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EXPERIMENTAÇÕES RIZOMÁTICAS DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS NAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS: DESLOCAMENTOS
DOS CONCEITOS DELEUZIANOS PARA O CAMPO EDUCACIONAL
Eli Lopes da Silva (UFSC)1 Terezinha Fernandes Martins de Souza (UFMT/UFSC)2
Dulce Márcia Cruz (UFSC)3
Resumo: Este trabalho apresenta pistas de como os agenciamentos coletivos dos docentes que utilizam as Tecnologias Digitais (TD) poderiam se apropriar da filosofia de Deleuze para fazer experimentações rizomáticas que criem circunstâncias geradoras de afetividade criativa. Metodologicamente faz uma ponte entre a perspectiva teórica e sua articulação com o trabalho docente. Nos resultados apontamos possibilidades de atuação do professor a partir do pensamento deleuziano. As conclusões apontam para a necessidade de criação de circunstâncias (para usar um termo
deleuziano) para que as TD sejam usadas com o intuito de se tornarem objetos de desejo não apenas no artefato em si, mas de paixões pelo que se produz. Palavras-chave:Tecnologias digitais. Experimentações rizomáticas. Pensamento deleuziano. Práticas pedagógicas. Abstract: This paper presents insights into how collective assemblages of teachers using the Digital Technology (DT) could appropriating Deleuze's philosophy to rhizomatic trials that create circumstances creatively generating affectivity. Methodologically makes a bridge between the theoretical perspective and its relationship with teaching. The results point out possibilities for teacher performance from Deleuze’s thought. The findings point to the need for creation of circumstances for the DT are used in order to become objects of desire not only on the artifact itself, but the passions that occurs.
Palavras-chave: Digital technologies. Rhizomatic trials. Deleuze’s thought. Pedagogical practices.
1 Professor Ms. da Faculdade de Tecnologia Senac Florianópolis- SC. Doutorando em Educação pela Universidade Federal de
Santa Catarina - UFSC. Linha Educação e Comunicação. Email: [email protected] 2 Professora Ms. da Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT. Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de
Santa Catarina - UFSC. Linha Educação e Comunicação. Email: [email protected] 3 Professora Dra. da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Programa de Pós-Graduação em Educação.
Coordenadora do Grupo de Pesquisa EDUMIDIA - Educação, Comunicação e Mídias (CNPq). Email: [email protected]
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Introdução
Este artigo apresenta alguns conceitos da filosofia de Deleuze e os
problematiza para a área de Educação. O objetivo é desapropriar conceitos de uma
área e transpor para outra. Para fazer isto, utilizamos o que Gallo (2008) chama de
deslocamentos de conceito. Ao fazer a transposição, provocamos a pensar o uso de
Tecnologias Digitais (T.D.) na Educação com base em conceitos deleuzianos.
Virtual/atual versus possível/real
Lévy (2010) afirma haver pelos menos três sentidos para a palavra virtual: um
sentido técnico, outro de uso corrente e o terceiro filosófico. A partir das
considerações deste autor podemos crer que o primeiro sentido da palavra,
técnico, ligado à informática, diz respeito àquilo que se encontra no meio digital.
Daí vem, por exemplo, expressões do tipo: Ambiente Virtual de Aprendizagem
(AVA), armazenamento em meio virtual, entre tantas outras. No sentido corrente,
a palavra virtual é usada para significar aquilo que não está presente e, nesta
perspectiva, atribui-se a ela uma oposição ao real. É como se real e virtual não
pudessem coexistir.
Por outro lado, a última acepção do termo virtual, filosófica, significa “aquilo
que existe apenas em potência e não em ato, o campo de forças e de problemas
que tende a resolver-se em uma atualização” (LÉVY, 2010, p. 49). Nesta concepção
o virtual não se opõe ao real, como se pensa no uso corrente, mas sua oposição é
em relação ao atual. Lévy (1996, p. 16) afirma categoricamente: “o virtual não se
opõe ao real, mas sim ao atual”. Do ponto de vista filosófico, diferente do uso
corrente, o oposto ao real é o potencial.
