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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ÉVERTON NEVES DOS SANTOS EXPERIÊNCIAS PESSOAIS E FORMATIVAS DE JOVENS UNIVERSITÁRIOS NO CURSO DE DIREITO: VADEMECUM, VEM COMIGO CUIABÁ-MT 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ÉVERTON NEVES DOS SANTOS

EXPERIÊNCIAS PESSOAIS E FORMATIVAS DE JOVENS UNIVERSITÁRIOS NO CURSO DE DIREITO:

VADEMECUM, VEM COMIGO

CUIABÁ-MT

2015

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ÉVERTON NEVES DOS SANTOS

EXPERIÊNCIAS PESSOAIS E FORMATIVAS DE JOVENS UNIVERSITÁRIOS NO CURSO DE DIREITO: VADEMECUM, VEM

COMIGO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso como parte dos requisitos para obtenção do Título de Mestre em Educação na Área de Concentração Educação, Linha de Pesquisa Organização Escolar, Formação e Práticas Pedagógicas.

Orientadora: Profa. Dra. Filomena Maria de Arruda Monteiro

Cuiabá 2015

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Dados Internacionais de Catalogação na Fonte.

N518e Neves dos Santos, Éverton, Éverton Neves dos Santos.

Experências Pessoais e Formativas de Jovens Universitários no Curso de Direito : Vademecum, vem comigo / Éverton Neves dos Santos Neves dos Santos, Éverton. -- 2015

187 f. : il. color. ; 30 cm.

Orientadora: Filomena Maria de Arruda Monteiro.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Cuiabá, 2015.

Inclui bibliografia.

1. Educação Jurídica. 2. Experiências Pessoais e

Formativas. 3. Jovens. 4. Pesquisa Narrativa. I. Título.

Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos

pelo(a) autor(a).

Permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte.

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AGRADECIMENTOS

Manoel cochichou para mim que o “Tempo só anda de ida”, assim o hiato

entre o vivido e o narrativizado, as memórias e as experiências testificam

que agradecer deixa marcas, faz bem para quem faz o agradecimento,

para quem recebe e quem de algum modo ouve e sente e vê e transvê,

tudo soma, pois é sentimento vital para o vindouro, isto é “[...] aquilo que

vem depois. Mas o que vem depois? Estamos realmente certos de que vai

acontecer algo que mereça ser contado e que um dia alguém contará?”

(BOBBIO, 1997, p.38). Sim!

Elevo minha voz para glorificar a DEUS pelo bom ânimo e resiliência nesta

caminhada! Obrigado Senhor, vós sois a única Excelência, aquele que

concede a vida e tudo que nela há! Oh, Senhor Jesus que todo

conhecimento e sabedoria se convertam em boas-novas para “que tudo

narreis à geração seguinte”.

Agradeço aos participantes da pesquisa, amigos, colegas, educadores e

todos que partilharam momentos, vidas, saberes, histórias e lutas, meu

muito obrigado, pois "[...]aquilo que cada um se torna é atravessado pela

presença de todos aqueles que se recorda." (DOMINICÉ, 1988).

“Algo acontece em meu coração”, quando penso nos meus presentes de

Deus, ALEXANDRE LUCCA (4 anos) e DAVI LUIZ CAMPOS NEVES DE

MORAIS (15 dias!), meus filhos, vocês colorem meus dias. Digo no Tom do

amor: “Os olhos já não podem ver/Coisas que só o coração pode

entender/Fundamental é mesmo o amor”!

À minha mamãe CORACI (in memorian), saudade dói e corrói: Impossível,

um tempo/espaço, aniquilar a alegria, o cheiro, a voz, o sentir, a força, o

carinho, a correção, o exemplo, a verdade. Suas experiências de vida, suas

lutas, até os últimos olhares e ensinamentos, resumem-se em (CORA)GEM! SOU

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testemunha ocular dessa história, da nossa História! SOU saudade, SOU

(CORA)GEM! Aliás roseando: "que a vida quer da gente e coragem"!

Ao meu “paraíso-astral”, SILVIA, minha esposa, pelo nosso amor, pelo

carinho e respeito, pelo alicerce que de mãos-dadas eterniza momentos

singulares. Sussurrando Gil: “[...] É a sua vida que eu quero bordar na

minha/ Como se eu fosse o pano e você fosse a linha/ E a agulha do real

nas mãos da fantasia/ Fosse bordando ponto a ponto nosso dia-a-dia

[...]”.Obrigado por acreditar no abandonar o velho-profissional e sonhar

com a Academia e assim fazer o que eu gosto!

Ao meu pai ADELMO e meu irmão UALLISSON. Obrigado pelos bons

exemplos, dignidade, carinho e amor, oportunizando meu crescimento!

Forte abraço pessoas do bem que tanto torcem por mim!

Muito obrigado, tios, primos, avós, sogros e cunhados! Minha vovó

CONCEIÇÃO (in memorian), obrigado pelo carinho gostoso, pelo “capitão”

de sabor indescritível!

À minha orientadora, Professora Doutora FILOMENA, pela oportunidade

concedida em vivenciar e experienciar um tempo-espaço novo. Obrigado

pelo respeito, amabilidade e ensinamentos. Dias atrás, nos corredores da

UFMT, eu disse: -Sabe a professora que a gente olha e diz, nossa, quero

ser assim? Me perguntaram: -Mas, por quê?:

Eu, respondi:- Pela inspiração que provoca, pelo aprendizado que

oportuniza, pela liberdade e respeito ao próximo, a generosidade, a

amabilidade, o sorriso fraternal (risada ímpar que ficará em minha

memória para todo o sempre!) e cristalino profissionalismo! Aff, com uma

humildade enorme, você não acredita... ela descomplica o complicado!

Aos meus eternos alunos da Educação Básica, Superior e da Pós-

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Graduação, um pouco de vocês sempre ficará em mim. Obrigado pelo

compartilhar, dividir e multiplicar experiências, saberes e possibilidades.

Fico tão feliz quando vejo algum eterno-aluno como um cidadão

respeitador, construindo uma família, iniciando e/ou finalizando um curso

superior, entrando no mercado de trabalho, passando em um concurso

público, sendo feliz. Quão feliz, me realizo a cada boa notícia!

À Seduc/MT, por todo apoio prestado. À UFMT, UNEMAT e todos os

servidores, em especial à Secretaria no PPGE- Luisa, uma flor com muito

amor!

À RAMBO, pelo carinho e apreço, por acreditar em mim e ajudar por

meio do OBEDUC/UNEMAT-UNESP-UFMT e CAPES!

À CLEIA, pela amizade e pelo encorajamento na labuta da/pela docência,

por lutar por dias melhores, sempre deixando “[...] sua marca no meu dia

a dia”. O Encantamento é latente: nossas conversas, nossos devaneios,

nosso cuidado! Parabéns, pelas conquistas e por se permitir ...

À EUNICE, ADELMO e ALMIR que desde a primeira graduação me

acompanham de perto-longe, mas sempre com um carinho e respeito pela

nossa história de vida.

À minha amiga “SONINHA Narrativas” (mais do que vencedora!) pelo

zelo, carinho e presteza. Oremos juntos por nossos sonhos e

bênçãos...recebe aí!?

À MICHELLE, pelo apoio e valiosas conversas e correções! Admiração por

ti é o que tenho de montão, desde o “ônibus do Dezeli”!

Ao EVERTON CARDOSO, AUREA, CLEO, amigos do mestrado,

companheiros dos sabores/dissabores dos prazos e horários.

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Aos pacientes, aos amigos, aos guerreiros de todas as partes do Brasil que

lutam pela vida, deixando suas terras e seus familiares em busca do

Direito de Viver, de um tratamento digno! As narrativas desses amigos,

pacientes de câncer, cristalizaram em “meus-eus” impactando meu viver

de modo irrefutável, sentimentos dos mais variadores, pelas/nas vivências

no Hospital do Amor, em Barretos. Ali, o servir é uma constante!

Saudades, oro para que Jeová-Jirê restaure e transpasse em todos os

momentos! Meu muito obrigado ao HENRIQUE PRATA e família, paz e

saúde para continuar fazendo a diferença para os brasileiros!

Ao meu pastor ANTÔNIO, pelo carinho, amor, ensinamentos pela palavra

de Deus e esperança pelas promessas que irão se cumprir!

Aos “moreninhos”, “bugrinhos”, afrodescendentes, negros, índios, enfim

todos os irmãos rotulados como oprimidos, que lutam por Educação,

espaços, oportunidades e efetivação dos Direitos Humanos: lutemos

conscientemente por um mundo justo e HU-MA-NI-ZA-DO! Aliás, não

são todos (nós) seres humanos!?!

Às professoras INÊS, OZERINA e CLÁUDIA muito obrigado pelas valorosas

contribuições, troca de saberes e conhecimentos. Externo minha gratidão e

apreço. Muito Obrigado!

À professora SIMONE pelo carinho e apreço desde a Licenciatura em

Matemática, passando pela seletiva do mestrado em Rondonópolis e

encontros na/pela vida, muito obrigado!

A você caro leitor que embarca nesta viagem que conta e reconta histórias

de gente que faz, experiencia e experimenta na Educação, isto é, na Vida

nossa de cada dia, meu abraço e desejo das melhores coisas.

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"Contar histórias é dar um

presente de amor." (Lewis

Carrol, autor de Alice no país

das Maravilhas)

“Se você contar trinta mil

histórias/ o coração não

consegue sentir, é grande

demais./Uma história pode

contar/ todas as

histórias,/mas todas as

histórias não podem/ contar

uma história.”(Nathan

Englander)

Há três coisas importantes em relação às histórias: se

contadas, elas gostam de ser ouvidas; se ouvidas, elas

gostam de ser acolhidas; e, se acolhidas, elas gostam de ser

contadas (Ciaran Carson)

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RESUMO

A presente pesquisa foi desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, linha de pesquisa Organização Escolar, Formação e Práticas Pedagógicas, e investigou como os jovens universitários do Curso de Direito, na cidade de Diamantino-MT, narram suas Experiências pessoais e formativas e como estas são significadas a partir da entrada no curso. A perspectiva teórico-metodológica aproxima-se da pesquisa narrativa, conforme Clandinin e Connelly (2011), Mello (2005) e outros. Os significados foram compostos a partir de um conjunto de narrativas, produzidas pelos participantes e pelo pesquisador (notas de campo e textos de campo). Da literatura tomamos como base os estudos sobre as Experiências em Larrosa Larrosa (2002, 2004), Dewey (1994, 2008); já sobre jovens: Spósito (1997, 2005), Corrochano (2013), Dayrell (2000), Abramavoy e Esteves (2007), Abramo (1997) e outros. Em relação à Educação Jurídica: Wolkmer (1997), Warat (2000,2001), Lyra Filho (1986), Souza Júnior (1984, 1987, 2008), Streck (2004). Além de Freire (1987, 2011, 2005) e Gadamer (1997, 2002). A pesquisa abrangeu seis jovens ingressantes no Curso de Direito da Universidade do Estado de Mato Grosso-UNEMAT- Campus de Diamantino. Ao reconstruir as experiências vividas, foram compostos os seguintes eixos temáticos: 1- “Vidas, Tempos e Escola: Percurso Escolar dos jovens”, no qual demonstra Experiências no/do percurso escolar, isto é as percepções dos tempos de escola; 2- “Por que Direito?: Tempos, contextos de uma escolha”, aqui subdividido em duas perspectivas: “A Família: sentidos e significados, razões de uma escolha”; “Eu vou fazer direito”: entre inspirações, status e afetos, isto é quais fatores externos de algum modo motivaram a escolha pelo Curso de Bacharelado em Direito; 3- “Jovens no Curso de Direito: Vademecum, vem comigo”, trata das Experiências que os jovens ingressos estão vivenciando no curso superior, desde a questão da identidade do “ser jovem” às reflexões da Educação Jurídica ofertada. Os resultados revelaram a complexidade da vida, do nosso tempo e das escolhas, os dilemas e as dificuldades enfrentadas no cotidiano pelos participantes. Igualmente revelam que as experiências e memórias dos jovens não seguem uma trajetória linear. As narrativas demonstram que as dificuldades da vida, o apoio, sentidos e significados da família, o status social, as inspirações, desejos, possibilidades e afetos construídos a partir e além da escola permearam as narrativas, de modo que a continuidade na formação do ser jovem e universitário perpassam as histórias contadas de um ontem, do presente e projetadas no vindouro. Palavras-chave: Educação Jurídica. Experiências Pessoais e Formativas. Jovens. Pesquisa Narrativa.

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ABSTRACT

This research was conducted at the Graduate Program in Education at the Federal University of Mato Grosso, Research School Organisation line, Training and Pedagogical Practices, and investigated the problem of how university students of the Law School in the city of Diamantino, MT , narrate their personal experiences and training and how these are meant from entering the course. The theoretical-methodological perspective approaches the narrative research as Clandinin and Connelly (2011), Mello (2005) and others. The meanings are composed from a set of accounts, produced by the investigator and the participant (field cards and field texts). Literature take as a basis the studies on the experiences in Larrosa Larrosa (2002, 2004), Dewey (1994, 2008); already on young: Spósito (1997, 2005), Corrochano (2013), Dayrell (2000), and Abramavoy Esteves (2007), Abramo (1997) and others. Regarding the Legal Education: Wolkmer (1997), Warat (2000.2001), Lyra Filho (1986), Souza Júnior (1984, 1987, 2008), Streck (2004). In Freire (1987, 2011, 2005) and Gadamer (1997, 2002). The research covered six (6) entering young at Law Course at the State University of Mato Grosso-UNEMAT- campus Diamantino-Mt. By reconstructing the experiences were the following themes compounds: 1- Experiences in / of schooling, which will bring the perceptions of school days; 2- The contexts of choice at Law Course, which subdivided the role of family, sense and meaning; "I'm going to do right": between inspirations, Status and Affections, ie external factors which somehow motivated the choice of the course of Bachelor of Law; 3- Young at Law Course : Vademecum , come with me " , deals with the experiences that young people are experiencing tickets in the upper reaches , from the question of the identity of " being young " in reflection of the Legal Education offered . The results revealed the complexity of life , of our time and choices , dilemmas and difficulties faced in daily life by the participants. Also show that the experiences and memories of young people do not follow a linear path . The stories demonstrate that the difficulties of life, support , senses and family meanings , social status , inspirations , desires, possibilities and affections constructed from and beyond the school permeated the narrative , so that the continuity of the formation of the young college permeate the stories of yesterday , present and projected into the future. Keywords: Legal education. Experiences Personal and Formative. Young. Narrative research.

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LISTA DE TABELA E FIGURAS

Quadro 1-Dados principais dos participantes.................................................... 39

Quadro 2-Qualificação Corpo Docente.............................................................. 46

Figura 1 – Abertura do caderno do primário ................................................21

Figura 2 – : Atividades das séries iniciais ....................................................22

Figura 3 – Jovens universitários no prédio do Curso .......................................43

Figura 4 - Paisagens do Curso de Direito, no campus de Diamantino-MT .......48

Figura 5 - Recorte 1- diálogo no grupo de WhatsApp......................................120

Figura 6 - Recorte 2- diálogo no grupo de WhatsApp......................................121

Figura 7 - Recorte 3- diálogo no grupo de WhatsApp......................................122

Figura 8 - Recorte 4- diálogo no grupo de WhatsApp......................................128

Figura 9 - Recorte 5- diálogo no grupo de WhatsApp......................................132

Figura 10 - Recorte 6- diálogo no grupo de WhatsApp...................................135

Figura 11 - Recorte 7- diálogo no grupo de WhatsApp....................................135

Figura 12 - Recorte 8- diálogo no grupo de WhatsApp....................................140

Figura 13 - Recorte 9- diálogo no grupo de WhatsApp....................................142

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Figura 14 - Recorte 10- diálogo no grupo de WhatsApp..................................148

Figura 15 – Rio na região de Diamantino........................................................168

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANPEd Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em

Educação CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Conpedi Congresso de Pesquisa de Pós-Graduação em Direito ENADE- Exame Nacional de Desempenho Estudantil ENDIPE Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino FE Faculdade de Educação GT Grupo de trabalho IE Instituto de Educação IES Instituições de Ensino Superior IFGO Instituto Federal de Góias MEC Ministério da Educação e Cultura MT Estado de Mato Grosso OAB Ordem dos Advogados do Brasil OBEDUC Observatório de Educação PN Pesquisa Narrativa PDE Plano de Desenvolvimento da Educação PIBIC Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica PPC Projeto Político do Curso PPP- Projeto Político Pedagógico SEDUC Secretaria de Estado de Educação SINAES- Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro UEPG Universidade Estadual de Ponta Grossa UFMT Universidade Federal de Mato Grosso

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UFPR Universidade Federal do Paraná UFU Universidade Federal de Uberlândia UNB Universidade de Brasília UNEMAT Universidade do Estado de Mato Grosso UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciências e a Cultura UNESP Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”

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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO.. ......................................................................................... 15

1 HISTÓRIAS DO MEU PROCESSO IDENTITÁRIO E A PESQUISA.............18 1.1 VIDA, CAMINHOS E QUERERES: PREPARO O MEU CORAÇÃO, “PRAS COISAS QUE EU VOU CONTAR”.....................................................................18 1.2 RESSIGNIFICANDO O TEMA: DA CURIOSIDADE À NECESSIDADE DE INVESTIGAR.....................................................................................................27

2 AS PAISAGENS TEÓRICO-METODOLÓGICAS: PELOS RELEVOS..........................................................................................................38 2.1 MINHA PESQUISA: CONTEXTOS, PARTICIPANTES, CAMINHOS PERCORRIDOS E OS TEXTOS DE CAMPO..............................................................................................................38 2.1.1 “Nós Somos Jovens”: quem são os participantes?............................39 2.1.2 Local da pesquisa: a História Institucionalizada do Curso de Direito na UNEMAT de Diamantino.............................................................................43 2.1.3-Caminhos Percorridos na/da Pesquisa............................. ..................48 2.2 AS-EXPERIÊNCIAS: UM PANORAMA, TEÓRICO.....................................52 2.3 JUVENTUDE: IDENTIDADES, OLHARES E DIÁLOGOS COM OS DEBATES CONTEMPORÂNEOS.....................................................................64 2.4 UNIVERSIDADE E A EDUCAÇÃO JURÍDICA: DO MONOCROMÁTICO À UMA PAISAGEM VIVA DOS NOVOS TEMPOS............................................................................................................68 2.5 PESQUISA NARRATIVA: TELA DESSA PINTURA....................................77 2.5.1 Paisagens da/na floresta: variedade de lentes e despertabilidade...85 2..5.2 A Hermêutica Filosófica de Gadamer: contribuições para a Pesquisa Narrativa............................................................................................................89 3 VIDAS, TEMPOS E ESCOLA: PERCURSO ESCOLAR DOS JOVENS.......94 3.1AS NARRATIVAS DOS PERCURSOS ESCOLARES DOS JOVENS PARTICIPANTES...............................................................................................95

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4 “POR QUE DIREITO?”: TEMPOS, CONTEXTOS DE UMA ESCOLHA....107 4.1 A FAMÍLIA, SOCIEDADE E STATUS, RAZÕES DE UMA ESCOLHA......107 4.2”EU VOU FAZER DIREITO”: ENTRE INSPIRAÇÕES, STATUS E AFETOS...........................................................................................................116 5.JOVENS NO CURSO DE DIREITO: VADEMECUM, VEM COMIGO(?!)....125 5.1- UNIVERSIDADE E A IDENTIDADE DO JOVEM: TEMPO E LUGAR......127 5.2- SER JOVEM E UNIVERSITÁRIO: SENTIDOS PARA AS EXPERIÊNCIAS DO HOJE.........................................................................................................133 5.3 EDUCAÇÃO JURÍDICA: POR UM DIÁLOGO VIVO, LIBERTADOR........143 6 “SÍNTESE DAS EXPERIÊNCIAS VIVIDAS”: COMPONDO SENTIDOS A PARTIR E ALÉM DA PESQUISA, OS ESTUDANTES E EU.........................152 CONSIDERAÇÕES (NÃO) FINAIS: E A VIDA SEGUE PARA UMA MANHÃ DESEJADA......................................................................................................160 REFERÊNCIAS ....................................................................................... .......169 APÊNDICE A – ....................................................................................... .......183 APÊNDICE B – ....................................................................................... .......185 APÊNDICE C – ....................................................................................... .......186

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APRESENTAÇÃO

“E dali sentadinho na

margem, O menino olhava a água, Do rio indo, indo e indo.

E ficava horas a fio A mirar o horizonte

Lá onde o sol sumia; E sem que houvesse

perguntas O menino se indagava

(sem saber que se indagava):

O que há além do rio? Será o rio infinito?”

(PINTO, Menino do rio doce)

Vamos viajar por estas linhas? Estas refletem fragmentos de várias

vidas: a do pesquisador, dos participantes da pesquisa, das instituições

envolvidas e indiretamente de muitos seres vitais para a constituição das

nossas narrativas.

Pouco sabemos sobre os jovens que concluem o Ensino Médio e são

aprovados no vestibular, estes que sonham e adentram o afamado Curso

Superior, em nosso tempo-lugar, do interior do interior do Brasil,

especificamente interior de Mato Grosso: Diamantino.

Olhando para o horizonte, assim como o “Menino do rio doce”,

vamos descobrir o que há além do rio?

Entre paragens, afetos, sentimentos e emoções, entrelaçando as

experiências pessoais e formativas, o convite é lançado!

Tentei organizar a pesquisa de modo que visualizem o caminhar

percorrido por este caminhante, os percursos construídos pelo que foi

vivenciado, da fundamentação teórica, das narrativas, das experiências

e composição de significados.

Amigo leitor, vamos iniciar pelo primeiro capítulo, já que ali tento

historicizar minha vida pessoal e profissional, bem como enredar a

história da pesquisa.

As linhas ali escritas tentam revelar, dentre as possibilidades

existentes, como foi a trajetória do pesquisador, muito parecida com a dos

jovens participantes, bem como o itinerário profissional docente e razões da

escolha do tema de investigação. Parto da minha vida, caminhos e quereres,

depois os motivos que me levaram ao tema da pesquisa, à curiosidade

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epistemológica.

No segundo capítulo, o enredo está no entremeio das paisagens

teórico-metodológicas, desde os contextos, participantes, local, instrumentos e

textos de campo da pesquisa às teorias sobre Experiência, Jovens e

Juventude. Após, viajamos pela História Institucional do Curso de Direito, na

Universidade Estadual de Mato Grosso – UNEMAT, campus Diamantino-MT e

apontamos o cenário da Educação Jurídica, sinalizando pinceladas críticas.

Já no terceiro capítulo, com jovens universitários participantes da

pesquisa darei vez e voz para conhecer quem são. Como é a vida, os tempos e

suas experiências no percurso escolar? Aqui vamos compreender como os

participantes narram e (re)significam suas vidas.

Por que Direito? Com esta pergunta, no quarto capítulo, tento suscitar

a curiosidade do leitor para compormos sentidos sobre os contextos dessa

escolha. A razão de escolher o Curso de Direito. A força das narrativas fez com

que seccionasse os eixos de análise, primeira para, em movimentos

experienciados, propor ressignificações dos/nos sentidos e significados do

papel da Família na escolha pelo curso. Após, trato de discorrer sobre as

inspirações, o status almejado e afetos que nas narrativas emergem na

constituição identitária do ser jovem e universitário e a escolha pelo curso de

Bacharelado em Direito.

No quinto capítulo, os jovens narram suas experiências na academia,

no Curso de Direito, a Universidade como tempo-espaço social para

constituição da identidade. Passamos também pelos sentidos compostos pelas

experiências cotidianas dos universitários e especialmente pelas experiências

que os alunos tiveram com a “Educação Jurídica” ofertada.

No sexto capítulo, como Síntese da Experiência Vivida, propus a volta

ao campo, levando a narrativização feita por mim, a partir das narrativas dos

participantes, momento de grande experienciação, já que se ver nas linhas

escritas aumentou, de certo modo, a autoestima dos jovens universitários, bem

como oportunizaram ressignificações da vida, dos caminhos e lutas

enfrentadas.

Caro leitor, vem comigo! O convite é para que viagem, vasculhem,

garimpem, experimentando/experienciando pela/na descoberta de novas

paisagens como forma de celebrar o viver. Pois, minha vontade utópica era

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traduzir o que aprendi, vivenciei, experimentei e experienciei, por meio das

minhas linhas/palavras aqui escritas, metricamente pelo/no texto. Mas como

transpor os cheiros, os sabores, as emoções, os sentimentos, os

conhecimentos, tudo que vivi para o papel?

Bem, deixo que componham outros sentidos diante deste trabalho

artesanal realizado pelas memórias e experiências deste pesquisador e de

nossos jovens participantes, a partir e além da Academia. Vivam!

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1 HISTÓRIAS DO MEU PROCESSO IDENTITÁRIO E A PESQUISA

1.1 VIDA, CAMINHOS E QUERERES: PREPARO O MEU CORAÇÃO, “PRAS

COISAS QUE EU VOU CONTAR”

Prepare o seu coração pras coisas que eu vou contar[...]

[...]E nos sonhos que fui sonhando, as visões se clareando

As visões se clareando[...] (Disparada, Geraldo Vandré / Theo de

Barros)

Preparo o meu coração, parafraseando a música de Geraldo

Vandré e Theo de Barros, para compor estas linhas iniciais, pois no

entrecruzar dos nossos vários “eus”, a história de nossa vida reflete

nossa inconclusão, nossas realidades, nossas verdades, em que os

horizontes lampejam o querer do amanhã, mas principalmente os riscos

do bordado de nossos itinerários percorridos até o hoje, já que “Sou um

outro que resulta de tudo que me acompanha”. (LARROSA, 1998,

p.115).

Ao falar da composição da nossa vida, iniciar pelas origens é

essencial, assim quem é o pesquisador que escreve?

Bem, procuro nestas linhas uma escrita de minha vida, mas, em

verdade, este escrever não é só uma procura, é uma experienciação,

uma reflexão, um novo viver, um enriquecimento, uma complementação,

sob uma variedade de lentes de quem a viveu. Mas, escrever sobre si

não é fácil, o que nos dizeres claricianos é “duro como quebrar rochas.”

Na diversidade nasci, sou neto de baianos, mineiro e indígena,

pois minha avó paterna é da etnia bororo (“orarimugodoge”), os quais

viveram na região do vilarejo Lajeado, antes da emancipação da cidade

de Guiratinga-MT, em busca de diamantes e cuidando de sítios. Era um

trabalho árduo em condições de precariedade, mas o amor uniu esta

família e a fez vencer todas as adversidades.

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A vida era simples, o trabalho era árduo, mas na vida de meus

pais o amor pelos dois filhos sempre foi a base de uma educação

voltada para a valorização do ser humano. Ali em Guiratinga, naquela

vida simples do interior vivi com minha família até os 12 anos.

As emoções ficavam por conta das brincadeiras e da vida em

família. Meu pai, trabalhava como sapateiro, tinha pouco estudo, porém

a sabedoria daqueles que vivenciam o aprendizado da “escola da vida”

e, com os problemas e dificuldades acabam aprendendo todas as lições.

Minha mãe era pedagoga, dava aula para as séries iniciais, bem como

trabalhava num outro serviço, sendo secretária de Escola Pública, sua

garra, força e trabalho foram meus baluartes para estudar e trabalhar

com dignidade, repassando hoje tais valores para meus filhos.

Eu tinha, como todo menino do interior, criatividade latente e

extrema facilidade para criar objetos para brincar. Na rua, eu inventava

as brincadeiras e objetos similares aos que via na televisão ou com

alguns vizinhos, era um mundo construído com meu irmão e meus

amigos. Relembrando minha infância compreendo que eu era muito feliz,

talvez os bens materiais fizessem falta, especialmente os livros e os

brinquedos, porém, não me impediram de uma vida plena de felicidade e

amor.

Quando eu tinha aproximadamente dez anos de idade, lembro

que minha mãe ministrava aulas particulares para crianças em

Guiratinga-MT, em nossa casa, usando a cozinha e uma despensa como

“salas de aula”, tendo sempre uma média de seis crianças. Ao

presenciar minha mãe ministrando essas aulas, nasceu o meu

encantamento pela docência, sendo que eu me sentia muito feliz quando

ela passava a lição e me permitia auxiliá-la no ensino das operações

básicas de matemática. Era um sentimento complexo de alegria, medo,

realização e força, que hoje sei, existe na vida de todo o docente. Eu me

sentia especial e ficava muito feliz ao “ensinar e aprender” com os

meninos da minha idade.

Estudei na Escola Estadual Santa Terezinha e Colégio Luiz

Orione, escolas públicas vinculadas aos irmãos salesianos (Igreja

Católica). E, por isso, ficou marcado em minha vida o ambiente escolar

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de cunho religioso, freiras salesianas (irmãs) e padres, sua forma de

ensinar e de construir conhecimentos, destaco ainda, a figura do Padre

Santo Cornélio Faresin, padre, diretor escolar e articulador político em

Guiratinga-MT. Lá cantávamos: “Padre Cornélio bicho feio e barrigudo e

por ele ser careca não gosta de cabeludos [...]”. Esta música era

conhecida por toda a cidade, foi meu tio João Bosco que escreveu a

letra e melodia, muitos anos atrás.

Ah, “meus pensamentos tomam forma e eu viajo”, neste instante,

rememorando o passado que está eternizado. Lembro que neste colégio

“dos padres”, ganhei de meu pai uma bicicleta, descia uma ladeira

imensa. A liberdade para minha idade era tão grande. Um dia peguei a

bicicleta e fui atrás dos “caretas”1, quando os tambores começavam a

tocar nós, todas as crianças do bairro ficavam apreensivos, dizíamos:-

Olha, são os caretas!

-Vamos atrás, ver os caretas?

Nenhum de nós ficava em casa, a curiosidade era maior. Ao

longo do ano ficávamos esperando este som. Mas, naquele dia... Nossa!

Não avisei minha mãe, cheguei, e de joelhos apanhei muito!

Nas escolas salesianas, antes de iniciar a aula, todos se reuniam

no pátio escolar para rezar e cantar, sendo que os cânticos entoados

ainda fazem parte de minha vida: “Santo aluno de Dom Bosco”;

“Auxiliadora, rogai por nós”; “(..) mil vezes a morte, mas nunca pecar”.

Dentre tantas outras músicas religiosas.

A escola tinha uma política rígida e, exigia uma postura séria e

silenciosa de todos os alunos, era uma escola em que os professores

eram temidos e respeitados, pois nenhuma criança gostava de sofrer o

castigo de ajoelhar-se atrás da estátua do Santo Dom Bosco, quando

por motivos de desobediência ao professor. Sempre gostei de estudar,

tirava boas notas e era muito curioso.

1 Caretas em verdade se chama Bloco dos Caretas, sendo uma representação cultural que

congrega toda a comunidade local. Pessoas comuns saem à rua no carnaval com um roupão de chita, com máscara ou sem, munidos de talco, ao som de tambores. A idéia é assustar as pessoas com a liberdade de não ser conhecido, uma brincadeira saudável. Os caretas fazem parte da vida de todas as crianças, da criação da máscara, das histórias da cidade, passando pela escola, convertendo em forte expressão cultural e turística.

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Figura 1- Abertura do caderno do primário

Fonte: Do baú da mamãe, foto produzida por mim,2014

A vida corria livre e feliz em Guiratinga, eu morava em um bairro

no qual as pessoas se tratavam de forma amistosa, como se fossem

uma grande família. Muitas crianças da minha idade brincavam juntas e

jogávamos voleibol (me destacava neste esporte) e fizemos uma quadra

de areia para praticá-lo, além de muitas outras brincadeiras, sempre

unidos pelo sentimento de família. Mais tarde, com muita alegria, fiz

parte da seleção estudantil de voleibol de Rondonópolis.

Assim como o Pantanal manoelino2 o meu é assim sintetizado,

com se isso fosse possível:

A casa da vovó, o capitão, o fusquinha, o Lajeado,

A Moreninha, os caretas, o voleibol, a pipa e o avião de isopor,

o pé de goiaba, a casa rachada, o cheiro de chuva, o vento

que destelhou e o banho de enxurrada que tomou!

A bicicleta que quebrou, a montanha da Taboca, o Pau Rolou.

2“Pantanal é o lugar da minha infância. Recebi as primeiras percepções do mundo no

Pantanal. Meu olhar viu primeiro as coisas do Pantanal. Minhas ouças ouviram primeiro os ruídos do mato. Meu olfato sentiu primeiro as emanações do campo. E assim com os outros sentidos”. (BARROS, 2006a, p. 31).

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A meia-água, a janela do meu quarto e os desenhos das

nuvens no céu que cresciam.

Aula particular, na cozinha a ensinar, meninos da minha idade

Amigos de longa data medicando, advogando, assessorando.

A TV que inventa,as bolitas que jogava, as fazendas que

inventada, o pé de batata e a namoradinha que gostava.

A criança que inventava: feliz, boas notas tirava!

