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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ÉVERTON NEVES DOS SANTOS
EXPERIÊNCIAS PESSOAIS E FORMATIVAS DE JOVENS UNIVERSITÁRIOS NO CURSO DE DIREITO:
VADEMECUM, VEM COMIGO
CUIABÁ-MT
2015
ÉVERTON NEVES DOS SANTOS
EXPERIÊNCIAS PESSOAIS E FORMATIVAS DE JOVENS UNIVERSITÁRIOS NO CURSO DE DIREITO: VADEMECUM, VEM
COMIGO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso como parte dos requisitos para obtenção do Título de Mestre em Educação na Área de Concentração Educação, Linha de Pesquisa Organização Escolar, Formação e Práticas Pedagógicas.
Orientadora: Profa. Dra. Filomena Maria de Arruda Monteiro
Cuiabá 2015
Dados Internacionais de Catalogação na Fonte.
N518e Neves dos Santos, Éverton, Éverton Neves dos Santos.
Experências Pessoais e Formativas de Jovens Universitários no Curso de Direito : Vademecum, vem comigo / Éverton Neves dos Santos Neves dos Santos, Éverton. -- 2015
187 f. : il. color. ; 30 cm.
Orientadora: Filomena Maria de Arruda Monteiro.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Cuiabá, 2015.
Inclui bibliografia.
1. Educação Jurídica. 2. Experiências Pessoais e
Formativas. 3. Jovens. 4. Pesquisa Narrativa. I. Título.
Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos
pelo(a) autor(a).
Permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte.
AGRADECIMENTOS
Manoel cochichou para mim que o “Tempo só anda de ida”, assim o hiato
entre o vivido e o narrativizado, as memórias e as experiências testificam
que agradecer deixa marcas, faz bem para quem faz o agradecimento,
para quem recebe e quem de algum modo ouve e sente e vê e transvê,
tudo soma, pois é sentimento vital para o vindouro, isto é “[...] aquilo que
vem depois. Mas o que vem depois? Estamos realmente certos de que vai
acontecer algo que mereça ser contado e que um dia alguém contará?”
(BOBBIO, 1997, p.38). Sim!
Elevo minha voz para glorificar a DEUS pelo bom ânimo e resiliência nesta
caminhada! Obrigado Senhor, vós sois a única Excelência, aquele que
concede a vida e tudo que nela há! Oh, Senhor Jesus que todo
conhecimento e sabedoria se convertam em boas-novas para “que tudo
narreis à geração seguinte”.
Agradeço aos participantes da pesquisa, amigos, colegas, educadores e
todos que partilharam momentos, vidas, saberes, histórias e lutas, meu
muito obrigado, pois "[...]aquilo que cada um se torna é atravessado pela
presença de todos aqueles que se recorda." (DOMINICÉ, 1988).
“Algo acontece em meu coração”, quando penso nos meus presentes de
Deus, ALEXANDRE LUCCA (4 anos) e DAVI LUIZ CAMPOS NEVES DE
MORAIS (15 dias!), meus filhos, vocês colorem meus dias. Digo no Tom do
amor: “Os olhos já não podem ver/Coisas que só o coração pode
entender/Fundamental é mesmo o amor”!
À minha mamãe CORACI (in memorian), saudade dói e corrói: Impossível,
um tempo/espaço, aniquilar a alegria, o cheiro, a voz, o sentir, a força, o
carinho, a correção, o exemplo, a verdade. Suas experiências de vida, suas
lutas, até os últimos olhares e ensinamentos, resumem-se em (CORA)GEM! SOU
testemunha ocular dessa história, da nossa História! SOU saudade, SOU
(CORA)GEM! Aliás roseando: "que a vida quer da gente e coragem"!
Ao meu “paraíso-astral”, SILVIA, minha esposa, pelo nosso amor, pelo
carinho e respeito, pelo alicerce que de mãos-dadas eterniza momentos
singulares. Sussurrando Gil: “[...] É a sua vida que eu quero bordar na
minha/ Como se eu fosse o pano e você fosse a linha/ E a agulha do real
nas mãos da fantasia/ Fosse bordando ponto a ponto nosso dia-a-dia
[...]”.Obrigado por acreditar no abandonar o velho-profissional e sonhar
com a Academia e assim fazer o que eu gosto!
Ao meu pai ADELMO e meu irmão UALLISSON. Obrigado pelos bons
exemplos, dignidade, carinho e amor, oportunizando meu crescimento!
Forte abraço pessoas do bem que tanto torcem por mim!
Muito obrigado, tios, primos, avós, sogros e cunhados! Minha vovó
CONCEIÇÃO (in memorian), obrigado pelo carinho gostoso, pelo “capitão”
de sabor indescritível!
À minha orientadora, Professora Doutora FILOMENA, pela oportunidade
concedida em vivenciar e experienciar um tempo-espaço novo. Obrigado
pelo respeito, amabilidade e ensinamentos. Dias atrás, nos corredores da
UFMT, eu disse: -Sabe a professora que a gente olha e diz, nossa, quero
ser assim? Me perguntaram: -Mas, por quê?:
Eu, respondi:- Pela inspiração que provoca, pelo aprendizado que
oportuniza, pela liberdade e respeito ao próximo, a generosidade, a
amabilidade, o sorriso fraternal (risada ímpar que ficará em minha
memória para todo o sempre!) e cristalino profissionalismo! Aff, com uma
humildade enorme, você não acredita... ela descomplica o complicado!
Aos meus eternos alunos da Educação Básica, Superior e da Pós-
Graduação, um pouco de vocês sempre ficará em mim. Obrigado pelo
compartilhar, dividir e multiplicar experiências, saberes e possibilidades.
Fico tão feliz quando vejo algum eterno-aluno como um cidadão
respeitador, construindo uma família, iniciando e/ou finalizando um curso
superior, entrando no mercado de trabalho, passando em um concurso
público, sendo feliz. Quão feliz, me realizo a cada boa notícia!
À Seduc/MT, por todo apoio prestado. À UFMT, UNEMAT e todos os
servidores, em especial à Secretaria no PPGE- Luisa, uma flor com muito
amor!
À RAMBO, pelo carinho e apreço, por acreditar em mim e ajudar por
meio do OBEDUC/UNEMAT-UNESP-UFMT e CAPES!
À CLEIA, pela amizade e pelo encorajamento na labuta da/pela docência,
por lutar por dias melhores, sempre deixando “[...] sua marca no meu dia
a dia”. O Encantamento é latente: nossas conversas, nossos devaneios,
nosso cuidado! Parabéns, pelas conquistas e por se permitir ...
À EUNICE, ADELMO e ALMIR que desde a primeira graduação me
acompanham de perto-longe, mas sempre com um carinho e respeito pela
nossa história de vida.
À minha amiga “SONINHA Narrativas” (mais do que vencedora!) pelo
zelo, carinho e presteza. Oremos juntos por nossos sonhos e
bênçãos...recebe aí!?
À MICHELLE, pelo apoio e valiosas conversas e correções! Admiração por
ti é o que tenho de montão, desde o “ônibus do Dezeli”!
Ao EVERTON CARDOSO, AUREA, CLEO, amigos do mestrado,
companheiros dos sabores/dissabores dos prazos e horários.
Aos pacientes, aos amigos, aos guerreiros de todas as partes do Brasil que
lutam pela vida, deixando suas terras e seus familiares em busca do
Direito de Viver, de um tratamento digno! As narrativas desses amigos,
pacientes de câncer, cristalizaram em “meus-eus” impactando meu viver
de modo irrefutável, sentimentos dos mais variadores, pelas/nas vivências
no Hospital do Amor, em Barretos. Ali, o servir é uma constante!
Saudades, oro para que Jeová-Jirê restaure e transpasse em todos os
momentos! Meu muito obrigado ao HENRIQUE PRATA e família, paz e
saúde para continuar fazendo a diferença para os brasileiros!
Ao meu pastor ANTÔNIO, pelo carinho, amor, ensinamentos pela palavra
de Deus e esperança pelas promessas que irão se cumprir!
Aos “moreninhos”, “bugrinhos”, afrodescendentes, negros, índios, enfim
todos os irmãos rotulados como oprimidos, que lutam por Educação,
espaços, oportunidades e efetivação dos Direitos Humanos: lutemos
conscientemente por um mundo justo e HU-MA-NI-ZA-DO! Aliás, não
são todos (nós) seres humanos!?!
Às professoras INÊS, OZERINA e CLÁUDIA muito obrigado pelas valorosas
contribuições, troca de saberes e conhecimentos. Externo minha gratidão e
apreço. Muito Obrigado!
À professora SIMONE pelo carinho e apreço desde a Licenciatura em
Matemática, passando pela seletiva do mestrado em Rondonópolis e
encontros na/pela vida, muito obrigado!
A você caro leitor que embarca nesta viagem que conta e reconta histórias
de gente que faz, experiencia e experimenta na Educação, isto é, na Vida
nossa de cada dia, meu abraço e desejo das melhores coisas.
"Contar histórias é dar um
presente de amor." (Lewis
Carrol, autor de Alice no país
das Maravilhas)
“Se você contar trinta mil
histórias/ o coração não
consegue sentir, é grande
demais./Uma história pode
contar/ todas as
histórias,/mas todas as
histórias não podem/ contar
uma história.”(Nathan
Englander)
Há três coisas importantes em relação às histórias: se
contadas, elas gostam de ser ouvidas; se ouvidas, elas
gostam de ser acolhidas; e, se acolhidas, elas gostam de ser
contadas (Ciaran Carson)
RESUMO
A presente pesquisa foi desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, linha de pesquisa Organização Escolar, Formação e Práticas Pedagógicas, e investigou como os jovens universitários do Curso de Direito, na cidade de Diamantino-MT, narram suas Experiências pessoais e formativas e como estas são significadas a partir da entrada no curso. A perspectiva teórico-metodológica aproxima-se da pesquisa narrativa, conforme Clandinin e Connelly (2011), Mello (2005) e outros. Os significados foram compostos a partir de um conjunto de narrativas, produzidas pelos participantes e pelo pesquisador (notas de campo e textos de campo). Da literatura tomamos como base os estudos sobre as Experiências em Larrosa Larrosa (2002, 2004), Dewey (1994, 2008); já sobre jovens: Spósito (1997, 2005), Corrochano (2013), Dayrell (2000), Abramavoy e Esteves (2007), Abramo (1997) e outros. Em relação à Educação Jurídica: Wolkmer (1997), Warat (2000,2001), Lyra Filho (1986), Souza Júnior (1984, 1987, 2008), Streck (2004). Além de Freire (1987, 2011, 2005) e Gadamer (1997, 2002). A pesquisa abrangeu seis jovens ingressantes no Curso de Direito da Universidade do Estado de Mato Grosso-UNEMAT- Campus de Diamantino. Ao reconstruir as experiências vividas, foram compostos os seguintes eixos temáticos: 1- “Vidas, Tempos e Escola: Percurso Escolar dos jovens”, no qual demonstra Experiências no/do percurso escolar, isto é as percepções dos tempos de escola; 2- “Por que Direito?: Tempos, contextos de uma escolha”, aqui subdividido em duas perspectivas: “A Família: sentidos e significados, razões de uma escolha”; “Eu vou fazer direito”: entre inspirações, status e afetos, isto é quais fatores externos de algum modo motivaram a escolha pelo Curso de Bacharelado em Direito; 3- “Jovens no Curso de Direito: Vademecum, vem comigo”, trata das Experiências que os jovens ingressos estão vivenciando no curso superior, desde a questão da identidade do “ser jovem” às reflexões da Educação Jurídica ofertada. Os resultados revelaram a complexidade da vida, do nosso tempo e das escolhas, os dilemas e as dificuldades enfrentadas no cotidiano pelos participantes. Igualmente revelam que as experiências e memórias dos jovens não seguem uma trajetória linear. As narrativas demonstram que as dificuldades da vida, o apoio, sentidos e significados da família, o status social, as inspirações, desejos, possibilidades e afetos construídos a partir e além da escola permearam as narrativas, de modo que a continuidade na formação do ser jovem e universitário perpassam as histórias contadas de um ontem, do presente e projetadas no vindouro. Palavras-chave: Educação Jurídica. Experiências Pessoais e Formativas. Jovens. Pesquisa Narrativa.
ABSTRACT
This research was conducted at the Graduate Program in Education at the Federal University of Mato Grosso, Research School Organisation line, Training and Pedagogical Practices, and investigated the problem of how university students of the Law School in the city of Diamantino, MT , narrate their personal experiences and training and how these are meant from entering the course. The theoretical-methodological perspective approaches the narrative research as Clandinin and Connelly (2011), Mello (2005) and others. The meanings are composed from a set of accounts, produced by the investigator and the participant (field cards and field texts). Literature take as a basis the studies on the experiences in Larrosa Larrosa (2002, 2004), Dewey (1994, 2008); already on young: Spósito (1997, 2005), Corrochano (2013), Dayrell (2000), and Abramavoy Esteves (2007), Abramo (1997) and others. Regarding the Legal Education: Wolkmer (1997), Warat (2000.2001), Lyra Filho (1986), Souza Júnior (1984, 1987, 2008), Streck (2004). In Freire (1987, 2011, 2005) and Gadamer (1997, 2002). The research covered six (6) entering young at Law Course at the State University of Mato Grosso-UNEMAT- campus Diamantino-Mt. By reconstructing the experiences were the following themes compounds: 1- Experiences in / of schooling, which will bring the perceptions of school days; 2- The contexts of choice at Law Course, which subdivided the role of family, sense and meaning; "I'm going to do right": between inspirations, Status and Affections, ie external factors which somehow motivated the choice of the course of Bachelor of Law; 3- Young at Law Course : Vademecum , come with me " , deals with the experiences that young people are experiencing tickets in the upper reaches , from the question of the identity of " being young " in reflection of the Legal Education offered . The results revealed the complexity of life , of our time and choices , dilemmas and difficulties faced in daily life by the participants. Also show that the experiences and memories of young people do not follow a linear path . The stories demonstrate that the difficulties of life, support , senses and family meanings , social status , inspirations , desires, possibilities and affections constructed from and beyond the school permeated the narrative , so that the continuity of the formation of the young college permeate the stories of yesterday , present and projected into the future. Keywords: Legal education. Experiences Personal and Formative. Young. Narrative research.
LISTA DE TABELA E FIGURAS
Quadro 1-Dados principais dos participantes.................................................... 39
Quadro 2-Qualificação Corpo Docente.............................................................. 46
Figura 1 – Abertura do caderno do primário ................................................21
Figura 2 – : Atividades das séries iniciais ....................................................22
Figura 3 – Jovens universitários no prédio do Curso .......................................43
Figura 4 - Paisagens do Curso de Direito, no campus de Diamantino-MT .......48
Figura 5 - Recorte 1- diálogo no grupo de WhatsApp......................................120
Figura 6 - Recorte 2- diálogo no grupo de WhatsApp......................................121
Figura 7 - Recorte 3- diálogo no grupo de WhatsApp......................................122
Figura 8 - Recorte 4- diálogo no grupo de WhatsApp......................................128
Figura 9 - Recorte 5- diálogo no grupo de WhatsApp......................................132
Figura 10 - Recorte 6- diálogo no grupo de WhatsApp...................................135
Figura 11 - Recorte 7- diálogo no grupo de WhatsApp....................................135
Figura 12 - Recorte 8- diálogo no grupo de WhatsApp....................................140
Figura 13 - Recorte 9- diálogo no grupo de WhatsApp....................................142
Figura 14 - Recorte 10- diálogo no grupo de WhatsApp..................................148
Figura 15 – Rio na região de Diamantino........................................................168
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANPEd Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Conpedi Congresso de Pesquisa de Pós-Graduação em Direito ENADE- Exame Nacional de Desempenho Estudantil ENDIPE Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino FE Faculdade de Educação GT Grupo de trabalho IE Instituto de Educação IES Instituições de Ensino Superior IFGO Instituto Federal de Góias MEC Ministério da Educação e Cultura MT Estado de Mato Grosso OAB Ordem dos Advogados do Brasil OBEDUC Observatório de Educação PN Pesquisa Narrativa PDE Plano de Desenvolvimento da Educação PIBIC Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica PPC Projeto Político do Curso PPP- Projeto Político Pedagógico SEDUC Secretaria de Estado de Educação SINAES- Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro UEPG Universidade Estadual de Ponta Grossa UFMT Universidade Federal de Mato Grosso
UFPR Universidade Federal do Paraná UFU Universidade Federal de Uberlândia UNB Universidade de Brasília UNEMAT Universidade do Estado de Mato Grosso UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciências e a Cultura UNESP Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
SUMÁRIO APRESENTAÇÃO.. ......................................................................................... 15
1 HISTÓRIAS DO MEU PROCESSO IDENTITÁRIO E A PESQUISA.............18 1.1 VIDA, CAMINHOS E QUERERES: PREPARO O MEU CORAÇÃO, “PRAS COISAS QUE EU VOU CONTAR”.....................................................................18 1.2 RESSIGNIFICANDO O TEMA: DA CURIOSIDADE À NECESSIDADE DE INVESTIGAR.....................................................................................................27
2 AS PAISAGENS TEÓRICO-METODOLÓGICAS: PELOS RELEVOS..........................................................................................................38 2.1 MINHA PESQUISA: CONTEXTOS, PARTICIPANTES, CAMINHOS PERCORRIDOS E OS TEXTOS DE CAMPO..............................................................................................................38 2.1.1 “Nós Somos Jovens”: quem são os participantes?............................39 2.1.2 Local da pesquisa: a História Institucionalizada do Curso de Direito na UNEMAT de Diamantino.............................................................................43 2.1.3-Caminhos Percorridos na/da Pesquisa............................. ..................48 2.2 AS-EXPERIÊNCIAS: UM PANORAMA, TEÓRICO.....................................52 2.3 JUVENTUDE: IDENTIDADES, OLHARES E DIÁLOGOS COM OS DEBATES CONTEMPORÂNEOS.....................................................................64 2.4 UNIVERSIDADE E A EDUCAÇÃO JURÍDICA: DO MONOCROMÁTICO À UMA PAISAGEM VIVA DOS NOVOS TEMPOS............................................................................................................68 2.5 PESQUISA NARRATIVA: TELA DESSA PINTURA....................................77 2.5.1 Paisagens da/na floresta: variedade de lentes e despertabilidade...85 2..5.2 A Hermêutica Filosófica de Gadamer: contribuições para a Pesquisa Narrativa............................................................................................................89 3 VIDAS, TEMPOS E ESCOLA: PERCURSO ESCOLAR DOS JOVENS.......94 3.1AS NARRATIVAS DOS PERCURSOS ESCOLARES DOS JOVENS PARTICIPANTES...............................................................................................95
4 “POR QUE DIREITO?”: TEMPOS, CONTEXTOS DE UMA ESCOLHA....107 4.1 A FAMÍLIA, SOCIEDADE E STATUS, RAZÕES DE UMA ESCOLHA......107 4.2”EU VOU FAZER DIREITO”: ENTRE INSPIRAÇÕES, STATUS E AFETOS...........................................................................................................116 5.JOVENS NO CURSO DE DIREITO: VADEMECUM, VEM COMIGO(?!)....125 5.1- UNIVERSIDADE E A IDENTIDADE DO JOVEM: TEMPO E LUGAR......127 5.2- SER JOVEM E UNIVERSITÁRIO: SENTIDOS PARA AS EXPERIÊNCIAS DO HOJE.........................................................................................................133 5.3 EDUCAÇÃO JURÍDICA: POR UM DIÁLOGO VIVO, LIBERTADOR........143 6 “SÍNTESE DAS EXPERIÊNCIAS VIVIDAS”: COMPONDO SENTIDOS A PARTIR E ALÉM DA PESQUISA, OS ESTUDANTES E EU.........................152 CONSIDERAÇÕES (NÃO) FINAIS: E A VIDA SEGUE PARA UMA MANHÃ DESEJADA......................................................................................................160 REFERÊNCIAS ....................................................................................... .......169 APÊNDICE A – ....................................................................................... .......183 APÊNDICE B – ....................................................................................... .......185 APÊNDICE C – ....................................................................................... .......186
15
APRESENTAÇÃO
“E dali sentadinho na
margem, O menino olhava a água, Do rio indo, indo e indo.
E ficava horas a fio A mirar o horizonte
Lá onde o sol sumia; E sem que houvesse
perguntas O menino se indagava
(sem saber que se indagava):
O que há além do rio? Será o rio infinito?”
(PINTO, Menino do rio doce)
Vamos viajar por estas linhas? Estas refletem fragmentos de várias
vidas: a do pesquisador, dos participantes da pesquisa, das instituições
envolvidas e indiretamente de muitos seres vitais para a constituição das
nossas narrativas.
Pouco sabemos sobre os jovens que concluem o Ensino Médio e são
aprovados no vestibular, estes que sonham e adentram o afamado Curso
Superior, em nosso tempo-lugar, do interior do interior do Brasil,
especificamente interior de Mato Grosso: Diamantino.
Olhando para o horizonte, assim como o “Menino do rio doce”,
vamos descobrir o que há além do rio?
Entre paragens, afetos, sentimentos e emoções, entrelaçando as
experiências pessoais e formativas, o convite é lançado!
Tentei organizar a pesquisa de modo que visualizem o caminhar
percorrido por este caminhante, os percursos construídos pelo que foi
vivenciado, da fundamentação teórica, das narrativas, das experiências
e composição de significados.
Amigo leitor, vamos iniciar pelo primeiro capítulo, já que ali tento
historicizar minha vida pessoal e profissional, bem como enredar a
história da pesquisa.
As linhas ali escritas tentam revelar, dentre as possibilidades
existentes, como foi a trajetória do pesquisador, muito parecida com a dos
jovens participantes, bem como o itinerário profissional docente e razões da
escolha do tema de investigação. Parto da minha vida, caminhos e quereres,
depois os motivos que me levaram ao tema da pesquisa, à curiosidade
16
epistemológica.
No segundo capítulo, o enredo está no entremeio das paisagens
teórico-metodológicas, desde os contextos, participantes, local, instrumentos e
textos de campo da pesquisa às teorias sobre Experiência, Jovens e
Juventude. Após, viajamos pela História Institucional do Curso de Direito, na
Universidade Estadual de Mato Grosso – UNEMAT, campus Diamantino-MT e
apontamos o cenário da Educação Jurídica, sinalizando pinceladas críticas.
Já no terceiro capítulo, com jovens universitários participantes da
pesquisa darei vez e voz para conhecer quem são. Como é a vida, os tempos e
suas experiências no percurso escolar? Aqui vamos compreender como os
participantes narram e (re)significam suas vidas.
Por que Direito? Com esta pergunta, no quarto capítulo, tento suscitar
a curiosidade do leitor para compormos sentidos sobre os contextos dessa
escolha. A razão de escolher o Curso de Direito. A força das narrativas fez com
que seccionasse os eixos de análise, primeira para, em movimentos
experienciados, propor ressignificações dos/nos sentidos e significados do
papel da Família na escolha pelo curso. Após, trato de discorrer sobre as
inspirações, o status almejado e afetos que nas narrativas emergem na
constituição identitária do ser jovem e universitário e a escolha pelo curso de
Bacharelado em Direito.
No quinto capítulo, os jovens narram suas experiências na academia,
no Curso de Direito, a Universidade como tempo-espaço social para
constituição da identidade. Passamos também pelos sentidos compostos pelas
experiências cotidianas dos universitários e especialmente pelas experiências
que os alunos tiveram com a “Educação Jurídica” ofertada.
No sexto capítulo, como Síntese da Experiência Vivida, propus a volta
ao campo, levando a narrativização feita por mim, a partir das narrativas dos
participantes, momento de grande experienciação, já que se ver nas linhas
escritas aumentou, de certo modo, a autoestima dos jovens universitários, bem
como oportunizaram ressignificações da vida, dos caminhos e lutas
enfrentadas.
Caro leitor, vem comigo! O convite é para que viagem, vasculhem,
garimpem, experimentando/experienciando pela/na descoberta de novas
paisagens como forma de celebrar o viver. Pois, minha vontade utópica era
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traduzir o que aprendi, vivenciei, experimentei e experienciei, por meio das
minhas linhas/palavras aqui escritas, metricamente pelo/no texto. Mas como
transpor os cheiros, os sabores, as emoções, os sentimentos, os
conhecimentos, tudo que vivi para o papel?
Bem, deixo que componham outros sentidos diante deste trabalho
artesanal realizado pelas memórias e experiências deste pesquisador e de
nossos jovens participantes, a partir e além da Academia. Vivam!
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1 HISTÓRIAS DO MEU PROCESSO IDENTITÁRIO E A PESQUISA
1.1 VIDA, CAMINHOS E QUERERES: PREPARO O MEU CORAÇÃO, “PRAS
COISAS QUE EU VOU CONTAR”
Prepare o seu coração pras coisas que eu vou contar[...]
[...]E nos sonhos que fui sonhando, as visões se clareando
As visões se clareando[...] (Disparada, Geraldo Vandré / Theo de
Barros)
Preparo o meu coração, parafraseando a música de Geraldo
Vandré e Theo de Barros, para compor estas linhas iniciais, pois no
entrecruzar dos nossos vários “eus”, a história de nossa vida reflete
nossa inconclusão, nossas realidades, nossas verdades, em que os
horizontes lampejam o querer do amanhã, mas principalmente os riscos
do bordado de nossos itinerários percorridos até o hoje, já que “Sou um
outro que resulta de tudo que me acompanha”. (LARROSA, 1998,
p.115).
Ao falar da composição da nossa vida, iniciar pelas origens é
essencial, assim quem é o pesquisador que escreve?
Bem, procuro nestas linhas uma escrita de minha vida, mas, em
verdade, este escrever não é só uma procura, é uma experienciação,
uma reflexão, um novo viver, um enriquecimento, uma complementação,
sob uma variedade de lentes de quem a viveu. Mas, escrever sobre si
não é fácil, o que nos dizeres claricianos é “duro como quebrar rochas.”
Na diversidade nasci, sou neto de baianos, mineiro e indígena,
pois minha avó paterna é da etnia bororo (“orarimugodoge”), os quais
viveram na região do vilarejo Lajeado, antes da emancipação da cidade
de Guiratinga-MT, em busca de diamantes e cuidando de sítios. Era um
trabalho árduo em condições de precariedade, mas o amor uniu esta
família e a fez vencer todas as adversidades.
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A vida era simples, o trabalho era árduo, mas na vida de meus
pais o amor pelos dois filhos sempre foi a base de uma educação
voltada para a valorização do ser humano. Ali em Guiratinga, naquela
vida simples do interior vivi com minha família até os 12 anos.
As emoções ficavam por conta das brincadeiras e da vida em
família. Meu pai, trabalhava como sapateiro, tinha pouco estudo, porém
a sabedoria daqueles que vivenciam o aprendizado da “escola da vida”
e, com os problemas e dificuldades acabam aprendendo todas as lições.
Minha mãe era pedagoga, dava aula para as séries iniciais, bem como
trabalhava num outro serviço, sendo secretária de Escola Pública, sua
garra, força e trabalho foram meus baluartes para estudar e trabalhar
com dignidade, repassando hoje tais valores para meus filhos.
Eu tinha, como todo menino do interior, criatividade latente e
extrema facilidade para criar objetos para brincar. Na rua, eu inventava
as brincadeiras e objetos similares aos que via na televisão ou com
alguns vizinhos, era um mundo construído com meu irmão e meus
amigos. Relembrando minha infância compreendo que eu era muito feliz,
talvez os bens materiais fizessem falta, especialmente os livros e os
brinquedos, porém, não me impediram de uma vida plena de felicidade e
amor.
Quando eu tinha aproximadamente dez anos de idade, lembro
que minha mãe ministrava aulas particulares para crianças em
Guiratinga-MT, em nossa casa, usando a cozinha e uma despensa como
“salas de aula”, tendo sempre uma média de seis crianças. Ao
presenciar minha mãe ministrando essas aulas, nasceu o meu
encantamento pela docência, sendo que eu me sentia muito feliz quando
ela passava a lição e me permitia auxiliá-la no ensino das operações
básicas de matemática. Era um sentimento complexo de alegria, medo,
realização e força, que hoje sei, existe na vida de todo o docente. Eu me
sentia especial e ficava muito feliz ao “ensinar e aprender” com os
meninos da minha idade.
Estudei na Escola Estadual Santa Terezinha e Colégio Luiz
Orione, escolas públicas vinculadas aos irmãos salesianos (Igreja
Católica). E, por isso, ficou marcado em minha vida o ambiente escolar
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de cunho religioso, freiras salesianas (irmãs) e padres, sua forma de
ensinar e de construir conhecimentos, destaco ainda, a figura do Padre
Santo Cornélio Faresin, padre, diretor escolar e articulador político em
Guiratinga-MT. Lá cantávamos: “Padre Cornélio bicho feio e barrigudo e
por ele ser careca não gosta de cabeludos [...]”. Esta música era
conhecida por toda a cidade, foi meu tio João Bosco que escreveu a
letra e melodia, muitos anos atrás.
Ah, “meus pensamentos tomam forma e eu viajo”, neste instante,
rememorando o passado que está eternizado. Lembro que neste colégio
“dos padres”, ganhei de meu pai uma bicicleta, descia uma ladeira
imensa. A liberdade para minha idade era tão grande. Um dia peguei a
bicicleta e fui atrás dos “caretas”1, quando os tambores começavam a
tocar nós, todas as crianças do bairro ficavam apreensivos, dizíamos:-
Olha, são os caretas!
-Vamos atrás, ver os caretas?
Nenhum de nós ficava em casa, a curiosidade era maior. Ao
longo do ano ficávamos esperando este som. Mas, naquele dia... Nossa!
Não avisei minha mãe, cheguei, e de joelhos apanhei muito!
Nas escolas salesianas, antes de iniciar a aula, todos se reuniam
no pátio escolar para rezar e cantar, sendo que os cânticos entoados
ainda fazem parte de minha vida: “Santo aluno de Dom Bosco”;
“Auxiliadora, rogai por nós”; “(..) mil vezes a morte, mas nunca pecar”.
Dentre tantas outras músicas religiosas.
A escola tinha uma política rígida e, exigia uma postura séria e
silenciosa de todos os alunos, era uma escola em que os professores
eram temidos e respeitados, pois nenhuma criança gostava de sofrer o
castigo de ajoelhar-se atrás da estátua do Santo Dom Bosco, quando
por motivos de desobediência ao professor. Sempre gostei de estudar,
tirava boas notas e era muito curioso.
1 Caretas em verdade se chama Bloco dos Caretas, sendo uma representação cultural que
congrega toda a comunidade local. Pessoas comuns saem à rua no carnaval com um roupão de chita, com máscara ou sem, munidos de talco, ao som de tambores. A idéia é assustar as pessoas com a liberdade de não ser conhecido, uma brincadeira saudável. Os caretas fazem parte da vida de todas as crianças, da criação da máscara, das histórias da cidade, passando pela escola, convertendo em forte expressão cultural e turística.
21
Figura 1- Abertura do caderno do primário
Fonte: Do baú da mamãe, foto produzida por mim,2014
A vida corria livre e feliz em Guiratinga, eu morava em um bairro
no qual as pessoas se tratavam de forma amistosa, como se fossem
uma grande família. Muitas crianças da minha idade brincavam juntas e
jogávamos voleibol (me destacava neste esporte) e fizemos uma quadra
de areia para praticá-lo, além de muitas outras brincadeiras, sempre
unidos pelo sentimento de família. Mais tarde, com muita alegria, fiz
parte da seleção estudantil de voleibol de Rondonópolis.
Assim como o Pantanal manoelino2 o meu é assim sintetizado,
com se isso fosse possível:
A casa da vovó, o capitão, o fusquinha, o Lajeado,
A Moreninha, os caretas, o voleibol, a pipa e o avião de isopor,
o pé de goiaba, a casa rachada, o cheiro de chuva, o vento
que destelhou e o banho de enxurrada que tomou!
A bicicleta que quebrou, a montanha da Taboca, o Pau Rolou.
2“Pantanal é o lugar da minha infância. Recebi as primeiras percepções do mundo no
Pantanal. Meu olhar viu primeiro as coisas do Pantanal. Minhas ouças ouviram primeiro os ruídos do mato. Meu olfato sentiu primeiro as emanações do campo. E assim com os outros sentidos”. (BARROS, 2006a, p. 31).
22
A meia-água, a janela do meu quarto e os desenhos das
nuvens no céu que cresciam.
Aula particular, na cozinha a ensinar, meninos da minha idade
Amigos de longa data medicando, advogando, assessorando.
A TV que inventa,as bolitas que jogava, as fazendas que
inventada, o pé de batata e a namoradinha que gostava.
A criança que inventava: feliz, boas notas tirava!
( O Autor, 10 de julho de 2015)
Figura 2: Atividades das séries iniciais
Fonte: Arquivo do pesquisador, abril de 1994.
Depois de doze anos vivendo em Guiratinga, mudamos para
Rondonópolis-MT, para nós uma cidade grande e perigosa. Este foi um
período difícil de adaptação, pois ainda pequenos eu e meu irmão não
entendíamos porque deveríamos deixar nossos amigos e partir para uma
cidade em que nossa liberdade de brincar era tolhida pela violência.
Em Rondonópolis estudei na Escola Estadual Emanuel Pinheiro,
no ano de 1996, mesma instituição onde, anos mais tarde, laborei como
educador. Depois daquele ano, fui transferido para a Escola Estadual
Ramiro Bernardes da Silva, em que minha mãe trabalhava e ficava no
bairro onde morávamos, o que deixava minha mãe mais segura.
23
Um ano mais tarde, após muita luta, minha mãe conseguiu uma
vaga na famosa Escola La Salle, instituição em que permaneci até o
término de meus estudos do ensino fundamental ao ensino médio.
Na nova escola ocorreram muitos fatos, desde a alegria de boas
amizades e a construção de conhecimento com excelentes professores,
como dificuldade em algumas matérias, sendo que tinha sérias
dificuldades de entender o processo mecânico da Matemática que era
ministrada no ensino médio. Precisei, então, de muito esforço e estudo
para alcançar bons resultados, e me alegro até hoje com essa
conquista. Sempre indagava onde aplicar isso na minha vida, não
haveria uma lógica do conhecimento matemático que ultrapassasse as
sequências ensinadas?
Não havia valorização do processo, mas sim a técnica para o
resultado, com o fim em si mesmo, acreditando-se na apropriação do
conhecimento, fatos que dificultavam a minha aprendizagem, porque
sempre acreditei que todas as disciplinas deveriam levar à construção
de conhecimento em um processo de ensino/aprendizagem e não
somente de ensino.
Nesta seara, lembro-me que na segunda série do ensino médio,
tirei uma nota dois na avaliação oficial (que valia de zero a dez), para
mim um sofrimento muito grande, pois minhas notas eram acima de oito.
E ali, na recuperação, debrucei-me nos processos de memorização das
fórmulas e repetição de exercícios, na “Educação Bancária” recuperei
minha nota, mas nunca esqueci que essa forma de ensinar pode tornar-
se essencialmente desmotivadora para os alunos.
Quando estava nas séries finais veio a clássica dúvida: qual
curso universitário escolher? Senti que precisava suplantar minhas
próprias dificuldades, então optei pelo curso de Matemática e, assim,
vencendo meus medos e meus limites no processo de aprendizagem da
Matemática, com dedicação e esforço fiz deste curso a base de minha
vida docente.
Passei no meu primeiro vestibular com uma ótima nota, inclusive
sobraria nota para cursos concorridos, tais como Direito e Ciências
Contábeis da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), existentes
24
na época, porém, o curso de Matemática me fazia transcender os meus
próprios limites e suplantar dificuldades.
Fiz o curso e revivi, em partes, as indagações do ensino médio,
na medida em que algumas disciplinas eram ministradas sem um enredo
histórico, contextual e aplicável nas relações cotidianas ou científicas
palpáveis. Mas alguns professores da Matemática pura conseguiam dar
aplicabilidade para alguns institutos, mas considero que, de forma geral,
existe no curso de matemática essa fragilidade.
Concomitante ao curso de Licenciatura em Matemática na UFMT
Campus Rondonópolis, trabalhei no comércio, Atacadão Ltda. (período
2001-2004). Tinha dezesseis anos de idade quando comecei o trabalho
nessa empresa. Saía do trabalho às 15 horas e ia direto para a
Biblioteca da UFMT. Aliás, ainda no curso, com a vontade de exercer
profissionalmente a docência fui ministrar aulas na Escola Estadual
Eunice Sousa. Era o meu início “formal” na profissão docente!
Para concluir o “temido” curso universitário de Matemática
esforço e dedicação são características daqueles que ali estão, pois é
um curso muito técnico e exigente, são muitos alunos desistentes,
outros reprovam e, até mesmo, jubilam!
Depois da conclusão do Curso de Matemática, para minha
felicidade, tornei-me colega de profissão dos meus professores do
ensino fundamental, tendo em vista que fui lecionar em 2006, na Escola
Estadual Emanuel Pinheiro, também em Rondonópolis-MT, a mesma
instituição em que estudei na minha adolescência. Desde o início foi
uma honra tê-los como colegas e partilhar da alegria da docência na
disciplina da Matemática.
Já em 2007, aprovado no concurso público da Secretaria de
Educação do Estado de Mato Grosso, fui nomeado e tomei posse na
mesma escola, qual seja Emanuel Pinheiro, exercendo a função de
professor de Matemática no Ensino Fundamental (II e III Ciclo de
Formação Humana).
Nesse entremear de vivências pessoais, as inquietudes sobre a
educação, a docência e a Matemática ainda persistem, momento em que
foram exploradas na especialização em Matemática com o trabalho
25
monográfico “Processo de Ensino e Aprendizagem da Matemática: da
conscientização das transformações a uma reelaboração de novas
práticas docentes”. No mesmo ano, em outra pós-graduação, Didática e
Metodologia do Ensino Superior latu sensu, por meio de um artigo
científico, foi pesquisada a mesma temática, buscando compreensões e
aprimoramento profissional.
Embora desempenhe diferentes funções, certamente se me
questionarem: Mas o que sou profissionalmente? A resposta será clara:
Professor, um educador por convicção! Seja na educação formal com
meus alunos (escola) ou não-formal, ajudando o cidadão na efetivação
de seus direitos, na Associação de Vítimas de Câncer ou, durante muito
tempo, no Ministério Público!
Quão bom é ajudar ao próximo sem pedir nada em troca!
Cumulei por bom tempo as funções do magistério com outro concurso
público, no Ministério Público do Estado de Mato Grosso, instituição que
mostrou as paisagens da área jurídica, momento em que fui aos bancos
universitários estudar Direito.
Casei em 2010, com Silvia, já no ano seguinte tivemos o primeiro
filho, Alexandre Lucca. Desde novo dizia: - Quero ser pai antes dos
trinta! E assim o fiz. Agora, em 2015, nasceu Davi, para nossa alegria!
Nas travessias da vida, parei em uma pinguela! Parei todos os
meus afazeres e, após percorrer dezenas de médicos, exames, laudos e
dispendia recursos financeiros fomos parar em Barretos-SP, em meados
de 2011 e início de 2012, no Hospital do Câncer de Barretos, “Hospital
do Amor”, com minha mãe Coraci.
Ressignificando as vivências com os pacientes percebo que o
narrar se torna uma clínica, libera o que está aprisionado em nós, de
modo que favorece o bem-viver.
No percurso de vida, sempre as histórias, o ouvir e o respeito
para com a fala do outro são uma constante. Este sou eu, um ser
narrativo com o outro e para o outro. Ali, entre lutas, desafios, histórias
e muita emoção, vi e revi quão frágil somos nós, seres humanos! Em 30
de maio de 2012, esta página da vida se eternizou! Na luta por um
tratamento digno, a Associação oportuniza o refrigério.
26
Num pulo cronológico, lembro que até o início de 2014 continuei
com meus trabalhos e projetos na escola, como professor de matemática
e na Universidade de Cuiabá (UNIC), campus Rondonópolis, como
professor do Curso de Direito, além das atividades no Ministério Público.
Diante da necessidade de melhorar minha formação profissional
e meu papel no complexo educativo, decidi fazer o mestrado para que
naquele tempo-espaço as experiências vivenciadas nas práticas do
magistério pudessem ser ressignificadas, oportunizando outros sentidos
diante da atuação docente (MONTEIRO, FONTOURA; CANEN, 2014).
Ainda no ano de 2014, cursei duas disciplinas como aluno
especial no Mestrado de Política Social aqui na UFMT, além de outras
duas disciplinas como aluno especial no Instituto Federal de Goiás-
IFGO-Campus Jataí, em Góias, no mestrado em Ciências e Matemática.
Após, fui aprovado no mestrado em Educação nos campus de
Rondonópolis e Cuiabá, ambos na UFMT, além da aprovação do tão
sonhado concurso público da Universidade do Estado de Mato Grosso,
Campus Diamantino-MT, sendo professor efetivo-auxiliar do Curso de
Direito, na área de Direito Privado. Como dizem por aí: “largou o
gabinete para enfrentar uma sala de aula?!!”.
Digo-lhe: - Sim, e assim é meu processo identitário:
Eu vim de lá, da mistura do mineiro, do baiano, do bororo. Eu vim de lá, do Lajeado e das terras de Rondon, Do sapateiro, da professora de quintal. Na cozinha, não só de pão vivia. Lá, o conhecimento aparecia, da vizinha, o divertimento ocorria. As pedras do caminho eram os números, Convertidos em leis, era a saga-rei. Protetor da lei
3?!
Hum Educador, eu sei, mas usa a lei!
(Poema escrito pelo pesquisador, 02.09.2014)
Consciente do meu fazer e querer, e buscando crescimento na
área da educação, desenvolvi alguns estudos que culminaram na
construção de artigos científicos, ministrei palestras, organizei uma obra
3 O nome deste pesquisador significa aquele “que protege a lei, ou pela lei” (CLAUDINO, 1996)
27
e elaborei quatro capítulos de livros, todos ligados à educação formal
ou/e informal. Além de participar do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Educação Matemática- NEPEM/IFG- do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia de Goiás, do Observatório da Educação da
UNEMAT/UNESP/UFMT, via UNEMAT de Barra do Bugres-MT, e na
Associação Mato-grossense de Políticas Públicas.
