Brasil é o novo epicentro de coronavírus no mundo.

Segundo Nota técnica sobre a flexibilização do isolamento social no

estado do Tocantins e em Palmas, frente à crise sanitária da covid-19 (anexo)

emitida pela Observatório Popular de Saúde e Direitos Humanos no Tocantins3 o

primeiro caso de COVID-19 no estado do Tocantins foi confirmado na capital,

Palmas, em 18 de março de 2020. A partir daí, nota-se uma curva de ASCENSÃO

no número de casos do estado. No dia 05 de junho, menos de 3 meses depois do

primeiro caso, a quantidade de casos confirmados chegou a 5.505. Na data em que a

flexibilização foi anunciada pelo governo (13 de abril) eram apenas 28 casos no

estado.

Ademais, a FIOCRUZ4 divulgou em estudo que o Tocantins registrou o

maior aumento na taxa de incidência do novo coronavírus em todo o país ao longo do

mês de maio. A instituição monitorou o crescimento do número de casos em todos os

estados entre 19 de abril e 19 de maio, sendo que o crescimento da incidência no

Tocantins foi de 49,8 vezes no período. A média nacional de crescimento foi de sete

vezes para o mesmo período, número que já é apontado como alto pelos

pesquisadores da Fiocruz.

2 Disponível em <https://covid.saude.gov.br/> acesso em 11.06.2020 3 O observatório é iniciativa de entidades da sociedade civil e movimentos sociais articuladas durante a crise da

COVID-19 no estado, no intuito de acompanhar e incidir nas ações governamentais que impactam o direito à saúde

da população tocantinense. Compõe a iniciativa o Movimento Estadual de Direitos Humanos – MEDH, o Fórum

Tocantinense Contra a Privatização da Saúde, a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD, a

Articulação Tocantinense de Agroecologia – ATA, o Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente

Glória de Ivone, o coletivo Ajunta Preta, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, e o Conselho

Indigenista Missionário – CIMI. Ressalta-se que o observatório é composto por profissionais da saúde de diversas

áreas como Enfermagem, Assistência Social, além de pesquisadores da Universidade Federal do Tocantins. 4Disponível em <https://www.cpqam.fiocruz.br/uploads/Arquivos/4d1be9bf-7be2-4cbe-a54f-

b83b74b47897.pdf>, acesso em 11.06.2020.

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Excelência, nota-se um crescimento na incidência da

doença no Tocantins de mais de 40 vezes a média nacional, no último

mês.

O município de Palmas, segundo dados do Boletim epidemiológico5 de

11/06/2020, apresenta 910 casos confirmados e 10 óbitos. Assim, como no estado do

Tocantins há crescimento de caso a cada dia, não apresentando, quaisquer sinais de

estabilização.

Entretanto, ainda com a ascensão da curva de contágio, no dia 29

de maio, a Prefeitura de Palmas apresentou plano de reabertura do comércio, a

ser implementado em duas fases. A primeira fase teve início em 8 de junho, com

abertura do comércio varejista, concessionárias, lojas de departamento, e a segunda

se inicia dia 15, quando voltarão a funcionar shoppings, restaurantes, academias e

escolas de natação.

Em coletiva de imprensa o Município de Palmas informou que o plano

de reabertura foi feito considerando várias medidas adotadas, como por exemplo, a

5 Disponível em <https://www.palmas.to.gov.br/media/doc/11_6_2020_16_58_59.pdf>, acesso em 11.06.2020.

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contratação de profissionais, o aumento de leitos clínicos e o aumento da testes para

detectar a COVID-19.

Contudo, as evidências e os estudos não recomendam essas medidas

de relaxamento no município, como será demonstrado, sob risco de morte de

inúmeras pessoas. A gestão municipal parece convencida que a opção que poderia

evitar uma tragédia – o lockdown, ou paralisação rigorosa de todas as atividades

econômicas não essenciais – não funcionará, a despeito das experiências exitosas,

em países, como a China e, a partir de certo ponto, na Itália, Espanha e mesmo em

partes dos Estados Unidos.

Diferentemente do veiculado pelo município de Palmas, um quadro de

medidas para a redução efetiva do contato social ainda se impõe, à luz do que

apontam os estudiosos da respectiva área de saúde, acadêmicos e todos os dados

técnicos, documentos produzidos desde o início da crise gerada pela COVID 19, e

ainda a realidade atual que aponta para cotidiano e fatídico aumento de óbitos de

forma gradativa e que se agrava sempre que ocorre o relaxamento do isolamento

social, tendo em vista que a única solução possível nesse momento, com vistas a

evitar o aumento da situação de calamidade instalada é o aumento e intensificação

do isolamento social.

III – DOS PRESSUPOSTOS FALHOS ÀS MEDIDAS ANUNCIADAS PELO MUNICÍPIO DE PALMAS.

Os argumentos utilizados como pressupostos para planejar o

relaxamento das medidas de restrição são falhos. Ainda que o estado do Tocantins e

Palmas não apresentem números de casos e óbitos vultosos comparados aos demais

estados do país, isso não quer dizer que a epidemia no município esteja controlada

no período atual. Ao contrário, o padrão (preocupante) da evolução dos casos em

outros estados brasileiros coincide com o observado também em Palmas.