( O Autor, 10 de julho de 2015)

Figura 2: Atividades das séries iniciais

Fonte: Arquivo do pesquisador, abril de 1994.

Depois de doze anos vivendo em Guiratinga, mudamos para

Rondonópolis-MT, para nós uma cidade grande e perigosa. Este foi um

período difícil de adaptação, pois ainda pequenos eu e meu irmão não

entendíamos porque deveríamos deixar nossos amigos e partir para uma

cidade em que nossa liberdade de brincar era tolhida pela violência.

Em Rondonópolis estudei na Escola Estadual Emanuel Pinheiro,

no ano de 1996, mesma instituição onde, anos mais tarde, laborei como

educador. Depois daquele ano, fui transferido para a Escola Estadual

Ramiro Bernardes da Silva, em que minha mãe trabalhava e ficava no

bairro onde morávamos, o que deixava minha mãe mais segura.

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Um ano mais tarde, após muita luta, minha mãe conseguiu uma

vaga na famosa Escola La Salle, instituição em que permaneci até o

término de meus estudos do ensino fundamental ao ensino médio.

Na nova escola ocorreram muitos fatos, desde a alegria de boas

amizades e a construção de conhecimento com excelentes professores,

como dificuldade em algumas matérias, sendo que tinha sérias

dificuldades de entender o processo mecânico da Matemática que era

ministrada no ensino médio. Precisei, então, de muito esforço e estudo

para alcançar bons resultados, e me alegro até hoje com essa

conquista. Sempre indagava onde aplicar isso na minha vida, não

haveria uma lógica do conhecimento matemático que ultrapassasse as

sequências ensinadas?

Não havia valorização do processo, mas sim a técnica para o

resultado, com o fim em si mesmo, acreditando-se na apropriação do

conhecimento, fatos que dificultavam a minha aprendizagem, porque

sempre acreditei que todas as disciplinas deveriam levar à construção

de conhecimento em um processo de ensino/aprendizagem e não

somente de ensino.

Nesta seara, lembro-me que na segunda série do ensino médio,

tirei uma nota dois na avaliação oficial (que valia de zero a dez), para

mim um sofrimento muito grande, pois minhas notas eram acima de oito.

E ali, na recuperação, debrucei-me nos processos de memorização das

fórmulas e repetição de exercícios, na “Educação Bancária” recuperei

minha nota, mas nunca esqueci que essa forma de ensinar pode tornar-

se essencialmente desmotivadora para os alunos.

Quando estava nas séries finais veio a clássica dúvida: qual

curso universitário escolher? Senti que precisava suplantar minhas

próprias dificuldades, então optei pelo curso de Matemática e, assim,

vencendo meus medos e meus limites no processo de aprendizagem da

Matemática, com dedicação e esforço fiz deste curso a base de minha

vida docente.

Passei no meu primeiro vestibular com uma ótima nota, inclusive

sobraria nota para cursos concorridos, tais como Direito e Ciências

Contábeis da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), existentes

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na época, porém, o curso de Matemática me fazia transcender os meus

próprios limites e suplantar dificuldades.

Fiz o curso e revivi, em partes, as indagações do ensino médio,

na medida em que algumas disciplinas eram ministradas sem um enredo

histórico, contextual e aplicável nas relações cotidianas ou científicas

palpáveis. Mas alguns professores da Matemática pura conseguiam dar

aplicabilidade para alguns institutos, mas considero que, de forma geral,

existe no curso de matemática essa fragilidade.

Concomitante ao curso de Licenciatura em Matemática na UFMT

Campus Rondonópolis, trabalhei no comércio, Atacadão Ltda. (período

2001-2004). Tinha dezesseis anos de idade quando comecei o trabalho

nessa empresa. Saía do trabalho às 15 horas e ia direto para a

Biblioteca da UFMT. Aliás, ainda no curso, com a vontade de exercer

profissionalmente a docência fui ministrar aulas na Escola Estadual

Eunice Sousa. Era o meu início “formal” na profissão docente!

Para concluir o “temido” curso universitário de Matemática

esforço e dedicação são características daqueles que ali estão, pois é

um curso muito técnico e exigente, são muitos alunos desistentes,

outros reprovam e, até mesmo, jubilam!

Depois da conclusão do Curso de Matemática, para minha

felicidade, tornei-me colega de profissão dos meus professores do

ensino fundamental, tendo em vista que fui lecionar em 2006, na Escola

Estadual Emanuel Pinheiro, também em Rondonópolis-MT, a mesma

instituição em que estudei na minha adolescência. Desde o início foi

uma honra tê-los como colegas e partilhar da alegria da docência na

disciplina da Matemática.

Já em 2007, aprovado no concurso público da Secretaria de

Educação do Estado de Mato Grosso, fui nomeado e tomei posse na

mesma escola, qual seja Emanuel Pinheiro, exercendo a função de

professor de Matemática no Ensino Fundamental (II e III Ciclo de

Formação Humana).

Nesse entremear de vivências pessoais, as inquietudes sobre a

educação, a docência e a Matemática ainda persistem, momento em que

foram exploradas na especialização em Matemática com o trabalho

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monográfico “Processo de Ensino e Aprendizagem da Matemática: da

conscientização das transformações a uma reelaboração de novas

práticas docentes”. No mesmo ano, em outra pós-graduação, Didática e

Metodologia do Ensino Superior latu sensu, por meio de um artigo

científico, foi pesquisada a mesma temática, buscando compreensões e

aprimoramento profissional.

Embora desempenhe diferentes funções, certamente se me

questionarem: Mas o que sou profissionalmente? A resposta será clara:

Professor, um educador por convicção! Seja na educação formal com

meus alunos (escola) ou não-formal, ajudando o cidadão na efetivação

de seus direitos, na Associação de Vítimas de Câncer ou, durante muito

tempo, no Ministério Público!

Quão bom é ajudar ao próximo sem pedir nada em troca!

Cumulei por bom tempo as funções do magistério com outro concurso

público, no Ministério Público do Estado de Mato Grosso, instituição que

mostrou as paisagens da área jurídica, momento em que fui aos bancos

universitários estudar Direito.

Casei em 2010, com Silvia, já no ano seguinte tivemos o primeiro

filho, Alexandre Lucca. Desde novo dizia: - Quero ser pai antes dos

trinta! E assim o fiz. Agora, em 2015, nasceu Davi, para nossa alegria!

Nas travessias da vida, parei em uma pinguela! Parei todos os

meus afazeres e, após percorrer dezenas de médicos, exames, laudos e

dispendia recursos financeiros fomos parar em Barretos-SP, em meados

de 2011 e início de 2012, no Hospital do Câncer de Barretos, “Hospital

do Amor”, com minha mãe Coraci.

Ressignificando as vivências com os pacientes percebo que o

narrar se torna uma clínica, libera o que está aprisionado em nós, de

modo que favorece o bem-viver.

No percurso de vida, sempre as histórias, o ouvir e o respeito

para com a fala do outro são uma constante. Este sou eu, um ser

narrativo com o outro e para o outro. Ali, entre lutas, desafios, histórias

e muita emoção, vi e revi quão frágil somos nós, seres humanos! Em 30

de maio de 2012, esta página da vida se eternizou! Na luta por um

tratamento digno, a Associação oportuniza o refrigério.

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Num pulo cronológico, lembro que até o início de 2014 continuei

com meus trabalhos e projetos na escola, como professor de matemática

e na Universidade de Cuiabá (UNIC), campus Rondonópolis, como

professor do Curso de Direito, além das atividades no Ministério Público.

Diante da necessidade de melhorar minha formação profissional

e meu papel no complexo educativo, decidi fazer o mestrado para que

naquele tempo-espaço as experiências vivenciadas nas práticas do

magistério pudessem ser ressignificadas, oportunizando outros sentidos

diante da atuação docente (MONTEIRO, FONTOURA; CANEN, 2014).

Ainda no ano de 2014, cursei duas disciplinas como aluno

especial no Mestrado de Política Social aqui na UFMT, além de outras

duas disciplinas como aluno especial no Instituto Federal de Goiás-

IFGO-Campus Jataí, em Góias, no mestrado em Ciências e Matemática.

Após, fui aprovado no mestrado em Educação nos campus de

Rondonópolis e Cuiabá, ambos na UFMT, além da aprovação do tão

sonhado concurso público da Universidade do Estado de Mato Grosso,

Campus Diamantino-MT, sendo professor efetivo-auxiliar do Curso de

Direito, na área de Direito Privado. Como dizem por aí: “largou o

gabinete para enfrentar uma sala de aula?!!”.

Digo-lhe: - Sim, e assim é meu processo identitário:

Eu vim de lá, da mistura do mineiro, do baiano, do bororo. Eu vim de lá, do Lajeado e das terras de Rondon, Do sapateiro, da professora de quintal. Na cozinha, não só de pão vivia. Lá, o conhecimento aparecia, da vizinha, o divertimento ocorria. As pedras do caminho eram os números, Convertidos em leis, era a saga-rei. Protetor da lei

3?!

Hum Educador, eu sei, mas usa a lei!

(Poema escrito pelo pesquisador, 02.09.2014)

Consciente do meu fazer e querer, e buscando crescimento na

área da educação, desenvolvi alguns estudos que culminaram na

construção de artigos científicos, ministrei palestras, organizei uma obra

3 O nome deste pesquisador significa aquele “que protege a lei, ou pela lei” (CLAUDINO, 1996)

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e elaborei quatro capítulos de livros, todos ligados à educação formal

ou/e informal. Além de participar do Grupo de Estudos e Pesquisas em

Educação Matemática- NEPEM/IFG- do Instituto Federal de Educação,

Ciência e Tecnologia de Goiás, do Observatório da Educação da

UNEMAT/UNESP/UFMT, via UNEMAT de Barra do Bugres-MT, e na

Associação Mato-grossense de Políticas Públicas.

Nas aulas do mestrado, um misto de prazer e receio, tudo muito

novo, um grande volume de textos, livros e trabalhos. Tive que residir

em Cuiabá-MT para acompanhar as aulas e dar conta dos compromissos

profissionais (é, eu não fiquei apenas por conta dos estudos do

mestrado!). Depois, fui viajante pelas madrugadas ou manhãs na

afamada BR 364: a lua virava sol. Reflexões sobre a vida, o trabalho e

os estudos entre paradas em razão de acidentes, bloqueios ou

consertos na pista. Daí, chegar atrasado era um martírio!

Posso afiançar que o mestrado oportunizou profundas reflexões

para minhas experiências pessoais e formativas a partir de teóricos

trazidos pelos diálogos da Professora Doutora Ozerina, Cândida, Maria

Lúcia, Celso e minha orientadora Filomena: seminários, artigos e

debates!

Autores nunca antes lidos, grandes desafios e ressignificação

para o desenvolvimento profissional docente, ainda mais para um

licenciado em Matemática e bacharel em Direito.

Entre paragens, caminhadas e correrias essa é a travessia em

que ouso e arrisco a fazer: entre o dito, o dizível, ao não-dito, o

indizível, vou me fazendo.

Agora, “va-ga-ro-sa-men-te”, refleti... Por quais razões mesmo

escolhi este tema?

1.2 RESSIGNIFICANDO O TEMA DE INVESTIGAÇÃO: DA CURIOSIDADE À

NECESSIDADE DE PESQUISAR

Nossos destinos Desde meninos dão-se as mãos

Nossos destinos De pequeninos eram irmãos [...]

(GIL, Gilberto, Minha princesa cordel)

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Nas vivências como professor da Educação Superior, no Curso

de Direito, inquietaram-me as trajetórias de vida, as memórias e

experiências dos jovens que chegam às universidades, seus anseios,

seus dramas, seus olhares, sentidos, intenções, aspirações e

expectativas enquanto estudantes em busca de novos horizontes na

seara jurídica. Percebo que no meu “processo identitário”, que é “[...]

indissociável do lugar que seus membros ocupam nas relações de

produção e do papel que desempenham” (NÓVOA, 1996, sem p.), a

escolha temática não foi aleatória, posso afirmar que foi

“necessariamente um ato político” (SEVERINO, 2000, p.145), sendo

importante retratar esta paisagem, colorindo-a com fidedignidade,

conforme ensina Arendt (1987, p. 67):

[...] quando as coisas podem ser vistas por muitas pessoas, numa variedade de aspectos, sem mudar de identidade, de sorte que os que estão à sua volta sabem que vêem o mesmo na mais completa diversidade, pode a realidade do mundo manifestar-se de maneira real e fidedigna.

Enquanto professor, percebo que as paisagens do contexto

escolar são lugares em que possibilitam ampliar os horizontes, dar

sentidos e reconhecer os jovens universitários submersos na sociedade

contemporânea (nestes “tempos líquidos”, nos dizeres baumanianos)

multifacetada pelos contextos culturais, sociais, econômicos (SPOSITO,

1997). De modo que é cada vez mais verificável que “ [...] há uma

diversidade de sujeitos que se torna cada vez mais evidente em nossas

universidades (CORROCHANO, 2013, p. 24)”, tanto pelas políticas

públicas de acesso à Educação Superior, bem como pelas implicações

do mercado de trabalho, sociais e culturais.

Fanfani (2000) já apontava que há uma diferenciação que deve

ser dita em relação à juventude atual e aquelas iniciantes da educação

escolar moderna, de sorte que as mudanças culturais, sociais,

familiares, implicam diretamente nos processo de constituição de

identidades e subjetividades do ser e do pensar enquanto sujeito social.

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Curioso que são poucas as pesquisas que têm como enredo

principal as experiências pessoais e formativas do jovem universitário

como protagonista (DAYRELL; GOMES, 1997).

E o que é ser jovem? São várias as teorizações com contornos

biológicos, bio-psíquicos, educacionais, trabalho e políticos, mas

entendo melhor trilhar pelo conceito proposto por Aguiar e outros

(2007,p. 168), no sentido de que jovem é fruto da construção humana,

diferenciando-se conforme o contexto social, bem como nos aportes

teóricos de Abramovay e Esteves (2007, p. 21):

[...] a juventude, por definição, é uma construção social, ou seja, a produção de uma determinada sociedade originada a partir das múltiplas formas como ela vê os jovens, produção na qual se conjugam, entre outros fatores, estereótipo, momentos históricos, múltiplas referências, além de diferentes e diversificadas situações de classe, gênero, etnia, grupo etc.

Mas e, se me perguntarem as razões de pesquisar este

movimento de tornar-se universitário, as experiências pessoais e

formativas dos jovens que ingressam no Curso de Direito, e de que

modo isto colaboraria para a Educação Superior, em especial para a

linha de pesquisa do mestrado Organização Escolar, Formação e Práticas

Pedagógicas?

No entremeio da pesquisa, ainda em fase de

constituição/maturação do objeto e aportes teóricos, dir ia,

metaforicamente, que caminhava por uma paisagem nova, seria o

“Pantanal”, uma planície alagada, mas cheia de vida, contornos,

texturas, cheiros, sensações, cores e nuances. Personalizo-me como um

turista que vê e se encanta e quer dilatar o prazer, divagando em

conhecer os cenários ainda não experimentados no seu

tempo/espaço/ritmo, nas manhãs, nas tardes e nas noites adentro em

busca do que há para desbravar.

Já no término dessa caminhada, noto que é imprescindível que

as pesquisas educacionais deem atenção à Educação Superior, em

especial para a formação docente e/ou práticas pedagógicas dos cursos

de bacharelado, já que, na maioria dos casos as pesquisas apontam que

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o docente torna-se professor na profissão. É neste sentido o que

expressa Câmara (2010, p. 8), trazendo importante contribuição, afirma que:

A problematização se eleva quando o professor que assume o compromisso de ensinar nesse contexto tem sua formação de bacharel, nos moldes da educação brasileira que visa a formar cidadãos voltados para a formação técnica e desenvolvimento dos setores econômicos e sociais da sociedade, sem a preocupação de inserir nessa formação aspectos que deem a este futuro profissional a possibilidade de pensar sua formação no aspecto de disseminador da mesma, ou até mesmo de refletir sobre essa formação. Essa necessidade se apresenta à demanda de formação de profissionais em áreas que atendam ao mercado de trabalho, tendo em vista que esse mercado se modifica cada vez mais rápido. (Grifo nosso)

Assim, com o fito de direcionar os trabalhos dos docentes e em

razão de um novo perfil do jovem universitário, esta pesquisa também

pode contribuir para (re)pensar/refletir sobre a oferta da Educação

Superior, em especial no Curso de Direito, compreendendo como os jovens

universitários do Curso de Direito na cidade de Diamantino-MT narram suas

Experiências pessoais e formativas e como estas são significadas a partir da

entrada no curso.

A disposição em ouvir e analisar tais experiências é ressaltada e

valorizada por Larrosa (2002, p. 40) ao dizer que:

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar e escutar mais devagar, para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.

Relampeja em minhas memórias o que Pimenta (2008) pondera

sobre o fato de os professores, em muitas vezes, não darem a devida

atenção às características reais do aluno da Educação Superior,

enxergando-os como apenas “os futuros profissionais da área” e

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comparando-os com as nuances dos tempos vividos e experimentados

de quando eram jovens universitários.

No entanto, no complexo educativo, os sujeitos devem estar

abertos a possibilidades de transformação, devendo o professor por

meio de suas retinas possibilitarem experiências para compor cenários

possíveis para com o aluno que partilha as experiências com/na

educação. Nesse sentido, Pimenta e Anastasiou (2008, p. 232) apontam:

Se se tem como proposta um processo de ensinagem, tomar o aluno como sujeito desse processo é fundamental para que construa como sujeito. Para isso, há que elaborar, analisar, também com os alunos, instrumentos que permitam caracterizar o grupo em termos de origem geográfica e social, experiências anteriores de escolarização, faixa etária, turno diurno ou noturno, trabalhador ou estudante, inserção profissional, significado dessas na vida presente e futura, tempo livre; descobrir e analisar os motivos que os levaram ao curso, expectativas quanto a ele e à disciplina, a forma pela qual operacionalizam suas próprias aprendizagens (hábitos de estudo), o nível de conhecimento que possuem, habilidades que dominam e outros dados que sejam importantes para a compreensão da pessoa de cada aluno e das características dessa geração universitária com quem se partilha a sala de aula.

Assim, respeitando o aluno como sujeito histórico e social creio

na necessidade, como professor, de compreender com quem dialogo,

partilho, compartilho e vivencio. Assim, como apregoa Freire e Shor

(1987), necessário nessa construção e reconstrução, compreensão/re-

compreensão de sentidos e significados do complexo educativo, o

estudo das palavras e escritas dos alunos são importantes, já que as

falas e seus textos são um acesso privilegiado as suas consciências.

Agora, interessante notar que é cada vez mais jovem o

universitário, fato amplamente divulgado pela mídia. De modo que,

dialogar com sujeitos contemporâneos, a nova geração universitária,

jovens que escancaram uma diversidade cultural jamais vista. Nesse

contexto, colaciono trecho dos autores Pachane e Pereira (2004, p. 7):

Hoje, é necessário ao professor saber lidar com uma diversidade cultural que antes não existia no Ensino Superior, decorrente do ingresso de um público cada vez mais heterogêneo. Um público que pode, por um lado, não estar tão

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bem preparado, tanto emocional quanto intelectualmente, para o ingresso no Ensino Superior; um público talvez mais jovem, mais imaturo, e, por vezes, pouco motivado e comprometido com sua aprendizagem, tendo em vista que o Ensino Superior hoje não é mais garantia de um emprego estável no futuro, mas um público que pode, por outro lado, ser muito mais exigente quanto à qualidade do curso oferecido, tendo em vista especialmente o alto grau de competitividade do mercado de trabalho.

A pesquisa foi realizada no Curso de Direito da UNEMAT.

Diamantino é uma cidade localizada no interior do Estado de Mato Grosso,

distante a 204 quilômetros de capital Cuiabá-MT, com uma população de

19.206 habitantes, conforme dados do IBGE/2010.

O Curso de Direito na cidade é ofertado, com exclusividade, há mais de

dez anos pela instituição pública que foi encampação da UNEMAT no ano de

2013, conforme dados oficiais da universidade.

Ao trazer a Educação Jurídica, como paisagem da experiência,

devo mencionar que há inúmeras pesquisas e mobilizações para

discutir, repensar e recriar novas possibilidades perante a visão

tradicional do Ensino do Direito- dogmático, árido e nada reflexivo,

trazendo novos olhares, sentidos e reflexões da aplicação no Direito

sobre/para a realidade social (já que presta uma intervenção social).

Partindo dos subsídios teóricos de Wolkmer (1997), Warat (2001, 2000),

Souza Júnior (1984,1987, 2008), Lyra Filho (1986), Bittar (2006) e

outros.

A tessitura crítica da presente Pesquisa narrativa já é realizada no título

com a expressão “Vademecum4, Vem comigo”, já que este é o símbolo da

positivação do Direito e que acompanhará todos os jovens universitários no

percurso universitário, todavia não se pode esquecer que, na caminhada

estudantil, o projeto que se pretende é para a liberdade, humanização como

sujeito de sua história.

Na Educação Jurídica os pesquisadores apontam para a tessitura

de caminhos para um projeto educativo emancipatório (SOUZA, 2009)

4 Advindo de expressão latina “Vade mecum”, significa “vai comigo” ou “vem comigo”, na área

jurídica é um compêndio no qual reunia as principais leis ou obras de determinada área. Aqui ao longo da dissertação, é símbolo da positivação do Direito, mas que não merece ser estigmatizado, pelo contrário, deve acompanhar o jovem, mas sem se esquecer do movimento maior de humanização que deve ser proposto pela Educação Jurídica libertadora, humanista!

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em que o Direito seja entendido como organizador da liberdade em

convivência, instrumento do processo libertador (LYRA FILHO, 1986).

Diante desse contexto, é possível compreender como jovens

universitários do Curso de Direito narram suas experiências pessoais e

formativas e como estas são significadas a partir da entrada neste

curso?

Diante das travessias, da sinuosidade do itinerário e das paisagens

vislumbradas, trabalhei com aproximações da Pesquisa Narrativa (CLANDININ;

CONNELLY, 2006; 2011) como caminho teórico-metodológico, de modo que

pretendi compreender a experiência vivida, por meio de histórias e da

composição de sentidos (ELY et al. 2001).

Minha escolha por esse paradigma de pesquisa é em razão do cerne

da Pesquisa Narrativa, qual seja a experiência, já que “é uma forma de

compreender a experiência” (CLANDININ; CONELLY, 2011, p. 51).

A pesquisa assentou-se nas experiências pessoais e formativas dos

participantes, jovens ingressantes do Curso Superior de Direito - verdadeiros

colaboradores, os quais tiveram vez e voz. A voz é no sentido articulado por

Britzman, citado por Clandinin e Conelly (1995, p. 36):

[...] a voz é o sentido que reside no indivíduo e que lhe permite participar de uma comunidade... A luta pela voz começa quando uma pessoa tenta comunicar sentido a alguém. Parte desse processo inclui encontrar as palavras, falar por si mesmo e sentir-se ouvido por outros... A voz sugere relações: (1) a relação do indivíduo com o sentido de sua experiência (e portanto com a linguagem), e (2) a relação do indivíduo com o outro, já que a compreensão é um processo social.

Nesse momento, as palavras de Passegi (2010) são importantes,

uma vez que a pesquisa narrativa, antes de qualquer coisa, é um

processo de investigação. Segundo ela, três grandes princípios guiam

as investigações. O primeiro deles evidencia o ato de construção da

realidade feito pelo sujeito. Já o segundo coloca o foco na linguagem

como elemento mediador da construção da realidade e do trabalho de

interpretação dos fatos pelo sujeito ao transformar a vida em texto

narrativo. Por fim, o terceiro ponto considera que a pesquisa narrativa é

um posicionamento epistemológico.

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Nesse sentido, Passegi (2010, p. 112) esclarece:

A realidade são representações construídas na interação humana em função de sua percepção de uma situação social. Essas representações modificam-se acompanhando as mutações sociais e o desenvolvimento do indivíduo, adequam-se aos espaços e aos lugares por eles ocupados [...] As vidas são textos passíveis de revisão, exegese, reinterpretação. Ao interpretar a vida não se nega um “texto” anterior, mas sua interpretação. [...] não se busca obstinadamente a “verdade objetiva”, pois se tem consciência de que a “realidade” passa, obrigatoriamente, pela mediação de sistemas simbólicos, constitutivos do imaginário social, que é, por sua vez, subjetivado pelos indivíduos.

Assim, tal pesquisa desperta novas possibilidades à Educação

Superior, na medida em que no entrecruzar das experiências pessoais e

formativas dos jovens universitários, por meio de um ambiente de

vivências com/para o outro ecoará as vozes para a emancipação do

sujeito, por intermédio de um diálogo construtivo que desperte a

curiosidade epistemológica.

É assim que Mello (2004, p. 101) arremata:

Se vou para minha sala de aula tentando e desejando criar oportunidades para que os alunos assumam o lugar de seres críticos e reflexivos capazes de colaborar na construção do conhecimento, como não considerar a possibilidade de construção do saber científico considerando as vozes de pesquisadores e participantes de pesquisa? Seria uma incoerência.

Além disso, Clandinin e Connelly (1995, p. 41) defendem que:

O “eu” pode falar como investigador, como professor, como homem, como mulher, como comentarista, como participante da investigação, como crítico narrativo ou como construtor de teorias. Não obstante, quando vivemos o processo de investigação narrativa somos uma só pessoa. Da mesma maneira que só somos um quando escrevemos. Sem confusão, quando escrevemos narrações, se converte em algo importante para resolver qual das vozes é a dominante cada vez que escrevemos “eu”.

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Trabalhar com narrativas como ação humana é entender que elas

estão inscritas na história das pessoas desde muito cedo e é por esse

motivo que é possível a aceitação do fato biográfico como uma

“representação mental”. Por outro lado, é durante a narração escrita

dessas histórias que ele toma forma, materializa-se e acaba por se

tornar determinante no ato de construir a subjetividade e de socializar

(PASSEGI, 2010, p. 119)

Complementando tais ideais, Passegi (2010, p. 119) ainda

acrescenta:

É importante lembrar, mais uma vez, que não são os fatos vividos, em si mesmos, que importam, mas a simbolização desses fatos pela ação das narrativas, sua circulação entre os membros do grupo, o modo como são contadas e recontadas para si mesmo e para o outro. É possível admitir com Bronckart (1999, p. 62) que “é por meio da interpretação dos discursos narrativos que o funcionamento psíquico humano se expande se enriquece e se reestrutura perpetuamente”.

As ideias de Clandinin e Connelly (2011) destacam veementemente o

caráter tridimensional da pesquisa narrativa. Alicerçados na concepção de

experiência de Dewey, Clandinin e Connelly defendem que o tempo é a

primeira dimensão, já o individual e o social constituem uma segunda e o lugar

forma a terceira dimensão.

Para os autores, o pesquisador sempre se movimenta nesse espaço,

ou seja, age de modo introspectivo, extrospectivo, retrospectivo e prospectivo.

Ademais, estará ele sempre situado em um lugar e faz isso a partir da ideia de

que a experiência é contínua (sempre surge uma próxima experiência),

individual e social ao mesmo tempo (caráter de interação da pesquisa

narrativa). (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 84)

Para eles, o ser humano sabe o que sabe em virtude do lugar que

ocupa na sociedade. Se mudar de lugar, o conhecimento também muda.

Assim, ambos apontam a importância da parada e do senso de provisoriedade

dos posicionamentos daqueles que vivem as experiências. Isso não significa

afirmar que os posicionamentos assumidos nas entrevistas são imutáveis. Ao

contrário, na realidade, o que se verifica é que a entrevista com os

participantes tem o condão de gerar um olhar diferenciado para a história, de

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modo a tomar por base referências diversas, sempre considerando a teoria

tridimensional da pesquisa narrativa. Dessa forma, “o que sabíamos em um

determinado ponto no tempo muda quando a parada muda temporalmente para

um outro ponto no tempo”. (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 47)

Na pesquisa narrativa o que se busca são interpretações mais

interessantes e ricas das histórias vividas e narradas. Tal ideia se deve ao fato

de que no pensamento narrativo cada interpretação se constitui como uma

possibilidade provisória, já que cabe ao pesquisador “fazer o melhor

considerando as circunstâncias, consciente de que há outras possibilidades,

outras interpretações e outros modos de explicar as coisas”. Assim, para eles,

o pensar narrativamente é sobremaneira um ato de refletir e relacionar tudo

aquilo que foi narrado. (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 65).

Considerando tal perspectiva, o presente estudo transforma os “textos

de campo”, com a reprodução literal daquilo que foi narrado, em “textos de

pesquisa”, uma vez que toda narrativa produzida se transformará num objeto

de observação, questionamento e reinterpretação de tudo aquilo que chegou

aos meus ouvidos, olhares e sentimentos de pesquisador.

Reforço que o pensamento narrativo pressupõe, a todo momento, que

se retomem as lembranças e registros, que se pense e se repense o que foi

vivido, pelos participantes, sempre de modo a contextualizar o que lhes

aconteceu. (CLANDININ; CONNELLY, 2011).

Cabe ao pesquisador, na pesquisa narrativa, o trabalho de detalhar e

reorganizar as ideias. É papel dele, também, a escrita e a reescrita de tudo o

que ouviu, sempre buscando a melhor reinterpretação dessas memórias.

Rememoro os dizeres de Manguel (2007, p. 13):

No reino da narrativa, sinto-me um pouco mais à vontade, e uma vez que as histórias, ao contrário das formulações científicas, não esperam, e na verdade rejeitam respostas unívocas, posso perambular por esse território sem me sentir constrangido a dar soluções e conselhos. Talvez por isso essas conferências tenham alguma coisa de insatisfatório: ao fim e ao cabo, minhas questões seguem sendo questões. Por que buscamos identidade nas palavras e qual é, nessa busca, o papel do contador de histórias? Como a linguagem determina, delimita e amplia nossa imaginação do mundo? Como as histórias que contamos nos ajudam a perceber nós mesmas e os outros?[sic] Essas histórias poderiam conferir uma identidade, verdadeira ou falsa, a toda uma sociedade? E para

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concluir, as histórias serão capazes de mudar quem é e o mundo em que vivemos?

Sou um pesquisador movido pelos/nos pressupostos da pesquisa

narrativa, sinto-me à vontade, pois as experiências individuais e sociais,

entrecruzam nossos “eus”, permitindo-nos pensar-repensar-refletir sobre como

somos, quem somos e como vivemos neste mundo-líquido. De modo que

assumo um vínculo com os participantes, fazendo escolhas, construindo uma

história nossa, criando caminhos, pontes e pinguelas para/com o novo.

Lanço-me “nas águas do Menino do rio doce”, para compor

artesanalmente compreensões como os jovens universitários do Curso de

Direito narram suas experiências pessoais e formativas e como estas

são significadas a partir da entrada neste curso?

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2 AS PAISAGENS TEÓRICO-METODOLÓGICAS: PELOS RELEVOS

Já ao iniciar este capítulo, esclareço que o trabalho partirá, como

exposto anteriormente, das narrativas dos estudantes do curso de

Direito, com aproximações ao procedimento teórico-metodológico de

Clandinin e Connelly (2007).

Assim, o termo “Paisagens” é no sentido proposto por Clandinin e

Connelly (1995), isto é, uma metáfora ao espaço, ao lugar e ao tempo

em que o contexto está inserido e potencializam relacionamentos entre

as pessoas, os objetos e eventos.

E o que dá forma a uma experiência narrativa com aproximações

em Conelly e Clandinin (2000)?

Seguindo a metáfora utilizada pelos autores seria o Espaço

Tridimensional: os participantes, o lugar e o aspecto pessoal/temporal

das/nas histórias contadas, ditos como os componentes centrais.

2.1 MINHA PESQUISA: CONTEXTOS, PARTICIPANTES, CAMINHOS PERCORRIDOS E OS TEXTOS DE CAMPO.

O presente trabalho traz reflexões tecidas nos movimentos de

estudos e vivências com os jovens participantes da pesquisa, as várias

vozes, olhares e sensibilidades desse trabalho, contrapõe-se à

racionalidade técnica, (in)corporificando-se nas/pelas vidas dos jovens

pela narrativização, na plenitude e na boniteza da complexidade

existencial.

Assim entender quem são os jovens, como se veem, se

apresentam e se representam é o que demonstramos em “Nós somos

jovens: quem são os participantes”. Após, apresentarei o local que estes

jovens estudam o Curso Superior. A instituição de ensino que

oportunizou tal pesquisa, qual seja Universidade do Estado de Mato

Grosso, Campus Diamantino-MT. Entender o espaço-tempo de sua

constituição, legitimação e o enredo atual de suas práticas é

fundamental para compor o espaço tridimensional da Pesquisa

Narrativa.

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Por derradeiro, apontaremos os “Caminhos percorridos e

Contextos da Pesquisa”. Nesse ponto, vamos traçar como foi o percurso

para compor a pesquisa, antes, durante e após a ida e vinda do campo,

isto é, desde o convite para os participantes, a seleção de como melhor

proceder para produzir materiais documentados dos itinerários

vividos/experienciados, fundamentando as razões das escolhas e que

compuseram o textos de campo e os textos de pesquisa.

