POLÍTICAS PÚBLICAS PARA FORMAÇÃO DE PROFESSORES...

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Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação - 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS PARA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E INSERÇÃO DAS NTIC NA EDUCAÇÃO Carmi Ferraz Santos (UFRPE) 1 Resumo: Este trabalho objetiva analisar as diretrizes que têm sido propostas em termos oficiais em o que diz respeito ao papel da formação inicial no que diz respeito à construção das competências ligadas ao uso das novas tecnologias no exercício profissional da docência. Para a consecução deste objetivo, foi utilizada como ferramenta metodológica a documentação indireta do tipo pesquisa bibliográfica. Foram analisados documentos orientadores da ação pedagógica de cada sistema de ensino tais como programas, propostas e referenciais curriculares. Além destes materiais, apoiamo-nos em pesquisas acerca da relação entre educação e novas tecnologias realizadas no cenário de cada realidade analisada neste trabalho. Résumé: Ce travail vise à analyser les lignes directrices qui ont été proposées en termes officiels en ce qui concerne le rôle de la formation initiale à l'égard de la construction des compétences liées à l'utilisation des nouvelles technologies dans la pratique professionnelle de l'enseignant dans trois pays différents. Pour atteindre l'objectif proposé, la recherche bibliographique a été utilisé comme outil méthodologique. Alors ont été analysés les documents d'orientation de l'action pédagogique de chaque système d’enseignement comme les propositions et les programmes d'études. Nous avons utlisé également des recherches sur la relation entre éducation et nouvelles technologies produites dans chaque réalité examinée ici. Introdução O letramento digital e a integração das TIC na escola têm sido um desafio da sociedade contemporânea em diferentes partes do mundo, para não dizer no mundo com um todo. Para enfrentar tal desafio, diferentes países têm elaborado propostas educativas oficiais, tanto no sentido de prever as habilidades e competências a serem construídas pelos alunos ao longo da escolarização quanto estabelecer competências

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POLÍTICAS PÚBLICAS PARA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E INSERÇÃO DAS NTIC NA EDUCAÇÃO

Carmi Ferraz Santos (UFRPE)1

Resumo: Este trabalho objetiva analisar as diretrizes que têm sido propostas em termos oficiais em o que diz respeito ao papel da formação inicial no que diz respeito à construção das competências ligadas ao uso das novas tecnologias no exercício profissional da docência. Para a consecução deste

objetivo, foi utilizada como ferramenta metodológica a documentação indireta do tipo pesquisa bibliográfica. Foram analisados documentos orientadores da ação pedagógica de cada sistema de ensino tais como programas, propostas e referenciais curriculares. Além destes materiais, apoiamo-nos em pesquisas acerca da relação entre educação e novas tecnologias realizadas no cenário de cada realidade analisada neste trabalho. Résumé: Ce travail vise à analyser les lignes directrices qui ont été proposées en termes officiels en ce qui concerne le rôle de la formation initiale à l'égard de la construction des compétences liées à l'utilisation des nouvelles technologies dans la pratique professionnelle de l'enseignant dans trois pays différents. Pour atteindre l'objectif proposé, la recherche bibliographique a été utilisé comme outil méthodologique. Alors ont été analysés les documents d'orientation de l'action pédagogique de chaque système d’enseignement comme les propositions et les programmes

d'études. Nous avons utlisé également des recherches sur la relation entre éducation et nouvelles technologies produites dans chaque réalité examinée ici.

Introdução

O letramento digital e a integração das TIC na escola têm sido um desafio da

sociedade contemporânea em diferentes partes do mundo, para não dizer no mundo com

um todo. Para enfrentar tal desafio, diferentes países têm elaborado propostas

educativas oficiais, tanto no sentido de prever as habilidades e competências a serem

construídas pelos alunos ao longo da escolarização quanto estabelecer competências

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requeridas ao professor com relação ao domínio das tecnologias de informação e

comunicação no exercício profissional.

Quando pensamos nas competências requeridas ao professor, tanto no que diz

respeito ao saber quanto ao saber-fazer, nos deparamos com a questão da formação

inicial e continuada deste profissional. No inicio da implantação de novas tecnologias na

escola, dada a emergência da formação de professores para o uso destas ferramentas na

prática pedagógica, a tendência foi capacitar aqueles profissionais já em serviço por

meio de processos de formação continuada.

Das primeiras iniciativas visando a incorporação de novas tecnologias na escola até

os dias de hoje já se passaram cerca de 40 anos. Cabe-nos, então perguntar como tem se

colocado atualmente a formação dos novos professores, ou seja, como tem sido pensada

a formação inicial dos futuros docentes com relação ao uso das NTIC na sala de aula? O

uso das NTIC tem sido objeto de ensino e discussão nos programas de formação inicial?