Lévy (1996) argumenta que o possível é o real latente, ou seja, é aquilo que
já está constituído, faltando-lhe tão somente a existência, pois o “possível se
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realizará sem que nada mude em sua determinação nem em sua natureza” (LÉVY,
1996, p. 16). Desta forma, como argumenta o autor, existe uma diferença
puramente lógica entre o possível, que está pronto para realizar-se e a sua
realização.
Em outra perspectiva está o par virtual/atual, para o qual o movimento de
atualização requer um processo de atualização do virtual que não é uma mera
realização, mas um processo de criação, de resolução de problemas. Na
perspectiva apontada por Lévy (1996) trata-se do que ele chama de um complexo
problemático que, através de um acontecimento, abre-se para a atualização. É um
processo de singularidade, como mostra Deleuze (1996, p. 51):
A atualização pertence ao virtual. A atualização do virtual é a singularidade, ao passo que o próprio atual é a individualidade constituída. O atual cai para fora do plano como fruto, ao passo que a atualização o reporta ao plano como àquilo que reconverte o objeto em sujeito.
Deleuze (2012) caracteriza, a partir da teoria de Proust, o que pode ser o
real: ele se assemelha àquilo que o originou, ou seja, o possível. Sendo assim, as
regras da realização são a limitação e a semelhança. O real se assemelha e se
limita ao possível que permitiu a realização. Já a atualização é um processo
criativo, construtivo, que emerge de um virtual. De maneira sucinta os pares
possível/real e virtual/atual podem ser assim descritos, conforme Lévy (1996, p.
17, grifo do autor): “O real assemelha-se ao possível; em troca, o atual em nada se
assemelha ao virtual: responde-lhe.”.
Agenciamentos coletivos
Nós nos constituímos como sujeitos em nossa relação com os outros. Nos
agenciamentos é que nos tornamos sujeitos. Na obra Diálogos, Deleuze e Parnet
(2004) se perguntam e eles mesmos respondem sobre agenciamento.
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O que é um agenciamento? É uma multiplicidade que comporta muitos termos heterogêneos, e que estabelece ligações, relações entre eles, através das idades, dos sexos, dos reinos – através de naturezas diferentes. A única unidade do agenciamento é de co-funcionamento: é uma simbiose, uma <<simpatia>>. O que é importante, não são nunca as filiações, mas as alianças, ou as misturas; não são as hereditariedades, as descendências, mas os contágios, as epidemias, o vento. (DELEUZE; PARNET, 2004, p. 88, grifo nosso).
Destacamos na apresentação do conceito de agenciamento dado por Deleuze
e Parnet (2004) as palavras co-funcionamento, simpatia, alianças, misturas,
contágios, porque julgamos que um agenciamento não é algo estrutural, pois não
são as estruturas formadas que geram agenciamentos coletivos, mas as funções e as
relações do grupo ali estabelecidas.
Não há diferença entre aquilo que um livro fala e a maneira como é feito. Um livro tampouco tem objeto. Considerado como agenciamento, ele está somente em conexão com outros agenciamentos, em relação com outros corpos sem órgãos. Não se perguntará nunca o que um livro quer dizer, significado ou significante, não se buscará nada compreender num livro,
perguntar-se-á com o que ele funciona, em conexão com o que ele faz ou não passar intensidades, em que multiplicidades ele se introduz e metamorfoseia a sua, com que corpos sem órgãos ele faz convergir o seu. (DELEUZE; GUATTARI, 2011, p.18).
O que somos capazes de criar nessa relação com o outro, a partir destes
agenciamentos coletivos, vai depender de como e quanto somos afetados nesta
relação. O filósofo Roberto Machado lembra a importância dada por Deleuze à
teoria dos afetos, proveniente da filosofia de Espinosa.