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Seguindo as recomendações da OMS6, como também observando a

experiência internacional de países que começaram a praticar esse relaxamento, seria

fundamental estabelecer um quadro de critérios mais completo para a tomada de

decisão. Como sugestão, para se enquadrar objetivamente um município em uma fase

qualquer estabelecida para o relaxamento, os critérios a serem adotados deveriam

observar:

1. A transmissão da COVID-19 deve estar controlada; 2. O sistema de saúde deve ser capaz de detectar, testar, isolar

e tratar todos os casos, além de traçar todos os contatos; 3. Os riscos de surtos devem estar minimizados em condições

especiais, como instalações de saúde e casas de repouso; 4. Medidas preventivas devem ser adotadas em locais de

trabalho, escolas e outros lugares aonde seja essencial as pessoas irem;

5. Os riscos de importação devem ser administrados; 6. As comunidades devem estar completamente educadas,

engajadas e empoderadas para se ajustarem à nova norma.

Como já demonstrado, não houve diminuição do número de casos

em Palmas, motivo suficiente, segundo os parâmetros estabelecidos pela OMS,

para que não ocorra reabertura do comércio. Além disso, o município não

preenche os critérios relativos a quantidade de leitos de UTI.

Em Palmas, no dia 5 de junho, a disponibilidade de leitos clínicos era de

18 na rede pública e 14 de rede privada, totalizando 32 leitos clínicos. Quanto aos

leitos de UTI, a disponibilidade era 6 na rede pública e 16 na rede privada, totalizando

22 leitos de UTI.

6 Disponível em https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/covid-strategy-update-

14april2020_es.pdf?sfvrsn=86c0929d_10l, acesso em 11.06.2020.

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Taxa de ocupação dos leitos clínicos e de unidade de terapia intensiva para pacientes confirmados e suspeitos para COVID-19 em hospitais instalados em Palmas-TO, 2020. FONTE: Boletim epidemiológico de Palmas - número 78

Segundo análise do Observatório COVID-19 BR12, mesmo em cidades

onde pacientes com COVID-19 ocupam atualmente uma porcentagem baixa dos leitos,

a ocupação total de leitos pode ser atingida muito rapidamente sem medidas

preventivas. Desta forma, dada a proposta de reabertura, o aumento esperado do

número de casos de pode provocar a rápida superlotação dos leitos

disponíveis.

Com relação à adesão aos protocolos de testagem, os dados relativos

ao número de testes realizados até o momento (acumulado) não foram encontrados

de forma clara nos canais de comunicação7. No entanto, a tabela 7 do Relatório

Situacional de Enfrentamento à COVID-19, gerado pela Secretaria de Saúde do

Estado do Tocantins 008, indica que foram enviados, até o momento, 2.345 amostras

7 Os dados encontrados nos boletins municipais divulgam a quantidade de testes realizados diariamente ou a

quantidade de testes realizados por semana epidemiológica, em gráfico, não indicando o acúmulo de testes desde

o início da testagem, nem a natureza de cada um (RT-PCR, teste rápido, etc).

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de Palmas ao LACEN-TO para a análise de (RT-PCR). Isso dá um total de 0,78% da

população testada8.

Os boletins da capital têm divulgado o número de testes diários

realizados tanto na rede pública, como na privada. Contabilizando os dados da última

semana, tem-se entre os dias 30 de maio a 5 de junho um total de 892 testes

realizados, o que representa uma média de 127 testes realizados por dia (não

especificadas as modalidades de testagem).

No dia 6 de junho noticiou-se que a prefeitura de Palmas deixou de testar

até três mil pessoas que tiveram sintomas da COVID- 199. A matéria informa ainda

que a prefeitura de Palmas teria realizado de 15 de abril até 4 de junho 1.055 testes

rápidos com 230 confirmações.

Ainda, no dia 12 de junho, O Laboratório Central do Estado (LACEN-TO)

informou que devida a escassez de material, a testagem será realizada apenas em

mortos e internados por Covid-19.10

O número reduzido de testes, além de não garantir a correta análise da

pandemia no estado, também é responsável pela disseminação da doença, uma vez

que pessoas com COVID-19 e assintomáticas, sem saber que devem permanecer em

isolamento social podem contaminar outras pessoas, principalmente considerando

uma flexibilização das medidas de distanciamento social.

Pesquisadores identificaram11 que os países com maior número de

testes por milhão de habitantes tendem a ter menos mortes por COVID-19, e uma das

8 Considerando a proporção de 1 teste por pessoa, frente à estimativa de população de Palmas para o IBGE em

2019. Fonte: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/to/palmas/panorama 9 Disponível em <https://g1.globo.com/to/tocantins/noticia/2020/06/06/prefeitura-admite-que-deixou-de-testar-ate- tres-mil-pessoas-que-tiveram-sintomas-do-coronavirus-em-palmas.ghtml>, acesso em 11.06.2020. 10 Disponível em < https://www.jornaldotocantins.com.br/editorias/vida-urbana/sem-insumos-tocantins-vai-testar-apenas-mortos-e-internados-por-covid-19-1.2068206>. Acesso em 13.06.2020. 11 Disponível em <https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/04/por-que-paises-com-mais-testes-

por- milhao-de-habitantes-tem-menos-mortes-por-covid-19.shtml>, acesso 11.06.2020.

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causas seria a intensificação do isolamento dos infectados, principalmente os

assintomáticos.

A subnotificação no país já foi levantada por diversas pesquisas

divulgadas, sendo a mais ampla e recente a EPICOVID19-BR12, que, comparando os

números estimados pela pesquisa e os números oficiais aponta para uma grande

subestimativa do número de infectados pela COVID-19. Os dados do EPICOVID19-

BR estimam que, para cada caso confirmado de COVID-19 nas cidades amostradas,

existem 7 casos reais na população13.