Qual a situação no Brasil e em outros países em relação a isto?

A partir destes questionamentos, este trabalho procura discutir que diretrizes têm

sido propostas em termos oficiais em relação ao papel da formação inicial no que diz

respeito à construção das competências ligadas ao uso das novas tecnologias no

exercício profissional da docência1. Para isto, propomos uma análise comparada entre as

realidades brasileira, francesa e canadense (contexto quebequense).

Para a consecução dos objetivos do trabalho foi utilizada como ferramenta

metodológica a documentação indireta do tipo pesquisa bibliográfica. Foram analisados

documentos orientadores da ação pedagógica de cada sistema de ensino tais como

programas, propostas e referenciais curriculares. Além destes materiais, apoiamo-nos

em pesquisas acerca da relação entre educação e novas tecnologias realizadas no

cenário de cada realidade analisada neste trabalho.

1 Embora saibamos que exista sempre uma distância entre o que é proposto por meio de documentos oficiais e

aquilo que é efetivamente vivenciado nos estabelecimentos escolares e nas instâncias de formação, sendo a análise desta diferença extremamente importante para a compreensão dos fenômenos educativos, deter-nos-emos momentaneamente, dada a dimensão deste trabalho, apenas nas prescrições oficiais por acreditar que, embora elas sozinhas não possam garantir sua execução, são importantes para a organização do sistema escolar. Para o rumo que pode, ou não, tomar a educação de um país.

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Canadá: NTIC e desenvolvimento profissional do professor.

No Canadá, diferentemente do Brasil, não há um órgão central a nível federal

responsável pela elaboração de diretrizes gerais que orientam o funcionamento do

sistema educacional. A administração da educação é totalmente descentralizada,

cabendo a cada província a responsabilidade exclusiva pelo ensino oferecido em seu

território. No caso do Québec, a educação é gerenciada pelo Ministère de l'Éducation,

du Loisir et du Sport (MELS) du Québec. No que diz respeito às orientações e políticas

elaboradas por este ministério, as TIC têm ocupado um lugar de destaque nas diretrizes

propostas tanto em relação à formação dos alunos ao longo de toda a escolarização,

quanto ao que concerne a formação inicial dos professores (Karsenti & Dumouchel,

2011).

Na mesma esteira das reformas visando a reorganização do sistema educativo, no

ano de 2001, é lançado pelo Ministério da Educação o documento “La formation à

l’enseignement: les orientations; les compétences professionnelles”. Por meio deste

documento, são definidas as orientações para a formação inicial, as competências

profissionais a serem desenvolvidas durante a formação e o perfil de saída dos futuros

docentes. Estas orientações, por sua vez, constituem-se em fonte para a elaboração dos

programas de formação oferecidos pelas universidades, pois um curso de formação de

professores para ser reconhecido pelo Comité d’agrément des programmes de formation

à l’enseignement (CAPFE)2 deve apresentar um programa de ensino que contemple o

desenvolvimento das competências profissionais previstas pelas orientações do

ministério.

2 Para tornar-se professor no Québec faz-se necessário conseguir a autorização para ensinar emitida pelo

Ministério, no entanto, dentre as condições para pleitear esta autorização está a de ter realizado um curso de

formação em instituição reconhecida pelo CAPFE.

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Baseado em uma dupla perspectiva: a da profissionalização e a da abordagem

cultural do ensino (Ministère, 2001), o documento contendo as orientações para a

formação elenca doze competências profissionais que deverão ser contempladas ao

longo da formação inicial do professor. Dentre estas competências, estão incluídas

aquelas relativas à integração das “tecnologias de informação e de comunicação com

fins de preparação e de condução das atividades de ensino-aprendizagem, de gestão do

ensino e desenvolvimento profissional” (Ministère, 2001, p.107).3 Esta competência, por

sua vez, é desdobrada em seis componentes, elementos constitutivos da competência

que devem ser trabalhados ao longo da formação inicial do professor:

- Exercer um espírito crítico em relação às vantagens e limites das TIC como

suporte ao ensino e à aprendizagem, assim como aos temas sociais;

- Avaliar o potencial didático das ferramentas digitais e das redes em relação com

o desenvolvimento das competências do programa de formação;

- Comunicar-se com a ajuda de ferramentas multimídias variadas;

- Utilizar as TIC para pesquisar, interpretar e comunicar informações e resolver

problemas;

- Utilizar as TIC como redes de troca e de formação continua com relação a seu

domínio de ensino e de sua prática pedagógica;

- Ajudar os alunos a se apropriarem das TIC, a utilizá-las para fazer as atividades

de aprendizagem, a avaliar sua utilização e a julgar de maneira crítica os dados obtidos

por meio da rede de computadores.