2.1.1 “Nós somos jovens”: quem são os participantes?

Neste momento, passo a descrever e narrar sobre cada um dos jovens

universitários participantes da pesquisa, para que essa riqueza memorialística

não se reserve ao consciente deste pesquisador e aos textos de campo ora

escritos. Antes disso, apresento uma tabela, com o pseudônimo de cada um

deles, a idade, local onde nasceram e a modalidade de ensino a que tiveram

acesso. Isso facilitará uma noção prévia a respeito de quem formou o corpus

desta pesquisa.

Quadro 1: Dados dos participantes

Nome

(Pseudônimo)

Idade Naturalidade Domicílio Modalidade

de ensino

Arthur 17 Nortelândia/MT Nortelândia/MT Pública

Pitty 18 São José do Rio

Claro/MT

São José do

Rio Claro/MT

Particular

Álvaro 18 Resplendor/MG Diamantino/MT Pública

Maria 18 Ibirubá/RS Diamantino/MT Pública

Joana 22 Rosário

Oeste/MT

Rosário

Oeste/MT

Pública

Lilian 22 Cuiabá/MT Diamantino/MT Pública

Fonte: Dados da pesquisa levantados pelo autor, 2015.

O primeiro participante é Arthur5, que se apresentou:

5Aqui, omitiu-se o nome verdadeiro do estudante, que doravante será identificado pelo

pseudônimo “Arthur”.

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Tenho 17 anos, nasci, fui criado e moro atualmente em Nortelândia – MT. Tive

uma infância normal, contudo, desde que me lembro, meus pais me incentivaram a criar o

hábito de leitura. Meu pai é formado em Ciências Contábeis (acho que está terminando a

pós graduação dele) e minha mãe estudou, somente, até o termino do ensino médio. Meu

pai espera que seus filhos estudem, passem em um concurso público (assim como ele) e

desfrute o resto da sua vida com sua esposa e filhos.

A segunda participante é Pitty6, que, naquela ocasião, apresentou-se:

[...] (risos), tenho 18 anos e nasci no dia 04/04/96 , sou uma ariana completa se ,

me enquadro em todos os quesitos do meu signo, sou mandona, apaixonada intensamente

por tudo que faço, teimosa e cabeça dura . Nasci em São José do Rio Claro onde vivo

atualmente, minha mãe é enfermeira, uma das primeiras enfermeiras padrão de São José

, nasci e cresci aqui, sou filha única e sempre tive uma relação muito boa e clara com

minha mãe, ela sempre converso muito comigo em relação ao que é certo e errado, sexo,

drogas e entre outros assuntos, sempre confiando em mim e não me proibindo de nada

dando apenas escolhas e me mostrando as consequências, acho que fiz a maioria das

escolhas certas graças as orientações dela .

O terceiro participante é Álvaro7, que assim se definiu:

Meu nome é Álvaro, tenho 18 anos. Nasci na cidade de Resplendor/MG, no dia 25

de abril de 1996. Minha infância foi dividida em dois países: Estados Unidos e Brasil.

Nos Estados Unidos passei 4 anos da minha infância, dos 4 aos 8 anos. No Brasil,

passei uma parte da minha infância em Resplendor, minha terra natal, e mudei para

São José do Rio Claro, cidade na qual vivo hoje.

Meu pai é proprietário de uma fazenda e é agropecuário e minha mãe é dona de

casa. Ambos só estudaram até a quarta série. Meus pais sempre falaram que é para eu

estudar para ter uma vida diferente da que eles tiveram. Sempre tive muito contato com o

6 Aqui, omitiu-se o nome verdadeiro da estudante, que doravante será identificada pelo pseudônimo

“Pitty”.Segundo a participante o nome é “[...] por causa da cantora... é minha referência. Sei todas dela, gosto, é bem profunda, doidinha como eu, num bom sentido neh...(risos). Sabe as músicas dela? Pulsos, Sete Vidas, Me adora, Memórias, Boca Aberca e claro. tem Teto de Vidro. 7 Aqui, omitiu-se o nome verdadeiro do estudante, que doravante será identificado pelo pseudônimo

“Álvaro”.

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campo, sempre gostei dessa vida de fazenda, mas gosto para passear e não me vejo, de

jeito nenhum, cuidando dessas coisas no futuro. Eu gosto é da cidade, gosto de tecnologia,

de ter tudo por perto e na fazendo isso não dá.

A quarta participante é Maria8.

Meu nome é Maria9, tenho 18 anos. Nasci em Ibirubá, no Rio Grande do Sul. Sou

uma pessoa dedicada, inteligente, amiga, estudiosa e perfeccionista. Atualmente moro em

Nova Mutum, no qual passei minha infância inteira. Foi uma fase maravilhosa que

infelizmente passou muito rápido. Fui uma criança muito brincalhona e estudiosa desde

cedo. Lembro que gostava muito de fazer as tarefas e quando terminava, minha mãe

deixava eu brincar à vontade. Ela me conta que eu tinha amigas imaginárias, que sempre

falava com elas pelo telefone. Eu amava brincar de boneca, até roupas eu fazia pra elas,

acredita? (risos)

Meu pai tem 46 anos, ensino fundamental incompleto, trabalha em uma fazenda

há 25 anos. Minha mãe tem 39 anos, ensino médio completo, trabalha administrando os

imóveis que possuímos para alugar. Sei que a vida do meu pai não é fácil e minha mãe

também corre atrás para nos proporcionar uma vida melhor. Meus pais se esforçam

muito para dar um futuro melhor para mim e meu irmão mais novo (14 anos).

A quinta participante é Joana10:

Meu nome é Joana, tenho 22 anos. Nasci e cresci na cidade de Rosário Oeste, onde

passei toda a minha infância. A cidade é pequena, mas fui tão feliz lá, que até me

emociono quando lembro da minha infância. Qual a preocupação que uma criança tem,

professor? Comer, estudar e dormir? (risos)

Pra mim, ser filha de professora era quase um peso, uma estigma, acredita? A

impressão que eu tinha era de que todos podiam errar, menos eu. O povo logo falava

“Nossa! A filha da professora não fez a tarefa? Sua mãe sabe disso? Eu era apenas

uma criança, a professora era minha mãe e não eu. Isso me chateava, de verdade. Como

8 Pseudônimo.

9 Pseudônimo.

10 Pseudônimo.

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disse, sou filha de professora e meu pai é técnico em contabilidade. Pelo fato de minha

mãe ser professora, com relação aos estudos sempre foram muitos rígidos quanto ao

nosso aprendizado, pois não aceitava de forma alguma que reprovássemos.

Por fim, a sexta participante é Laís11:

Meu nome é Laís. Estou com 22 anos e nasci em Cuiabá/MT, em 05/10/1992.

Tenho dois irmãos gêmeos, ambos com 27 anos. Passei o início da minha infância em

Cuiabá, mas logo minha família e eu nos mudamos para Rondonópolis/MT. Lá estava

boa parte de minha família materna e a família do meu pai é toda de São Paulo. Hoje

sou formada em Letras e estou cursando Direito já como segunda graduação.

Sou filha de uma professora aposentada da rede pública estadual. Quando

trabalhava, minha mãe lecionava as disciplinas de História, Ensino Religioso e Artes. Já

meu pai – que também era professor – ministrava aulas de Biologia e Matemática

também na rede estadual. Minha mãe começou a trabalhar muito cedo e, aos 48 anos já

estava aposentada. Meu pai também iniciou precocemente, mas, devido a um problema de

saúde, meu pai foi perdendo a audição, teve de ser afastado da sala de aula e passou a

trabalhar na biblioteca da escola onde lecionava. Por isso, acabou se aposentando

recentemente, já aos 65 anos de idade. Me lembro de sair da minha escola, que era perto

da escola onde ele trabalhava, ir até ele e sempre o via com livros na mão, pois gostava

muito de ler. Ele adorava me contar sobre a história política do Brasil e sobre alguns

personagens da literatura universal e brasileira.

Os seis participantes da pesquisa estudam o Curso de Direito, nos

primeiros semestres do curso, já que esta pesquisa iniciou no ano de 2014.

Julgo importante frisar que os alunos, ora participantes da pesquisa, já

foram alunos do pesquisador, acredito que tal informação é importante, pois

convivendo ao longo do semestre como professor a proximidade é maior,

beneficiando de tal modo à pesquisa narrativa, na medida em que outras

histórias já vividas compõem outras tessituras para a constituição desta.

11

Pseudônimo

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Os participantes da pesquisa vivem no interior do Estado de Mato

Grosso, em pequenas cidades próximas ao local da universidade ou na própria

cidade de Diamantino-MT, conforme quadro anterior.

Figura 3: Jovens universitários no prédio do Curso (Diamantino-MT)

Fonte: Foto produzida pelo autor no de maio de 2015.

2.1.2 Local da Pesquisa e a História Institucionalizada do Curso de Direito

na UNEMAT em Diamantino

Ponto que merece destaque é que nosso local de pesquisa, a cidade

de Diamantino-MT, é composta em sua história da migração de pessoas de

diferentes estados e cidades. No campo educacional, torna-se um polo

educacional atendendo a várias cidades. Por essa razão, vemos que alguns

dos participantes da pesquisa residem em cidades próximas e realizam seus

estudos universitários na cidade de Diamantino-MT.

Tal fato demonstra a carência e o importante papel que a Universidade

pública tem para com a região, elevando as possibilidades da população.

Diamantino é uma cidade localizada no interior do Estado de Mato

Grosso, distante a 204 quilômetros de capital Cuiabá-MT, com uma população

de 19.206 habitantes, conforme dados do IBGE/2010.

O Curso de Direito na região detém de um prestígio e boa concorrência

no vestibular, conforme dados oficiais da universidade. Foi autorizado pelo

Ministério da Educação (Portaria 1.817/2001) à União de Ensino Superior de

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Diamantino, mantenedora da Faculdade de Ciências Sociais e Aplicadas de

Diamantino – UNED, hoje, encampado12 pela UNEMAT e reconhecido junto ao

CEE/MT – Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso, por meio da

Portaria n.º 024/2013 GAB/CEE/MT publicada no DOE – Diário Oficial do

Estado de Mato Grosso em 10 de setembro de 2013.

Conforme dados levantados no campus e nos documentos oficiais,

enquanto União de Ensino Superior de Diamantino (mantenedora da Faculdade

de Ciências Sociais e Aplicadas de Diamantino – UNED), foi aprovado o

Projeto Político Pedagógico do Curso de Direito em 30 de junho de 2006,

considerando as alterações propostas pela Resolução CNE/CES Nº 9, de 29

de setembro de 2004 da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional

de Educação do Ministério da Educação, no que concerne às novas Diretrizes

Curriculares Nacionais e, entendendo que o Projeto Político Pedagógico do

curso de graduação em Direito deveria refletir uma dinâmica que atendesse

aos diferentes perfis de desempenho a cada momento exigido pela sociedade.

O Projeto Político Pedagógico do Curso- PPC- de Bacharelado em

Direito da Universidade do Estado de Mato Grosso-UNEMAT, Campus de

Diamantino – “Francisco Ferreira Mendes” – 2014/2, observa os preceitos da

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n.º 9.394/1996), das

Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito,

Bacharelado e da Resolução CNE/CP n.º 02/2007, que instituiu a duração e a

carga horária dos cursos de bacharelado. Atende à Resolução de nº 054/2011

do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UNEMAT, bem como à

Resolução 003/2007 do Ministério da Educação.

O Curso de Direito está instalado no Campus Universitário de

Diamantino tendo a sua disposição salas para o seu funcionamento. Uma sala

é utilizada para a Coordenação do Curso. A diretoria da Faculdade de Ciências

Sociais e Aplicadas está instalada junto à Coordenação do Campus. A matriz

curricular está baseada em 20 semanas por semestre, com 28 aulas por

semana, 4 aulas diárias, de segunda a sexta-feira das 19:00h às 23:00h e aos

sábado das 8:00h às 12:00h, das 13:30h às 17:30h, das 19:00h às 23:00h,

12

A Unemat/Diamantino originou-se da encampação da Faculdade de Ciências Sociais e Aplicadas de Diamantino (Uned),isto é aquisição do Poder Público da instituição privada.

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conforme acordo formalizado entre docentes e acadêmicos. O curso será

integralizado em no mínimo dez semestres e, no máximo, em 16 semestres.

O currículo do Curso compreende as disciplinas da Unidade I –

Formação Geral e Humanista com 600 horas; Unidade II – Formação

Específica Profissional com 2.520 horas; e, Unidade III – Formação

Complementar – Eletivas Obrigatórias com 600 horas, totalizando 3.720 horas.

Acrescidas 300 horas de Estágio Supervisionado (Prática Jurídica), oferecidas

no NPJ – Núcleo de Prática Jurídica, além da exigência de 250 horas de

atividades complementares.

Conforme Projeto Político Pedagógico do Curso, optou-se pela utilização

tanto da aula debate, da aula com desenvolvimento de trabalhos, quanto da

técnica de aula expositiva, nas suas formas participativa e dialógica, sem

prejuízo da utilização, por parte do professor, de todas as demais técnicas que

visem ao desenvolvimento do raciocínio e à construção do conhecimento. Em

todas as modalidades, incentivar-se-á, sempre, o desenvolvimento das

habilidades de construção crítica do conhecimento. Para tanto, será também

incentivada a realização de atividades em grupo e seminários.

Ainda, vê-se que pelos documentos e regimento, há uma preocupação

para com as atividades de ensino, mencionando que esta deverá privilegiar a

compreensão interdisciplinar do fenômeno jurídico. No que se refere à prática

jurídica, são desenvolvidas atividades práticas, individuais, em pequenos

grupos e em grupos maiores, dependendo da atividade específica, oferecidas

no NPJ.

A extensão no Curso de Direito está vinculada a diversos aspectos, em

especial, à pesquisa e às atividades complementares. Nesse sentido, o curso

manterá, entre outras atividades, uma programação regular de eventos e

serviços.

Dessa forma, as atividades de extensão desenvolvidas dirigem-se à

comunidade e aos próprios alunos e professores do Curso de Direito,

mantendo integração com o ensino e com a pesquisa. Todas as atividades de

extensão deverão plenificar o diálogo de saberes entre a Instituição e a

comunidade.

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O curso de Direito do Campus de Diamantino oferece anualmente 80

vagas que são distribuídas em duas turmas semestrais uma que inicia suas

atividades no primeiro semestre do ano e a outra no segundo.

Sobre os docentes, importante mencionar que nunca aconteceu o

concurso público para o campus de Diamantino-MT, de modo que apenas dois

docentes são concursados, efetivos, os demais são contratados

temporariamente. Do total de 21 docentes, apenas cinco são mestres e outros

estão nos estudos da pós-graduação. Tais dados implicam para as ações de

extensão e pesquisa e a dedicação exclusiva dos professores. Veja o quadro

abaixo:

Quadro 2: Qualificação dos Professores do Curso

QUADRO DE QUALIFICAÇÃO CORPO DOCENTE

Docentes Graduação Mestrado

Instituição Área Instituição Área

P1 ANHANGUERA Direito

P2 UNIC Direito

P3 ANHANGUERA Direito

P4 UNIC Direito

P5 UNED Direito

P6 UNED Direito

P7 UNED Direito

P8 UNIMAR Direito

P9 UNISINOS Direito

P10 UNED Direito

P11 UNED Direito

P12 UNEMAT Economia UFMT Agronegócio e Desenvolvimen

to Regional

P13 UNEMAT Direito

P14 UFMT Pedagogia UFMT Educação

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P15 UNEMAT Letras UFMT Geografia

P16 UFG Filosofia UFMT Educação

P17 UNED Direito

P18 UNIC Letras

P19 UNIMAR Direito UNIMAR Empreendimentos

Econômicos

P20 UNED Direito

P21 UNIC Direito

Fonte: Dados levantados pelo autor em 2014, UNEMAT; P= Professor

Historicamente, a UNEMAT tem tradição em encampar instituições

privadas. No Brasil, acontece a interiorização do ensino superior público, em

busca de atender as populações mais distantes das capitais, de modo que no

Estado de Mato Grosso houve um processo de crescimento educacional das

universidades públicas nas últimas décadas exercitando ações expansionistas,

tudo impulsionado pelo processo neoliberal de desenvolvimento do Estado em

busca de novos profissionais e novas frentes de mercado.

Pelo processo histórico, vê-se que as tensões, os embates, as pressões

sociais, econômicas, políticas implicadas pela globalização, mantença do

poderio político e necessidades de conhecimentos permearam a expansão,

fortalecimento e o desenvolvimento de Mato Grosso (GIANEZI, 2009).

É neste contexto que há a expansão da UNEMAT, que faz, em 2015, 37

anos de atuação. Nos últimos cinco anos, o Curso de Direito era ofertado

apenas na sede, em Cáceres e agora é ofertado também nos campi de Alta

Floresta, Barra do Bugres, Pontes e Lacerda e Diamantino.

Assim, após historiar um pouco sobre a instituição, o local, em que

vivemos e convivemos, experimentamos e experienciamos. Com nossos

participantes, a primeira pergunta que vem em minha mente é como se

apresenta o cenário da Educação Superior e Jurídica no Brasil. Vejamos no

próximo item.

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Figura 4: Paisagens do Curso de Direito, no Campus de Diamantino-MT

Fonte: O autor, 2014

2.1.3 Caminhos percorridos na/da pesquisa

.

Realizei o convite para jovens universitários dos primeiros semestres

do Curso de Bacharelado em Direito (do primeiro ao segundo semestre). O

convite foi feito pessoalmente nas salas de aula, após prévia autorização da

Direção do Campus da UNEMAT, em Diamantino-MT.

Realizado o convite, todos os participantes da pesquisa assinaram o

termo de consentimento livre e esclarecido, pois deveriam ter ciência de todo o

itinerário da pesquisa. Após os dois primeiros encontros, de treze participantes

restaram apenas sete, dos quais apenas seis efetivamente participaram de

toda a pesquisa.

Instigante na pesquisa narrativa que há latente interação entre o

pesquisador e os participantes, respeitando a individualidade de cada ser que

vivencia e experiencia na pesquisa.

Nesse sentido, Carrano (2002) fala da importância de se trabalhar com

as trajetórias escolares, em quaisquer níveis, uma vez que ainda são raras tais

abordagens que demonstram as condições de experimentação da vida

universitária após o ingresso.

Sobre os caminhos percorridos e textos de campo utilizados, optamos

por conceituá-los como todos os materiais documentais produzidos pelo

pesquisador e/ou participantes da pesquisa, uma vez que não são dados

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encontrados ou descobertos, são criados, formando os componentes da

Pesquisa Narrativa - Espaço Tridimensional da Pesquisa.

Assim, os textos de campo utilizados foram:

-Questionário semiestruturado elaborador por mim e respondido pela

Administração e professores do Curso de Direito, apenas para conhecer a

instituição e os colaboradores (professores);

-Sessões e conversas narrativas- momento em que todos tiveram

oportunidade de contar suas experiências de vida, dentro e fora da

universidade. Aqui entendido como o contar histórias, o narrativizar, seriam os

diálogos vivos, entre eu pesquisador e os envolvidos na pesquisa, assumindo a

qualidade de conversa por escrito, pelos encontros pessoais entre os grupos,

bem como de modo individualizado. Assim, foi utilizado um gravador no intuito

de ter maior liberdade, flexibilidade e igualdade entre os envolvidos, além de

tais sessões serem transcritas;

-Diários de Registros do Pesquisador, nos quais relatei minhas

impressões, experiências, sensações, tensões ao final de cada encontro com

os participantes diretos e indiretos da pesquisa. Na perspectiva de May Sarton

(1982) e Connelly e Clandinin (2011, p. 145) os diários “[...] são uma maneira

de descobrir onde eu realmente estou”, são encontros com seres humanos

e/ou lugar que tem significação, “dando conta” de refletir sobre as experiências

entrelaçadas a um espaço/tempo, nos movimentos interno, externo, para frente

e para trás;

-Notas de campo- escritos por mim, pesquisador. Entendo que tais

notas “[...]são as formas mais importantes que temos de registrar os

pedacinhos de nada que preenchem nossos dias” (CONNELLY; CLANDININ,

2011, p.147), de modo que podem ser escritas “com mais ou menos” detalhes

e interpretações, demonstrando a relação com os participantes;

-Narrativas Digitais- foi enviado convite para cada participante integrar

um Grupo do WhatsApp, em que pudessem escrever sobre suas memórias,

trajetórias e reflexões que permearam o antes e o depois da entrada no Curso

de Direito e nesta pesquisa, bem como maior interação entre o pesquisador e

os participantes.

Narrativas digitais é tema emergente nas pesquisas educacionais,

ainda mais quando se trata de rede social, como o WhatsApp. Santos (2013, p.

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9) arremata que o WhatsApp é rede social, um aplicativo de mensagens,

servindo-se ´para “comunicar e interagir com o outro”, acessível em rede wifi,

no qual pela multiplataforma podem ao mesmo tempo enviar e receber

mensagens de textos, áudios, vídeos e imagens.

De tal modo, nosso intuito, em ambiente virtual rotulado como informal,

é oportunizar discussões, diálogos, de forma livre, a assuntos relacionados à

nossa pesquisa, durante a conversação.

Assim, “negociando”, estudando e compreendendo o contexto das

Pesquisas Narrativas, resolvi lançar luzes ao desconhecido tema, e como as

vivências demonstraram que os participantes são jovens conectados aos

recursos midiáticos (celulares, computadores e outros meios), fui atraído pelos

possíveis cenários.

Pois bem, o termo “Narrativa Digital” é poroso, já que está em

construção, agregando toda pesquisa em meio digital, pelos contextos

tecnológicos e midiáticos.

Em uma sociedade que troca informações, conhecimentos, saberes

pelas vivências nas/pelas redes sociais, novas sociabilidades, percebemos o

riquíssimo acervo pessoal pelas/nas histórias digitais. É mais um espaço para o

processo identitário, para historiar e ativar a memória, mesmo se

considerarmos as redes sociais como um mosaico, fragmentos de nossas

identidades, nossas verdades, nossas faces de ser humano (MURRAY, 2003,

p. 155).

Esse ciberespaço transforma-nos em “metamorfose ambulante” no que

diz respeito ao tempo-espaço e a narrativização dos nossos “eus”, da sua vida

e experiência do cotidiano. A respeito disso, explicita Lévy (1996, p. 22-23):

[...] cada ‘máquina’ tecnossocial acrescenta um espaço-tempo, uma cartografia especial, uma música singular a uma espécie de trama elástica e complicada em que as extensões se recobrem, se deformam e se conectam, em que as durações se opõem, interferem e se respondem. A multiplicação contemporânea dos espaços faz de nós nômades de um novo estilo: em vez de seguirmos linhas de errância e de migração dentro de uma extensão dada, saltamos de uma rede a outra, de um sistema de proximidade ao seguinte [...]

Decididamente, o WhatsApp é mais uma maneira de se produzir um

texto escrito na sua fusão com as outras linguagens, algo que transforma a

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escrita e os seus potenciais, possibilitando novas visões, novos sentidos com

essa juventude em meio às vidas.

Ademais, sobre os instrumentos e textos de campo, convém registrar

que utilizarei como Caminhos Percorridos de pesquisa, fotos, livros e outros

objetos que despertem o rememorar das histórias de vida e experiências dos

jovens universitários ao longo de sua formação.

Assentado na concepção teórica de Ely e outros (2001), a análise dos

textos de campo será realizada pelas lentes da composição de sentidos às

experiências vividas, sendo certo que a análise das histórias perpassa pela

maneira de esse pesquisador ser e estar no mundo, seu processo identitário,

sendo uma escolha libertária de como pinçar, contar, significar, atribuir sentidos

ao vivenciado e ao experienciado.

Após compor sentidos aos textos de campo, temos então os textos de

pesquisa, momento em que todos os participantes serão convidados para

colaborativamente compor sentidos, reescrever, retirar, adicionar e sugerir

sobre o processo de elaboração dos textos. Isso porque acredito na intimidade

desse percurso metodológico da pesquisa narrativa, nos movimentos de “ir e

vir”, em que falando da vida com o outro e do outro, não se pede licença para

revisitar, por isso ao citar Laie (1993, p. 43), Clandinin e Connelly (2011, p.

223) ponderam:

Os eventos em nossa vida, os espaços em que já estivemos e as pessoas que conhecemos continuam a fazer parte de nossas histórias de vida. Nossa vida é um longo romance e ao chegarmos a metade de nosso livro, percebemos que nunca escaparemos de nossas primeiras páginas, quando as luzes foram acessas para toda a vida, quando o mundo se torna um espaço de intimidade e todos os seus habitantes são conhecidos por seus nomes. Todos estão na dança e têm suas mãos estampadas nesse caminhar. Todos podem retornar a nossas vidas sem pedir licença, sem aviso e a qualquer momento pretendido.

Segundo Jovchelovitch e Bauer apud Bernardo (2015, p. 66), a

entrevista narrativa pode ser entendida como uma forma de entrevista não

estruturada, mas com profundidade, por ter características específicas. Isso se

deve ao fato de que esse tipo de entrevista não corresponde àquelas formas

preestabelecidas de se compor o gênero, com o segmento pergunta X

resposta. Ao contrário, essa modalidade de entrevista faz uso de um tipo

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específico de comunicação cotidiana, ou seja, nela se conta e se escuta uma

história a fim de se alcançarem objetivos propostos com a pesquisa que se vale

dessa metodologia.

Bertaux apud Bernardo (2015, p. 67) entende que a entrevista narrativa

é um meio de produzir dados para a pesquisa de abordagem biográfica, uma

vez que, segundo ele, a forma mais eficiente de se obterem narrativas de vida

e formação se dá por meio da entrevista narrativa.

Nessa modalidade de entrevista, as questões acabam por servir aos

interesses do pesquisador, com o intuito de que as provocações feitas por eles

gerem narrações dos participantes da pesquisa. Nelas, a ideia é sempre

permitir que o participante siga com sua narrativa, é preciso deixar que ele

conte a sua história da forma mais espontânea possível.

Nessas entrevistas, em regra, o pesquisador faz perguntas que abrem

espaço para uma longa conversa com o entrevistado, de modo que ele consiga

contar sua trajetória pessoal e de formação.

Explicada a metodologia da pesquisa narrativa – associada à técnica

das entrevistas narrativas – passamos agora a considerar a importância da

Experiência, Juventude, Universidade e Educação Jurídica e os pressupostos

teóricos da Pesquisa Narrativa para o presente estudo.

2.2. AS EXPERIÊNCIAS: UM PANORAMA TEÓRICO

Naquele dia, no meio do jantar, eu contei que tentara pegar na bunda do vento — mas o rabo do vento escorregava muito e eu não consegui pegar. Eu teria sete anos. A mãe fez um sorriso carinhoso para mim e não disse nada. Meus irmãos deram gaitadas me gozando. O pai ficou preocupado e disse que eu tivera um vareio da imaginação. Mas que esses vareios acabariam com os estudos. E me mandou estudar em livros. Eu vim. E logo li alguns tomos havidos na biblioteca do Colégio. E dei de estudar pra frente. Aprendi a teoria das idéias e da razão pura. Especulei filósofos e até cheguei aos eruditos. Aos homens de grande saber. Achei que os eruditos nas suas altas abstrações se esqueciam das coisas simples da terra. Foi aí que encontrei Einstein (ele mesmo — o Alberto Einstein). Que me ensinou esta frase: A imaginação é mais importante do que o saber. Fiquei alcandorado! E fiz uma brincadeira. Botei

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um pouco de inocência na erudição. Deu certo. Meu olho começou a ver de novo as pobres coisas do chão mijadas de orvalho. E vi as borboletas. E meditei sobre as borboletas. Vi que elas dominam o mais leve sem precisar de ter motor nenhum no corpo. (Essa engenharia de Deus!) E vi que elas podem pousar nas flores e nas pedras sem magoar as próprias asas. E vi que o homem não tem soberania nem pra ser um bentevi.(BARROS, p.19, 2008)

Com as palavras de Manoel, reflito sobre a liberdade, a leveza,

restando este caminhante desatado, desenfaixado, sem moldes preconcebidos,

deslizando silenciosamente por este espaço-tempo em que nenhuma palavra

assentou, pergunto-me: _ A Educação, em uma concepção mais fluída, liberta,

é vida?

Sim, vida intensa, latente, carregada de experiências, expectativas,

realizações, caminhos, movimentos de evocar/invocar tudo que foi trilhado nas

vidas dos seres humanos.

Sob esse ângulo, é vital para as pesquisas educacionais, em especial

aquelas que trabalham com o recorte teórico-metodológico da Pesquisa

Narrativa, o estudo sobre as Experiências Pessoais e Formativas dos atores

envolvidos no complexo educativo, como é o caso dos participantes da

pesquisa, os jovens.

Na contemporaneidade é importante ampliar as visões sobre as

dimensões das experiências humanas, com lentes que amplificam os fatos

corriqueiros, o fazer (-se) do/no cotidiano, já que pelo lapidar do passado no

presente, interrelacionam intensas reflexões, saindo do que lhe é

predeterminado, imposto, neste sistema de injustiças sociais, desvalores,

desméritos, da opressão da “sociedade de risco”, moderna-líquida, que,

fatalmente, míngua as experiências pessoais e formativas. (BAUMAN, 2007, p.

8)

Alicerçado em Benjamim, fico com a autora Bragança (2011, p.158),

que nos ensina que “[...] todos espaços e tempos da vida são espaços e

tempos de formação, de transformação humana.”. Entendo que é preciso dar

lugar e vez para os movimentos experienciados que provoquem uma ruptura

ao que acontece na contemporaneidade, do imediatismo, no acelerar do

consumismo.

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Quem é que vai cedo ao trabalho e fica até a noite e naquele tempo-

espaço já contemplou o anoitecer, o repouso dos pássaros ou apenas a

chegada e a partida de colegas dos outros turnos? Quantas vezes sentamos

em uma praça para ver o trânsito em que todos os dias estamos inseridos?

Quem tem tempo para dialogar demoradamente com um idoso, seus vizinhos,

seus colegas de trabalho?

Em minhas experiências, muitas vezes, não sabia se lá fora já tinha

anoitecido, no frenético ritmo capitalista, das metas às exigências dos

superiores hierárquicos. Quem, quem arriscaria o pão (o ter) nosso de cada

dia?

Minamos a dimensão kairológica e nos amarramos ao tempo

cronológico, são relações fugazes, sem sentidos, voláteis, despercebidas de

sentidos, de unidade e continuidade. Daí a dualidade entre a vivência e a

experiência, conforme as reflexões propostas por Bragança (2011, p. 158):

De acordo com Benjamim (1993) encontramos uma contraposição entre vivência e experiência: enquanto a vivência é pontual e efêmera, a experiência é o que nos mobiliza, toca-nos, nos afeta; portanto, tem um potencial transformador, traz a força do coletivo, da participação do outro e tem a marca de uma abertura polifônica por seus múltiplos sentidos e leituras.

Vejo a polifonia no caminhar desta pesquisa, já que os

movimentos de recriação, ressignificação e (re) construção feita pelos

participantes, mediados pelos sistemas simbólicos, demonstram

representações de suas histórias, seus quereres, suas experiências e

vivências. Nesse sentido, a experiência é componente central, já que

esta “[...] que passa de pessoa em pessoa é a fonte a que recorreram

todos os narradores”. (BENJAMIN, 1993, p. 198).

Assim, como pesquisador narrativo interessado em pessoas e na vida

destas e “[...] como elas são compostas e vividas é o que nos interessa

observar, participar, pensar sobre, dizer e escrever sobre o fazer e o ir e vir de

nossos colegas, seres humanos” (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 22).

Portanto Experiência é “ponto inicial e termo chave”, já que “experiência e vida

estão inextricavelmente inter-relacionadas” (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p.

24).

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Seguindo os entendimentos da filosofia do conhecimento de John

Dewey a vida é entendida como toda experiência do indivíduo e/ou da espécie,

de sorte que “ [...] compartilhar a experiência é o maior dos bens humanos”

(DEWEY, 1972, p. 202). Para Dewey o início de todo raciocínio é a experiência.

É nesse (com)partilhar que vemos que a Experiência detém de caracteres

ativos-passivos, da ação e do subsequente, do que nos acontece, nos toca:

Agora a experiência converte-se em coisa primariamente ativa. O organismo não se queda parado, [...] sempre a espera de algo fortuito; não permanece passivo e inerte, aguardando que alguma coisa o impressione desde o exterior; pelo contrário, age sobre o meio ambiente, de acordo com sua própria estrutura, simples ou complexa. Em consequência, as mudanças produzidas no meio ambiente reagem sobre o organismo e sobre suas atividades, de sorte que o ser vivente experimenta as consequências do seu próprio comportamento. Esta conexão íntima entre agir e sofrer ou arrostar constitui aquilo que denominamos experiência. (DEWEY, 1959a, p. 104).

Sob este prisma, podemos dizer que Experiência são as histórias que

as pessoas vivem (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 27).