A teoria dos afetos tem grande importância na filosofia de Espinosa, marcando profundamente o pensamento de Deleuze. Alegria e tristeza são os dois afetos fundamentais a partir dos quais são engendrados todos os
outros. Assim, amor, inclinação, esperança, contentamento, estima...provém da alegria; ódio, aversão, medo, remorso, desestima...provém da tristeza. Mas há uma questão difícil de ser esclarecida: a relação entre afeto (affectus) e affecção (affectio).
(MACHADO, 2010, p. 76).
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A afecção é o estado do corpo afetado, enquanto o afeto é a passagem de um
estado a outro. Sendo ele um movimento, o afeto diz respeito à variação dos
corpos que o provocam.
A affectio diz respeito a um estado de corpo afetado e implica a presença do corpo que o afeta, enquanto o affectus diz respeito à passagem de um estado a outro, levando em conta a variação correlativa dos corpos que os afetam. Há, portanto, uma diferença de natureza entre as afecções
imagens ou ideias e os afetos sentimentos, mesmo que os afetos sentimentos possam ser apresentados como um tipo particular de ideias ou de afecções. (MACHADO, 2010, p.77).
Nos agenciamentos coletivos a teoria dos afetos tem importância fundamental
para explicar porque as coisas dão certo com algumas pessoas e, muitas vezes, sob
as mesmas condições, não funcionam com outras. Machado (2010) afirma, com base
na teoria de Espinosa, utilizada por Deleuze, que o afeto é uma variação da
potência de agir de alguém que vai depender. Na teoria de Espinosa, não existe o
bem o mau, mas bons e maus encontros (MACHADO, 2010). Quando há um bom
encontro do corpo que me afeta com o meu, minha potência de agir aumenta e daí
derivam sensações como alegria, esperança, estima. Ao contrário, quando há um
encontro no qual os corpos não combinam, a potência de agir diminui, o que
resulta em sentimentos como tristeza, raiva.
Em última análise, o homem livre, forte, racional, se definirá plenamente pela posse de sua potência de agir, pela presença de ideias adequadas e afecções ativas; ao contrário, o fraco, o escravo, só tem paixões que derivam suas ideias inadequadas e que os separam de sua potência de agir.
(MACHADO, 2010, p.81).
Experimentações rizomáticas
O professor Joseph Vogl, alemão, que leciona estudos literários, culturais e
mídia, em Berlim, em entrevista na qual discute principalmente o conceito de
rizoma a partir das obras de Deleuze e Guattari, lembra que o termo rizoma vem
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da botânica, pois é um caule, com parte da planta sob a superfície. Na filosofia de
Deleuze e Guattari o rizoma é como um labirinto, uma estrutura de passagens. Ele
difere do labirinto ocidental porque não tem começo nem fim, não possui centro ou
periferia. Como estrutura de passagens, significa que qualquer elemento ou lugar
do labirinto pode levar ao próximo (VOGL, 2012).
Weber (2008) parte da obra de Nietzsche, principalmente
“Humano,demasiadamente humano”, para mostrar que o sujeito se constitui
enquanto tal a partir de experimentação.
A experimentação é o modo próprio de ser do homem liberado da moralidade dos costumes e, enquanto tal, polariza os grande temas da filosofia madura de Nietzsche: morte de Deus, eterno retorno (tempo), vontade de poder, amor fati e solidão. Isso não quer dizer, porém, que a noção de experimentação seja causa ou efeito desses temas, e, sim, que como eles se relacionam, adquirindo sentido a partir desses temas e contribuindo, ao mesmo tempo, para a intelecção com eles. (WEBER, 2008, p. 149).
Para o autor, a filosofia de Nietzsche é uma abertura, pela experimentação, à
significação do mundo e do homem enquanto ente e corpo, enquanto ser sensível
que é. A experimentação não torna o homem tirano, mas lhe permite exercer sua
excentricidade, a se colocar em xeque (WEBER, 2008).
Gallina (2007) diz que o termo experimentação, por contraste ao termo
experiência, é um acontecimento, que permite inferir coisas que não estão dadas,
que não foram estabelecidas a priori.