O modo como está estabelecido nas diretrizes de formação do professor o conjunto

de aspectos considerados quanto ao desenvolvimento das competências profissionais em

relação à inserção das TIC na sala de aula procura garantir que as ferramentas de

comunicação e informação sejam utilizadas pelo docente não apenas como estratégias

metodológicas, mas que permitam ao professor ensinar e estimular os alunos a usarem

3 Intégrer les technologies de l’information et des communications aux fins de préparation et de pilotage

d’activités d’enseignement-apprentissage, de gestion de l’enseignement et de développement professionnel.

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tais ferramentas como instrumentos de aprendizagem, assim como possam constituir-se

em dispositivos de desenvolvimento e trocas profissionais por parte do professor.

Na visão de Karsenti, Villeneuve & Raby (2008), a inserção de competências

relativas ao uso das TIC no referencial de competências profissionais dos professores

revela um importante avanço em relação à evolução das políticas em matéria de TIC e

educação no Québec. Portanto, em termos de política, observa-se, ao analisar os

documentos do ministério da educação quebequense referentes às orientações

curriculares em relação ao uso de novas tecnologias na escola, uma proposta

integradora. Um exemplo claro disto é o elo que se estabelece entre o programa de

formação da escola quebequense e as orientações para formação profissional do

professor. Isto pode ser visualizado, por exemplo, na previsão deste último de que cabe

ao professor “Avaliar o potencial didático das ferramentas digitais e das redes em

relação com o desenvolvimento das competências do programa de formação” relativo

ao período de educação obrigatória (grifo nosso).

Buscando ainda favorecer esta integração entre as diversas orientações curriculares

propostas para a escola quebequense, no processo avaliativo relativo ao período

probatório cumprido pelo profissional que pleiteia a autorização permanente para

ensinar, encontram-se dentre os elementos a serem observados aqueles relativos à

integração das TIC em sala de aula. Por exemplo, na grade de avaliação são destacados

os seguintes indicadores a serem avaliados:

- condução dos alunos no sentido de utilizar as TIC para efetuar pesquisas na

internet;

- utilização pessoal de ferramentas tecnológicas para efetuar suas tarefas

profissionais;

- discussão com os alunos da importância de respeitar a propriedade intelectual,

assim como ensino dos modos de indicar as fontes de pesquisa;

- utilização com discernimento dos recursos pedagógicos disponíveis on line para

criar situações de aprendizagem;

- apoia os alunos em sua apropriação das TIC.

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Além disso, o professor em avaliação deve elaborar um portfólio profissional, no

qual anexe exemplos de trabalhos, reflexões, leituras comentadas com relação ao uso

de tecnologias em sala de aula, buscando demonstrar a relevância de sua utilização na

prática profissional.

Embora o objetivo do período preparatório, segundo documento que orienta a

avaliação, seja o de reconhecer as competências profissionais de uma pessoa que deseja

exercer a profissão docente (Ministère, 2006), cremos que o processo pode contribuir

para impulsionar e incentivar um uso consciente e bem planejado das ferramentas de

comunicação e informação na sala de aula4.

Apesar das dificuldades apontadas por diferentes trabalhos em relação à integração

das NTIC na realidade educacional do Québec, chama-nos a atenção a preocupação,

quando da elaboração dos programas de ensino, em traçar um projeto de inserção das

novas tecnologias na escola que apresenta objetivos que contemplam o ensino desde a

pré-escola até os anos finais da escolarização, dando ênfase a uma formação inicial de

professores no sentido de prepará-los para o uso das ferramentas de informação e

comunicação no processo de ensino-aprendizagem. Em termos oficiais observa-se um

papel importante a ser desempenhado pela formação inicial na política de inserção das

TIC na educação. A proposta não apenas faz referência à necessidade de inserção das

TIC na sala de aula, mas orienta no sentido do que significa e como se daria esta

inserção, pois os objetivos a serem perseguidos pela escola estão claramente colocados

no texto da proposta.

Validação e certificação: o caso francês

O sistema de educação da França é centralizado e controlado pelo Ministério da

Educação Nacional. À direção geral cabe elaborar a política educativa e pedagógica,

4 Não desconsideramos que para isto também se faz necessário uma infraestrutura que garanta a presença

destas tecnologias na escola, mas, conforme Karsenti & Dumouchel ( 2011), desde o final dos anos de 1990 que computadores e internet estão presentes em todas as escolas do Québec, e que no inicio dos anos 2000 houve um grande investimento em termos materiais e de suporte técnico nas escolas.