Experiência é um termo chave nessas diversas pesquisas. Para nós Dewey transforma o termo comum, experiência, de nossa linguagem de educadores, em um termo de pesquisa e, assim, nos dá um termo que permite um melhor entendimento da vida no campo da Educação.

A partir e além de tais perspectivas, entendo que Experiência deve ser

entendida como “ [...] o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca.

Não o que se passa, não o que acontece, ou que toca” (LARROSA, 2002, p.

21). Pondero, ainda, que é “[...] algo que nos acontece e o modo como lhe

atribuímos ou não um sentido [...] (LARROSA, 2002, p. 27), portanto é algo

singular, particularizado, pois são experienciados cada um a sua maneira, já

que pela subjetividade o que é comum para mim pode não ser pra o outro.

Nesta esteira, Larrosa (2002) colaciona componentes fundantes da

noção de experiência e dois merecem ser destacados, quais sejam: dimensão

de travessia e de perigo. Estes podem ser verificados pela semântica da

palavra, conforme ensina Larrosa (2002, p. 25):

A palavra experiência vem do latim experiri, provar (experimentar). A experiência é em primeiro lugar um encontro

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ou uma relação com algo que se experimenta, que se prova. O radical é periri, que se encontra também em periculum, perigo. A raiz indo-européia é per, com a qual se relaciona antes de tudo a ideia de travessia, e secundariamente a ideia de prova. Em grego há numerosos derivados dessa raiz que marcam a travessia, o percorrido, a passagem: peirô, atravessar; pera, mais além; peraô, passar através; perainô, ir até o fim; peras, limite. Em nossas línguas há uma bela palavra que tem esse per grego de travessia: a palavra peiratês, pirata. [...] Em alemão, experiência é Erfahrung, que contém o fahren de viajar. E do antigo alto-alemão fara também deriva Gefahr, perigo, e gefährden, pôr em perigo.

Enquanto sujeitos das experiências, imersos no mundo globalizado em

que cada dia é mais raro um tempo para observar, olhar, perceber e perceber-

se, com atenção e paciência, tanto pela inundação de informações e opiniões,

excesso de trabalho e escassez do tempo, ficamos reféns, pois “cada vez mais

tempos menos tempo”, [...] a falta de silêncio a e de memória são inimigas

mortais da experiência.” (LARROSA, 2002, p. 23).

Mas ansiamos pelo aprimoramento do nosso ser, de nossa existência

e como sujeitos que não se definem “ [...] por sua atividade, mas por sua

passividade, por sua receptividade, por sua disponibilidade, por sua abertura”

(LARROSA, 2002, p. 24), de modo que se deve dar sentido ao nosso ser e ao

que nos acontece, expondo ao novo, criando um tempo para a devida atenção

ao que passa e transpassa pelas novas retinas, pelos nossos sentidos. Mais

uma vez, Larrosa (2002, p. 24) assevera:

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.

Assim, como pesquisador, juntamente com os jovens universitários

participantes, quero olhar mais e melhor, vagarosamente, aos que nos passa e

transpassa, compondo sentidos para os fios que a tela da vida de cada

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participante se corporifica, colocando-me como sujeito de minha experiência e

oportunizando vivências e experiências em um ciclo espiral de continuidade.

Ao se falar em experiência, é sempre necessário trazer à discussão a

visão de Dewey, uma vez que amplos foram seus estudos acerca do tema, em

especial no que diz respeito às diferentes visões críticas sobre o assunto.

Antes de mais nada, é importante refletirmos sobre as concepções

teóricas aqui usadas, pois, ao tratar de Experiências, dialogamos com as

conceituações trazidas por Dewey e Larrosa.

Os autores citados acima têm pontos de vista distintos, tanto na

dimensão filosófica como a própria concepção de Experiência. No entanto, o

exercício aqui proposto é de um diálogo que demonstre o conceitual de cada

um para Experiência, todavia denote as confluências entre as percepções de

Dewey e Larrosa.

Dewey (1997) e Larrosa (2002) argumentam a favor do papel

“formador” da experiência, importante para a constituição do sujeito e a

protagonização do sujeito que são elementos visíveis nos escritos dos dois

teóricos. Note que em Dewey (1997) há a ideia de “educação como construção

e reconstrução da experiência”, em Larrosa (2002), tem-se o “acontecimento

da experiência”.

Ademais, advogam-se pelo entendimento de que experienciar é viver

determinadas condições possibilitadoras para que a experiência efetive-se.

Para Dewey (1972), a experiência significa preservar, por meio da

memória, o resultado líquido daquilo que as pessoas fazem e sofrem na

multiplicidade do particular, uma preservação que trabalha com a habilidade

positiva de manter práticas futuras e de promover o sucesso em novas

situações.

Nesse sentido, a filosofia teria se originado na tentativa de reconciliação

de duas formas diversas de pensamento, porém, em momento algum ocorreu

de forma justa e equilibrada. Longe disso, a filosofia já surgiu dualista, de modo

a representar, pelo rigor metafísico, a sociedade hierarquizada de seu tempo.

Seria a razão a responsável por todo o significado, idealidade e propósito na ou

da experiência (DEWEY, 1972).

Assim, a noção de experiência, desde pronto, atrelou-se à atividade

científica e ao método experimental, que daria origem ao controle do homem

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sobre a natureza e, consequentemente, progresso material. Nessa esteira, a

filosofia moderna estabeleceu suas bases com a substituição do [...] “idealismo

baseado na metafísica da antiguidade clássica por um idealismo baseado na

epistemologia, ou teoria do conhecimento” (DEWEY, 1959b, p.78)

Logo, para a filosofia, não é possível confiar na experiência como base

sólida para as crenças e guia para a conduta, uma vez que não se deve

acreditar na experiência de forma alguma, visto que ela engana. Tal visão se

deve ao fato de a filosofia acreditar que há uma razão fora e acima da

experiência.

No entanto, crítico dessa visão, Dewey (1959b, p. 109) buscou rebater

tal ideia. Considerando sua perspectiva, é possível entender que, segundo ele,

a “experiência é o poder libertador”, já a razão, “é o fator conservativo e

escravizador do espírito”.

Nesse contexto, afastava-se cada vez mais do dualismo defendido

pela filosofia, de sorte que o pensar ou a “[...] reflexão é o discernimento da

relação entre aquilo que tentamos fazer e o que sucede em consequência.

Sem algum elemento intelectual não é possível nenhuma experiência

significativa”. (DEWEY, 1959, p. 158)

Assim, segundo Dewey (1959b, p. 159):

[...] pensar é o esforço intencional para descobrir as relações específicas entre uma coisa que fazemos e a consequência que resulta, de modo a haver continuidade entre ambas. Desaparece seu isolamento, e, por conseguinte, sua justaposição puramente arbitrária: e toma seu lugar uma situação unificada a desenvolver-se.

Ainda para Dewey (1972, p. 37):

Uma experiência é o que é, porque uma transação está ocorrendo entre um indivíduo e o que, ao tempo, é o seu meio [...]. O meio ou o ambiente [...] é formado pelas condições, quaisquer que sejam, em interação com as necessidades, desejos, propósitos e aptidões pessoais de criar a experiência em curso.

Além disso, para Dewey (1972, p.199), cristalinas são as conexões entre

o termo lockeano observação e o termo platônico memória, visto que, sob a

influência de Bacon, Locke ligou o conhecimento à experiência por meio das

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sensações empíricas, como ver, tocar, pegar e sentir – que residiam na

observação da natureza no empirismo idealista de Locke.

Na linha deweyana, a experiência pode ser entendida como “ [...]

associações fortuitas, por conexões meramente físicas, de estados de

consciência individualistas” (DEWEY, 1972, p. 204).

Desse modo, o autor deu à razão um lugar secundário na experiência, já

que as causas iniciais e finais de toda a ação são as sensações; a razão é um

elemento externo, é escrava das sensações. Isso porque as razões seguem

emoções, no sentido de ajudá-la a alcançar o seu fim. Portanto, ele também

reafirma a dicotomia entre razão e emoção. Segundo Dewey (1959b, p. 106):

[...] os racionalistas desacreditavam nos sentidos como meios válidos ou superiores de conhecer os objetos, uma vez que [...] nunca logramos captar coisa alguma em si mesma ou intrinsecamente (grifo do autor); por outro lado, os empiristas menosprezaram todas as pretensões dos racionalistas em relação a um conhecimento absoluto pela razão. Na verdade, os empiristas se fixaram na utilidade de suas experiências e se esqueceram das finalidades mais amplas de seus atos.

Dessa forma, os racionalistas trabalham com definições pelas quais eles

mesmos não participam da atividade e do lugar de onde eles nascem, ou seja,

sua única preocupação está nos conceitos universais adquiridos pelas sínteses

elaboradas pela mente humana. Em ambos os casos, a experiência está

separada do sujeito; especialmente no que concerne ao empirista, às emoções

separam-se do objeto do conhecimento; e, no caso dos racionalistas, a razão é

que está afastada dos objetos do conhecimento.

No que tange à filosofia moderna, Dewey argumenta que, no passado,

fazer menção alguma ação prática geral era depreciativo, visto que toda a

prática, segundo Dewey (1959b, p.101), não recebia tratamento de ciência,

mas era visto como conhecimento empírico. Ao contrário, Dewey defende que

o homem médio, dedicado a si mesmo, é um ser de desejos e não um ser de

estudos intelectuais, pesquisa e especulação; ele é governado pela memória

fantasiosa, sugestiva e dramática, e não pelo pensamento sistematizado.

Com base nessa discussão a respeito da experiência, podem-se extrair

duas conclusões: a primeira é que a experiência pressupõe um elemento ativo

e outro passivo. Experiência deve ser vista como mudança, porém haverá

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apenas uma mudança mecânica ou física, se não estivermos atentos às

consequências de nossas ações, que do ambiente emergem.

Assim, quando essa relação tem continuidade, a partir das

consequências, em idas (postura ativa) e vindas (postura passiva), tem-se um

indicador de que a experiência se tornou reflexiva e, dessa forma, há um sinal

de que o campo da experiência está aberto para mais amplas e mais profundas

significações. No que tange a uma situação problemática – a capacidade

humana de pensar a própria experiência é a particularidade que diferencia

nossas experiências de outras, como a experiência de objetos inanimados.

A segunda conclusão do autor é que a medida de valor de uma

experiência está em constatar as relações ou continuidades da experiência, ou

seja, reside em tornar mais amplas e ricas nossas próprias experiências, a

ponto de conseguirmos um acúmulo intelectual que nos conceda um equilíbrio

ainda que temporário com o ambiente.

Dessa forma, nota-se que a filosofia da experiência é uma atitude ativa e

passiva e significativa, ou seja, valorativa, que precisa pôr fim a um caso

problemático, na experiência, por meio da reflexão. É o que Dewey nomeia de

filosofia da experiência.

Vale mencionar, ainda, que a filosofia, assim como a ciência, nasce de

problemas do mundo. Assim, a filosofia deweyana trabalha com a ideia de que

experiência, vida e inteligência têm conceitos semelhantes e podem ser

entendidas como sinônimos.

Ainda segundo Dewey (1959b, p. 300) quando “[...] aprendermos por

experiência”, não é possível separar os elementos das formas lógicas dos

elementos da experiência humana. “Quando o ato de tentar ou experimentar

deixa de ser cego pelo instinto ou pelo costume, e passa a ser orientado por

um objetivo e levado a efeito com medida e método, ele torna-se razoável –

racional”.

Dewey (1959b, p.62-63) nos lembra que o aperfeiçoamento do ato de

pensar “[...] consiste num desenvolvimento da curiosidade, da sugestão e dos

hábitos de pesquisar e verificar, que seja de molde a aumentar a sensibilidade

às questões e o amor da investigação do problemático e do desconhecido”.

Para ele, não é novidade alguma que todos nós passamos por

experiências, sejam elas boas ou más, educativas ou não educativas ou até

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mesmo deseducativas. Não é preciso insistir muito sobre o fato de termos ou

não experiências. O que se torna realmente válido chamar a atenção é para a

qualidade imediata e mediada da experiência, porque “tudo depende da

qualidade da experiência por que se passa” (DEWEY, 1972, p. 16).

Ainda, convém destacar que a experiência envolve fatores que não

podem ser reduzidos ao simples “fazer”. Experienciar é viver determinadas

condições que possibilita a efetivação da experiência. Está clara a ligação entre

a experiência e os fatores que a possibilitam ou não na sociedade e nas

instituições educacionais.

O sujeito da experiência para Dewey é aquele que exerce o pensamento

reflexivo, que é capaz de voltar-se para si e assimilar aquilo que se lhe

apresenta de novo, em um movimento de contínua construção e reconstrução

de experiências.

A simples atividade não constitui experiência, vai além, é mais

complexa. Logo, o que marca a atividade não é capaz de abarcar a amplitude

de uma experiência. A segunda, a experiência, marca-se por um fluxo e refluxo

alimentados de significação. Esta apenas ocorre quando há uma continuidade

na atividade, gerando mudança naquele que pratica a ação.

As experiências estão imbrincadas a memória do sujeito que vivencia e

exerce o pensamento reflexivo no contínuo movimento proposto por Dewey, de

modo que sobre Bergson, no interessante o recorte feito por Bosi (1987),

destilha que há dois tipos de memória, quais sejam, memória-hábito e memória

pura. A primeira é atrelada à memorização, à repetição de algo, já a segunda

refere-se ao que é guardado por valoração, afetividade dada por quem lembra.

Ainda no que diz respeito à afetividade, Chácon (2003) expõe que

existe uma relação entre afeto e cognição. Para ela, os sentimentos, crenças,

dentre outros elementos estão presentes na vida escolar e fazem toda a

diferença na aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes.

Nessa esteira, Le Doux (1999), em uma perspectiva fisiológica, ensina

que o sistema da amígdala ministra a memória emocional inconsciente,

enquanto o hipocampo nos traz a memória consciente de uma experiência

emocional.

Dessa forma, o autor defende que os sentimentos e os pensamentos

conscientes se assemelham e os dois são decorrentes de processos

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inconscientes. Le Doux esclarece ainda que as emoções influenciam mais a

razão do que o inverso. Segundo ele, ambas as memórias "[...] se unem em

nossa experiência consciente de um modo tão imediato e rigoroso que não

podemos analisá-la minuciosamente mediante a introspeção".

E assim, pode-se dizer que há um entrecruzar, uma completude, um

imbricar das memórias individual e coletiva. De modo que a memória coletiva

“[...] se desenvolve a partir de laços de convivências familiares, escolares,

profissionais [...]” (BOSI, 1987, p. 410). Assentada em uma concepção

halbwachiana, Bosi (1987) sustenta que cada sujeito aprende o compasso

social do tempo, de forma singular, de modo que a memória do homem é

conhecida e reafirmada por uma interação coletiva. Veja os dizeres de Dias

(2008, p. 39):

Cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva, que esse ponto de vista muda conforme o lugar ocupado e frisa que o próprio lugar mesmo muda segundo as relações mantidas com outros meios.

Dessa forma, a memória individual é uma construção que se dá no seio

das relações entre as pessoas inseridas num contexto social específico. Deve

ser entendida, sobretudo, como um resultado das experiências coletivas e

sociais. A experiência individual é única e quem a detém é somente o sujeito

dessa experiência, porém é absolutamente marcada por traços da vida social,

o que a torna subjetiva.

Nessa mesma esteira, compartilho com as ideias o sociólogo François

Dubet (1994) que assegura que a experiência não é a expressão de um ser ou

de um puro sujeito, pois que é socialmente construída. Na medida em que o

que se conhece da experiência é aquilo que dela é dito pelos atores, este

discurso vai colher as categorias sociais da experiência. (DUBET, 1994, p.

103).

Importante, nesta vereda, conceituar Experiência Social, já que

partilhamos de que tal instituto serve para o enredo dessa pesquisa. Assim,

Dubet (1994, p. 105) explica:

A sociologia da experiência social visa definir a experiência como uma combinatória de lógicas de ação que vinculam o ator a cada uma das dimensões de um sistema. O ator deve

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articular estas lógicas de ação diferentes e a dinâmica que resulta desta atividade constitui a subjetividade do ator e sua reflexividade.

Práticas sociais e lógicas de ação são os componentes centrais para

interpretar o conceitual de Dubet (1994) sobre a experiência, de modo que três

características latejam: “[...] heterogeneidade dos princípios culturais e sociais

que organizam as condutas”; “[...]distância subjetiva que os indivíduos mantêm

em relação ao sistema”;“[...] a construção da experiência coletiva, substituindo

a noção de alienação (DUBET, 1994, p. 15-17).

Assim, a experiência é socialmente feita/construída, pois o sujeito inicia

a construção de seus itinerários pelas vivências, práticas e relações com o

mundo.

É no tecer dos fios das memórias que pretendo bordar as Experiências

Pessoais e Formativas dos jovens universitários no Curso de Direito, suas

vozes entrelaçadas no plano individual e coletivo. Desnudar os sentidos, os

sentimentos, as reflexões, do vivido ao experienciado, os desejos, as

expectativas dos projetos do por vir, por meio da narrativa, pois “A narração da

própria vida é o testemunho mais eloquente dos modos que a pessoa tem de

lembrar. É a sua memória” (BOSI, 1987, p 68).

Ainda nessa esteira, Bosi (1987. p. 39) assevera que:

A memória é um cabedal infinito do qual só registramos um fragmento. Frequentemente, mais vivas recordações afloram depois da entrevista, na hora do cafezinho, na escada, no jardim, ou na despedida no portão. Muitas paisagens não foram registradas, foram contadas em confiança, como confidencias. Continuando a escutar ouviríamos outro tanto e nada mais. Lembrança puxa lembrança e seria preciso um escutador infinito.

‘Aprender da experiência’ é fazer uma associação retrospectiva e

prospectiva entre aquilo que fazemos às coisas e àquilo que em consequência

essas coisas nos fazem gozar ou sofrer. Nesse contexto, a ação transforma-se

em tentativa; experimenta-se o mundo para se saber como ele é; na

descoberta das relações entre as coisas (DEWEY, 1959a, p. 153).

Nesse mesmo sentido, para Josso (2004, p. 40-41)

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São as experiências que podemos utilizar como ilustração numa história para descrever uma transformação, um estado de coisas, um complexo afetivo, uma idéia, como também uma situação, um acontecimento, uma atividade ou um encontro. E essa história me apresenta ao outro em formas socioculturais, em representações, conhecimentos e valorizações, que são diferentes formas de falar de mim, das minhas identidades e da minha subjetividade. Assim, a construção da narrativa de formação de cada indivíduo conduz a uma reflexão antropológica, ontológica e axiológica.

A professora Terezinha Valim O. Gonçalves escrevendo sobre a

Pesquisa Narrativa demonstra como são delicados os vários fios que compõem

as possibilidades. Neste tipo de pesquisa, para as memórias e experiências

do/com ser, já que “o próprio ato de descrever experiências vividas pode

produzir autoconhecimento e emoções e afeta identidades e subjetividades”.

(GONÇALVES, 2011, p. 73).

É no entrecruzar das memórias e experiências que esta pesquisa é

inspirada, propondo a compreensão das histórias dos jovens ingressantes na

Universidade.

Mas afinal, quem é a juventude na contemporaneidade? Quem é este

“ser jovem”? O próximo item tratará de alguns apontamentos cujo objetivo é

classificar tal pergunta.

2.3 JUVENTUDE: IDENTIDADES, OLHARES E DIÁLOGOS COM OS DEBATES CONTEMPORÂNEOS

É na tessitura da história da sociedade que se vê a construção

social, cultural e histórica do jovem, da juventude, que em um

espaço/tempo difere, enquanto grupo social, do mundo adulto e se

distancia da infância. É no entremeio do respeito aos seus direitos e do

entendimento de que são sujeitos do processo social, bem como pela

interpretação, de alguns, que se encontram permanentemente em

situação de risco (SPOSITO, 2002) que está submersa a constituição da

identidade juvenil.

É na juventude que o indivíduo tem o campo propício para a

exploração de suas potencialidades, o que lhe possibilita construir -se na

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história e na sociedade. A partir de então, ele escolhe caminhos, faz

opções que são capazes de revelar ao mundo as singularidades de sua

existência. Tudo isso se compõe como uma constituição de enunciação

da pessoa, que reflete um posicionamento e uma condição sociocultural

construída. (FORACCHI, 1977).

Na zona nebulosa das definições, nas paisagens incertas, as

vivências, as aspirações e os desejos experimentados, em diferentes

relevos, geram novas experiências, escolhas, desafios, expectativas e

projetos que marcam a condição juvenil (PAIS, 2006), já que a juventude

pode ser entendida como uma mão-dupla, ciclo de vida e inserção na

sociedade (CORROCHANO, 2008).

Diante das incertezas da modernidade líquida, o jovem é

marcado como gado pelo projeto-ser-adulto, pelo vir-a-ser, e,

infelizmente, não é entendido como um ser constituído de história que

deve ser respeitado no tempo do hoje (“aqui e agora”) (CASTRO,

2001).Tempo de possibilidades, do experimentar, da busca, do prazer,

dos erros/acertos (VAYRELL, 2001).

As teorias que tentam categorizar, sistematizar e conceituar a

juventude, o ser jovem tem variadas silhuetas, com relevos biológicos,

bio-psíquicos, educacionais, trabalhistas e políticos, mas entendo

melhor trilhar pelo conceito proposto por Aguiar e outros (2007, p. 168),

no sentido de que jovem é fruto da construção humana, diferenciando-se

conforme o contexto social, bem como nos aportes teóricos de

Abramovay e Esteves (2007, p. 21):

[...] a juventude, por definição, é uma construção social, ou seja, a produção de uma determinada sociedade originada a partir das múltiplas formas como ela vê os jovens, produção na qual se conjugam, entre outros fatores, estereótipo, momentos históricos, múltiplas referências, além de diferentes e diversificadas situações de classe, gênero, etnia, grupo etc. (Grifo Nosso)

Não é minha intenção propor um Estado do Conhecimento

(Estado da Arte) sobre as pesquisas sobre os jovens, a juventude, no

entanto, acredito que são pertinentes neste espaço/tempo algumas

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ponderações sobre os principais trabalhos realizados, já que os

participantes da minha pesquisa são os jovens universitários e não há,

em que pese existir uma diversidade bibliográfica de olhares desde

1990, uma produção teórica consubstanciada e desfragmentada “ [...] de

uma área analítica específica que focalize o jovem universitário [...]”

(CARRANO, 2002, p.149). O mesmo autor, ainda, alerta sobre a

necessidade de dar vez/voz, dialogar, para com os jovens universitários:

[...] no sentido de buscar perceber como sente, pensa e age o jovem estudante em condição de sujeito cultural e político que participa da estrutura e sofre as determinações da vida trazendo para ela as disposições e orientações absorvidas em outros momentos de seu percurso pessoal e social.

A obra “Estado do Conhecimento- Juventude e Escolarização”,

publicada no ano de 2000, foi resultado de um estudo muito bem

sistematizado por Sposito (2002) sobre as produções no período de

1980-1998, de sorte que os artigos da obra abordam contextos diversos

desse jovem imerso no mundo da escola, no trabalho, na exclusão

social, na violência, na política, nas mídias e nas diversidades.

Pinço dessa pesquisa, aclamada como divisor de águas nos

estudos sobre os jovens, juventude e cultura juvenil, um entendimento

que lança luzes, formando uma “micro-clareira” sobre o meu objeto de

estudo- os jovens universitários. É que Carrano (2002) e Sposito

apontam que há poucos trabalhos que estudam as estratégias

cotidianas, aspirações e experiências e de como os jovens universitários

vivenciam os estudos.

Diante das transformações sociais do Brasil e do mundo, em

especial a abertura à Educação Superior por faixas etárias cada vez

menores, da “ascensão intergeracional” (RUAS, 1998, p.5) e pelos

dados da pesquisa realizada por Pimenta (2008, p. 229), em 1995, que

descreve que os universitários são jovens, solteiros, com menos de vinte

e cinco anos de idade, cristalina a importância dessa “ [...] questão da

identidade cultural, de quem fazem parte a dimensão individual e a de

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classe dos educandos”; “[...] é problema que não pode ser desprezado”

(FREIRE, 2003,p.41).

Retomando aos principais estudos sobre os jovens, Sposito

(2009), já em um segundo estudo que contemplou o período de 1999-

2006, sobre a produção acadêmica sobre a temática, pondera o

somatório de “1293 trabalhos”, sob outros olhares, carências e

porosidades de campos de investigação (SPOSITO, 2009, p. 27-29).

Ainda, destaco os estudos de Abramo (1997) que demonstram

que nas culturas e identidades juvenis são importantes os múltiplos

olhares ao derredor, isto é, nos contextos sociais, pois juventude é ciclo

de vida e inserção na sociedade (CORROCHANO, 2008). Não apenas

jovens, mas grupos juvenis “[...] que constituem um conjunto

heterogêneo, com diferentes parcelas de oportunidades, dificuldades,

facilidades e poder nas sociedades” (ABRAMOVAY; ESTEVES, 2007. p.

21).

Há estudos na perspectiva sociológica que discutem o termo

culturas juvenis que para Sposito (2005) são as experiências, práticas,

valores que distinguem o grupo, já quem tem uma autonomia, de certo

modo. Em sendo estrutura social, pondera Ronsini (2005, p. 122) a

sinonímia entre culturas juvenis e identidade juvenil, colacionando:

[...] é um processo de fazer-se, individualmente e coletivamente na experiência social com os repertórios disponíveis ou desejados que seja confrontados ou abandonados de acordo com a circunstância e a conveniência.

Distintos são os recortes desses estudos, mas imperioso (e sou

testemunha) destacar que na atualidade os jovens estão atentos e se

preocupam com o futuro, sua trajetória pessoal e profiss ional, tanto o é

que Abramo e Branco (2005) apontam em pesquisa que os itens

educação e vida profissional tem destaque garantido em suas

aspirações futuras. O que Zago (2005) critica é falar em escolha de vida,

de futuro profissional. Seria mesmo uma escolha? Ou seriam apenas

possibilidades frente à realidade, uma simples adaptação?

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No mesmo sentido, no que concerne às trajetórias, Scütze

(2010), defende que elas podem ser classificadas em negativas e

positivas. Enquanto as primeiras são “[...] curvas ascendentes que

abrem, por meio do estabelecimento de novos posicionamentos sociais,

novos espaços, possibilidades de ação e desdobramentos da

identidade”, as negativas seriam “curvas descendentes que reduzem

progressivamente os espaços e possibilidades de ação e de

desenvolvimento”.

É nesse contexto que o jovem contemporâneo, em que a fluidez

é marca, é pressionado por tornar-se universitário para ascender

profissionalmente, em busca da sonhada mobilidade social, aspirações

pelas vantagens sociais, relevando o conflito dos outsiders e

estabelecidos, em um reconfigurar “entre os nós e o eles na encenação

de jogos de poder” (ELIAS, 2000, p. 33), também visíveis na constituição

dos cursos universitários cada vez mais atrelados ao mercado de

trabalho (CHAUÍ, 2001), não oportunizando espaços, tempos, paisagens

de elevação do homem a novos horizontes, novas experiências consigo

e com o outro, singularidades que deveriam fazer parte das vivências e

experiências universitárias dos jovens.

2.4 UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO JURÍDICA: DO MONOCROMÁTICO13 À UMA PAISAGEM VIVA DOS NOVOS TEMPOS

A Educação Superior no Brasil está diante de um processo de

mudança histórico-social, em um movimento de fazer/desfazer/refazer novas

concepções, práticas e de políticas públicas, com o fito de adaptar-se e

integrar-se à complexidade da vida atual.

Diante da diversidade atual de instituições de Educação Superior, é

importante salientar que tal nível de ensino não ocorre somente na

Universidade. Temos também os centros universitários, faculdades, institutos,

dentre outros.

13

A expressão refere-se ao modo monocromático de ver, sentir e perceber a cultura da

Educação Jurídica, algo que perpassa o habitus de como se dá o processo de ensino. Fica impregnado a meu ver sensações, apenas, aparentemente distintas para uma cor só e isso, metaforicamente, não deve servir para a Educação Jurídica. Esta deve ser vibrante, viva, colorida de possibilidades e potencialidades

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Nesta pesquisa, em que pese a discussão teórica entre Ensino

Superior e Educação Superior, entendo que a terminologia correta para os

meios e fins deste contexto investigativo é entender a Educação como um bem

social e não como um produto para a entrega da técnica, do conteúdo

científico. Penso que muito mais do que o mero ensino, neste nível de

conhecimento devemos elevar o homem a novas culturas, novos horizontes,

oportunizando novos olhares, transpassando o ensino, a pesquisa e a

extensão, mas sedimentando pilares para uma educação para/pela formação

humana. Além do mais, a interpretação legislativa deixa às claras que na Lei

9394/1996- Lei de Diretrizes e Bases da Educação- a terminologia apropriada é

Educação Superior.

Historicamente, sobre este nível de educação, há uma celeuma em

relação ao seu surgimento e tem, como marcos fundantes, as Universidades de

Boulogne (1190) de Oxford (1214) e de Paris (1215), como campo de lutas pela

real universalidade das ideias e ideais de autonomia, formação técnica e

humanizadora.

Inspirados nos movimentos internacionais, as universidades brasileiras

se caracterizam pela indissociabilidade das atividades de ensino, pesquisa e

extensão. São instituições pluridisciplinares de formação dos quadros

profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo

do saber humano, que se caracterizam por: produção intelectual

institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais

relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural quanto regional e

nacional; um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de

mestrado ou doutorado; e um terço do corpo docente em regime de tempo

integral (BRASIL, 2006).

Com o aumento significativo do número de instituições de Educação

Superior e de matrículas de novos alunos, a ampliação do acesso à educação

superior foi visível, mesmo com o viés capitalista e sem observância à

qualidade, a infraestrutura e aos necessários docentes qualificados. Nesse

contexto, mostra-se vital refletirmos: qual é a Educação Superior que

queremos? Seria apenas de ensinar tecnicamente a pessoa para o mercado de

trabalho ou ir além do horizonte capitalista, humanizando o ser, em busca da

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justiça social e à realização integral do cidadão? Um espaço de luta, resistência

do que está posto?

A UNESCO, no ano de 1998, lança a Declaração Mundial sobre

Educação Superior do Século XXI, no qual propõe eixos orientadores de uma

política educacional superior os quais primam por uma educação permanente,

corroborando com os pilares da educação, por toda uma vida, propostos por

Delors (2003), quais sejam: aprender a ser, aprender a fazer; aprender a viver

juntos; aprender a conhecer.

Sob este prisma, convém ponderar que a Universidade tem como

finalidade muito além de mera transmissora de conhecimentos (depositária de

conteúdos) e sim possibilitadora, construtora de conhecimentos, de formação

que desperte competências e habilidades, proponha reflexões, estudos e

rupturas de preceitos arraigadas para uma liberdade, para a emancipação. Nos

dizeres de Freire (1993, p. 58):

Eis aí a concepção bancária da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. Na visão "bancaria" da educação, o "saber" é uma doação dos que julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão e absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação e ignorância [...]

No contexto institucional, vemos que a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (Lei n° 9.394 /1996) classifica as instituições de ensino no

Brasil, conforme seu artigo 19:

[...]- públicas entendidas as criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo Poder Público; - privadas entendidas as mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de Direito privado. (BRASIL, 1996, p.28)

De modo que o artigo colacionado acima é regulamentado pelo

Decreto n° 3.860, de 9/7/2001, que indo além dispõe:

Art. 1° As instituições de ensino superior classificam-se em: I - públicas, quando criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo Poder Público; e II privadas, quando mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de Direito privado.

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Art. 2° Para os fins deste Decreto entende-se por cursos superiores os referidos nos incisos I e 11 do art. 44 da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Com relação às entidades mantenedoras o decreto dispõe: Art. 3° As pessoas jurídicas de Direito privado, mantenedoras de instituições de ensino superior, poderão assumir qualquer das formas admitidas em Direito de natureza civil ou comercial, e, quando constituídas como fundação, serão regidas pelo disposto no art. 24 do Código Civil Brasileiro. (BRASIL, 2001, p.12)

O artigo 43 da Lei 9.394/96 especifica a finalidade da Educação

Superior, in verbis:

I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo; II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua; III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive; IV- promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação; V - suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração; VI - estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade; e VII - promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição (BRASIL, 1996, p.37).