Nas aulas do mestrado, um misto de prazer e receio, tudo muito
novo, um grande volume de textos, livros e trabalhos. Tive que residir
em Cuiabá-MT para acompanhar as aulas e dar conta dos compromissos
profissionais (é, eu não fiquei apenas por conta dos estudos do
mestrado!). Depois, fui viajante pelas madrugadas ou manhãs na
afamada BR 364: a lua virava sol. Reflexões sobre a vida, o trabalho e
os estudos entre paradas em razão de acidentes, bloqueios ou
consertos na pista. Daí, chegar atrasado era um martírio!
Posso afiançar que o mestrado oportunizou profundas reflexões
para minhas experiências pessoais e formativas a partir de teóricos
trazidos pelos diálogos da Professora Doutora Ozerina, Cândida, Maria
Lúcia, Celso e minha orientadora Filomena: seminários, artigos e
debates!
Autores nunca antes lidos, grandes desafios e ressignificação
para o desenvolvimento profissional docente, ainda mais para um
licenciado em Matemática e bacharel em Direito.
Entre paragens, caminhadas e correrias essa é a travessia em
que ouso e arrisco a fazer: entre o dito, o dizível, ao não-dito, o
indizível, vou me fazendo.
Agora, “va-ga-ro-sa-men-te”, refleti... Por quais razões mesmo
escolhi este tema?
1.2 RESSIGNIFICANDO O TEMA DE INVESTIGAÇÃO: DA CURIOSIDADE À
NECESSIDADE DE PESQUISAR
Nossos destinos Desde meninos dão-se as mãos
Nossos destinos De pequeninos eram irmãos [...]
(GIL, Gilberto, Minha princesa cordel)
28
Nas vivências como professor da Educação Superior, no Curso
de Direito, inquietaram-me as trajetórias de vida, as memórias e
experiências dos jovens que chegam às universidades, seus anseios,
seus dramas, seus olhares, sentidos, intenções, aspirações e
expectativas enquanto estudantes em busca de novos horizontes na
seara jurídica. Percebo que no meu “processo identitário”, que é “[...]
indissociável do lugar que seus membros ocupam nas relações de
produção e do papel que desempenham” (NÓVOA, 1996, sem p.), a
escolha temática não foi aleatória, posso afirmar que foi
“necessariamente um ato político” (SEVERINO, 2000, p.145), sendo
importante retratar esta paisagem, colorindo-a com fidedignidade,
conforme ensina Arendt (1987, p. 67):
[...] quando as coisas podem ser vistas por muitas pessoas, numa variedade de aspectos, sem mudar de identidade, de sorte que os que estão à sua volta sabem que vêem o mesmo na mais completa diversidade, pode a realidade do mundo manifestar-se de maneira real e fidedigna.
Enquanto professor, percebo que as paisagens do contexto
escolar são lugares em que possibilitam ampliar os horizontes, dar
sentidos e reconhecer os jovens universitários submersos na sociedade
contemporânea (nestes “tempos líquidos”, nos dizeres baumanianos)
multifacetada pelos contextos culturais, sociais, econômicos (SPOSITO,
1997). De modo que é cada vez mais verificável que “ [...] há uma
diversidade de sujeitos que se torna cada vez mais evidente em nossas
universidades (CORROCHANO, 2013, p. 24)”, tanto pelas políticas
públicas de acesso à Educação Superior, bem como pelas implicações
do mercado de trabalho, sociais e culturais.
Fanfani (2000) já apontava que há uma diferenciação que deve
ser dita em relação à juventude atual e aquelas iniciantes da educação
escolar moderna, de sorte que as mudanças culturais, sociais,
familiares, implicam diretamente nos processo de constituição de
identidades e subjetividades do ser e do pensar enquanto sujeito social.
29
Curioso que são poucas as pesquisas que têm como enredo
principal as experiências pessoais e formativas do jovem universitário
como protagonista (DAYRELL; GOMES, 1997).
E o que é ser jovem? São várias as teorizações com contornos
biológicos, bio-psíquicos, educacionais, trabalho e políticos, mas
entendo melhor trilhar pelo conceito proposto por Aguiar e outros
(2007,p. 168), no sentido de que jovem é fruto da construção humana,
diferenciando-se conforme o contexto social, bem como nos aportes
teóricos de Abramovay e Esteves (2007, p. 21):
[...] a juventude, por definição, é uma construção social, ou seja, a produção de uma determinada sociedade originada a partir das múltiplas formas como ela vê os jovens, produção na qual se conjugam, entre outros fatores, estereótipo, momentos históricos, múltiplas referências, além de diferentes e diversificadas situações de classe, gênero, etnia, grupo etc.
Mas e, se me perguntarem as razões de pesquisar este
movimento de tornar-se universitário, as experiências pessoais e
formativas dos jovens que ingressam no Curso de Direito, e de que
modo isto colaboraria para a Educação Superior, em especial para a
linha de pesquisa do mestrado Organização Escolar, Formação e Práticas
Pedagógicas?
No entremeio da pesquisa, ainda em fase de
constituição/maturação do objeto e aportes teóricos, dir ia,
metaforicamente, que caminhava por uma paisagem nova, seria o
“Pantanal”, uma planície alagada, mas cheia de vida, contornos,
texturas, cheiros, sensações, cores e nuances. Personalizo-me como um
turista que vê e se encanta e quer dilatar o prazer, divagando em
conhecer os cenários ainda não experimentados no seu
tempo/espaço/ritmo, nas manhãs, nas tardes e nas noites adentro em
busca do que há para desbravar.
Já no término dessa caminhada, noto que é imprescindível que
as pesquisas educacionais deem atenção à Educação Superior, em
especial para a formação docente e/ou práticas pedagógicas dos cursos
de bacharelado, já que, na maioria dos casos as pesquisas apontam que
30
o docente torna-se professor na profissão. É neste sentido o que
expressa Câmara (2010, p. 8), trazendo importante contribuição, afirma que:
A problematização se eleva quando o professor que assume o compromisso de ensinar nesse contexto tem sua formação de bacharel, nos moldes da educação brasileira que visa a formar cidadãos voltados para a formação técnica e desenvolvimento dos setores econômicos e sociais da sociedade, sem a preocupação de inserir nessa formação aspectos que deem a este futuro profissional a possibilidade de pensar sua formação no aspecto de disseminador da mesma, ou até mesmo de refletir sobre essa formação. Essa necessidade se apresenta à demanda de formação de profissionais em áreas que atendam ao mercado de trabalho, tendo em vista que esse mercado se modifica cada vez mais rápido. (Grifo nosso)
Assim, com o fito de direcionar os trabalhos dos docentes e em
razão de um novo perfil do jovem universitário, esta pesquisa também
pode contribuir para (re)pensar/refletir sobre a oferta da Educação
Superior, em especial no Curso de Direito, compreendendo como os jovens
universitários do Curso de Direito na cidade de Diamantino-MT narram suas
Experiências pessoais e formativas e como estas são significadas a partir da
entrada no curso.
A disposição em ouvir e analisar tais experiências é ressaltada e
valorizada por Larrosa (2002, p. 40) ao dizer que:
A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar e escutar mais devagar, para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.
Relampeja em minhas memórias o que Pimenta (2008) pondera
sobre o fato de os professores, em muitas vezes, não darem a devida
atenção às características reais do aluno da Educação Superior,
enxergando-os como apenas “os futuros profissionais da área” e
31
comparando-os com as nuances dos tempos vividos e experimentados
de quando eram jovens universitários.
No entanto, no complexo educativo, os sujeitos devem estar
abertos a possibilidades de transformação, devendo o professor por
meio de suas retinas possibilitarem experiências para compor cenários
possíveis para com o aluno que partilha as experiências com/na
educação. Nesse sentido, Pimenta e Anastasiou (2008, p. 232) apontam:
Se se tem como proposta um processo de ensinagem, tomar o aluno como sujeito desse processo é fundamental para que construa como sujeito. Para isso, há que elaborar, analisar, também com os alunos, instrumentos que permitam caracterizar o grupo em termos de origem geográfica e social, experiências anteriores de escolarização, faixa etária, turno diurno ou noturno, trabalhador ou estudante, inserção profissional, significado dessas na vida presente e futura, tempo livre; descobrir e analisar os motivos que os levaram ao curso, expectativas quanto a ele e à disciplina, a forma pela qual operacionalizam suas próprias aprendizagens (hábitos de estudo), o nível de conhecimento que possuem, habilidades que dominam e outros dados que sejam importantes para a compreensão da pessoa de cada aluno e das características dessa geração universitária com quem se partilha a sala de aula.
Assim, respeitando o aluno como sujeito histórico e social creio
na necessidade, como professor, de compreender com quem dialogo,
partilho, compartilho e vivencio. Assim, como apregoa Freire e Shor
(1987), necessário nessa construção e reconstrução, compreensão/re-
compreensão de sentidos e significados do complexo educativo, o
estudo das palavras e escritas dos alunos são importantes, já que as
falas e seus textos são um acesso privilegiado as suas consciências.
Agora, interessante notar que é cada vez mais jovem o
universitário, fato amplamente divulgado pela mídia. De modo que,
dialogar com sujeitos contemporâneos, a nova geração universitária,
jovens que escancaram uma diversidade cultural jamais vista. Nesse
contexto, colaciono trecho dos autores Pachane e Pereira (2004, p. 7):
Hoje, é necessário ao professor saber lidar com uma diversidade cultural que antes não existia no Ensino Superior, decorrente do ingresso de um público cada vez mais heterogêneo. Um público que pode, por um lado, não estar tão
32
bem preparado, tanto emocional quanto intelectualmente, para o ingresso no Ensino Superior; um público talvez mais jovem, mais imaturo, e, por vezes, pouco motivado e comprometido com sua aprendizagem, tendo em vista que o Ensino Superior hoje não é mais garantia de um emprego estável no futuro, mas um público que pode, por outro lado, ser muito mais exigente quanto à qualidade do curso oferecido, tendo em vista especialmente o alto grau de competitividade do mercado de trabalho.
A pesquisa foi realizada no Curso de Direito da UNEMAT.
Diamantino é uma cidade localizada no interior do Estado de Mato Grosso,
distante a 204 quilômetros de capital Cuiabá-MT, com uma população de
19.206 habitantes, conforme dados do IBGE/2010.
O Curso de Direito na cidade é ofertado, com exclusividade, há mais de
dez anos pela instituição pública que foi encampação da UNEMAT no ano de
2013, conforme dados oficiais da universidade.
Ao trazer a Educação Jurídica, como paisagem da experiência,
devo mencionar que há inúmeras pesquisas e mobilizações para
discutir, repensar e recriar novas possibilidades perante a visão
tradicional do Ensino do Direito- dogmático, árido e nada reflexivo,
trazendo novos olhares, sentidos e reflexões da aplicação no Direito
sobre/para a realidade social (já que presta uma intervenção social).
Partindo dos subsídios teóricos de Wolkmer (1997), Warat (2001, 2000),
Souza Júnior (1984,1987, 2008), Lyra Filho (1986), Bittar (2006) e
outros.
A tessitura crítica da presente Pesquisa narrativa já é realizada no título
com a expressão “Vademecum4, Vem comigo”, já que este é o símbolo da
positivação do Direito e que acompanhará todos os jovens universitários no
percurso universitário, todavia não se pode esquecer que, na caminhada
estudantil, o projeto que se pretende é para a liberdade, humanização como
sujeito de sua história.
Na Educação Jurídica os pesquisadores apontam para a tessitura
de caminhos para um projeto educativo emancipatório (SOUZA, 2009)
4 Advindo de expressão latina “Vade mecum”, significa “vai comigo” ou “vem comigo”, na área
jurídica é um compêndio no qual reunia as principais leis ou obras de determinada área. Aqui ao longo da dissertação, é símbolo da positivação do Direito, mas que não merece ser estigmatizado, pelo contrário, deve acompanhar o jovem, mas sem se esquecer do movimento maior de humanização que deve ser proposto pela Educação Jurídica libertadora, humanista!
33
em que o Direito seja entendido como organizador da liberdade em
convivência, instrumento do processo libertador (LYRA FILHO, 1986).
Diante desse contexto, é possível compreender como jovens
universitários do Curso de Direito narram suas experiências pessoais e
formativas e como estas são significadas a partir da entrada neste
curso?
Diante das travessias, da sinuosidade do itinerário e das paisagens
vislumbradas, trabalhei com aproximações da Pesquisa Narrativa (CLANDININ;
CONNELLY, 2006; 2011) como caminho teórico-metodológico, de modo que
pretendi compreender a experiência vivida, por meio de histórias e da
composição de sentidos (ELY et al. 2001).
Minha escolha por esse paradigma de pesquisa é em razão do cerne
da Pesquisa Narrativa, qual seja a experiência, já que “é uma forma de
compreender a experiência” (CLANDININ; CONELLY, 2011, p. 51).
A pesquisa assentou-se nas experiências pessoais e formativas dos
participantes, jovens ingressantes do Curso Superior de Direito - verdadeiros
colaboradores, os quais tiveram vez e voz. A voz é no sentido articulado por
Britzman, citado por Clandinin e Conelly (1995, p. 36):
[...] a voz é o sentido que reside no indivíduo e que lhe permite participar de uma comunidade... A luta pela voz começa quando uma pessoa tenta comunicar sentido a alguém. Parte desse processo inclui encontrar as palavras, falar por si mesmo e sentir-se ouvido por outros... A voz sugere relações: (1) a relação do indivíduo com o sentido de sua experiência (e portanto com a linguagem), e (2) a relação do indivíduo com o outro, já que a compreensão é um processo social.
Nesse momento, as palavras de Passegi (2010) são importantes,
uma vez que a pesquisa narrativa, antes de qualquer coisa, é um
processo de investigação. Segundo ela, três grandes princípios guiam
as investigações. O primeiro deles evidencia o ato de construção da
realidade feito pelo sujeito. Já o segundo coloca o foco na linguagem
como elemento mediador da construção da realidade e do trabalho de
interpretação dos fatos pelo sujeito ao transformar a vida em texto
narrativo. Por fim, o terceiro ponto considera que a pesquisa narrativa é
um posicionamento epistemológico.
34
Nesse sentido, Passegi (2010, p. 112) esclarece:
A realidade são representações construídas na interação humana em função de sua percepção de uma situação social. Essas representações modificam-se acompanhando as mutações sociais e o desenvolvimento do indivíduo, adequam-se aos espaços e aos lugares por eles ocupados [...] As vidas são textos passíveis de revisão, exegese, reinterpretação. Ao interpretar a vida não se nega um “texto” anterior, mas sua interpretação. [...] não se busca obstinadamente a “verdade objetiva”, pois se tem consciência de que a “realidade” passa, obrigatoriamente, pela mediação de sistemas simbólicos, constitutivos do imaginário social, que é, por sua vez, subjetivado pelos indivíduos.
Assim, tal pesquisa desperta novas possibilidades à Educação
Superior, na medida em que no entrecruzar das experiências pessoais e
formativas dos jovens universitários, por meio de um ambiente de
vivências com/para o outro ecoará as vozes para a emancipação do
sujeito, por intermédio de um diálogo construtivo que desperte a
curiosidade epistemológica.
É assim que Mello (2004, p. 101) arremata:
Se vou para minha sala de aula tentando e desejando criar oportunidades para que os alunos assumam o lugar de seres críticos e reflexivos capazes de colaborar na construção do conhecimento, como não considerar a possibilidade de construção do saber científico considerando as vozes de pesquisadores e participantes de pesquisa? Seria uma incoerência.
Além disso, Clandinin e Connelly (1995, p. 41) defendem que:
O “eu” pode falar como investigador, como professor, como homem, como mulher, como comentarista, como participante da investigação, como crítico narrativo ou como construtor de teorias. Não obstante, quando vivemos o processo de investigação narrativa somos uma só pessoa. Da mesma maneira que só somos um quando escrevemos. Sem confusão, quando escrevemos narrações, se converte em algo importante para resolver qual das vozes é a dominante cada vez que escrevemos “eu”.
35
Trabalhar com narrativas como ação humana é entender que elas
estão inscritas na história das pessoas desde muito cedo e é por esse
motivo que é possível a aceitação do fato biográfico como uma
“representação mental”. Por outro lado, é durante a narração escrita
dessas histórias que ele toma forma, materializa-se e acaba por se
tornar determinante no ato de construir a subjetividade e de socializar
(PASSEGI, 2010, p. 119)
Complementando tais ideais, Passegi (2010, p. 119) ainda
acrescenta:
É importante lembrar, mais uma vez, que não são os fatos vividos, em si mesmos, que importam, mas a simbolização desses fatos pela ação das narrativas, sua circulação entre os membros do grupo, o modo como são contadas e recontadas para si mesmo e para o outro. É possível admitir com Bronckart (1999, p. 62) que “é por meio da interpretação dos discursos narrativos que o funcionamento psíquico humano se expande se enriquece e se reestrutura perpetuamente”.
As ideias de Clandinin e Connelly (2011) destacam veementemente o
caráter tridimensional da pesquisa narrativa. Alicerçados na concepção de
experiência de Dewey, Clandinin e Connelly defendem que o tempo é a
primeira dimensão, já o individual e o social constituem uma segunda e o lugar
forma a terceira dimensão.
Para os autores, o pesquisador sempre se movimenta nesse espaço,
ou seja, age de modo introspectivo, extrospectivo, retrospectivo e prospectivo.
Ademais, estará ele sempre situado em um lugar e faz isso a partir da ideia de
que a experiência é contínua (sempre surge uma próxima experiência),
individual e social ao mesmo tempo (caráter de interação da pesquisa
narrativa). (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 84)
Para eles, o ser humano sabe o que sabe em virtude do lugar que
ocupa na sociedade. Se mudar de lugar, o conhecimento também muda.
Assim, ambos apontam a importância da parada e do senso de provisoriedade
dos posicionamentos daqueles que vivem as experiências. Isso não significa
afirmar que os posicionamentos assumidos nas entrevistas são imutáveis. Ao
contrário, na realidade, o que se verifica é que a entrevista com os
participantes tem o condão de gerar um olhar diferenciado para a história, de
36
modo a tomar por base referências diversas, sempre considerando a teoria
tridimensional da pesquisa narrativa. Dessa forma, “o que sabíamos em um
determinado ponto no tempo muda quando a parada muda temporalmente para
um outro ponto no tempo”. (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 47)
Na pesquisa narrativa o que se busca são interpretações mais
interessantes e ricas das histórias vividas e narradas. Tal ideia se deve ao fato
de que no pensamento narrativo cada interpretação se constitui como uma
possibilidade provisória, já que cabe ao pesquisador “fazer o melhor
considerando as circunstâncias, consciente de que há outras possibilidades,
outras interpretações e outros modos de explicar as coisas”. Assim, para eles,
o pensar narrativamente é sobremaneira um ato de refletir e relacionar tudo
aquilo que foi narrado. (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 65).
Considerando tal perspectiva, o presente estudo transforma os “textos
de campo”, com a reprodução literal daquilo que foi narrado, em “textos de
pesquisa”, uma vez que toda narrativa produzida se transformará num objeto
de observação, questionamento e reinterpretação de tudo aquilo que chegou
aos meus ouvidos, olhares e sentimentos de pesquisador.
Reforço que o pensamento narrativo pressupõe, a todo momento, que
se retomem as lembranças e registros, que se pense e se repense o que foi
vivido, pelos participantes, sempre de modo a contextualizar o que lhes
aconteceu. (CLANDININ; CONNELLY, 2011).
Cabe ao pesquisador, na pesquisa narrativa, o trabalho de detalhar e
reorganizar as ideias. É papel dele, também, a escrita e a reescrita de tudo o
que ouviu, sempre buscando a melhor reinterpretação dessas memórias.
Rememoro os dizeres de Manguel (2007, p. 13):
No reino da narrativa, sinto-me um pouco mais à vontade, e uma vez que as histórias, ao contrário das formulações científicas, não esperam, e na verdade rejeitam respostas unívocas, posso perambular por esse território sem me sentir constrangido a dar soluções e conselhos. Talvez por isso essas conferências tenham alguma coisa de insatisfatório: ao fim e ao cabo, minhas questões seguem sendo questões. Por que buscamos identidade nas palavras e qual é, nessa busca, o papel do contador de histórias? Como a linguagem determina, delimita e amplia nossa imaginação do mundo? Como as histórias que contamos nos ajudam a perceber nós mesmas e os outros?[sic] Essas histórias poderiam conferir uma identidade, verdadeira ou falsa, a toda uma sociedade? E para
37
concluir, as histórias serão capazes de mudar quem é e o mundo em que vivemos?
Sou um pesquisador movido pelos/nos pressupostos da pesquisa
narrativa, sinto-me à vontade, pois as experiências individuais e sociais,
entrecruzam nossos “eus”, permitindo-nos pensar-repensar-refletir sobre como
somos, quem somos e como vivemos neste mundo-líquido. De modo que
assumo um vínculo com os participantes, fazendo escolhas, construindo uma
história nossa, criando caminhos, pontes e pinguelas para/com o novo.
Lanço-me “nas águas do Menino do rio doce”, para compor
artesanalmente compreensões como os jovens universitários do Curso de
Direito narram suas experiências pessoais e formativas e como estas
são significadas a partir da entrada neste curso?
38
2 AS PAISAGENS TEÓRICO-METODOLÓGICAS: PELOS RELEVOS
Já ao iniciar este capítulo, esclareço que o trabalho partirá, como
exposto anteriormente, das narrativas dos estudantes do curso de
Direito, com aproximações ao procedimento teórico-metodológico de
Clandinin e Connelly (2007).
Assim, o termo “Paisagens” é no sentido proposto por Clandinin e
Connelly (1995), isto é, uma metáfora ao espaço, ao lugar e ao tempo
em que o contexto está inserido e potencializam relacionamentos entre
as pessoas, os objetos e eventos.
E o que dá forma a uma experiência narrativa com aproximações
em Conelly e Clandinin (2000)?
Seguindo a metáfora utilizada pelos autores seria o Espaço
Tridimensional: os participantes, o lugar e o aspecto pessoal/temporal
das/nas histórias contadas, ditos como os componentes centrais.
2.1 MINHA PESQUISA: CONTEXTOS, PARTICIPANTES, CAMINHOS PERCORRIDOS E OS TEXTOS DE CAMPO.
O presente trabalho traz reflexões tecidas nos movimentos de
estudos e vivências com os jovens participantes da pesquisa, as várias
vozes, olhares e sensibilidades desse trabalho, contrapõe-se à
racionalidade técnica, (in)corporificando-se nas/pelas vidas dos jovens
pela narrativização, na plenitude e na boniteza da complexidade
existencial.
Assim entender quem são os jovens, como se veem, se
apresentam e se representam é o que demonstramos em “Nós somos
jovens: quem são os participantes”. Após, apresentarei o local que estes
jovens estudam o Curso Superior. A instituição de ensino que
oportunizou tal pesquisa, qual seja Universidade do Estado de Mato
Grosso, Campus Diamantino-MT. Entender o espaço-tempo de sua
constituição, legitimação e o enredo atual de suas práticas é
fundamental para compor o espaço tridimensional da Pesquisa
Narrativa.
39
Por derradeiro, apontaremos os “Caminhos percorridos e
Contextos da Pesquisa”. Nesse ponto, vamos traçar como foi o percurso
para compor a pesquisa, antes, durante e após a ida e vinda do campo,
isto é, desde o convite para os participantes, a seleção de como melhor
proceder para produzir materiais documentados dos itinerários
vividos/experienciados, fundamentando as razões das escolhas e que
compuseram o textos de campo e os textos de pesquisa.
2.1.1 “Nós somos jovens”: quem são os participantes?
Neste momento, passo a descrever e narrar sobre cada um dos jovens
universitários participantes da pesquisa, para que essa riqueza memorialística
não se reserve ao consciente deste pesquisador e aos textos de campo ora
escritos. Antes disso, apresento uma tabela, com o pseudônimo de cada um
deles, a idade, local onde nasceram e a modalidade de ensino a que tiveram
acesso. Isso facilitará uma noção prévia a respeito de quem formou o corpus
desta pesquisa.
Quadro 1: Dados dos participantes
Nome
(Pseudônimo)
Idade Naturalidade Domicílio Modalidade
de ensino
Arthur 17 Nortelândia/MT Nortelândia/MT Pública
Pitty 18 São José do Rio
Claro/MT
São José do
Rio Claro/MT
Particular
Álvaro 18 Resplendor/MG Diamantino/MT Pública
Maria 18 Ibirubá/RS Diamantino/MT Pública
Joana 22 Rosário
Oeste/MT
Rosário
Oeste/MT
Pública
Lilian 22 Cuiabá/MT Diamantino/MT Pública
Fonte: Dados da pesquisa levantados pelo autor, 2015.
O primeiro participante é Arthur5, que se apresentou:
5Aqui, omitiu-se o nome verdadeiro do estudante, que doravante será identificado pelo
pseudônimo “Arthur”.
40
Tenho 17 anos, nasci, fui criado e moro atualmente em Nortelândia – MT. Tive
uma infância normal, contudo, desde que me lembro, meus pais me incentivaram a criar o
hábito de leitura. Meu pai é formado em Ciências Contábeis (acho que está terminando a
pós graduação dele) e minha mãe estudou, somente, até o termino do ensino médio. Meu
pai espera que seus filhos estudem, passem em um concurso público (assim como ele) e
desfrute o resto da sua vida com sua esposa e filhos.
A segunda participante é Pitty6, que, naquela ocasião, apresentou-se:
[...] (risos), tenho 18 anos e nasci no dia 04/04/96 , sou uma ariana completa se ,
me enquadro em todos os quesitos do meu signo, sou mandona, apaixonada intensamente
por tudo que faço, teimosa e cabeça dura . Nasci em São José do Rio Claro onde vivo
atualmente, minha mãe é enfermeira, uma das primeiras enfermeiras padrão de São José
, nasci e cresci aqui, sou filha única e sempre tive uma relação muito boa e clara com
minha mãe, ela sempre converso muito comigo em relação ao que é certo e errado, sexo,
drogas e entre outros assuntos, sempre confiando em mim e não me proibindo de nada
dando apenas escolhas e me mostrando as consequências, acho que fiz a maioria das
escolhas certas graças as orientações dela .
O terceiro participante é Álvaro7, que assim se definiu:
Meu nome é Álvaro, tenho 18 anos. Nasci na cidade de Resplendor/MG, no dia 25
de abril de 1996. Minha infância foi dividida em dois países: Estados Unidos e Brasil.
Nos Estados Unidos passei 4 anos da minha infância, dos 4 aos 8 anos. No Brasil,
passei uma parte da minha infância em Resplendor, minha terra natal, e mudei para
São José do Rio Claro, cidade na qual vivo hoje.
Meu pai é proprietário de uma fazenda e é agropecuário e minha mãe é dona de
casa. Ambos só estudaram até a quarta série. Meus pais sempre falaram que é para eu
estudar para ter uma vida diferente da que eles tiveram. Sempre tive muito contato com o
6 Aqui, omitiu-se o nome verdadeiro da estudante, que doravante será identificada pelo pseudônimo
“Pitty”.Segundo a participante o nome é “[...] por causa da cantora... é minha referência. Sei todas dela, gosto, é bem profunda, doidinha como eu, num bom sentido neh...(risos). Sabe as músicas dela? Pulsos, Sete Vidas, Me adora, Memórias, Boca Aberca e claro. tem Teto de Vidro. 7 Aqui, omitiu-se o nome verdadeiro do estudante, que doravante será identificado pelo pseudônimo
“Álvaro”.
41
campo, sempre gostei dessa vida de fazenda, mas gosto para passear e não me vejo, de
jeito nenhum, cuidando dessas coisas no futuro. Eu gosto é da cidade, gosto de tecnologia,
de ter tudo por perto e na fazendo isso não dá.
A quarta participante é Maria8.
Meu nome é Maria9, tenho 18 anos. Nasci em Ibirubá, no Rio Grande do Sul. Sou
uma pessoa dedicada, inteligente, amiga, estudiosa e perfeccionista. Atualmente moro em
Nova Mutum, no qual passei minha infância inteira. Foi uma fase maravilhosa que
infelizmente passou muito rápido. Fui uma criança muito brincalhona e estudiosa desde
cedo. Lembro que gostava muito de fazer as tarefas e quando terminava, minha mãe
deixava eu brincar à vontade. Ela me conta que eu tinha amigas imaginárias, que sempre
falava com elas pelo telefone. Eu amava brincar de boneca, até roupas eu fazia pra elas,
acredita? (risos)
Meu pai tem 46 anos, ensino fundamental incompleto, trabalha em uma fazenda
há 25 anos. Minha mãe tem 39 anos, ensino médio completo, trabalha administrando os
imóveis que possuímos para alugar. Sei que a vida do meu pai não é fácil e minha mãe
também corre atrás para nos proporcionar uma vida melhor. Meus pais se esforçam
muito para dar um futuro melhor para mim e meu irmão mais novo (14 anos).
A quinta participante é Joana10:
Meu nome é Joana, tenho 22 anos. Nasci e cresci na cidade de Rosário Oeste, onde
passei toda a minha infância. A cidade é pequena, mas fui tão feliz lá, que até me
emociono quando lembro da minha infância. Qual a preocupação que uma criança tem,
professor? Comer, estudar e dormir? (risos)
Pra mim, ser filha de professora era quase um peso, uma estigma, acredita? A
impressão que eu tinha era de que todos podiam errar, menos eu. O povo logo falava
“Nossa! A filha da professora não fez a tarefa? Sua mãe sabe disso? Eu era apenas
uma criança, a professora era minha mãe e não eu. Isso me chateava, de verdade. Como
8 Pseudônimo.
9 Pseudônimo.
10 Pseudônimo.
42
disse, sou filha de professora e meu pai é técnico em contabilidade. Pelo fato de minha
mãe ser professora, com relação aos estudos sempre foram muitos rígidos quanto ao
nosso aprendizado, pois não aceitava de forma alguma que reprovássemos.
Por fim, a sexta participante é Laís11:
Meu nome é Laís. Estou com 22 anos e nasci em Cuiabá/MT, em 05/10/1992.
Tenho dois irmãos gêmeos, ambos com 27 anos. Passei o início da minha infância em
Cuiabá, mas logo minha família e eu nos mudamos para Rondonópolis/MT. Lá estava
boa parte de minha família materna e a família do meu pai é toda de São Paulo. Hoje
sou formada em Letras e estou cursando Direito já como segunda graduação.
Sou filha de uma professora aposentada da rede pública estadual. Quando
trabalhava, minha mãe lecionava as disciplinas de História, Ensino Religioso e Artes. Já
meu pai – que também era professor – ministrava aulas de Biologia e Matemática
também na rede estadual. Minha mãe começou a trabalhar muito cedo e, aos 48 anos já
estava aposentada. Meu pai também iniciou precocemente, mas, devido a um problema de
saúde, meu pai foi perdendo a audição, teve de ser afastado da sala de aula e passou a
trabalhar na biblioteca da escola onde lecionava. Por isso, acabou se aposentando
recentemente, já aos 65 anos de idade. Me lembro de sair da minha escola, que era perto
da escola onde ele trabalhava, ir até ele e sempre o via com livros na mão, pois gostava
muito de ler. Ele adorava me contar sobre a história política do Brasil e sobre alguns
personagens da literatura universal e brasileira.
Os seis participantes da pesquisa estudam o Curso de Direito, nos
primeiros semestres do curso, já que esta pesquisa iniciou no ano de 2014.
Julgo importante frisar que os alunos, ora participantes da pesquisa, já
foram alunos do pesquisador, acredito que tal informação é importante, pois
convivendo ao longo do semestre como professor a proximidade é maior,
beneficiando de tal modo à pesquisa narrativa, na medida em que outras
histórias já vividas compõem outras tessituras para a constituição desta.
11
Pseudônimo
43
Os participantes da pesquisa vivem no interior do Estado de Mato
Grosso, em pequenas cidades próximas ao local da universidade ou na própria
cidade de Diamantino-MT, conforme quadro anterior.
Figura 3: Jovens universitários no prédio do Curso (Diamantino-MT)
Fonte: Foto produzida pelo autor no de maio de 2015.
2.1.2 Local da Pesquisa e a História Institucionalizada do Curso de Direito
na UNEMAT em Diamantino
Ponto que merece destaque é que nosso local de pesquisa, a cidade
de Diamantino-MT, é composta em sua história da migração de pessoas de
diferentes estados e cidades. No campo educacional, torna-se um polo
educacional atendendo a várias cidades. Por essa razão, vemos que alguns
dos participantes da pesquisa residem em cidades próximas e realizam seus
estudos universitários na cidade de Diamantino-MT.
Tal fato demonstra a carência e o importante papel que a Universidade
pública tem para com a região, elevando as possibilidades da população.
Diamantino é uma cidade localizada no interior do Estado de Mato
Grosso, distante a 204 quilômetros de capital Cuiabá-MT, com uma população
de 19.206 habitantes, conforme dados do IBGE/2010.
O Curso de Direito na região detém de um prestígio e boa concorrência
no vestibular, conforme dados oficiais da universidade. Foi autorizado pelo
Ministério da Educação (Portaria 1.817/2001) à União de Ensino Superior de
44
Diamantino, mantenedora da Faculdade de Ciências Sociais e Aplicadas de
Diamantino – UNED, hoje, encampado12 pela UNEMAT e reconhecido junto ao
CEE/MT – Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso, por meio da
Portaria n.º 024/2013 GAB/CEE/MT publicada no DOE – Diário Oficial do
Estado de Mato Grosso em 10 de setembro de 2013.
Conforme dados levantados no campus e nos documentos oficiais,
enquanto União de Ensino Superior de Diamantino (mantenedora da Faculdade
de Ciências Sociais e Aplicadas de Diamantino – UNED), foi aprovado o
Projeto Político Pedagógico do Curso de Direito em 30 de junho de 2006,
considerando as alterações propostas pela Resolução CNE/CES Nº 9, de 29
de setembro de 2004 da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional
de Educação do Ministério da Educação, no que concerne às novas Diretrizes
Curriculares Nacionais e, entendendo que o Projeto Político Pedagógico do
curso de graduação em Direito deveria refletir uma dinâmica que atendesse
aos diferentes perfis de desempenho a cada momento exigido pela sociedade.
O Projeto Político Pedagógico do Curso- PPC- de Bacharelado em
Direito da Universidade do Estado de Mato Grosso-UNEMAT, Campus de
Diamantino – “Francisco Ferreira Mendes” – 2014/2, observa os preceitos da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n.º 9.394/1996), das
Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito,
Bacharelado e da Resolução CNE/CP n.º 02/2007, que instituiu a duração e a
carga horária dos cursos de bacharelado. Atende à Resolução de nº 054/2011
do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UNEMAT, bem como à
Resolução 003/2007 do Ministério da Educação.
O Curso de Direito está instalado no Campus Universitário de
Diamantino tendo a sua disposição salas para o seu funcionamento. Uma sala
é utilizada para a Coordenação do Curso. A diretoria da Faculdade de Ciências
Sociais e Aplicadas está instalada junto à Coordenação do Campus. A matriz
curricular está baseada em 20 semanas por semestre, com 28 aulas por
semana, 4 aulas diárias, de segunda a sexta-feira das 19:00h às 23:00h e aos
sábado das 8:00h às 12:00h, das 13:30h às 17:30h, das 19:00h às 23:00h,
12
A Unemat/Diamantino originou-se da encampação da Faculdade de Ciências Sociais e Aplicadas de Diamantino (Uned),isto é aquisição do Poder Público da instituição privada.
45
conforme acordo formalizado entre docentes e acadêmicos. O curso será
integralizado em no mínimo dez semestres e, no máximo, em 16 semestres.
O currículo do Curso compreende as disciplinas da Unidade I –
Formação Geral e Humanista com 600 horas; Unidade II – Formação
Específica Profissional com 2.520 horas; e, Unidade III – Formação
Complementar – Eletivas Obrigatórias com 600 horas, totalizando 3.720 horas.
Acrescidas 300 horas de Estágio Supervisionado (Prática Jurídica), oferecidas
no NPJ – Núcleo de Prática Jurídica, além da exigência de 250 horas de
atividades complementares.
Conforme Projeto Político Pedagógico do Curso, optou-se pela utilização
tanto da aula debate, da aula com desenvolvimento de trabalhos, quanto da
técnica de aula expositiva, nas suas formas participativa e dialógica, sem
prejuízo da utilização, por parte do professor, de todas as demais técnicas que
visem ao desenvolvimento do raciocínio e à construção do conhecimento. Em
todas as modalidades, incentivar-se-á, sempre, o desenvolvimento das
habilidades de construção crítica do conhecimento. Para tanto, será também
incentivada a realização de atividades em grupo e seminários.
Ainda, vê-se que pelos documentos e regimento, há uma preocupação
para com as atividades de ensino, mencionando que esta deverá privilegiar a
compreensão interdisciplinar do fenômeno jurídico. No que se refere à prática
jurídica, são desenvolvidas atividades práticas, individuais, em pequenos
grupos e em grupos maiores, dependendo da atividade específica, oferecidas
no NPJ.
A extensão no Curso de Direito está vinculada a diversos aspectos, em
especial, à pesquisa e às atividades complementares. Nesse sentido, o curso
manterá, entre outras atividades, uma programação regular de eventos e
serviços.
Dessa forma, as atividades de extensão desenvolvidas dirigem-se à
comunidade e aos próprios alunos e professores do Curso de Direito,
mantendo integração com o ensino e com a pesquisa. Todas as atividades de
extensão deverão plenificar o diálogo de saberes entre a Instituição e a
comunidade.
46
O curso de Direito do Campus de Diamantino oferece anualmente 80
vagas que são distribuídas em duas turmas semestrais uma que inicia suas
atividades no primeiro semestre do ano e a outra no segundo.
Sobre os docentes, importante mencionar que nunca aconteceu o
concurso público para o campus de Diamantino-MT, de modo que apenas dois
docentes são concursados, efetivos, os demais são contratados
temporariamente. Do total de 21 docentes, apenas cinco são mestres e outros
estão nos estudos da pós-graduação. Tais dados implicam para as ações de
extensão e pesquisa e a dedicação exclusiva dos professores. Veja o quadro
abaixo:
Quadro 2: Qualificação dos Professores do Curso
QUADRO DE QUALIFICAÇÃO CORPO DOCENTE
Docentes Graduação Mestrado
Instituição Área Instituição Área
P1 ANHANGUERA Direito
P2 UNIC Direito
P3 ANHANGUERA Direito
P4 UNIC Direito
P5 UNED Direito
P6 UNED Direito
P7 UNED Direito
P8 UNIMAR Direito
P9 UNISINOS Direito
P10 UNED Direito
P11 UNED Direito
P12 UNEMAT Economia UFMT Agronegócio e Desenvolvimen
to Regional
P13 UNEMAT Direito
P14 UFMT Pedagogia UFMT Educação
47
P15 UNEMAT Letras UFMT Geografia
P16 UFG Filosofia UFMT Educação
P17 UNED Direito
P18 UNIC Letras
P19 UNIMAR Direito UNIMAR Empreendimentos
Econômicos
P20 UNED Direito
P21 UNIC Direito
Fonte: Dados levantados pelo autor em 2014, UNEMAT; P= Professor
Historicamente, a UNEMAT tem tradição em encampar instituições
privadas. No Brasil, acontece a interiorização do ensino superior público, em
busca de atender as populações mais distantes das capitais, de modo que no
Estado de Mato Grosso houve um processo de crescimento educacional das
universidades públicas nas últimas décadas exercitando ações expansionistas,
tudo impulsionado pelo processo neoliberal de desenvolvimento do Estado em
busca de novos profissionais e novas frentes de mercado.
Pelo processo histórico, vê-se que as tensões, os embates, as pressões
sociais, econômicas, políticas implicadas pela globalização, mantença do
poderio político e necessidades de conhecimentos permearam a expansão,
fortalecimento e o desenvolvimento de Mato Grosso (GIANEZI, 2009).
É neste contexto que há a expansão da UNEMAT, que faz, em 2015, 37
anos de atuação. Nos últimos cinco anos, o Curso de Direito era ofertado
apenas na sede, em Cáceres e agora é ofertado também nos campi de Alta
Floresta, Barra do Bugres, Pontes e Lacerda e Diamantino.
Assim, após historiar um pouco sobre a instituição, o local, em que
vivemos e convivemos, experimentamos e experienciamos. Com nossos
participantes, a primeira pergunta que vem em minha mente é como se
apresenta o cenário da Educação Superior e Jurídica no Brasil. Vejamos no
próximo item.
48
Figura 4: Paisagens do Curso de Direito, no Campus de Diamantino-MT
Fonte: O autor, 2014
2.1.3 Caminhos percorridos na/da pesquisa
.
Realizei o convite para jovens universitários dos primeiros semestres
do Curso de Bacharelado em Direito (do primeiro ao segundo semestre). O
convite foi feito pessoalmente nas salas de aula, após prévia autorização da
Direção do Campus da UNEMAT, em Diamantino-MT.
Realizado o convite, todos os participantes da pesquisa assinaram o
termo de consentimento livre e esclarecido, pois deveriam ter ciência de todo o
itinerário da pesquisa. Após os dois primeiros encontros, de treze participantes
restaram apenas sete, dos quais apenas seis efetivamente participaram de
toda a pesquisa.
Instigante na pesquisa narrativa que há latente interação entre o
pesquisador e os participantes, respeitando a individualidade de cada ser que
vivencia e experiencia na pesquisa.
Nesse sentido, Carrano (2002) fala da importância de se trabalhar com
as trajetórias escolares, em quaisquer níveis, uma vez que ainda são raras tais
abordagens que demonstram as condições de experimentação da vida
universitária após o ingresso.
Sobre os caminhos percorridos e textos de campo utilizados, optamos
por conceituá-los como todos os materiais documentais produzidos pelo
pesquisador e/ou participantes da pesquisa, uma vez que não são dados
49
encontrados ou descobertos, são criados, formando os componentes da
Pesquisa Narrativa - Espaço Tridimensional da Pesquisa.