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assim como os programas de ensino da educação pré-escolar (écoles maternelles) ao

ensino médio (lycées). A organização do ensino superior também é submetida às

orientações ministeriais.

Tendo por pano de fundo a tradição de centralização das decisões em termos

educacionais, a incursão de novas tecnologias na educação na França tem como um de

seus marcos o estabelecimento nos anos de 1970 dos primeiros Programas Nacionais de

Informática na Educação implementados pelo Ministério da Educação.

Nos anos de 1980, ocorre a criação de um novo plano visando à introdução das TIC

na escola. Em 1985 o plano “Informática para todos” marca a entrada da informática na

escola elementar e nos programas de ensino.

A questão das TIC na educação vai tomando cada vez mais importância nos textos

oficiais a ponto de tornar-se um dos pilares da base comum de conhecimentos e

competências estabelecidos pela loi d'orientation et de programme pour l'avenir de

l'École, de 23 de abril de 2005. A base comum é constituída por sete competências,

dentre elas a relativa ao domínio das técnicas usais de informação e comunicação.5

Em relação ao exercício docente, é criado em 2004 o Ci2e (Certificat Informatique

et Internet niveau 2 – Enseignant), certificação que deve ser apresentada pelos

candidatos pleiteantes ao exercício da profissão de professor6. Este dispositivo constitui-

se numa certificação que visa “atestar as competências profissionais comuns e

necessárias a todos os professores para o exercício profissional em suas dimensões

pedagógica, educativa e cidadã”. 7 Segundo Netto (2011), citando o Extrait du BO n°1 de

5-01-2006, a finalidade da certificação é a de fornecer a todos os futuros professores um

conjunto de recursos e competências em relação à utilização profissional das TIC para o

exercício profissional do ponto de vista pedagógico, educativo e cidadão. De acordo com

5 LOI D’ORIENTATION ET DE PROGRAMME POUR L’AVENIR DE L’ÉCOLE , disponível em

http://www.education.gouv.fr/bo/2005/18/MENX0400282L.htm 6 Para aceder à condição de professor o candidato deve submeter-se a um concurso público e, caso seja

aprovado, deve apresentar o certificat informatique et internet de niveau 2 « enseignant » (C2i2e) como condição para ser nomeado. 7 O C2i2e é organizado e emitido pelos estabelecimentos públicos de ensino superior autorizados a fazê-lo de

maneira autônoma ou em parceria com o ministério encarregado do ensino superior.

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a CIRCULAIRE N° 2004-46 de 2-3-2004, através da qual é lançado o certificado, as

competências requeridas aos docentes devem considerar as seguintes dimensões:

- questões ligadas às TIC em geral e à educação em particular;

- gestos pedagógicos ligados às TIC;

- pesquisa e utilização de recursos;

- trabalho em equipe e em rede;

- ambientes virtuais de trabalho;

- avaliação e validação das competências em TIC previstas nos referenciais

presentes nos programas de ensino.

Além disto, o documento afirma que o uso das TIC por parte dos professores deve,

ao mesmo tempo, abarcar a dimensão individual quanto aquela relativa à utilização com

os alunos. Neste sentido, o referencial que orienta a aplicação do Ci2e busca contemplar

dois grandes domínios. O das competências gerais ligadas ao exercício profissional: o

domínio do ambiente profissional, formação ao longo da carreira e vida e

responsabilidade profissional dentro do sistema de ensino. E o domínio das competências

necessárias à integração das TIC na prática pedagógica: o trabalho colaborativo em

rede, a concepção e preparação de conteúdos de ensino e de situações de

aprendizagem, avaliação e desenvolvimento do trabalho pedagógico presencial e

distância. Segundo Bertran, além de atestar as competências necessárias ao docente, o

Ci2e “visa a formação inicial que deve favorecer a aquisição destas competências

(saber-fazer) em uma perspectiva profissional”.8

Com relação às orientações oficiais em termos de formação do professor, o Cahier

des charges de la formation des maîtres (2007) elenca o domínio das tecnologias de

informação e comunicação dentre as competências profissionais que devem ser incluídas

na formação de todos os professores, da educação infantil ao ensino médio9. O

documento afirma que “ao sair de sua formação profissional, ele deve ter as

competências de uso e de domínio racional das tecnologias de informação e de

8 Le C2i2e de l’affichage des compétences à leur acquisition. Dispon

9 Um novo Cahier de charge implementando mudanças na formação de professores foi proposto pelo ministério, mas ainda está em processo de análise e votação.