Ainda sobre a subnotificação, no dia 06 de junho, a Lagom Data14

divulgou a seguinte imagem:

12 O estudo é coordenado pelo Centro de Pesquisas Epidemiológicas da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL),

em parceria com a Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) em parceria com o Ministério da Saúde. 13 Disponível em <https://wp.ufpel.edu.br/covid19/files/2020/05/EPICOVID19BR-release-fase-1-Portugues.pdf

>acesso em 11.06.2020. 14 A Lagom Data é uma empresa que vem divulgando os dados relativos à COVID -19 desde 9 de março em

plataforma online, segundo exposto em seu site “...porque o governo federal não cumpria sua obrigação de fornecer

informações completas, detalhadas e atualizadas sobre a pandemia. Foi pela inação do governo que passamos a

coletar diariamente dados nas secretarias estaduais de saúde”, disponível em

<https://www.lagomdata.com.br/coronavirus>, acesso em 11.06.2020.

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No canto superior esquerdo, estão as capitais que testam pouco

Covid-19 e têm alta proporção de mortes atribuídas à Síndrome Respiratória

aguda grave (SRAG). No canto inferior direito, capitais que testam mais para

Covid-19 e têm baixa proporção de mortes por SRAG. Nota-se que Palmas,

segundo a Lagom Data, está entre as cidades que testam pouco e tem alta proporção

de mortes atribuídas à SRAG.

No gráfico abaixo, também elaborado pela Lagom Data, vê-se que para

cada morte atribuída a COVID-19, tem-se 7 mortes de SRAG em Palmas:

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Como em Palmas ainda não é realizada a testagem em massa, não é

possível auferir o indicador (reconhecido pela a OMS) necessário para se saber o real

número de infectados em uma cidade ou região. Tampouco fica claro no documento

como será apurado o grau de adesão a esses protocolos de testagem por cada

município.

Diante disso, infere-se que não só está em franco crescimento o número

de casos de COVID-19 no estado (e capital), como a possibilidade de subnotificação

é real, uma vez que ainda foram realizados poucos testes e que há um alto índice de

óbitos atribuídos à SRAG para cada óbito confirmado por COVID-19. Os óbitos

relacionados a SRAG tem sido frequentemente confirmados para COVID-19, quando

testados a posteriori.

O risco dessa estratégia de pouca testagem é que a gestão municipal

julgue que o problema é apenas o nome da causa da morte. Testando pouco, ele pode

dizer que está vencendo a COVID, mesmo que seus cidadãos estejam sendo

derrotados pela síndrome respiratória.

Nesse sentido, pode-se concluir que no Tocantins a incidência de

COVID-19 está mais grave que o divulgado, e que a possibilidade de disseminação

de assintomáticos não testados e isolados tende a aumentar com a circulação destes

por lugares públicos, considerando os últimos decretos de reabertura na capital e as

medidas tomadas pelo governo estadual

Todos os fatos e evidências científicas, portanto, levam ao efeito de que

o município de Palmas não tem condições de entrar em fase de relaxamento do

distanciamento social.

IV - DO CABIMENTO DO ISOLAMENTO SOCIAL/QUARENTENA NO CASO CONCRETO

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Em sessão plenária por videoconferência., o E. STF, na ocasião do

julgamento da ADI 6.341, ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT,

questionando a Medida Provisória nº 926/20, sobre a competência dos entes

federados para estabelecer medidas contra o coronavírus, referendou a decisão

monocrática do Exmo. Ministro Marco Aurélio, que já havia assegurado aos

estados e municípios o poder de adotar medidas sobre isolamento, quarentena,

restrição excepcional e temporária de rodovias, portos ou aeroportos etc.

O Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde15 , em consonância

com a Organização Mundial de Saúde (OMS), aponta as seguintes MEDIDAS NÃO

FARMACOLÓGICAS em resposta à COVID-19:

Diante da indisponibilidade, até o momento, de medicamentos e vacinas específicas que curem e impeçam a transmissão do coronavírus, a Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza medidas de distanciamento social, etiqueta respiratória e de higienização das mãos como as únicas e mais eficientes no combate à pandemia, também denominadas não farmacológicas. (…) Medidas de distanciamento social As medidas de distanciamento social visam, principalmente, reduzir a velocidade da transmissão do vírus. Ela não impede a transmissão. No entanto, a transmissão ocorrerá de modo controlado em pequenos grupos ( clusters ) intradomiciliares. Com isso, o sistema de saúde terá tempo para reforçar a estrutura com equipamentos (respiradores, EPI e testes laboratoriais) e recursos humanos capacitados (médicos clínicos e intensivistas, enfermeiros, fisioterapeutas, bioquímicos, biomédicos, epidemiologistas etc.) (…) Bloqueio total (lockdown) Esse é o nível mais alto de segurança e pode ser necessário em situação de grave ameaça ao Sistema de Saúde. Durante um bloqueio total, TODAS as entradas do perímetro são bloqueadas por profissionais de segurança e NINGUÉM tem permissão de entrar ou sair do perímetro isolado. Objetivos: Interromper qualquer atividade por um curto período de tempo. Desvantagens: Alto custo econômico,

15 Disponível no link <https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/April/06/2020-04-06---BE7---Boletim Especial-do-COE---Atualizacao-da-Avaliacao-de-Risco.pdf>, acesso em 11.06.2020.

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Vantagens: É eficaz para redução da curva de casos e dar tempo para reorganização do sistema em situação de aceleração descontrolada de casos e óbitos. Os países que implementaram, conseguiram sair mais rápido do momento mais crítico.