Assim, os textos de campo utilizados foram:
-Questionário semiestruturado elaborador por mim e respondido pela
Administração e professores do Curso de Direito, apenas para conhecer a
instituição e os colaboradores (professores);
-Sessões e conversas narrativas- momento em que todos tiveram
oportunidade de contar suas experiências de vida, dentro e fora da
universidade. Aqui entendido como o contar histórias, o narrativizar, seriam os
diálogos vivos, entre eu pesquisador e os envolvidos na pesquisa, assumindo a
qualidade de conversa por escrito, pelos encontros pessoais entre os grupos,
bem como de modo individualizado. Assim, foi utilizado um gravador no intuito
de ter maior liberdade, flexibilidade e igualdade entre os envolvidos, além de
tais sessões serem transcritas;
-Diários de Registros do Pesquisador, nos quais relatei minhas
impressões, experiências, sensações, tensões ao final de cada encontro com
os participantes diretos e indiretos da pesquisa. Na perspectiva de May Sarton
(1982) e Connelly e Clandinin (2011, p. 145) os diários “[...] são uma maneira
de descobrir onde eu realmente estou”, são encontros com seres humanos
e/ou lugar que tem significação, “dando conta” de refletir sobre as experiências
entrelaçadas a um espaço/tempo, nos movimentos interno, externo, para frente
e para trás;
-Notas de campo- escritos por mim, pesquisador. Entendo que tais
notas “[...]são as formas mais importantes que temos de registrar os
pedacinhos de nada que preenchem nossos dias” (CONNELLY; CLANDININ,
2011, p.147), de modo que podem ser escritas “com mais ou menos” detalhes
e interpretações, demonstrando a relação com os participantes;
-Narrativas Digitais- foi enviado convite para cada participante integrar
um Grupo do WhatsApp, em que pudessem escrever sobre suas memórias,
trajetórias e reflexões que permearam o antes e o depois da entrada no Curso
de Direito e nesta pesquisa, bem como maior interação entre o pesquisador e
os participantes.
Narrativas digitais é tema emergente nas pesquisas educacionais,
ainda mais quando se trata de rede social, como o WhatsApp. Santos (2013, p.
50
9) arremata que o WhatsApp é rede social, um aplicativo de mensagens,
servindo-se ´para “comunicar e interagir com o outro”, acessível em rede wifi,
no qual pela multiplataforma podem ao mesmo tempo enviar e receber
mensagens de textos, áudios, vídeos e imagens.
De tal modo, nosso intuito, em ambiente virtual rotulado como informal,
é oportunizar discussões, diálogos, de forma livre, a assuntos relacionados à
nossa pesquisa, durante a conversação.
Assim, “negociando”, estudando e compreendendo o contexto das
Pesquisas Narrativas, resolvi lançar luzes ao desconhecido tema, e como as
vivências demonstraram que os participantes são jovens conectados aos
recursos midiáticos (celulares, computadores e outros meios), fui atraído pelos
possíveis cenários.
Pois bem, o termo “Narrativa Digital” é poroso, já que está em
construção, agregando toda pesquisa em meio digital, pelos contextos
tecnológicos e midiáticos.
Em uma sociedade que troca informações, conhecimentos, saberes
pelas vivências nas/pelas redes sociais, novas sociabilidades, percebemos o
riquíssimo acervo pessoal pelas/nas histórias digitais. É mais um espaço para o
processo identitário, para historiar e ativar a memória, mesmo se
considerarmos as redes sociais como um mosaico, fragmentos de nossas
identidades, nossas verdades, nossas faces de ser humano (MURRAY, 2003,
p. 155).
Esse ciberespaço transforma-nos em “metamorfose ambulante” no que
diz respeito ao tempo-espaço e a narrativização dos nossos “eus”, da sua vida
e experiência do cotidiano. A respeito disso, explicita Lévy (1996, p. 22-23):
[...] cada ‘máquina’ tecnossocial acrescenta um espaço-tempo, uma cartografia especial, uma música singular a uma espécie de trama elástica e complicada em que as extensões se recobrem, se deformam e se conectam, em que as durações se opõem, interferem e se respondem. A multiplicação contemporânea dos espaços faz de nós nômades de um novo estilo: em vez de seguirmos linhas de errância e de migração dentro de uma extensão dada, saltamos de uma rede a outra, de um sistema de proximidade ao seguinte [...]
Decididamente, o WhatsApp é mais uma maneira de se produzir um
texto escrito na sua fusão com as outras linguagens, algo que transforma a
51
escrita e os seus potenciais, possibilitando novas visões, novos sentidos com
essa juventude em meio às vidas.
Ademais, sobre os instrumentos e textos de campo, convém registrar
que utilizarei como Caminhos Percorridos de pesquisa, fotos, livros e outros
objetos que despertem o rememorar das histórias de vida e experiências dos
jovens universitários ao longo de sua formação.
Assentado na concepção teórica de Ely e outros (2001), a análise dos
textos de campo será realizada pelas lentes da composição de sentidos às
experiências vividas, sendo certo que a análise das histórias perpassa pela
maneira de esse pesquisador ser e estar no mundo, seu processo identitário,
sendo uma escolha libertária de como pinçar, contar, significar, atribuir sentidos
ao vivenciado e ao experienciado.
Após compor sentidos aos textos de campo, temos então os textos de
pesquisa, momento em que todos os participantes serão convidados para
colaborativamente compor sentidos, reescrever, retirar, adicionar e sugerir
sobre o processo de elaboração dos textos. Isso porque acredito na intimidade
desse percurso metodológico da pesquisa narrativa, nos movimentos de “ir e
vir”, em que falando da vida com o outro e do outro, não se pede licença para
revisitar, por isso ao citar Laie (1993, p. 43), Clandinin e Connelly (2011, p.
223) ponderam:
Os eventos em nossa vida, os espaços em que já estivemos e as pessoas que conhecemos continuam a fazer parte de nossas histórias de vida. Nossa vida é um longo romance e ao chegarmos a metade de nosso livro, percebemos que nunca escaparemos de nossas primeiras páginas, quando as luzes foram acessas para toda a vida, quando o mundo se torna um espaço de intimidade e todos os seus habitantes são conhecidos por seus nomes. Todos estão na dança e têm suas mãos estampadas nesse caminhar. Todos podem retornar a nossas vidas sem pedir licença, sem aviso e a qualquer momento pretendido.
Segundo Jovchelovitch e Bauer apud Bernardo (2015, p. 66), a
entrevista narrativa pode ser entendida como uma forma de entrevista não
estruturada, mas com profundidade, por ter características específicas. Isso se
deve ao fato de que esse tipo de entrevista não corresponde àquelas formas
preestabelecidas de se compor o gênero, com o segmento pergunta X
resposta. Ao contrário, essa modalidade de entrevista faz uso de um tipo
52
específico de comunicação cotidiana, ou seja, nela se conta e se escuta uma
história a fim de se alcançarem objetivos propostos com a pesquisa que se vale
dessa metodologia.
Bertaux apud Bernardo (2015, p. 67) entende que a entrevista narrativa
é um meio de produzir dados para a pesquisa de abordagem biográfica, uma
vez que, segundo ele, a forma mais eficiente de se obterem narrativas de vida
e formação se dá por meio da entrevista narrativa.
Nessa modalidade de entrevista, as questões acabam por servir aos
interesses do pesquisador, com o intuito de que as provocações feitas por eles
gerem narrações dos participantes da pesquisa. Nelas, a ideia é sempre
permitir que o participante siga com sua narrativa, é preciso deixar que ele
conte a sua história da forma mais espontânea possível.
Nessas entrevistas, em regra, o pesquisador faz perguntas que abrem
espaço para uma longa conversa com o entrevistado, de modo que ele consiga
contar sua trajetória pessoal e de formação.
Explicada a metodologia da pesquisa narrativa – associada à técnica
das entrevistas narrativas – passamos agora a considerar a importância da
Experiência, Juventude, Universidade e Educação Jurídica e os pressupostos
teóricos da Pesquisa Narrativa para o presente estudo.
2.2. AS EXPERIÊNCIAS: UM PANORAMA TEÓRICO
Naquele dia, no meio do jantar, eu contei que tentara pegar na bunda do vento — mas o rabo do vento escorregava muito e eu não consegui pegar. Eu teria sete anos. A mãe fez um sorriso carinhoso para mim e não disse nada. Meus irmãos deram gaitadas me gozando. O pai ficou preocupado e disse que eu tivera um vareio da imaginação. Mas que esses vareios acabariam com os estudos. E me mandou estudar em livros. Eu vim. E logo li alguns tomos havidos na biblioteca do Colégio. E dei de estudar pra frente. Aprendi a teoria das idéias e da razão pura. Especulei filósofos e até cheguei aos eruditos. Aos homens de grande saber. Achei que os eruditos nas suas altas abstrações se esqueciam das coisas simples da terra. Foi aí que encontrei Einstein (ele mesmo — o Alberto Einstein). Que me ensinou esta frase: A imaginação é mais importante do que o saber. Fiquei alcandorado! E fiz uma brincadeira. Botei
53
um pouco de inocência na erudição. Deu certo. Meu olho começou a ver de novo as pobres coisas do chão mijadas de orvalho. E vi as borboletas. E meditei sobre as borboletas. Vi que elas dominam o mais leve sem precisar de ter motor nenhum no corpo. (Essa engenharia de Deus!) E vi que elas podem pousar nas flores e nas pedras sem magoar as próprias asas. E vi que o homem não tem soberania nem pra ser um bentevi.(BARROS, p.19, 2008)
Com as palavras de Manoel, reflito sobre a liberdade, a leveza,
restando este caminhante desatado, desenfaixado, sem moldes preconcebidos,
deslizando silenciosamente por este espaço-tempo em que nenhuma palavra
assentou, pergunto-me: _ A Educação, em uma concepção mais fluída, liberta,
é vida?
Sim, vida intensa, latente, carregada de experiências, expectativas,
realizações, caminhos, movimentos de evocar/invocar tudo que foi trilhado nas
vidas dos seres humanos.
Sob esse ângulo, é vital para as pesquisas educacionais, em especial
aquelas que trabalham com o recorte teórico-metodológico da Pesquisa
Narrativa, o estudo sobre as Experiências Pessoais e Formativas dos atores
envolvidos no complexo educativo, como é o caso dos participantes da
pesquisa, os jovens.
Na contemporaneidade é importante ampliar as visões sobre as
dimensões das experiências humanas, com lentes que amplificam os fatos
corriqueiros, o fazer (-se) do/no cotidiano, já que pelo lapidar do passado no
presente, interrelacionam intensas reflexões, saindo do que lhe é
predeterminado, imposto, neste sistema de injustiças sociais, desvalores,
desméritos, da opressão da “sociedade de risco”, moderna-líquida, que,
fatalmente, míngua as experiências pessoais e formativas. (BAUMAN, 2007, p.
8)
Alicerçado em Benjamim, fico com a autora Bragança (2011, p.158),
que nos ensina que “[...] todos espaços e tempos da vida são espaços e
tempos de formação, de transformação humana.”. Entendo que é preciso dar
lugar e vez para os movimentos experienciados que provoquem uma ruptura
ao que acontece na contemporaneidade, do imediatismo, no acelerar do
consumismo.
54
Quem é que vai cedo ao trabalho e fica até a noite e naquele tempo-
espaço já contemplou o anoitecer, o repouso dos pássaros ou apenas a
chegada e a partida de colegas dos outros turnos? Quantas vezes sentamos
em uma praça para ver o trânsito em que todos os dias estamos inseridos?
Quem tem tempo para dialogar demoradamente com um idoso, seus vizinhos,
seus colegas de trabalho?
Em minhas experiências, muitas vezes, não sabia se lá fora já tinha
anoitecido, no frenético ritmo capitalista, das metas às exigências dos
superiores hierárquicos. Quem, quem arriscaria o pão (o ter) nosso de cada
dia?
Minamos a dimensão kairológica e nos amarramos ao tempo
cronológico, são relações fugazes, sem sentidos, voláteis, despercebidas de
sentidos, de unidade e continuidade. Daí a dualidade entre a vivência e a
experiência, conforme as reflexões propostas por Bragança (2011, p. 158):
De acordo com Benjamim (1993) encontramos uma contraposição entre vivência e experiência: enquanto a vivência é pontual e efêmera, a experiência é o que nos mobiliza, toca-nos, nos afeta; portanto, tem um potencial transformador, traz a força do coletivo, da participação do outro e tem a marca de uma abertura polifônica por seus múltiplos sentidos e leituras.
Vejo a polifonia no caminhar desta pesquisa, já que os
movimentos de recriação, ressignificação e (re) construção feita pelos
participantes, mediados pelos sistemas simbólicos, demonstram
representações de suas histórias, seus quereres, suas experiências e
vivências. Nesse sentido, a experiência é componente central, já que
esta “[...] que passa de pessoa em pessoa é a fonte a que recorreram
todos os narradores”. (BENJAMIN, 1993, p. 198).
Assim, como pesquisador narrativo interessado em pessoas e na vida
destas e “[...] como elas são compostas e vividas é o que nos interessa
observar, participar, pensar sobre, dizer e escrever sobre o fazer e o ir e vir de
nossos colegas, seres humanos” (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 22).
Portanto Experiência é “ponto inicial e termo chave”, já que “experiência e vida
estão inextricavelmente inter-relacionadas” (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p.
24).
55
Seguindo os entendimentos da filosofia do conhecimento de John
Dewey a vida é entendida como toda experiência do indivíduo e/ou da espécie,
de sorte que “ [...] compartilhar a experiência é o maior dos bens humanos”
(DEWEY, 1972, p. 202). Para Dewey o início de todo raciocínio é a experiência.
É nesse (com)partilhar que vemos que a Experiência detém de caracteres
ativos-passivos, da ação e do subsequente, do que nos acontece, nos toca:
Agora a experiência converte-se em coisa primariamente ativa. O organismo não se queda parado, [...] sempre a espera de algo fortuito; não permanece passivo e inerte, aguardando que alguma coisa o impressione desde o exterior; pelo contrário, age sobre o meio ambiente, de acordo com sua própria estrutura, simples ou complexa. Em consequência, as mudanças produzidas no meio ambiente reagem sobre o organismo e sobre suas atividades, de sorte que o ser vivente experimenta as consequências do seu próprio comportamento. Esta conexão íntima entre agir e sofrer ou arrostar constitui aquilo que denominamos experiência. (DEWEY, 1959a, p. 104).
Sob este prisma, podemos dizer que Experiência são as histórias que
as pessoas vivem (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 27).
Experiência é um termo chave nessas diversas pesquisas. Para nós Dewey transforma o termo comum, experiência, de nossa linguagem de educadores, em um termo de pesquisa e, assim, nos dá um termo que permite um melhor entendimento da vida no campo da Educação.
A partir e além de tais perspectivas, entendo que Experiência deve ser
entendida como “ [...] o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca.
Não o que se passa, não o que acontece, ou que toca” (LARROSA, 2002, p.
21). Pondero, ainda, que é “[...] algo que nos acontece e o modo como lhe
atribuímos ou não um sentido [...] (LARROSA, 2002, p. 27), portanto é algo
singular, particularizado, pois são experienciados cada um a sua maneira, já
que pela subjetividade o que é comum para mim pode não ser pra o outro.
Nesta esteira, Larrosa (2002) colaciona componentes fundantes da
noção de experiência e dois merecem ser destacados, quais sejam: dimensão
de travessia e de perigo. Estes podem ser verificados pela semântica da
palavra, conforme ensina Larrosa (2002, p. 25):
A palavra experiência vem do latim experiri, provar (experimentar). A experiência é em primeiro lugar um encontro
56
ou uma relação com algo que se experimenta, que se prova. O radical é periri, que se encontra também em periculum, perigo. A raiz indo-européia é per, com a qual se relaciona antes de tudo a ideia de travessia, e secundariamente a ideia de prova. Em grego há numerosos derivados dessa raiz que marcam a travessia, o percorrido, a passagem: peirô, atravessar; pera, mais além; peraô, passar através; perainô, ir até o fim; peras, limite. Em nossas línguas há uma bela palavra que tem esse per grego de travessia: a palavra peiratês, pirata. [...] Em alemão, experiência é Erfahrung, que contém o fahren de viajar. E do antigo alto-alemão fara também deriva Gefahr, perigo, e gefährden, pôr em perigo.
Enquanto sujeitos das experiências, imersos no mundo globalizado em
que cada dia é mais raro um tempo para observar, olhar, perceber e perceber-
se, com atenção e paciência, tanto pela inundação de informações e opiniões,
excesso de trabalho e escassez do tempo, ficamos reféns, pois “cada vez mais
tempos menos tempo”, [...] a falta de silêncio a e de memória são inimigas
mortais da experiência.” (LARROSA, 2002, p. 23).
Mas ansiamos pelo aprimoramento do nosso ser, de nossa existência
e como sujeitos que não se definem “ [...] por sua atividade, mas por sua
passividade, por sua receptividade, por sua disponibilidade, por sua abertura”
(LARROSA, 2002, p. 24), de modo que se deve dar sentido ao nosso ser e ao
que nos acontece, expondo ao novo, criando um tempo para a devida atenção
ao que passa e transpassa pelas novas retinas, pelos nossos sentidos. Mais
uma vez, Larrosa (2002, p. 24) assevera:
A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.
Assim, como pesquisador, juntamente com os jovens universitários
participantes, quero olhar mais e melhor, vagarosamente, aos que nos passa e
transpassa, compondo sentidos para os fios que a tela da vida de cada
57
participante se corporifica, colocando-me como sujeito de minha experiência e
oportunizando vivências e experiências em um ciclo espiral de continuidade.
Ao se falar em experiência, é sempre necessário trazer à discussão a
visão de Dewey, uma vez que amplos foram seus estudos acerca do tema, em
especial no que diz respeito às diferentes visões críticas sobre o assunto.
Antes de mais nada, é importante refletirmos sobre as concepções
teóricas aqui usadas, pois, ao tratar de Experiências, dialogamos com as
conceituações trazidas por Dewey e Larrosa.
Os autores citados acima têm pontos de vista distintos, tanto na
dimensão filosófica como a própria concepção de Experiência. No entanto, o
exercício aqui proposto é de um diálogo que demonstre o conceitual de cada
um para Experiência, todavia denote as confluências entre as percepções de
Dewey e Larrosa.
Dewey (1997) e Larrosa (2002) argumentam a favor do papel
“formador” da experiência, importante para a constituição do sujeito e a
protagonização do sujeito que são elementos visíveis nos escritos dos dois
teóricos. Note que em Dewey (1997) há a ideia de “educação como construção
e reconstrução da experiência”, em Larrosa (2002), tem-se o “acontecimento
da experiência”.
Ademais, advogam-se pelo entendimento de que experienciar é viver
determinadas condições possibilitadoras para que a experiência efetive-se.
Para Dewey (1972), a experiência significa preservar, por meio da
memória, o resultado líquido daquilo que as pessoas fazem e sofrem na
multiplicidade do particular, uma preservação que trabalha com a habilidade
positiva de manter práticas futuras e de promover o sucesso em novas
situações.
Nesse sentido, a filosofia teria se originado na tentativa de reconciliação
de duas formas diversas de pensamento, porém, em momento algum ocorreu
de forma justa e equilibrada. Longe disso, a filosofia já surgiu dualista, de modo
a representar, pelo rigor metafísico, a sociedade hierarquizada de seu tempo.
Seria a razão a responsável por todo o significado, idealidade e propósito na ou
da experiência (DEWEY, 1972).
Assim, a noção de experiência, desde pronto, atrelou-se à atividade
científica e ao método experimental, que daria origem ao controle do homem
58
sobre a natureza e, consequentemente, progresso material. Nessa esteira, a
filosofia moderna estabeleceu suas bases com a substituição do [...] “idealismo
baseado na metafísica da antiguidade clássica por um idealismo baseado na
epistemologia, ou teoria do conhecimento” (DEWEY, 1959b, p.78)
Logo, para a filosofia, não é possível confiar na experiência como base
sólida para as crenças e guia para a conduta, uma vez que não se deve
acreditar na experiência de forma alguma, visto que ela engana. Tal visão se
deve ao fato de a filosofia acreditar que há uma razão fora e acima da
experiência.
No entanto, crítico dessa visão, Dewey (1959b, p. 109) buscou rebater
tal ideia. Considerando sua perspectiva, é possível entender que, segundo ele,
a “experiência é o poder libertador”, já a razão, “é o fator conservativo e
escravizador do espírito”.
Nesse contexto, afastava-se cada vez mais do dualismo defendido
pela filosofia, de sorte que o pensar ou a “[...] reflexão é o discernimento da
relação entre aquilo que tentamos fazer e o que sucede em consequência.
Sem algum elemento intelectual não é possível nenhuma experiência
significativa”. (DEWEY, 1959, p. 158)
Assim, segundo Dewey (1959b, p. 159):
[...] pensar é o esforço intencional para descobrir as relações específicas entre uma coisa que fazemos e a consequência que resulta, de modo a haver continuidade entre ambas. Desaparece seu isolamento, e, por conseguinte, sua justaposição puramente arbitrária: e toma seu lugar uma situação unificada a desenvolver-se.
Ainda para Dewey (1972, p. 37):
Uma experiência é o que é, porque uma transação está ocorrendo entre um indivíduo e o que, ao tempo, é o seu meio [...]. O meio ou o ambiente [...] é formado pelas condições, quaisquer que sejam, em interação com as necessidades, desejos, propósitos e aptidões pessoais de criar a experiência em curso.
Além disso, para Dewey (1972, p.199), cristalinas são as conexões entre
o termo lockeano observação e o termo platônico memória, visto que, sob a
influência de Bacon, Locke ligou o conhecimento à experiência por meio das
59
sensações empíricas, como ver, tocar, pegar e sentir – que residiam na
observação da natureza no empirismo idealista de Locke.
Na linha deweyana, a experiência pode ser entendida como “ [...]
associações fortuitas, por conexões meramente físicas, de estados de
consciência individualistas” (DEWEY, 1972, p. 204).
Desse modo, o autor deu à razão um lugar secundário na experiência, já
que as causas iniciais e finais de toda a ação são as sensações; a razão é um
elemento externo, é escrava das sensações. Isso porque as razões seguem
emoções, no sentido de ajudá-la a alcançar o seu fim. Portanto, ele também
reafirma a dicotomia entre razão e emoção. Segundo Dewey (1959b, p. 106):
[...] os racionalistas desacreditavam nos sentidos como meios válidos ou superiores de conhecer os objetos, uma vez que [...] nunca logramos captar coisa alguma em si mesma ou intrinsecamente (grifo do autor); por outro lado, os empiristas menosprezaram todas as pretensões dos racionalistas em relação a um conhecimento absoluto pela razão. Na verdade, os empiristas se fixaram na utilidade de suas experiências e se esqueceram das finalidades mais amplas de seus atos.
Dessa forma, os racionalistas trabalham com definições pelas quais eles
mesmos não participam da atividade e do lugar de onde eles nascem, ou seja,
sua única preocupação está nos conceitos universais adquiridos pelas sínteses
elaboradas pela mente humana. Em ambos os casos, a experiência está
separada do sujeito; especialmente no que concerne ao empirista, às emoções
separam-se do objeto do conhecimento; e, no caso dos racionalistas, a razão é
que está afastada dos objetos do conhecimento.
No que tange à filosofia moderna, Dewey argumenta que, no passado,
fazer menção alguma ação prática geral era depreciativo, visto que toda a
prática, segundo Dewey (1959b, p.101), não recebia tratamento de ciência,
mas era visto como conhecimento empírico. Ao contrário, Dewey defende que
o homem médio, dedicado a si mesmo, é um ser de desejos e não um ser de
estudos intelectuais, pesquisa e especulação; ele é governado pela memória
fantasiosa, sugestiva e dramática, e não pelo pensamento sistematizado.
Com base nessa discussão a respeito da experiência, podem-se extrair
duas conclusões: a primeira é que a experiência pressupõe um elemento ativo
e outro passivo. Experiência deve ser vista como mudança, porém haverá
60
apenas uma mudança mecânica ou física, se não estivermos atentos às
consequências de nossas ações, que do ambiente emergem.
Assim, quando essa relação tem continuidade, a partir das
consequências, em idas (postura ativa) e vindas (postura passiva), tem-se um
indicador de que a experiência se tornou reflexiva e, dessa forma, há um sinal
de que o campo da experiência está aberto para mais amplas e mais profundas
significações. No que tange a uma situação problemática – a capacidade
humana de pensar a própria experiência é a particularidade que diferencia
nossas experiências de outras, como a experiência de objetos inanimados.
A segunda conclusão do autor é que a medida de valor de uma
experiência está em constatar as relações ou continuidades da experiência, ou
seja, reside em tornar mais amplas e ricas nossas próprias experiências, a
ponto de conseguirmos um acúmulo intelectual que nos conceda um equilíbrio
ainda que temporário com o ambiente.
Dessa forma, nota-se que a filosofia da experiência é uma atitude ativa e
passiva e significativa, ou seja, valorativa, que precisa pôr fim a um caso
problemático, na experiência, por meio da reflexão. É o que Dewey nomeia de
filosofia da experiência.
Vale mencionar, ainda, que a filosofia, assim como a ciência, nasce de
problemas do mundo. Assim, a filosofia deweyana trabalha com a ideia de que
experiência, vida e inteligência têm conceitos semelhantes e podem ser
entendidas como sinônimos.
Ainda segundo Dewey (1959b, p. 300) quando “[...] aprendermos por
experiência”, não é possível separar os elementos das formas lógicas dos
elementos da experiência humana. “Quando o ato de tentar ou experimentar
deixa de ser cego pelo instinto ou pelo costume, e passa a ser orientado por
um objetivo e levado a efeito com medida e método, ele torna-se razoável –
racional”.
Dewey (1959b, p.62-63) nos lembra que o aperfeiçoamento do ato de
pensar “[...] consiste num desenvolvimento da curiosidade, da sugestão e dos
hábitos de pesquisar e verificar, que seja de molde a aumentar a sensibilidade
às questões e o amor da investigação do problemático e do desconhecido”.
Para ele, não é novidade alguma que todos nós passamos por
experiências, sejam elas boas ou más, educativas ou não educativas ou até
61
mesmo deseducativas. Não é preciso insistir muito sobre o fato de termos ou
não experiências. O que se torna realmente válido chamar a atenção é para a
qualidade imediata e mediada da experiência, porque “tudo depende da
qualidade da experiência por que se passa” (DEWEY, 1972, p. 16).
Ainda, convém destacar que a experiência envolve fatores que não
podem ser reduzidos ao simples “fazer”. Experienciar é viver determinadas
condições que possibilita a efetivação da experiência. Está clara a ligação entre
a experiência e os fatores que a possibilitam ou não na sociedade e nas
instituições educacionais.
O sujeito da experiência para Dewey é aquele que exerce o pensamento
reflexivo, que é capaz de voltar-se para si e assimilar aquilo que se lhe
apresenta de novo, em um movimento de contínua construção e reconstrução
de experiências.
A simples atividade não constitui experiência, vai além, é mais
complexa. Logo, o que marca a atividade não é capaz de abarcar a amplitude
de uma experiência. A segunda, a experiência, marca-se por um fluxo e refluxo
alimentados de significação. Esta apenas ocorre quando há uma continuidade
na atividade, gerando mudança naquele que pratica a ação.
As experiências estão imbrincadas a memória do sujeito que vivencia e
exerce o pensamento reflexivo no contínuo movimento proposto por Dewey, de
modo que sobre Bergson, no interessante o recorte feito por Bosi (1987),
destilha que há dois tipos de memória, quais sejam, memória-hábito e memória
pura. A primeira é atrelada à memorização, à repetição de algo, já a segunda
refere-se ao que é guardado por valoração, afetividade dada por quem lembra.
Ainda no que diz respeito à afetividade, Chácon (2003) expõe que
existe uma relação entre afeto e cognição. Para ela, os sentimentos, crenças,
dentre outros elementos estão presentes na vida escolar e fazem toda a
diferença na aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes.
Nessa esteira, Le Doux (1999), em uma perspectiva fisiológica, ensina
que o sistema da amígdala ministra a memória emocional inconsciente,
enquanto o hipocampo nos traz a memória consciente de uma experiência
emocional.
Dessa forma, o autor defende que os sentimentos e os pensamentos
conscientes se assemelham e os dois são decorrentes de processos
62
inconscientes. Le Doux esclarece ainda que as emoções influenciam mais a
razão do que o inverso. Segundo ele, ambas as memórias "[...] se unem em
nossa experiência consciente de um modo tão imediato e rigoroso que não
podemos analisá-la minuciosamente mediante a introspeção".
E assim, pode-se dizer que há um entrecruzar, uma completude, um
imbricar das memórias individual e coletiva. De modo que a memória coletiva
“[...] se desenvolve a partir de laços de convivências familiares, escolares,
profissionais [...]” (BOSI, 1987, p. 410). Assentada em uma concepção
halbwachiana, Bosi (1987) sustenta que cada sujeito aprende o compasso
social do tempo, de forma singular, de modo que a memória do homem é
conhecida e reafirmada por uma interação coletiva. Veja os dizeres de Dias
(2008, p. 39):
Cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva, que esse ponto de vista muda conforme o lugar ocupado e frisa que o próprio lugar mesmo muda segundo as relações mantidas com outros meios.
Dessa forma, a memória individual é uma construção que se dá no seio
das relações entre as pessoas inseridas num contexto social específico. Deve
ser entendida, sobretudo, como um resultado das experiências coletivas e
sociais. A experiência individual é única e quem a detém é somente o sujeito
dessa experiência, porém é absolutamente marcada por traços da vida social,
o que a torna subjetiva.
Nessa mesma esteira, compartilho com as ideias o sociólogo François
Dubet (1994) que assegura que a experiência não é a expressão de um ser ou
de um puro sujeito, pois que é socialmente construída. Na medida em que o
que se conhece da experiência é aquilo que dela é dito pelos atores, este
discurso vai colher as categorias sociais da experiência. (DUBET, 1994, p.
103).
Importante, nesta vereda, conceituar Experiência Social, já que
partilhamos de que tal instituto serve para o enredo dessa pesquisa. Assim,
Dubet (1994, p. 105) explica:
A sociologia da experiência social visa definir a experiência como uma combinatória de lógicas de ação que vinculam o ator a cada uma das dimensões de um sistema. O ator deve
63
articular estas lógicas de ação diferentes e a dinâmica que resulta desta atividade constitui a subjetividade do ator e sua reflexividade.
Práticas sociais e lógicas de ação são os componentes centrais para
interpretar o conceitual de Dubet (1994) sobre a experiência, de modo que três
características latejam: “[...] heterogeneidade dos princípios culturais e sociais
que organizam as condutas”; “[...]distância subjetiva que os indivíduos mantêm
em relação ao sistema”;“[...] a construção da experiência coletiva, substituindo
a noção de alienação (DUBET, 1994, p. 15-17).
Assim, a experiência é socialmente feita/construída, pois o sujeito inicia
a construção de seus itinerários pelas vivências, práticas e relações com o
mundo.
É no tecer dos fios das memórias que pretendo bordar as Experiências
Pessoais e Formativas dos jovens universitários no Curso de Direito, suas
vozes entrelaçadas no plano individual e coletivo. Desnudar os sentidos, os
sentimentos, as reflexões, do vivido ao experienciado, os desejos, as
expectativas dos projetos do por vir, por meio da narrativa, pois “A narração da
própria vida é o testemunho mais eloquente dos modos que a pessoa tem de
lembrar. É a sua memória” (BOSI, 1987, p 68).
Ainda nessa esteira, Bosi (1987. p. 39) assevera que:
A memória é um cabedal infinito do qual só registramos um fragmento. Frequentemente, mais vivas recordações afloram depois da entrevista, na hora do cafezinho, na escada, no jardim, ou na despedida no portão. Muitas paisagens não foram registradas, foram contadas em confiança, como confidencias. Continuando a escutar ouviríamos outro tanto e nada mais. Lembrança puxa lembrança e seria preciso um escutador infinito.
‘Aprender da experiência’ é fazer uma associação retrospectiva e
prospectiva entre aquilo que fazemos às coisas e àquilo que em consequência
essas coisas nos fazem gozar ou sofrer. Nesse contexto, a ação transforma-se
em tentativa; experimenta-se o mundo para se saber como ele é; na
descoberta das relações entre as coisas (DEWEY, 1959a, p. 153).
Nesse mesmo sentido, para Josso (2004, p. 40-41)
64
São as experiências que podemos utilizar como ilustração numa história para descrever uma transformação, um estado de coisas, um complexo afetivo, uma idéia, como também uma situação, um acontecimento, uma atividade ou um encontro. E essa história me apresenta ao outro em formas socioculturais, em representações, conhecimentos e valorizações, que são diferentes formas de falar de mim, das minhas identidades e da minha subjetividade. Assim, a construção da narrativa de formação de cada indivíduo conduz a uma reflexão antropológica, ontológica e axiológica.
A professora Terezinha Valim O. Gonçalves escrevendo sobre a
Pesquisa Narrativa demonstra como são delicados os vários fios que compõem
as possibilidades. Neste tipo de pesquisa, para as memórias e experiências
do/com ser, já que “o próprio ato de descrever experiências vividas pode
produzir autoconhecimento e emoções e afeta identidades e subjetividades”.
(GONÇALVES, 2011, p. 73).
É no entrecruzar das memórias e experiências que esta pesquisa é
inspirada, propondo a compreensão das histórias dos jovens ingressantes na
Universidade.
Mas afinal, quem é a juventude na contemporaneidade? Quem é este
“ser jovem”? O próximo item tratará de alguns apontamentos cujo objetivo é
classificar tal pergunta.
2.3 JUVENTUDE: IDENTIDADES, OLHARES E DIÁLOGOS COM OS DEBATES CONTEMPORÂNEOS
É na tessitura da história da sociedade que se vê a construção
social, cultural e histórica do jovem, da juventude, que em um
espaço/tempo difere, enquanto grupo social, do mundo adulto e se
distancia da infância. É no entremeio do respeito aos seus direitos e do
entendimento de que são sujeitos do processo social, bem como pela
interpretação, de alguns, que se encontram permanentemente em
situação de risco (SPOSITO, 2002) que está submersa a constituição da
identidade juvenil.
É na juventude que o indivíduo tem o campo propício para a
exploração de suas potencialidades, o que lhe possibilita construir -se na
65
história e na sociedade. A partir de então, ele escolhe caminhos, faz
opções que são capazes de revelar ao mundo as singularidades de sua
existência. Tudo isso se compõe como uma constituição de enunciação
da pessoa, que reflete um posicionamento e uma condição sociocultural
construída. (FORACCHI, 1977).
Na zona nebulosa das definições, nas paisagens incertas, as
vivências, as aspirações e os desejos experimentados, em diferentes
relevos, geram novas experiências, escolhas, desafios, expectativas e
projetos que marcam a condição juvenil (PAIS, 2006), já que a juventude
pode ser entendida como uma mão-dupla, ciclo de vida e inserção na
sociedade (CORROCHANO, 2008).
Diante das incertezas da modernidade líquida, o jovem é
marcado como gado pelo projeto-ser-adulto, pelo vir-a-ser, e,
infelizmente, não é entendido como um ser constituído de história que
deve ser respeitado no tempo do hoje (“aqui e agora”) (CASTRO,
2001).Tempo de possibilidades, do experimentar, da busca, do prazer,
dos erros/acertos (VAYRELL, 2001).
As teorias que tentam categorizar, sistematizar e conceituar a
juventude, o ser jovem tem variadas silhuetas, com relevos biológicos,
bio-psíquicos, educacionais, trabalhistas e políticos, mas entendo
melhor trilhar pelo conceito proposto por Aguiar e outros (2007, p. 168),
no sentido de que jovem é fruto da construção humana, diferenciando-se
conforme o contexto social, bem como nos aportes teóricos de
Abramovay e Esteves (2007, p. 21):
[...] a juventude, por definição, é uma construção social, ou seja, a produção de uma determinada sociedade originada a partir das múltiplas formas como ela vê os jovens, produção na qual se conjugam, entre outros fatores, estereótipo, momentos históricos, múltiplas referências, além de diferentes e diversificadas situações de classe, gênero, etnia, grupo etc. (Grifo Nosso)
Não é minha intenção propor um Estado do Conhecimento
(Estado da Arte) sobre as pesquisas sobre os jovens, a juventude, no
entanto, acredito que são pertinentes neste espaço/tempo algumas
66
ponderações sobre os principais trabalhos realizados, já que os
participantes da minha pesquisa são os jovens universitários e não há,
em que pese existir uma diversidade bibliográfica de olhares desde
1990, uma produção teórica consubstanciada e desfragmentada “ [...] de
uma área analítica específica que focalize o jovem universitário [...]”
(CARRANO, 2002, p.149). O mesmo autor, ainda, alerta sobre a
necessidade de dar vez/voz, dialogar, para com os jovens universitários:
[...] no sentido de buscar perceber como sente, pensa e age o jovem estudante em condição de sujeito cultural e político que participa da estrutura e sofre as determinações da vida trazendo para ela as disposições e orientações absorvidas em outros momentos de seu percurso pessoal e social.
A obra “Estado do Conhecimento- Juventude e Escolarização”,
publicada no ano de 2000, foi resultado de um estudo muito bem
sistematizado por Sposito (2002) sobre as produções no período de
1980-1998, de sorte que os artigos da obra abordam contextos diversos
desse jovem imerso no mundo da escola, no trabalho, na exclusão
social, na violência, na política, nas mídias e nas diversidades.
Pinço dessa pesquisa, aclamada como divisor de águas nos
estudos sobre os jovens, juventude e cultura juvenil, um entendimento
que lança luzes, formando uma “micro-clareira” sobre o meu objeto de
estudo- os jovens universitários. É que Carrano (2002) e Sposito
apontam que há poucos trabalhos que estudam as estratégias
cotidianas, aspirações e experiências e de como os jovens universitários
vivenciam os estudos.
Diante das transformações sociais do Brasil e do mundo, em
especial a abertura à Educação Superior por faixas etárias cada vez
menores, da “ascensão intergeracional” (RUAS, 1998, p.5) e pelos
dados da pesquisa realizada por Pimenta (2008, p. 229), em 1995, que
descreve que os universitários são jovens, solteiros, com menos de vinte
e cinco anos de idade, cristalina a importância dessa “ [...] questão da
identidade cultural, de quem fazem parte a dimensão individual e a de
67
classe dos educandos”; “[...] é problema que não pode ser desprezado”
(FREIRE, 2003,p.41).
Retomando aos principais estudos sobre os jovens, Sposito
(2009), já em um segundo estudo que contemplou o período de 1999-
2006, sobre a produção acadêmica sobre a temática, pondera o
somatório de “1293 trabalhos”, sob outros olhares, carências e
porosidades de campos de investigação (SPOSITO, 2009, p. 27-29).
Ainda, destaco os estudos de Abramo (1997) que demonstram
que nas culturas e identidades juvenis são importantes os múltiplos
olhares ao derredor, isto é, nos contextos sociais, pois juventude é ciclo
de vida e inserção na sociedade (CORROCHANO, 2008). Não apenas
jovens, mas grupos juvenis “[...] que constituem um conjunto
heterogêneo, com diferentes parcelas de oportunidades, dificuldades,
facilidades e poder nas sociedades” (ABRAMOVAY; ESTEVES, 2007. p.
21).
Há estudos na perspectiva sociológica que discutem o termo
culturas juvenis que para Sposito (2005) são as experiências, práticas,
valores que distinguem o grupo, já quem tem uma autonomia, de certo
modo. Em sendo estrutura social, pondera Ronsini (2005, p. 122) a
sinonímia entre culturas juvenis e identidade juvenil, colacionando:
[...] é um processo de fazer-se, individualmente e coletivamente na experiência social com os repertórios disponíveis ou desejados que seja confrontados ou abandonados de acordo com a circunstância e a conveniência.
Distintos são os recortes desses estudos, mas imperioso (e sou
testemunha) destacar que na atualidade os jovens estão atentos e se
preocupam com o futuro, sua trajetória pessoal e profiss ional, tanto o é
que Abramo e Branco (2005) apontam em pesquisa que os itens
educação e vida profissional tem destaque garantido em suas
aspirações futuras. O que Zago (2005) critica é falar em escolha de vida,
de futuro profissional. Seria mesmo uma escolha? Ou seriam apenas
possibilidades frente à realidade, uma simples adaptação?
68
No mesmo sentido, no que concerne às trajetórias, Scütze
(2010), defende que elas podem ser classificadas em negativas e
positivas. Enquanto as primeiras são “[...] curvas ascendentes que
abrem, por meio do estabelecimento de novos posicionamentos sociais,
novos espaços, possibilidades de ação e desdobramentos da
identidade”, as negativas seriam “curvas descendentes que reduzem
progressivamente os espaços e possibilidades de ação e de
desenvolvimento”.
É nesse contexto que o jovem contemporâneo, em que a fluidez
é marca, é pressionado por tornar-se universitário para ascender
profissionalmente, em busca da sonhada mobilidade social, aspirações
pelas vantagens sociais, relevando o conflito dos outsiders e
estabelecidos, em um reconfigurar “entre os nós e o eles na encenação
de jogos de poder” (ELIAS, 2000, p. 33), também visíveis na constituição
dos cursos universitários cada vez mais atrelados ao mercado de
trabalho (CHAUÍ, 2001), não oportunizando espaços, tempos, paisagens
de elevação do homem a novos horizontes, novas experiências consigo
e com o outro, singularidades que deveriam fazer parte das vivências e
experiências universitárias dos jovens.
2.4 UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO JURÍDICA: DO MONOCROMÁTICO13 À UMA PAISAGEM VIVA DOS NOVOS TEMPOS
A Educação Superior no Brasil está diante de um processo de
mudança histórico-social, em um movimento de fazer/desfazer/refazer novas
concepções, práticas e de políticas públicas, com o fito de adaptar-se e
integrar-se à complexidade da vida atual.
Diante da diversidade atual de instituições de Educação Superior, é
importante salientar que tal nível de ensino não ocorre somente na
Universidade. Temos também os centros universitários, faculdades, institutos,
dentre outros.
13
A expressão refere-se ao modo monocromático de ver, sentir e perceber a cultura da
Educação Jurídica, algo que perpassa o habitus de como se dá o processo de ensino. Fica impregnado a meu ver sensações, apenas, aparentemente distintas para uma cor só e isso, metaforicamente, não deve servir para a Educação Jurídica. Esta deve ser vibrante, viva, colorida de possibilidades e potencialidades
69
Nesta pesquisa, em que pese a discussão teórica entre Ensino
Superior e Educação Superior, entendo que a terminologia correta para os
meios e fins deste contexto investigativo é entender a Educação como um bem
social e não como um produto para a entrega da técnica, do conteúdo
científico. Penso que muito mais do que o mero ensino, neste nível de
conhecimento devemos elevar o homem a novas culturas, novos horizontes,
oportunizando novos olhares, transpassando o ensino, a pesquisa e a
extensão, mas sedimentando pilares para uma educação para/pela formação
humana. Além do mais, a interpretação legislativa deixa às claras que na Lei
9394/1996- Lei de Diretrizes e Bases da Educação- a terminologia apropriada é
Educação Superior.