No ano de 1998 foi efetivada a Declaração Mundial sobre Educação

Superior no Século XXI: Visão e Ação pela UNESCO, na qual traz a concepção

de educação ao nível superior, a saber:

[...] a educação serve à sociedade de diversas maneiras e sua meta é formar pessoas mais sábias, possuidoras de mais conhecimentos, bem informadas, éticas, responsáveis, críticas e capazes de continuar aprendendo. Se todos os seres humanos tivessem essas aptidões e qualidades, os problemas do mundo não se resolveriam automaticamente, porém os

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meios e a vontade de fazê-lo estariam ao alcance das mãos. A educação também serve à sociedade, oferecendo uma visão crítica do mundo, especialmente de suas deficiências e injustiças e promovendo maior grau de consciência e sensibilidade, explorando novas visões e conceitos e inventando novas técnicas e instrumentos. A educação é, também, o meio de divulgar o conhecimento e desenvolver talentos para introduzir as mudanças desejadas nas condutas, valores e estilos de vida e para suscitar o apoio público às mudanças contínuas e fundamentais que serão imprescindíveis para que a humanidade possa modificar sua trajetória, abandonando a via mais comum que leva a dificuldades cada vez maiores e a uma possível catástrofe, para iniciar seu caminho a um futuro sustentável. A educação é, em síntese, a melhor esperança e o meio mais eficaz que a humanidade tem para alcançar o desenvolvimento sustentável (UNESCO, 1998, p. 35).

No Brasil, na perspectiva do neoliberalismo, em que pese as críticas ao

sistema proposto, vemos que as políticas públicas da Educação Superior

cresceram. De todo modo, a oferta de ensino foi elevada, mas e a qualidade?

No caso dos Cursos de Direito no Brasil, lembro que no ano de 2012 os

dados oficiais do Censo do Ensino Superior- CENSUP - , Ministério da

Educação e Cultura –MEC- apontaram no sentido de que na República

Federativa do Brasil existiam 737.271 (setecentos e trina e sete mil, duzentos e

setenta e um) estudantes de Direito nas instituições públicas e privadas. Um

número ainda crescente pela quantidade de faculdades espalhadas no Brasil,

mas que demonstram algum entrave na prestação do serviço de ensino, tendo

em vista os resultados pífios na aprovação do exame da OAB, concursos

públicos, avaliações governamentais e congêneres, já que a metodologia

usada, na maioria dos cursos, ainda, é da aula expositiva, nos moldes de um

cursinho preparatório, razão pela qual ao menos deveria aprovar nos certames

que exigem a velha memorização.

Por essas e outras condições dos cursos de Direito no Brasil, algumas

decisões foram adotadas pelo MEC desde o ano de 2011, primeiramente

suspendendo 34 mil vagas e reduzindo o montante de mais de dez mil vagas

nos cursos que apresentaram resultados ruins no Sistema Nacional de

Avaliação da Educação Superior - SINAES. Já no ano de 2013, suspendeu o

procedimento de inauguração de cem novos cursos e de vinte e cinco mil

vagas.

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Nesse mesmo ano, o MEC, em parceria técnica com a Comissão

Nacional de Educação Jurídica –OAB-, realiza estudos para uma nova política

regulatória do ensino jurídico no Brasil.

Assim, após a realização de audiências públicas em todo o Brasil a

OAB apresenta ao MEC um texto final que tem os seguintes eixos: repensar

sobre/nas diretrizes curriculares e instrumentos de avaliação dos cursos de

Direito; novos parâmetros a serem considerados na avaliação; reflexões sobre

o Enade na avaliação e redução no intervalo entre as aplicações;

reconfiguração do Exame da OAB e sistemática de aplicação; vaga para a OAB

no Conselho Nacional de Educação (CNE) e aprimoramento do Núcleo de

Prática Jurídica e do estágio curricular.

Já no ano de 2014, foi anunciada a entrega do documento final ao

MEC e trâmites legais para que surtam os efeitos legais. Todavia, muito mais

do que uma positivação das necessidades do Curso de Direito do Brasil, é vital

que a sociedade civil organizada, OAB, instituições políticas e do poder,

possam somar nas ações que permitam um melhoramento no ensino, reflexos

advindos desde o ensino fundamental que é alicerçado na política do

desprestígio do papel da educação.

Nota-se que em um contexto marcado pela proliferação das faculdades

de Direito, o ensino reducionista e descontextualizado tem introduzido no

mercado de trabalho, como consequência, profissionais alienados e inaptos a

resolver os problemas que lhes são apresentados na complexidade da vida em

sociedade (RAMOS, 2012).

Ao contrário, Bittar (2001) arremata, tais problemas na “pedagogia do

Direito” são advindos de um processo de longa data. Por isso, Bitar (2001, p.

13) pontua:

Assim é que hoje se pode constatar, com olhar retrospectivo, que a crise pós-moderna do direito, em seus aspectos mais gerais, parece vir acompanhada de uma crise de ensino jurídico. Mesmo em torno da década de 1950 já se percebia o descompasso entre o que se aprendia na Academia e o que se praticava na vida cotidiana do operador.

Nessa esteira, o ensino jurídico deve conceber, pois, o Direito como um

instrumento de transformação, e, por isso, estudantes – estimulados por seus

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professores – precisam partir para uma tomada de consciência e assumir

posturas práticas, que se mostram fundamentais para que tal realidade se

concretize. É por isso que Ramos (2012) defende que, para efetivá-lo em prol

de toda a sociedade, a disseminação do conhecimento, a intensificação do

“debate jurídico” e a abertura para a participação popular são requisitos

fundamentais.

Nesse mesmo raciocínio, Mossini (2010) ensina que a justiça está

diretamente relacionada à base normativa da educação e ao posicionamento

ético na forma como se pensa e atua nos currículos das instituições de ensino

que oferecem cursos de Direito. Portanto, pensar um novo currículo (mais

coerente e preocupado com os aspectos sociais) significa fazer uma reflexão

sobre os arranjos organizacionais e, sobretudo, éticos mais apropriados a

esses cursos.

Ainda nessa linha de pensamento, especialmente no que tange ao

ensino jurídico, Unger (2001, p. 64) argumenta que “[...] o formalismo

doutrinário em direito, sempre ressurgiu, qual fênix, das cinzas [...] Expõe-se o

direito positivo de modo a fazê-lo permanecer uma realização concreta, ainda

que falha, daquele sistema de ideias”.

Mesmo que se venha tentando alterar tal realidade, o ensino jurídico no

Brasil ainda se desenvolve sob a influência do formalismo positivista, sendo

gritante o reducionismo nos cursos de Direito no viés, apenas, do racional-

jurídico, de modo que valoriza “[...] exclusivamente seus aspectos técnicos e

procedimentais” (FARIAS 1987).

Tanto é assim que a metodologia do ensino jurídico permanece

baseando-se, sobremaneira, na transmissão de conhecimento, contexto em

que o professor se mostra como detentor do conhecimento e o aluno como

uma espécie de esponja, sempre pronto a apenas absorver tudo aquilo que lhe

é exposto. Freire (2011, p. 97) leciona:

Não há como não repetir que ensinar não é a pura transferência mecânica do perfil do conteúdo que o professor faz ao aluno, passivo e dócil. Como não há também como não repetir que partir do saber que os educandos tenham não significa ficar girando em torno deste saber.

Diante dessa realidade, refletir é vital: seria o Curso de Direito formador

de opinião, uma arena de reflexões, debates que realizam a inclusão e

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oportuniza a conscientização para emancipação de pessoas críticas e

autônomas ou sujeitos doutrinados (no ramo jurídico os teóricos são chamados

de doutrinadores!), excessivamente dogmáticos, para compreender os

institutos jurídicos como algo pronto e acabado por um determinismo, a

normatização do que na concepção kelseniana seria o “dever ser”?

Machado (2005, p.129) chama a atenção para as concepções

ideológicas do Direito, em especial ao viés positivista desse ramo das Ciências

Sociais, de modo que é indubitável que tal adoção é diretamente ligada a uma

reprodução dos valores burgueses perante a sociedade capitalista

contemporânea.

Ainda abordando as mudanças necessárias aos cursos de Direito, Unger

(2001, p. 10) sugere:

Nesta situação uma reforma prática do ensino do direito, que capacite o aluno para a prática mais valorizada na nova realidade econômica do país e do mundo e traga o direito de volta para o centro do debate nacional, pode surtir efeito grande e rápido sobre as outras escolas de direito no Brasil. E pode, em pouco tempo, atrair muitos dos melhores professores e alunos e granjear uma reputação “horsconcours” no meio profissional e no conceito público.

Sousa Junior (2008) defende que o ensino jurídico, a partir do Pluralismo

Jurídico, precisa levar em conta os sujeitos e estes necessitam de um saber que

lhes possibilite “[...] quebrar as algemas que aprisionam nas opressões e

espoliações”, pois só assim o curso de Direito cumprirá sua essência, qual seja de

criar condições de desalienação e de transformação dos destinos, rumo à

emancipação. E isso não se faz isoladamente, mas em conjunto, de forma

solidária.

Acerca do papel da universidade no ensino jurídico, Alves (1992, p. 64)

pontua que:

[...] o papel da universidade na formação de profissionais é entendido como o de favorecer a aquisição de conhecimentos acumulados, mas falta a preocupação com a elaboração de elementos que deverão contribuir para a intervenção na realidade social. A teoria é vista e pensada como um conjunto de verdades absolutas e universais, a concepção dicotômica pode, também, manifestar-se na ênfase ou apenas no privilégio da formação prática, como se a prática tivesse sua própria lógica, independente da teoria.

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Silva (2000) traça um quadro interessante, analisando e definindo as

proposições do “direito achado na rua”. Segundo ele, o que se pretende, de acordo

com tal visão, é:

Determinar o espaço político no qual se desenvolvem as práticas sociais que enunciam direitos, ainda que contra legem; definir a natureza jurídica do sujeito coletivo capaz de elaborar um projeto político de transformação social e elaborar sua representação teórica como sujeito coletivo de direito; enquadrar os dados derivados destas práticas sociais criadoras de direitos e estabelecer novas categorias.

Como se vê, a proposta de experiências populares, como o caso do “direito

achado na rua”, mostra-se adequada a uma possível reformulação da prática

docente nos cursos jurídicos. Relembrando: a graduação (e qualquer outro nível

educacional) jamais deve se restringir à formação tecnicista, superficial e

mecânica, que simplesmente “despeja” profissionais no mercado. Ao contrário, seu

papel só será realmente exercido com eficiência a partir do instante em que o

direito – no caso aqui explorado – extrapole os muros das instituições de ensino e

passe a servir, de fato, como instrumento de transformação social, de ratificar os

ideais democráticos, de elemento condutor para que se alcance a autonomia, a

libertação do sistema elitista que ora se apresenta e que tem se perpetuado ao

longo de nossa história enquanto nação.

Rever a formação dos cursos jurídicos pressupõe que o estudante

participe ativa e efetivamente da construção do conhecimento. Desse modo, é

papel das instituições de ensino superior proporcionar um terreno fértil para o

raciocínio não apenas técnico e legalista, mas, sobretudo, crítico, solidário, em

consonância com as demandas sociais em prol do exercício efetivo da justiça.

Dessa forma, discutir uma outra concepção de formação e currículo

seria um primeiro passo seria instigar a produção de pesquisa nos cursos de

Direito, uma vez que, por meio do conhecimento construído a partir dessa

postura, a universidade poderá trazer benefícios reais à comunidade,

possibilitando que a informação e a busca por justiça extrapolem os muros das

faculdades. Para que se alcance tal autonomia e socialização dos saberes

jurídicos, é necessário que os docentes também apresentem um perfil atuante,

engajado.

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Ademais, é preciso que os operadores do direito – e também os

docentes – compreendam que o direito é um produto social, dotado de

dinamismo e complexidade, reflexo da vida do povo, quase que em sua

totalidade distante das elites intelectuais e culturais, mas que busca a

autonomia, a liberdade e o fim da opressão social.

O debate sobre as possibilidades de uma

Educação jurídica emancipatória e crítica propõe como possibilidade esforços

políticos educacionais e no cotidiano das instituições de ensino na construção

de um conhecimento pluriuniversitário, isto é um conhecimento contextual, em

diálogo com outras áreas (SANTOS, 2005), de modo que oportunize a escuta e

o acolhimento das propostas e caminhos das experiências dos agentes com a

lide, suas percepções (WARAT, 2001) das experiências populares de criação

do direito (SOUZA JÚNIOR, 1987; 2008) que possam possibilitar novos

olhares, sensação, experiências em busca da formação humana para/na

complexidade do viver.

2.5 PESQUISA NARRATIVA: A TELA DESSA PINTURA

As histórias não são parte da pesquisa, elas são a pesquisa. Elas não são somente textos a serem analisados, elas são o como a experiência é recontada, revivida e interpretada. Elas são o fenômeno estudado e também a forma como o fenômeno é estudado. (MELLO, 2004, p. 91)

São vários os sentidos atribuídos para o termo “narrativa”, de

modo que é empregado diferentes significados e concepções, sendo

usados nas áreas da Antropologia, Psicologia, Administração e outras.

Oschs (2001), por exemplo, toma o foco no dia a dia das pessoas “[...]

não sendo importante a relação pesquisador-pesquisado” (MELLO,

2004, p. 107).

Há ainda o uso das narrativas em perspectivas também distintas

das tratadas pelos teóricos que seguimos, como Clandinin e Connelly

(1995), Clandinin e Connelly (2011), Connelly e Clandinin (2006), Mello (2004),

Mello (1999) e outros.

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Assim, consoante ensinam Clandinin e Connelly (2011, p. 236) entendo

que a Pesquisa Narrativa é paradigma já que é fluída, como tal desafia a

pesquisa aceita de forma majoritária e as “suposições de representações”.

Estudar a Educação é, sem sombras de dúvidas, estudar experiências de vida,

conforme Dewey (1938) e Clandinin e Connelly (2000, 2011), nessa

perspectiva a Pesquisa Narrativa representa o caminho teórico-metodológico

rotulado pelos autores canadenses Clandinin e Connelly, já no Brasil há

trabalhos de Mello e Telles.

Vejo que a Pesquisa Narrativa tem como ponto nodal a experiência,

isto é, “uma forma de compreender a experiência” (CLANDININ e CONNELLY,

2011, p. 51), configurando-se como método e fenômeno de estudo. O

fenômeno está atrelado à ideia de história ou relato, enquanto que a narrativa

está ligada à investigação ou o texto científico do pesquisador.

Ainda nesse ponto, Clandinin e Connelly (1995) explicam que o tempo

e o espaço se convertem em construções escritas em forma de trama e

cenário, respectivamente. O tempo e o espaço, a trama e o cenário, trabalham

para juntos criar a qualidade experiencial da narrativa’. Mello (2004, p. 85)

escreve que a Pesquisa Narrativa está inserida “[...] dentro desse imenso

guarda-chuva de pesquisa qualitativa existente”, por estar focalizada na

experiência humana e de visões holísticas sobre o objeto de estudo.

Nessa esteira, Clandinin e Connelly (1995, p. 16) asseveram que

[...] a narrativa está relacionada com o trabalho de pesquisadores educacionais de orientação qualitativa, que lidam com a experiência a partir de filosofia, psicologia, teoria crítica, dos estudos do currículo e da antropologia [...]

Importante salientar que a pesquisa narrativa é salutar tanto na

educação como fora, em qualquer área, visto que Connelly e Clandinin (1995,

p. 11) ensinam que ela:

[...] é um estudo da forma pela qual, nós, os seres humanos experimentamos o mundo. Desta idéia geral se deriva a tese de que a Educação é a construção e a reconstrução de histórias pessoais e sociais; e que, tanto os professores, como os alunos, são contadores de histórias e, também personagens nas histórias dos demais e em suas próprias.

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Aliás, educadores laboram e se preocupam com vidas, “[...] somos

contadores, personagens, atores principais ou autores das nossas histórias ou

de outrem [...]” (NEVES DOS SANTOS; KOCHHANN, 2014, p. 103). Nesse

sentido, Clandinin e Connelly (2011, p. 22) esclarecem:

Educadores estão interessados em vidas. Vida, pegando emprestada a metáfora de John Dewey, é Educação. Educadores estão interessados na aprendizagem e no ensino e no como esse processo ocorre; eles estão interessados em saber lidar com as vidas diferentes, os valores diferentes, as atitudes diferentes, as crenças, os sistemas sociais, as instituições e estruturas e no como eles estão todos unidos para aprender e ensinar.

A experiência é marca na teoria de Dewey, no que se refere

principalmente “[...] às noções de situação, continuidade e interação”

(CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 85). Exatamente por isso, Bolzan (2002, p.

48), ensina que:

O aspecto principal da abordagem sociocultural através da narrativa está na compreensão de que se está vivendo em um contínuo contexto experiencial, social e cultural, ao mesmo tempo em que contamos nossas histórias, refletimos sobre nossas experiências, explicitando a todos nossos pensamentos, através de nossas vozes.

Segundo Clandinin e Conelly (2000, 2001) e Mello (2004), [...] “uma

pesquisa narrativa pode ser desenvolvida pelo contar de histórias ou a vivência

de histórias” (p. 89). No contar de histórias (telling), pesquisa de caráter

autobiográfico, o pesquisador narra às experiências vividas, no passado, por

seus participantes, buscando-as e narrando de modo que componha sentidos a

partir dessas histórias. Já na vivência de histórias (living), o pesquisador e seus

participantes vivem a experiência que está sendo realizada, no hoje, no

presente, e juntos procuram compor sentidos.

No contexto social, cultural, educacional, e principalmente no contexto

escolar, o palco deve ser dado aos professores, aos alunos e demais

envolvidos, dar voz e vez enriquece a área educacional.

Enquanto escrevo a palavra voz, recordo-me de Galeano que, de modo

poético, faz-me pensar nesses movimentos experienciados, provocados pela

Pesquisa Narrativa, ele diz que: “Tinham as mãos amarradas, ou algemadas, e

ainda assim os dedos dançavam, voavam, desenhavam palavras” (GALEANO,

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2003, p 23). Eu creio que a força, a verdade, a imprescindibilidade não

sufocam uma voz.

Com minha mania de falar sozinho, perguntando a mim mesmo: - Seria

possível detê-la? Eu, os meus eus, respondem: - Jamais, a sensibilidade com o

outro e do outro fazem com que de algum modo o ecoar se torne perceptível.

Novamente fico com Galeano (2003, p. 23):

Se lhe negam a boca, ela fala pelas mãos, ou pelos olhos, ou pelos poros, ou por onde for. Porque todos, todos, temos algo a dizer aos outros: alguma coisa, alguma palavra que merece ser celebrada ou perdoada.

Na tessitura da/para celebração da Vida, a Pesquisa Narrativa é uma

possibilitadora, já que cria espaço que ecoam as vozes dos sujeitos sociais que

participam da pesquisa, construindo, compondo sentidos e significados e

entendendo seu papel e lugar nos mais diversos contextos.

Nessa perspectiva, posso considerar este contexto como um papel

político. Nesse sentido, Mello (2004, p. 98) evidencia:

[...] o papel político da pesquisa narrativa: dar voz ao pesquisador e aos participantes de pesquisa. Clandinin e Connelly (2000) comentam a inquietação e questionamentos quanto às histórias dos participantes de pesquisas, pessoas em geral escondidas pelos dados expostos e analisados pelos teóricos na academia.

Sob este ângulo, vejo que na Pesquisa Narrativa ao dar vozes aos

participantes e ao pesquisador acontece o partilhamento, “[...] uma colaboração

interligada do narrar-ouvir e vice-versa e, assim, nessa trajetória há um

processo emancipatório.” (NEVES DOS SANTOS; KOCHHANN, 2014, p.

110/111)

Os lugares comuns da Pesquisa Narrativa, a que Clandinin e Connelly

(2011) denominam espaço tridimensional da pesquisa narrativa, ou seja, as

três dimensões temporalidade, sociabilidade e lugar, as quais abordam

questões temporais; focalizam o pessoal e o social; e acontecem em um lugar

ou lugares determinados. São inspirados na teorização de Dewey (em suma:

pessoal e social, relacionados à interação; passado, presente e futuro,

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relacionados à continuidade; os quais se integram à noção de lugar, que se

relaciona à situação) (SILVA, 2014).

Nessa vereda, para Silva (2014) o autor deve, a fim de bem escrever,

tornar-se distante do que foi vivido e, assim distante, já com um olhar diverso, é

capaz de visualizar elementos que antes pareciam impossíveis de serem

alcançados. De outro lugar, ao escrever, já com esse novo olhar, atribui novos

significados, novos sentidos a partir do relato distanciado do local de origem da

experiência vivida pelo participante da pesquisa. Nessa esteira, é possível

inventar e recriar as atitudes a partir dessa nova consciência.

Portanto, a temporalidade para Connelly e Clandinin (2006, p. 479) é

que os “pesquisadores narrativos não descrevem um evento, pessoa ou objeto

como tal, mas descrevem-no com um passado, um presente e um futuro”.

Mello (2004, p. 90) diz que para significar uma história deve-se “questionar não

somente sobre como ela ocorre hoje, mas também como resultante de histórias

vividas no passado e como ela poderá ser vivida ou projetada no futuro”.

Como segundo lugar comum, a sociabilidade, que são as condições

pessoais do participante de pesquisa, condições sociais, ambientais e derredor,

suas emoções, os sentimentos, os desejos, as reações e contexto, bem como

a negociação do pesquisador-participante, conforme Connelly e Clandinin

(2006).

O terceiro lugar comum na pesquisa narrativa, o lugar, são “[...] os

limites específicos concretos, físicos e topológicos em que a pesquisa e os

eventos ocorrem”. Baseados nas visões deweyanas, há movimentos ou quatro

direções seguidas pela pesquisa narrativa, quais sejam: introspectivo,

extrospectivo, retrospectivo, prospectivo. (SILVA, 2014).

O pesquisador narrativo, ao se preocupar com as condições pessoais

internas do participante de pesquisa, realiza o movimento introspectivo; quando

se preocupa com o aspecto social ou as condições externas em que o

participante se envolve, realiza o movimento extrospectivo. Ao considerar as

histórias do participante vividas no passado, o pesquisador realiza o movimento

retrospectivo; e quando considera as possibilidades de histórias com

repercussões futuras, realiza o movimento prospectivo (MELLO, 2004), sendo

que devem aparecer também no texto de pesquisa. Assim, usar a Pesquisa

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Narrativa como metodologia é adotar uma visão particular da experiência como

fenômeno em estudo.

Nessa seara, Clandinin e Connely (2011, p. 85) argumentam:

Por introspectivo, queremos dizer em direção às condições internas, tais como sentimentos, esperanças, reações estéticas e disposições morais. Por extrospectivo, referimo-nos às condições existenciais, isto é, o meio ambiente. Por retrospectivo e prospectivo, referimo-nos à temporalidade – passado, presente e futuro [...] experienciar uma experiência – isto é, pesquisar sobre uma experiência – é experienciá-la simultaneamente nessas quatro direções, fazendo perguntas que apontem para cada um desses caminhos.

Agora faz-se importante mencionar o que Mello (2004) traz como

algumas das características da pesquisa narrativa: o papel do pesquisador

mais próximo e envolvido com os participantes; linguagem menos canônica;

não existência de uma única verdade; o respeito pela linha adotada; sem uma

visão direcionada para validações e busca de verdades comprováveis (MELLO,

2004, p. 84), já que “[...] é preenchida de fragmentos narrativos, decretados em

momentos históricos de tempo e NEPEM/IFG espaço” (MELLO, 2004, p. 48).

Clandinin e Connely apud Mello (2004, p. 89) esclarecem que:

Narrativa é o fenômeno estudado na pesquisa. Pesquisa narrativa, o estudo de experiências como história, então, é primeiro e principalmente uma forma de pensar sobre a experiência. Pesquisa narrativa como uma metodologia insere uma visão do fenômeno. Usar a metodologia de pesquisa narrativa é adotar uma visão particular da experiência como fenômeno estudado.

Quando se fala em compor sentidos, nos dizeres de Mello (2004),

flagrante está à composição dos “eus” perante o fenômeno, de modo que

outros sujeitos compõem sentidos diversos do que àqueles propostos por

outrem, mesmo que estejamos vivenciando a mesma experiência. São olhares,

visões de mundo, seres diferentes.

Assim, parafraseando a música Tocando em Frente de Almir Sater e

Renato Teixeira, como “cada um de nós compõe a sua história”, logo “cada ser

em si carrega o dom de ser capaz” de dar novos sentidos e significados sobre

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aquilo que observa e vivência, mesmo em idênticas situações, e ver e refletir

“seu mundo”.

Mello (2004, p. 89) explica também que:

O desenvolvimento de pesquisa narrativa pela vivência de histórias é feito quando o pesquisador vive a experiência com seus participantes de pesquisa e colaborativamente tentam construir significados para as histórias vividas. Assim, se como pesquisadora, ouço as histórias dos participantes e juntos tentamos construir significados, está se realizando uma pesquisa narrativa com foco no contar de histórias, porém se meus participantes e eu vivemos juntos uma experiência e juntos tentamos construir seus significados, está se realizando uma pesquisa narrativa com foco na vivência de histórias. (Grifo nosso)

A composição de significados é um esculpir na argila, é artesanal, por

tal único, personalíssimo (ELY et al., 2001), sendo que os caminhos para

instrumentalizar tal façanha são ricos e diversificados, tais como, diálogos,

entrevistas, histórias escritas ou orais, cartas, documentário, documentos,

poesia, poema, teatro, resumos, dentre outros.

Na pesquisa narrativa há o entendimento de que os dados

empíricos são centrais ao trabalho, os quais são chamados de textos de

campo, material documentário, criados pelo pesquisador e participantes

e não encontrados ou descobertos. É do olhar do pesquisador a

composição de sentidos e elaboração/ escrita da pesquisa (CLANDININ;

CONNELLY, 2000).

É na composição de sentidos, conceituada por Ely e outros

(2001) como o fazer escolhas, interpretar e dar forma aos textos,

levando em conta ideologias políticas, morais, filosóficas e outras.

Ely e outros (2001) afirmam que é mais produtiva a composição

de sentidos das narrativas do que fazer tentativas de encontros ou

vislumbrar sentidos nestas, pois nós, seres humanos, criamos nossa

realidade, mesmo que esta passe longe do que realmente é. Criamos na

vida “uma própria realidade” sobre tudo, de modo que o importante, na

pesquisa narrativa, nem é tanto o que se vê, mas, sobretudo, como

vemos o texto de campo. (ELY et al., 2001).

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Para Clandinin e Connelly (1990, p. 11), não se pode negar que

“os seres humanos são organismos contadores de histórias, organismos

que individual e socialmente, vivemos vidas relatadas. O estudo da

narrativa, portanto, é o estudo da forma como nós, seres humanos

experimentamos o mundo”.

É no ir-e-vir colaborativo que a pesquisa acontece e assim

defende Mello (2004, p. 106):

[...] diante de tantas possibilidades, fazer escolhas faz parte do processo de composição de significados. A cada escrita e reescrita, volta aos dados, discussão em grupo, escolha do tipo de texto a ser escrito, por exemplo, o pesquisador tem a oportunidade de refletir e rever suas interpretações. O processo de composição de sentidos provoca uma reflexão profunda e contínua, pela qual o pesquisador não só compreende e interpreta o material documentário de sua pesquisa, como também questiona e reflete sobre sua vida, seu papel como pesquisador e sua forma de ver o mundo.

A seleção dos dados, tanto quanto a forma como conteúdo,

remetem ao elemento central da pesquisa narrativa, a intersubjetividade

da pesquisa, o pessoal e o interpessoal que são tão criticados por outros

teóricos. Segundo Clandinin e Connelly (2000, p. 47):

[...] que registros são os melhores para serem relatados? Quando se preparam para escrever e, independentemente do grau de familiaridade que tenham com seus dados, os pesquisadores narrativos tem que buscar em sua memória, tanto humana como informativa, os acontecimentos mais significativos e isso do mesmo modo que as pessoas que se preparam para escrever uma biografia: buscam em sua memória e em seus arquivos os acontecimentos importantes de sua vida. [...]

Assim, para Connelly e Clandinin (1995, p. 21), a composição de

sentidos, participantes e pesquisador trabalham colaborativamente, é processo

interativo que “[...] no interior de uma relação que exige conhecimento

conectado, uma relação em que aquele que quer conhecer está pessoalmente

unido àquele que conhece”.

Clandinin e Connelly (2000, p.2) também expõe as vantagens e as

possibilidades da pesquisa narrativa, que segundo ele, consiste numa

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investigação relacional, que estuda pessoas que se relacionam e estudam as

experiências de pessoas em relação. Para ela, as pesquisas narrativas podem

ter início com o contar histórias ou o vivenciar histórias porque o pensamento

narrativo é um caminho fluido de refletir e redigir as experiências. Ademais,

destaco que a pesquisa narrativa é uma forma de pensar nas experiências e

buscar compreendê-las. Cada vez mais a pesquisa narrativa tem se mostrado

inovadora e com grande potencial, uma vez que retrata, como defendido

anteriormente, as peculiaridades dos sujeitos da pesquisa, suas experiências

educacionais e isso certamente colabora com o entendimento do contexto

educacional atual. (SILVA, 2014).

Ao escolher a pesquisa narrativa, acabo por assumir um vínculo com

os participantes, o que significa fazer escolhas, construir nossa história,

avançar e criar caminhos até então inexistentes. Esse é o ponto que me

fascina nessa escolha: caminhar pelo novo, ir descobrindo os sujeitos e me

descobrindo enquanto educador. É um risco a aproximação extrema entre

pesquisador e pesquisados? Essa pergunta também ecoa em meus ouvidos.

Porém, ainda que arriscado, vejo este como um caminho árduo, mas

extremamente rico para alcançar os resultados que pretendo.

Trabalhar com os desejos, as esperanças, os sentimentos dos

participantes e com a maneira como essas pessoas interagem em sociedade é

certamente descobrir quem é o jovem que percorre os caminhos do curso de

Direito. Quais seus anseios? Quais as influências determinantes para sua

escolha? Que lugar social eles ocupam? O que esperam do curso? Como

vislumbram o futuro a partir do curso superior? São muitos os

questionamentos, mas infinitamente maiores são as experiências que irão

compor no/do narrativizar e experienciar que busco nesta pesquisa.

2.5.1. Paisagens da/na floresta: variedade de lentes e despertabilidade

Connelly e Clandinin (1995) ressaltam a importância de ter cautela

sobre seu envolvimento com a história e a verdade, para não se tornar uma

ficção ou mentira, já que a vida lembrada pelos sujeitos é que fornece as

“impressões da vida”.

Por isso, Connelly e Clandinin apud Larrosa (1995, p.43) explicitam

que:

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O valor central das narrativas deriva da qualidade de seus temas. A narrativa e a vida vão juntas e, portanto, o atrativo principal da narrativa como método é a sua capacidade de reproduzir as impressões da vida, tanto pessoais quanto sociais, em formas relevantes e cheias de sentidos (tradução própria).

Existem discussões acerca das abordagens de pesquisas qualitativas e

quantitativas, considerando a “[...] ciência como grande estabelecedora de

verdades, estabelecem-se também os critérios e os modelos de pesquisa [...]”

(MELLO, 2004, p. 103). Para alguns, a que mais se próxima da verdade seria

quantitativa. Mas qual verdade? A verdade do número é absoluta? Qual é

verdade por detrás desse número?

De uma visão mais restrita do que é o fazer científico aos novos

olhares sobre realidades diferentes implicam, em possibilidades distintas de

métodos, respeitando o subjetivo.

Mas tudo não passaria pelo olhar do pesquisador e suas

contextualizações? Entendo, apoiado em Ely e outros (2001), que é pelas

“instâncias”, isto é, as maneiras de organizar a coleta e interpretação de dados,

já que é pelo interno que se vê o externo. Assim, conforme Mello (2004), nessa

pós-modernidade com diversidade de ângulos, estaríamos diante das verdades

(no plural).

Com lentes variadas diante das intensidades/perspectivas e os

“infinitos tons de cinza” propostos pelos/nos/dos dados é que Ely e outros

(2001) destacam que estes devem ser construídos, por lentes variadas, com

uma interpretação fiel aos dados e instâncias, para aí sim falar-se em

validação. É neste sentido o que Ely e outros (2001, p. 18-19) cita Goetz:

Gradualmente entendi que construir significado era algo que eu tinha que fazer interagindo com os dados, usando uma variedade de lentes. Isso seria como navegar em uma casa de espelhos. Estou apreendendo como me mover dentro e fora do meu texto, lendo e escrevendo, criando e interpretando, respondendo e delineando, tudo ao mesmo tempo. (tradução própria)

A validação, levando-se em conta a visão do pesquisador e a

composição no ir-e-vir no espaço tridimensional, segundo Clandinin e

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Connelly (2004) virá pela interpretação plausível, construções coerentes,

observando o formato e linguagem empregada.

A pesquisa narrativa aborda questões éticas, como anonimato,

autoridade, riscos e abusos no caminhar, bem como factualidade e

verossimilhança, além do que se chama de “despertabilidade”.

Propositalmente, inicio pelo instituto chamado de despertabilidade, que

é em verdade um “estado de alerta”, pois a pesquisa está em uma zona

fronteiriça (desenvolvendo-se), conforme ensinam Clandinin e Connelly (2011, p.

236), ao afirmarem que “[...] ao ficarmos atentos às críticas e comentários sobre

os nossos estudos, poderemos desenvolver critérios para avaliar o valor das

pesquisas narrativas que fazemos”.