A hipótese de adoção de medidas ainda mais rígidas, como o uso do

lockdown é registrada pela OMS e pela Organização Panamericana da Saúde

(OPAS), como alternativa para a América Latina, em face de ser aqui o novo epicentro

da pandemia16:

O epicentro da epidemia está se mudando da Europa para as Américas, o que nos deu tempo para nos preparar para o que está por vir", disse Cristian Morales, representante no México da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), em uma coletiva de imprensa virtual. "O que não é tão benéfico e o que não podemos escapar é que estamos prestes a experimentar o pior momento da epidemia na região e no México", acrescentou. Morales recomendou que os países expandam suas capacidades de detecção de vírus nos níveis nacional e local. "Essa é a direção para qual devemos apontar e devemos manter o distanciamento físico", afirmou. Antonio Molpeceres, coordenador residente do Sistema das Nações Unidas no México, disse que a reconversão de hospitais deve ser acelerada para enfrentar a pandemia. "Há também outras (medidas) que eu gostaria de destacar, a primeira é a necessidade de acelerar a reconversão de hospitais e serviços de saúde no país, para enfrentar a epidemia do COVID 19", afirmou o funcionário.

O direito à saúde compreende a prática de medicina baseada em

evidências. Medicina é ciência. Assim reconhece o Supremo Tribunal Federal, como

destacado no voto do Min. Luis Roberto Barroso, no julgamento da Medida Cautelar

na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.501/DF:

“Em tema de tamanha relevância, que envolve pessoas fragilizadas pela doença e com grande ânsia para obter a cura, não há espaço para

16 Disponível no link < https://www.msn.com/pt-br/noticias/mundo/am%C3%A9rica-latinase-aproxima-do-pior-momento-da-pandemia-de-covid-19-alerta-oms/ar-BB133Fx3> hoje acessado.

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especulações. Diante da ausência de informações e conhecimentos científicos acerca de eventuais efeitos adversos de uma substância, a solução nunca deverá ser a liberação para consumo. Mas, sim, o incentivo à realização de estudos científicos, testes e protocolos, capazes de garantir proteção às pessoas que desejam fazer uso desses medicamentos. Trata-se de uma decorrência básica do princípio da precaução, que orienta a atividade de registro e vigilância sanitária, e tem como base o direito à segurança (CF/1988, art. 5º, caput)”.

No caso dos autos, a medicina baseada em evidência determina para o

combate à COVID-19 (critério técnico reconhecido pela Organização Mundial da

Saúde) o isolamento social e a quarentena, os quais não podem ser relegados por

critérios meramente econômicos ou políticos, criando-se um risco inadmissível para

toda a população.

V – DO DIREITO À VIDA, À SAÚDE E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A Constituição da República estabelece o “direito à vida” e à “dignidade

da pessoa humana” como valores e princípios fundamentais do Estado Democrático

de Direito.

Também vale lembrar que a partir da Constituição de 1988 a saúde

passou a ser considerada como direito social (art. 6º). A saúde é direito de todos e

dever do Estado (art. 196), sendo as normas a ela relativas de relevância pública

(art. 197).

German Bidart Campos17 definiu a abrangência do direito à saúde:

proteção e fomento durante toda a vida de cada homem; antes de adoecer (para

prevenir), durante a enfermidade (para obter a cura), depois da enfermidade

(para reabilitar).

O art. 196 da Constituição Federal que preceitua:

17 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo – in – Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador” – Editora LTr – 2a edição, p. 75.

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Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

A pandemia global do COVID-19 representa uma grave ameaça à saúde

de toda a população indiscriminadamente e coloca na ordem do dia o direito à vida

acima de todas as coisas independente de gênero, raça, classe social, em que

pese sabermos que os mais desfavorecidos são as maiores vítimas, em especial

devido ao fosso de desigualdade e condições de vida existentes no Brasil.

Conforme fundamentado pelo Exmo. Magistrado nos autos da AÇÃO

CIVIL PÚBLICA 0813507-41.2020.8.10.0001, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO

DO ESTADO DO MARANHÃO, muito embora o lockdown possa suscitar dúvidas

cerca de sua constitucionalidade, pois importa em restrições à circulação de pessoas,

funcionamento de estabelecimentos comerciais e sacrifícios de outros direitos, é

necessário que o exercício de um direito fundamental não implique danos à ordem

pública ou aos direitos e garantias de terceiro.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do MS nº

23.452, Rel. Min. Celso de Mello, decidiu que:

[...] OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER ABSOLUTO. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros. [...] (MS 23452, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 16/09/1999, DJ 12-05-2000 PP-00020 EMENT VOL-

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01990-01 PP-00086)

O defendido “direito individual de ir e vir, portanto, não pode prevalecer

diante do interesse coletivo de proteção à saúde de toda uma população.

'É POSSÍVEL EXTRAIR DIRETAMENTE DA CONSTITUIÇÃO ESSA ORDEM DE 'FIQUE EM CASA'', DIZ AYRES BRITTO Ex-ministro do STF e outros juristas analisam legalidade de decretos que determinam isolamento social Suzana Corrêa 15/04/2020 - 05:14 / Atualizado em 15/04/2020 SÃO PAULO — Surgem país afora vídeos e manifestações de pessoas que não estão nada dispostas a cumprir com decretos de estados e municípios que restringem a circulação para conter a pandemia do novo coronavírus, muitos sob alegação de que os decretos não podem se sobrepor à liberdades individuais expressas na Constituição. Mas juristas do país discordam que os decretos contrariem a Carta Magna e esclarecem: numa pandemia, vale o que protege a saúde. — É possível extrair da Constituição diretamente essa ordem de ‘fique em casa’. Sobretudo no artigo 196, que estabelece a saúde como direito de todos e dever de União, estados e municípios. É um direito a ser garantido mediante a adoção de políticas sociais e econômicas que se voltem ao combate da doença, para viabilizar o acesso universal e igualitário aos serviços de saúde pública. Isto está escrito com todas as letras — afirma o ex-ministro do STF, Carlos Ayres Britto. O ex-ministro defende que garantir o cumprimento do isolamento é a única maneira que o Estado tem para cumprir seu dever de assegurar saúde com eficiência, já que não existem remédios ou vacina para o vírus. O princípio da eficiência da administração também está na Constituição. — Não há outro modo eficiente de administrar a crise senão pela política de quarentena. Há sustentáculos para essa política pública a partir da Constituição brasileira? Há. E legitimam, portanto, essas políticas que vem sendo adotadas, não só no Brasil. Para o presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-SP e professor da Fundação Getúlio Vargas, Roberto Dias, é importante também esclarecer que, nesse caso, o governo federal não manda mais do que o estadual. — Numa federação, a norma federal não é superior à estadual ou municipal. O que existe é uma repartição de competências. E a saúde, em especial, é considerada competência tanto do governo federal