Historicamente, sobre este nível de educação, há uma celeuma em
relação ao seu surgimento e tem, como marcos fundantes, as Universidades de
Boulogne (1190) de Oxford (1214) e de Paris (1215), como campo de lutas pela
real universalidade das ideias e ideais de autonomia, formação técnica e
humanizadora.
Inspirados nos movimentos internacionais, as universidades brasileiras
se caracterizam pela indissociabilidade das atividades de ensino, pesquisa e
extensão. São instituições pluridisciplinares de formação dos quadros
profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo
do saber humano, que se caracterizam por: produção intelectual
institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais
relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural quanto regional e
nacional; um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de
mestrado ou doutorado; e um terço do corpo docente em regime de tempo
integral (BRASIL, 2006).
Com o aumento significativo do número de instituições de Educação
Superior e de matrículas de novos alunos, a ampliação do acesso à educação
superior foi visível, mesmo com o viés capitalista e sem observância à
qualidade, a infraestrutura e aos necessários docentes qualificados. Nesse
contexto, mostra-se vital refletirmos: qual é a Educação Superior que
queremos? Seria apenas de ensinar tecnicamente a pessoa para o mercado de
trabalho ou ir além do horizonte capitalista, humanizando o ser, em busca da
70
justiça social e à realização integral do cidadão? Um espaço de luta, resistência
do que está posto?
A UNESCO, no ano de 1998, lança a Declaração Mundial sobre
Educação Superior do Século XXI, no qual propõe eixos orientadores de uma
política educacional superior os quais primam por uma educação permanente,
corroborando com os pilares da educação, por toda uma vida, propostos por
Delors (2003), quais sejam: aprender a ser, aprender a fazer; aprender a viver
juntos; aprender a conhecer.
Sob este prisma, convém ponderar que a Universidade tem como
finalidade muito além de mera transmissora de conhecimentos (depositária de
conteúdos) e sim possibilitadora, construtora de conhecimentos, de formação
que desperte competências e habilidades, proponha reflexões, estudos e
rupturas de preceitos arraigadas para uma liberdade, para a emancipação. Nos
dizeres de Freire (1993, p. 58):
Eis aí a concepção bancária da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. Na visão "bancaria" da educação, o "saber" é uma doação dos que julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão e absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação e ignorância [...]
No contexto institucional, vemos que a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei n° 9.394 /1996) classifica as instituições de ensino no
Brasil, conforme seu artigo 19:
[...]- públicas entendidas as criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo Poder Público; - privadas entendidas as mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de Direito privado. (BRASIL, 1996, p.28)
De modo que o artigo colacionado acima é regulamentado pelo
Decreto n° 3.860, de 9/7/2001, que indo além dispõe:
Art. 1° As instituições de ensino superior classificam-se em: I - públicas, quando criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo Poder Público; e II privadas, quando mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de Direito privado.
71
Art. 2° Para os fins deste Decreto entende-se por cursos superiores os referidos nos incisos I e 11 do art. 44 da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Com relação às entidades mantenedoras o decreto dispõe: Art. 3° As pessoas jurídicas de Direito privado, mantenedoras de instituições de ensino superior, poderão assumir qualquer das formas admitidas em Direito de natureza civil ou comercial, e, quando constituídas como fundação, serão regidas pelo disposto no art. 24 do Código Civil Brasileiro. (BRASIL, 2001, p.12)
O artigo 43 da Lei 9.394/96 especifica a finalidade da Educação
Superior, in verbis:
I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo; II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua; III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive; IV- promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação; V - suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração; VI - estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade; e VII - promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição (BRASIL, 1996, p.37).
No ano de 1998 foi efetivada a Declaração Mundial sobre Educação
Superior no Século XXI: Visão e Ação pela UNESCO, na qual traz a concepção
de educação ao nível superior, a saber:
[...] a educação serve à sociedade de diversas maneiras e sua meta é formar pessoas mais sábias, possuidoras de mais conhecimentos, bem informadas, éticas, responsáveis, críticas e capazes de continuar aprendendo. Se todos os seres humanos tivessem essas aptidões e qualidades, os problemas do mundo não se resolveriam automaticamente, porém os
72
meios e a vontade de fazê-lo estariam ao alcance das mãos. A educação também serve à sociedade, oferecendo uma visão crítica do mundo, especialmente de suas deficiências e injustiças e promovendo maior grau de consciência e sensibilidade, explorando novas visões e conceitos e inventando novas técnicas e instrumentos. A educação é, também, o meio de divulgar o conhecimento e desenvolver talentos para introduzir as mudanças desejadas nas condutas, valores e estilos de vida e para suscitar o apoio público às mudanças contínuas e fundamentais que serão imprescindíveis para que a humanidade possa modificar sua trajetória, abandonando a via mais comum que leva a dificuldades cada vez maiores e a uma possível catástrofe, para iniciar seu caminho a um futuro sustentável. A educação é, em síntese, a melhor esperança e o meio mais eficaz que a humanidade tem para alcançar o desenvolvimento sustentável (UNESCO, 1998, p. 35).
No Brasil, na perspectiva do neoliberalismo, em que pese as críticas ao
sistema proposto, vemos que as políticas públicas da Educação Superior
cresceram. De todo modo, a oferta de ensino foi elevada, mas e a qualidade?
No caso dos Cursos de Direito no Brasil, lembro que no ano de 2012 os
dados oficiais do Censo do Ensino Superior- CENSUP - , Ministério da
Educação e Cultura –MEC- apontaram no sentido de que na República
Federativa do Brasil existiam 737.271 (setecentos e trina e sete mil, duzentos e
setenta e um) estudantes de Direito nas instituições públicas e privadas. Um
número ainda crescente pela quantidade de faculdades espalhadas no Brasil,
mas que demonstram algum entrave na prestação do serviço de ensino, tendo
em vista os resultados pífios na aprovação do exame da OAB, concursos
públicos, avaliações governamentais e congêneres, já que a metodologia
usada, na maioria dos cursos, ainda, é da aula expositiva, nos moldes de um
cursinho preparatório, razão pela qual ao menos deveria aprovar nos certames
que exigem a velha memorização.
Por essas e outras condições dos cursos de Direito no Brasil, algumas
decisões foram adotadas pelo MEC desde o ano de 2011, primeiramente
suspendendo 34 mil vagas e reduzindo o montante de mais de dez mil vagas
nos cursos que apresentaram resultados ruins no Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Superior - SINAES. Já no ano de 2013, suspendeu o
procedimento de inauguração de cem novos cursos e de vinte e cinco mil
vagas.
73
Nesse mesmo ano, o MEC, em parceria técnica com a Comissão
Nacional de Educação Jurídica –OAB-, realiza estudos para uma nova política
regulatória do ensino jurídico no Brasil.
Assim, após a realização de audiências públicas em todo o Brasil a
OAB apresenta ao MEC um texto final que tem os seguintes eixos: repensar
sobre/nas diretrizes curriculares e instrumentos de avaliação dos cursos de
Direito; novos parâmetros a serem considerados na avaliação; reflexões sobre
o Enade na avaliação e redução no intervalo entre as aplicações;
reconfiguração do Exame da OAB e sistemática de aplicação; vaga para a OAB
no Conselho Nacional de Educação (CNE) e aprimoramento do Núcleo de
Prática Jurídica e do estágio curricular.
Já no ano de 2014, foi anunciada a entrega do documento final ao
MEC e trâmites legais para que surtam os efeitos legais. Todavia, muito mais
do que uma positivação das necessidades do Curso de Direito do Brasil, é vital
que a sociedade civil organizada, OAB, instituições políticas e do poder,
possam somar nas ações que permitam um melhoramento no ensino, reflexos
advindos desde o ensino fundamental que é alicerçado na política do
desprestígio do papel da educação.
Nota-se que em um contexto marcado pela proliferação das faculdades
de Direito, o ensino reducionista e descontextualizado tem introduzido no
mercado de trabalho, como consequência, profissionais alienados e inaptos a
resolver os problemas que lhes são apresentados na complexidade da vida em
sociedade (RAMOS, 2012).
Ao contrário, Bittar (2001) arremata, tais problemas na “pedagogia do
Direito” são advindos de um processo de longa data. Por isso, Bitar (2001, p.
13) pontua:
Assim é que hoje se pode constatar, com olhar retrospectivo, que a crise pós-moderna do direito, em seus aspectos mais gerais, parece vir acompanhada de uma crise de ensino jurídico. Mesmo em torno da década de 1950 já se percebia o descompasso entre o que se aprendia na Academia e o que se praticava na vida cotidiana do operador.
Nessa esteira, o ensino jurídico deve conceber, pois, o Direito como um
instrumento de transformação, e, por isso, estudantes – estimulados por seus
74
professores – precisam partir para uma tomada de consciência e assumir
posturas práticas, que se mostram fundamentais para que tal realidade se
concretize. É por isso que Ramos (2012) defende que, para efetivá-lo em prol
de toda a sociedade, a disseminação do conhecimento, a intensificação do
“debate jurídico” e a abertura para a participação popular são requisitos
fundamentais.
Nesse mesmo raciocínio, Mossini (2010) ensina que a justiça está
diretamente relacionada à base normativa da educação e ao posicionamento
ético na forma como se pensa e atua nos currículos das instituições de ensino
que oferecem cursos de Direito. Portanto, pensar um novo currículo (mais
coerente e preocupado com os aspectos sociais) significa fazer uma reflexão
sobre os arranjos organizacionais e, sobretudo, éticos mais apropriados a
esses cursos.
Ainda nessa linha de pensamento, especialmente no que tange ao
ensino jurídico, Unger (2001, p. 64) argumenta que “[...] o formalismo
doutrinário em direito, sempre ressurgiu, qual fênix, das cinzas [...] Expõe-se o
direito positivo de modo a fazê-lo permanecer uma realização concreta, ainda
que falha, daquele sistema de ideias”.
Mesmo que se venha tentando alterar tal realidade, o ensino jurídico no
Brasil ainda se desenvolve sob a influência do formalismo positivista, sendo
gritante o reducionismo nos cursos de Direito no viés, apenas, do racional-
jurídico, de modo que valoriza “[...] exclusivamente seus aspectos técnicos e
procedimentais” (FARIAS 1987).
Tanto é assim que a metodologia do ensino jurídico permanece
baseando-se, sobremaneira, na transmissão de conhecimento, contexto em
que o professor se mostra como detentor do conhecimento e o aluno como
uma espécie de esponja, sempre pronto a apenas absorver tudo aquilo que lhe
é exposto. Freire (2011, p. 97) leciona:
Não há como não repetir que ensinar não é a pura transferência mecânica do perfil do conteúdo que o professor faz ao aluno, passivo e dócil. Como não há também como não repetir que partir do saber que os educandos tenham não significa ficar girando em torno deste saber.
Diante dessa realidade, refletir é vital: seria o Curso de Direito formador
de opinião, uma arena de reflexões, debates que realizam a inclusão e
75
oportuniza a conscientização para emancipação de pessoas críticas e
autônomas ou sujeitos doutrinados (no ramo jurídico os teóricos são chamados
de doutrinadores!), excessivamente dogmáticos, para compreender os
institutos jurídicos como algo pronto e acabado por um determinismo, a
normatização do que na concepção kelseniana seria o “dever ser”?
Machado (2005, p.129) chama a atenção para as concepções
ideológicas do Direito, em especial ao viés positivista desse ramo das Ciências
Sociais, de modo que é indubitável que tal adoção é diretamente ligada a uma
reprodução dos valores burgueses perante a sociedade capitalista
contemporânea.
Ainda abordando as mudanças necessárias aos cursos de Direito, Unger
(2001, p. 10) sugere:
Nesta situação uma reforma prática do ensino do direito, que capacite o aluno para a prática mais valorizada na nova realidade econômica do país e do mundo e traga o direito de volta para o centro do debate nacional, pode surtir efeito grande e rápido sobre as outras escolas de direito no Brasil. E pode, em pouco tempo, atrair muitos dos melhores professores e alunos e granjear uma reputação “horsconcours” no meio profissional e no conceito público.
Sousa Junior (2008) defende que o ensino jurídico, a partir do Pluralismo
Jurídico, precisa levar em conta os sujeitos e estes necessitam de um saber que
lhes possibilite “[...] quebrar as algemas que aprisionam nas opressões e
espoliações”, pois só assim o curso de Direito cumprirá sua essência, qual seja de
criar condições de desalienação e de transformação dos destinos, rumo à
emancipação. E isso não se faz isoladamente, mas em conjunto, de forma
solidária.
Acerca do papel da universidade no ensino jurídico, Alves (1992, p. 64)
pontua que:
[...] o papel da universidade na formação de profissionais é entendido como o de favorecer a aquisição de conhecimentos acumulados, mas falta a preocupação com a elaboração de elementos que deverão contribuir para a intervenção na realidade social. A teoria é vista e pensada como um conjunto de verdades absolutas e universais, a concepção dicotômica pode, também, manifestar-se na ênfase ou apenas no privilégio da formação prática, como se a prática tivesse sua própria lógica, independente da teoria.
76
Silva (2000) traça um quadro interessante, analisando e definindo as
proposições do “direito achado na rua”. Segundo ele, o que se pretende, de acordo
com tal visão, é:
Determinar o espaço político no qual se desenvolvem as práticas sociais que enunciam direitos, ainda que contra legem; definir a natureza jurídica do sujeito coletivo capaz de elaborar um projeto político de transformação social e elaborar sua representação teórica como sujeito coletivo de direito; enquadrar os dados derivados destas práticas sociais criadoras de direitos e estabelecer novas categorias.
Como se vê, a proposta de experiências populares, como o caso do “direito
achado na rua”, mostra-se adequada a uma possível reformulação da prática
docente nos cursos jurídicos. Relembrando: a graduação (e qualquer outro nível
educacional) jamais deve se restringir à formação tecnicista, superficial e
mecânica, que simplesmente “despeja” profissionais no mercado. Ao contrário, seu
papel só será realmente exercido com eficiência a partir do instante em que o
direito – no caso aqui explorado – extrapole os muros das instituições de ensino e
passe a servir, de fato, como instrumento de transformação social, de ratificar os
ideais democráticos, de elemento condutor para que se alcance a autonomia, a
libertação do sistema elitista que ora se apresenta e que tem se perpetuado ao
longo de nossa história enquanto nação.
Rever a formação dos cursos jurídicos pressupõe que o estudante
participe ativa e efetivamente da construção do conhecimento. Desse modo, é
papel das instituições de ensino superior proporcionar um terreno fértil para o
raciocínio não apenas técnico e legalista, mas, sobretudo, crítico, solidário, em
consonância com as demandas sociais em prol do exercício efetivo da justiça.
Dessa forma, discutir uma outra concepção de formação e currículo
seria um primeiro passo seria instigar a produção de pesquisa nos cursos de
Direito, uma vez que, por meio do conhecimento construído a partir dessa
postura, a universidade poderá trazer benefícios reais à comunidade,
possibilitando que a informação e a busca por justiça extrapolem os muros das
faculdades. Para que se alcance tal autonomia e socialização dos saberes
jurídicos, é necessário que os docentes também apresentem um perfil atuante,
engajado.
77
Ademais, é preciso que os operadores do direito – e também os
docentes – compreendam que o direito é um produto social, dotado de
dinamismo e complexidade, reflexo da vida do povo, quase que em sua
totalidade distante das elites intelectuais e culturais, mas que busca a
autonomia, a liberdade e o fim da opressão social.
O debate sobre as possibilidades de uma
Educação jurídica emancipatória e crítica propõe como possibilidade esforços
políticos educacionais e no cotidiano das instituições de ensino na construção
de um conhecimento pluriuniversitário, isto é um conhecimento contextual, em
diálogo com outras áreas (SANTOS, 2005), de modo que oportunize a escuta e
o acolhimento das propostas e caminhos das experiências dos agentes com a
lide, suas percepções (WARAT, 2001) das experiências populares de criação
do direito (SOUZA JÚNIOR, 1987; 2008) que possam possibilitar novos
olhares, sensação, experiências em busca da formação humana para/na
complexidade do viver.
2.5 PESQUISA NARRATIVA: A TELA DESSA PINTURA
As histórias não são parte da pesquisa, elas são a pesquisa. Elas não são somente textos a serem analisados, elas são o como a experiência é recontada, revivida e interpretada. Elas são o fenômeno estudado e também a forma como o fenômeno é estudado. (MELLO, 2004, p. 91)
São vários os sentidos atribuídos para o termo “narrativa”, de
modo que é empregado diferentes significados e concepções, sendo
usados nas áreas da Antropologia, Psicologia, Administração e outras.
Oschs (2001), por exemplo, toma o foco no dia a dia das pessoas “[...]
não sendo importante a relação pesquisador-pesquisado” (MELLO,
2004, p. 107).
Há ainda o uso das narrativas em perspectivas também distintas
das tratadas pelos teóricos que seguimos, como Clandinin e Connelly
(1995), Clandinin e Connelly (2011), Connelly e Clandinin (2006), Mello (2004),
Mello (1999) e outros.
78
Assim, consoante ensinam Clandinin e Connelly (2011, p. 236) entendo
que a Pesquisa Narrativa é paradigma já que é fluída, como tal desafia a
pesquisa aceita de forma majoritária e as “suposições de representações”.
Estudar a Educação é, sem sombras de dúvidas, estudar experiências de vida,
conforme Dewey (1938) e Clandinin e Connelly (2000, 2011), nessa
perspectiva a Pesquisa Narrativa representa o caminho teórico-metodológico
rotulado pelos autores canadenses Clandinin e Connelly, já no Brasil há
trabalhos de Mello e Telles.
Vejo que a Pesquisa Narrativa tem como ponto nodal a experiência,
isto é, “uma forma de compreender a experiência” (CLANDININ e CONNELLY,
2011, p. 51), configurando-se como método e fenômeno de estudo. O
fenômeno está atrelado à ideia de história ou relato, enquanto que a narrativa
está ligada à investigação ou o texto científico do pesquisador.
Ainda nesse ponto, Clandinin e Connelly (1995) explicam que o tempo
e o espaço se convertem em construções escritas em forma de trama e
cenário, respectivamente. O tempo e o espaço, a trama e o cenário, trabalham
para juntos criar a qualidade experiencial da narrativa’. Mello (2004, p. 85)
escreve que a Pesquisa Narrativa está inserida “[...] dentro desse imenso
guarda-chuva de pesquisa qualitativa existente”, por estar focalizada na
experiência humana e de visões holísticas sobre o objeto de estudo.
Nessa esteira, Clandinin e Connelly (1995, p. 16) asseveram que
[...] a narrativa está relacionada com o trabalho de pesquisadores educacionais de orientação qualitativa, que lidam com a experiência a partir de filosofia, psicologia, teoria crítica, dos estudos do currículo e da antropologia [...]
Importante salientar que a pesquisa narrativa é salutar tanto na
educação como fora, em qualquer área, visto que Connelly e Clandinin (1995,
p. 11) ensinam que ela:
[...] é um estudo da forma pela qual, nós, os seres humanos experimentamos o mundo. Desta idéia geral se deriva a tese de que a Educação é a construção e a reconstrução de histórias pessoais e sociais; e que, tanto os professores, como os alunos, são contadores de histórias e, também personagens nas histórias dos demais e em suas próprias.
79
Aliás, educadores laboram e se preocupam com vidas, “[...] somos
contadores, personagens, atores principais ou autores das nossas histórias ou
de outrem [...]” (NEVES DOS SANTOS; KOCHHANN, 2014, p. 103). Nesse
sentido, Clandinin e Connelly (2011, p. 22) esclarecem:
Educadores estão interessados em vidas. Vida, pegando emprestada a metáfora de John Dewey, é Educação. Educadores estão interessados na aprendizagem e no ensino e no como esse processo ocorre; eles estão interessados em saber lidar com as vidas diferentes, os valores diferentes, as atitudes diferentes, as crenças, os sistemas sociais, as instituições e estruturas e no como eles estão todos unidos para aprender e ensinar.
A experiência é marca na teoria de Dewey, no que se refere
principalmente “[...] às noções de situação, continuidade e interação”
(CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 85). Exatamente por isso, Bolzan (2002, p.
48), ensina que:
O aspecto principal da abordagem sociocultural através da narrativa está na compreensão de que se está vivendo em um contínuo contexto experiencial, social e cultural, ao mesmo tempo em que contamos nossas histórias, refletimos sobre nossas experiências, explicitando a todos nossos pensamentos, através de nossas vozes.
Segundo Clandinin e Conelly (2000, 2001) e Mello (2004), [...] “uma
pesquisa narrativa pode ser desenvolvida pelo contar de histórias ou a vivência
de histórias” (p. 89). No contar de histórias (telling), pesquisa de caráter
autobiográfico, o pesquisador narra às experiências vividas, no passado, por
seus participantes, buscando-as e narrando de modo que componha sentidos a
partir dessas histórias. Já na vivência de histórias (living), o pesquisador e seus
participantes vivem a experiência que está sendo realizada, no hoje, no
presente, e juntos procuram compor sentidos.
No contexto social, cultural, educacional, e principalmente no contexto
escolar, o palco deve ser dado aos professores, aos alunos e demais
envolvidos, dar voz e vez enriquece a área educacional.
Enquanto escrevo a palavra voz, recordo-me de Galeano que, de modo
poético, faz-me pensar nesses movimentos experienciados, provocados pela
Pesquisa Narrativa, ele diz que: “Tinham as mãos amarradas, ou algemadas, e
ainda assim os dedos dançavam, voavam, desenhavam palavras” (GALEANO,
80
2003, p 23). Eu creio que a força, a verdade, a imprescindibilidade não
sufocam uma voz.
Com minha mania de falar sozinho, perguntando a mim mesmo: - Seria
possível detê-la? Eu, os meus eus, respondem: - Jamais, a sensibilidade com o
outro e do outro fazem com que de algum modo o ecoar se torne perceptível.
Novamente fico com Galeano (2003, p. 23):
Se lhe negam a boca, ela fala pelas mãos, ou pelos olhos, ou pelos poros, ou por onde for. Porque todos, todos, temos algo a dizer aos outros: alguma coisa, alguma palavra que merece ser celebrada ou perdoada.
Na tessitura da/para celebração da Vida, a Pesquisa Narrativa é uma
possibilitadora, já que cria espaço que ecoam as vozes dos sujeitos sociais que
participam da pesquisa, construindo, compondo sentidos e significados e
entendendo seu papel e lugar nos mais diversos contextos.
Nessa perspectiva, posso considerar este contexto como um papel
político. Nesse sentido, Mello (2004, p. 98) evidencia:
[...] o papel político da pesquisa narrativa: dar voz ao pesquisador e aos participantes de pesquisa. Clandinin e Connelly (2000) comentam a inquietação e questionamentos quanto às histórias dos participantes de pesquisas, pessoas em geral escondidas pelos dados expostos e analisados pelos teóricos na academia.
Sob este ângulo, vejo que na Pesquisa Narrativa ao dar vozes aos
participantes e ao pesquisador acontece o partilhamento, “[...] uma colaboração
interligada do narrar-ouvir e vice-versa e, assim, nessa trajetória há um
processo emancipatório.” (NEVES DOS SANTOS; KOCHHANN, 2014, p.
110/111)
Os lugares comuns da Pesquisa Narrativa, a que Clandinin e Connelly
(2011) denominam espaço tridimensional da pesquisa narrativa, ou seja, as
três dimensões temporalidade, sociabilidade e lugar, as quais abordam
questões temporais; focalizam o pessoal e o social; e acontecem em um lugar
ou lugares determinados. São inspirados na teorização de Dewey (em suma:
pessoal e social, relacionados à interação; passado, presente e futuro,
81
relacionados à continuidade; os quais se integram à noção de lugar, que se
relaciona à situação) (SILVA, 2014).
Nessa vereda, para Silva (2014) o autor deve, a fim de bem escrever,
tornar-se distante do que foi vivido e, assim distante, já com um olhar diverso, é
capaz de visualizar elementos que antes pareciam impossíveis de serem
alcançados. De outro lugar, ao escrever, já com esse novo olhar, atribui novos
significados, novos sentidos a partir do relato distanciado do local de origem da
experiência vivida pelo participante da pesquisa. Nessa esteira, é possível
inventar e recriar as atitudes a partir dessa nova consciência.
Portanto, a temporalidade para Connelly e Clandinin (2006, p. 479) é
que os “pesquisadores narrativos não descrevem um evento, pessoa ou objeto
como tal, mas descrevem-no com um passado, um presente e um futuro”.
Mello (2004, p. 90) diz que para significar uma história deve-se “questionar não
somente sobre como ela ocorre hoje, mas também como resultante de histórias
vividas no passado e como ela poderá ser vivida ou projetada no futuro”.
Como segundo lugar comum, a sociabilidade, que são as condições
pessoais do participante de pesquisa, condições sociais, ambientais e derredor,
suas emoções, os sentimentos, os desejos, as reações e contexto, bem como
a negociação do pesquisador-participante, conforme Connelly e Clandinin
(2006).
O terceiro lugar comum na pesquisa narrativa, o lugar, são “[...] os
limites específicos concretos, físicos e topológicos em que a pesquisa e os
eventos ocorrem”. Baseados nas visões deweyanas, há movimentos ou quatro
direções seguidas pela pesquisa narrativa, quais sejam: introspectivo,
extrospectivo, retrospectivo, prospectivo. (SILVA, 2014).
O pesquisador narrativo, ao se preocupar com as condições pessoais
internas do participante de pesquisa, realiza o movimento introspectivo; quando
se preocupa com o aspecto social ou as condições externas em que o
participante se envolve, realiza o movimento extrospectivo. Ao considerar as
histórias do participante vividas no passado, o pesquisador realiza o movimento
retrospectivo; e quando considera as possibilidades de histórias com
repercussões futuras, realiza o movimento prospectivo (MELLO, 2004), sendo
que devem aparecer também no texto de pesquisa. Assim, usar a Pesquisa
82
Narrativa como metodologia é adotar uma visão particular da experiência como
fenômeno em estudo.
Nessa seara, Clandinin e Connely (2011, p. 85) argumentam:
Por introspectivo, queremos dizer em direção às condições internas, tais como sentimentos, esperanças, reações estéticas e disposições morais. Por extrospectivo, referimo-nos às condições existenciais, isto é, o meio ambiente. Por retrospectivo e prospectivo, referimo-nos à temporalidade – passado, presente e futuro [...] experienciar uma experiência – isto é, pesquisar sobre uma experiência – é experienciá-la simultaneamente nessas quatro direções, fazendo perguntas que apontem para cada um desses caminhos.
Agora faz-se importante mencionar o que Mello (2004) traz como
algumas das características da pesquisa narrativa: o papel do pesquisador
mais próximo e envolvido com os participantes; linguagem menos canônica;
não existência de uma única verdade; o respeito pela linha adotada; sem uma
visão direcionada para validações e busca de verdades comprováveis (MELLO,
2004, p. 84), já que “[...] é preenchida de fragmentos narrativos, decretados em
momentos históricos de tempo e NEPEM/IFG espaço” (MELLO, 2004, p. 48).
Clandinin e Connely apud Mello (2004, p. 89) esclarecem que:
Narrativa é o fenômeno estudado na pesquisa. Pesquisa narrativa, o estudo de experiências como história, então, é primeiro e principalmente uma forma de pensar sobre a experiência. Pesquisa narrativa como uma metodologia insere uma visão do fenômeno. Usar a metodologia de pesquisa narrativa é adotar uma visão particular da experiência como fenômeno estudado.
Quando se fala em compor sentidos, nos dizeres de Mello (2004),
flagrante está à composição dos “eus” perante o fenômeno, de modo que
outros sujeitos compõem sentidos diversos do que àqueles propostos por
outrem, mesmo que estejamos vivenciando a mesma experiência. São olhares,
visões de mundo, seres diferentes.
Assim, parafraseando a música Tocando em Frente de Almir Sater e
Renato Teixeira, como “cada um de nós compõe a sua história”, logo “cada ser
em si carrega o dom de ser capaz” de dar novos sentidos e significados sobre
83
aquilo que observa e vivência, mesmo em idênticas situações, e ver e refletir
“seu mundo”.
Mello (2004, p. 89) explica também que:
O desenvolvimento de pesquisa narrativa pela vivência de histórias é feito quando o pesquisador vive a experiência com seus participantes de pesquisa e colaborativamente tentam construir significados para as histórias vividas. Assim, se como pesquisadora, ouço as histórias dos participantes e juntos tentamos construir significados, está se realizando uma pesquisa narrativa com foco no contar de histórias, porém se meus participantes e eu vivemos juntos uma experiência e juntos tentamos construir seus significados, está se realizando uma pesquisa narrativa com foco na vivência de histórias. (Grifo nosso)
A composição de significados é um esculpir na argila, é artesanal, por
tal único, personalíssimo (ELY et al., 2001), sendo que os caminhos para
instrumentalizar tal façanha são ricos e diversificados, tais como, diálogos,
entrevistas, histórias escritas ou orais, cartas, documentário, documentos,
poesia, poema, teatro, resumos, dentre outros.
Na pesquisa narrativa há o entendimento de que os dados
empíricos são centrais ao trabalho, os quais são chamados de textos de
campo, material documentário, criados pelo pesquisador e participantes
e não encontrados ou descobertos. É do olhar do pesquisador a
composição de sentidos e elaboração/ escrita da pesquisa (CLANDININ;
CONNELLY, 2000).
É na composição de sentidos, conceituada por Ely e outros
(2001) como o fazer escolhas, interpretar e dar forma aos textos,
levando em conta ideologias políticas, morais, filosóficas e outras.
Ely e outros (2001) afirmam que é mais produtiva a composição
de sentidos das narrativas do que fazer tentativas de encontros ou
vislumbrar sentidos nestas, pois nós, seres humanos, criamos nossa
realidade, mesmo que esta passe longe do que realmente é. Criamos na
vida “uma própria realidade” sobre tudo, de modo que o importante, na
pesquisa narrativa, nem é tanto o que se vê, mas, sobretudo, como
vemos o texto de campo. (ELY et al., 2001).
84
Para Clandinin e Connelly (1990, p. 11), não se pode negar que
“os seres humanos são organismos contadores de histórias, organismos
que individual e socialmente, vivemos vidas relatadas. O estudo da
narrativa, portanto, é o estudo da forma como nós, seres humanos
experimentamos o mundo”.
É no ir-e-vir colaborativo que a pesquisa acontece e assim
defende Mello (2004, p. 106):
[...] diante de tantas possibilidades, fazer escolhas faz parte do processo de composição de significados. A cada escrita e reescrita, volta aos dados, discussão em grupo, escolha do tipo de texto a ser escrito, por exemplo, o pesquisador tem a oportunidade de refletir e rever suas interpretações. O processo de composição de sentidos provoca uma reflexão profunda e contínua, pela qual o pesquisador não só compreende e interpreta o material documentário de sua pesquisa, como também questiona e reflete sobre sua vida, seu papel como pesquisador e sua forma de ver o mundo.
A seleção dos dados, tanto quanto a forma como conteúdo,
remetem ao elemento central da pesquisa narrativa, a intersubjetividade
da pesquisa, o pessoal e o interpessoal que são tão criticados por outros
teóricos. Segundo Clandinin e Connelly (2000, p. 47):
[...] que registros são os melhores para serem relatados? Quando se preparam para escrever e, independentemente do grau de familiaridade que tenham com seus dados, os pesquisadores narrativos tem que buscar em sua memória, tanto humana como informativa, os acontecimentos mais significativos e isso do mesmo modo que as pessoas que se preparam para escrever uma biografia: buscam em sua memória e em seus arquivos os acontecimentos importantes de sua vida. [...]
Assim, para Connelly e Clandinin (1995, p. 21), a composição de
sentidos, participantes e pesquisador trabalham colaborativamente, é processo
interativo que “[...] no interior de uma relação que exige conhecimento
conectado, uma relação em que aquele que quer conhecer está pessoalmente
unido àquele que conhece”.
Clandinin e Connelly (2000, p.2) também expõe as vantagens e as
possibilidades da pesquisa narrativa, que segundo ele, consiste numa
85
investigação relacional, que estuda pessoas que se relacionam e estudam as
experiências de pessoas em relação. Para ela, as pesquisas narrativas podem
ter início com o contar histórias ou o vivenciar histórias porque o pensamento
narrativo é um caminho fluido de refletir e redigir as experiências. Ademais,
destaco que a pesquisa narrativa é uma forma de pensar nas experiências e
buscar compreendê-las. Cada vez mais a pesquisa narrativa tem se mostrado
inovadora e com grande potencial, uma vez que retrata, como defendido
anteriormente, as peculiaridades dos sujeitos da pesquisa, suas experiências
educacionais e isso certamente colabora com o entendimento do contexto
educacional atual. (SILVA, 2014).
Ao escolher a pesquisa narrativa, acabo por assumir um vínculo com
os participantes, o que significa fazer escolhas, construir nossa história,
avançar e criar caminhos até então inexistentes. Esse é o ponto que me
fascina nessa escolha: caminhar pelo novo, ir descobrindo os sujeitos e me
descobrindo enquanto educador. É um risco a aproximação extrema entre
pesquisador e pesquisados? Essa pergunta também ecoa em meus ouvidos.
Porém, ainda que arriscado, vejo este como um caminho árduo, mas
extremamente rico para alcançar os resultados que pretendo.
Trabalhar com os desejos, as esperanças, os sentimentos dos
participantes e com a maneira como essas pessoas interagem em sociedade é
certamente descobrir quem é o jovem que percorre os caminhos do curso de
Direito. Quais seus anseios? Quais as influências determinantes para sua
escolha? Que lugar social eles ocupam? O que esperam do curso? Como
vislumbram o futuro a partir do curso superior? São muitos os
questionamentos, mas infinitamente maiores são as experiências que irão
compor no/do narrativizar e experienciar que busco nesta pesquisa.
2.5.1. Paisagens da/na floresta: variedade de lentes e despertabilidade
Connelly e Clandinin (1995) ressaltam a importância de ter cautela
sobre seu envolvimento com a história e a verdade, para não se tornar uma
ficção ou mentira, já que a vida lembrada pelos sujeitos é que fornece as
“impressões da vida”.
Por isso, Connelly e Clandinin apud Larrosa (1995, p.43) explicitam
que:
86
O valor central das narrativas deriva da qualidade de seus temas. A narrativa e a vida vão juntas e, portanto, o atrativo principal da narrativa como método é a sua capacidade de reproduzir as impressões da vida, tanto pessoais quanto sociais, em formas relevantes e cheias de sentidos (tradução própria).
Existem discussões acerca das abordagens de pesquisas qualitativas e
quantitativas, considerando a “[...] ciência como grande estabelecedora de
verdades, estabelecem-se também os critérios e os modelos de pesquisa [...]”
(MELLO, 2004, p. 103). Para alguns, a que mais se próxima da verdade seria
quantitativa. Mas qual verdade? A verdade do número é absoluta? Qual é
verdade por detrás desse número?
De uma visão mais restrita do que é o fazer científico aos novos
olhares sobre realidades diferentes implicam, em possibilidades distintas de
métodos, respeitando o subjetivo.
Mas tudo não passaria pelo olhar do pesquisador e suas
contextualizações? Entendo, apoiado em Ely e outros (2001), que é pelas
“instâncias”, isto é, as maneiras de organizar a coleta e interpretação de dados,
já que é pelo interno que se vê o externo. Assim, conforme Mello (2004), nessa
pós-modernidade com diversidade de ângulos, estaríamos diante das verdades
(no plural).
Com lentes variadas diante das intensidades/perspectivas e os
“infinitos tons de cinza” propostos pelos/nos/dos dados é que Ely e outros
(2001) destacam que estes devem ser construídos, por lentes variadas, com
uma interpretação fiel aos dados e instâncias, para aí sim falar-se em
validação. É neste sentido o que Ely e outros (2001, p. 18-19) cita Goetz:
Gradualmente entendi que construir significado era algo que eu tinha que fazer interagindo com os dados, usando uma variedade de lentes. Isso seria como navegar em uma casa de espelhos. Estou apreendendo como me mover dentro e fora do meu texto, lendo e escrevendo, criando e interpretando, respondendo e delineando, tudo ao mesmo tempo. (tradução própria)
A validação, levando-se em conta a visão do pesquisador e a
composição no ir-e-vir no espaço tridimensional, segundo Clandinin e
87
Connelly (2004) virá pela interpretação plausível, construções coerentes,
observando o formato e linguagem empregada.
A pesquisa narrativa aborda questões éticas, como anonimato,
autoridade, riscos e abusos no caminhar, bem como factualidade e
verossimilhança, além do que se chama de “despertabilidade”.
Propositalmente, inicio pelo instituto chamado de despertabilidade, que
é em verdade um “estado de alerta”, pois a pesquisa está em uma zona
fronteiriça (desenvolvendo-se), conforme ensinam Clandinin e Connelly (2011, p.
236), ao afirmarem que “[...] ao ficarmos atentos às críticas e comentários sobre
os nossos estudos, poderemos desenvolver critérios para avaliar o valor das
pesquisas narrativas que fazemos”.
Mais do que remeter a pesquisa ao comité de ética ou à assinatura de
um termo de consentimento livre e esclarecido, o pesquisador deve ser
responsável pela “integridade, privacidade e bem-estar dos participantes, com
com total respeito aos valores morais, culturais, religiosos e éticos dos
mesmos” (ARANTES, 2009). Enquanto pesquisador narrativo me preocupo
com o ser humano, a história de vida e formação, logo somos responsáveis em
garantir a dignidade da pessoa humana, o que implica dizer em garantir
justiça, integridade, privacidade.
Nesse enfoque, nunca posso deixar de me perguntar, como o leitor irá
interpratar a história? Há previsão de algum possível dano aos participantes?
Clandinin e Connelly (2000) apontam que o problema não reside no momento
da pesquisa, mas sim no texto científico e publicação e por isso apostam no
reafirmar/reesclarecer o termo de consentimento ao longo da pesquisa.
No contexto do anonimato, algum detalhe pode trazer a real identidade
do participante. Clandinin e Connelly (2011, p. 226) alertam:
O que estamos tentanto deixar claro é que anonimato é uma preocupação constante ao longo de toda a pesquisa. Como pesquisadores, precisamos estar atentos as possibilidades que a paisagem e as pessoas com quem estamos engajados como participantes podem ser modificadas e transformadas.
O mais temerário, em sendo publicado o texto, é que você pode
aprisionar um momento da vida do participante de um modo negativo, até
constrangedor. Arantes (2009, p. 88) descreve:
88
Aquele pseudônimo é uma personagem de sua vida, que não pode ser alterada. Mas o participante pode viver muitas outras histórias, escolhendo a personagem quer ser dali em diante. Muitos participantes jamais conseguirão se ver à parte da personagem do texto e se sentirão constantemente ofendidos, independentemente do nome que lhes for dado. Por isso, questões éticas devem ser negociadas em todas as fases da pesquisa narrativa, com o reconhecimento de que cada estudo é único, assim como cada participante.
Diante das reflexões, entendo que esse contexto ético e da
despertabilidade ao meu ver se agiganta na pesquisa narrativa pelo fato de
trabalhar com a experiência que em verdade é a história.
A viagem pelas paisagens propostas pelos textos de campo e textos de
pesquisa representam relevos das histórias, das vidas e experiências, de modo
que devemos estar atentos para os fatos e o que é ficção, para o “tom
açucarado” do “enredo Hollywoodiano”, para o que os olhares dos nossos “eus”
clarifiquem os novos tons e coloridos do que acontece, tudo isso, é “senso de
responsabilidade relacional”. Mascarando-se nada, os riscos, os perigos e os
abusos são minorados, já que se estabelece a verdade. E assim, “[...] os
participantes frequentemente dão carta branca aos pesquisadores para dizer o
que desejarem” (CLANDININ; CONNELLY, 2011).
Sob outro ângulo, é um risco a aproximação extrema entre pesquisador
e pesquisados? Essa pergunta também ecoa em meus ouvidos. Porém, ainda
que arriscado, vejo este como um caminho árduo, mas extremamente rico para
alcançar os resultados que pretendo.
Trabalhar com os desejos, as esperanças, os sentimentos dos
participantes e com a maneira como essas pessoas interagem em sociedade é
certamente descobrir quem é o jovem que percorre os caminhos do curso de
Direito. Quais seus anseios? Quais as influências determinantes para sua
escolha? Que lugar social eles ocupam? O que esperam do curso? Como
vislumbram o futuro a partir do curso superior? São muitos os
questionamentos, mas infinitamente maiores são as experiências que irão
compor o quadro final que busco nesta pesquisa.
Em minha trajetória de trabalho com a pesquisa narrativa, busquei
estabelecer minhas bases em Clandinin e Connelly e ainda em Mello, a fim de
realizar a exploração dos três pontos centrais dessa modalidade de pesquisa: o
tempo, a socialidade e o lugar. Como dito, partindo das experiências já vividas
pelos jovens participantes do estudo e observando o que eles ainda vivenciam,
89
busco desenhar o quadro das memórias mais significativas para eles e que
determinaram suas escolhas (se, de fato, eles escolheram o curso).
Os aspectos da temporalidade, socialidade e lugar constituem facetas
da experiência, e dessa forma não devem ser dissociados, porém podemos dar
ênfase a cada um deles em momentos específicos. Ao elaborar os textos de
campo e analisar o referencial teórico-metodológico, fui concedendo relevo a
pontos diversos dessas facetas da experiência. Considerando essa produção,
narro essas histórias de vida e reinterpreto os significados da formação vivida
por eles e busco evidenciar o que os influenciou sua inserção na graduação
em Direito. Por tais razões, Neves dos Santos e Kochhann (2014, p. 107)
arrematam:
[...] nas tramas e paisagens que a narrativa traz em si o passado, o presente e o futuro, numa relação não cronológica, mas sim significativamente produzida pelas memórias do(s) narrador (es), que traz à tona pela voz os pensamentos que povoam seu ser e são muito bem comparadas com nossas histórias pela verossimilhança do que é contado (ao ser ouvinte).
A fim de evidenciar os pontos ora almejados, começo por retratar as
experiências a partir de referenciais teórico-metodológicos, costurando as
teorias de base com as narrativas fornecidas pelos participantes da pesquisa.