Mais do que remeter a pesquisa ao comité de ética ou à assinatura de

um termo de consentimento livre e esclarecido, o pesquisador deve ser

responsável pela “integridade, privacidade e bem-estar dos participantes, com

com total respeito aos valores morais, culturais, religiosos e éticos dos

mesmos” (ARANTES, 2009). Enquanto pesquisador narrativo me preocupo

com o ser humano, a história de vida e formação, logo somos responsáveis em

garantir a dignidade da pessoa humana, o que implica dizer em garantir

justiça, integridade, privacidade.

Nesse enfoque, nunca posso deixar de me perguntar, como o leitor irá

interpratar a história? Há previsão de algum possível dano aos participantes?

Clandinin e Connelly (2000) apontam que o problema não reside no momento

da pesquisa, mas sim no texto científico e publicação e por isso apostam no

reafirmar/reesclarecer o termo de consentimento ao longo da pesquisa.

No contexto do anonimato, algum detalhe pode trazer a real identidade

do participante. Clandinin e Connelly (2011, p. 226) alertam:

O que estamos tentanto deixar claro é que anonimato é uma preocupação constante ao longo de toda a pesquisa. Como pesquisadores, precisamos estar atentos as possibilidades que a paisagem e as pessoas com quem estamos engajados como participantes podem ser modificadas e transformadas.

O mais temerário, em sendo publicado o texto, é que você pode

aprisionar um momento da vida do participante de um modo negativo, até

constrangedor. Arantes (2009, p. 88) descreve:

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Aquele pseudônimo é uma personagem de sua vida, que não pode ser alterada. Mas o participante pode viver muitas outras histórias, escolhendo a personagem quer ser dali em diante. Muitos participantes jamais conseguirão se ver à parte da personagem do texto e se sentirão constantemente ofendidos, independentemente do nome que lhes for dado. Por isso, questões éticas devem ser negociadas em todas as fases da pesquisa narrativa, com o reconhecimento de que cada estudo é único, assim como cada participante.

Diante das reflexões, entendo que esse contexto ético e da

despertabilidade ao meu ver se agiganta na pesquisa narrativa pelo fato de

trabalhar com a experiência que em verdade é a história.

A viagem pelas paisagens propostas pelos textos de campo e textos de

pesquisa representam relevos das histórias, das vidas e experiências, de modo

que devemos estar atentos para os fatos e o que é ficção, para o “tom

açucarado” do “enredo Hollywoodiano”, para o que os olhares dos nossos “eus”

clarifiquem os novos tons e coloridos do que acontece, tudo isso, é “senso de

responsabilidade relacional”. Mascarando-se nada, os riscos, os perigos e os

abusos são minorados, já que se estabelece a verdade. E assim, “[...] os

participantes frequentemente dão carta branca aos pesquisadores para dizer o

que desejarem” (CLANDININ; CONNELLY, 2011).

Sob outro ângulo, é um risco a aproximação extrema entre pesquisador

e pesquisados? Essa pergunta também ecoa em meus ouvidos. Porém, ainda

que arriscado, vejo este como um caminho árduo, mas extremamente rico para

alcançar os resultados que pretendo.

Trabalhar com os desejos, as esperanças, os sentimentos dos

participantes e com a maneira como essas pessoas interagem em sociedade é

certamente descobrir quem é o jovem que percorre os caminhos do curso de

Direito. Quais seus anseios? Quais as influências determinantes para sua

escolha? Que lugar social eles ocupam? O que esperam do curso? Como

vislumbram o futuro a partir do curso superior? São muitos os

questionamentos, mas infinitamente maiores são as experiências que irão

compor o quadro final que busco nesta pesquisa.

Em minha trajetória de trabalho com a pesquisa narrativa, busquei

estabelecer minhas bases em Clandinin e Connelly e ainda em Mello, a fim de

realizar a exploração dos três pontos centrais dessa modalidade de pesquisa: o

tempo, a socialidade e o lugar. Como dito, partindo das experiências já vividas

pelos jovens participantes do estudo e observando o que eles ainda vivenciam,

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busco desenhar o quadro das memórias mais significativas para eles e que

determinaram suas escolhas (se, de fato, eles escolheram o curso).

Os aspectos da temporalidade, socialidade e lugar constituem facetas

da experiência, e dessa forma não devem ser dissociados, porém podemos dar

ênfase a cada um deles em momentos específicos. Ao elaborar os textos de

campo e analisar o referencial teórico-metodológico, fui concedendo relevo a

pontos diversos dessas facetas da experiência. Considerando essa produção,

narro essas histórias de vida e reinterpreto os significados da formação vivida

por eles e busco evidenciar o que os influenciou sua inserção na graduação

em Direito. Por tais razões, Neves dos Santos e Kochhann (2014, p. 107)

arrematam:

[...] nas tramas e paisagens que a narrativa traz em si o passado, o presente e o futuro, numa relação não cronológica, mas sim significativamente produzida pelas memórias do(s) narrador (es), que traz à tona pela voz os pensamentos que povoam seu ser e são muito bem comparadas com nossas histórias pela verossimilhança do que é contado (ao ser ouvinte).

A fim de evidenciar os pontos ora almejados, começo por retratar as

experiências a partir de referenciais teórico-metodológicos, costurando as

teorias de base com as narrativas fornecidas pelos participantes da pesquisa.

2.5.2 A Hermenêutica Filosófica de Gadamer: contribuições para a

Pesquisa Narrativa

“O que perfaz um verdadeiro diálogo não é termos experimentado algo de novo, mas termos encontrado no outro algo que ainda não havíamos encontrado em nossa própria experiência de mundo” (GADAMER)

O ser humano tem em sua condição humana a imprescindível

necessidade de explorar suas potencialidades, experienciando-as. Assim, o

homem deve ser entendido como ser histórico e cultural, com consciência

histórico-efetiva. Ainda mais para a atualidade, na qual é representada pela

sociedade “líquido-moderna”, conceituada pelo sociólogo Bauman (2007, p. 7)

do seguinte modo:

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[...] é uma sociedade em que as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das formas de agir. A liquidez da vida e a da sociedade se alimentam e se revigoram mutuamente. A vida líquida, assim como a sociedade líquido-moderna, não pode manter a forma ou permanecer em seu curso por muito tempo.

Despertar para o que acontece com nossa sociedade é crucial para

que não façamos o movimento “do rebanho” (sermos mais um), como por

exemplo, vivermos reféns do desejo insaciável pelo ter do consumismo, “[...]

qualquer que seja a altura atingida pela pilha dos outros objetos (físicos ou

psíquicos) que marcam seu passado”. (BAUMAN, 2001, p. 42).

Com a individualização do viver, o homem é excessivamente

responsabilizado, segundo Bauman (2001, p. 43) de modo que o que “[...] é

dito hoje, e aquilo que passaram a acreditar, de modo que agora se comportam

como se essa fosse a verdade”, seria uma ação-reflexão compromissada com

a consciência histórico-cultural?

Decididamente não, vital retomar a consciência do papel do homem na

história, da emancipação do sujeito, fundamental para o bem viver, na

plenitude por novos horizontes nos dias atuais. Nesta vereda, recorro-me à

Souza Santos (2003, p. 50):

Depois da euforia cientista do século XIX e da consequente aversão à reflexão filosófica, bem simbolizada pelo positivismo, chegamos a finais do século XX possuídos pelo desejo quase desesperado de complementarmos o conhecimento das coisas com o conhecimento do conhecimento das coisas, isto é, com o conhecimento de nós próprios.

Assim, em busca do conhecimento de nós próprios em detrimento do

puro senso comum ou positivismo, Santos (2003), no livro “Um discurso sobre

as ciências”, fala do “conhecimento prudente para uma vida decente”, na

dicotomia dos paradigmas científico e social. O autor pondera quatro

características da Ciência Pós-Moderna (SANTOS, 2003), quais sejam:

todo conhecimento cientifico-natural é científico-social”- aqui apresenta

a ideia central de que as descobertas do homem são influências pela

historicidade, não há isolamento entre o conhecimento natural do social;

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-“todo conhecimento é local e total”- o conhecimento produzido

individualmente tem como tendência é estender a todos grupos e pessoas tais

conhecimentos/saberes;

-“todo conhecimento é autoconhecimento”- apregoa que os

conhecimentos sobre tal objeto representam a continuidade de um sujeito,

demonstrando claramente o movimento contemplativo do ser, diante das

incertezas do saber;

- “todo conhecimento científico visa constituir-se em senso comum”-

vital que a ciência pós-moderna dialogue com o senso comum, buscando

algumas virtudes inerentes a este tipo de conhecimento/saber, já que

possibilita maior compreensão do mundo- em uma dimensão libertadora.

Partindo dos pressupostos apontados por Santos, interpenetrar o

senso comum (aqui entendido como conhecimento vulgar e prático que

orientam as nossas ações dando sentido à vida) (SANTOS, 2003, p. 54), por

meio do conhecimento científico pode oportunizar uma nova racionalidade, um

diálogo para a compreensão do mundo, de modo libertador.

É neste sentido que o autor Gadamer colabora para uma nova visão

das ciências, por meio da hermenêutica filosófica, já que concebe que o

produto final do experimento pode ser alterado pelas influências do meio.

Nesse ponto, fundamental entender que o que a hermenêutica

gadameriana propõe é uma abertura da compreensão de todas as possíveis

dimensões do fazer humano, sempre afetadas pelos experimentos.

Segundo Gadamer (2007, p. 465), pode-se afirmar que a hermenêutica

passa do método positivista para uma ontologia, o modo de “ser do homem”,

de conhecer, de compreender, já que a estrutura é dinâmica, dialética: “[...]

abertura à experiência que é posta em funcionamento pela própria

experiência”.

Na composição da essência histórica do homem há a exigência de

dissabores, frustrações para possibilitar novas experiências, as quais nunca

chegam a um fim, mas está consciente da finitude do humano, de tal limite.

(GADAMER, 2007).

Calcada no ser e na linguagem, vemos o caráter interpretativo

hermenêutico para a compreensão humana, no movimento de abrir-se para o

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diferente, já que o outro, necessariamente, tem algo a dizer. Assim, conforme

Gadamer (2007, p. 472):

Sem essa abertura mútua, tampouco pode existir verdadeiro vínculo humano. A pertença mútua significa sempre e ao mesmo tempo poder ouvir uns aos outros. Quando dois se compreendem, isto não quer dizer que um “compreenda” o outro, isto é, que o olhe de cima para baixo. E igualmente “escutar alguém” não significa simplesmente realizar às cegas o que o outro quer [...] A abertura para o outro implica, pois, o reconhecimento de que devo estar disposto a deixar valer e mim algo contra mim, ainda que não haja nenhum outro que o faça valer contra mim.

A compreensão é uma condição humana, o que para tal é uma

interpretação que passa/transpassa nosso modo de viver nossas experiências,

sendo de tal sorte temporal e intencional. Por tal motivo, Gadamer usa a

metáfora “fusão de horizontes” para entendermos sobre a contribuição do outro

para/pela humanização.

Assim o compreender/interpretar não é restrito somente para as

ciências, mas está inserida cristalinamente ao “todo da experiência

humanizada”, pela interiorização das vivências, pois se compreendo é porque

compreendo de modo diverso (GADAMER, 2007).

Nesse contexto, vejo que o “diálogo vivo” dos sujeitos, nessa

dialogicidade, fundem horizontes na/para compreensão humana, de modo que

acredito fielmente que nossa pesquisa recebe valorosas contribuições com a

Hermenêutica Filosófica de Gadamer, na medida em que trabalhando com a

narrativização e experiência, dentre outros aspectos, o autor traça uma

proximidade pelo diálogo e no diálogo.

Acredito que a Pesquisa Narrativa, exatamente como ensina Siqueira

(2009, p. 45) “[...] compreende este apelo interpretativo hermenêutico, embora

não explicite, discursivamente”. Ainda, corroborando, Siqueira (2009) em sua

pesquisa assim testificou que “[...] a hermenêutica filosófica de Gadamer (2005), no

que diz respeito à interpretação e compreensão como consciência histórica, auxilia-me

na construção desta pesquisa narrativa [...]”

É nas possibilidades gigantescas das paisagens narrativas que os

pressupostos de Gadamer ajudam a compreender os caminhos possíveis da

pesquisa, entendendo a complexidade da condição humana, nos movimentos

de abertura para o outro e com o outro, abrindo-se para o conhecimento da

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existência humana, aos quereres, aos dissabores, aos sonhos e as lutas, isto é

o aprendizado na vida e com a vida.

Olhando ao nosso derredor, aos multifacetados acontecimentos da

contemporaneidade e experiências do futuro/porvir, vemos “[...] como é longo o

caminho que se deve percorrer para enfrentar as lutas que estão por vir”

(BAUMAN, 2007, p. 195), creio que a força transformadora do diálogo traga

uma comunhão de respeito no encontro com o outro e de si mesmo, anseios

partilhados pelos pesquisadores narrativos.

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3 VIDAS, TEMPOS E ESCOLA: O PERCURSO ESCOLAR DOS JOVENS

“Dá-me a tua mão: Vou agora te contar como entrei no inexpressivo[...] [...] de como entrei naquilo que existe entre o número um e o número dois, [...]entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam existe um intervalo de espaço, existe um sentir que é entre o sentir (LISPECTOR, 1999, p.156)

Com aproximações na Pesquisa Narrativa de Connelly e Clandinin

(2000) e Mello (2005), vários textos comporão a tessitura deste trabalho. Os

Textos de Campo são conceituados como todos os materiais documentários

produzidos pelo pesquisador e/ou participantes da pesquisa, veja que não são

dados encontrados ou descobertos, são criados. De modo que forma e dá

forma ao chamado espaço tridimensional da pesquisa, tais quais o Lugar, os

Participantes e os aspectos Pessoal/Temporal das experiências.

Assim, seguindo o referencial teórico-metodológico, realizei oito diários

(escritos após a ida a campo), cinco notas de campo (escritas no local em que

vivenciava a experiência), 13 conversas (gravadas) e conversas pela rede

social “WhatsApp”.

Ainda nessa perspectiva, valho-me desses registros para extrair os

detalhes daqueles que cederam o mais rico material empregado nesta

dissertação: suas próprias histórias de vida pessoal e acadêmica. O que

apresento a seguir são, portanto, os participantes da pesquisa, cada um com

seus tesouros memorialísticos a serem desvendados.

A escolha desse corpus de pesquisa é deveras peculiar, do qual até

poucos anos atrás eu fazia parte: os jovens acadêmicos do curso de Direito.

Já sabia que eu não teria vida fácil durante a pesquisa, mas, ao iniciar

o trabalho com esses jovens, meu enriquecimento como ser humano e

também como pesquisador seria certo e os registros comporiam um tesouro

humano e acadêmico. Preciso “transver”, como ensina Barros (2004b, p. 75) o

que nos passa, transpassa, assim como diz meu amigo Manoel: “O olho vê, a

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lembrança revê, e a imaginação transvê. É preciso transver o mundo.”

Queria a palavra sem alamares, sem/ chantilenas, sem suspensórios, sem/ talabartes, sem paramentos, sem diademas, sem ademanes, sem colarinho/ Eu queria a palavra limpa de solene Limpa de soberba, limpa de melenas./ Eu queria ficar mais porcaria nas palavras./ Eu não queria colher nenhum pendão com elas. Queria apenas ser relativo de águas./ Queria ser admirado pelos pássaros. Eu queria sempre a palavra no áspero dela. (BARROS, 2007b, p. 51).

Os participantes se mostraram muito participativos com a pesquisa,

sempre atendendo aos pedidos solicitados e com histórias que merecem ser

contadas.

Convivendo com os participantes, percebo que são jovens

universitários com identidade cultural indicado como no trabalho por Pimenta

(2005):, solteiros, com menos de vinte e cinco anos de idade), em um

tempo de possibilidades, do experimentar, da busca, do prazer, dos

erros/acertos.Cada um com suas histórias, suas experiências pessoais e

formativas.

Ademais, são sujeitos preocupados com o devir, já que assim

como Abramovay e Esteves (2007), Spósito (2002) e Corrochano (2008),

entendo que a juventude é ciclo de vida e inserção na sociedade, os

jovens são sujeitos do processo social, seres constituídos de uma

história única que deve ser respeitado no tempo do hoje (CASTRO,

2001).

3.1 AS NARRATIVAS DOS PERCURSOS ESCOLARES DOS JOVENS PARTICIPANTES

“-Eu roubo as horas para lhes dar tempo. Tempo de aprender a usar o tempo. Quem tem hora nãotem tempo: tempo de olhar o tempo. Será que vai chover? Será que as flores já abriam? Como será o arco-íris? Qual a cor dos olhos do meus amados? Temos tempo para isso? Não! Isso ocupa muitas horas. E tocamos nossas vidas, olhando os relógios que marcam as horas de nossas vidas, e esquecemos de marcar nossas vidas no tempo” (MUNDURUKU, 2007, p. 25)

Neste ponto da pesquisa, trago percepções sobre as narrativas dos

participantes e seus tempos da escola, isto é, o que foi experienciado e o que

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ficou guardado na memória dos participantes da pesquisa em sua trajetória

estudantil, antes de adentrar na universidade.

Meu intuito é dar significado de como os participantes, jovens

universitários, compõe e dão sentidos às experiências vividas, de acordo com o

que ensinam Clandinin e Connelly, 2011, p. 22 “[...] o que nos interessa

observar, participar, pensar sobre, dizer e escrever sobre o fazer e o ir e vir de

nossos colegas, seres humanos”.

Aqui a experiência é atrelada ao conceito de Dewey (1972) e Larrosa

(2002), isto é, (res)significa a preservação do vivido, por meio da memória,

tesouros guardados e ativados pela emoção, sentidos e vivências, que nos

toca e fica.

Diante dessas paisagens, e falando em tesouro, rememoro aqui as

palavras de Ely e outros (2006) ao dizer que “[...] naturalmente reconhecemos

que a escrita por si só é frequentemente angustiosamente difícil, solitária e

brutalmente irritante. Mas também mantém a promessa de uma certa glória”14.

Convido você, neste momento, a conhecer os participantes desta

pesquisa.

Aqui vemos as marcas deixadas pela caminhada estudantil de cada

participante, cada aluno. Assim, apresento, primeiramente, a trajetória de

Arthur, Pitty e Álvaro. Após, apresentando os demais participantes, teço

considerações sobre a vida escolar de Maria, Joana e Laís.

Neste momento trago as palavras de Arthur, que bem ilustram a ideia da

trajetória de estudo desses jovens e a estreita relação entre condição financeira

e social e a educação básica e superior:

Ah, os estudos, tipo, estudei numa escolinha particular, em uma cidade vizinha. O

preço era um pouco caro, estudava eu e meu irmão, daí a diretora da escola fazia um

desconto na mensalidade, senão meu velho não conseguia pagar. Tipo, sempre gostei de

ler, então não tive muito problema no desenvolver deste período letivo,.. Eu fazia amizade

por causa das histórias em quadrinhos, fazia amizades contando fatos ou qualquer

coisa que lia nos gibis, mas eu era tímido, mas isso me ajuda demais, prof. [...] Estudei

14

“(…) of course we recognize that writing in itselfis often wrenchingly difficult, loney, and

brutally upsetting. But it also holds the promise of a certain glory” .”(ELY et al.;2006, p.13.)

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nessa escola particular até a terceira série, tipo assim...escola oferecia até a quarta série.

Daí meu irmão, concluindo os estudos, acabou o desconto na mensalidade e puts (sic)

tiver que sair, portanto, passei para uma escola pública. O povo fala de escola pública e

privada, eu acho que é verdade, tipo eu senti a diferença do ensino. Enquanto a maioria

da sala estava aprendendo a ler, escrever, fazer operações de matemática, eu já tinha

aprendido isso e ansiava por aprender mais, daí, no próximo ano, voltei para a escola

particular, com alguns sacrifícios do meu pai, e concluí minha quarta série. Dinheiro é o

que move até estudar num lugar melhor neh, daí depois da quarta série concluí o ensino

fundamental em uma escola pública, sem maiores desafios.

[...] a partir do ensino médio (escola pública) é que começa a ficar interessante. Eu

lembro que os conteúdos eram diversos e até desafiadores. Tinha matéria que eu levava

pau, mas em outras, tais como português, literatura e outras, eu ia bem. Mas JESUS!!!!

A tal matemática me matava. As vezes nos reuníamos para estudar matemática, sempre

um colega que sabia ensinava os mais fracos. O problema era, não tínhamos foco. Íamos

para casa de alguns colegas, daí, conversámos a tarde toda, jogávamos no videogame,

comíamos feito gafanhoto (gargalhadas) e no final da tarde, faltando uns 30 (trinta)

minutos para às 17 horas é que lembrávamos da tal matemática (risos).Mas o fato mais

marcante no ensino médio foi quando o Tribunal de Justiça do Estado fez um “negócio”,

convênio, contrato do Menor Aprendiz (não sei bem o nome do acordo), com a minha

escola, para que nós nos inscrevêssemos para fazer estágio no fórum local. Foi marcante,

em razão disso, finalmente, decidi por cursar direito.

Ainda na esteira do histórico educacional dos participantes da pesquisa,

Pitty narra:

Tipo, estudei do maternal ao 3º ano do ensino médio na “Escola Luterana Siegfried

Buss”, a única escola particular da cidade. Além das apostilas o maior diferencial da

escola é que ela era companheira dos alunos, ela possui um contato direto com os pais

através de gincanas, cultos semanais, e aulas que já foram retiradas da grade como

ensino religioso onde lá é obrigatório. Uma vez por semana íamos na igreja também para

o devocional, onde ouvíamos a palavra de Deus e após isso a diretora dava os avisos da

semana. Os professores sempre muito companheiros davam muita atenção tanto em

relação as matérias quanto aos assuntos pessoais, o que na escola Luterana é mais fácil

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pelo fato da sala com o maior número de pessoas for 20. Esse realmente foi o melhor

período da minha vida.

A respeito desse mesmo aspecto, Álvaro explica:

Meus estudos se iniciaram nos Estados Unidos. Por ser um outro país minhas

primeiras impressões foram muito positivas por ter um ensino de qualidade, mas quanto

retornei ao Brasil, me decepcionei com a qualidade de ensino que era oferecida pelas

escolas do país. Nos Estados Unidos, tudo era muito organizado, as pessoas eram

comprometidas, educadas, até frias às vezes, mas eram sempre muito competentes. Aqui

no Brasil, eu via mais preguiça, parece que todo mundo deixava que a vida levasse eles,

mas não buscavam dar o seu melhor. Isso me fez ver que ainda tem um abismo entre a

educação americana e essa que a gente recebe no Brasil.

Tive bons professores no Ensino Médio. Não tive colegas, mas os que eu me lembro

são Leonardo e Cosme. Na minha adolescência nunca fui de vivenciar coisas interessantes,

a única que foi interessante foi eu ter morado nos Estados Unidos. Igual eu falei antes, o

choque de realidade pra mim foi muito grande. Imagina, professor, você vive nos Estados

Unidos e de repente volta pro Brasil e vê que o ensino, que é o ponto mais importante, é

tão fraco e desorganizado...Dá uma tristeza lembrar.

Meu ensino fundamental e médio foram tranquilos, nunca tive muitas dificuldades

nas matérias, porém sempre fui ruim em português. As matérias que eu mais apreciava

eram física, matemática, química. Dá até pra imaginar, né, professor, por que português

era minha maior dificuldade. Eu comecei minha vida falando e escrevendo inglês e, claro,

o português não seria fácil pra mim. Eu esperava que existissem muito mais desafios na

escola, principalmente no ensino médio, mas tudo foi tranquilo, até demais pra ser bem

sincero.

Compondo sentidos para as narrativas de Arthur, Pity e Álvaro,

percebemos que os dois primeiros tiveram em sua trajetória contato com a

escola particular, sendo que Álvaro conviveu por algum tempo com outra

cultura, inclusive a escolar, de outro país, qual seja Estados Unidos da

América. Assim, interessantes os itinerários seguidos pelos participantes.

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Enquanto Arthur, por questões econômicas foi para a escola pública, Pitty

estudou por até o término do ensino médio em uma escola particular. Já

Álvaro, retornando para o Brasil, demonstra a marca, o impacto negativo, da

baixa qualidade nas escolas do Brasil, especialmente no interior.

Lembro-me neste ponto de Abramovay (2003), pois acredito no papel da

escola como espaço de lutas e desenvolvimento do potencial de cada ser

humano, todavia diante das realidades sabemos que há uma certa tendência

dos alunos das escolas públicas terem uma bagagem cultural menor do que

aqueles advindos das privadas. Isto implica em um movimento de

reconhecimento dos diferentes contextos que o jovem vem e está, para que as

desvantagens de ordem familiar, de vida profissional ou pessoal não seja

determinismo para uma educação, para uma possibilidade a partir e além da

escola.

Por tais motivos, alicerçado na perspectiva do teórico Peralva (1997, p.

17), entendo que a juventude é uma fase particular da vida, “[...] não apenas

uma construção cultural, mas uma categoria administrativa, jurídica,

institucional, ainda que abrigando fortes diferenças sociais em seu interior”,

razão pela qual compondo sentido diante das narrativas dos participantes da

pesquisa percebe-se claramente os vários itinerários não monolíticos, diversos,

isto é, modos distintos nas dimensões identitárias do ser jovem (CARRANO,

2003).

Maria também revela sua trajetória de estudos:

Meus estudos foram tanto ensino fundamental e ensino médio em escolas públicas.

Iniciei meus estudos na escola municipal Tancredo Neves. Minhas primeiras impressões

sobre a escola era que seria um lugar no qual aprenderia muito e faria meus amigos.

As professoras sempre foram minhas amigas. Me lembro muito da primeira

professora, que me ensinou a ler, o que no momento eu achava fascinante. Eu fazia todas

as tarefas que ela passava e quando saía com meus pais, queria ler todas as

placas...exatamente como acontece com quem está aprendendo algo novo: eu queria

mostrar pra todo mundo.

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Na escola, fiz muitos amigos, que tenho até hoje por perto. A escola era simples em

sua infraestrutura, mas possuía muitos livros que me fizeram despertar o gosto pela

leitura. Ao ver os livros na estante da biblioteca, eu sonhava com o conteúdo que eles

podiam trazer. Estudar em uma escola simples não tirou de mim a oportunidade de ter

uma educação de qualidade e nem tampouco de ler. Enquanto todo mundo da minha

idade amava correr no recreio, eu tava sempre indo pegar um livro pra ler em casa. Só

depois de escolher, é que ia brincar com minhas amigas.

Me lembro muito muito bem das coisas que aprendia. Sempre que chegava em casa

ia tentar ensinar meu irmão mais novo, eu brincava que era a professora dele. E hoje ele

se sente orgulhoso de mim. Lembro também das primeiras experiências de apresentações

de trabalho, eu era muito tímida, mas sabia apresentar bem. Participei de muitas feiras

de ciências em meu município e na maioria das vezes eu representava a minha escola. No

ensino fundamental e no ensino médio. Sempre tirei notas boas, era líder de sala e me

consideravam nerd.

Sempre fui boa em matemática e português, mas não me dava bem em história,

sociologia e filosofia. Eu nunca gostei muito daquelas matérias que eram mais teóricas,

sabe? Sempre gostava de coisas práticas e me dedicava a elas.

No ensino médio participei do conselho deliberativo, eu era a vice-secretária e gostei

muito de participar, pois mudou muito a minha visão sobre pedir as coisas e as

necessidades que a escola possuía. Apesar de ser tão jovem, eu colaborava com a escola e

sabia que eu tinha importância para aquela comunidade. Não era fácil, mas era ótimo...

Joana não deixou de falar de seus estudos:

Os meus estudos foram todos em escola pública, porém foram proveitosos, já que

os professores da época eram mais firmes em seu ensinamento. Eles não batiam muito

papo com a gente, mas ensinavam muito bem e faziam aquilo que eu acho muito

importante: cobravam o tempo todo. Quando você é criança, não sabe o que quer da vida.

Seus pais e professores é que devem te orientar que caminho seguir. Não se deve deixar

que uma criança ou um adolescente decida o que quer ou não fazer em relação aos

estudos. Acho que o papel dos professores é muito semelhante ao dos pais, viu? É função

dos dois direcionar a gente para o melhor caminho e, depois disso, podemos andar

sozinhos, pois saberemos o caminho da paz, da tranquilidade e da responsabilidade.

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Me lembro bem que, desde criança, sempre fui muito curiosa, queria logo ir para a

escola. Me lembro que gostava muito das minhas professoras, me dava bem com os meus

colegas, não dei muito trabalho na escola. Engraçado que eu sempre achava todas as

minhas professoras lindas e eu achava que elas era diferentes de todo mundo. Quando via

alguma delas na rua, ficava muito surpresa e sempre queria mostrar pro meus pais.

Muito interessante isso...foi uma marca bem legal dos meus professores na minha

infância. Quando terminei bem o jardim fiz um provão realizado pela secretaria de

educação, que permitia que eu fosse direto para a segunda série sem cursar a 1ª. Passei e

fiquei muito feliz. Me lembro que o primeiro livro que li foi na quarta-série na aula de

ensino religioso “Livro Bíblico da Rute”. Lembra que eu falei que o professor deve ser o

guia? Tá aí...ela me mostrou o caminho da leitura, com algo bem simples, adequado à

minha idade, mas muito significativo, tanto que nunca esqueci o nome da obra.

A vida quando criança é muito boa, pois a única preocupação que tínhamos era

estudar e passar de ano. Um fato que marcou nesta época minha vida foi quando

descobri que havia perdido 80% da minha visão e que era irreversível meu caso. Para

mim, foi um momento que tive que encarar com muitas dificuldades. Já imaginou,

professor? Se pra um adulto não seria fácil perceber e conviver com a doença, imagina

para uma criança? Não foi fácil viu... (longa pausa, a participante tem agora os olhos

cheios de água)

Desculpe, professor. Então, já durante o período do ensino fundamental e médio,

tive um bom aproveitamento, sempre gostei muito da disciplina de matemática, porém

tinha dificuldades em memorizar a História, mesmo com essa dificuldade nunca repeti de

ano. aquela velha história, eu tinha facilidade com os números, mas a História, um tanto

teórica, me parecia muito distante. Tudo que fosse menos teórico e mais prático parecia

bem mais legal pra mim. Como eu te disse, sempre fui muito curiosa, mas curiosa na

prática, parece que as coisas só servem se eu for utilizar no dia a dia ou se eu puder

tocar, sabe? To achando mesmo que eu sou é sinestésica! (risos)

Por fim, Laís também narrativizou sua trajetória escolar:

Quando ainda muito criança, ia sempre à escola com meus pais, já que minha mãe

precisava trabalhar e não havia com quem me deixar. Por isso, sempre convivi nesse

ambiente escolar e cercada de livros. Já desde a pré-escola sempre me destaquei, graças à

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minha desenvoltura, facilidade de comunicação e boa articulação entre os colegas de

turma. Vejo algumas fotos da época e, pelo jeito, eu era bem metidinha, professor.

Me lembro de que, entre os 7 e os 14 anos de idade minha brincadeira favorita era

escolinha. Às vezes, brincava de escritório, mas sempre acabava voltando à brincadeira da

sala de aula. A única condição que eu impunha às minhas amigas, todas mais novas do

que eu (risos) era de que eu deveria ser a professora. Nós pegávamos folhas de papel

sulfite, quadro, giz e canetas e eu sempre dava as aulas. Meus finais de semana eram de

intensos e longos períodos de brincadeira de escolinha. Como minha mãe não gostava que

eu ficasse na rua, eu e minhas amigas sempre brincávamos na área de casa. Nem eu sei

de onde eu tirava tanta coisa para montar a escolinha.

Mesmo gostando tanto de brincar de escola, na sétima serie, aos 12 anos, dei muito

trabalho para minha mãe. Sempre estudei em escola pública estadual e minha mãe nunca

admitiu que desrespeitássemos os professores e sempre exigia boas notas e bom

comportamento, mas nesse período eu só queria conversar na sala de aula. O problema

era que, mesmo assim, só conversando, eu sempre entendia os conteúdos, mas

atrapalhava os colegas, que davam mais atenção às minhas conversas do que aos

professores. Me lembro de que nessa época eu cheguei a descuidar em relação à

matemática – a matéria de que eu menos gostava - e fiquei de recuperação. Quase repeti o

ano por conta disso e acho que essa experiência me fez acordar. Já na oitava série mudei

de postura e passei a me comportar melhor. [...]

Quando cheguei ao ensino médio, melhorei meu comportamento ainda mais e passei

a me dedicar mais aos estudos. Lembro que uma experiência em particular me fez

escolher o curso de Letras. Quando estava na oitava série, precisava fazer uma prova de

português, sobre análise sintática e estava com dificuldades. Como já trabalhava, pedi à

professora de língua portuguesa da escola que me explicasse o que era verbo transitivo e

o que era objeto direto. Adorei a explicação dela, apliquei o que tinha visto e consegui

tirar 9,0 na prova. Minha professora àquela época (sempre estudei em escola pública

estadual), me pediu pra explicar pra sala toda como eu tinha conseguido aquela nota e

depois decidi que eu faria Letras e seria melhor que ela e que seria tão boa quanto aquela

que me fez entender o conteúdo. Durante oitava série e o 1º e 2º ano do ensino médio, eu

estudava de manhã e trabalhava à tarde. No terceiro ano, preferi apenas estudar.