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quanto de estados e municípios. Todos podem tomar medidas executivas para cuidar da saúde da população — afirma. Entre o direito individual de ir e vir e a proteção da saúde da população, numa pandemia, a balança pende para o segundo. A jurisprudência do Supremo, a partir dos anos 2000, tem sido de privilegiar o direito a saúde, relembram os especialistas. Em 24 de março, por exemplo, o Ministro do STF Marco Aurélio Mello determinou que a medida provisório 926 de Jair Bolsonaro, em resposta a restrições impostas por governadores, não poderia afetar “a tomada de providências” dos estados em relação ao novo coronavírus. — Em caso de conflito entre as leis, como o governo federal pregando flexibilização e estados reforçando isolamento, é muito provável que o STF vá dizer: o que está protegendo a saúde? Nesse momento, de acordo com os organismos internacionais e o próprio Ministério da Saúde, o isolamento protege a saúde. Portanto atos contrários a ele são inconstitucionais – completa Dias. Na hora de criar leis, embora o poder de criar normas gerais esteja nas mão da União, estados e municípios também podem detalhar estas normas, criando regras mais específicas segundo seus interesses locais. Mas quais os limites para a atuação de estados e municípios? E quando suas restrições limitam outros direitos fundamentais, como a livre circulação? — A própria lei do coronavírus dá autoridade para que os entes estaduais e municipais tomem medidas específicas para conter a pandemia. Mas coloca critérios também, de duração, fundamento científico, respeito à dignidade das pessoas. A limitação de direitos não pode ser arbitrária, tem que fazer sentido e ser tomada com a finalidade clara de evitar a propagação da pandemia — explica o professor de Direito Constitucional da FGV em SP, Rubens Glezer. — A liberdade de ir e vir está na Constituição, mas ela é regulada. A restrição pode acontecer, com motivo legítimo. Mas quem não respeitar as leis, insistindo em frequentar parques, por exemplo, pode e deve ser responsabilizado. — Os municípios não inventaram agora que é crime frequentar parques. Existe um crime no Código Penal, artigo 268, que é o de infringir determinações das autoridades públicas para evitar a propagação de doença contagiosa. Esse é o crime. E quem fizer isso pode, sim, ser preso em flagrante — alerta. O professor de Direito Constitucional da PUC em São Paulo, Marcelo Figueiredo, relembra que epidemias de doenças infecto-contagiosas são exemplos clássicos no Direito sobre situações em que direitos podem ser temporariamente limitados, como faz o decreto que estabeleceu quarentena no estado de São Paulo.

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— Não há outra maneira de combater. O fundamento da restrição é a própria epidemia. E os países que não cumprirem com as medidas podem, inclusive, ser responsabilizados no futuro – conclui.” FONTE: https://oglobo.globo.com/brasil/e-possivel-extrair-diretamente-da-constituicao-essa-ordem-de-fique-em-casa-diz-ayres-britto-24372083 PUBLICADO EM 15/04/2020

Sobre o tema, de forma bastante objetiva e certeira, o Ministro

aposentado do STF Carlos Ayres Britto, em entrevista publicada no Jornal “O Globo”,

publicada em 15 de abril de 2020, é preciso em apontar que o princípio da proteção à

saúde, emanado do art. 196 da Constituição Federal, não comporta outra orientação

senão aquela tecnicamente recomendada pelos órgãos nacionais e internacionais de

saúde, como a OMS e o próprio MS, e por praticamente TODOS os países do mundo

que são acometidos pela pandemia do coronavírus.

Conclui o Ministro que o princípio da eficiência administrativa, para

assegurar, em meio à grave pandemia, a saúde e a vida da população, impõe também

a observância à ordem de isolamento social.

Na mesma linha, destacou o Ministro Alexandre de Moraes na r. decisão

monocrática proferida nos autos da ADPF 672 / DF - DISTRITO FEDERAL:

“A Constituição Federal, em diversos dispositivos, prevê princípios informadores e regras de competência no tocante à proteção da saúde pública, destacando, desde logo, no próprio preâmbulo a necessidade de o Estado Democrático assegurar o bem-estar da sociedade. Logicamente, dentro da ideia de bem-estar, deve ser destacada como uma das principais finalidades do Estado a efetividade de políticas públicas destinadas à saúde. O direito à vida e à saúde aparecem como consequência imediata da consagração da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil. Nesse sentido, a Constituição Federal consagrou, nos artigos 196 e 197, a saúde como direito de todos e dever do Estado, garantindo sua universalidade e igualdade no acesso às ações e serviços de saúde. No presente momento, existe uma ameaça séria, iminente e incontestável ao funcionamento de todas as políticas públicas que visam a proteger a vida, saúde e bem estar da população.

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A gravidade da emergência causada pela pandemia do coronavírus (COVID-19) exige das autoridades brasileiras, em todos os níveis de governo, a efetivação concreta da proteção à saúde pública, com a adoção de todas as medidas possíveis e tecnicamente sustentáveis para o apoio e manutenção das atividades do Sistema Único de Saúde.” (grifos nossos)

VI – DA TRANSMISSÃO COMUNITÁRIA, DO CONTÁGIO EM PALMAS E DA INTERIORIZAÇÃO COMO FATORES MAIS PREOCUPANTES.