O que poderia ser considerada então uma experimentação rizomática? Podem
ser as experimentações que surgem de agenciamentos coletivos, nas quais os
sujeitos podem entrar e sair por múltiplos caminhos. Não há uma porta de entrada,
tampouco uma de saída. Existem múltiplas possibilidades de entradas e saídas. Nas
experimentações rizomáticas, o importante não são os nem os sujeitos por eles
mesmos nem os objetos por si somente, mas as alianças, as misturas, os contágios,
os afetos provocados nas relações. Fazer experimentação, nesta perspectiva,
requer bons encontros, nos quais a potência de agir aumenta.
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Práticas pedagógicas: deslocamentos ou desapropriação dos
conceitos deleuzianos para a Educação
Vogl (2012) diz que existe pensamento por desapropriação quando extraímos
conceitos de um lugar para o outro: é o lugar dos encontros imprevistos. Utilizar
elementos da filosofia de Deleuze para possibilitar novas práticas pedagógicas
requer pensar por desapropriação.
Não há fórmulas de como fazer isto. Até porque não há nada mais anti-
deleuziano que tentar criar fórmulas, em formatos de manuais didáticos ou outros
quaisquer, com o intuito de aplicar conceitos de Deleuze em sala de aula.
Entretanto, é possível apontar deslocamentos possíveis do pensamento deste
filósofo para o campo educacional, apontamentos estes que, ao invés de ditar
regras para as práticas pedagógicas, podem dar pistas ao professor de como atuar
nesta perspectiva do pensamento por desapropriação.
As práticas pedagógicas que se baseiam no par estímulo-resposta, ou seja,
aquelas nas quais os alunos respondem ao que já está constituído, pronto, definido,
embora possam contribuir para a aprendizagem, se limitam a formar um sujeito
com competências tão somente para a reprodução. O movimento contrário destas
práticas seriam aquelas nas quais o estudante possa construir conhecimento, possa
individualizar-se, tornar-se sujeito pelo processo de apropriação das ideias. Assim,
no que diz respeito às práticas pedagógicas, enquanto as primeiras (estímulo-
resposta) poderiam estar no âmbito do par possível/real, as outras, que dão ao
aluno a possibilidade de individualização, trabalhariam na perspectiva do par
virtual/real.
No caso das práticas pedagógicas, aquelas que consideram esse processo de
singularidade, de individualidade, na perspectiva do par virtual/atual, são práticas
abertas, contrárias às outras que são fechadas.
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A virtualização é, portanto, o movimento inverso da atualização, como aponta
Lévy (1996). Tomando essas considerações aqui elaboradas de que o virtual é
aberto à atualização, enquanto o potencial se limita à realização, poderíamos
questionar em quais momentos o professor, na criação de problemas para o aluno
resolver, estaria atuando na perspectiva do par virtual/atual ou do par
potencial/real.
Quando o professor parte de uma solução para criar um problema fechado,
muito delimitado, visando que o aluno apenas descubra aquilo que, de certa forma,
já está dado, constituído, ele está atuando com o par possível/real. Assim,
descobrir, tem o mesmo sentido de tirar a coberta. Como aquilo que se faz em
brincadeira de criança, o “esconde-esconde”, no qual o adulto se esconde ou
esconde um objeto para a criança “descobrir”.
Por outro lado, quando criação do problema pelo docente gera algo aberto
para que o aluno tenha a possibilidade de criar, de ir além da descoberta, sua
atuação passa a ser na perspectiva do par virtual/atual. Neste caso, a
individualização do aluno permite a construção de conhecimento não somente para
si, como para o docente que propôs a atividade, pois o processo de atualização
gera um novo problema.
Com efeito, cometemos o erro de acreditar que o verdadeiro e o falso concernem somente às soluções, que eles começam apenas com as soluções. Esse preconceito é social. [...] Mais ainda, o preconceito é infantil e escolar, pois o professor é quem “dá” os problemas, cabendo ao aluno a tarefa de descobrir-lhes a solução. Desse modo, somos mantidos numa espécie de escravidão. [...] Colocação e solução do problema estão quase se equivalendo aqui: os verdadeiros grandes problemas são colocados apenas quando resolvidos. (DELEUZE, 2012, p.11).