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Nas últimas três narrativas, os participantes Maria, Joana e Laís

testificam que eram alunas de escolas públicas, demonstrando um vínculo

afetivo com a instituição de educação.

Maria apregoa que sua escola não tinha infraestrutura, mas tinha

qualidade. Interpretando a questão, vejo que o Estado deve garantir condições

estruturais adequadas, sendo este um dos requisitos para qualificarmos a

educação como de qualidade.

A participante Maria, mesmo sendo tímida, menciona que se esforçava

para apresentar as atividades e seminários na época de escola e gostava de

realizar as leituras dos livros da biblioteca.

Joana também se considera leitora e curiosa com o aprender. Notei que

ressalta em sua narrativa o papel do professor, principalmente para a

autoridade que o docente tem que apresentar nas cobranças para com os

alunos.

Emoção e diversos sentimentos afloraram quando mencionou o

problema de saúde em que foi responsável pela perda parcial da visão. Pelo

sentimento gerado, compreendi que em respeito a sua dignidade não poderia

tocar em assunto tão delicado para a participante Joana.

Assim como as demais participantes, Laís estudou em escola pública,

sempre vivenciou o ambiente escolar, até em razão de a mãe ser professora e

não ter outro ambiente para deixá-la. Com boas notas realizou sua caminhada

estudantil.

Como ela mesma diz, atrapalhando seus colegas e dando trabalho para

sua genitora, cursou o ensino fundamental. Significando, vejo que Laís é uma

das mais comunicativas, despojada, tanto é que se qualifica como “metidinha”

na época da sua trajetória escolar. Inspirada nas brincadeiras de professora,

tirando dúvidas para uma prova de português decidiu fazer, como primeira

graduação, o Curso de Letras.

Nesta seção, dando sentido às narrativas dos participantes e à vida

estudantil de cada um, recordo-me das minhas experiências estudantis, lá na

pacata Guiratinga e Rondonópolis-MT. Do menino que começou a lecionar na

cozinha de casa, do estudante das escolas salesianas, das travessuras de

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qualquer infante, que se fez jovem. Fitava o futuro qualificado por mim como

“dias melhores”, nos entremeios da vida pessoal e profissional: entre a

licenciatura de Matemática e o mundo das leis, nos cenários jurídicos.

Com meus pensamentos narrativos, escrevo esta página, entendendo

que esta não está em branco- sem conteúdo e contexto, acredito que na

candura já existem pontilhados, tracejados, rabiscos, formas e contornos muito

próprios. Lá povoam minhas memórias, imagens, vivências, reflexões,

experiências e memórias de toda uma vida, histórias de quem a escreve.

Nesta fração de segundos, penso a respeito da importância dos textos

de campo, Ely et al. (2006, p. 19) defendem que:

[...] no segundo que colocamos a caneta no papel para fazer as primeiras anotações do diário de campo, nós já estamos selecionando, eliminando ou descobrindo dados da coisa real muito mais complexa que temos presenciado para contar uma história crível. Como e o que nós categorizamos, ordenamos ou abstraímos é uma reconfiguração15. (Grifo nosso) .

É por este recontar de histórias que vou selecionando, descobrindo e

narrativizando16 os movimentos experienciados pelo viver dos participantes,

exprimindo-me pelos fios entrecruzados dos meus sentidos, pensamentos,

significantes, reflexões e vivências, para daí, aproximando da composição de

significados17, construir possíveis sentidos diante da pluralidade.

Nessa esteira, Ely et al (2006, p. 19) conceituam:

15

“[...] the minute we begin thinking about the field, the second we punt pen to paper for fild log entries, we are already selecting, droppingor figuring data from the far more complex real thing that we have witnessed inorder to tell a credible story. How and what we categorize, order, or abstract is a refiguration.” 16

Narrativizando (ou narrativizar) é um termo usado ao longo da pesquisa na perspectiva

proposta por Clandinin e Connelly (2011) pelo espectro deweyana do compartilhar da experiência como um bem humano- significando o co-colaborar ou a co-construção da/na experiência recontada pelo vivenciado e/ou historiado. A ideia é entender, pensar, refletir, interpretar como as pessoas experimentam, compreendem, vivem, contam e interpretam as experiências. Como nossa vida de cada dia- cotidiana- “[...] em qualquer ponto no tempo, ela é co-construída pelo pesquisador e pelos participantes.” (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 121). 17

Ao longo dessa pesquisa a composição de significados é entendida na perspectiva teórico-metodológica defendida por Ely e outros (2006) e Mello (2005), no sentido de que a interpretação perpassa da análise dos textos d6e campo (documentos variados) à visão de mundo de quem realiza a pesquisa.

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Para configurar e reconfigurar nosso pensamento sobre os dados precisamos ouvir, ajustar e nos familiarizarmos novamente com o que nos fez interessar pelo tópico no início. Então, muito cedo no processo é importante escrever, considerar, conversar, pensar e escrever mais. [...] Ao invés de uma tentativa de encontrar ou ver o significado “nos dados” é muito mais produtivo compor significado que os dados podem nos levar a entender.

As narrativas dos jovens universitários demonstram que “os jovens

enfrentam-se com o futuro”, assim como o teórico Pais (2006) nos alertou. Vejo

que os jovens participantes, cada qual a seu modo, demonstram a importância

da escola em suas vidas, ponderam o papel amplificativo, o melhoramento, as

portas que podem ser abertas, as novas possibilidades para a realização de

seus sonhos e projetos, além da “[...] possibilidade de uma vida com mais

conforto” (DAYREL, 2003, p. 16).

As experiências estudantis provocam o “saber da experiência” teorizado

por Larrosa (2002), isto é, “[...] o que se adquire no modo como alguém vai

respondendo ao que vai lhe acontecendo ao longo da vida e no modo como

vamos dando sentido [...]”.

Dentre outras narrativas, destaco apenas para elucidar a afirmativa

acima o trecho em que a participante valora a experiência vivida: “acho que essa

experiência me fez acordar”.

Como afirma Bernardo (2015) cada experiência de nossos participantes

da pesquisa é única, personalíssima, singular, já que entrecruza multifacetados

aspectos na composição dos sentidos da trajetória de formação.

Ajuda-nos a entender tais diversidades a proposição levantada por

Dubet (1994, p. 15), no sentido de que sejam condutas individuais em si ou

coletivas são “dominadas pela heterogeneidade de seus princípios constitutivos

e pela atividade dos indivíduos que devem construir o sentido de suas práticas

no meio desta heterogeneidade”.

A pluralidade de sujeitos é uma constante na escola contemporânea, já

que a sociedade perpassa pela diversidade, em vários aspectos, implicando no

contexto escolar modificado, oportunizando vivências de jovens advindos de

mais diversos ambientes socioeconômicos e culturais, assim a cultura escolar

tensiona novas relações escolares, conforme os dizeres de Dayrell (2007) e

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Perrronoud (1995).

Ressignificando as narrativas aqui pesquisadas percebe-se a

individualidade e diversidade de cada pessoa, histórias vividas e

experienciadas de jeitos/maneiras únicas, como o nosso participante que com

certo saudosismo fala dos lugares dos Estados Unidos, que a escola pública

fica aquém do cotidiano de uma particular, das brincadeiras de escolinha, ou da

aluna que crê “[...] que professores da época eram mais firmes[...], demonstram

como o ser caminhante é marcado de maneiras distintas e como isso os toca e

é compreendido.

Penso que é interessante destacar a forma com que os jovens

participantes entendem que a escola é um espaço social. Pity significa do

seguinte modo: ‘[...] o maior diferencial da escola é que ela era companheira dos

alunos, ela possui um contato direto com os pais através de gincanas, cultos

semanais[...]. Maria socializa “[...] a escola era que seria um lugar no qual aprenderia

muito e faria meus amigos[...].Assim, ficamos com Dayrell (2007) quando afirma

que os jovens tem a tendência de transformar espaços físicos em espaços

sociais produzindo significados, espaços justos para conviver afetivamente –

Dubet (2008).

Assim como proposto por Munduruku (2007, p. 25) ressignifico os

percursos escolares dos participantes e rememorando a minha percebo que a

Escola é uma espaço para/de vidas, espaço de celebrar, espaço em que

demonstra que somos eternos aprendizes: que este tempo-líquido não nos

deixe tocar nossa caminhada “[...] olhando os relógios que marcam as horas de

nossas vidas[...]” sem esquecer“[...] de marcar nossas vidas no tempo”.

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4. “POR QUE DIREITO?”: TEMPOS E CONTEXTOS DE UMA ESCOLHA

O futuro é uma figura da continuidade do

tempo e do caminho reto enquanto que o porvir é uma figura da descontinuidade do tempo e do aberto. Enquanto o futuro se

conquista, o porvir se abre. Enquanto o futuro se anuncia ruidosamente, o porvir

“vem com passos de pomba”. E enquanto o futuro nomeia a relação com o tempo de um

sujeito ativo definido por seu saber, por seu poder e por sua vontade – um sujeito que quer se manter no tempo. O porvir nomeia a

relação com o tempo de um sujeito receptivo – de um sujeito que se constitui

desde a ignorância, a impotência e o abandono, desde um sujeito, enfim, que

assume a sua própria finitude, a sua mortalidade (LARROSA, 2001, p. 286).

4.1 A FAMÍLIA, SENTIDOS E SIGNIFICADOS, RAZÕES DE UMA ESCOLHA

As conversas individuais, baseando-se teoricamente em Clandinin e

Connelly, revelam importantes achados, em que demonstram as influências,

marcas e valores que a família, a escola, os amigos despertam na provocação

da escolha profissional, em especial pela escolha do Curso de Direito.

Sabemos que é na Universidade, ou especificamente na escolha do

curso superior ou nos primeiros semestre de um curso, que a escolha

profissional é assunto premente, baseando-se no binômio colocação dos/nos

estudos e no mundo do trabalho.

O jovem, neste tempo e espaço social da “modernidade-líquida”,

vivencia em sua história constantes desafios e tensões no seio familiar, as

relações pessoais, na escola e fatalmente na escolha profissional,

acompanhando as mudanças profundas em meio a globalização, conforme

relata Dayrell (2007, p. 118) seria “[...] uma complexa trama de relações sociais

entre os sujeitos [...]”.

Nossa pesquisa aponta que a escolha pelo Curso de Direito tem

relação multifacetada com os atores sociais em que o participante vive/convive.

Nesse sentido, o participante Arthur relata que, em suas memórias, marcante

no Ensino Médio “foi o início de um estágio no fórum local, onde, finalmente, decidi por

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cursar direito”. Estaria ali o participante tendo seu primeiro contato profissional,

mas também a abertura para o mundo jurídico, a estética, as narrativas e todo

status de uma profissional tradicional?

Aproveitando o ensejo desse relato, perguntei neste momento: Você

acha que o estágio tem relação com sua escolha pelo Curso de Direito?

Nesse momento, o participante diz: Na fé, acho que sim, na moral! Ingressei

na faculdade com isso em mente, que tipo tem que afastar a exclusão da sociedade

naquilo que se refere ao Direito. Tipo, sendo algo acessível e costumeiro de todos. Eu

ficava, tipo, no atendimento, mas daí busquei aprender todas as funções que cabiam à

secretaria. Dentro do fórum percebi uma coisa meio óbvia. O mundo jurídico pode ser

representado por um círculo fechado, semelhante a um “clubinho secreto”, afinal, mesmo

a parte tendo acesso a tão esperada sentença do juiz através da consulta processual no

site do Tribunal (o que é considerada uma medida de justiça célere) ela é dependente do

advogado ou da secretaria para interpretar e entender o que está escrito. Justamente por

isso usa-se palavras rebuscadas e pouco convenientes, brocardos latinos, para causar

essa dependência e afastamento da sociedade (não-iniciados) aos operadores do Direito

(iniciados).

E ainda complementa: Num tem outro fator, porque meus pais e a

“parentaiada” não são da área, gostam do respeito que as pessoas têm com o juiz, com o

promotor, como a gente ajuda o cidadão que é pobre, sabe! É comovente, professor. Eu

escolhi o Direito por isso, foi muito bom o estágio, fez ver um mundo que para mim

“tava” muito longe. Eu tenho certeza que vou terminar esta faculdade para fazer a

diferença, mas também meus pais ficaram felizes queriam um advogado, alguém do

direito na família..é bom neh, (risos....). Eles me incentivam e muito na carreira, pois é

sólida, exige muito estudo e tem reconhecimento, meu pai queria fazer direito, mas não

teve jeito, era muito caro e nunca teve estudo suficiente para passar em uma faculdade

pública.

Ainda no que diz respeito às influências dessas escolhas, é preciso

lembrar que esta não afeta apenas o jovem, mas toda a família, já que este

pertence a uma família, que tem uma história e características próprias (Bock &

Aguiar, 1995). Em alguns casos, o projeto dos pais orienta-se por um binômio-

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contraditório, qual seja o a da reprodução, em que o sentimento desejado é

que seus filhos continuem a própria história; já a segunda, pelo critério da

diferenciação, em que seus filhos devem ter uma história que os próprios pais

não puderam ou tiveram oportunidades de realizar.

Essa concepção teórica se manifesta no trecho da fala de Arthur “[...] me

incentivam e muito na carreira, pois é sólida, exige muito estudo e tem reconhecimento, meu

pai queria fazer direito, mas não teve jeito, era muito caro e nunca teve estudo suficiente

para passar em uma faculdade pública”. Aqui o participante Arthur deixa às claras

que sua família exerceu certa influência e o incentivou pela escolha do Curso,

pelo “critério da diferenciação”, já que seu pai não pôde realizar o Curso de

Direito.

No mesmo caminho da busca por entender as influências na escolha

desses jovens, trago à baila as palavras da participante Pitty, que mostra que o

primeiro elemento decisivo para a escolha foi o desejo de dar orgulho à família:

[...]Sempre quis que minha família se orgulhasse de mim, pra quando eu fosse

alguém na vida, pudesse dar a minha mãe a vida boa que ela me proporciona hoje, tipo,

esse realmente é o maior motivo de eu querer cursar o ensino superior, quero que o povo me

respeite algum dia por causa do que eu sou e ai, poder proporcionar uma vida boa pra

minha mãe e minha vó.

A relação de afeto e liberdade entre mãe e filha é latente, veja este trecho

narrado por Pitty: “Sempre me dá opção de escolhas e me mostrando as consequências,

acho que fiz a maioria das escolhas certas por causa das orientações dela”.

Pelo relato, vejo que o ponto de partida para escolha de Pitty foi a

vontade de devolver, retribuir aquilo que a sua mãe e sua avó sempre lutaram

para lhe oferecer, ou seja, deixar a elas uma vida tranquila e confortável.

Surge, neste ponto, o status ligado aos fatores emocionais determinantes da

escolha: Pitty quer conforto para a família e para isso precisa ser respeitada e

cursar uma faculdade.

Especificamente em relação ao curso de Direito, diante do

questionamento a respeito dos motivos da escolha, a participante relata:

Hum, tipo, ser aprovada pra mim foi uma surpresa. Quando fui fazer o vestibular

fui meio que obrigada, eu nunquinha que quis direito, queria mesmo era medicina, e

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principalmente queria era ir para Cuiabá onde a maioria dos meus amigos estavam. Eu

não queria ficar aqui “forever alone” , mas aí como minha mãe naquela hora tava sem

condições, eu fui fazer o vestibular só por fazer mesmo, não tinha intenção nenhuma de

passar, tava meio nervosa, tipo, era o primeiro vestibular que fui fazer na vida .... assim

como na noite anterior era meu ultimo fim de semana com meus “brothers”, aquele povo

que estudaram comigo desde o maternal, ainda sai com eles contra a vontade da minha

mãe, fiquei com eles numa resenha até as 4h da manhã e fui fazer o vestibular

amanhecida. [...] Eu estava esperando não passar é claro , quando saiu o resultado da

prova objetiva fiquei passada, tipo, eu estava em quarto lugar com 63 pontos e fiquei

muito surpresa e animada, minha mãe ficou muito felizona, fez festa e tal, aí quando

saiu a redação a casa caiu, porque minha nota foi péssima na redação (15pontos)

totalizando 78 pontos, ainda tinha esperanças de entrar, ao todo eu estava em 44 ° lugar,

a segunda chamada foi 1, na terceira foram 3 e eu seria próxima mas, me sacaneando, na

quarta chamada foi chamado um cotista com 58 pontos, aí eu desisti, toda bolada de ter

saído um dia antes, que daí eu poderia ter feito uma redação melhor e não estaria

cansada na hora do prova. Mas a vida anda, né, e eu fiz um plano de estudo, organizei

minha apostilas e ainda fiz um horário de 12h por dia para eu estudar e tal, daí fiz

minha inscrição para um vestibular de medicina em Cáceres, até que um dia eu estava no

quarto estudando e minha vó bateu na porta falando que uma faculdade tinha ligado, eu

não dei importância, porque né..., até que passou um pouquinho e ligaram no meu celular

para avisar que eu tinha sido chamada. Saí correndo gritando minha mãe e no mesmo dia

fomos fazer a inscrição. Minha estratégia era estudar durante a noite e durante o dia eu

ia estudar para o vestibular de medicina. Achei que seria fácil, mas as matérias e a o

trajeto ate a faculdade é bem puxado e não consegui levar para frente, e confesso que

estou me apaixonando pelo curso de direito, mas ainda não desisti de medicina mesmo

que eu pense cada vez menos, ainda é uma grande duvida sobre que rumo quero tomar

com minha vida. Falo que quero fazer medicina e que estou com duvidas mas já até

escolhi o meu vestido de formatura acredita? Rsrsrs

O relato de Pitty reafirma a ideia de que o trabalho com o jovem não seria

fácil, mas resultaria num tesouro. O conflito de interesses na escolha ficou

latente. O desejo de dar orgulho à família e ser respeitada chocou-se com a

realidade da reprovação inicial no processo de seleção para o curso. Nossa

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participante sequer desejava especificamente o curso de Direito. A Medicina

lhe apetecia sobremaneira, mas as condições à época conduziram-na para o

curso de Direito. Ainda que não o quisesse, a frustração da reprovação e o

posterior ingresso no curso causaram mais um conflito de ideias na vida da

participante.

Tanto o conflito quanto o “se deixar levar pelo contexto da situação à época”

fazem parte da trajetória de vida de muitos jovens acadêmicos. Na história de

Pitty isso está marcado, posto claramente. Porém, vale destacar que, mesmo

ainda pensando no curso de Medicina (seu desejo inicial), a participante já se

sente envolvida no curso de Direito, apaixonada pela graduação, a ponto de já

se preparar para a formatura. Ela se deixou levar pela ocasião e hoje tem se

deixado apaixonar pelo curso.

Já Maria explica, a respeito das influências de sua escolha, que o que a

motivou não foi um desejo dos pais ou a vontade de atendê-los, mas sim sua

vontade nascida ainda na infância. Ela demonstra também muita dedicação ao

cursar Direito:

Especificamente em relação à minha vontade, desde a infância, de cursar Direito,

sempre achei bonito ver aquelas pessoas usando toga. Por isso, desde pequena, eu

buscava justiça das coisas, ser justa com tudo, deve ser por isso que interessei por Direito.

Quando fiquei sabendo que tinha sido aprovada no vestibular, fiquei muito feliz, pois

percebi que meu sonho estava começando a se realizar. Eu já me imaginava uma

profissional de sucesso e começar essa trajetória passando em uma universidade pública

me trazia mais ânimo. Na minha família, fizemos até uma festa em comemoração à

aprovação, pois todos sabiam o quanto eu queria aquela faculdade. Meus parentes todos

me apoiaram e a festa parecia ter mais sentido pra mim, sabe neh?

Joana também apresentou seus motivos para a escolha do curso. Ela

explica:

Ahhhh, hum...o sonho de se chegar ao nível superior veio logo que terminei o 3º ano

do ensino médio, mas não foi possível de imediato, pois meus pais não tinham recursos

para pagar uma faculdade particular. Nossa família era humilde, todo dinheiro que

entrava era usado pra pagar as contas. Nunca passamos fome, mas também nunca

conseguimos esbanjar. Não era todo dia que a gente comia carne e lembro que palmito a

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gente como duas vezes no ano, no máximo. Eu adorava palmito. Queria comer o vidro

todo, acredita? Iogurte nós tínhamos uma vez por mês, e olhe lá.

Logo após um ano, entrei no curso de ciências contábeis, onde cursei até o 3º ano.

Após tranquei por motivos constrangedores (pausa longa), na faculdade que me

desmotivou a continuar o curso, porém eu amava contabilidade, pretendo ainda concluir.

Após um tempo morando na capital, onde todas as minhas expectativas foram

frustradas, retornei à minha cidade natal por motivos de saúde e pude retomar minha

vida novamente. Infelizmente em Cuiabá minha vida não foi fácil e eu logo quis voltar

pra casa, oh tristeza, a gente não sabe nada da vida, mesmo.

Assim que voltei tentei o vestibular para o curso de Direito ainda pela Uned, porém

não passei. Outra frustração e aqui eu lembro muito uma frase forte pra mim, que diz

que frustração não mata, mas ensina a viver e é bem isso mesmo. Já viu o tanto de coisa

chata que eu passei? E eu desisti, professor? Claro que não. Eu posso até perder, mas eu

perco com dignidade, com a luta e nunca sou vencida pela desistência, não admito. Isso é

pros fracos.

A narrativa de Joana rememora várias passagens vividas por este

pesquisador, mas, sobretudo, do que passam as famílias que não dispõem de

recursos financeiros pelo Brasil afora, mas o que é notável, belo, é a coragem

de muitos que são oprimidos, já que ousam a romper com a linearidade do que

está posto!

É como Joana brada: “[...] frustração não mata, mas ensina a viver[...]”. “Eu

posso até perder, mas eu perco com dignidade, com a luta e nunca sou vencida pela

desistência, não admito”.

Já Laís assume que, por ter outra graduação, escolheu o curso de Direito

para agradar os pais e com o intuito de conseguir uma situação financeira mais

vantajosa, semelhante ao que argumentou Arthur. Vejamos:

Minha mãe sempre me apoiou a fazer Letras, mas me alertava para as

dificuldades da vida de um professor. Ela queria mesmo era que eu fizesse o curso de

Direito, já que um dos meus irmãos já estava fazendo e ela queria que eu ganhasse

dinheiro, o que não ocorreria se eu fosse apenas professora.

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Com a reprovação no vestibular, minha vontade de cursar Direito esfriou muito,

mas minha mãe sempre tocava no assunto. Enquanto ainda fazia o curso de Letras, eu já

dava aulas particulares em casa e passei a substituir a professora de Língua

Portuguesa da escola onde eu estudei. No segundo ano de Letras eu já dava aula todos

os dias à noite nessa mesma escola e fui contratada para trabalhar em cursinhos na

cidade.

Sempre conciliei muito bem meus estudos e minha profissão. Quando eu concluí a

faculdade de Letras, decidi tentar novamente o vestibular para Direito, mas dessa vez em

uma Universidade Pública, fora de Rondonópolis, aqui em Diamantino-MT. Me

inscrevi, fiz a prova e acabei passando em 1º lugar. Eu decidi que faria Direito e seria

juíza, muito mais para agradar minha mãe do que por mim mesma, já que o que gostava

mesmo era de ser professora, mas queria fazer esse agrado a minha mãe. Teria que me

valer daquela faculdade para ganhar dinheiro e devolver um pouco de tudo que meus

pais me deram a vida toda. Acho que todo mundo quer agradar a mãe, né? Eu não era

diferente nesse ponto. (Grifo nosso).

Agora, Álvaro não explicita se a influência da família foi determinante em

suas escolhas, mas a questão do status social ficou latente, razão pela qual os

sentidos serão vistos no subtítulo posterior. Assim Álvaro expõe:

Há, bom, eu só comecei o ensino superior por causa da necessidade de poder

melhorar minhas chances quando for trabalhar, e ainda até que é uma área que eu

sempre quis seguir, pode crer. Quando consegui passar para o curso, achei um estouro!

Me senti super feliz porque estudei muito para conseguir entrar na faculdade. Tipo, eu

não quis fazer um curso superior só por beleza ou para ser alguém a mais a cursar

Direito, mas eu escolhi o curso pra ganhar dinheiro e também pra ser respeitado pelo

povo, sabe, porque tipo, todo mundo respeita um juiz, um promotor, um advogado bem

rico e competente, né? (risos).

No contexto das vidas dos participantes da pesquisa todos têm em sua

família uma instituição possibilitadora, seja de modo direto ou indireto, para se

constituírem como seres humanos, transpondo valores sociais, culturais,

perpassando para a fase adulta.

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Cada família e os jovens vivem de maneiras distintas, albergando fortes

diferenças sociais umas com as outras, ainda mais as considerando como

construção social.

Não é objeto de nosso estudo entender em uma perspectiva horizontal e,

sobretudo, verticalizada, a diferença entre as classes sociais e relação com a

família, mas não posso, enquanto pesquisador narrativo deixar de visualizar

nas narrativas dos participantes que cada qual tem seu ponto de partida, são

desiguais e respeito pela trajetória social, cultural, o que alguns teóricos

chamam de bagagem cultural.

Por exemplo, um dos participantes viveu nos Estados Unidos da América,

outro não pode continuar os estudos na capital do Estado, família pobre, sem

condições financeiras, outros vida regrada por uma melhor condição financeira.

Em meio a essas observações, ficaria em débito se não registrasse que a

vida de todos participantes, assim como insculpido por Clandinin e Connelly

(2011) as complexidades, esperanças/desesperanças, sonhos e

intencionalidades são ingredientes da vida de nossos jovens universitários.

Os fios narrados demonstram que as famílias dão importância à vida

estudantil dos jovens, mesmo naquelas em que as redes familiares não tiveram

acesso à Educação Superior, a mobilização. Em minhas reminiscências veio

Charlot (2015) que demonstra que nas narrativas de jovens há uma força que

apoia e dá importância aos estudos dos filhos.

Não vivemos um mundo cor-de-rosa, sabemos que os jovens e seus

familiares vivem muitas vezes em conflitos. No entanto, vivendo com os

participantes, é certo afirmar que a solidariedade, a importância, o vínculo

afetivo são cenários da convivência familiar. Como exemplo, cito Dayrel (2003,

p. 13) que corrobora com o argumento da importância da família, mesmo em

meio aos possíveis conflitos, mas “[...] em nenhum momento esse quadro

conflitivo colocou em questão a família como o espaço de experiências

estruturantes”.

Não é por outra razão que Bernardo (2015, p. 119) afirma que “[...] família

e as questões econômicas têm papel definitivo nos direcionamentos da

trajetória de formação dos estudantes”. A mesma autora pondera que estas

“[...] são marcas importantes a serem consideradas no processo” (p.143). É

com a família que também se constituem a identidade, as concepções de

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mundo e sentidos e ressignificações das experiências vividas ao longo do

tempo e do processo para com os laços familiares.

Bem, no ontem estava na solidão da madrugada consciente, no hoje a

narrativa se faz com a voz do pequeno vivente. Com o choro do meu recém-

nascido, paro, reflito!

Preciso me afastar dos textos de campo e pesquisa, das vidas dos jovens

participantes e refletir com certa distância, já que esta singularidade é

imprescindível no fazer do pesquisador narrativo.

Nossos jovens universitários vivem no interior do Estado de Mato Grosso,

onde viver com a família é tradição. Apenas uma das participantes não reside

com a família. O que quero provocar neste ponto é uma reflexão enquanto

pesquisador narrativo: seriam diferentes as histórias dos participantes se

vivessem na capital ou nas regiões sul e sudeste do Brasil?

E mais, além da dimensão lugar, pensemos nas dimensões

sociabilidade e temporalidade: seriam outras narrativas encontradas em jovens

ingressos no Curso Superior acaso tivessem experienciado outros modos de

ser jovem? E se as emoções, os contextos, as relações sociais fossem

distintas destas aqui retratadas?

Muitas possíveis respostas são suscitadas, mas deixo para o caro leitor

refletir. Pensemos!

Mas nossos jovens Arthur, Álvaro, Pitty, Maria, Joana e Laís são

caminhantes e na singularidade das suas vidas narraram suas experiências. E

eu, lendo e relendo as narrativas, enlaço e enfeito, no entremeio, os trechos

que lapidam a importância da família para os participantes:

“[...] meus pais ficaram felizes queriam um advogado, alguém

do direito na família.. é bom neh, (risos....)”.

“Eles me incentivam “[...] meu pai queria fazer direito”.

“Sempre quis que minha família se orgulhasse de mim, pra

quando eu fosse alguém na vida, pudesse dar a minha mãe a

vida boa que ela me proporciona[...]”

“Na minha família, fizemos até uma festa em comemoração à

aprovação, pois todos sabiam o quanto eu queria aquela

faculdade. Meus parentes todos me apoiaram[...]

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“[...] devolver um pouco de tudo que meus pais me deram a vida

toda”.

Os caminhantes, participantes desta pesquisa, narraram com a

liberdade de dizer o que poderia ser dito; no silêncio e nas risadas, restou o

não-dito. Ressignificando, tentei compor sentidos, o que no manoelês tentei

provocar um “enchimento nas palavras”. Assim, Barros (1985, p. 208) devaneia

“[...] porque a maneira de reduzir o isolado que somos dentro de nós mesmos,

rodeador de distâncias e lembranças, é botando enchimento nas palavras.[...]

“alargando os nossos limites”

4.2 “EU VOU FAZER DIREITO”: ENTRE INSPIRAÇÕES, STATUS E AFETOS

A seção anterior- 4.1- tem relação direta com o presente. Naquele, a

tessitura é composta pelos sentidos e significados da família para os jovens

universitários participantes da pesquisa, neste as inspirações, afetos, poder e

autoestima transpassam pela família (já que tem relação intrínseca), mas vão

além.

A vida moderna exige do jovem uma atitude rápida de escolha para a

vida profissional, o que diante do contexto social exige postura firme e de uma

gritante responsabilidade em face da incerteza da contemporaneidade.

Não é por outro motivo que as narrativas demonstram claramente a

preocupação em se dar bem na vida, ter um bom emprego, o poder, a

ostentação, tudo o que em seus discursos creditam ao Curso de Direito.

O participante Arthur acredita que no Curso de Direito pode ajudar a

minorar a exclusão da sociedade, dar acesso à Justiça. Ele menciona que

gosta do respeito que as pessoas tem para com o magistrado (juiz), promotor,

ainda mais como é a relação da ajudar o outro quando se está na seara

jurídica. Veja:

“[...] do respeito que as pessoas têm com o juiz, com o promotor, como a gente

ajuda o cidadão que é pobre[...]”. Eu escolhi o Direito por isso, foi muito bom o estágio,

fez ver um mundo que para mim “tava” muito longe. Eu tenho certeza que vou terminar

esta faculdade para fazer a diferença [...].”

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Pelas narrativas de Arthur, vejo que nosso diálogo uma palavra puxou

outra, em movimento espiral, algo que teoricamente pode ser considerado

como o “Diálogo Vivo” de Gadamer (1997). Tal diálogo emerge, na perspectiva

de entender, respeitar e estar disposto ao outro, dando abertura à escuta da

voz, transpondo para a compreensão para negociar os significados e

interpretações.

Nesta perspectiva, acho importante colacionar o diálogo entre Arthur e

este pesquisador. Arthur começou a trabalhar no Fórum de sua cidade e ali

achou interessante a vida dos atores sociais da área jurídica, então perguntei: -

Você acha que essa percepção que teve no estágio foi razão principal mesmo

para a sua escolha pelo Curso de Direito?

Prontamente, Arthur responde: - Na fé, acho que sim, na moral! Ingressei

na faculdade com isso em mente, que tipo tem que afastar a exclusão da sociedade

naquilo que refere-se ao Direito .Tipo, sendo algo acessível e costumeiro de todos. Num

tem outro fator, porque meus pais e a “parentaiada” não são da área [...]”

A narrativa de Arthur demonstra o status que o Curso de Direito

provoca, quando afiança que “gosta do respeito que as pessoas têm com o juiz, com o

promotor[...]”.

Ao longo da história percebe-se que estudar o Bacharelado em Direito

é nobre, elitizado, mas com os programas nacionais de inclusão educacional

(FIES, PROUNI, PIIER, dentre outros), percebe-se que o cenário está

mudando, transpondo as barreiras (in)visíveis para caminhos de abertura para

todas as classes sociais.

No entanto, o Curso de Direito ainda confere status ao acadêmico,

nobreza que perdura até os dias atuais, despertando o interesse de um número

exorbitante de alunos que, muitas vezes, são levados a optar por essa carreira

pelo prestígio que, em tese, ela lhes confere.