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comunicação em sua prática profissional.” No texto do Cahier de charge cada domínio

de competência é explicitado a partir de três dimensões a serem partilhados pela

profissão docente: a dos conhecimentos, a das capacidades e a das atitudes. Com

relação à primeira dimensão, o professor deve conhecer o que está explicitado no

referencial do C2i2, assim como os direitos e deveres relacionados ao uso das NTIC. No

que diz respeito às capacidades, espera-se que ao fim da formação o futuro professor

seja capaz de: conceber, preparar e implementar um conteúdo educativo e situações de

aprendizagem; participar nos direitos à educação e deveres relacionados ao uso da

tecnologia da informação e comunicação; educar para os riscos do uso de redes sociais

na internet, utilizar as TIC e as ferramentas de formação aberta e à distância para

atualizar seus conhecimentos; trabalhar em rede usando as ferramentas de trabalho

colaborativo. Em relação às atitudes, destaca-se a importância de uma postura crítica

face às informações disponíveis; o uso responsável das ferramentas interativas que serão

exigidas aos alunos; atualização dos conhecimentos e habilidades na prática profissional.

A problemática da implantação da política de certificação e sua relação com a

profissionalização docente e a integração das TIC na educação têm se constituído objeto

de diferentes pesquisas, e, partir delas diferentes pontos de vista têm sido apresentados

com relação ao cenário da formação de professores.

Várias críticas e limitações foram apontadas por estes estudos. Billeri-Lefèvre

(2007), por exemplo, afirma que os domínio de competências relativas à implementação

pedagógica e às abordagens avaliativas não são facilmente observáveis nos dispositivos

de formação e que os domínios de competências não são postos em prática nos espaços

de estágio, apesar das orientações ministeriais. Aponta ainda que o processo de

avaliação das competências propostas no referencial é problemático do ponto de vista

da instrumentação, fato agravado pela ausência de clareza quanto à hierarquização das

competências e indicadores claros e precisos do que avaliar. No mesmo sentido,

Agostinelli & Roussey (2006), em estudo sobre a avaliação de competências no quadro do

C2i2, demonstram que um dos problemas da formação docente é a dificuldade em

traduzir os itens do referencial em conteúdos a serem tratados durante o processo

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formativo.10 Loisy (2007) por sua vez, analisando a formulação destas competências,

defende que o C2i2 não exprime claramente a relação entre os ambientes digitais e as

práticas a serem construídas pelo futuro professor, e, quando da explicitação nos

documentos oficiais das competências, não são feitas referências às atividades que

visam à construção de competências por parte dos alunos. Pelo contrário, o referencial

privilegia a validação sem abordar a questão da aprendizagem. Esta mesma crítica é

feita por Pascale (2011) que afirma que, no diz respeito à política de inserção das TIC na

educação e a formação de professores, existe uma tensão entre certificar e formar, e

que a ênfase das prescrições oficiais tem estado sobre a primeira. Para a autora, a

aquisição de competências didáticas e pedagógicas ligadas às tecnologias é um desafio

difícil a superar dada a tensão entre aqueles que podem oferecer a formação e as

representações que se criou na área.

No entanto, estas mesmas pesquisas apontam outros aspectos por meio dos quais

podemos perceber o C2i2 como um dispositivo que contribui para a profissionalização

dos professores. Billeri-Lefèvre (2007), a partir de resultados obtidos por meio de uma

enquete etnográfica, afirma que certo número de formadores reconhece que o

referencial (C2i2) é um meio de favorecer o desenvolvimento das práticas dos

professores, e que os itens do referencial os incitou a fazer uma reflexão mais

construtiva sobre a avaliação da concepção de sequência didática com os estagiários.

Loisy (2007), por sua vez, questiona as posições que defendem que as

competências definidas pelo referencial visam somente o desenvolvimento docente

apenas do ponto de vista técnico. Ela defende que em complexificando os saberes

exigidos aos professores, em insistindo no interesse geral sobre este novo campo, em

institucionalizando novas competências, a instauração do C2i2e participa da

profissionalização docente. Neste sentido, Bertran (op. cit ) acredita que a explicitação

no referencial dos objetivos de conhecimentos, atitudes e saberes indicam para os

docentes um domínio adequado do emprego das TIC para e no ensino.

10

Evaluation des competences dans le cadre du C2I2E Disponível em http://isdm.univ-

tln.fr/PDF/isdm25/Agosti-Roussey.pdf

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O que observamos, portanto, em relação à realidade francesa é que, apesar das

críticas e limitações apontadas pelos estudos, o lugar das TIC na educação francesa está

explicitamente descrito nos programas de ensino, assim como o papel da formação

inicial neste processo na medida em que há por parte do referencial de formação a

preocupação em prever a construção de competências com relação ao uso destas

tecnologias na prática profissional docente, assim como a consideração do domínio das

TIC como um dos elementos do recrutamento de professores.