2.5.2 A Hermenêutica Filosófica de Gadamer: contribuições para a
Pesquisa Narrativa
“O que perfaz um verdadeiro diálogo não é termos experimentado algo de novo, mas termos encontrado no outro algo que ainda não havíamos encontrado em nossa própria experiência de mundo” (GADAMER)
O ser humano tem em sua condição humana a imprescindível
necessidade de explorar suas potencialidades, experienciando-as. Assim, o
homem deve ser entendido como ser histórico e cultural, com consciência
histórico-efetiva. Ainda mais para a atualidade, na qual é representada pela
sociedade “líquido-moderna”, conceituada pelo sociólogo Bauman (2007, p. 7)
do seguinte modo:
90
[...] é uma sociedade em que as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das formas de agir. A liquidez da vida e a da sociedade se alimentam e se revigoram mutuamente. A vida líquida, assim como a sociedade líquido-moderna, não pode manter a forma ou permanecer em seu curso por muito tempo.
Despertar para o que acontece com nossa sociedade é crucial para
que não façamos o movimento “do rebanho” (sermos mais um), como por
exemplo, vivermos reféns do desejo insaciável pelo ter do consumismo, “[...]
qualquer que seja a altura atingida pela pilha dos outros objetos (físicos ou
psíquicos) que marcam seu passado”. (BAUMAN, 2001, p. 42).
Com a individualização do viver, o homem é excessivamente
responsabilizado, segundo Bauman (2001, p. 43) de modo que o que “[...] é
dito hoje, e aquilo que passaram a acreditar, de modo que agora se comportam
como se essa fosse a verdade”, seria uma ação-reflexão compromissada com
a consciência histórico-cultural?
Decididamente não, vital retomar a consciência do papel do homem na
história, da emancipação do sujeito, fundamental para o bem viver, na
plenitude por novos horizontes nos dias atuais. Nesta vereda, recorro-me à
Souza Santos (2003, p. 50):
Depois da euforia cientista do século XIX e da consequente aversão à reflexão filosófica, bem simbolizada pelo positivismo, chegamos a finais do século XX possuídos pelo desejo quase desesperado de complementarmos o conhecimento das coisas com o conhecimento do conhecimento das coisas, isto é, com o conhecimento de nós próprios.
Assim, em busca do conhecimento de nós próprios em detrimento do
puro senso comum ou positivismo, Santos (2003), no livro “Um discurso sobre
as ciências”, fala do “conhecimento prudente para uma vida decente”, na
dicotomia dos paradigmas científico e social. O autor pondera quatro
características da Ciência Pós-Moderna (SANTOS, 2003), quais sejam:
todo conhecimento cientifico-natural é científico-social”- aqui apresenta
a ideia central de que as descobertas do homem são influências pela
historicidade, não há isolamento entre o conhecimento natural do social;
91
-“todo conhecimento é local e total”- o conhecimento produzido
individualmente tem como tendência é estender a todos grupos e pessoas tais
conhecimentos/saberes;
-“todo conhecimento é autoconhecimento”- apregoa que os
conhecimentos sobre tal objeto representam a continuidade de um sujeito,
demonstrando claramente o movimento contemplativo do ser, diante das
incertezas do saber;
- “todo conhecimento científico visa constituir-se em senso comum”-
vital que a ciência pós-moderna dialogue com o senso comum, buscando
algumas virtudes inerentes a este tipo de conhecimento/saber, já que
possibilita maior compreensão do mundo- em uma dimensão libertadora.
Partindo dos pressupostos apontados por Santos, interpenetrar o
senso comum (aqui entendido como conhecimento vulgar e prático que
orientam as nossas ações dando sentido à vida) (SANTOS, 2003, p. 54), por
meio do conhecimento científico pode oportunizar uma nova racionalidade, um
diálogo para a compreensão do mundo, de modo libertador.
É neste sentido que o autor Gadamer colabora para uma nova visão
das ciências, por meio da hermenêutica filosófica, já que concebe que o
produto final do experimento pode ser alterado pelas influências do meio.
Nesse ponto, fundamental entender que o que a hermenêutica
gadameriana propõe é uma abertura da compreensão de todas as possíveis
dimensões do fazer humano, sempre afetadas pelos experimentos.
Segundo Gadamer (2007, p. 465), pode-se afirmar que a hermenêutica
passa do método positivista para uma ontologia, o modo de “ser do homem”,
de conhecer, de compreender, já que a estrutura é dinâmica, dialética: “[...]
abertura à experiência que é posta em funcionamento pela própria
experiência”.
Na composição da essência histórica do homem há a exigência de
dissabores, frustrações para possibilitar novas experiências, as quais nunca
chegam a um fim, mas está consciente da finitude do humano, de tal limite.
(GADAMER, 2007).
Calcada no ser e na linguagem, vemos o caráter interpretativo
hermenêutico para a compreensão humana, no movimento de abrir-se para o
92
diferente, já que o outro, necessariamente, tem algo a dizer. Assim, conforme
Gadamer (2007, p. 472):
Sem essa abertura mútua, tampouco pode existir verdadeiro vínculo humano. A pertença mútua significa sempre e ao mesmo tempo poder ouvir uns aos outros. Quando dois se compreendem, isto não quer dizer que um “compreenda” o outro, isto é, que o olhe de cima para baixo. E igualmente “escutar alguém” não significa simplesmente realizar às cegas o que o outro quer [...] A abertura para o outro implica, pois, o reconhecimento de que devo estar disposto a deixar valer e mim algo contra mim, ainda que não haja nenhum outro que o faça valer contra mim.
A compreensão é uma condição humana, o que para tal é uma
interpretação que passa/transpassa nosso modo de viver nossas experiências,
sendo de tal sorte temporal e intencional. Por tal motivo, Gadamer usa a
metáfora “fusão de horizontes” para entendermos sobre a contribuição do outro
para/pela humanização.
Assim o compreender/interpretar não é restrito somente para as
ciências, mas está inserida cristalinamente ao “todo da experiência
humanizada”, pela interiorização das vivências, pois se compreendo é porque
compreendo de modo diverso (GADAMER, 2007).
Nesse contexto, vejo que o “diálogo vivo” dos sujeitos, nessa
dialogicidade, fundem horizontes na/para compreensão humana, de modo que
acredito fielmente que nossa pesquisa recebe valorosas contribuições com a
Hermenêutica Filosófica de Gadamer, na medida em que trabalhando com a
narrativização e experiência, dentre outros aspectos, o autor traça uma
proximidade pelo diálogo e no diálogo.
Acredito que a Pesquisa Narrativa, exatamente como ensina Siqueira
(2009, p. 45) “[...] compreende este apelo interpretativo hermenêutico, embora
não explicite, discursivamente”. Ainda, corroborando, Siqueira (2009) em sua
pesquisa assim testificou que “[...] a hermenêutica filosófica de Gadamer (2005), no
que diz respeito à interpretação e compreensão como consciência histórica, auxilia-me
na construção desta pesquisa narrativa [...]”
É nas possibilidades gigantescas das paisagens narrativas que os
pressupostos de Gadamer ajudam a compreender os caminhos possíveis da
pesquisa, entendendo a complexidade da condição humana, nos movimentos
de abertura para o outro e com o outro, abrindo-se para o conhecimento da
93
existência humana, aos quereres, aos dissabores, aos sonhos e as lutas, isto é
o aprendizado na vida e com a vida.
Olhando ao nosso derredor, aos multifacetados acontecimentos da
contemporaneidade e experiências do futuro/porvir, vemos “[...] como é longo o
caminho que se deve percorrer para enfrentar as lutas que estão por vir”
(BAUMAN, 2007, p. 195), creio que a força transformadora do diálogo traga
uma comunhão de respeito no encontro com o outro e de si mesmo, anseios
partilhados pelos pesquisadores narrativos.
94
3 VIDAS, TEMPOS E ESCOLA: O PERCURSO ESCOLAR DOS JOVENS
“Dá-me a tua mão: Vou agora te contar como entrei no inexpressivo[...] [...] de como entrei naquilo que existe entre o número um e o número dois, [...]entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam existe um intervalo de espaço, existe um sentir que é entre o sentir (LISPECTOR, 1999, p.156)
Com aproximações na Pesquisa Narrativa de Connelly e Clandinin
(2000) e Mello (2005), vários textos comporão a tessitura deste trabalho. Os
Textos de Campo são conceituados como todos os materiais documentários
produzidos pelo pesquisador e/ou participantes da pesquisa, veja que não são
dados encontrados ou descobertos, são criados. De modo que forma e dá
forma ao chamado espaço tridimensional da pesquisa, tais quais o Lugar, os
Participantes e os aspectos Pessoal/Temporal das experiências.
Assim, seguindo o referencial teórico-metodológico, realizei oito diários
(escritos após a ida a campo), cinco notas de campo (escritas no local em que
vivenciava a experiência), 13 conversas (gravadas) e conversas pela rede
social “WhatsApp”.
Ainda nessa perspectiva, valho-me desses registros para extrair os
detalhes daqueles que cederam o mais rico material empregado nesta
dissertação: suas próprias histórias de vida pessoal e acadêmica. O que
apresento a seguir são, portanto, os participantes da pesquisa, cada um com
seus tesouros memorialísticos a serem desvendados.
A escolha desse corpus de pesquisa é deveras peculiar, do qual até
poucos anos atrás eu fazia parte: os jovens acadêmicos do curso de Direito.
Já sabia que eu não teria vida fácil durante a pesquisa, mas, ao iniciar
o trabalho com esses jovens, meu enriquecimento como ser humano e
também como pesquisador seria certo e os registros comporiam um tesouro
humano e acadêmico. Preciso “transver”, como ensina Barros (2004b, p. 75) o
que nos passa, transpassa, assim como diz meu amigo Manoel: “O olho vê, a
95
lembrança revê, e a imaginação transvê. É preciso transver o mundo.”
Queria a palavra sem alamares, sem/ chantilenas, sem suspensórios, sem/ talabartes, sem paramentos, sem diademas, sem ademanes, sem colarinho/ Eu queria a palavra limpa de solene Limpa de soberba, limpa de melenas./ Eu queria ficar mais porcaria nas palavras./ Eu não queria colher nenhum pendão com elas. Queria apenas ser relativo de águas./ Queria ser admirado pelos pássaros. Eu queria sempre a palavra no áspero dela. (BARROS, 2007b, p. 51).
Os participantes se mostraram muito participativos com a pesquisa,
sempre atendendo aos pedidos solicitados e com histórias que merecem ser
contadas.
Convivendo com os participantes, percebo que são jovens
universitários com identidade cultural indicado como no trabalho por Pimenta
(2005):, solteiros, com menos de vinte e cinco anos de idade), em um
tempo de possibilidades, do experimentar, da busca, do prazer, dos
erros/acertos.Cada um com suas histórias, suas experiências pessoais e
formativas.
Ademais, são sujeitos preocupados com o devir, já que assim
como Abramovay e Esteves (2007), Spósito (2002) e Corrochano (2008),
entendo que a juventude é ciclo de vida e inserção na sociedade, os
jovens são sujeitos do processo social, seres constituídos de uma
história única que deve ser respeitado no tempo do hoje (CASTRO,
2001).
3.1 AS NARRATIVAS DOS PERCURSOS ESCOLARES DOS JOVENS PARTICIPANTES
“-Eu roubo as horas para lhes dar tempo. Tempo de aprender a usar o tempo. Quem tem hora nãotem tempo: tempo de olhar o tempo. Será que vai chover? Será que as flores já abriam? Como será o arco-íris? Qual a cor dos olhos do meus amados? Temos tempo para isso? Não! Isso ocupa muitas horas. E tocamos nossas vidas, olhando os relógios que marcam as horas de nossas vidas, e esquecemos de marcar nossas vidas no tempo” (MUNDURUKU, 2007, p. 25)
Neste ponto da pesquisa, trago percepções sobre as narrativas dos
participantes e seus tempos da escola, isto é, o que foi experienciado e o que
96
ficou guardado na memória dos participantes da pesquisa em sua trajetória
estudantil, antes de adentrar na universidade.
Meu intuito é dar significado de como os participantes, jovens
universitários, compõe e dão sentidos às experiências vividas, de acordo com o
que ensinam Clandinin e Connelly, 2011, p. 22 “[...] o que nos interessa
observar, participar, pensar sobre, dizer e escrever sobre o fazer e o ir e vir de
nossos colegas, seres humanos”.
Aqui a experiência é atrelada ao conceito de Dewey (1972) e Larrosa
(2002), isto é, (res)significa a preservação do vivido, por meio da memória,
tesouros guardados e ativados pela emoção, sentidos e vivências, que nos
toca e fica.
Diante dessas paisagens, e falando em tesouro, rememoro aqui as
palavras de Ely e outros (2006) ao dizer que “[...] naturalmente reconhecemos
que a escrita por si só é frequentemente angustiosamente difícil, solitária e
brutalmente irritante. Mas também mantém a promessa de uma certa glória”14.
Convido você, neste momento, a conhecer os participantes desta
pesquisa.
Aqui vemos as marcas deixadas pela caminhada estudantil de cada
participante, cada aluno. Assim, apresento, primeiramente, a trajetória de
Arthur, Pitty e Álvaro. Após, apresentando os demais participantes, teço
considerações sobre a vida escolar de Maria, Joana e Laís.
Neste momento trago as palavras de Arthur, que bem ilustram a ideia da
trajetória de estudo desses jovens e a estreita relação entre condição financeira
e social e a educação básica e superior:
Ah, os estudos, tipo, estudei numa escolinha particular, em uma cidade vizinha. O
preço era um pouco caro, estudava eu e meu irmão, daí a diretora da escola fazia um
desconto na mensalidade, senão meu velho não conseguia pagar. Tipo, sempre gostei de
ler, então não tive muito problema no desenvolver deste período letivo,.. Eu fazia amizade
por causa das histórias em quadrinhos, fazia amizades contando fatos ou qualquer
coisa que lia nos gibis, mas eu era tímido, mas isso me ajuda demais, prof. [...] Estudei
14
“(…) of course we recognize that writing in itselfis often wrenchingly difficult, loney, and
brutally upsetting. But it also holds the promise of a certain glory” .”(ELY et al.;2006, p.13.)
97
nessa escola particular até a terceira série, tipo assim...escola oferecia até a quarta série.
Daí meu irmão, concluindo os estudos, acabou o desconto na mensalidade e puts (sic)
tiver que sair, portanto, passei para uma escola pública. O povo fala de escola pública e
privada, eu acho que é verdade, tipo eu senti a diferença do ensino. Enquanto a maioria
da sala estava aprendendo a ler, escrever, fazer operações de matemática, eu já tinha
aprendido isso e ansiava por aprender mais, daí, no próximo ano, voltei para a escola
particular, com alguns sacrifícios do meu pai, e concluí minha quarta série. Dinheiro é o
que move até estudar num lugar melhor neh, daí depois da quarta série concluí o ensino
fundamental em uma escola pública, sem maiores desafios.
[...] a partir do ensino médio (escola pública) é que começa a ficar interessante. Eu
lembro que os conteúdos eram diversos e até desafiadores. Tinha matéria que eu levava
pau, mas em outras, tais como português, literatura e outras, eu ia bem. Mas JESUS!!!!
A tal matemática me matava. As vezes nos reuníamos para estudar matemática, sempre
um colega que sabia ensinava os mais fracos. O problema era, não tínhamos foco. Íamos
para casa de alguns colegas, daí, conversámos a tarde toda, jogávamos no videogame,
comíamos feito gafanhoto (gargalhadas) e no final da tarde, faltando uns 30 (trinta)
minutos para às 17 horas é que lembrávamos da tal matemática (risos).Mas o fato mais
marcante no ensino médio foi quando o Tribunal de Justiça do Estado fez um “negócio”,
convênio, contrato do Menor Aprendiz (não sei bem o nome do acordo), com a minha
escola, para que nós nos inscrevêssemos para fazer estágio no fórum local. Foi marcante,
em razão disso, finalmente, decidi por cursar direito.
Ainda na esteira do histórico educacional dos participantes da pesquisa,
Pitty narra:
Tipo, estudei do maternal ao 3º ano do ensino médio na “Escola Luterana Siegfried
Buss”, a única escola particular da cidade. Além das apostilas o maior diferencial da
escola é que ela era companheira dos alunos, ela possui um contato direto com os pais
através de gincanas, cultos semanais, e aulas que já foram retiradas da grade como
ensino religioso onde lá é obrigatório. Uma vez por semana íamos na igreja também para
o devocional, onde ouvíamos a palavra de Deus e após isso a diretora dava os avisos da
semana. Os professores sempre muito companheiros davam muita atenção tanto em
relação as matérias quanto aos assuntos pessoais, o que na escola Luterana é mais fácil
98
pelo fato da sala com o maior número de pessoas for 20. Esse realmente foi o melhor
período da minha vida.
A respeito desse mesmo aspecto, Álvaro explica:
Meus estudos se iniciaram nos Estados Unidos. Por ser um outro país minhas
primeiras impressões foram muito positivas por ter um ensino de qualidade, mas quanto
retornei ao Brasil, me decepcionei com a qualidade de ensino que era oferecida pelas
escolas do país. Nos Estados Unidos, tudo era muito organizado, as pessoas eram
comprometidas, educadas, até frias às vezes, mas eram sempre muito competentes. Aqui
no Brasil, eu via mais preguiça, parece que todo mundo deixava que a vida levasse eles,
mas não buscavam dar o seu melhor. Isso me fez ver que ainda tem um abismo entre a
educação americana e essa que a gente recebe no Brasil.
Tive bons professores no Ensino Médio. Não tive colegas, mas os que eu me lembro
são Leonardo e Cosme. Na minha adolescência nunca fui de vivenciar coisas interessantes,
a única que foi interessante foi eu ter morado nos Estados Unidos. Igual eu falei antes, o
choque de realidade pra mim foi muito grande. Imagina, professor, você vive nos Estados
Unidos e de repente volta pro Brasil e vê que o ensino, que é o ponto mais importante, é
tão fraco e desorganizado...Dá uma tristeza lembrar.
Meu ensino fundamental e médio foram tranquilos, nunca tive muitas dificuldades
nas matérias, porém sempre fui ruim em português. As matérias que eu mais apreciava
eram física, matemática, química. Dá até pra imaginar, né, professor, por que português
era minha maior dificuldade. Eu comecei minha vida falando e escrevendo inglês e, claro,
o português não seria fácil pra mim. Eu esperava que existissem muito mais desafios na
escola, principalmente no ensino médio, mas tudo foi tranquilo, até demais pra ser bem
sincero.
Compondo sentidos para as narrativas de Arthur, Pity e Álvaro,
percebemos que os dois primeiros tiveram em sua trajetória contato com a
escola particular, sendo que Álvaro conviveu por algum tempo com outra
cultura, inclusive a escolar, de outro país, qual seja Estados Unidos da
América. Assim, interessantes os itinerários seguidos pelos participantes.
99
Enquanto Arthur, por questões econômicas foi para a escola pública, Pitty
estudou por até o término do ensino médio em uma escola particular. Já
Álvaro, retornando para o Brasil, demonstra a marca, o impacto negativo, da
baixa qualidade nas escolas do Brasil, especialmente no interior.
Lembro-me neste ponto de Abramovay (2003), pois acredito no papel da
escola como espaço de lutas e desenvolvimento do potencial de cada ser
humano, todavia diante das realidades sabemos que há uma certa tendência
dos alunos das escolas públicas terem uma bagagem cultural menor do que
aqueles advindos das privadas. Isto implica em um movimento de
reconhecimento dos diferentes contextos que o jovem vem e está, para que as
desvantagens de ordem familiar, de vida profissional ou pessoal não seja
determinismo para uma educação, para uma possibilidade a partir e além da
escola.
Por tais motivos, alicerçado na perspectiva do teórico Peralva (1997, p.
17), entendo que a juventude é uma fase particular da vida, “[...] não apenas
uma construção cultural, mas uma categoria administrativa, jurídica,
institucional, ainda que abrigando fortes diferenças sociais em seu interior”,
razão pela qual compondo sentido diante das narrativas dos participantes da
pesquisa percebe-se claramente os vários itinerários não monolíticos, diversos,
isto é, modos distintos nas dimensões identitárias do ser jovem (CARRANO,
2003).
Maria também revela sua trajetória de estudos:
Meus estudos foram tanto ensino fundamental e ensino médio em escolas públicas.
Iniciei meus estudos na escola municipal Tancredo Neves. Minhas primeiras impressões
sobre a escola era que seria um lugar no qual aprenderia muito e faria meus amigos.
As professoras sempre foram minhas amigas. Me lembro muito da primeira
professora, que me ensinou a ler, o que no momento eu achava fascinante. Eu fazia todas
as tarefas que ela passava e quando saía com meus pais, queria ler todas as
placas...exatamente como acontece com quem está aprendendo algo novo: eu queria
mostrar pra todo mundo.
100
Na escola, fiz muitos amigos, que tenho até hoje por perto. A escola era simples em
sua infraestrutura, mas possuía muitos livros que me fizeram despertar o gosto pela
leitura. Ao ver os livros na estante da biblioteca, eu sonhava com o conteúdo que eles
podiam trazer. Estudar em uma escola simples não tirou de mim a oportunidade de ter
uma educação de qualidade e nem tampouco de ler. Enquanto todo mundo da minha
idade amava correr no recreio, eu tava sempre indo pegar um livro pra ler em casa. Só
depois de escolher, é que ia brincar com minhas amigas.
Me lembro muito muito bem das coisas que aprendia. Sempre que chegava em casa
ia tentar ensinar meu irmão mais novo, eu brincava que era a professora dele. E hoje ele
se sente orgulhoso de mim. Lembro também das primeiras experiências de apresentações
de trabalho, eu era muito tímida, mas sabia apresentar bem. Participei de muitas feiras
de ciências em meu município e na maioria das vezes eu representava a minha escola. No
ensino fundamental e no ensino médio. Sempre tirei notas boas, era líder de sala e me
consideravam nerd.
Sempre fui boa em matemática e português, mas não me dava bem em história,
sociologia e filosofia. Eu nunca gostei muito daquelas matérias que eram mais teóricas,
sabe? Sempre gostava de coisas práticas e me dedicava a elas.
No ensino médio participei do conselho deliberativo, eu era a vice-secretária e gostei
muito de participar, pois mudou muito a minha visão sobre pedir as coisas e as
necessidades que a escola possuía. Apesar de ser tão jovem, eu colaborava com a escola e
sabia que eu tinha importância para aquela comunidade. Não era fácil, mas era ótimo...
Joana não deixou de falar de seus estudos:
Os meus estudos foram todos em escola pública, porém foram proveitosos, já que
os professores da época eram mais firmes em seu ensinamento. Eles não batiam muito
papo com a gente, mas ensinavam muito bem e faziam aquilo que eu acho muito
importante: cobravam o tempo todo. Quando você é criança, não sabe o que quer da vida.
Seus pais e professores é que devem te orientar que caminho seguir. Não se deve deixar
que uma criança ou um adolescente decida o que quer ou não fazer em relação aos
estudos. Acho que o papel dos professores é muito semelhante ao dos pais, viu? É função
dos dois direcionar a gente para o melhor caminho e, depois disso, podemos andar
sozinhos, pois saberemos o caminho da paz, da tranquilidade e da responsabilidade.
101
Me lembro bem que, desde criança, sempre fui muito curiosa, queria logo ir para a
escola. Me lembro que gostava muito das minhas professoras, me dava bem com os meus
colegas, não dei muito trabalho na escola. Engraçado que eu sempre achava todas as
minhas professoras lindas e eu achava que elas era diferentes de todo mundo. Quando via
alguma delas na rua, ficava muito surpresa e sempre queria mostrar pro meus pais.
Muito interessante isso...foi uma marca bem legal dos meus professores na minha
infância. Quando terminei bem o jardim fiz um provão realizado pela secretaria de
educação, que permitia que eu fosse direto para a segunda série sem cursar a 1ª. Passei e
fiquei muito feliz. Me lembro que o primeiro livro que li foi na quarta-série na aula de
ensino religioso “Livro Bíblico da Rute”. Lembra que eu falei que o professor deve ser o
guia? Tá aí...ela me mostrou o caminho da leitura, com algo bem simples, adequado à
minha idade, mas muito significativo, tanto que nunca esqueci o nome da obra.
A vida quando criança é muito boa, pois a única preocupação que tínhamos era
estudar e passar de ano. Um fato que marcou nesta época minha vida foi quando
descobri que havia perdido 80% da minha visão e que era irreversível meu caso. Para
mim, foi um momento que tive que encarar com muitas dificuldades. Já imaginou,
professor? Se pra um adulto não seria fácil perceber e conviver com a doença, imagina
para uma criança? Não foi fácil viu... (longa pausa, a participante tem agora os olhos
cheios de água)
Desculpe, professor. Então, já durante o período do ensino fundamental e médio,
tive um bom aproveitamento, sempre gostei muito da disciplina de matemática, porém
tinha dificuldades em memorizar a História, mesmo com essa dificuldade nunca repeti de
ano. aquela velha história, eu tinha facilidade com os números, mas a História, um tanto
teórica, me parecia muito distante. Tudo que fosse menos teórico e mais prático parecia
bem mais legal pra mim. Como eu te disse, sempre fui muito curiosa, mas curiosa na
prática, parece que as coisas só servem se eu for utilizar no dia a dia ou se eu puder
tocar, sabe? To achando mesmo que eu sou é sinestésica! (risos)
Por fim, Laís também narrativizou sua trajetória escolar:
Quando ainda muito criança, ia sempre à escola com meus pais, já que minha mãe
precisava trabalhar e não havia com quem me deixar. Por isso, sempre convivi nesse
ambiente escolar e cercada de livros. Já desde a pré-escola sempre me destaquei, graças à
102
minha desenvoltura, facilidade de comunicação e boa articulação entre os colegas de
turma. Vejo algumas fotos da época e, pelo jeito, eu era bem metidinha, professor.
Me lembro de que, entre os 7 e os 14 anos de idade minha brincadeira favorita era
escolinha. Às vezes, brincava de escritório, mas sempre acabava voltando à brincadeira da
sala de aula. A única condição que eu impunha às minhas amigas, todas mais novas do
que eu (risos) era de que eu deveria ser a professora. Nós pegávamos folhas de papel
sulfite, quadro, giz e canetas e eu sempre dava as aulas. Meus finais de semana eram de
intensos e longos períodos de brincadeira de escolinha. Como minha mãe não gostava que
eu ficasse na rua, eu e minhas amigas sempre brincávamos na área de casa. Nem eu sei
de onde eu tirava tanta coisa para montar a escolinha.
Mesmo gostando tanto de brincar de escola, na sétima serie, aos 12 anos, dei muito
trabalho para minha mãe. Sempre estudei em escola pública estadual e minha mãe nunca
admitiu que desrespeitássemos os professores e sempre exigia boas notas e bom
comportamento, mas nesse período eu só queria conversar na sala de aula. O problema
era que, mesmo assim, só conversando, eu sempre entendia os conteúdos, mas
atrapalhava os colegas, que davam mais atenção às minhas conversas do que aos
professores. Me lembro de que nessa época eu cheguei a descuidar em relação à
matemática – a matéria de que eu menos gostava - e fiquei de recuperação. Quase repeti o
ano por conta disso e acho que essa experiência me fez acordar. Já na oitava série mudei
de postura e passei a me comportar melhor. [...]
Quando cheguei ao ensino médio, melhorei meu comportamento ainda mais e passei
a me dedicar mais aos estudos. Lembro que uma experiência em particular me fez
escolher o curso de Letras. Quando estava na oitava série, precisava fazer uma prova de
português, sobre análise sintática e estava com dificuldades. Como já trabalhava, pedi à
professora de língua portuguesa da escola que me explicasse o que era verbo transitivo e
o que era objeto direto. Adorei a explicação dela, apliquei o que tinha visto e consegui
tirar 9,0 na prova. Minha professora àquela época (sempre estudei em escola pública
estadual), me pediu pra explicar pra sala toda como eu tinha conseguido aquela nota e
depois decidi que eu faria Letras e seria melhor que ela e que seria tão boa quanto aquela
que me fez entender o conteúdo. Durante oitava série e o 1º e 2º ano do ensino médio, eu
estudava de manhã e trabalhava à tarde. No terceiro ano, preferi apenas estudar.
103
Nas últimas três narrativas, os participantes Maria, Joana e Laís
testificam que eram alunas de escolas públicas, demonstrando um vínculo
afetivo com a instituição de educação.
Maria apregoa que sua escola não tinha infraestrutura, mas tinha
qualidade. Interpretando a questão, vejo que o Estado deve garantir condições
estruturais adequadas, sendo este um dos requisitos para qualificarmos a
educação como de qualidade.
A participante Maria, mesmo sendo tímida, menciona que se esforçava
para apresentar as atividades e seminários na época de escola e gostava de
realizar as leituras dos livros da biblioteca.
Joana também se considera leitora e curiosa com o aprender. Notei que
ressalta em sua narrativa o papel do professor, principalmente para a
autoridade que o docente tem que apresentar nas cobranças para com os
alunos.
Emoção e diversos sentimentos afloraram quando mencionou o
problema de saúde em que foi responsável pela perda parcial da visão. Pelo
sentimento gerado, compreendi que em respeito a sua dignidade não poderia
tocar em assunto tão delicado para a participante Joana.
Assim como as demais participantes, Laís estudou em escola pública,
sempre vivenciou o ambiente escolar, até em razão de a mãe ser professora e
não ter outro ambiente para deixá-la. Com boas notas realizou sua caminhada
estudantil.
Como ela mesma diz, atrapalhando seus colegas e dando trabalho para
sua genitora, cursou o ensino fundamental. Significando, vejo que Laís é uma
das mais comunicativas, despojada, tanto é que se qualifica como “metidinha”
na época da sua trajetória escolar. Inspirada nas brincadeiras de professora,
tirando dúvidas para uma prova de português decidiu fazer, como primeira
graduação, o Curso de Letras.
Nesta seção, dando sentido às narrativas dos participantes e à vida
estudantil de cada um, recordo-me das minhas experiências estudantis, lá na
pacata Guiratinga e Rondonópolis-MT. Do menino que começou a lecionar na
cozinha de casa, do estudante das escolas salesianas, das travessuras de
104
qualquer infante, que se fez jovem. Fitava o futuro qualificado por mim como
“dias melhores”, nos entremeios da vida pessoal e profissional: entre a
licenciatura de Matemática e o mundo das leis, nos cenários jurídicos.
Com meus pensamentos narrativos, escrevo esta página, entendendo
que esta não está em branco- sem conteúdo e contexto, acredito que na
candura já existem pontilhados, tracejados, rabiscos, formas e contornos muito
próprios. Lá povoam minhas memórias, imagens, vivências, reflexões,
experiências e memórias de toda uma vida, histórias de quem a escreve.
Nesta fração de segundos, penso a respeito da importância dos textos
de campo, Ely et al. (2006, p. 19) defendem que:
[...] no segundo que colocamos a caneta no papel para fazer as primeiras anotações do diário de campo, nós já estamos selecionando, eliminando ou descobrindo dados da coisa real muito mais complexa que temos presenciado para contar uma história crível. Como e o que nós categorizamos, ordenamos ou abstraímos é uma reconfiguração15. (Grifo nosso) .
É por este recontar de histórias que vou selecionando, descobrindo e
narrativizando16 os movimentos experienciados pelo viver dos participantes,
exprimindo-me pelos fios entrecruzados dos meus sentidos, pensamentos,
significantes, reflexões e vivências, para daí, aproximando da composição de
significados17, construir possíveis sentidos diante da pluralidade.
Nessa esteira, Ely et al (2006, p. 19) conceituam:
15
“[...] the minute we begin thinking about the field, the second we punt pen to paper for fild log entries, we are already selecting, droppingor figuring data from the far more complex real thing that we have witnessed inorder to tell a credible story. How and what we categorize, order, or abstract is a refiguration.” 16
Narrativizando (ou narrativizar) é um termo usado ao longo da pesquisa na perspectiva
proposta por Clandinin e Connelly (2011) pelo espectro deweyana do compartilhar da experiência como um bem humano- significando o co-colaborar ou a co-construção da/na experiência recontada pelo vivenciado e/ou historiado. A ideia é entender, pensar, refletir, interpretar como as pessoas experimentam, compreendem, vivem, contam e interpretam as experiências. Como nossa vida de cada dia- cotidiana- “[...] em qualquer ponto no tempo, ela é co-construída pelo pesquisador e pelos participantes.” (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 121). 17
Ao longo dessa pesquisa a composição de significados é entendida na perspectiva teórico-metodológica defendida por Ely e outros (2006) e Mello (2005), no sentido de que a interpretação perpassa da análise dos textos d6e campo (documentos variados) à visão de mundo de quem realiza a pesquisa.
105
Para configurar e reconfigurar nosso pensamento sobre os dados precisamos ouvir, ajustar e nos familiarizarmos novamente com o que nos fez interessar pelo tópico no início. Então, muito cedo no processo é importante escrever, considerar, conversar, pensar e escrever mais. [...] Ao invés de uma tentativa de encontrar ou ver o significado “nos dados” é muito mais produtivo compor significado que os dados podem nos levar a entender.
As narrativas dos jovens universitários demonstram que “os jovens
enfrentam-se com o futuro”, assim como o teórico Pais (2006) nos alertou. Vejo
que os jovens participantes, cada qual a seu modo, demonstram a importância
da escola em suas vidas, ponderam o papel amplificativo, o melhoramento, as
portas que podem ser abertas, as novas possibilidades para a realização de
seus sonhos e projetos, além da “[...] possibilidade de uma vida com mais
conforto” (DAYREL, 2003, p. 16).
As experiências estudantis provocam o “saber da experiência” teorizado
por Larrosa (2002), isto é, “[...] o que se adquire no modo como alguém vai
respondendo ao que vai lhe acontecendo ao longo da vida e no modo como
vamos dando sentido [...]”.
Dentre outras narrativas, destaco apenas para elucidar a afirmativa
acima o trecho em que a participante valora a experiência vivida: “acho que essa
experiência me fez acordar”.
Como afirma Bernardo (2015) cada experiência de nossos participantes
da pesquisa é única, personalíssima, singular, já que entrecruza multifacetados
aspectos na composição dos sentidos da trajetória de formação.
Ajuda-nos a entender tais diversidades a proposição levantada por
Dubet (1994, p. 15), no sentido de que sejam condutas individuais em si ou
coletivas são “dominadas pela heterogeneidade de seus princípios constitutivos
e pela atividade dos indivíduos que devem construir o sentido de suas práticas
no meio desta heterogeneidade”.
A pluralidade de sujeitos é uma constante na escola contemporânea, já
que a sociedade perpassa pela diversidade, em vários aspectos, implicando no
contexto escolar modificado, oportunizando vivências de jovens advindos de
mais diversos ambientes socioeconômicos e culturais, assim a cultura escolar
tensiona novas relações escolares, conforme os dizeres de Dayrell (2007) e
106
Perrronoud (1995).
Ressignificando as narrativas aqui pesquisadas percebe-se a
individualidade e diversidade de cada pessoa, histórias vividas e
experienciadas de jeitos/maneiras únicas, como o nosso participante que com
certo saudosismo fala dos lugares dos Estados Unidos, que a escola pública
fica aquém do cotidiano de uma particular, das brincadeiras de escolinha, ou da
aluna que crê “[...] que professores da época eram mais firmes[...], demonstram
como o ser caminhante é marcado de maneiras distintas e como isso os toca e
é compreendido.
Penso que é interessante destacar a forma com que os jovens
participantes entendem que a escola é um espaço social. Pity significa do
seguinte modo: ‘[...] o maior diferencial da escola é que ela era companheira dos
alunos, ela possui um contato direto com os pais através de gincanas, cultos
semanais[...]. Maria socializa “[...] a escola era que seria um lugar no qual aprenderia
muito e faria meus amigos[...].Assim, ficamos com Dayrell (2007) quando afirma
que os jovens tem a tendência de transformar espaços físicos em espaços
sociais produzindo significados, espaços justos para conviver afetivamente –
Dubet (2008).
Assim como proposto por Munduruku (2007, p. 25) ressignifico os
percursos escolares dos participantes e rememorando a minha percebo que a
Escola é uma espaço para/de vidas, espaço de celebrar, espaço em que
demonstra que somos eternos aprendizes: que este tempo-líquido não nos
deixe tocar nossa caminhada “[...] olhando os relógios que marcam as horas de
nossas vidas[...]” sem esquecer“[...] de marcar nossas vidas no tempo”.
107
4. “POR QUE DIREITO?”: TEMPOS E CONTEXTOS DE UMA ESCOLHA
O futuro é uma figura da continuidade do
tempo e do caminho reto enquanto que o porvir é uma figura da descontinuidade do tempo e do aberto. Enquanto o futuro se
conquista, o porvir se abre. Enquanto o futuro se anuncia ruidosamente, o porvir
“vem com passos de pomba”. E enquanto o futuro nomeia a relação com o tempo de um
sujeito ativo definido por seu saber, por seu poder e por sua vontade – um sujeito que quer se manter no tempo. O porvir nomeia a
relação com o tempo de um sujeito receptivo – de um sujeito que se constitui
desde a ignorância, a impotência e o abandono, desde um sujeito, enfim, que
assume a sua própria finitude, a sua mortalidade (LARROSA, 2001, p. 286).
4.1 A FAMÍLIA, SENTIDOS E SIGNIFICADOS, RAZÕES DE UMA ESCOLHA
As conversas individuais, baseando-se teoricamente em Clandinin e
Connelly, revelam importantes achados, em que demonstram as influências,
marcas e valores que a família, a escola, os amigos despertam na provocação
da escolha profissional, em especial pela escolha do Curso de Direito.
Sabemos que é na Universidade, ou especificamente na escolha do
curso superior ou nos primeiros semestre de um curso, que a escolha
profissional é assunto premente, baseando-se no binômio colocação dos/nos
estudos e no mundo do trabalho.
O jovem, neste tempo e espaço social da “modernidade-líquida”,
vivencia em sua história constantes desafios e tensões no seio familiar, as
relações pessoais, na escola e fatalmente na escolha profissional,
acompanhando as mudanças profundas em meio a globalização, conforme
relata Dayrell (2007, p. 118) seria “[...] uma complexa trama de relações sociais
entre os sujeitos [...]”.
Nossa pesquisa aponta que a escolha pelo Curso de Direito tem
relação multifacetada com os atores sociais em que o participante vive/convive.
Nesse sentido, o participante Arthur relata que, em suas memórias, marcante
no Ensino Médio “foi o início de um estágio no fórum local, onde, finalmente, decidi por
108
cursar direito”. Estaria ali o participante tendo seu primeiro contato profissional,
mas também a abertura para o mundo jurídico, a estética, as narrativas e todo
status de uma profissional tradicional?
Aproveitando o ensejo desse relato, perguntei neste momento: Você
acha que o estágio tem relação com sua escolha pelo Curso de Direito?
Nesse momento, o participante diz: Na fé, acho que sim, na moral! Ingressei
na faculdade com isso em mente, que tipo tem que afastar a exclusão da sociedade
naquilo que se refere ao Direito. Tipo, sendo algo acessível e costumeiro de todos. Eu
ficava, tipo, no atendimento, mas daí busquei aprender todas as funções que cabiam à
secretaria. Dentro do fórum percebi uma coisa meio óbvia. O mundo jurídico pode ser
representado por um círculo fechado, semelhante a um “clubinho secreto”, afinal, mesmo
a parte tendo acesso a tão esperada sentença do juiz através da consulta processual no
site do Tribunal (o que é considerada uma medida de justiça célere) ela é dependente do
advogado ou da secretaria para interpretar e entender o que está escrito. Justamente por
isso usa-se palavras rebuscadas e pouco convenientes, brocardos latinos, para causar
essa dependência e afastamento da sociedade (não-iniciados) aos operadores do Direito
(iniciados).
E ainda complementa: Num tem outro fator, porque meus pais e a
“parentaiada” não são da área, gostam do respeito que as pessoas têm com o juiz, com o
promotor, como a gente ajuda o cidadão que é pobre, sabe! É comovente, professor. Eu
escolhi o Direito por isso, foi muito bom o estágio, fez ver um mundo que para mim
“tava” muito longe. Eu tenho certeza que vou terminar esta faculdade para fazer a
diferença, mas também meus pais ficaram felizes queriam um advogado, alguém do
direito na família..é bom neh, (risos....). Eles me incentivam e muito na carreira, pois é
sólida, exige muito estudo e tem reconhecimento, meu pai queria fazer direito, mas não
teve jeito, era muito caro e nunca teve estudo suficiente para passar em uma faculdade
pública.
Ainda no que diz respeito às influências dessas escolhas, é preciso
lembrar que esta não afeta apenas o jovem, mas toda a família, já que este
pertence a uma família, que tem uma história e características próprias (Bock &
Aguiar, 1995). Em alguns casos, o projeto dos pais orienta-se por um binômio-
109
contraditório, qual seja o a da reprodução, em que o sentimento desejado é
que seus filhos continuem a própria história; já a segunda, pelo critério da
diferenciação, em que seus filhos devem ter uma história que os próprios pais
não puderam ou tiveram oportunidades de realizar.
Essa concepção teórica se manifesta no trecho da fala de Arthur “[...] me
incentivam e muito na carreira, pois é sólida, exige muito estudo e tem reconhecimento, meu
pai queria fazer direito, mas não teve jeito, era muito caro e nunca teve estudo suficiente
para passar em uma faculdade pública”. Aqui o participante Arthur deixa às claras
que sua família exerceu certa influência e o incentivou pela escolha do Curso,
pelo “critério da diferenciação”, já que seu pai não pôde realizar o Curso de
Direito.
No mesmo caminho da busca por entender as influências na escolha
desses jovens, trago à baila as palavras da participante Pitty, que mostra que o
primeiro elemento decisivo para a escolha foi o desejo de dar orgulho à família:
[...]Sempre quis que minha família se orgulhasse de mim, pra quando eu fosse
alguém na vida, pudesse dar a minha mãe a vida boa que ela me proporciona hoje, tipo,
esse realmente é o maior motivo de eu querer cursar o ensino superior, quero que o povo me
respeite algum dia por causa do que eu sou e ai, poder proporcionar uma vida boa pra
minha mãe e minha vó.