Pensando desta maneira, o docente que cria um problema aberto, a partir de
uma solução, propicia o processo de virtualização e, desta forma, está não apenas
encobrindo a solução (o que seria seu papel se fosse o par possível/real), mas
reelaborando uma nova estrutura, pois um problema criado a partir de uma
solução, nesta perspectiva, nunca é o problema que gerou aquela solução, mas
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outro problema que, por sua vez, irá gerar uma nova solução. Esse processo pode
ser representado conforme a figura 1.
Figura 1 – processos de virtualização
Fonte: os autores (2013)
Como apresentado na figura 1, um problema (virtual) permite soluções
(atualização). Mas a virtualização desta solução, ao invés de voltar ao problema
que original, gera um novo problema, do qual a atualização vai gerar uma nova
solução e assim sucessivamente.
O que se espera de docentes com práticas pedagógicas que considerem o par
virtual/real é que a criação de problemas por parte do professor possibilite ao
aluno tornar-se singular e não um mero repetidor de respostas. Muitas vezes o
professor cria um problema tão fechado para que o aluno resolva, de tal sorte que
o problema já é idêntico à solução, só faltando realizar-se. A virtualização, na
perspectiva da criação de problemas como prática pedagógica, somente vai
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resultar em aprendizagem se considerar o par virtual/atual como perspectiva de
atuação. Problemas abertos permitem a participação do aluno, dão a oportunidade
de criação e não de mera reprodução, pois “o problema tem sempre a solução que
ele merece em função da maneira pela qual é colocado, das condições sob as quais
é determinado como problema, dos meios e dos termos de que se dispõe para
colocá-lo” (DELEUZE, 2012, p.12).
No caso do professor que utiliza as tecnologias digitais (T.D.) em suas práticas
pedagógicas, a apropriação dos conceitos aqui apresentados para sua atuação se
torna mais urgente. Mas, o que muda quando se usa as T.D. na docência?
Acreditamos que a tecnologia potencializa novas formas de atuação, sobretudo em
grupo. Levar a tecnologia digital para a sala de aula significa levar muito mais que
apenas uma máquina, porque as tecnologias não se resumem aos artefatos, já que
“não se deve compreender a tecnologia apenas como máquina. Ela inclui as
habilidades e competências, o conhecimento e o desejo, sem os quais não pode
funcionar” (SILVERSTONE, 2005, p. 49).
Quando as T.D. entram em cena, nas práticas pedagógicas, significa também o
acréscimo do artefato em si, como o computador, mas todas as funcionalidades que
elas trazem, incluindo aí, como bem afirma Silverstone (2005), habilidades,
conhecimento e desejo. Portanto, as T.D. exigem do professor, porque mais que
saber usar os recursos, ele passa a ser desafiado a saber lidar com as mudanças
provocadas no grupo e pelo grupo, a partir destes usos.
Silverstone (2005) afirma que as tecnologias podem ser tão capacitantes
quanto incapacitantes. Elas não determinam nada. Lévy (1993) diz que o
determinante é a subjetividade dos indivíduos que as utilizam e lembra:
“Gutenberg não previu e não podia prever o papel que a impressão teria no
desenvolvimento da ciência moderna” (LÉVY, 1993, p. 186).
Vários são os desafios que o docente enfrente ao utilizar T.D. A
desapropriação dos conceitos filosóficos de Deleuze para o campo educacional,
neste caso, pode ser o caminho para enfrentar estes desafios. Sugerimos pensar as
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práticas pedagógicas a partir dos deslocamentos de alguns conceitos que aqui
apresentamos.