Desde o dia 24 de abril de 2020 a Secretaria Municipal de Saúde de

Palmas (SEMUS) reconhece o status de contágio de COVID-19 para transmissão

comunitária. Este dado é relevante porque demonstra que não é necessário viajar

para trazer o vírus até Palmas, tampouco é necessário estar com uma pessoa

diagnosticada. Basta estar em circulação na cidade.

Neste sentido, importa ter em mente que diariamente a SEMUS divulga

um boletim epistemológico informativo sobre a situação da COVID-19 na capital do

Tocantins e um volume expressivo de casos não possuem nitidez sobre a origem.

Para além da evolução diária dos casos confirmados em Palmas, é

preciso também acompanhar o processo de ‘interiorização’ e ‘popularização’ da

pandemia. A interiorização pode ser mensurada considerando o incremento de casos

confirmados ou notificados nos municípios/microrregiões que não são polo de

Micro/Macro ou de menor densidade populacional.

Na publicação MonitoraCovid-19 a FIOCRUZ explica que “entender a

lógica de rede de relacionamentos entre os municípios” é importante nesse momento

de pandemia, uma vez que é recorrente a população se deslocar em busca por

atendimento de saúde.

Desse modo, as decisões tomadas em um município afetam os

outros da sua rede de relacionamentos, revelando a importância de um olhar

regional nas ações de combate à COVID-19.18”

18 Disponível em <https://bigdata-covid19.icict.fiocruz.br/nota_tecnica_4.pdf>, acesso em 13.06.2020.

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Para ficar mais elucidativo, veja-se a ilustração da situação atual no

estado do Tocantins. O epicentro da pandemia está em Araguaína, graças à

interseção de fatores de localização e também por ter adotado uma postura mais

flexível quando Palmas estava mais retraída, entretanto já se interiozou de tal forma

que somente as cidades em verde estão sob controle::

Disponível em: http://integra.saude.to.gov.br/covid19, acesso em 13.06.2020.

Neste sentido, o boletim dá conta de que parte considerável da rede

hospitalar da Capital é ocupada por pessoas residentes em outros municípios,

o que demonstra a necessidade das medidas de distanciamento social de Palmas não

se descolarem do seu lugar de “capital equipada”. Por mais “preparada” que esteja a

rede médico-hospitalar palmense, essa rede atende também pessoas do entorno.

Então, o isolamento e a prevenção é melhor cautela factível, possível.

Veja-se nestes dados de 11/06/2020 que todas as cinco (5) pessoas na

UTI/UCI são de outras localidades:

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Registre-se que o direito à saúde é estabelecido pelo artigo 196 da

Constituição Federal como direito de todos e dever do Estado, garantido mediante

políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros

agravos, regido pelo princípio do acesso universal e igualitário às ações e serviços

para a sua promoção, proteção e recuperação.

Ademais, o financiamento do Sistema Único de Saúde, nos termos do

artigo 195, opera-se com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos

estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. Destarte, essa

soliariedade no sentido de “quem responde” deve ser também uma conduta ética no

sentido de que de, por solidariedade ao entorno, a cidade melhor equipada estabeleça

critérios seguros de isolamento social.

VII - DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL ESTATAL POR EPIDEMIAS E

PANDEMIAS - FRENTE ÀS NORMATIVAS DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL DE

DIREITOS JÁ RATIFICADAS

VII.1 A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (CIDH) E

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (OMS)

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É certo que o direito internacional contemporâneo, portanto, como cerne da

reflexão, reclama inequívoca responsabilidade Estatal19, por quaisquer de seus

poderes, sobretudo em suas regras de proteção internacional de direitos humanos,

considerando a Convenção Americana de Direitos Humanos e as normativas

sanitárias da Organização Mundial da Saúde, no propósito de se definir sanção aos

Estados violadores e reparação às vítimas, ponderando se possível à CIDH, após

reconhecer a violação, a restituição ao “status quo” ou não, devendo, portanto, ter

medidas de compensação dos danos e de prevenção para que não voltem a ocorrer.

Afirma-se, inclusive, que o estudo da proteção internacional de direitos humanos está

intimamente ligado ao estudo da responsabilidade social dos Estados.20

A pandemia do novo coronavírus (Covid-19) trouxe novamente à tona a

questão da obrigatoriedade das decisões e recomendações de organizações

internacionais no direito doméstico. De fato, sabe-se que muitas organizações

internacionais – como a Organização Mundial de Saúde (OMS) 21e também a Corte

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) expedem decisões ou recomendações

aos seus Estados-membros, à luz de acordos ou tratados constitutivos, já ratificados.

Tal é assim pelo fato de serem formadas por Estados, que consentem, quando da

assunção do jogo obrigacional, aos ditames estabelecidos naqueles mesmos

instrumentos.

A CIDH adotou em 10.04.2020 uma Resolução ( Resolución nº 01/20 –

Pandemia y Derechos Humanos)22, que trata da importância dos mecanismos internacionais

19 CASTILLA JUAREZ Karlos A., "Inter-American Conventionality Control: A Simple Application of

International Law," Revista Derecho del Estado 33, 2014, pp. 149-172

20 CARVALHO RAMOS, André de. Responsabilidade internacional do Estado por violação de direitos humanos.

Revista CEJ, n. 29, 2005, p. 53-63 21 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Responsabilidade internacional dos Estados por epidemias e pandemias

transnacionais: o caso do Covid-19 provinda da República Popular da China. Revista Diálogo Ambiental,

Constitucional e Internacional. Volume 10. CJP – Instituto de Ciências Jurídico Políticas. Faculdade de Direito.