A relação de afeto e liberdade entre mãe e filha é latente, veja este trecho
narrado por Pitty: “Sempre me dá opção de escolhas e me mostrando as consequências,
acho que fiz a maioria das escolhas certas por causa das orientações dela”.
Pelo relato, vejo que o ponto de partida para escolha de Pitty foi a
vontade de devolver, retribuir aquilo que a sua mãe e sua avó sempre lutaram
para lhe oferecer, ou seja, deixar a elas uma vida tranquila e confortável.
Surge, neste ponto, o status ligado aos fatores emocionais determinantes da
escolha: Pitty quer conforto para a família e para isso precisa ser respeitada e
cursar uma faculdade.
Especificamente em relação ao curso de Direito, diante do
questionamento a respeito dos motivos da escolha, a participante relata:
Hum, tipo, ser aprovada pra mim foi uma surpresa. Quando fui fazer o vestibular
fui meio que obrigada, eu nunquinha que quis direito, queria mesmo era medicina, e
110
principalmente queria era ir para Cuiabá onde a maioria dos meus amigos estavam. Eu
não queria ficar aqui “forever alone” , mas aí como minha mãe naquela hora tava sem
condições, eu fui fazer o vestibular só por fazer mesmo, não tinha intenção nenhuma de
passar, tava meio nervosa, tipo, era o primeiro vestibular que fui fazer na vida .... assim
como na noite anterior era meu ultimo fim de semana com meus “brothers”, aquele povo
que estudaram comigo desde o maternal, ainda sai com eles contra a vontade da minha
mãe, fiquei com eles numa resenha até as 4h da manhã e fui fazer o vestibular
amanhecida. [...] Eu estava esperando não passar é claro , quando saiu o resultado da
prova objetiva fiquei passada, tipo, eu estava em quarto lugar com 63 pontos e fiquei
muito surpresa e animada, minha mãe ficou muito felizona, fez festa e tal, aí quando
saiu a redação a casa caiu, porque minha nota foi péssima na redação (15pontos)
totalizando 78 pontos, ainda tinha esperanças de entrar, ao todo eu estava em 44 ° lugar,
a segunda chamada foi 1, na terceira foram 3 e eu seria próxima mas, me sacaneando, na
quarta chamada foi chamado um cotista com 58 pontos, aí eu desisti, toda bolada de ter
saído um dia antes, que daí eu poderia ter feito uma redação melhor e não estaria
cansada na hora do prova. Mas a vida anda, né, e eu fiz um plano de estudo, organizei
minha apostilas e ainda fiz um horário de 12h por dia para eu estudar e tal, daí fiz
minha inscrição para um vestibular de medicina em Cáceres, até que um dia eu estava no
quarto estudando e minha vó bateu na porta falando que uma faculdade tinha ligado, eu
não dei importância, porque né..., até que passou um pouquinho e ligaram no meu celular
para avisar que eu tinha sido chamada. Saí correndo gritando minha mãe e no mesmo dia
fomos fazer a inscrição. Minha estratégia era estudar durante a noite e durante o dia eu
ia estudar para o vestibular de medicina. Achei que seria fácil, mas as matérias e a o
trajeto ate a faculdade é bem puxado e não consegui levar para frente, e confesso que
estou me apaixonando pelo curso de direito, mas ainda não desisti de medicina mesmo
que eu pense cada vez menos, ainda é uma grande duvida sobre que rumo quero tomar
com minha vida. Falo que quero fazer medicina e que estou com duvidas mas já até
escolhi o meu vestido de formatura acredita? Rsrsrs
O relato de Pitty reafirma a ideia de que o trabalho com o jovem não seria
fácil, mas resultaria num tesouro. O conflito de interesses na escolha ficou
latente. O desejo de dar orgulho à família e ser respeitada chocou-se com a
realidade da reprovação inicial no processo de seleção para o curso. Nossa
111
participante sequer desejava especificamente o curso de Direito. A Medicina
lhe apetecia sobremaneira, mas as condições à época conduziram-na para o
curso de Direito. Ainda que não o quisesse, a frustração da reprovação e o
posterior ingresso no curso causaram mais um conflito de ideias na vida da
participante.
Tanto o conflito quanto o “se deixar levar pelo contexto da situação à época”
fazem parte da trajetória de vida de muitos jovens acadêmicos. Na história de
Pitty isso está marcado, posto claramente. Porém, vale destacar que, mesmo
ainda pensando no curso de Medicina (seu desejo inicial), a participante já se
sente envolvida no curso de Direito, apaixonada pela graduação, a ponto de já
se preparar para a formatura. Ela se deixou levar pela ocasião e hoje tem se
deixado apaixonar pelo curso.
Já Maria explica, a respeito das influências de sua escolha, que o que a
motivou não foi um desejo dos pais ou a vontade de atendê-los, mas sim sua
vontade nascida ainda na infância. Ela demonstra também muita dedicação ao
cursar Direito:
Especificamente em relação à minha vontade, desde a infância, de cursar Direito,
sempre achei bonito ver aquelas pessoas usando toga. Por isso, desde pequena, eu
buscava justiça das coisas, ser justa com tudo, deve ser por isso que interessei por Direito.
Quando fiquei sabendo que tinha sido aprovada no vestibular, fiquei muito feliz, pois
percebi que meu sonho estava começando a se realizar. Eu já me imaginava uma
profissional de sucesso e começar essa trajetória passando em uma universidade pública
me trazia mais ânimo. Na minha família, fizemos até uma festa em comemoração à
aprovação, pois todos sabiam o quanto eu queria aquela faculdade. Meus parentes todos
me apoiaram e a festa parecia ter mais sentido pra mim, sabe neh?
Joana também apresentou seus motivos para a escolha do curso. Ela
explica:
Ahhhh, hum...o sonho de se chegar ao nível superior veio logo que terminei o 3º ano
do ensino médio, mas não foi possível de imediato, pois meus pais não tinham recursos
para pagar uma faculdade particular. Nossa família era humilde, todo dinheiro que
entrava era usado pra pagar as contas. Nunca passamos fome, mas também nunca
conseguimos esbanjar. Não era todo dia que a gente comia carne e lembro que palmito a
112
gente como duas vezes no ano, no máximo. Eu adorava palmito. Queria comer o vidro
todo, acredita? Iogurte nós tínhamos uma vez por mês, e olhe lá.
Logo após um ano, entrei no curso de ciências contábeis, onde cursei até o 3º ano.
Após tranquei por motivos constrangedores (pausa longa), na faculdade que me
desmotivou a continuar o curso, porém eu amava contabilidade, pretendo ainda concluir.
Após um tempo morando na capital, onde todas as minhas expectativas foram
frustradas, retornei à minha cidade natal por motivos de saúde e pude retomar minha
vida novamente. Infelizmente em Cuiabá minha vida não foi fácil e eu logo quis voltar
pra casa, oh tristeza, a gente não sabe nada da vida, mesmo.
Assim que voltei tentei o vestibular para o curso de Direito ainda pela Uned, porém
não passei. Outra frustração e aqui eu lembro muito uma frase forte pra mim, que diz
que frustração não mata, mas ensina a viver e é bem isso mesmo. Já viu o tanto de coisa
chata que eu passei? E eu desisti, professor? Claro que não. Eu posso até perder, mas eu
perco com dignidade, com a luta e nunca sou vencida pela desistência, não admito. Isso é
pros fracos.
A narrativa de Joana rememora várias passagens vividas por este
pesquisador, mas, sobretudo, do que passam as famílias que não dispõem de
recursos financeiros pelo Brasil afora, mas o que é notável, belo, é a coragem
de muitos que são oprimidos, já que ousam a romper com a linearidade do que
está posto!
É como Joana brada: “[...] frustração não mata, mas ensina a viver[...]”. “Eu
posso até perder, mas eu perco com dignidade, com a luta e nunca sou vencida pela
desistência, não admito”.
Já Laís assume que, por ter outra graduação, escolheu o curso de Direito
para agradar os pais e com o intuito de conseguir uma situação financeira mais
vantajosa, semelhante ao que argumentou Arthur. Vejamos:
Minha mãe sempre me apoiou a fazer Letras, mas me alertava para as
dificuldades da vida de um professor. Ela queria mesmo era que eu fizesse o curso de
Direito, já que um dos meus irmãos já estava fazendo e ela queria que eu ganhasse
dinheiro, o que não ocorreria se eu fosse apenas professora.
113
Com a reprovação no vestibular, minha vontade de cursar Direito esfriou muito,
mas minha mãe sempre tocava no assunto. Enquanto ainda fazia o curso de Letras, eu já
dava aulas particulares em casa e passei a substituir a professora de Língua
Portuguesa da escola onde eu estudei. No segundo ano de Letras eu já dava aula todos
os dias à noite nessa mesma escola e fui contratada para trabalhar em cursinhos na
cidade.
Sempre conciliei muito bem meus estudos e minha profissão. Quando eu concluí a
faculdade de Letras, decidi tentar novamente o vestibular para Direito, mas dessa vez em
uma Universidade Pública, fora de Rondonópolis, aqui em Diamantino-MT. Me
inscrevi, fiz a prova e acabei passando em 1º lugar. Eu decidi que faria Direito e seria
juíza, muito mais para agradar minha mãe do que por mim mesma, já que o que gostava
mesmo era de ser professora, mas queria fazer esse agrado a minha mãe. Teria que me
valer daquela faculdade para ganhar dinheiro e devolver um pouco de tudo que meus
pais me deram a vida toda. Acho que todo mundo quer agradar a mãe, né? Eu não era
diferente nesse ponto. (Grifo nosso).
Agora, Álvaro não explicita se a influência da família foi determinante em
suas escolhas, mas a questão do status social ficou latente, razão pela qual os
sentidos serão vistos no subtítulo posterior. Assim Álvaro expõe:
Há, bom, eu só comecei o ensino superior por causa da necessidade de poder
melhorar minhas chances quando for trabalhar, e ainda até que é uma área que eu
sempre quis seguir, pode crer. Quando consegui passar para o curso, achei um estouro!
Me senti super feliz porque estudei muito para conseguir entrar na faculdade. Tipo, eu
não quis fazer um curso superior só por beleza ou para ser alguém a mais a cursar
Direito, mas eu escolhi o curso pra ganhar dinheiro e também pra ser respeitado pelo
povo, sabe, porque tipo, todo mundo respeita um juiz, um promotor, um advogado bem
rico e competente, né? (risos).
No contexto das vidas dos participantes da pesquisa todos têm em sua
família uma instituição possibilitadora, seja de modo direto ou indireto, para se
constituírem como seres humanos, transpondo valores sociais, culturais,
perpassando para a fase adulta.
114
Cada família e os jovens vivem de maneiras distintas, albergando fortes
diferenças sociais umas com as outras, ainda mais as considerando como
construção social.
Não é objeto de nosso estudo entender em uma perspectiva horizontal e,
sobretudo, verticalizada, a diferença entre as classes sociais e relação com a
família, mas não posso, enquanto pesquisador narrativo deixar de visualizar
nas narrativas dos participantes que cada qual tem seu ponto de partida, são
desiguais e respeito pela trajetória social, cultural, o que alguns teóricos
chamam de bagagem cultural.
Por exemplo, um dos participantes viveu nos Estados Unidos da América,
outro não pode continuar os estudos na capital do Estado, família pobre, sem
condições financeiras, outros vida regrada por uma melhor condição financeira.
Em meio a essas observações, ficaria em débito se não registrasse que a
vida de todos participantes, assim como insculpido por Clandinin e Connelly
(2011) as complexidades, esperanças/desesperanças, sonhos e
intencionalidades são ingredientes da vida de nossos jovens universitários.
Os fios narrados demonstram que as famílias dão importância à vida
estudantil dos jovens, mesmo naquelas em que as redes familiares não tiveram
acesso à Educação Superior, a mobilização. Em minhas reminiscências veio
Charlot (2015) que demonstra que nas narrativas de jovens há uma força que
apoia e dá importância aos estudos dos filhos.
Não vivemos um mundo cor-de-rosa, sabemos que os jovens e seus
familiares vivem muitas vezes em conflitos. No entanto, vivendo com os
participantes, é certo afirmar que a solidariedade, a importância, o vínculo
afetivo são cenários da convivência familiar. Como exemplo, cito Dayrel (2003,
p. 13) que corrobora com o argumento da importância da família, mesmo em
meio aos possíveis conflitos, mas “[...] em nenhum momento esse quadro
conflitivo colocou em questão a família como o espaço de experiências
estruturantes”.
Não é por outra razão que Bernardo (2015, p. 119) afirma que “[...] família
e as questões econômicas têm papel definitivo nos direcionamentos da
trajetória de formação dos estudantes”. A mesma autora pondera que estas
“[...] são marcas importantes a serem consideradas no processo” (p.143). É
com a família que também se constituem a identidade, as concepções de
115
mundo e sentidos e ressignificações das experiências vividas ao longo do
tempo e do processo para com os laços familiares.
Bem, no ontem estava na solidão da madrugada consciente, no hoje a
narrativa se faz com a voz do pequeno vivente. Com o choro do meu recém-
nascido, paro, reflito!
Preciso me afastar dos textos de campo e pesquisa, das vidas dos jovens
participantes e refletir com certa distância, já que esta singularidade é
imprescindível no fazer do pesquisador narrativo.
Nossos jovens universitários vivem no interior do Estado de Mato Grosso,
onde viver com a família é tradição. Apenas uma das participantes não reside
com a família. O que quero provocar neste ponto é uma reflexão enquanto
pesquisador narrativo: seriam diferentes as histórias dos participantes se
vivessem na capital ou nas regiões sul e sudeste do Brasil?
E mais, além da dimensão lugar, pensemos nas dimensões
sociabilidade e temporalidade: seriam outras narrativas encontradas em jovens
ingressos no Curso Superior acaso tivessem experienciado outros modos de
ser jovem? E se as emoções, os contextos, as relações sociais fossem
distintas destas aqui retratadas?
Muitas possíveis respostas são suscitadas, mas deixo para o caro leitor
refletir. Pensemos!
Mas nossos jovens Arthur, Álvaro, Pitty, Maria, Joana e Laís são
caminhantes e na singularidade das suas vidas narraram suas experiências. E
eu, lendo e relendo as narrativas, enlaço e enfeito, no entremeio, os trechos
que lapidam a importância da família para os participantes:
“[...] meus pais ficaram felizes queriam um advogado, alguém
do direito na família.. é bom neh, (risos....)”.
“Eles me incentivam “[...] meu pai queria fazer direito”.
“Sempre quis que minha família se orgulhasse de mim, pra
quando eu fosse alguém na vida, pudesse dar a minha mãe a
vida boa que ela me proporciona[...]”
“Na minha família, fizemos até uma festa em comemoração à
aprovação, pois todos sabiam o quanto eu queria aquela
faculdade. Meus parentes todos me apoiaram[...]
116
“[...] devolver um pouco de tudo que meus pais me deram a vida
toda”.
Os caminhantes, participantes desta pesquisa, narraram com a
liberdade de dizer o que poderia ser dito; no silêncio e nas risadas, restou o
não-dito. Ressignificando, tentei compor sentidos, o que no manoelês tentei
provocar um “enchimento nas palavras”. Assim, Barros (1985, p. 208) devaneia
“[...] porque a maneira de reduzir o isolado que somos dentro de nós mesmos,
rodeador de distâncias e lembranças, é botando enchimento nas palavras.[...]
“alargando os nossos limites”
4.2 “EU VOU FAZER DIREITO”: ENTRE INSPIRAÇÕES, STATUS E AFETOS
A seção anterior- 4.1- tem relação direta com o presente. Naquele, a
tessitura é composta pelos sentidos e significados da família para os jovens
universitários participantes da pesquisa, neste as inspirações, afetos, poder e
autoestima transpassam pela família (já que tem relação intrínseca), mas vão
além.
A vida moderna exige do jovem uma atitude rápida de escolha para a
vida profissional, o que diante do contexto social exige postura firme e de uma
gritante responsabilidade em face da incerteza da contemporaneidade.
Não é por outro motivo que as narrativas demonstram claramente a
preocupação em se dar bem na vida, ter um bom emprego, o poder, a
ostentação, tudo o que em seus discursos creditam ao Curso de Direito.
O participante Arthur acredita que no Curso de Direito pode ajudar a
minorar a exclusão da sociedade, dar acesso à Justiça. Ele menciona que
gosta do respeito que as pessoas tem para com o magistrado (juiz), promotor,
ainda mais como é a relação da ajudar o outro quando se está na seara
jurídica. Veja:
“[...] do respeito que as pessoas têm com o juiz, com o promotor, como a gente
ajuda o cidadão que é pobre[...]”. Eu escolhi o Direito por isso, foi muito bom o estágio,
fez ver um mundo que para mim “tava” muito longe. Eu tenho certeza que vou terminar
esta faculdade para fazer a diferença [...].”
117
Pelas narrativas de Arthur, vejo que nosso diálogo uma palavra puxou
outra, em movimento espiral, algo que teoricamente pode ser considerado
como o “Diálogo Vivo” de Gadamer (1997). Tal diálogo emerge, na perspectiva
de entender, respeitar e estar disposto ao outro, dando abertura à escuta da
voz, transpondo para a compreensão para negociar os significados e
interpretações.
Nesta perspectiva, acho importante colacionar o diálogo entre Arthur e
este pesquisador. Arthur começou a trabalhar no Fórum de sua cidade e ali
achou interessante a vida dos atores sociais da área jurídica, então perguntei: -
Você acha que essa percepção que teve no estágio foi razão principal mesmo
para a sua escolha pelo Curso de Direito?
Prontamente, Arthur responde: - Na fé, acho que sim, na moral! Ingressei
na faculdade com isso em mente, que tipo tem que afastar a exclusão da sociedade
naquilo que refere-se ao Direito .Tipo, sendo algo acessível e costumeiro de todos. Num
tem outro fator, porque meus pais e a “parentaiada” não são da área [...]”
A narrativa de Arthur demonstra o status que o Curso de Direito
provoca, quando afiança que “gosta do respeito que as pessoas têm com o juiz, com o
promotor[...]”.
Ao longo da história percebe-se que estudar o Bacharelado em Direito
é nobre, elitizado, mas com os programas nacionais de inclusão educacional
(FIES, PROUNI, PIIER, dentre outros), percebe-se que o cenário está
mudando, transpondo as barreiras (in)visíveis para caminhos de abertura para
todas as classes sociais.
No entanto, o Curso de Direito ainda confere status ao acadêmico,
nobreza que perdura até os dias atuais, despertando o interesse de um número
exorbitante de alunos que, muitas vezes, são levados a optar por essa carreira
pelo prestígio que, em tese, ela lhes confere.
O participante Arthur assim afirma:- Eu escolhi o Direito por isso, foi muito
bom o estágio, fez ver um mundo que para mim “tava” muito longe. Eu tenho certeza que
vou terminar esta faculdade para fazer a diferença, mas também meus pais ficaram
felizes queriam um advogado, alguém do direito na família.. é bom neh, (risos....). Eles me
incentivam e muito na carreira, pois é sólida, exige muito estudo e tem reconhecimento, meu
118
pai queria fazer direito, mas não teve jeito, era muito caro e nunca teve estudo suficiente
para passar em uma faculdade pública. Aqueles tempos eram outros, como diz ele, não
havia tanto curso de Direito no Brasil como atualmente tem. Eu meio que viajo, mas
focado na realidade. Penso que seria bom o estudo de direito e das relações dentro da
sociedade ser estudado desde o Ensino Fundamental. {se ninguém tiver pensado nessa
hipótese ainda, eu chamo de Torre de Karin. Entendi?!
Neste momento, pergunto: - Deixa eu entender, o que é Torre de
Karin?
Arthur, diz: - Ah, já vi que não assistiu desenho do Dragon Ball (risos)... é
uma estrutura no desenho do dragon Ball, mais alta que a lua, sendo que aqueles que
chegarem ao topo dobrarão suas forças).
Positivamente balanço a cabeça sorrindo, já que gostei muito da
interpretação do Arthur, relação criativa e atual.
Em nosso diálogo, a narrativa de Arthur reafirma o status, a condição
sociofinanceira que pretendem os candidatos ao curso de Direito: Meu pai quer
que a gente estude, passem em um concurso público (assim como ele) e desfrute o resto da
sua vida com sua esposa e filhos, aquela vidinha tranquila e pacata.
Na mesma perspectiva os diálogos com os demais participantes
deixam às claras a compreensão de que o Curso Superior é possibilitador de
melhoramento da vida (qualidade de vida), ascensão social, o respeito e
admiração dos outros. Destaco trechos das narrativas:
[...]pra quando eu fosse alguém na vida, pudesse dar a minha
mãe a vida boa que ela me proporciona hoje, tipo, esse realmente é o maior motivo de eu
querer cursar o ensino superior, quero que o povo me respeite algum dia por causa do que
eu sou e ai, poder proporcionar uma vida boa pra minha mãe e minha vó.(Narrativas de
Pitty)
“Minha mãe sempre me apoiou a fazer Letras, mas me alertava
para as dificuldades da vida de um professor. “[...] ela queria que eu ganhasse
dinheiro[...]”.
“Teria que me valer daquela faculdade para ganhar dinheiro e
devolver um pouco de tudo que meus pais me deram a vida toda”. (Narrativas de Laís)
119
:”[...] eu escolhi o curso pra ganhar dinheiro e também pra ser
respeitado pelo povo, sabe, porque tipo, todo mundo respeita um juiz, um promotor, um
advogado bem rico e competente, né? (risos). (Narrativas de Álvaro)
Nas narrativas há uma marca no tom do discurso: “ser alguém na vida”,
depositando no curso superior, no caso o de Direito. A aposta é lançada nos
estudos para o sucesso pessoal e profissional. Penso que isso é mito18. Mas,
entendo que tal expressão em verdade está carregada de sentimentos, de
quereres, não só do jovem, mas de toda uma família, da luta das marcas que
ficam na história de vida de cada um.
Outro ponto, não menos importante, é a inspiração atrelada ao status
social permeado pelos cenários do curso de Direito, isto é os cenários jurídicos,
em especial trajes e rituais. É o que compreendemos da narrativa de Maria:
“[...] sempre achei bonito ver aquelas pessoas usando toga[...]”.
Os registros imagéticos, ditos como símbolos, tais o terno, a gravata, a
roupa mais formal, o ritual da audiência, o Júri, a toga, um jeito peculiar na
linguagem despertam certa curiosidade, a postura, para alguns inspiração e
status. Tais elementos demonstram uma forma de ver o mundo, de vestir-se e
portar-se no meio social.
Noutro trecho a narrativa desenrola: Tinha uma vizinha que era advogada,
sempre arrumada, muito lindo...pensei que todo mundo na universidade andava de social,
na estica (risos).
Ainda, convém destacar:
“[...] a semana jurídica que tivemos em nossa faculdade, na qual aprendemos
muitas coisas a partir das palestras de pessoas renomadas. Ver tantas pessoas elegantes
e bem sucedidas me fez ver que eu não estava errada ao escolher direito. Que se eu queria
sucesso, respeito, reconhecimento e dinheiro, Direito era o caminho, mas um caminho bem
difícil.
18
Mito, pois é uma interpretação ingênua, pueril, já que conclusão de um curso superior não implica em entrada no mercado de trabalho, tampouco no sucesso profissional e pessoal. É o que Pais (2006, p.9) ensina: “[...] os diplomas são cada vez mais vistos como cheques sem fundos, sem cobertura no mercado de trabalho, também ele sujeito a inconstâncias, flexibilizações, segmentações)”.
120
Por isso, Veras (2008, p. 55) insculpe que desde o início da formação
os jovens estudantes têm contato com uma cultura jurídica tradicionalista que
“[...] repercute em seus estilos de vida, desejos e sonhos”. E vai além ao
enfatizar que “Os futuros bacharéis preferem gestos contidos, cumprimentos
formais[...]”.
Usaremos neste ponto as narrativas digitais, por meio do grupo da rede
social WhatsApp criada com os participantes da pesquisa para troca de
experiências e narrativas.
Figura 5: Recorte 1- diálogo no grupo e WhatsApp
Fonte: Diálogo ocorrido em novembro de 2014.
Dentre outros assuntos e narrativas realizadas pelo meio digital,
destaco neste ponto o que uma das participantes disse a respeito de seu sonho
e interesses sobre a vestimenta e o tal “glamour” da área jurídica. Veja:
121
Figura 6: Recorte 2- diálogo no grupo e WhatsApp
Fonte: Diálogo ocorrido em novembro de 2014.
Importante explicitar que no diálogo inserido na figura acima, a
participante primeiro envia uma imagem de uma modelo que havia sido
aprovada em um concurso para juíza e, somente após essa mensagem, envia
a imagem da toga (vestimenta usada pelos juízes em atos ordinários), e ela
narra do seguinte modo: “[...] viu, ela era modelo, linda, maravilhosa, e juíza, nossa,
isto que é poder. Depois mandei o modelo da toga e umas imagens da gravata que faz
parte dos acessórios usados no mundo jurídico”
A vestimenta em si, pode circunscrever o ser na criação de um
personagem, uma nova identidade. De modo que para “ser estudante de
direito” há o dever de usar roupas formais e em cores neutras. Os dizeres de
Larrosa (2004, p. 167) sobre Júlio Cortazar tem relação com esta crença: “[...]
122
gostava de se olhar no espelho com a gravata no pescoço, porque isso lhe
dava a sensação de que um senhor de gravata tem de ser um senhor
estupendo [...]”.
Figura 7: Recorte 3- diálogo no grupo e WhatsApp
Fonte: Diálogo, novembro de 2014
Este prestígio mencionado nas narrativas dos participantes é visto no
discurso teórico de Vargas (2010, p. 112) que menciona que “[...] as profissões
de alto prestígio estabelecem toda uma atividade de preservação de status
[...]”, de sorte que a profissão, por si só, é o melhor indicador do status social
entre os indivíduos.
Sob este ângulo, pode-se afirmar que a educação implica em uma
perspectiva estratégia vital para mantença ou melhoramento do status social,
do poder (dentre os quais destacam-se o econômico e social), comportando-se
como uma variável para a posição no meio social, prestígio. Por tal motivo os
cursos com maior concorrência nos vestibulares ainda são aqueles que gozam
do mais alto prestígio social, dentre os quais destaca-se o Bacharelado em
Direito (QUEIROZ, 2004).
Como dito antes, o Curso de Direito é qualificado como tradicional,
elitizado, sendo na história “[...] fundamental que os filhos das elites
estudassem e o curso mais recomendado era o de Direito, pois o país
precisava de quadros para a vida pública.” (FAGUNDES, 2006, p.3, grifo
nosso). Os formados em Direito eram os primeiros valorizados, depois havia
uma sequência:
123
Em seguida vinham os engenheiros, imprescindíveis para o desenvolvimento dos empreendimentos estatais ou privados relativos ao transporte, à mineração e aos grandes desafios da urbanização que processava, particularmente, no sudeste do país. Depois a medicina [...]
A motivação, inspiração para fazer o Curso de Direito são várias,
perpassa pela família, mas por outros grupos e instituições, tudo depende da
proximidade do jovem, sua identidade, experiências e vivências, suas
interações sociais, seja pela concordância ou reconhecimento do diferente,
quando se trata da escolha feita.
É o que Collins (1993, p. 217) fala ao tratar da motivação humana para
a escolha, no sentido de “que os homens acham a vida significativa somente se
eles estão integrados num grupo social [...]que as definições sociais
determinam o valor dos objetos e atividades e que a definição do status
ocupado dentro de um grupo constitui uma potente força motivacional.” [...]”.
O estudante somente encontrará terreno fértil para a motivação, para o
querer e criação de possibilidades para seu futuro quando oportunizaram
afetos. É esta afetividade, inspirações no sentido de Manoel19, encontrada nas
narrativas dos nossos participantes que merece ser repensada, observando de
modo proximal, já que alicerça voos maiores para àquele que a tem. Assim,
Ferreira e Neves dos Santos (2014, p. 81-85) reforçam:
Sábia é a compreensão de que todas as crianças, desde a concepção, necessitam de afeto para que possam vivenciar o convívio harmônico no campo familiar e a capacidade de socialização e integração nos grupos que alicerçarão suas vivências. [...] somente poderá existir afetividade onde há carinho, compreensão, respeito, segurança e confiança na relação.
Ainda, fundamentando a importância do afeto, insta obtemperar que é
latente que a aprendizagem e as escolhas tem relação direta com a
afetividade, de modo que a criação de um vínculo afetivo implica em
19
[...] inspiração é um entusiasmo para o trabalho, um estado anímico favorável à poesia, mas não chega por si só a fazer arte [...] Seria, quando muito material sobre que trabalhe o artista – como para o oleiro é o barro. Poeta tem de imprimir sobre esse barro a sua técnica, escolhendo, provando, cortando as palavras, até que as coloque à sua feição e ganhe uma estrutura própria, com um sentido, um som e um ritmo próprios. Poesia não é feita de sentimentos, mas de palavras, palavras, palavras – já se repetiu tanto. (BARROS, 1990, p. 309).
124
aprendizagem significativa. Neste sentido, temos Alves (2004, p. 20):
Toda experiência de aprendizagem se inicia com uma experiência afetiva. É a fome que põe em funcionamento o aparelho pensador. Fome é afeto. O pensamento nasce do afeto, nasce da fome. [...] O afeto é o movimento da alma na busca do objeto de sua fome.
Existem múltiplos fatores e atores que corroboram para a escolha,
ademais não podemos apenas entender que o status profissional é o que
apenas os alunos procuram, muito pelo contrário. A narrativa de Maria nos faz
refletir sob este ponto: Eu sempre me interessei pelo Curso de Direito, via nos filmes,
novelas, pela internet...Eu, assim, ehhhh.... quero entender, apreender, tudo, este negócio de
concurso e tal vem como consequência, somos jovens, temos tempo entendi [...]”.
É como afirma Dubet (1994) há alunos que buscam o aprendizado, ao
melhoramento intelectual autêntico, algo que merece ser compreendido como
um melhoramento para si, na sua trajetória e condição humana.
Os jovens querem experienciar por excelência, já que esta fase se vive
com muita explosão e com ânimos mais variados para as curiosidades. De tal
modo, estar no curso seria muitas vezes um tempo-espaço que afetos e
inspirações são cruciais para os itinerários, emergindo muitas vezes “[...] de um
momento de diálogo frente a uma situação que aparentemente era impossível
de resolver” (PIRES, 2013, p. 112-113).
É uma ousada travessia, arriscada que requer coragem! Assim
atravessando distâncias para levar boas novas, afetos, idéias e ideais,
reconhecendo o que afetou, como que afeiçoei e vou ressignificando as
experiências, as narrativas dos participantes, compreendendo a força dos
“diálogos vivos”.
125
5.JOVENS NO CURSO DE DIREITO: VADEMECUM, VEM COMIGO
Todos os dias quando acordo, Não tenho mais o tempo que passou
Mas tenho muito tempo Temos todo o tempo do mundo. Todos os dias antes de dormir,
Lembro e esqueço como foi o dia "Sempre em frente,
Não temos tempo a perder". [...]
Veja o sol dessa manhã tão cinza A tempestade que chega é da cor dos teus
Olhos: castanhos. Então me abraça forte e,
Me diz mais uma vez Que já estamos distantes de tudo
Temos nosso próprio tempo, [...]
Não tenho medo do escuro, Mas deixe as luzes acesas agora,
O que foi escondido é o que se escondeu, E o que foi prometido,
Ninguém prometeu. Nem foi tempo perdido;
Somos tão jovens, Tão jovens, Tão jovens.
(RUSSO, 2011)
Ao percorrer o caminho que demonstra as experiências dos jovens
estudantes do curso de Direito, deparei-me com uma chance inigualável de
entender os diversos perfis de jovens que, no estado de Mato Grosso,
passarão pelos cinco anos do bacharelado em Direito.
Experienciando com esses jovens, seria perfeitamente possível
colaborar para que a sociedade compreenda mais sobre as transformações
recentes que vêm ocorrendo na nação brasileira e a influência que a
Universidade exerce nesse contexto.
Como já discutido no capítulo anterior, diversas são as razões que
levam essa parcela da sociedade a adentrar as salas do curso de Direito:
status, reprodução das experiências maternas e paternas, ideologia de
mudança social, entre outras. Muitos deles, ainda, acessam as Universidades
públicas – como é o caso dos participantes– por verem nela uma chance maior
de preparação adequada para uma formação eficiente e por razões também
econômicas. Há, ainda, aqueles que chegam às Universidades privadas por
126
conciliarem o desejo de uma futura carreira de sucesso e a possibilidade de
permanecer em sua cidade de origem, visto serem poucas as cidades de Mato
Grosso que têm o curso de Direito ofertado em instituições públicas.
Corrochano (2013) discute o quão variado é o perfil dos jovens que têm
chegado aos bancos das universidades no século XXI. Cada vez mais, as
instituições de ensino têm se mostrado como o lugar privilegiado tanto para o
conhecimento quanto para a convivência entre os diferentes. É notório o
aumento do número de jovens que têm conseguido, driblando toda sorte de
dificuldades, chegar às universidades.
Especialmente no que concerne à universidade pública, Almeida (2007)
discute detalhadamente os reais motivos da escolha de muitos jovens pela
instituição pública. Ele esclarece que, por conta das dificuldades financeiras de
muitos deles para realizar o pagamento de um curso superior em faculdade
privada, a Universidade pública acaba por se mostrar a única alternativa de
realização do sonho do acesso ao curso superior, curso este de qualidade.
Destaco que, no Brasil, temos uma realidade perversa, que ainda se
mostra frequente: muitos jovens de origem pobre cursam todo ensino
fundamental e médio em instituições públicas de ensino e, com o auxílio de
ações governamentais como o Programa Universidade para Todos (ProUni) ou
o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), acabam por cursar o ensino
superior em instituições particulares.
As classes mais populares não conseguem concorrer em pé de
igualdade com aqueles jovens oriundos de famílias abastadas, que puderam
acessar as melhores e mais caras escolas privadas durante o ensino
fundamental e médio e, por estarem mais bem preparados, adentraram com
maior facilidade nas Universidades públicas.
Assim, vamos refletir sobre os diálogos realizados, na tentativa de
compreender como o jovem universitário dá sentido para suas experiências no
curso, a partir do que já foi vivenciado. Com as narrativas dos participantes,
percebe-se que além do cotidiano, questões envolvendo o Curso de Direito
foram levantadas e merecem movimentos de reflexão que possam contribuir
para um aprofundamento nas paisagens da pesquisa proposta.
127
5.1 UNIVERSIDADE E A IDENTIDADE DO JOVEM: TEMPO E LUGAR
Cheiro de comida recém-feita... aroma dos quitutes feitos por mamãe
nas tardes de chuva...o perfume da flor que rememora a casa da vovó...a letra
da canção que me faz retornar à infância. Sempre ela, a memória, a reconstruir
tudo aquilo que o tempo fez passar, mas que o coração insiste em lembrar e,
assim, volta a viver – ainda que por breves lampejos durante a perenidade dos
meus dias.
Pensando exatamente no poder que a memória representa sobre a vida,
volto a me apoderar das palavras de Clandinin, Connelly, Mello e outros
pesquisadores que exploraram o caráter social, as condições pessoais e a
temporalidade enquanto algo longínquo, que remete a passado, presente e
futuro. Todos eles analisam também o lugar ocupado por cada um dos
participantes da experiência, uma vez que é de vital importância conhecer o
contexto e a situação nos quais cada história de vida acontece.
Nesta perspectiva, a Universidade aqui é entendida como defendem
Santos (2010, 2013) e Warat (2001, 2000) enquanto projeto emancipatório, isto
é uma possibilitadora de conhecimentos, de tempos para a formação que
desperte competências e habilidades, proponha reflexões, estudos e rupturas
de preceitos arraigadas para uma liberdade, para a emancipação à luz das
visões freireanas.
Aqui, não estou falando do tempo marcado pelo relógio, da metrificação,
do aparelho, do instrumento orientador (ELIAS, 1998, p. 16) que autorregula
nossas atividades e a reorganização social.
O tempo, entendendo a crítica de que a grafia correta é tempos, aqui é
alterado, na perspectiva defendida por Bosi (1994) e Vayrell (2011), em que
cada ser vivencia com/no seu compasso, são tempos de possibilidades, da
busca, do prazer, do fazer. O tempo aqui é concebido como uma
representação social simbólica, incerto, uma invenção.
É instância existencial, é o vir-a-ser nos movimentos da vida, logo
experienciado de modo particularizado para cada indivíduo. Na rede social,
dialogando com um dos participantes, fica claro que o relógio marca o tempo
de modo igual, “é tudo igual”, a quantificação das horas, mas seu ritmo, que
128
fica, é diferente, são outros tempos que são vivenciados cada qual pela
importância, sensações e fazeres, vejamos na Figura 8:
Figura 8: Recorte 4- diálogo no grupo de WhatsApp
Fonte: Diálogo ocorrido em março de 2015
Partindo das contribuições de Pineau (2003, p.13) entendo que o
tempo é “[....] a medida do movimento. Não apenas sua contabilização, sua
quantificação, sua média, mas também sua afinação, seu ritmo, seu tom, sua
qualidade, seu sentido”.
São tempos em múltiplas temporalidades, centrada na formação
como função de evolução do homem, voltados para a valorização do ser
humano, do exercício de compreender a condição humana, não cabendo
mais a espera, pois o tempo voa e vem escorrendo pelas mãos de todos,
necessitando da “fusão de horizontes” defendida por Gadamer (1997),
isto é, a interpretação que passa/transpassa nosso modo de viver nossas
experiências, sendo de tal sorte temporal e intencional, no respeito pela
contribuição do outro para/pela humanização.
Advogando para uma intimista relação entre medição do tempo e o
poder, Pineau (2003) realiza uma reflexão histórica das diversas cronometrias
do tempo, chamando-as de “tempo dos deuses”, o “tempo dos corpos”, o
“tempo das máquinas” e o “tempo dos códigos”. O que implica dizer que tal
instituto permeia nossos serviços públicos, a escola, dentre outros.
Experienciar o tempo da contemporaneidade, nos leva a reconhecer
que há vários tempos imbrincados. De sorte que o tempo vivido na grande
maioria das vezes não coincide com os ponteiros do relógio-concepção de
tempo khronos. Nossos tempos são plurais, diferentes, opostos, obtusos,
fluídos, concentrados, com porosidade e modulações descontínuas.
129
No conflito dos tempos Kronos e Kairós, fico com este. Este não
pertence a Kronos, porque é imprevisível, não há controle, imetrificável.
Apenas acontece, é o vivido!
Kairós é tempo de oportunidade, do divino, não obedece regras, tem o
compromisso com a vida, manifestando-se a todo instante, deixa às marcas
para toda eternidade. Assim, reconhece as diferenças individuais, os ritmos de
cada ser, indo ao encontro do prelatado por Renato Russo: “[...] tenho muito
tempo, temos todo o tempo do mundo, não temos tempo a perder, temos nosso
próprio tempo [...]”.
Dialogando com os jovens universitários participantes da pesquisa,
percebo que conseguem compreender o significado das experiências/vivências
na Universidade, primeiro pelo contexto sócio-cultural que tal fato representa, e
também pelo alívio proposto por serem aprovados no vestibular. Mas cada qual
em sua individualidade narram de modo peculiar os primeiros passos na
Universidade e a constituição de suas identidades.
Por exemplo, Arthur em suas narrativas deixa claro o modo como se
sente em relação ao ambiente universitário.
Arthur diz: Pra falar a verdade, ora eu gosta ora não. Na boa, mexer com gente é
complicado demais. Como já falei, foi no estágio, durante o Ensino Médio no Fórum que
despertou a minha vontade de fazer o Curso de Direito. Antes era muito idealizador, só na
viagem. Mas hoje, dentro da Universidade, percebo que o bagulho é mais sério. Nem tudo
é justo e nem tudo é maldade. Há sentido para todos os lados.
O importante que eu consegui entrar por mérito próprio e vou curtir meu momento,
Prof!!! Tentarei fazer o meu melhor. Sugar o que a faculdade e os professores podem me
oferecer. Pois este tempo, como dizia Cazuza “o tempo não para” (uma certa emoção).
Vou confessar uma coisa, mas espero que fique somente entre nós (risos) me sinto mais
gente dentro deste ambiente.
Sinto que posso transformar algo, não sei que algo posso transformar, tipo,
acho que estou em transição. Antes pensava em usar o curso para ganhar dinheiro, hoje
penso em ser um professor, mas dos bons (risos), pois acredito que a palavra muda o
mundo e o mundo é mudado, conforme a palavra. Tem um carinha que fala desse jeito,
mas não sei o nome dele
130
Eu, ainda, pergunto para Arthur: - Qual é a percepção que tem deste
momento da vida enquanto acadêmico de Direito.
Ele responde: - Bem tranquila Prof...Não esquento a cabeça não. Acho que tudo
tem seu momento. As vezes minha cabeça gira, gira e gira. Mas a questão de ordem é
relaxar!!! Isso mesmo Professor, relaxar. O IBGE “fala” que o povo brasileiro viverá
mais que 80 anos. Logo, com a minha idade, estou um bebezinho neste mundão. Quero as
coisas boas da vida, mas não vou me matar para conseguir nada. Fico sussa que as
coisas vem.
Vemos nesta narrativa a “transição de formação”, conforme Bernardo
(2015, p. 46) explicita, pois o jovem está no processo “[...] de continuidade da
formação e da trajetória estudantil, agora um curso superior, em processo de
constituição profissional específica [...]”. Na mesma toada, Dubet (2008, p. 103)
ajuda-nos a entender a dinâmica do relato do jovem, pois alicerça que “É
preciso, portanto, ser sensível à rentabilidade individual dos percursos
escolares”.
Com essa sensibilidade, chamo a atenção para a narrativa de Arthur,
testemunho a felicidade quando verbaliza que o bom foi “entrar por mérito
próprio” e ter o entendimento de que é preciso ir além “Tentarei fazer o meu
melhor. Sugar o que a faculdade e os professores podem me oferecer. Pois este tempo,
como dizia Cazuza “o tempo não para” (uma certa emoção).”. Tais afirmativas
constituem o processo de constituição da identidade do jovem na Universidade,
de pertencimento ao meio. Aliás, este se sente mais humano, mais capaz: “me
sinto mais gente dentro deste ambiente”.