O deslocamento 1 é o par virtual/atual. Aproveitar das potencialidades das
T.D., sobretudo do uso da internet para que o aluno resolva os problemas
apresentados pelo professor é, sem dúvida, uma forma de permitir que o aluno
possa construir seu conhecimento. Neste sentido, apresentar problemas abertos,
que dão ao aluno condições de pesquisar, de criar, de estabelecer relações, pode
ser uma forma de o docente aproveitar as tecnologias em favor da aprendizagem.
O deslocamento 2 é o agenciamento coletivo. O professor pode aproveitar o
potencial das tecnologias para estabelecer relações com seus colegas para uso dos
recursos. A ideia de co-funcionamento, alianças, misturas e contágios que aqui
apontamentos como elementos fundamentais dos agenciamentos coletivos é que
deve ser a base das relações estabelecidas entre os docentes e destes com os
alunos. Para tal é necessário contato. Mas hoje sabemos que é justamente em
função das T.D. que este contato ficou mais facilitado, pois não há mais
necessidade de atuar somente na perspectiva das reuniões com presença física no
mesmo local, pois elas podem acontecer via internet, seja por redes sociais,
correio eletrônico, nos blogs e em tantos outros espaços “virtuais” (aqui usamos
aspas porque o termo está no sentido informático e não filosófico). As trocas de
experiências nos usos das T.D. entre professores é muito importante para
estabelecer relações afetivas. Criar condições, com uso das T.D., para que, nos
usos, as pessoas sejam afetadas (e aqui usamos no sentido da afecção) é um
desafio para os professores, independente do seu grau de intimidade com as T.D.
O deslocamento 3 são as experimentações rizomáticas. No uso das T.D. o
professor vai perceber que o processo de experimentação o coloca também na
condição de aluno. Ele aprende muito com as experimentações. Como disse Weber
(2008), ele vai se colocar em xeque. Arriscar-se para avançar nas suas práticas
pedagógicas talvez passe a ser o seu lema. Utilizar novos recursos disponíveis, criar
condições para que as entradas e saídas tanto dos seus colegas professores quanto
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dos alunos sejam múltiplas, assim como múltiplas devem ser as possibilidades de
uso de T.D. Certamente o aluno vai traçar caminhos, sobretudo quando utilizar a
internet, que não estavam previstos. E, voltando a Weber (2008), a
experimentação não significa tirania.
Conclusão
Neste trabalho trouxemos alguns conceitos, a partir dos quais podemos nos
ancorar para pensar as práticas pedagógicas, sobretudo com o uso das T.D. Com ou
sem tecnologias digitais, qualquer prática pedagógica diferenciada dá trabalho.
Com ou sem os conceitos deleuzianos, também dá trabalho. A perspectiva de
ancorar nos conceitos deleuzianos para trabalhar T.D. é, principalmente, pelo fato
que essas tecnologias potencializam novas formas de comunicação. É difícil,
embora seja possível, trabalhar com T.D. nas práticas pedagógicas da forma
tradicional, como se o único elemento novo fosse a tecnologia em si. Entretanto,
por tudo que as T.D. potencializam, sejam novos espaços de comunição, novos
meios de nos reunir, nos organizar ou mesmo pelo caráter digital de
armazenamento, entre tantos outros, uma pedagogia pensada a partir da
desapropriação dos conceitos deleuzianos pode ser o caminho para aproveitar este
potencial.
Receita de bolo? Não temos e acreditamos não existir. Nada mais anti-
deleuziano que receitar experimentações rizomáticas. Só podemos mesmo
recomendar que sejam realizadas experimentações nas práticas pedagógicas.
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DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Diálogos. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 2004. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. v.1. São Paulo: Ed. 34, 2011. GARCIA, Wladimir. Territórios virtuais e Educação. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 67-76, jul./dez. 2002. GALLINA, Simone Freitas da Silva. Deleuze e Hume: experimentação e pensar. Philósophos, Porto Alegre, n. 12, v. 1, p. 123-144, jan./jun. 2007. GALLO, Sílvio. Deleuze & e a Educação. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993. LÉVY, Pierre. O que é virtual? São Paulo: Editora 34, 1996.
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