Universidade de Lisboa. 22 Pandemia deve ser tratada intersetorialmente visando grupos vulneráveis e os direitos humanos, diz resolução da OEA. Disponível em <https://www.fsp.usp.br/site/noticias/mostra/19829>, acesso em 17.04.2020.

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de proteção dos direitos humanos nas Américas, em situações extremas como a pandemia da

COVID-19, exortando os Estados Membros da Organização dos Estados Americanos (OEA),

dentre eles, por óbvio, o Brasil por meio dos atos de cada um de seus poderes constituídos, em

toda a federação brasileira, adotem medidas transversais e intersetoriais que respeitem os direitos

humanos em toda e qualquer estratégia de ação e políticas públicas voltadas a situações

especiais, como é o caso da pandemia. A carta evidencia a preocupação com grupos como idosos,

pessoas privadas de liberdade, mulheres, povos indígenas, pessoas em situação de mobilidade

humana, meninos, meninas e adolescentes, pessoas LGBTI, pessoas de ascendência africana e

pessoas com deficiência. Destacando-se que:

Entendemos que a COVID-19 é apresentada de forma diferente em cada país e observamos que as respostas também foram diferentes. De qualquer forma, e por sua própria natureza, as ações estatais devem ser centradas nas pessoas. Todas as ações do governo devem ser tomadas para garantir e proteger os direitos humanos”, afirmou o comissário Joel Hernández, presidente da CIDH.

Vê-se, portanto, que o desenvolvimento de políticas públicas bem referencias,

de acordo com protocolos científicos é um dever, inclusive, perante a comunidade

internacional, com o qual o Brasil, e por conseguinte, todos os seus Estados- federados se

obrigaram, sob pena de sofre sanções no plano internacional.

VIII - DA NECESSIDADE DE OFERECIMENTO DE CONDIÇÕES À POPULAÇÃO EM ISOLAMENTO SOCIAL/QUARENTENA

A cidade de Palmas, compreendendo, seus distritos de Taquaralto e

Taquaruçu, necessitam enfrentar a disseminação do vírus, e diante de todo o exposto,

vê-que que a determinação do obrigatório isolamento social é medida que se impõe.

À medida em que a Covid-19 se espraia para as periferias e o interior do

país, eles atingem grupos populacionais que, ainda que queiram adotar atitude

responsável diante da doença, carecem de condições materiais para fazê-lo.

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Sem renda suficiente e meios que aliviem a dificuldade de isolamento,

caso não se exponham ao vírus, a pena é despencar nos abismos de exclusão social.

Enquanto mais de mil brasileiros morrem, todos os dias, e mais de 20

mil se contaminam, os que aplicam na Bovespa continuam sorrindo satisfeitos! Em 28

de maio, o ganho acumulado do mercado financeiro foi de 38,3%! O desemprego

explode, as famílias afundam em dívidas, centenas de pequenas empresas quebram

e fecham, mas o lucro do sistema financeiro permanece intocado!

Assim, o isolamento social/quarentena só será possível com um elenco

claro de medidas que devem acompanhá-lo, para assegurar vida digna aos que o

respeitarem, num esforço hercúleo para superar a sabotagem do governo federal,

pensando assim, sobretudo, naquelas pessoas que seriam expostas ao desigual e

desumano serviço público de transporte, que deixa seus usuários completamente

vulneráveis.

Num país desigual como o Brasil, portanto, decretar a quarentena sem

gerar condições efetivas para que ela seja cumprida, é uma farsa.

Com a divulgação do plano de flexibilização das medidas de isolamento

em Palmas, a partir de 08 de junho de 2020, surge o fato de que não se pode, no

momento, abrandar o isolamento social para conter a disseminação do novo

coronavírus, devendo o município de Palmas promover a máxima transparência

quanto ao número de leitos de internação hospitalar, a exemplo dos leitos clínicos e

de UTI, de apartamentos, bem como de enfermarias ocupados e disponíveis para o

atendimento de pacientes contaminados pela COVID-19 em suas respectivas redes,

para controle social e para o planejamento estadual da intensidade do isolamento

social pelos Decretos.

IX – DA TUTELA DE URGÊNCIA

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A situação apresentada nestes autos exige a concessão de tutela de

urgência, na medida em que estão presentes a probabilidade do direito e perigo da

dano ou o risco ao resultado útil do processo, conforme exige o art. 300 do CPC.

A probabilidade do direito perseguido está na obrigação do município de

Palmas de prestar efetiva proteção à saúde pública, com a adoção de todas as

medidas possíveis e tecnicamente sustentáveis para o apoio e manutenção das

atividades do Sistema Único de Saúde, dentre as quais se destaca o

distanciamento/isolamento social.

Assim, com a divulgação do plano de flexibilização das medidas de

isolamento em Palmas, mesmo quando os números de casos crescem

vertigionasamente, que teve início em 08/06/2020, surge o fato de que não se pode,

no momento, abrandar o isolamento social na forma apresentada,devendo ser contida

a disseminação do novo coronavírus, sob pena de milhares de pessoas evoluírem a

óbito em curto período.

Os elementos trazidos à baila apontam de forma inequívoca a evidenciar

a probalidade do direito invocado e o perigo de dano e risco ao resultado útil do

processo, ao passo que se não concedida a liminar pleiteada, certamente ao final do

curso do processo, milhares de pessoas já terão sido abatidas pela epidemia que

assola ao mundo e no caso concreto, a cidade de Palmas/TO.