Agora, perguntei para Pitty se estava gostando do Curso, da
Universidade. De imediato, com um tom de voz animador respondeu: -Ainda
quero ver o que vai dar, eu tipo, pretendo levar cada vez mais a sério o meu curso e espero
me apaixonar mais e mais por ele. Mas não farei milagre não. Vou estudar conforme for
dando. Essa coisa de perder noite e mais noites estudando isso não é pra mim. A vida é
muito longa pra eu esquentar a cabeça (gargalhadas). Sabe prof.. quero curtir o curso,
fazer amizades e se possível arrumar um gatinho por aqui mesmo. Não me olha assim
(risos), pois a maioria desse povo que está aqui também pensa assim (risos e rosto
róseo). Sabe aquela música do Zeca Pagodinho que foi tema da copa? Pois então, essa é
a minha melodia “deixa a vida me levar”... (risos incessantes).
131
Dialogando agora com a jovem Pitty, vejo que há certa convergência
com a narração de Arthur. Quando perguntado sobre a identificação com o
Curso nestes primeiros meses, ela respondeu: - [...]. Quando iniciei o curso,
affffffff... Socorro!!! Achei que fosse morrer de vergonha. O povo me observava o tempo
todo. Acredita que eu tive (forçadamente) que participar do trote? Nossa, fiquei com
tanta raiva. Uma indecência. Acho trote o fim da picada. No meu primeiro dia de aula, os
veteranos nos trancaram em uma sala, passaram batom em nossos rostos e pegaram um
pé do nosso calçado. Só pagando que teríamos nossos calçados de volta.
Fora esse fato, sempre gostei muito da faculdade, do curso, estrutura, quadro de
professores. É claro, há alguns que não se dedicam tanto e outros mais. Mas em todos os
lugares isso ocorre, não é mesmo?
Na verticalidade, tentando compreender com maior profundidade como
a participante Pitty compreende este momento na universidade, lapidar é sua
narração, veja:
Pitty: [...] Gosto deste ambiente que a faculdade proporciona. Me sinto menos burra.
Aqui consigo perceber que um dia terei uma chance. Acho que entrei na hora certa e no
curso certo Professor. Antes de vir para a faculdade eu assistia muito novelas, mas
agora, não. Nem quero mais. Estou em outro nível (gargalhadas).
Só que uma coisa importante é que caiu a minha ficha cedo. Vou te explicar, tem um povo
aqui na Universidade que leva o curso na barriga, quando chega no nono semestre dá um
desespero querendo salvar o mundo, daí ferro!!!!!
Esse tipo de gente é o tal do “malandro otário”, brinca a faculdade inteira, depois vai
para cursinho tentar salvar o mundo (risos).
A participante demonstra integração com a Universidade, modificando
gradualmente alguns hábitos e tendo responsabilidade para com os estudos ao
seu modo pelas suas experiências de mundo, sentimentos, emoções e tudo
que há na história de sua vida.
Os jovens pelas suas vivências, da infância à juventude levam consigo
aprendizagens, vivências, saberes, interações sociais e uma história que
merece respeito.
Ainda, destaco trecho do participante Álvaro nos diz: [...] tenho
muuuuuuuuita vida pela frente. Pô, xou novinho (risos). Não fico encanado com isso ,
não! Sei que aproveitarei as oportunidades, mas não me matarei para isso. Tudo a seu
132
tempo. Em Eclesiástico ou Eclesiástes, agora não sei ao certo, diz que tudo tem seu tempo.
Sendo assim, meu tempo é de curtir (gargalhadas).
A narrativa pode levar a uma composição de sentidos fora de um
contexto maior, qual seja que o jovem enuncia algo particular de modo
generalizante.
Assim, a voz do jovem ecoa com um significado que demonstra uma
crítica e certa rebeldia ao que é imposto hegemonicamente. Não é no tempo do
outro que faço o meu, pelo contrário para o jovem Álvaro o seu tempo é
grande, pois há “muuuuuuuuita vida pela frente”, mesmo aproveitando as
oportunidades. Isso quer dizer que ao seu modo e tempo efetivar seu estudo,
seu papel, mas respeitando a individualidade do seu tempo e modo de ser
jovem e universitário.
Nesse ponto, merecem ser feitas algumas considerações sobre a
concepção de tempo dos participantes da pesquisa. Maria narra “somos
jovens, temos tempo, entende”, o que contrapõe o entendimento de Arthur
“como dizia aí Cazuza “o tempo não para”! Fica visível que os entendimentos
acima concebem o tempo de modo contrário, o primeiro no sentido kairós e o
segundo no sentido khronos, de um tempo que cronometra.
Importante ressaltar que Arthur entra em contradição, pois,
perguntando sobre o momento da vida universitária, aponta a uma concepção
de tempo como porosa, aberta, flexível, conforme se vê: “Acho que tudo tem
seu momento [....]”. É neste mesmo sentido os dizeres de Pitty: “A vida é longa
pra eu esquentar [....]”, bem como os de Álvaro quando menciona “[....]
muitaaaa vida pela frente”.
Figura 9: Recorte 5- diálogo no grupo de WhatsApp
Fonte: Diálogo ocorrido em março de 2015
133
Como se vê, os jovens participantes têm concepções distintas sobre os
tempos, o que é importante para que o leitor possa analisar os contextos e
possíveis interpretações a partir do subjetivismo do ser, percebendo que
aquele move-se em processos diferentes, dependendo dos olhares, do
referencial adotado.
É como Charlot (2000, p. 57) nos ensina sobre o que é significante:
“[...]significar é sempre significar algo a respeito do mundo para alguém ou com
alguém”. Assim, aqui no diálogo significamos e ressignificamos no
(com)partilhar das experiências vivenciadas. Assim, vale aqui registrar a
importância do detalhe na narrativa do outro em tempos tão fluídos:
Quando digo que isso tem sentido para mim, estou indicando que dou importância a isso, que para mim isso tem um valor [...] Algo pode adquirir sentido, perder seu sentido, mudar de sentido, pois o próprio sujeito evolui, por sua dinâmica própria e põe seu confronto com os outros e com o mundo [...] (CHARLOT, 2002, p.57)
Assim, percebo que os jovens entendem a Universidade como um espaço
institucional, com sentidos e significados ambíguos e múltiplos (CHARLOT,
2001), no qual em seu tempo-espaço oportuniza o ir-e-vir, a socialização,
conhecimentos, vivências e constituição do ser, identidades.
5.2- SER JOVEM E UNIVERSITÁRIO: SENTIDOS PARA AS EXPERIÊNCIAS DO HOJE
Depois de discorrermos sobre os primeiros contatos com a
Universidade e o Curso, passo a compor sentidos das vivências narradas pelos
participantes no Curso, sob os mais diversos prismas, na pluralidade das vozes
e experiências.
A vida do jovem é marcada por fragmentariedades, nada linear,
constituídas por meio, processos (PAIS, 2001). É vida marcada por paixões pra
a alegria de viver, esperanças no amanhã, nos projetos do futuro, nas
aspirações.
As narrativas da Experiência de vida dos Jovens Universitários são
laboradas na perspectiva de Larrosa (2002, p. 24), remetendo a ideia de que o
“[...] que se adquire no modo como alguém vai respondendo ao que vai lhe
134
acontecendo ao longo da vida e no modo como vamos dando sentido ao
acontecer do que nos acontece”.
Larrosa nos ajuda a conceber o jovem como autor, assim como Dubet
(1994, p. 74) sujeito ativo de sua vida, não de “[...] um indivíduo constituído por
um todo social homogêneo”.
Nesse diapasão, Freire (2011, p. 48) demonstra a força de um gesto,
do carinho, do respeito ao outro:
Nunca me esqueço, na história já longa de minha memória, de um desses gestos de professor que tive na adolescência remota. Gesto cuja significação mais profunda talvez tenha passado despercebida por ele, o professor, e que teve importante influência sobre mim. Estava sendo, então, um adolescente inseguro, vendo-me com um corpo anguloso e feio, percebendo-me menos capaz do que os outros, fortemente incerto de minhas possibilidades. Era mais mal0-humorado que apaziguado com a vida. Facilmente me eriçava. O professor trouxera de casa nossos trabalhos escolares e, chamando-nos um a um, devolvia-os com seu ajuizamento. Em certo momento me chama e, olhando ou re-olhando o meu texto, sem dizer palavra, balança a cabeça numa demonstração de respeito e de consideração. O gesto do professor valeu mais do que a própria nota dez que atribui à minha redação.
Esse incentivo é visto na caminhada na Universidade, todos os
participantes falam do incentivo da família. Mas, aqui, retrato apenas o
incentivo que parte da própria instituição, professores universitários, veja o
trecho:
Tipo, tem professor que incentiva, fala que temos que lutar para não sermos
mais um, luta por aquilo que a gente quer”. [...]
Ehh, tem que incentivar a gente, trabalhadores que chega cansados. Alguns
fazem”.
Não é por outro motivo que os estudos e pesquisas apontam os
professores responsáveis pelo sucesso ou/e fracassos dos alunos e pelo papel
ímpar na trajetória estudantil dos alunos.
135
Figura 10: Recorte 6- diálogo no grupo de WhatsApp
Fonte: Diálogo ocorrido em março de 2015
Um dos participantes, por meio do grupo da rede social, explicita acima
a dificuldade da vida estudantil quando não há o apoio do professor: “[...] é
difícil você não ter apoio [...]”
Vemos que mesmo em condição precária no Curso, com condições
sócio-econômicas desfavoráveis e outros problemas, a força e o incentivo são
ingredientes potentes para superar os entraves e garantir que os alunos
continuem na caminhada. A Figura 11 demonstra que boa relação aluno-
professor oportuniza confiança: “[...] sinto confiante rola uma boa parceria”,
veja:
Figura 11: Recorte 7- diálogo no grupo de WhatsApp
Fonte: Diálogo ocorrido em março de 2015
136
Continuando com as experiências narradas pelos jovens universitários,
já no curso de Direito, neste momento farei diferente, já que destacarei os
trechos das narrativas dos participantes para, somente, após realizar
comentários na tentativa de compor sentidos.
“Por enquanto não trabalho estou esperando uma resposta do Fórum para
começar o estágio voluntário, portanto, tenho o dia todo para estudar. Mas, hein,me
decepcionei um pouco com o primeiro semestre, com algumas matérias que esperava
ansiosamente para cursar, mas foram incompletas e insuficientes (talvez por essa
transição Uned/Unemat) ou talvez pelo nível de alguns professores ou talvez até pela
minha inexperiência no mundo acadêmico (pausa).
Hum, sei lá , mas também me surpreendi com outras matérias que considerava,
no início do curso, ridículas, mas entendi o propósito dela dentro do curso de direito e
acabei me interessando por elas. (Gargalhadas). Lembro quando alguns professores
falavam em sala de aula que, a finalidade de algumas matérias seria “abrir a mente”.
Eu imaginava uma motosserra partindo nossas cabeças (muito engraçado).[...]Ah,tipo,
na moral, gosto do modo tradicionalzão mesmo, tipo professor falando, aluno escutando,
se houver dúvidas o aluno pergunta. Contudo, deve mudar a perspectiva do professor
deve preparar o aluno para que ele se acostume com todos os processos e faces do direito,
sendo assim, será, de fato, um operador do direito.
. [...]Sinto que posso transformar algo, não sei que algo posso transformar,
tipo, acho que estou em transição. Antes pensava em usar o curso para ganhar dinheiro,
hoje penso em ser um professor, mas dos bons (risos), pois acredito que a palavra muda
o mundo e o mundo é mudado, conforme a palavra. Tem um carinha que fala desse jeito,
mas não sei o nome dele.”(Narrativas de Arthur)
“[...] sinto-me um pássaro livre dentro da academia. É algo que flui em meu
ser, não tenho noção de como isso ocorre, mas tenho a nítida sensação de estar viva. Tipo,
tem professor que incentiva, fala que temos que lutar para não sermos mais um, luta por
aquilo que a gente que.Isso é bom quero aprender de verdade para ser uma pessoa
melhor e bem profissional. ( Narrativas de Pitty)
137
“[...] o que atrapalha enquanto sou aluno é a falta de compromisso com os
trabalhos. As matérias que eu percebi que tão ajudando na formação da minha ética são
aulas de IED e Ciência política. E aí, eu quero continuar ganhando cada vez mais
conhecimentos para me tornar um profissional top no futuro. É que nem eu te falei, eu
quero e vou ser alguém de respeito e que alcançou o sucesso, fim.
Até agora, deu ruim, porque tipo, não consegui muitas conquistas por causa de
eu ainda estar cursando o 1º semestre. Ainda não consegui ver muitas diferenças quanto a
minha personalidade, mas eu acho que estou ficando mais responsável e tal. Eu acho que
o curso ainda vai me proporcionar várias chances de ser responsável, pois eu sei que, se
não estudar, não vou conseguir me destacar e muito menos ser respeitado do jeito que eu
quero. Sério, prof, Você acha que eu vou gastar cinco anos da minha vida pra não ser
ninguém? Só pra ser mais um por ai? Pra alguém perguntar e eu responder que sou
bacharel em Direito, mas que não trabalho na área? Aff, é como se eu passasse que não
sei fazer nada direito [...]to na expectativa de ter muita coisa ainda do curso. Tipo, para
mim, saber Direito é entender as leis e os elementos importantes, e para melhor
aprendizado tem que ter muita leitura, né. Uma aula no curso jurídico deve ser, para
mim, uma aula em que o professor consiga passar o que ele sabe para gente, seus alunos.
O aluno tem que respeitar o professor, porque tipo, ele é o principal responsável
por aquilo que ele aprende, pois é dele o interesse de estudar para depois arrasar. Foi
bem difícil não estar acostumado ao nível superior, mas eu consegui umas notas bem
boas, só que eu sei que tenho que melhorar nos exercícios e tal, que, para falar sério, não
chamam minha atenção nem um pouquinho. A coisa é que ás vezes eu sinto que não tenho
que pensar nas notas. Tipo, conseguir notas boas não significa sucesso, para mim são
acertos que estão longe de virar algo no meu futuro. Eu sei que tenho que aprender mais
coisas e tal, e correr atrás, ou então, não vira nada. (Narrativas do Álvaro)
Até agora percebi que já conquistei muitos conhecimentos, fiz bastante amigos
novos, com quem troco aprendizagem. Percebo que no momento aprendi muitas coisas,
mas que em relação a todo curso isso ainda é pouco. Antes de começar a estudar o Direito,
eu tenho algumas opiniões sobre determinados assuntos e agora já vejo com outros olhos e
que tudo não era do jeito que eu pensava. Uma experiência positiva de aprendizagem que
vivenciei foi a semana jurídica que tivemos em nossa faculdade, na qual aprendemos
138
muitas coisas a partir das palestras de pessoas renomadas. Ver tantas pessoas elegantes
e bem sucedidas me fez ver que eu não estava errada ao escolher direito. Que se eu queria
sucesso, respeito, reconhecimento e dinheiro, Direito era o caminho, mas um caminho bem
difícil. Mesmo com sono em alguns momentos, assisti todas as palestras e tentei assimilar
a maior parte possível daquilo que era ensinado. Minha única dificuldade em resolver os
exercícios foi quando alguns professores não explicavam a matéria direito e já
passavam os exercícios e tínhamos que procurar na internet para tentar resolver. Minha
performance foi boa pois me esforcei bastante e é o que eu quero ser futuro, por isso busco
fazer as coisas com qualidade. Sinceramente, pra mim, o bom aluno deve demonstrar
interesse e gostar do que faz para assim aprender mais, pois se apresentar as
características será mais fácil a aprendizagem. De nada adianta uma excelente
biblioteca, ótimo professores, salas espaçosas, jornais e periódicos atualizados e eventos
bem organizados se o próprio aluno não se dedica aos estudos. É muito fácil passar por
uma faculdade, mas é muito, muito mesmo, difícil se destacar na vida estudantil e isso eu
busco todo dia. (Narrativas Maria)
Ainda tenho grandes dificuldades em desenvolver meus trabalhos no sentido de
interpretar o linguajar jurídico, mas sei que com o tempo isso mudará. Caso eu lesse
muito mais, certamente essas dificuldades seriam menores, mas ainda faço tudo o que
posso para melhorar. [...]Tenho grandes expectativas em relação ao curso pois, pelo que
pude perceber, é uma área de grande mercado e muito respeitada diante da sociedade. O
curso me tem feito reconhecer que, quanto mais estudo, mais eu não sei nada e isso tem
sido de bom...tipo.ehhhh no sentido de que, tendo isso em vista, sempre busco adquirir mais
conhecimento. Muita gente fala que o mercado de trabalho para o profissional do Direito
já está estagnado, mas acho que isso não interessa e não é uma verdade absoluta. Afinal,
toda área é boa e promissora para o bom profissional. Se tem uma coisa que estou
buscando é uma formação de qualidade e não aceito qualquer coisinha para meu futuro.
Ou serei a melhor ou nem começo as coisas.[...] Hoje posso falar que tenho outra visão
em relação à sociedade, a justiça, a política, conceitos errôneos que eu tinha hoje foram
quebrados após ter entrado no curso. Por exemplo, antes eu pensava mesmo que bandido
bom era bandido morto. Após começar meus estudos, já reflito um pouco mais sobre o
139
tema: e se esse bandido fosse meu pai? Já imaginou? Será que eu ia o querer morto
mesmo? Tá vendo, professor, como a gente amadurece? E foi no curso superior que vi que
isso é possível. Espero ainda que o curso continue a me motivar como já tem feito para
que eu possa me dedicar e ser uma profissional diferenciada no mercado. Saber direito,
para mim, é entender os princípios que regem a Constituição, saber entender os anseios da
sociedade e usar de todos os recursos jurídicos para atendê-las. Para isso, é necessário
ler, buscar conhecimentos, ser curioso, especulativo. Um termo usado pelos professores
que sempre me vem à cabeça é que para ser um profissional do direito o segredo é não
faltar aulas, pois ali tudo se absorve. Falto apenas quando estou com algum problema
de saúde ou quando preciso ficar até mais tarde no trabalho. Se frequentando
regularmente as aulas já não está fácil, imagina se eu começar a faltar direto? Sem
chance né?Como estratégia de estudo, procuro montar fichas de estudo com resumos de
minhas próprias palavras para melhor compreender. Percebo que fixar os conteúdos
apenas lendo é mais difícil pra mim. Ao escrever, eu reviso tudo e isso me faz assimilar e
gravar o que foi visto (Narrativas da Joana)
Até agora não tive dificuldades com as disciplinas, estudo muito e sempre leio,
pois sei que essa é a base para que eu alcance bons resultados no curso e no meu exercício
profissional. Entendo que o curso é bom para o aluno que também é bom, mas vejo o
professor como uma ferramenta essencial ao aluno, ele é um mediador que tem o poder de
despertar o interesse do estudante por determinada área do conhecimento. Entendo que o
bom professor dá a partida inicial, mostra o caminho, indica os bons materiais que o
aluno pode consultar e isso, certamente, o levará ao sucesso. Ao longo de toda minha vida
escolar tive excelentes professores, pois estudei na melhor escola estadual na minha
cidade e tive uma excelente formação de base.Se o professor não fosse essencial no
processo de ensino-aprendizagem, os estudantes não frequentariam mais as salas de
aula e tudo seria restrito ao acesso virtual a livros, por exemplo. A máxima de que quem
faz o curso é o aluno não está errada, mas acredito que não é apenas isso. Afinal, bons
professores são aqueles que conseguem formar profissionais que sejam ainda melhores
do que seus mestres.Até agora uma professora se destacou em minha trajetória no curso
de Direito. Ela trabalha metodicamente, meus colegas reclamam, mas eu acredito que ela
está correta. Ele sempre nos apresenta um esquema a respeito daquilo que veremos em
140
sala, depois explica o que a doutrina fala do tema, na sequência complementa com os
aspectos práticos e encerra a discussão com a leitura do texto legal e os comentários
relacionados ao tema. Para complementar, sempre deixa lista de exercícios para
respondermos, corrige e utiliza parte desse material durante as avaliações. (Narrativas
da Laís).
Pela rede social, por meio das narrativas digitais, vale destacar recorte
(Figura 12) que demonstra que a participante achou difícil e complicado, pelo
ambiente novo, diferente e não gostar tanto do curso, o fez tendo em vista fatos
que aconteceram em sua vida.
Outro ponto que merece destaque na narrativa é que se identifica com
disciplina específica no Curso de Direito, apesar da luta que é de sair de sua
cidade todos os dias até a sede do campus.
Figura 12: Recorte 8- diálogo no grupo de WhatsApp
Fonte: Diálogo ocorrido em março de 2015
As narrativas convergem, em maior ou menor grau, para o mesmo
contexto da experiência em Larrosa, no cuidado para aproveitar o tempo com
significações e sentidos, já que narram as experiências de sentirem-se
integrados, em movimentos de pertencimento à Universidade.
Neste ponto, uso da literatura para compor sentidos à chegada destes
jovens até aqui. Não seguiram um roteiro determinado, fácil, domesticado, em
verdade, são vitoriosos, pois venceram as adversidades, mesmo com as
141
pedras nos caminhos fizeram seus itinerários, suas vidas estudantis. Nesse
sentido, Rosa (1994, p. 113) defende:
Se quer seguir-me, narro-lhe; não uma aventura, mas experiências, a que me induziram, alternadamente, séries de raciocínios e intuições. Tomou-me tempo, desânimos, esforços. Dela me prezo, sem vangloriar-me.
Na Universidade os jovens enfrentam desafios, desde os estudos do
vestibular, a permanência nos estudos, o trabalho, as viagens da seu domicílio
para a cidade em que localiza o campus universitário.
Pelas narrativas, vemos que Arthur decepcionou-se com algumas
disciplinas ofertadas, pela incompletude e insuficiência, com outras ficou
surpreendido. Gostou da Universidade já que suas pretensões já estão
mudando, quer ser professor “dos bons”, pois acredita no papel que pode
exercer, já que “pela palavra pode-se mudar o mundo”.
Com a mesma vivacidade, Pitty demonstra que está apreendendo a ser
uma pessoa melhor e espera tornar-se uma boa profissional. Álvaro querendo
ser alguém de respeito está na expectativa de aprender mais, de modo que já
se considera mais responsável e com atitude de buscar realizar seus objetivos.
Maria testemunha que já adquiriu novos conhecimentos, nova rede de
amigos e tenta se destacar nos estudos. No mesmo sentido, as narrativas de
Joana deixam às claras que está estudando mais e se vê determinada. Laís,
formada já em Letras, está vivenciando novas experiências e acredita em seu
aprendizado significativo e relata nas marcar já deixadas por uma das
professoras do Curso. E meio ao novo, as expectativas são flagrantes, a Figura
13 testifica a afirmativa:
142
Figura 13: Recorte 9- diálogo no grupo de WhatsApp
Fonte: Diálogo ocorrido em março de 2015
As narrativas dos jovens participantes já no curso demonstram a
diversidade de (re)significações, por exemplo a afirmativa que Arthur faz a
respeito de utilizar-se do curso para ganhar dinheiro, no sentido de que nesta
graduação há possibilidades maiores para aumento do poder aquisitivo, houve,
então, uma nova interpretação, já que pensa em ser professor.
Interessante é a composição e sentidos a partir das narrativas de
Álvaro, já que menciona que “quero e vou ser alguém de respeito”, ao mesmo
tempo em que tem consciência da necessidade de procurar conhecimento,
caso contrário o curso em si não proporcionará nada: “não vira nada”. Neste
mesmo sentido, Maria pondera da possível facilidade que há em adentrar na
universidade, sendo extremamente difícil o destaque na vida estudantil, a
entrada no mercado e a garantia de um futuro promissor.
Tudo isso converge para as ideias de Rosa (1994, p. 437):
Surpreendo-me, porém, um tanto à-parte de todos, penetrando conhecimento que os outros ainda ignoram. O senhor, por exemplo, que sabe e estuda, suponho nem tenha idéia do que seja na verdade - um espelho? Demais, decerto, das noções de física, com que se familiarizou, as leis da óptica. Reporto-me ao transcendente. Tudo, aliás, é a ponta de um mistério. Inclusive, os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo.
E não para por aí, Zago (2006) e Dubet (2008) apontam para as
possíveis dimensões de êxito, os pontos de partidas distintos e oportunidades
para os sujeitos, compõem cenários desafiadores para os jovens universitários.
Os jovens participantes da pesquisa partem de histórias de vida diferentes, são
143
famílias que passam por dramas, lutas, tramas, avanços e recuos em busca de
oportunizar o melhor. Mas, a igualdade de condições é mantida para os
jovens?
Sabemos da importância do sujeito no processo de formação, e
participação ativa. No entanto é imprescindível tomar cuidado para
responsabilizar o jovem, o sujeito, em detrimento de formulação de políticas
públicas que garantam atendimento pleno na educação e demais direitos
sociais.
Neste sentido, penso que a Universidade deve preocupar-se com “a
sorte dos vencidos” (DUBET, 2008, p. 10), pois assim a educação
verdadeiramente será para todos, respeitando a diversidade instalada em todas
as universidades.
O ser jovem e universitário nas vivências e experiências demonstram
sabores e dissabores em meio ao complexo educativo na Universidade, são
realidades que ora corroboraram para os sonhos e anseios, em outros
momentos nem tanto, porém demonstram-se entusiasmados para encararem
os desafios propostos nesta nossa fase da vida.
5.3 EDUCAÇÃO JURÍDICA: POR UM DIÁLOGO VIVO, LIBERTADOR
Neste ponto articulamos sentidos entre as narrativas dos participantes
da pesquisa com pressupostos teóricos da Educação Jurídica, já delineados
anteriormente. As narrativas demonstram que há certa vontade em modificar a
Educação Jurídica encontrada na Universidade
Vamos ver o que as narrativas nos dizem? Fundamentando-me nos
preceitos freireanos, recorro à Larrosa (2001, p. 291):
Dar a palavra é dar a possibilidade de dizer outra coisa diferente daquilo que já dizem. Dar a palavra é dar a alteridade constitutiva da palavra. Aquele que dá a palavra fica despossuído de toda a soberania, porque as palavras que dá não são nem suas próprias palavras, nem as palavras nas quais ele ainda estaria, de algum modo, presente.
Como as narrativas apresentam um claro eixo condutor, qual seja:
compreensões sobre a Educação Jurídica ofertada no curso, entendo por bem
colacionar todos os trechos. Após farei uma tessitura dialógica, no intuito de
144
compreender e dar sentidos aos achados.
Aliás, vale registrar que voltando ao campo e negociando, no sentido
proposto por Clandinin e Connelly (2011), com os participantes, achamos por
bem neste ponto não citar o pseudônimo, já que há certas tensões no discurso
que podem ser entendidos por vieses não imaginados por nós (eu, pesquisador
e os participantes). Vou chamá-las de Narrativas 1, 2, 3, 4 e 5. Já que pincei
apenas os dizeres de cinco dos nossos participantes.
Narrativa 1:
“Houve uma experiência negativa com uma matéria, sendo que esta se
perpetuou por todo semestre. Sendo que a razão que transforma esta em uma experiência
negativa, deve-se aos métodos de ensino (se bem que não considero aquilo método de
ensino) em uma certa matéria.[...] acredito que a educação liberta, torna a pessoa mais
independente, dona de si, pra falar a verdade. Agora, quanto a educação jurídica, esta
liberta e muito. Acho tão bom quando acontece um fato comigo e eu corro nos meus códigos
e consigo achar as respostas. Mas tem hora que a resposta não está completa na lei, daí
corro para o Doutor Google (risos). Fora da brincadeira, o aprendizado, Prof. é algo que
jamais se tira da pessoa. Quando se aprende algo, isso fica. Daí podemos usar isso para
nos ajudar e ajudar a sociedade. É tão bom falar algo com propriedade, uma sensação
incrível. Por tudo isso, gosto muito do curso que escolhi [...]”
Narrativa 2:
“[...]Por ser calouro ainda, tive poucos professores, mas já consegui perceber
alguns professores que apenas chegaram na sala de aula e liam, e aqueles que
arrasavam, tipo os tops, que consegue dominar a matéria bem dominado mesmo, porque
era impressionante o jeito que ensinava os alunos. O papel do professor é ensinar, né.
Sabe, eu acho que de jeito nenhum eu ia servir para ser professor, tem que ter muito
compromisso.Na real, professor, tem que preparar aulas, saber o conteúdo, buscar
estratégias para ensinar, precisa prender a atenção dos alunos, tem que corrigir prova,
ler muito, se atualizar, mostrar compromisso, cumprir horários, tá é louco, tô é fora.
(risos) Até parece, eu nunca, nunquinha, ia conseguir fazer tanta coisa para ganhar tão
pouco.
145
Narrativa 3:
“É lógico que também presenciei experiências negativas no curso. Uma delas foi o
caso de um professor chegar na sala falando para nós fazermos um resumo sobre tal
conteúdo da matéria o qual não tinha dado nenhuma explicação antes e nem depois desse
resumo. Como eu vou resumir uma informação que ainda nem tenho? Você acha que é
mesmo possível ter vontade de fazer um trabalho como esse? Eu acho, de verdade, que o
professor pensa que a gente é besta. Será que ele não preparou aula naquele dia e jogou
essa proposta? Me parecia que ele não sabia o que queria com aquilo, já que nada foi
feito antes da proposta e menos ainda depois. Isso pra mim é um ótimo exemplo do que
não fazer em sala. Eu preciso de uma base, de leituras sobre o assunto e da visão do
docente, para só então saber o que é mais ou menos importante dentro de cada assunto.
Depois disso, passei a ver o professor com outros olhos, parece que ele perdeu um pouco
da autoridade, pra mim ele deixou de ser um modelo, como havia sido até aquele dia
[...]Tipo, hum....como eu te disse, né, professor, quando você entra, acha que as coisas são
de um jeito e depois percebe que a realidade não é bem assim, mas sei que posso mudar a
sociedade se exercer bem minha profissão. Para mim, saber direito é saber justiça, é
ajudar as pessoas, buscar defender o certo. Os elementos significativos para se aprender é
ter professores, dominadores do assunto, aulas diferentes, palestras como semana
jurídica, trazendo pessoas experientes no assunto. Aprender é garantir conhecimento, ter
domínio em determinados assuntos entre outros. Geralmente passo o dia inteiro estudando
para aprender mais e, assim, posso caminhar rumo a esse domínio que acho tão
importante”.
Narrativa 4:
“[...]acho que as aulas no curso de Direito devem ser didáticas, pois, por ser
muita teoria, acaba sendo, muitas vezes, monótonas. Outro elemento muito importante é o
os professores saber de verdade o conteúdo. Eu não consigo ver como bom professor aquele
que não conhece bem a disciplina que ministra. Como é que pode alguém te ensinar aquilo
que ele mesmo não sabe? Não dá, viu?Para mim, um bom professor é aquele que chama
atenção da galera de sala, que realmente você olha e percebe que ele sabe aquilo que está
transmitindo. Também deve ser claro em seus conteúdos, mesmo que muitas vezes não
seja possível. Ele deve ter em mente o que pretende com as aulas, o que quer que os
alunos aprendam, quando usarão aqueles conhecimentos no cotidiano, seja em sociedade
146
seja no trabalho. Qual a finalidade de ensinar algo que não será usado? Teoria
dissociada da prática, pra mim, não faz sentido sabe, professor?Uma experiência
positiva que vivenciei no curso foram os professores cobrarem dos alunos a oratória
através de seminários e debates, o que nos fez já, desde o início, perder o medo, a
vergonha de falar em público. Como sempre gostei de falar, quero aprender cada vez
mais a me portar em público, a fazer com que as pessoas me entendam, pois vou precisar
disso no meu futuro exercício profissional.Já a experiência negativa foi em relação a uma
professora que me deixou um pouco desanimada, já que o seu autoritarismo em sala de
aula era tanto que ela não deixava o aluno expor o seu ponto de vista, sempre
discordando de tudo que o aluno falava. Acho que o professor precisa entender que o
aluno não é uma folha em branco. Ele sempre sabe alguma coisa e as suas opiniões devem
ser consideradas a respeitadas. Essa professora representou um ótimo modelo de como
não agir nunca em sala de aula. Se a sala de aula é o espaço privilegiado para o
conhecimento, como é que ela me faz uma dessa e corta todo mundo que fala algo
diferente do que ela pensa?[...]”
Narrativa 5:
- “Até agora uma professora se destacou em minha trajetória no curso de Direito.
Ela trabalha metodicamente, meus colegas reclamam, mas eu acredito que ela está
correta. Ele sempre nos apresenta um esquema a respeito daquilo que veremos em sala,
depois explica o que a doutrina fala do tema, na sequência complementa com os aspectos
práticos e encerra a discussão com a leitura do texto legal e os comentários relacionados
ao tema. Para complementar, sempre deixa lista de exercícios para respondermos, corrige
e utiliza parte desse material durante as avaliações. Em contrapartida, já tive
professores que não deixaram nenhuma saudade, pois entendo que o professor deve
sempre ter domínio de conteúdo, afinal ele é que precisa me orientar a como melhor
assimilar os conteúdos e para isso ele deve dominá-los bem. Um dos meus professores não
tinha experiência no ensino superior, apenas advogava. Em sala, isso era visível. Ele se
debruçava sobre a mesa, apoiava as mãos e “vomitava” os conteúdos nos alunos. Porém,
eu percebia que ele não dominava o que explicava e, quando alguém fazia um
questionamento, ele gaguejava muito, demonstrando ainda mais nervosismo. Entendo
como inadmissível alguém se prestar ao trabalho docente sem sequer dominar os assuntos
com os quais trabalhará. O mínimo que se espera, quando a experiência é curta e o
147
conhecimento também, é que esse professor leia muito, prepare suas aulas e interaja com
os alunos. Ehh, tem que incentivar a gente, trabalhadores que chega cansados .Alguns
fazem.[...] Para mim, todo professor deve ter sua ideologia de trabalho muito bem
definida, clara em sua mente, deve saber quais os objetivos de seu trabalho. Outro ponto
chave é a preparação das aulas. Consigo perceber que os bons professores organizam
suas aulas, selecionam suas matérias, seguem uma sequência lógica ao trabalhar,
indicam boas doutrinas, exploram o código, permitem que os alunos colaborem com o
andamento da sala e com o rendimento dos conteúdos. Por isso, acredito que aquela
professora de quem falei antes me marcou muito positivamente e que aquele outro docente
já deixou marcas muito negativas.[...]”
Os trechos das narrativas aqui chamadas de 1,2, 3,4,5 demonstram as
experiências dos jovens universitários na Educação Superior, no Curso de
Direito, são vivências positivas e negativas em relação aos professores do
Curso. Revelam, desnudam o cenário atual do Curso e merece ser analisado
com cautela.
Penso que a forma com que são ensinadas as disciplinas/matérias
podem desmotivar os alunos, sendo vital a formação de um bom
relacionamento, vínculo entre aluno e professor para constituição da identidade
de ambos.
Nesse sentido, Charlot (2002, p. 45) nos explica os requisitos que os
jovens julgam que um professor deve ter, em especial uma apropriação de um
saber significativo, além dos quais “[...] que não grita, que resolve os problemas
na base da conversa, que explica várias vezes o que não foi entendido, que
sabe escutar; um espaço de interação [...] de reconhecimento recíproco”.
Nessa mesma vereda, as contribuições de Abramovay (2003), destaco a
vontade em ensinar, saber ensinar, controle da sala, dentre outros.
A Figura 10, já citada, demonstra que a falta de incentivo do professor,
além de desmotivar o aluno permite um movimento de experiências negativas
na Educação Formal, marcas nunca mais apagadas, como por exemplo a
afirmativa: “[...]é difícil não ter apoio.”. A Figura 11 insculpe o poder do afeto
nas relações educacionais, demonstra o imprescindível o carinho, [...]tem
carinho com a gente.” O professor necessita além do conhecimento técnico, o
saber, o reconhecer que é vital “saber ensinar”, o que nos dizeres do
148
participante seria “[...] explicar matéria, explicar até a gente entender com jeito
de falar simples.” E este falar simples destoa, ainda, do vocabulário técnico dos
Curso de Direito, sendo necessário rever como como o linguajar distancia o
egresso, o cidadão de entender a mensagem que precisa ser transmitida.
Figura 14: Recorte 10- diálogo no grupo de WhatsApp
Fonte: Diálogo ocorrido em março de 2015
O eco das narrativas ressoa em mim, gerando certo conflito, pois sou
professor universitário neste mesmo curso nos quais os participantes
vivenciam. Assim, ler e reler as representações dos participantes provoca uma
imersão em questionamentos, uma reflexividade-crítica, sobre o meu “saber” e
“saber ensinar”. Questionamentos que entrecruzam meus modos de ser e estar
no mundo, em busca de coerências do meu papel como educador e
continuidade na formação. Tais afirmativas provocam-me, enquanto
pesquisador, devendo me posicionar até por uma questão ética e política.
Assim, penso e julgo importante tecer algumas considerações, acerca da
realidade do Curso em que realizamos a pesquisa. Primeiramente, o campus
da Unemat na cidade de Diamantino-MT passa por um momento de transição,
já que a menos de cinco anos era de uma instituição privada e seu quadro
docente foi radicalmente modificado.
Convém, ainda, registrar que não ocorreu nenhum concurso público, o
que de tal modo acaba resvalando nos eixos pesquisa e extensão desta
instituição pública. Além do mais, temos dito em um capítulo anterior sobre a
baixa qualificação dos professores. É muito difícil no Estado de Mato Grosso a
formação continuada em nível de pós-graduação, mestrado e doutorado- já que
há tal qualificação somente na capital do Estado nesta área.
Voltando às narrativas, percebemos que se no cotidiano o mais
importante for o conteúdo incorre-se em erro, pois é possível que assim o
respeito pelas regras de como fazer tenha maior relevância que o processo, a
formação, a busca, o agir.
149
Muitos autores tecem críticas ao bacharelado em Direito, por exemplo,
Warat (2001) que usa o termo “pinguinização”, já Veras (2008) fala do cultivo
de uma classe diferenciada, isto é os modos em que os estudantes tem uma
linguagem, uma estética e relação social muito própria. Todos vestidos com
roupas muito parecidas - os terninhos, as gravatas, o linguagem, o gestual
engessado!
Mas onde ficaria o ser humano? “O ser humano concreto, de carne,
sangue e sonho toma o lugar da parte, do requerente, do réu. O cidadão
substitui o sujeito abstrato dos códigos e o ator processual limitado pelas capas
dos autos”? (AGUIAR, 2002, p. 51). Pensemos, existe muita vida além dos
mundos dos processos, dos bens jurídicos, existem gentes, quereres, vozes,
mundos de vidas!
E assim o Curso de Direito replica o que é posto pela classe dominante
(dominação hegemônica, conforme Boaventura de Souza Santos), sendo
imprescindível repensar “”o que é Direito, para que se possa ensiná-lo?” (LYRA
FILHO, 1980, p. 6).
Não podemos conceber o Direito pelo viés técnico-jurídico, conforme
Wolkmer (1997) relata criticamente: não somos um curso técnico e sim superior
que tem o dever de articular um diálogo humanista e crítico de nossas
realidades plurais, na complexidade do contemporâneo, pois novos sujeitos e
direitos descortinam a todo tempo.
Aliás, na atualidade, latente é a pluralidade das identidades individuais
ou coletivizadas, sendo vital ser sensível, abrindo-se para a diversidade cultural
(MONTEIRO et al., 2014). .
Nas narrativas, pupulam as palavras, de modo que os significados e
composição de sentidos afloram:
-“falar com propriedade”; “professor que só lê” e “os tops”;
-“pedir resumo sem ter explicado a matéria”.
-“O professor pensa que a gente é besta?
-“Devem ser didáticas.. muita teoria fica monótona”
-“ Autoristarismo”
-“Vomita os conteúdo nos alunos”.
Sabe-se que o Curso de Direito é um bacharelado, por tal os docentes
têm formação técnica, muitas vezes são professores iniciantes ou que detêm
150
dos conhecimentos técnicos, já que não há uma política fortalecida para a
formação continuada de professores universitários. Por tais motivos, Pimenta
(2000) entende que para saber ensinar não bastam a experiência e os
conhecimentos específicos, mas se fazem necessários os saberes
pedagógicos e didáticos.
Segundo Câmara (2010, p. 8):
A problematização se eleva quando o professor que assume o
compromisso de ensinar nesse contexto tem sua formação de
bacharel, nos moldes da educação brasileira que visa a formar
cidadãos voltados para a formação técnica e desenvolvimento
dos setores econômicos e sociais da sociedade, sem a
preocupação de inserir nessa formação aspectos que deem a
este futuro profissional a possibilidade de pensar sua formação
no aspecto de disseminador da mesma, ou até mesmo de
refletir sobre essa formação.
A Educação Jurídica está atrelada a velhas práticas, conforme Streck
(2004) nos esclarece. Ademais os “[...] exemplos utilizados em sala de aula ou
em determinadas obras jurídicas estão desconectados do que acontece no
quotidiano da sociedade. Isto ocorre de uma cultura estandartizada [...]”
(STRECK, 2004, p. 84). Ilustra muito bem tal afirmativa, trecho da narrativa de
um dos participantes: “[...] olha, não sei se é uma prática comum, mas usam umas
situações que não são lógicas para a vida de gente normal como nós, a começar dos
nomes, sempre é Tício e Mévio, até nisso falta criatividade. A linguagem nem se fala, neh.
Acho que os que escrevem estes livros da área jurídica, não pegam ônibus, não sabem o
que as pessoas comem, bebem, o modo como se comportam, sei lá[...]”
Paulo Freire esclarece que “[...] saber ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou sua
construção”, (FREIRE, 2011, p. 47). Deve oportunizar reflexões, aguçar a
curiosidade, mas para que isso ocorra veja a advertência de Freire (2011, p.
64):
O professor autoritário, o professor licencioso, o professor competente, sério, o professor incompetente, irresponsável, o professor amoroso da vida e das gentes, o professor mal-amado, sempre com raiva do mundo e das pessoas, frio, burocrático, racionalista, nenhum desses passa pelos alunos sem deixar sua marca. Daí a importância do exemplo que o professor ofereça de sua lucidez e de seu engajamento na
151
peleja em defesa de seus direitos, bem como na exigência das condições para o exercício de seus deveres. O professor tem o dever de dar suas aulas, de realizar sua tarefa docente. Para isso, precisa de condições favoráveis, higiênicas, espaciais, estéticas, sem as quais se move menos eficazmente no espaço pedagógico. Ás vezes, as condições são de tal maneira perversas que nem se move. O desrespeito a este espaço é uma ofensa aos educandos, aos educadores e à prática pedagógica.