BRASIL: quais diretrizes?

No que diz respeito à inserção das NTIC no espaço educacional brasileiro, o

programa de implantação da informática nas escolas públicas nos anos de 1980 –

EDUCOM foi o pioneiro em termos de política pública. Em 1997 o governo federal lança o

Proinfo, Programa Nacional de Informática na Educação, cuja implementação se daria

por meio da colaboração entre o MEC, governos estaduais e municipais. Dez anos mais

tarde, institui-se o Proinfo Integrado, programa que vem ampliar o processo iniciado no

período anterior.

Em 2005 inicia-se o UCA (Um computador por aluno), um novo programa que,

junto a outros já estabelecidos, visa integrar tecnologias nos processos de ensino-

aprendizagem. Conforme site oficial do programa, este tem por “objetivo ser um

projeto educacional utilizando tecnologia, inclusão digital e adensamento da cadeia

produtiva comercial no Brasil”11.

As políticas de formação docente no Brasil visando a utilização das NTIC na prática

pedagógica estiveram sempre atreladas aos programas específicos acima apresentados.

Os processos de formação vivenciados ao longo destes programas têm sido organizados

na modalidade de formação continuada e têm assumido uma feição de mera

“atualização” e treinamento. De cunho extremamente técnico e instrumental, não têm

11

http://www.uca.gov.br/institucional/

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sido criadas condições para que os professores se apropriem das ferramentas de modo a

redimensionar a própria prática.

Do ponto de vista da formação inicial do professor, o cenário não parece ser mais

alentador, pois a presença de disciplinas que contemplem a discussão sobre a inserção

das NTIC no ensino ainda não é garantida em boa parte dos cursos de licenciatura

oferecidos no Brasil. Gatti e Nunes (2009), em estudo sobre a formação de professores

para o ensino fundamental, apontam que dentre as instituições pesquisadas que

ofereciam o curso de Pedagogia, 26% não apresentaram em seus projetos de curso

disciplinas que contemplassem as discussões sobre educação e novas tecnologias. Dentre

aquelas em que havia a presença de disciplinas voltadas para este tema, elas

representavam 3,2% das disciplinas optativas e apenas 0,7% das obrigatórias. Sendo que,

na maioria das vezes, a carga horária total destinada ao trato das questões ligadas à TIC

e educação representa uma parcela ínfima do tempo total destinado à formação, cerca

de 0,6% de toda carga horária do curso. Além deste quadro, a autora chama a atenção

para o fato de que nas instituições pesquisadas da região Norte não foram encontradas

disciplinas que contemplassem a discussão sobre tecnologias e educação.12

Este quadro é reforçado pela forma como tem sido contemplada nos documentos

oficiais as orientações a respeito da inserção das NTIC na escola. A discussão acerca do

uso de novas tecnologias na educação aparece sempre de forma muito ampla sem tratar

especificamente o que significa esta inserção no ensino. No texto dos Parâmetros

Curriculares Nacionais, dentre os objetivos gerais do ensino fundamental, destaca-se que

os alunos devem ser capazes de “saber utilizar diferentes fontes de informação e

recursos tecnológicos para adquirir e construir conhecimentos” (BRASIL,, p.69). Este

objetivo presente no documento introdutório dos Parâmetros reaparece em todos os

outros documentos relativos às diferentes áreas de conhecimentos que deverão ser

12

A pesquisa contemplou a análise dos programas curriculares das licenciaturas em Pedagogia, Língua

portuguesa, Matemática e Ciências Biológicas. Com relação à Pedagogia, o conjunto amostral foi composto por 71 cursos de graduação presenciais, distribuídos em todo o país. Os cursos componentes deste estudo assim se distribuem: 42% da região Sudeste, 18% da região Sul, 17% do Nordeste, 14% do Centro-Oeste e 9% da região Norte [Tabela 8]. Essa composição segue a proporcionalidade da distribuição regional dos cursos de Pedagogia no Brasil.

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ensinadas durante o ensino fundamental, mas em nenhum dos textos que compõem o

conjunto dos Parâmetros Curriculares Nacionais há uma discussão aprofundada do que

efetivamente significa o uso de novas tecnologias na prática pedagógica. A referência à

incorporação das novas tecnologias ao processo de ensino-aprendizagem aparece sempre

dentro de um discurso tão amplo que nada esclarece em termos de qual seria o papel do

professor e quais competências este profissional deveria desenvolver de modo a usar

competentemente as novas tecnologias na prática pedagógica.