Assim, são mais do que necessárias e urgentes as providências devidas

para que a tragédia que abateu o mundo e agora assola nossa capital, possa ser

minimizada e gradativamente possamos vencer a pandemia, com a redução de casos

e óbitos. A não concessão da medida de urgência pleiteada, porém, conforme ampla

instrução e informações técnicas que corroboram a presente ação, certamente

representa o aumento de casos e óbitos em toda a nossa capital, daí porquê, a busca

do socorro emergencial jurisdiconal da tutela do Estado.

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Ante o exposto, impõe-se o deferimento de tutela provisória de urgência, a fim

de garantir a efetividade da tutela dos direitos transindividuais à saúde coletiva e sua

eficácia, ao tempo do provimento final, estando, nestes termos, presentes os

requisitos exigidos pelo art. 300 do CPC e art. 12 da Lei nº 7.347/85, ante a

probabilidade do direito alegado, demonstrado pela fartura de documentos baseados

na ciência e produzidos pelos qualificados cientistas do país, bem assim o risco de

calamitosa incidência de mortes em decorrência do colapso do sistema de saúde de

Palmas/TO, determinando-se:

a) a concessão de liminar para DETERMINAR a suspensão dos efeitos do

decreto Decreto nº 1.903, de 5 de junho de 202023, e para DETERMINAR que o

MUNICÍPIO DE PALMAS/TO se abstenha de editar normas que flexibilizem

medidas de isolamento social até que seja demonstrada perante este juízo

queda linear nos números de novas contaminações e de óbitos por COVID-19,

bem como sejam apresentados estudos técnicos que refutem os argumentos

colacionados nesta inicial. Requer, ainda, sejam asseguradas medidas por parte do

Município de PALMAS que contenham:

1. o fortalecimento das medidas de orientação e de sanção

administrativa em caso infração às medidas de restrição social, como

o não uso de máscaras em locais de acesso ao público, conduta

análoga aos crimes de infração de medida sanitária preventiva e

controle no transporte público (art. 268 do CP);

2. fiscalização de forma efetiva as medidas de distanciamento

social, promovendo a responsabilização administrativa, civil e penal

dos estabelecimentos que não seguirem as normas sanitárias;

23 Disponível em <http://diariooficial.palmas.to.gov.br/media/diario/2504-5-6-2020-22-35-12.pdf>. Acesso em 11 de jun 2020.

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3. demonstração da estruturação dos serviços de atenção à saúde

da população para atender à demanda Covid-19 em seu período de

pico, com consequente proteção do Sistema Único de Saúde, bem

como o suprimento de equipamentos (leitos, EPI, respiradores e

testes laboratoriais) e equipes de saúde (médicos, enfermeiros,

demais profissionais de saúde e outros) em quantitativo suficiente,

conforme estudos de cenário realizados;

4. submissão de qualquer nova revisão das medidas de

isolamento/distanciamento social, em especial a liberação de

atividades que venham a ser consideradas não essenciais, à prévia,

expressa e pública manifestação dos órgãos públicos competentes,

bem como de órgão colegiado com experts, desde que acompanhada

de nova justificativa técnica fundamentada em evidências científicas

e em análises sobre as informações estratégicas em saúde, vigilância

sanitária e epidemiológica, mobilidade urbana, segurança pública e

assistência social, em pleno compromisso com o direito à informação

e o dever de justificativa dos atos normativos e medidas de saúde,

contemplando-se em especial dados decorrentes de testagem em

massa e projeções baseadas em estudos de cenário;

X – PEDIDOS

Ante as razões de fato e de direito exaustivamente delineadas, a Autora requer:

a) Que, em conformidade com o Art. 18 da Lei 7347/85, seja deferido o

pedido de isenção do recolhimento inicial de custas, conforme emana a

legislação em vigor;

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b) seja julgada procedente a presente ação, estabilizando-se e

confirmando-se a medida antecipatória a TÍTULO DE TUTELA DEFINITIVA,

com a confirmação de tudo o quanto pleiteado em tutela de urgência

provisória;

c) A citação do pólo passivo, na forma e prazo da lei;

d) A intimação do Ministério Público para que venha integrar o feito por

imperativo legal.

e) Nos termos do art. 319, VI do CPC, a produção de prova documental,

pericial, depoimento pessoal da parte ré e depoimento de testemunhas, para

demonstrar a verdade dos fatos alegados.

Por fim, embora inestimável, dá-se à causa o valor de R$ 50.000,00

(cinquenta mil reais) por simples arbitramento, e se requer a adoção do rito comum

do art. 318 do Código de Processo Civil.

Nestes termos, Pede deferimento.

Palmas-TO, 15 de junho de 2020.

AMANDA FREIRE DO NASCIMENTO

OAB/TO 8408

VERONICA CHAVES SALUSTIANO OAB/TO 6347

EMILLENY LÁZARO DA SILVA SOUZA

OAB/TO 4614

GRAZIELA TAVARES DE SOUZA REIS OAB/TO 1801

NAYARA SÁVIA AYRES ALENCAR OAB/TO 5743

KAROLINE SOARES CHAVES

OAB/TO 5578

PAULO FREIRE OAB/DF 50.755

CEZAR BRITTO OAB/DF 32.147

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ROL DE DOCUMENTOS

Procuração e atos constitutivos da ABJD;

Decretos do município de Palmas n° 1.856, de 14 de março de 2020 e nº 1.859, de março de 2020 e Decreto do Governo do Tocantins nº 6.083, de 13 de abril de 2020.

Nota técnica sobre a flexibilização do isolamento social no estado do Tocantins e em palmas, frente à crise sanitária da covid-19;

Notas Técnicas da FioCruz e Universidade Federal de Pelotas

Decreto nº 1.903, de 5 de junho de 2020;