Na Educação Jurídica é necessário reflexões e ações em prol de
um projeto educativo emancipatório (SOUZA, 1987) em que o Direito
seja entendido como organizador da liberdade em convivência,
instrumento do processo libertador (LYRA FILHO,1986). A Educação
Jurídica se faz pelo “Diálogo Vivo” do docente e discente na ruptura de
paradigmas, aberta para o outro, “[...] implica, pois o reconhecimento de
que devo estar disposto a deixar valer em mim algo contra mim, ainda que não
haja nenhum outro que o faça valer contra mim” (GADAMER, 2007, p. 472). O
que coaduna com as lições de Freire (2005, p. 91):
O Diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu. Esta é a razão por que não é possível o diálogo entre os que querem a pronúncia do mundo e os que não querem; entre os que negam aos demais o direito de dizer a palavra e os que se acham negados deste direito. É preciso primeiro que, os que assim se encontram negados no direito primordial de dizer a palavra, reconquistem esse direito, proibindo que este assalto desumanizante continue.
Assim, o Vademecum, enquanto símbolo da positivação do Direito,
acompanhará todos os jovens universitários, todavia não se pode se esquecer
da caminhada, das marcas da/na caminhada na composição identitária, tanto o
cenário pessoal como estudantil e profissional, realçando o projeto
emancipatório, a liberdade pela condição humana, isto é, humanizadora que a
Educação Jurídica libertadora deve ofertar.
152
6 “SÍNTESE DAS EXPERIÊNCIAS VIVIDAS”: COMPONDO SENTIDOS A PARTIR E ALÉM DA PESQUISA, OS ESTUDANTES E EU.
Como visto, escrever não é uma tarefa fácil, sobretudo quando o foco é
a Pesquisa Narrativa e o retorno são quadros da vida dos jovens participantes
da pesquisa. Ressignificar uma experiência está longe de ser algo simples,
mas está evidente o quanto é enriquecedor.
No derradeiro capítulo, julgo relevante dialogar com a perspectiva de ir-
e-vir (ida e volta) da Pesquisa Narrativa. Aqui a ida representa meu trabalho
diretamente com a coleta das narrativas, com a escuta atenta dos jovens, com
a ressignificação daquelas experiências retratadas. Porém, após a
transposição das gravações e dos dados fornecidos nas entrevistas, é
necessário que os participantes se vejam reinseridos nas narrativas.
Tenho em mente que a “volta” na pesquisa narrativa é exatamente
proporcionar aos participantes do estudo que eles vejam suas trajetórias de
vida recontadas pelo pesquisador e possam, a partir de então, apresentar o
que sentiram diante da ressignificação de suas memórias.
Assim, trago ao texto, após expor o trabalho final aos participantes (até o
capítulo anterior) suas percepções a respeito de tudo aquilo que por eles foi
contado e que agora lhes é “devolvido” em forma de uma experiência
recontada pelos olhos do pesquisador.
Tão envolvente quanto as etapas anteriores foi esta última de retornar
aos participantes com a composição de significados realizados por mim a partir
de suas narrativas, histórias e experiências.
Começo por citar as palavras de Arthur após ouvir suas narrativas ora
ressignificadas. Depois de ler todas as narrativas por ele fornecidas,
questionei-o sobre sua percepção sobre tudo que ouviu. Nesse momento,
Arthur diz:
Te ouvir contar minha história foi bem estranho, mas parece que eu voltei à época
do meu estágio. Pensei no quanto essa etapa foi importante para que eu definisse pelo
curso de Direito, mesmo sendo tão novo. O incentivo direto dos meus pais reforçaram em
mim a ideia de que eu poderia ser alguém na vida se me dedicasse realmente àquilo que
153
seria minha chance de melhorar de vida. De novo, parece que vejo meu pai e escuto ele
falar que quer que a gente passe em um concurso. Vi que dou muito valor ao dinheiro e ao
status que o curso pode me trazer, mas percebi também que me preocupo com a sociedade
que pode ser mudada com minha atuação como operador do direito, em qualquer que seja
a função. Além do mais, fazendo essa faculdade, realizo o desejo dos meus pais de terem
um filho advogado, ou pelo menos, formado em Direito.
Fiquei bastante emocionado quando lembrei da minha época de escola. Acredita,
professor, que eu até pensei no recreio, que era muito bom, eu me divertia com meus
amigos, mesmo estudando em uma escola particular. Acho engraçado lembrar que eu era
tão tímido que pra fazer amizades eu falava sobre as histórias em quadrinho que lia.
Hoje percebo que sair dessa escola particular e ir pra uma pública não me entristeceu
nem me traumatizou, mas eu percebi que a escola pública era bem mais fraca que a
particular. Graças a Deus meu ensino médio foi bem legal, cheio de desafios e o estágio
foi o auge desse período.
Nossa, professor, acredita que eu nunca tinha parado pra pensar no quanto
minha vida escolar foi legal e no tanto que meus pais foram importantes para eu me
tornar uma pessoa responsável e tentar usar essa faculdade para melhorar a minha vida
e também para levar algo bom a toda a sociedade. Se eu soubesse que ver minha vida
recontada era tão interessante, teria até te contado mais coisas, que deixei passar durante
as entrevistas. Pra mim, sua narrativa ficou muito boa mesmo. Pode publicar do jeitinho
que está.
O mesmo trabalho de “volta” foi feito com Pitty, que se posicionou:
Quando fui ouvindo a história, professor, vi que aquela história de que eu escolhi
o curso de Direito, na verdade, não existe. Eu fui meio que obrigada, primeiro por minha
mãe, então o curso que me escolheu e não eu que o elegi como escolha. Depois, reforcei a
ideia de que queria mesmo era Medicina, mas a aprovação posterior em Direito caiu no
meu colo e eu peguei. Você acha mesmo que eu esqueci a Medicina? Claro que não, mas
hoje já consigo gostar do Direito, vejo que ele pode dar pra minha família aquele
conforto que eu quero demais ter. Parece que ouvi de novo minha mãe dizendo que eu
precisava estudar, que a faculdade me faria ser respeitada e que também me traria
dinheiro. Sabe, quando penso naquela noite antes da prova, que eu saí e demorei, vejo que
154
fui irresponsável e a vida me deu um tapa na cara. Será que eu precisava ter passado
por aquilo? Se eu fosse alguém sem orientação, eu até entenderia, só que não era. Minha
mãe e minha vó sempre me mostraram que a vida seria aquilo que fizesse dela. Sorte que
a aprovação veio e comecei o curso, mas eu tinha traçado o plano B, de estudar demais
até passar em Medicina.
Sinceramente, eu nunca imaginei que minha história de vida pudesse virar uma
pesquisa séria, algo importante para a sociedade. Na verdade, eu nem imaginava que eu
tivesse alguma importância para a história de vida de alguém que não fosse minha mãe
ou minha vó. Olha, professor, ouvir minha história me fez pensar que, se eu pudesse, eu
teria feito diferente algumas coisas, principalmente sobre o estudo. Aquela história de sair
antes da prova não foi legal, não. Acho que fiz isso porque não tava muito a fim de
Direito, então tanto fazia passar ou não. Mas imagina, perder esse tempo todo seria
muito desperdício e eu tinha mesmo era que aproveitar a chance de cursar Direito, mesmo
que minha vontade fosse Medicina.
Até falei pra minha mãe que era esquisito contar minha vida, mas hoje, depois de
ouvir tudo que você registrou sobre mim, vejo que é muito bom saber que alguém se
importa com a minha opinião, que alguém quer saber como foi minha vida e como minhas
escolhas aconteceram. Obrigada mesmo por me deixar ouvir tudo o que você registrou. Um
dia poderei contar pros meus filhos que a minha experiência de vida despertou o interesse
de um pesquisador.
A história de que o jovem está sempre em processo de construção é
verdadeira e ficou explícita nas palavras de Pitty. Pouco tempo depois da
experiência, ela percebe que já faria diferente se pudesse fazer o tempo voltar.
Talvez seja isso que traz ao jovem seu caráter mais instigante: o conflito.
A visão de Pitty muito se assemelha às palavras de Alberto Caeiro, em
“O guardador de rebanhos” ao dizer que nem tinha ideia da importância de sua
história para outrem, veja: “[...] E o que vejo a cada momento/ É aquilo que
nunca antes eu tinha visto,[...]” (PESSOA, 1977).
Já a “volta” dada por Álvaro é muito interessante. Vejamos o que ele diz:
Contar a minha vida e ver ela retratada por você, professor, foi uma experiência
muito importante pra mim, além de ser algo inédito pra mim. Bem legal essa história de
155
ver minha vida e minhas lembranças retratadas num trabalho tão importante quanto é
esse, né professor. Relembrar as etapas da minha vida, cada uma em um lugar, foi uma
oportunidade muito boa pra eu repensar em minha trajetória.
Sabe, com essa narrativa, consegui me transportar para cada um dos lugares
onde morei até hoje. Isso é fascinante pra mim. Poder ver minhas ideias sobre meu futuro
profissional guardadas para sempre em uma pesquisa como esta é algo que ficará
marcado na minha vida. Só de pensar que outras pessoas conhecerão o que eu penso e o
que quero fazer com o curso de Direito pode ajudar algumas pessoas a entenderem que o
curso de Direito pode ser uma alternativa bem interessante pra quem pretende mudar de
vida, mas eu já ressalto que quem escolher essa carreira não terá uma vida tranquila,
não.
Por outro lado, professor, com minha história retratada, as pessoas poderão ver
que, mesmo em constante conflito, os jovens podem ter um futuro brilhante e responsável e
esse futuro pode estar sendo planejado agora, durante o começo do curso. Se no começo
fiquei com um pouco de medo ou má vontade de responder à entrevista, agora posso dizer
que até me arrependo, poderia ter passado pela experiência antes. Pode deixar tudo como
está. Se o que quer é minha memória de estudante, ela está aí, exatamente como aconteceu.
Pode divulgar.
Maria se emociona ao ver sua vida ressignificada pelos olhos do
pesquisador e dispara:
Meu Deus, por que eu não fui convidada pra participar de uma pesquisa como
esta antes? Professor, você me fez refletir sobre minha vida, relembrar minha infância foi
quase um presente antecipado de aniversário. Parece que voltei no dia em que minha
família festejava minha aprovação no vestibular. Nossa, como o tempo passa rápido!
Deixe exatamente como está. Uma experiência como essa nunca é em vão. Quem sabe, ao
ler seu trabalho, quem está indeciso sobre o curso possa se definir agora. Eu nunca
pensava que um dia iria mostrar o que penso diretamente para um professor reproduzir
minha trajetória. Muito obrigada por me presentear com essa participação e me permitir
rememorar minha experiência de vida.
Joana também passou pela fase de apresentação dos dados e
156
aprovação do trabalho. Ela diz:
Agora to até com vergonha de ter chorado quando falei de minha doença, da
descoberta que tinha perdido parte da visão. Mesmo assim, meu Deus, é muito doida essa
sensação de se ver retratado por um pesquisador. Minha mãe com certeza vai ficar muito
orgulhosa de mim. Agora já um pouco mais experiente no curso, vejo que fiz a escolha
certa. Mesmo que às vezes me desanime, sei que a qualidade do meu futuro depende da
intensidade da minha dedicação. Se eu pudesse voltar no tempo, escolheria o curso de
Direito de novo. Já pensou, professor, se eu concluo o curso e, daqui uns 10 anos, mais ou
menos, eu me torno juíza? Toda minha família sentirá o maior orgulho de mim e com
certeza poderei ajudar muitas pessoas.
Aquela frustração da reprovação e de não ter terminado o curso de ciências
contábeis não me pararam, felizmente! Lembra do que eu disse sobre desistir?! Ah mas
não desisto mesmo. Agora me vendo revelada nessa narrativa, tenho ainda mais convicção
de que estou no caminho certo, de que minha família terá muito orgulho de mim, pois vou
superar todas as dificuldades até terminar meu curso. Você ainda vai ouvir falar muito
de mim e, olha que beleza, daqui uns tempos vou comer palmito toda semana se eu quiser,
pois sei que o curso me dará o respeito que eu desejo e o dinheiro de que eu preciso para
ter uma vida muito confortável e poder ajudar muita gente desamparada e que só quer
um pouco de atenção. Que linda escolha essa sua, de ouvir o jovem. Justo a gente, que tá
sempre mudando, sempre se transformando. É muito instigante me enxergar nestas
folhas.
Neste ponto, o retorno de Joana me faz lembrar a canção, antiga e
moderna, mais atual do que nunca. Ela agora ecoa e toma conta do meu
ambiente: “Eu prefiro ser/Essa metamorfose ambulante/Eu prefiro ser/Essa
metamorfose ambulante/Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
[...]”. (SEIXAS,1973).
Por fim, Laís demonstra certo fascínio para com sua história retratada, já
que traz com riqueza de detalhes as sensações, sentimentos e do reviver sua
própria história. Senão, vejamos:
Acredita que quando li minha vida retratada no seu trabalho eu consegui sentir o
cheiro da planta da casa da minha avó, aonde eu ia todo dia junto com a minha mãe? É
157
surpreendente como voltar à infância pode nos fazer bem. Caminhando um pouco mais
rumo à adolescência, me vi diante da fase turbulenta, mas decisiva na minha vida:
escolher a primeira graduação. Sabe, professor, aquela reprovação no primeiro vestibular
não foi legal, chorei muito na época, mas hoje vejo que fazer as duas faculdades juntas
poderia ser muito difícil. Acredito que fui aprovada na hora certa, quando já estava mais
madura e num momento em que eu poderia encarar com mais responsabilidade o curso.
Pensar nas brincadeiras de criança me fez ver que, sem saber, eu já traçava parte
do meu futuro, determinando a minha primeira formação em Letras. Maravilhosa essa
oportunidade de contar aquilo que permeou minha memória durante tanto tempo, mas que
estava guardado, esquecido em alguma gaveta do meu inconsciente. Certamente me
comprometo ainda mais com o curso, já que tive a oportunidade de fazer o que muitos
nunca terão: pensar o lugar do curso de Direito na minha vida, quais influências eu sofri,
como o contato com os livros me despertou a vontade de estudar mais. Obrigada,
professor, por me dar a chance de reviver pontos importantes da minha vida, a partir da
sua visão dos fatos. Foi maravilhoso ver a narrativa pronta. É claro que pode deixar
exatamente como está.
Assim, as experiências pessoais e formativas são capazes de tocar
profundamente a subjetividade dos participantes e do pesquisador, os quais
com integridade e autenticidade demonstram em suas narrativas a
complexidade do “ser jovem”, das identidades e dos caminhos percorridos na
vida, o que, segundo Josso (2004, p. 51) “[...] em todos os seus aspectos, em
todas as suas dimensões passadas, presentes e futuras e na sua dinâmica
própria”.
Os jovens participantes da pesquisa, tentando ressignificar suas
experiências pessoais e formativas transmite-as por meio do processo
dialógico interativo das narrativas em seu tempo-espaço sociocultural, já que a
vida de cada jovem é rica em experiências e merece ser compreendida pelo
diálogo, conforme ensina Gadamer (2000, p. 134):
Um diálogo aconteceu quando deixou algo dentro de nós. Não é o fato de que nós experimentamos algo novo, o que faz o diálogo um diálogo, mas que algo outro veio ao nosso encontro que ainda não havíamos encontrado em nossa experiência própria do mundo [...] Só no diálogo (e no rir-um-com-o-outro
158
que é comum um consenso transbordante sem palavras), amigos podem encontrar-se e construir aquela espécie de comunidade na qual cada um permanece o mesmo para o outro, porque ambos encontramos outro e no outro se encontram a si mesmos
Para a formação do pesquisador, percebo que o ir-e-vir da pesquisa
proporciona um belo exercício de composição de sentimentos a partir e além
das experiências pessoais e formativas, nos movimentos de recontar das
histórias no processo de reflexões de dentro e para fora, para trás e para
frente.
Assim, no meu processo identitário sou tocado quando os participantes
da pesquisa manifestam-se sobre sua existencialidade e importância de suas
histórias, de si. Por exemplo, Arthur narrou que “[...] eu nunca tinha parado
para pensar no quanto minha vida escolar foi legal [...]”. Pitty descreve sua
surpresa para com a importância de sua história para outrem.
Um conflito aqui é observado, pois mesmo em falando que o curso a
escolheu, Pitty deixa às claras que seu intuito era fazer o Curso Superior de
Medicina. Conflito que já no Curso de Matemática também experimentei: parar
e iniciar o Curso de Direito ou terminá-lo? Optei por terminar a licenciatura para
depois iniciar o Curso de Direito, já que este teria aplicação direta no meu labor
exercido na época no Ministério Público do Estado de Mato Grosso.
A volta ao campo, oportunizou uma outra importante reflexão: nossa
constante transformação, metamorfose, mudança de opinião, de quereres e
visões. Álvaro trata de que mesmo estando na juventude [...] em constante
conflito [...]” pode ter um futuro promissor. Ou isto ou aquilo, eis a questão!
Ressignificando minha trajetória e as experiências pessoais e formativas
percebo-me em constante conflito com o papel social do educador, como
compor sentidos sobre minhas práticas em sala de aula e oportunizar espaços
que socializem os conhecimentos, os saberes e os debates com visões plurais.
Mudar é difícil, muitos se acomodam, por vários fatores. A mudança de
atividades laborais é uma questão delicada: “como deixar o gabinete para ir
para a sala de aula?”.
Devemos fazer o que nos faz bem, provoca, instiga, dá alegria de viver,
nos energiza! Em uma sala de aula, não nas paredes fechadas e nos escritos
159
repetitivos e frios, que pulsa minha vida. Educação é vida, e por isso a sala de
aula possibilita à troca de saberes, a espontaneidade, o riso, as lutas, os
quereres, a colheita de bons ânimos para os desafios da contemporaneidade.
Faço-me, refaço, aprendo, reapreendo, construo, descontruo, penso e reflito na
possibilidade de pelo conhecimento crescer na minha profissão docente.
160
CONSIDERAÇÕES (NÃO) FINAIS: E A VIDA SEGUE PARA UMA MANHÃ DESEJADA
Eu acredito é na rapaziada/ Que segue em frente e segura o rojão/ Eu ponho fé é na fé da moçada/ Que não foge da fera, enfrenta o leão/ Eu vou à luta com essa juventude/ Que não corre da raia a troco de nada/ Eu vou no bloco dessa mocidade/ Que não tá na saudade e constrói A manhã desejada. (Vamos à Luta, Gonzaguinha).
Estou consciente que as histórias aqui narrativizadas serão
sempre inacabadas e continuamente acrescidas pelos nossos jovens,
participantes da pesquisa, com o passar do tempo. Afinal, todos
passarão, mas a história, as experiências permanecerão para todo o
sempre.
Nossa Pesquisa, com aproximações teórico-metodológicas em
Connelly e Clandinin (2011), Mello e outros, não quis em nada definir,
conceituar, rotular experiências, gentes, ações e reflexões, não!
Como definir o gosto do chá feito pela mamãe, como conceituar o
sabor do bolinho de chuva, do caju, da manga, do arroz com pequi, das
sensações provocadas pelo pôr-do-sol, do banho de chuva ao lado da
pessoa amada. Digam-se, por favor: é possível conceituar as emoções
da aprovação no vestibular, a entrada na universidade, as boas notas e
as aprendizagens no curso Superior?
Pelos escritos manuelinos, assim parafraseei: -Foi Manoel que
me segredou no ouvido. Dá-lhe, Éverton. E eu assim, escrevi esta
pesquisa narrativa, observando o detalhe do/no detalhe, o micro,
dizendo de outra forma, de outra maneira na Academia, reproduzindo as
ideias de Barros (2000, p. 52) ao dizer que “[...] a ciência pode
classificar e nomear os órgãos de um/sabiá mas não pode medir seus
encantos/A ciência não pode calcular quantos cavalos de força/existem/
nos encantos de um sabiá”.
Entendo que nossas experiências, os acontecimentos do
cotidiano, o vivenciado e o experienciado, o detalhe, a miudeza, a
valorização do humano, são vistas nas narrativas dos participantes da
pesquisa.
Diante das paisagens apresentadas até aqui, olho para mim
161
diante das diversidades das Experiências Pessoais e Formativas dos
Jovens que chegaram à Universidade, participantes da pesquisa, e me
pergunto: O que dizer dos meus conflitos, avanços, recuos,
aprendizados cotidianos, meu papel como Educador, pai, cidadão? E da
minha chegada até o mestrado?
É assim, olhando para mim mesmo, com a consciência de si,
neste espaço- tempo, que componho estas considerações que não são
finais, pois a vida é, nas perspectivas das experiências, infinita, até
porque no hoje, quiçá no amanhã, novas experiências comporão novos
pensamentos, sentimentos e experimentações, em movimentos espirais
tracejando novas paisagens.
Até neste momento, a centralidade das histórias experienciadas eram
nos participantes, de modo que retomo a minha história, no intuito de
ressignificar a minha história, minhas experiências e aspectos relevantes sobre
o percurso na/da pesquisa.
Assim, como nos caminhos dos jovens participantes da pesquisa,
as lutas, os sonhos, os projetos e as nossas trajetórias não foram/são
lineares, por diversos fatores, cada qual com sua parcela de
contribuição.
Pensando sobre os rumos de minha vida, meus pensamentos
voam para minha cidade natal, lá nas brincadeiras de criança, nos sons
dos caretas, nas dificuldades dos meus pais para mantença de nossa
casa.
Lembro-me da primeira professora, dos colegas de sala. Aliás,
será como estão, onde estão? Dos conflitos gerados pelo Padre
Cornélio, das brigas e brincadeiras com os vizinhos, das invenções e do
cheirinho gostoso da casa da vovó.
Nas escolas lembro-me das diversas contradições, das culturas
escolares, poderio e imposição eram visíveis, domínio de sala e
disciplina rígida, contrapondo-se à vigorosidade dos jovens. Vi e convivi
com muitas reprovações, desistências e abandonos por fatores
múltiplos, não que os alunos não tinham compromissos, mas o contexto
oportuniza tais fatos, são raízes de um ensino tradicional, preocupado
com o viés tecnicista.
A pesquisa amplificou o meu entendimento sobre o que acontecia
nessas escolas, já que o olhar foi transformado pelo respeito à
162
dignidade humana, sendo oportunizadas possibilidades que observam os
tempos de formação humana, a reflexibilidade das diversidades nos
contextos estudantis.
Vejo-me como um homem em busca dos meus sonhos, como um
educador que acredita no potencial transformador da Educação, até
porque já vi por várias vezes a mudança na vida de meus alunos, já que
somos seres em constante mudança.
E assim me vejo nas histórias de vários alunos, dos participantes
dessa pesquisa, pois há semelhanças nas histórias aqui narradas,
especialmente quando se fala das famílias trabalhadoras, o incentivo e
apoio familiar aos estudos.
A necessidade de trabalhar e a necessária força para vencer a
hegemonia que quer tentar nos impedir de ver novos horizontes de vida
e quereres.
Sendo nossa trajetória marcada de idas-e-vindas, movimentos
espirais experienciados que provocam conflitos, lutas, desafios e
impasses na complexidade da vida, ainda mais na fase juvenil.
As experiências dos jovens me fazem lembrar de minha
juventude, especialmente do primeiro emprego. Tá aí, este é mais um
conflito, pois de um lado a oportunidade de dedicar-me aos estudos para
ingresso na universidade e do outro a necessidade em ajudar no
orçamento familiar.
No final da década de noventa não havia a implementação das
políticas públicas de acesso à Educação Superior e foi o que vivenciei
no tempo-espaço ao pleitear uma vaga no curso superior. Tampouco,
existiam políticas públicas de inserção do jovem no mercado de
trabalho.
Na contemporaneidade, percebe-se que há, em que pese as
críticas, projetos com a intenção realizar a capacitação dos jovens,
mesmo que ainda mereça melhores contornos, como por exemplo o
acompanhamento de continuidade no curso e entrada no mercado de
trabalho, fatores decisivos para a motivação do ser jovem.
Agora, sob o prisma da formação docente, vejamos certo conflito.
Primeiramente concluí a Licenciatura em Matemática. Como fui
aprovado em um concurso público para laborar no Ministério Público do
Estado de Mato Grosso e experienciado ótimas histórias que traziam no
enredo de ajuda ao próximo, ao necessitado, achei por bem fazer o
Curso Superior de Direito. E o fiz, permanecendo ainda em algumas
163
atividades finalísticas do Ministério Público.
Mas, passado algum tempo, as atividades tornaram-se rotineiras,
sem o atendimento ao público, algo fechado, frio, sem a força motriz do
diálogo vivo. Deixaria para trás a estabilidade, o bom salário, o ambiente
e a instituição de credibilidade? Ou sair e realizar novos sonhos
profissionais?
Ousei, sair da zona de conforto, ousaria de novo, mesmo com
uma assembleia constituída dizendo de modos outros! Em razão das
vozes dissonantes, em meus agradecimentos, agradeci a quem, muito
próximo, entendeu a minha escolha.
Após, realizar três especializações e estudos específicos para o
Mestrado em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso,
concorri ao concurso docente da UNEMAT e, para minha felicidade, fui
aprovado.
Penso, então, que realizar as atividades cotidianas dentro do
espectro que se gosta nos dá ânimo para experienciar o lado bom da
vida. A sala de aula é um espaço de realização, liberdade e
oportunidades para o diálogo, do aprender constante.
Friso que o meu estudo no Mestrado é uma realização pessoal e
profissional, já que, como professor da Educação Básica e Educação
Superior, tenho o compromisso de entender o complexo educativo.
Caminhando por essa fase, entendo que todos os profissionais da
educação devem ter oportunidades de formação continuada em
programas e pós-graduação stricto sensu.
Porém, melhor é voltar um pouquinho no tempo, mais um conflito
relampeja. Ao ser aprovado no seletivo do Mestrado da Universidade
Federal de Mato Grosso, tanto no Campus de Rondonópolis como no de
Cuiabá-MT, no mesmo período saiu o resultado do concurso de provas e
títulos para docentes da UNEMAT.
O problema era que após dois meses eu já deveria assumir o
cargo para o qual fora aprovado em outra cidade, distante mais de
quatrocentos quilômetros. Seria ao mesmo tempo mudança de domicílio,
de trabalho, redução de salário, estudos do mestrado. Equacionar tais
fatos não foi tão amistoso assim.
Fui questionado de diversas formas sobre a saída de um órgão
que é reconhecido pelos cidadãos, bem como pela estrutura e benefícios
legais. Como assim saindo para dar aula? Você fez algo errado lá? Por
quais razões você está fazendo o movimento contrário?
164
Simples: a vida é bela demais para deixarmos de fazer aquilo
que queremos, sonhamos e acreditamos. A sala de aula me provoca,
instiga, dá alegria de viver, não as paredes fechadas e nos escritos repetitivo.
Busco a espontaneidade, o riso, as lutas, os quereres, na possibilidade de pelo
conhecimento crescer na minha profissão docente.
A provisoriedade dos significados atribuídos é uma constante, de
modo que devem ser levados em conta impactos na/da vida, nos
tempos, nos espaços sócio-histórico e culturais. De modo que, como
professor da Educação Superior, a pesquisa tocou profundamente na
temática da experiência.
Assim, minhas experiências advindas da presente pesquisa
implicam em contornos possibilitadores da formação humana por meio
do ouvir, do cuidar, do narrativizar.
Surpreendente quando os participantes possibilitam reflexões
ímpares, discorrendo sobre os benefícios das experiências, o
crescimento do Curso e as potencialidades naturais por meio de grupos.
Não menos importante é explicitar que os dois cursos superiores
realizados e a maturidade dos dias atuais proclamam para entender que
os tempos mudam nossas concepções de fazer, questionar-se, lançar-
se. Faria outra vez o Curso de Direito, pela liberdade, atuação e
oportunidades em lutar por dias melhores.
Vou relendo os primeiros escritos, narrativizando as vozes que
ecoam nas experiências desta pesquisa e outras acessadas nas
memórias ao longo da vida, de modo que vários seres humanos
colaboram no enlace e enfeite dessas linhas.
Percebi que, como pesquisador narrativo, aproximando-se
teórico-metodologicamente de Clandinin e Connelly o olhar, as emoções
e leitura de mundo são fundamentais na tessitura do processo de
constituição da pesquisa, preocupando-me com o movimento da ética e
da despertabilidade.
A riqueza do material produzido, em meio às narrativas,
demonstram várias possibilidades para composição de sentidos, sendo
que a criação de eixos é importante para não me perder frente ao
desafio.
Assim, ao reconstruir as experiências vividas, foram compostos os
seguintes eixos temáticos: 1- “Vidas, Tempos e Escola: Percurso Escolar dos
165
jovens”, no qual demonstra Experiências no/do percurso escolar, isto é, as
percepções dos tempos de escola; 2- “Por que Direito?: Tempos, contextos de
uma escolha”, aqui subdividi em duas perspectivas: “A Família: sentidos e
significados, razões de uma escolha”; “Eu vou fazer direito”: entre inspirações,
status e Afetos, isto é quais fatores externos de algum modo motivaram a
escolha pelo Curso de Bacharelado em Direito; 3- “Jovens no Curso de Direito:
Vademecum, vem comigo”, trata das Experiências que os jovens ingressantes
estão vivenciando no curso superior, desde a questão da identidade do “ser
jovem” às reflexões da Educação Jurídica ofertada.
As narrativas dos jovens universitários revelaram a complexidade
da vida, do nosso tempo e das escolhas, os dilemas e dificuldades
enfrentadas no cotidiano pelos participantes.
Acredito que, diante das memórias e experiências narradas pelos
participantes da pesquisa, compreendemos como jovens universitários do
Curso de Direito narram suas experiências como estudantes e como
estas são significadas (problema) a partir da entrada neste curso.
Meu intuito era que, nesta escrita, as nuances das memórias e
experiências contadas pudessem ser percebidas, já que o viver se faz
na expectativa do devir, do vindouro. Pois eu acredito na dignidade, na
luta e na vitória dos jovens universitários que conviveram comigo:
Arthur, Pitty, Álvaro, Maria, Joana e Laís. Eu acredito é nessa rapaziada!
Encontrei nos jovens participantes da pesquisa gente que faz,
sonha e tem projeto de vida envolvendo os estudos, a escola, o trabalho.
São jovens que estudam em busca do conhecimento, por diversos
motivos, mas ressaltam a ideia de oportunizar uma melhor vida para os
pais. Jovens que laboram/laboraram para ajudar no orçamento de
casa.Juventude que reflete sobre seu papel, sua posição social e
valores da sociedade e da família.
Inspirações, o status almejado e afetos marcam narrativas que
emergem as identidades do ser jovem e universitário em também os
vários fatores para a escolha do Curso de Direito.
A modernidade-líquida de nossos tempos relevam que as
experiências e memórias dos jovens não seguem uma trajetória linear,
pois é tênue, descontinua e em movimentos espirais. Com isso creio que
166
as narrativas ajudam os próprios jovens participantes a ressignificarem o
percurso na vida até a chegada ao hoje, na universidade.
Compondo sentidos em meio as experiências advindas pela
pesquisa, em especial as narrativas dos participantes e todo o contexto
de submersão, ou seja, teóricos-metodológicos e subjetivação do/no
processo, posso afiançar que entre o dito e o não dito compreendi que
estes participantes narram suas experiências como estudantes pinçando
o que transpassaram-nos, no sentido larrosano, sendo aquilo “[...] que
nos passa, o que nos acontece, o que nos toca”.
Após a entrada no Curso o que foi vivido, experienciado é
ressignificado, pois as narrativas das experiências já na universidade
não são esvaziadas daquilo que foi vivido, até porque a trajetória de vida
faz parte da constituição identitária do ser, logo levamos conosco para
toda a vida.
Os percursos estudantis, as dificuldades da vida, o apoio da
família, o status social, a possibilidade de ascensão social, as
inspirações, desejos, possibilidades e afetos permearam as narrativas,
de modo que a continuidade na formação do ser jovem e universitário
perpassam as histórias contadas de um ontem, do presente e projetada
no futuro, no vindouro.
A composição de sentidos e a negociação da pesquisa garantem
a reafirmação de valores, marcas e quereres. Por exemplo, o papel da
escola, da universidade, da família na constituição da identidade do
jovem, a cultura, a sociedade além de fatores que influenciaram a
escolha pelo Curso de Direito.
Com todo cuidado, o tempo, a sociabilidade e o lugar foram
tratados na perspectiva da pesquisa narrativa, na medida em que foram
compondo sentidos e ressignificados, a partir do que foi contado, de
modo que pelos percursos narrados há possíveis compreensões das
lutas, dos percalços e da vitória alcançada com a inserção na
universidade.
Permitir que os jovens tenham o poder de (com) partilhar, co-
elaborar, colaborar suas histórias e sobretudo ter um momento para
reviver e ressignificar as narrativas por meio das histórias escritas pe las
minhas mãos e negociada pelo “senso da responsabilidade relacional” . É
atividade que oportuniza crescimento e reflexão sobre nossa identidade,
167
nossa vida.
Assim, o Vademecum acompanhará os jovens universitários no
Curso de Direito, mas permeados pelas suas histórias de vida,
respeitando as marcas que atravessaram seu caminho, as lutas e
vitórias, bem como em busca de uma Educação Jurídica libertadora.
Enfim, iniciei minha pesquisa compondo algumas linhas em
frente às águas de um rio na região de Diamantino-MT, logo na
dedicatória.
Considerando que as narrativas dos participantes dessa
pesquisa produzem experiências e estabelecem um itinerário de uma
relação pensante no mesmo tempo-espaço que conta histórias, pode-se
afirmar que são tramas, em movimentos experienciados, que permitem
uma sensibilização para compreender as singularidades narrativas de
cada um. Narrativas que podem provocar um despertamento das muitas
reminiscências nos leitores, dos indecisos a um Curso Superior, e ao ser
humano que, de algum modo, se vê nestas linhas escritas e imagina
outras possibilidades de viver a vida!
Neste arriscado “diálogo vivo” proposto nesta pesquisa, com as
Artes, música, literatura e imagens, recorro-me ao livro de minha
infância, mas que entrecruza com os dias do meu hoje, o “Menino do rio
Doce” de Ziraldo (citado na epígrafe da Apresentação) para escrever
estas linhas “(não) finais”, realçando que as experiências pessoais e
formativas vividas, compreendidas e/ou ressignificadas podem ajudar
este pesquisador e os participantes nos novos caminhos que serão
construídos ao caminhar: “Vem comigo ao meu destino!, diz o rio ao seu
menino[...]”(ZIRALDO, 1996, p. 29). Ainda prossegue:
“O mar é meu começo”, adivinhou o menino (ou o rio lhe ensinou) “E o rio repete: “Vem”! E dizendo isso o rio se desmancha no azul da agua salgada do mar. Onde a história do homem que veio vindo com o rio- menino de água- agora vai começar [...]” (ZIRALDO, 1996, p.29). (grifo próprio).
Ao final desta caminhada, mesmo tendo dificuldade em despedir
deste escrito, já que, para mim, toda despedida é um des-pren-di-men-
to, volto na mesma paisagem. Mas, tentando ressignificar esta
caminhada, nos movimentos experienciados, volto à imagem do rio que
168
me toca.
Não é a mesma sensação. É nova, diferente, única, já que na
pluralidade das histórias aqui contadas, vividas e narradas compus
sentidos a partir do meu olhar sobre o mundo, no mundo e para o
mundo. Compondo sentidos nas/sobre as narrativas dos participantes tal
tessitura também foi verificada, pois são relações, outros sentidos,
olhares, viveres e ressignificações feitas pelos jovens universitários,
entre as experiências pessoais e as formativas, de modo que tal
continuidade perpassaram as histórias de um ontem, do presente e
projetadas no futuro/devir, isto é, no vindouro.
Assim, com a brisa que me envolve, no invisível toque, com o
movimento das águas desejo que todos sejam felizes “na manhã desejada”!
Figura 15- Rio na região de Diamantino-MT
Fonte: O autor, 2015.
169
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183
APÊNDICE A
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Você está sendo convidado (a) a participar da pesquisa “VADEMECUM, VEM
COMIGO”: MEMÓRIAS E EXPERIÊNCIAS DE JOVENS
UNIVERSITÁRIOS NAS PAISAGENS DO CURSO DE DIREITO, sob a
responsabilidade dos pesquisadores Éverton Neves dos Santos, aluno do
curso de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato
Grosso –UFMT, e da Profª. Dra. Filomena Maria de Arruda Monteiro, dessa
mesma instituição.
Nesta pesquisa nós tentaremos compreender como jovens universitários do
Curso de Direito narram suas experiências como estudantes e como
estas são significadas a partir da entrada neste curso.
Na sua participação você participará de sessões de narrativas, para contar e
expor suas experiências antes e depois do curso de Direito. Além disso, você
redigirá diários reflexivos relativos às mesmas, realizando reflexões sobre sua
colaboração com os participantes, sendo que as narrativas poderão ser
gravadas em áudio e transcritas cooperativamente. Esses diários serão
posteriormente analisados para a composição de sentidos.
Em nenhum momento você será identificado. Os resultados da pesquisa serão
publicados e ainda assim a sua identidade será preservada, além da garantia
da confidencialidade, sigilo e privacidade dos dados.
Você não terá nenhum gasto e ganho financeiro por participar da pesquisa.
Os riscos de sua participação podem se referir a um possível constrangimento
em função de uma possível quebra de sigilo em relação a sua identidade,
contudo, a pesquisa se pautará na ética e no respeito aos participantes e
estratégias serão usadas de forma a garantir o absoluto sigilo em sua
identificação.
Você é livre para deixar de participar da pesquisa a qualquer momento sem
nenhum prejuízo ou coação, tendo acesso a qualquer tempo às informações da
pesquisa.
Esta pesquisa foi submetida ao CEP (Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo
Seres Humanos) do Hospital Universitário Júlio Muller – HUJM. O Comitê tem a
184
finalidade de fazer cumprir os aspectos éticos das normas vigentes de
pesquisa em seres humanos do Conselho Nacional de Saúde.
Também poderão ser solicitadas informações desta pesquisa ao
CEP/HUJM, por meio do telefone (65) 3615-7254 ou endereço eletrônico:
[email protected], ou ainda no endereço: Rua Luis Philippe Pereira Leite,
s/n Alvorada - CEP 78048-902, Cuiabá/MT. Local de Atendimento: Anexo
didático – HUJM, em horário comercial.
Uma cópia deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ficará com você.
Qualquer dúvida a respeito da pesquisa, você poderá entrar em contato com:
Pesquisadores:
Prof. Dra. Filomena Maria de Arruda Monteiro
Endereço: Avenida Fernando Correa, s/n, Coxipó, Cuiabá-MT,telefone 65-
3615-8451
Everton Neves dos Santos
Endereço: Rua Cenedom Ramos, 160, Centro, Rondonópolis-MT, telefone- 66-
9616-8706
Cuiabá, ____ de outubro de 2014.
Prof. Dra. Filomena Maria de Arruda Monteiro
Everton Neves dos Santos
Eu aceito participar do projeto acima referido, voluntariamente, após ter sido
devidamente esclarecido.
_______________________________________________________________
________
RG:___________
CPF:___________
Participante da pesquisa
185
APENDICE B
AUTORIZAÇÃO INSTITUCIONAL PARA PESQUISA CIENTÍFICA
PROJETO: “MEMÓRIAS E EXPERIÊNCIAS DE JOVENS
UNIVERSITÁRIOS NAS PAISAGENS DO CURSO DE DIREITO:
VADEMECUM, VEM COMIGO”,
OBJETIVO: compreender como jovens universitários do Curso de
Direito narram suas experiências como estudante e como estas são
significadas a partir da entrada neste curso;
A Universidade do Estado de Mato Grosso, Campus de Diamantino-
MT, situada na, CONCEDE PERMISSÃO para coletas de dados e
seleção de participantes para a pesquisa, com o intuito exclusivo de
alcançar os objetivos da pesquisa.A pequisa está sob a responsabilidade
dos pesquisadores Éverton Neves dos Santos, aluno do curso de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso –UFMT, e
da Profª. Dra. Filomena Maria de Arruda Monteiro, dessa mesma instituição.
Esta pesquisa foi submetida ao CEP (Comitê de Ética em Pesquisa
envolvendo Seres Humanos) do Hospital Universitário Júlio Muller – HUJM. O
Comitê tem a finalidade de fazer cumprir os aspectos éticos das normas
vigentes de pesquisa em seres humanos do Conselho Nacional de Saúde..
Qualquer dúvida a respeito da pesquisa, poderá entrar em contato com:
Pesquisadores: Prof. Dra. Filomena Maria de Arruda Monteiro.
Endereço:Avenida Fernando Correa, s/n, Coxipó, Cuiabá-MT,telefone 65-
3615-8451; Everton Neves dos Santos. Endereço: Rua Cenedom Ramos, 160,
Centro, Rondonópolis-MT, telefone- 66- 9616-8706.
De Diamantino para Cuiabá, ____ de outubro de 2014.
Diretor Financeiro e Politico e Pedagógico
UNEMAT-Campus de Diamantino
Ciência: Everton Neves dos Santos
Pesquisador-Mestrando
186
APÊNDICE C
QUESTIONÁRIO
PROJETO: “MEMÓRIAS E EXPERIÊNCIAS DE JOVENS
UNIVERSITÁRIOS NAS PAISAGENS DO CURSO DE DIREITO:
VADEMECUM, VEM COMIGO”,
OBJETIVO: compreender como jovens universitários do Curso de
Direito narram suas experiências como estudante e como estas são
significadas a partir da entrada neste curso.
Roteiro do Questionário aplicado aos professores:
1- Identificação pessoal:
Nome:_____________________________________;
Sexo: ( ) masculino ( ) feminino;
Idade: _________.
2- Dados profissionais:
a) Experiência Docente:
( ) até 5 anos; ( )de 5 à 10 anos; ( ) 10 a 15 anos; ( ) outros
b)Vínculo empregatício com a área jurídica:
( ) advogado; ( ) servidor público; ( ) assessoria jurídica ; ( )
outros
3- Dados sobre a formação profissional:
( ) Graduação. Qual? _________________;Ano de
conclusão:_____;
( ) Especialização. Qual? _________________;Ano de
conclusão:_____;
( ) Mestrado. Qual? _________________;Ano de
conclusão:_____;
187
( ) Doutorado. Qual? _________________;Ano de
conclusão:_____;