Com relação aos referenciais que orientam a formação de professores, observamos,

por exemplo, que as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em

Pedagogia, no seu Art. 5º, parágrafo IV, limitam-se a afirmar que o egresso do curso de

Pedagogia deverá estar apto a “relacionar as linguagens dos meios de comunicação à

educação, nos processos didático-pedagógicos, demonstrando domínio das tecnologias

de informação e comunicação adequadas ao desenvolvimento de aprendizagens

significativas” (BRASIL, 2008). Mas em nenhum outro momento do documento se faz

referência ao emprego destas tecnologias, esclarece-se ou estabelece-se que

competências seriam necessárias ao professor ao fazer uso das TIC em sua ação docente.

O mesmo ocorre com outros documentos que regulamentam os diversos cursos de

licenciatura no país.

Esta mesma vaguidão em relação ao tratamento dado à inserção das NTIC no ensino

pode ser observada na Matriz de referência que objetiva orientar Exame Nacional de

Ingresso na carreira docente. Preocupado com a “definição e a verificação de um

conjunto de conhecimentos considerados necessários para ingressar na docência”, o

Ministério da Educação, por meio das ações do INEP, instituiu o Exame Nacional de

Ingresso na carreira docente. Após um período de pesquisa e discussões, a Comissão

Assessora para Elaboração da Matriz de Referência elaborou um documento contendo a

proposta de matriz que foi disponibilizado no portal do INEP para que, por meio de

consulta pública, entidades interessadas no tema pudessem opinar e contribuir com a

elaboração da matriz. Conforme Portal do INEP, “a Comissão foi compota por 71

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especialistas com notório conhecimento nas áreas relacionadas à docência nas etapas e

modalidades às quais esta Prova de refere” 13.

A análise do documento destinado à consulta pública revela que no conjunto de

habilidades a serem demonstradas pelos candidatos a professor aquelas relativas ao uso

das TIC estão contempladas tanto no eixo geral, ou seja, aquele que diz respeito à ação

docente independente da área de conhecimento; quanto aos temas específicos ao ensino

dos objetos de saber. Como tema geral, a presença das TIC aparece fazendo parte do

eixo relativo às Estratégias, abordagens, atividades e recursos pedagógicos, sendo

requerido ao futuro professor que seja capaz de “Identificar formas adequadas de

utilização de recursos tecnológicos e audiovisuais, tais como o computador, a Internet e

os vídeos.” No entanto, no item relativo aos temas específicos às áreas de conhecimento

não se observa mudança no caráter assumido pelas TIC, pois elas continuam tendo

meramente a feição de ferramentas de ensino para os professores, além disso, estão

limitadas a algumas áreas. Apenas nos eixos relativos ao ensino da matemática, das

ciências naturais e da EJA é que são feitas referências à utilização das Tecnologias da

Informação e Comunicação. Com relação ao ensino da matemática, orienta-se que o

futuro professor deva “Conhecer formas de utilização das Tecnologias da Informação e

Comunicação para o ensino da matemática”. E com relação à EJA, que o candidato à

docência seja capaz de “Identificar formas adequadas de utilização de recursos

tecnológicos e audiovisuais, tais como o computador, a Internet e os vídeos para a

educação de jovens e adultos.” No caso do ensino das ciências naturais, as tecnologias

da informação, comunicação, assim como de transporte devem ser conhecidas,

objetivando-se verificar “seus impactos sobre o meio ambiente”. Curioso é perceber que

num momento em que as discussões sobre letramento digital se expandem, e diversas

pesquisas têm investigado o impacto das novas tecnologias nos processos de leitura e

escrita, não haja nenhuma menção às ferramentas digitais no eixo destinado às

competências requeridas para o ensino de língua portuguesa.

13

http://portal.inep.gov.br/construcao-da-proposta-de-matriz

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É preciso que se esclareça que no momento em que este trabalho está sendo

escrito, o documento disponibilizado pelo INEP é ainda “uma lista que não se pretende

exaustiva”, mas pretende

sinalizar assuntos que se mostraram relevantes para indicar o potencial de um candidato a professor. A idéia é que essa relação de temas sirva como um referencial para ser amplamente discutida por especialistas em formação de professores, pelos gestores das redes estaduais e municipais, por representantes dos professores, enfim, por toda a sociedade educacional, para se chegar a um

perfil de conhecimentos necessários ao ingressante da carreira do magistério. A partir daí, as equipes técnicas do INEP/MEC poderão trabalhar em torno desse material para produzir uma matriz de referência com todas as habilidades que, de fato, serão cobradas dos candidatos no Exame (BRASIL, 2010, p.06).

No entanto, é possível perceber, pelo que foi exposto, qual a lógica que parece

impulsionar a inserção das novas tecnologias na escola. Contrariamente ao que se tem

observado em outros países, dentre eles os apontados pelo documento elaborado pela

Comissão Assessora, o texto da matriz de referência que objetiva orientar a seleção de

professores entende a presença das NTIC na escola apenas como recurso tecnológico,

ferramenta de ensino; não há nada no texto que possa apontar para a compreensão da

presença das novas tecnologias de informação e comunicação no espaço escolar como

ferramenta de crescimento pessoal e profissional do professor, nem como respondendo a

objetivos de aprendizagem para os alunos.

Como bem coloca Leher e Magalhães, “as políticas educacionais vêm

reconfigurando o trabalho docente de forma a promover o seu esvaziamento,

restringindo os professores à escolha de materiais didáticos a serem utilizados nas aulas,

e ao controle do tempo de contato dos alunos com os referidos materiais, concebidos

como mercadorias cada vez mais prontas para serem consumidas.”14 Isto pode ser

claramente percebido por meio da lógica que se estabeleceu de fornecer acesso aos

professores à conteúdos e recursos multimídia e digitais oferecidos por diferentes

canais, tais como Portal do Professor, TV Escola e DVD Escola, Domínio Público e Banco

14

Leher, E.M.; Magalhães, L.K. Trabalho docente e TIC – alguns apontamentos. Disponível em

http://www.educacaoecomunicacao.org/leituras_na_escola/textos/oficinas/textos_completos/trabalho_docente_e

_tic.pdf

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Internacional de Objetos Educacionais (MEC, 2011), mas sem que se tenha uma política e

objetivos claros com relação à formação de professores visando o uso pedagógico de

novas tecnologias.

Considerações finais

Tendo por princípio que a escola só pode oferecer uma educação de qualidade se

puder contar, dentre outras coisas, com profissionais bem formados, preparados para

enfrentar os desafios colocados pela sociedade, a formação de professores tem ocupado

um papel fundamental nas propostas educativas elaboradas na França e no Québec. Isto

não significa dizer que nestes sistemas educacionais a formação de professores tenha

garantido que os professores façam uso sistemática ou regularmente das NTIC em sua

prática docente. Pelo contrário, diferentes estudos têm apontado dificuldades dos

professores integrarem as novas tecnologias em sala de aula. Até porque a formação,

embora seja condição fundamental, não é o único elemento a ser levado em conta,

diferentes aspectos micro e macroestruturais devem ser considerados ao se propor o uso

de NTIC na educação. Esta questão não pode ser enfrentada apenas no âmbito da

elaboração da política, a proposta de um referencial curricular não é suficiente, há que

se garantir efetivas ações públicas em nível de implementação e avaliação do que foi

proposto no plano político15.

Mas a elaboração de um referencial é de extrema importância e, acreditamos, um

primeiro passo que deve ser dado. Pois, sem diretrizes claras, corremos o risco de

“cairmos no vazio”, ou de termos ações bem sucedidas, mas isoladas e que pouco

contribuem para o sistema educacional como um todo. Se a proposição de referenciais

curriculares para a escola e para formação dos professores objetivando orientar a

15

Conforme Musselin (2005), a ação pública não se reduz pela política pública, mas, ao contrário a engloba, e que o exercício do poder público não se dá apenas a ver somente através das reformas, mas também nas ações, no fazer acontecer. ne se réduit pas aux secondes, mais, au contraire, les englobe et que l’exercice du pouvoir politique ne se donne pas à voir seulement à travers les réformes, mais aussi dans l’action « em train de se faire ».

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inserção das NTIC na escola não é condição suficiente para implementar mudanças na

educação, a ausência destes referenciais é, sem dúvida, um obstáculo para a integração

da tecnologia em práticas pedagógicas.

Com relação à realidade brasileira, a partir do que foi analisado aqui, não se pode

considerar que exista hoje uma política pública voltada para a inserção das NTIC na

educação. Que objetivos devem ser alcançados em termos de utilização de novas

tecnologias na escola? Que competências e saberes em relação ao uso destas

ferramentas devem ser construídos pelos alunos? São as NTIC entendidas como objetos

de ensino-aprendizagem ou apenas ferramentas de ensino? Qual o papel das NTIC no

cenário da educação brasileira? Não há um documento sequer que responda a estas

questões, pois elas parecem não ser o motor do projeto de implementação das novas

tecnologias na escola. Qual seria, então, este projeto? Parece-nos que mais uma vez

estamos diante de medidas pra “inglês ver”. Ou seja, um projeto de educação que não

vai além do desejo de cumprir metas estabelecidas por órgãos internacionais e de

atender a pressões do mercado de ferramentas computacionais e digitais.

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1 Profa. Dra. Carmi Ferraz SANTOS

Universidade Federal Rural de Pernambuco

Departamento de Educação

[email protected]