O participante Arthur assim afirma:- Eu escolhi o Direito por isso, foi muito

bom o estágio, fez ver um mundo que para mim “tava” muito longe. Eu tenho certeza que

vou terminar esta faculdade para fazer a diferença, mas também meus pais ficaram

felizes queriam um advogado, alguém do direito na família.. é bom neh, (risos....). Eles me

incentivam e muito na carreira, pois é sólida, exige muito estudo e tem reconhecimento, meu

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pai queria fazer direito, mas não teve jeito, era muito caro e nunca teve estudo suficiente

para passar em uma faculdade pública. Aqueles tempos eram outros, como diz ele, não

havia tanto curso de Direito no Brasil como atualmente tem. Eu meio que viajo, mas

focado na realidade. Penso que seria bom o estudo de direito e das relações dentro da

sociedade ser estudado desde o Ensino Fundamental. {se ninguém tiver pensado nessa

hipótese ainda, eu chamo de Torre de Karin. Entendi?!

Neste momento, pergunto: - Deixa eu entender, o que é Torre de

Karin?

Arthur, diz: - Ah, já vi que não assistiu desenho do Dragon Ball (risos)... é

uma estrutura no desenho do dragon Ball, mais alta que a lua, sendo que aqueles que

chegarem ao topo dobrarão suas forças).

Positivamente balanço a cabeça sorrindo, já que gostei muito da

interpretação do Arthur, relação criativa e atual.

Em nosso diálogo, a narrativa de Arthur reafirma o status, a condição

sociofinanceira que pretendem os candidatos ao curso de Direito: Meu pai quer

que a gente estude, passem em um concurso público (assim como ele) e desfrute o resto da

sua vida com sua esposa e filhos, aquela vidinha tranquila e pacata.

Na mesma perspectiva os diálogos com os demais participantes

deixam às claras a compreensão de que o Curso Superior é possibilitador de

melhoramento da vida (qualidade de vida), ascensão social, o respeito e

admiração dos outros. Destaco trechos das narrativas:

[...]pra quando eu fosse alguém na vida, pudesse dar a minha

mãe a vida boa que ela me proporciona hoje, tipo, esse realmente é o maior motivo de eu

querer cursar o ensino superior, quero que o povo me respeite algum dia por causa do que

eu sou e ai, poder proporcionar uma vida boa pra minha mãe e minha vó.(Narrativas de

Pitty)

“Minha mãe sempre me apoiou a fazer Letras, mas me alertava

para as dificuldades da vida de um professor. “[...] ela queria que eu ganhasse

dinheiro[...]”.

“Teria que me valer daquela faculdade para ganhar dinheiro e

devolver um pouco de tudo que meus pais me deram a vida toda”. (Narrativas de Laís)

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:”[...] eu escolhi o curso pra ganhar dinheiro e também pra ser

respeitado pelo povo, sabe, porque tipo, todo mundo respeita um juiz, um promotor, um

advogado bem rico e competente, né? (risos). (Narrativas de Álvaro)

Nas narrativas há uma marca no tom do discurso: “ser alguém na vida”,

depositando no curso superior, no caso o de Direito. A aposta é lançada nos

estudos para o sucesso pessoal e profissional. Penso que isso é mito18. Mas,

entendo que tal expressão em verdade está carregada de sentimentos, de

quereres, não só do jovem, mas de toda uma família, da luta das marcas que

ficam na história de vida de cada um.

Outro ponto, não menos importante, é a inspiração atrelada ao status

social permeado pelos cenários do curso de Direito, isto é os cenários jurídicos,

em especial trajes e rituais. É o que compreendemos da narrativa de Maria:

“[...] sempre achei bonito ver aquelas pessoas usando toga[...]”.

Os registros imagéticos, ditos como símbolos, tais o terno, a gravata, a

roupa mais formal, o ritual da audiência, o Júri, a toga, um jeito peculiar na

linguagem despertam certa curiosidade, a postura, para alguns inspiração e

status. Tais elementos demonstram uma forma de ver o mundo, de vestir-se e

portar-se no meio social.

Noutro trecho a narrativa desenrola: Tinha uma vizinha que era advogada,

sempre arrumada, muito lindo...pensei que todo mundo na universidade andava de social,

na estica (risos).

Ainda, convém destacar:

“[...] a semana jurídica que tivemos em nossa faculdade, na qual aprendemos

muitas coisas a partir das palestras de pessoas renomadas. Ver tantas pessoas elegantes

e bem sucedidas me fez ver que eu não estava errada ao escolher direito. Que se eu queria

sucesso, respeito, reconhecimento e dinheiro, Direito era o caminho, mas um caminho bem

difícil.

18

Mito, pois é uma interpretação ingênua, pueril, já que conclusão de um curso superior não implica em entrada no mercado de trabalho, tampouco no sucesso profissional e pessoal. É o que Pais (2006, p.9) ensina: “[...] os diplomas são cada vez mais vistos como cheques sem fundos, sem cobertura no mercado de trabalho, também ele sujeito a inconstâncias, flexibilizações, segmentações)”.

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Por isso, Veras (2008, p. 55) insculpe que desde o início da formação

os jovens estudantes têm contato com uma cultura jurídica tradicionalista que

“[...] repercute em seus estilos de vida, desejos e sonhos”. E vai além ao

enfatizar que “Os futuros bacharéis preferem gestos contidos, cumprimentos

formais[...]”.

Usaremos neste ponto as narrativas digitais, por meio do grupo da rede

social WhatsApp criada com os participantes da pesquisa para troca de

experiências e narrativas.

Figura 5: Recorte 1- diálogo no grupo e WhatsApp

Fonte: Diálogo ocorrido em novembro de 2014.

Dentre outros assuntos e narrativas realizadas pelo meio digital,

destaco neste ponto o que uma das participantes disse a respeito de seu sonho

e interesses sobre a vestimenta e o tal “glamour” da área jurídica. Veja:

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Figura 6: Recorte 2- diálogo no grupo e WhatsApp

Fonte: Diálogo ocorrido em novembro de 2014.

Importante explicitar que no diálogo inserido na figura acima, a

participante primeiro envia uma imagem de uma modelo que havia sido

aprovada em um concurso para juíza e, somente após essa mensagem, envia

a imagem da toga (vestimenta usada pelos juízes em atos ordinários), e ela

narra do seguinte modo: “[...] viu, ela era modelo, linda, maravilhosa, e juíza, nossa,

isto que é poder. Depois mandei o modelo da toga e umas imagens da gravata que faz

parte dos acessórios usados no mundo jurídico”

A vestimenta em si, pode circunscrever o ser na criação de um

personagem, uma nova identidade. De modo que para “ser estudante de

direito” há o dever de usar roupas formais e em cores neutras. Os dizeres de

Larrosa (2004, p. 167) sobre Júlio Cortazar tem relação com esta crença: “[...]

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gostava de se olhar no espelho com a gravata no pescoço, porque isso lhe

dava a sensação de que um senhor de gravata tem de ser um senhor

estupendo [...]”.

Figura 7: Recorte 3- diálogo no grupo e WhatsApp

Fonte: Diálogo, novembro de 2014

Este prestígio mencionado nas narrativas dos participantes é visto no

discurso teórico de Vargas (2010, p. 112) que menciona que “[...] as profissões

de alto prestígio estabelecem toda uma atividade de preservação de status

[...]”, de sorte que a profissão, por si só, é o melhor indicador do status social

entre os indivíduos.

Sob este ângulo, pode-se afirmar que a educação implica em uma

perspectiva estratégia vital para mantença ou melhoramento do status social,

do poder (dentre os quais destacam-se o econômico e social), comportando-se

como uma variável para a posição no meio social, prestígio. Por tal motivo os

cursos com maior concorrência nos vestibulares ainda são aqueles que gozam

do mais alto prestígio social, dentre os quais destaca-se o Bacharelado em

Direito (QUEIROZ, 2004).

Como dito antes, o Curso de Direito é qualificado como tradicional,

elitizado, sendo na história “[...] fundamental que os filhos das elites

estudassem e o curso mais recomendado era o de Direito, pois o país

precisava de quadros para a vida pública.” (FAGUNDES, 2006, p.3, grifo

nosso). Os formados em Direito eram os primeiros valorizados, depois havia

uma sequência:

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Em seguida vinham os engenheiros, imprescindíveis para o desenvolvimento dos empreendimentos estatais ou privados relativos ao transporte, à mineração e aos grandes desafios da urbanização que processava, particularmente, no sudeste do país. Depois a medicina [...]

A motivação, inspiração para fazer o Curso de Direito são várias,

perpassa pela família, mas por outros grupos e instituições, tudo depende da

proximidade do jovem, sua identidade, experiências e vivências, suas

interações sociais, seja pela concordância ou reconhecimento do diferente,

quando se trata da escolha feita.

É o que Collins (1993, p. 217) fala ao tratar da motivação humana para

a escolha, no sentido de “que os homens acham a vida significativa somente se

eles estão integrados num grupo social [...]que as definições sociais

determinam o valor dos objetos e atividades e que a definição do status

ocupado dentro de um grupo constitui uma potente força motivacional.” [...]”.

O estudante somente encontrará terreno fértil para a motivação, para o

querer e criação de possibilidades para seu futuro quando oportunizaram

afetos. É esta afetividade, inspirações no sentido de Manoel19, encontrada nas

narrativas dos nossos participantes que merece ser repensada, observando de

modo proximal, já que alicerça voos maiores para àquele que a tem. Assim,

Ferreira e Neves dos Santos (2014, p. 81-85) reforçam:

Sábia é a compreensão de que todas as crianças, desde a concepção, necessitam de afeto para que possam vivenciar o convívio harmônico no campo familiar e a capacidade de socialização e integração nos grupos que alicerçarão suas vivências. [...] somente poderá existir afetividade onde há carinho, compreensão, respeito, segurança e confiança na relação.

Ainda, fundamentando a importância do afeto, insta obtemperar que é

latente que a aprendizagem e as escolhas tem relação direta com a

afetividade, de modo que a criação de um vínculo afetivo implica em

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[...] inspiração é um entusiasmo para o trabalho, um estado anímico favorável à poesia, mas não chega por si só a fazer arte [...] Seria, quando muito material sobre que trabalhe o artista – como para o oleiro é o barro. Poeta tem de imprimir sobre esse barro a sua técnica, escolhendo, provando, cortando as palavras, até que as coloque à sua feição e ganhe uma estrutura própria, com um sentido, um som e um ritmo próprios. Poesia não é feita de sentimentos, mas de palavras, palavras, palavras – já se repetiu tanto. (BARROS, 1990, p. 309).

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aprendizagem significativa. Neste sentido, temos Alves (2004, p. 20):

Toda experiência de aprendizagem se inicia com uma experiência afetiva. É a fome que põe em funcionamento o aparelho pensador. Fome é afeto. O pensamento nasce do afeto, nasce da fome. [...] O afeto é o movimento da alma na busca do objeto de sua fome.

Existem múltiplos fatores e atores que corroboram para a escolha,

ademais não podemos apenas entender que o status profissional é o que

apenas os alunos procuram, muito pelo contrário. A narrativa de Maria nos faz

refletir sob este ponto: Eu sempre me interessei pelo Curso de Direito, via nos filmes,

novelas, pela internet...Eu, assim, ehhhh.... quero entender, apreender, tudo, este negócio de

concurso e tal vem como consequência, somos jovens, temos tempo entendi [...]”.

É como afirma Dubet (1994) há alunos que buscam o aprendizado, ao

melhoramento intelectual autêntico, algo que merece ser compreendido como

um melhoramento para si, na sua trajetória e condição humana.

Os jovens querem experienciar por excelência, já que esta fase se vive

com muita explosão e com ânimos mais variados para as curiosidades. De tal

modo, estar no curso seria muitas vezes um tempo-espaço que afetos e

inspirações são cruciais para os itinerários, emergindo muitas vezes “[...] de um

momento de diálogo frente a uma situação que aparentemente era impossível

de resolver” (PIRES, 2013, p. 112-113).

É uma ousada travessia, arriscada que requer coragem! Assim

atravessando distâncias para levar boas novas, afetos, idéias e ideais,

reconhecendo o que afetou, como que afeiçoei e vou ressignificando as

experiências, as narrativas dos participantes, compreendendo a força dos

“diálogos vivos”.

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5.JOVENS NO CURSO DE DIREITO: VADEMECUM, VEM COMIGO

Todos os dias quando acordo, Não tenho mais o tempo que passou

Mas tenho muito tempo Temos todo o tempo do mundo. Todos os dias antes de dormir,

Lembro e esqueço como foi o dia "Sempre em frente,

Não temos tempo a perder". [...]

Veja o sol dessa manhã tão cinza A tempestade que chega é da cor dos teus

Olhos: castanhos. Então me abraça forte e,

Me diz mais uma vez Que já estamos distantes de tudo

Temos nosso próprio tempo, [...]

Não tenho medo do escuro, Mas deixe as luzes acesas agora,

O que foi escondido é o que se escondeu, E o que foi prometido,

Ninguém prometeu. Nem foi tempo perdido;

Somos tão jovens, Tão jovens, Tão jovens.

(RUSSO, 2011)

Ao percorrer o caminho que demonstra as experiências dos jovens

estudantes do curso de Direito, deparei-me com uma chance inigualável de

entender os diversos perfis de jovens que, no estado de Mato Grosso,

passarão pelos cinco anos do bacharelado em Direito.

Experienciando com esses jovens, seria perfeitamente possível

colaborar para que a sociedade compreenda mais sobre as transformações

recentes que vêm ocorrendo na nação brasileira e a influência que a

Universidade exerce nesse contexto.

Como já discutido no capítulo anterior, diversas são as razões que

levam essa parcela da sociedade a adentrar as salas do curso de Direito:

status, reprodução das experiências maternas e paternas, ideologia de

mudança social, entre outras. Muitos deles, ainda, acessam as Universidades

públicas – como é o caso dos participantes– por verem nela uma chance maior

de preparação adequada para uma formação eficiente e por razões também

econômicas. Há, ainda, aqueles que chegam às Universidades privadas por

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conciliarem o desejo de uma futura carreira de sucesso e a possibilidade de

permanecer em sua cidade de origem, visto serem poucas as cidades de Mato

Grosso que têm o curso de Direito ofertado em instituições públicas.

Corrochano (2013) discute o quão variado é o perfil dos jovens que têm

chegado aos bancos das universidades no século XXI. Cada vez mais, as

instituições de ensino têm se mostrado como o lugar privilegiado tanto para o

conhecimento quanto para a convivência entre os diferentes. É notório o

aumento do número de jovens que têm conseguido, driblando toda sorte de

dificuldades, chegar às universidades.

Especialmente no que concerne à universidade pública, Almeida (2007)

discute detalhadamente os reais motivos da escolha de muitos jovens pela

instituição pública. Ele esclarece que, por conta das dificuldades financeiras de

muitos deles para realizar o pagamento de um curso superior em faculdade

privada, a Universidade pública acaba por se mostrar a única alternativa de

realização do sonho do acesso ao curso superior, curso este de qualidade.

Destaco que, no Brasil, temos uma realidade perversa, que ainda se

mostra frequente: muitos jovens de origem pobre cursam todo ensino

fundamental e médio em instituições públicas de ensino e, com o auxílio de

ações governamentais como o Programa Universidade para Todos (ProUni) ou

o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), acabam por cursar o ensino

superior em instituições particulares.

As classes mais populares não conseguem concorrer em pé de

igualdade com aqueles jovens oriundos de famílias abastadas, que puderam

acessar as melhores e mais caras escolas privadas durante o ensino

fundamental e médio e, por estarem mais bem preparados, adentraram com

maior facilidade nas Universidades públicas.

Assim, vamos refletir sobre os diálogos realizados, na tentativa de

compreender como o jovem universitário dá sentido para suas experiências no

curso, a partir do que já foi vivenciado. Com as narrativas dos participantes,

percebe-se que além do cotidiano, questões envolvendo o Curso de Direito

foram levantadas e merecem movimentos de reflexão que possam contribuir

para um aprofundamento nas paisagens da pesquisa proposta.

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5.1 UNIVERSIDADE E A IDENTIDADE DO JOVEM: TEMPO E LUGAR

Cheiro de comida recém-feita... aroma dos quitutes feitos por mamãe

nas tardes de chuva...o perfume da flor que rememora a casa da vovó...a letra

da canção que me faz retornar à infância. Sempre ela, a memória, a reconstruir

tudo aquilo que o tempo fez passar, mas que o coração insiste em lembrar e,

assim, volta a viver – ainda que por breves lampejos durante a perenidade dos

meus dias.

Pensando exatamente no poder que a memória representa sobre a vida,

volto a me apoderar das palavras de Clandinin, Connelly, Mello e outros

pesquisadores que exploraram o caráter social, as condições pessoais e a

temporalidade enquanto algo longínquo, que remete a passado, presente e

futuro. Todos eles analisam também o lugar ocupado por cada um dos

participantes da experiência, uma vez que é de vital importância conhecer o

contexto e a situação nos quais cada história de vida acontece.

Nesta perspectiva, a Universidade aqui é entendida como defendem

Santos (2010, 2013) e Warat (2001, 2000) enquanto projeto emancipatório, isto

é uma possibilitadora de conhecimentos, de tempos para a formação que

desperte competências e habilidades, proponha reflexões, estudos e rupturas

de preceitos arraigadas para uma liberdade, para a emancipação à luz das

visões freireanas.

Aqui, não estou falando do tempo marcado pelo relógio, da metrificação,

do aparelho, do instrumento orientador (ELIAS, 1998, p. 16) que autorregula

nossas atividades e a reorganização social.

O tempo, entendendo a crítica de que a grafia correta é tempos, aqui é

alterado, na perspectiva defendida por Bosi (1994) e Vayrell (2011), em que

cada ser vivencia com/no seu compasso, são tempos de possibilidades, da

busca, do prazer, do fazer. O tempo aqui é concebido como uma

representação social simbólica, incerto, uma invenção.

É instância existencial, é o vir-a-ser nos movimentos da vida, logo

experienciado de modo particularizado para cada indivíduo. Na rede social,

dialogando com um dos participantes, fica claro que o relógio marca o tempo

de modo igual, “é tudo igual”, a quantificação das horas, mas seu ritmo, que

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fica, é diferente, são outros tempos que são vivenciados cada qual pela

importância, sensações e fazeres, vejamos na Figura 8:

Figura 8: Recorte 4- diálogo no grupo de WhatsApp

Fonte: Diálogo ocorrido em março de 2015

Partindo das contribuições de Pineau (2003, p.13) entendo que o

tempo é “[....] a medida do movimento. Não apenas sua contabilização, sua

quantificação, sua média, mas também sua afinação, seu ritmo, seu tom, sua

qualidade, seu sentido”.

São tempos em múltiplas temporalidades, centrada na formação

como função de evolução do homem, voltados para a valorização do ser

humano, do exercício de compreender a condição humana, não cabendo

mais a espera, pois o tempo voa e vem escorrendo pelas mãos de todos,

necessitando da “fusão de horizontes” defendida por Gadamer (1997),

isto é, a interpretação que passa/transpassa nosso modo de viver nossas

experiências, sendo de tal sorte temporal e intencional, no respeito pela

contribuição do outro para/pela humanização.

Advogando para uma intimista relação entre medição do tempo e o

poder, Pineau (2003) realiza uma reflexão histórica das diversas cronometrias

do tempo, chamando-as de “tempo dos deuses”, o “tempo dos corpos”, o

“tempo das máquinas” e o “tempo dos códigos”. O que implica dizer que tal

instituto permeia nossos serviços públicos, a escola, dentre outros.

Experienciar o tempo da contemporaneidade, nos leva a reconhecer

que há vários tempos imbrincados. De sorte que o tempo vivido na grande

maioria das vezes não coincide com os ponteiros do relógio-concepção de

tempo khronos. Nossos tempos são plurais, diferentes, opostos, obtusos,

fluídos, concentrados, com porosidade e modulações descontínuas.

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No conflito dos tempos Kronos e Kairós, fico com este. Este não

pertence a Kronos, porque é imprevisível, não há controle, imetrificável.

Apenas acontece, é o vivido!

Kairós é tempo de oportunidade, do divino, não obedece regras, tem o

compromisso com a vida, manifestando-se a todo instante, deixa às marcas

para toda eternidade. Assim, reconhece as diferenças individuais, os ritmos de

cada ser, indo ao encontro do prelatado por Renato Russo: “[...] tenho muito

tempo, temos todo o tempo do mundo, não temos tempo a perder, temos nosso

próprio tempo [...]”.

Dialogando com os jovens universitários participantes da pesquisa,

percebo que conseguem compreender o significado das experiências/vivências

na Universidade, primeiro pelo contexto sócio-cultural que tal fato representa, e

também pelo alívio proposto por serem aprovados no vestibular. Mas cada qual

em sua individualidade narram de modo peculiar os primeiros passos na

Universidade e a constituição de suas identidades.

Por exemplo, Arthur em suas narrativas deixa claro o modo como se

sente em relação ao ambiente universitário.

Arthur diz: Pra falar a verdade, ora eu gosta ora não. Na boa, mexer com gente é

complicado demais. Como já falei, foi no estágio, durante o Ensino Médio no Fórum que

despertou a minha vontade de fazer o Curso de Direito. Antes era muito idealizador, só na

viagem. Mas hoje, dentro da Universidade, percebo que o bagulho é mais sério. Nem tudo

é justo e nem tudo é maldade. Há sentido para todos os lados.

O importante que eu consegui entrar por mérito próprio e vou curtir meu momento,

Prof!!! Tentarei fazer o meu melhor. Sugar o que a faculdade e os professores podem me

oferecer. Pois este tempo, como dizia Cazuza “o tempo não para” (uma certa emoção).

Vou confessar uma coisa, mas espero que fique somente entre nós (risos) me sinto mais

gente dentro deste ambiente.

Sinto que posso transformar algo, não sei que algo posso transformar, tipo,

acho que estou em transição. Antes pensava em usar o curso para ganhar dinheiro, hoje

penso em ser um professor, mas dos bons (risos), pois acredito que a palavra muda o

mundo e o mundo é mudado, conforme a palavra. Tem um carinha que fala desse jeito,

mas não sei o nome dele

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Eu, ainda, pergunto para Arthur: - Qual é a percepção que tem deste

momento da vida enquanto acadêmico de Direito.

Ele responde: - Bem tranquila Prof...Não esquento a cabeça não. Acho que tudo

tem seu momento. As vezes minha cabeça gira, gira e gira. Mas a questão de ordem é

relaxar!!! Isso mesmo Professor, relaxar. O IBGE “fala” que o povo brasileiro viverá

mais que 80 anos. Logo, com a minha idade, estou um bebezinho neste mundão. Quero as

coisas boas da vida, mas não vou me matar para conseguir nada. Fico sussa que as

coisas vem.

Vemos nesta narrativa a “transição de formação”, conforme Bernardo

(2015, p. 46) explicita, pois o jovem está no processo “[...] de continuidade da

formação e da trajetória estudantil, agora um curso superior, em processo de

constituição profissional específica [...]”. Na mesma toada, Dubet (2008, p. 103)

ajuda-nos a entender a dinâmica do relato do jovem, pois alicerça que “É

preciso, portanto, ser sensível à rentabilidade individual dos percursos

escolares”.

Com essa sensibilidade, chamo a atenção para a narrativa de Arthur,

testemunho a felicidade quando verbaliza que o bom foi “entrar por mérito

próprio” e ter o entendimento de que é preciso ir além “Tentarei fazer o meu

melhor. Sugar o que a faculdade e os professores podem me oferecer. Pois este tempo,

como dizia Cazuza “o tempo não para” (uma certa emoção).”. Tais afirmativas

constituem o processo de constituição da identidade do jovem na Universidade,

de pertencimento ao meio. Aliás, este se sente mais humano, mais capaz: “me

sinto mais gente dentro deste ambiente”.

Agora, perguntei para Pitty se estava gostando do Curso, da

Universidade. De imediato, com um tom de voz animador respondeu: -Ainda

quero ver o que vai dar, eu tipo, pretendo levar cada vez mais a sério o meu curso e espero

me apaixonar mais e mais por ele. Mas não farei milagre não. Vou estudar conforme for

dando. Essa coisa de perder noite e mais noites estudando isso não é pra mim. A vida é

muito longa pra eu esquentar a cabeça (gargalhadas). Sabe prof.. quero curtir o curso,

fazer amizades e se possível arrumar um gatinho por aqui mesmo. Não me olha assim

(risos), pois a maioria desse povo que está aqui também pensa assim (risos e rosto

róseo). Sabe aquela música do Zeca Pagodinho que foi tema da copa? Pois então, essa é

a minha melodia “deixa a vida me levar”... (risos incessantes).

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Dialogando agora com a jovem Pitty, vejo que há certa convergência

com a narração de Arthur. Quando perguntado sobre a identificação com o

Curso nestes primeiros meses, ela respondeu: - [...]. Quando iniciei o curso,

affffffff... Socorro!!! Achei que fosse morrer de vergonha. O povo me observava o tempo

todo. Acredita que eu tive (forçadamente) que participar do trote? Nossa, fiquei com

tanta raiva. Uma indecência. Acho trote o fim da picada. No meu primeiro dia de aula, os

veteranos nos trancaram em uma sala, passaram batom em nossos rostos e pegaram um

pé do nosso calçado. Só pagando que teríamos nossos calçados de volta.

Fora esse fato, sempre gostei muito da faculdade, do curso, estrutura, quadro de

professores. É claro, há alguns que não se dedicam tanto e outros mais. Mas em todos os

lugares isso ocorre, não é mesmo?

Na verticalidade, tentando compreender com maior profundidade como

a participante Pitty compreende este momento na universidade, lapidar é sua

narração, veja:

Pitty: [...] Gosto deste ambiente que a faculdade proporciona. Me sinto menos burra.

Aqui consigo perceber que um dia terei uma chance. Acho que entrei na hora certa e no

curso certo Professor. Antes de vir para a faculdade eu assistia muito novelas, mas

agora, não. Nem quero mais. Estou em outro nível (gargalhadas).

Só que uma coisa importante é que caiu a minha ficha cedo. Vou te explicar, tem um povo

aqui na Universidade que leva o curso na barriga, quando chega no nono semestre dá um

desespero querendo salvar o mundo, daí ferro!!!!!

Esse tipo de gente é o tal do “malandro otário”, brinca a faculdade inteira, depois vai

para cursinho tentar salvar o mundo (risos).

A participante demonstra integração com a Universidade, modificando

gradualmente alguns hábitos e tendo responsabilidade para com os estudos ao

seu modo pelas suas experiências de mundo, sentimentos, emoções e tudo

que há na história de sua vida.

Os jovens pelas suas vivências, da infância à juventude levam consigo

aprendizagens, vivências, saberes, interações sociais e uma história que

merece respeito.

Ainda, destaco trecho do participante Álvaro nos diz: [...] tenho

muuuuuuuuita vida pela frente. Pô, xou novinho (risos). Não fico encanado com isso ,

não! Sei que aproveitarei as oportunidades, mas não me matarei para isso. Tudo a seu

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tempo. Em Eclesiástico ou Eclesiástes, agora não sei ao certo, diz que tudo tem seu tempo.

Sendo assim, meu tempo é de curtir (gargalhadas).

A narrativa pode levar a uma composição de sentidos fora de um

contexto maior, qual seja que o jovem enuncia algo particular de modo

generalizante.

Assim, a voz do jovem ecoa com um significado que demonstra uma

crítica e certa rebeldia ao que é imposto hegemonicamente. Não é no tempo do

outro que faço o meu, pelo contrário para o jovem Álvaro o seu tempo é

grande, pois há “muuuuuuuuita vida pela frente”, mesmo aproveitando as

oportunidades. Isso quer dizer que ao seu modo e tempo efetivar seu estudo,

seu papel, mas respeitando a individualidade do seu tempo e modo de ser

jovem e universitário.

Nesse ponto, merecem ser feitas algumas considerações sobre a

concepção de tempo dos participantes da pesquisa. Maria narra “somos

jovens, temos tempo, entende”, o que contrapõe o entendimento de Arthur

“como dizia aí Cazuza “o tempo não para”! Fica visível que os entendimentos

acima concebem o tempo de modo contrário, o primeiro no sentido kairós e o

segundo no sentido khronos, de um tempo que cronometra.

Importante ressaltar que Arthur entra em contradição, pois,

perguntando sobre o momento da vida universitária, aponta a uma concepção

de tempo como porosa, aberta, flexível, conforme se vê: “Acho que tudo tem

seu momento [....]”. É neste mesmo sentido os dizeres de Pitty: “A vida é longa

pra eu esquentar [....]”, bem como os de Álvaro quando menciona “[....]

muitaaaa vida pela frente”.

Figura 9: Recorte 5- diálogo no grupo de WhatsApp

Fonte: Diálogo ocorrido em março de 2015

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Como se vê, os jovens participantes têm concepções distintas sobre os

tempos, o que é importante para que o leitor possa analisar os contextos e

possíveis interpretações a partir do subjetivismo do ser, percebendo que

aquele move-se em processos diferentes, dependendo dos olhares, do

referencial adotado.

É como Charlot (2000, p. 57) nos ensina sobre o que é significante:

“[...]significar é sempre significar algo a respeito do mundo para alguém ou com

alguém”. Assim, aqui no diálogo significamos e ressignificamos no

(com)partilhar das experiências vivenciadas. Assim, vale aqui registrar a

importância do detalhe na narrativa do outro em tempos tão fluídos:

Quando digo que isso tem sentido para mim, estou indicando que dou importância a isso, que para mim isso tem um valor [...] Algo pode adquirir sentido, perder seu sentido, mudar de sentido, pois o próprio sujeito evolui, por sua dinâmica própria e põe seu confronto com os outros e com o mundo [...] (CHARLOT, 2002, p.57)

Assim, percebo que os jovens entendem a Universidade como um espaço

institucional, com sentidos e significados ambíguos e múltiplos (CHARLOT,

2001), no qual em seu tempo-espaço oportuniza o ir-e-vir, a socialização,

conhecimentos, vivências e constituição do ser, identidades.

5.2- SER JOVEM E UNIVERSITÁRIO: SENTIDOS PARA AS EXPERIÊNCIAS DO HOJE

Depois de discorrermos sobre os primeiros contatos com a

Universidade e o Curso, passo a compor sentidos das vivências narradas pelos

participantes no Curso, sob os mais diversos prismas, na pluralidade das vozes

e experiências.

A vida do jovem é marcada por fragmentariedades, nada linear,

constituídas por meio, processos (PAIS, 2001). É vida marcada por paixões pra

a alegria de viver, esperanças no amanhã, nos projetos do futuro, nas

aspirações.

As narrativas da Experiência de vida dos Jovens Universitários são

laboradas na perspectiva de Larrosa (2002, p. 24), remetendo a ideia de que o

“[...] que se adquire no modo como alguém vai respondendo ao que vai lhe

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acontecendo ao longo da vida e no modo como vamos dando sentido ao

acontecer do que nos acontece”.

Larrosa nos ajuda a conceber o jovem como autor, assim como Dubet

(1994, p. 74) sujeito ativo de sua vida, não de “[...] um indivíduo constituído por

um todo social homogêneo”.

Nesse diapasão, Freire (2011, p. 48) demonstra a força de um gesto,

do carinho, do respeito ao outro:

Nunca me esqueço, na história já longa de minha memória, de um desses gestos de professor que tive na adolescência remota. Gesto cuja significação mais profunda talvez tenha passado despercebida por ele, o professor, e que teve importante influência sobre mim. Estava sendo, então, um adolescente inseguro, vendo-me com um corpo anguloso e feio, percebendo-me menos capaz do que os outros, fortemente incerto de minhas possibilidades. Era mais mal0-humorado que apaziguado com a vida. Facilmente me eriçava. O professor trouxera de casa nossos trabalhos escolares e, chamando-nos um a um, devolvia-os com seu ajuizamento. Em certo momento me chama e, olhando ou re-olhando o meu texto, sem dizer palavra, balança a cabeça numa demonstração de respeito e de consideração. O gesto do professor valeu mais do que a própria nota dez que atribui à minha redação.

Esse incentivo é visto na caminhada na Universidade, todos os

participantes falam do incentivo da família. Mas, aqui, retrato apenas o

incentivo que parte da própria instituição, professores universitários, veja o

trecho:

Tipo, tem professor que incentiva, fala que temos que lutar para não sermos

mais um, luta por aquilo que a gente quer”. [...]

Ehh, tem que incentivar a gente, trabalhadores que chega cansados. Alguns

fazem”.

Não é por outro motivo que os estudos e pesquisas apontam os

professores responsáveis pelo sucesso ou/e fracassos dos alunos e pelo papel

ímpar na trajetória estudantil dos alunos.

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Figura 10: Recorte 6- diálogo no grupo de WhatsApp

Fonte: Diálogo ocorrido em março de 2015

Um dos participantes, por meio do grupo da rede social, explicita acima

a dificuldade da vida estudantil quando não há o apoio do professor: “[...] é

difícil você não ter apoio [...]”

Vemos que mesmo em condição precária no Curso, com condições

sócio-econômicas desfavoráveis e outros problemas, a força e o incentivo são

ingredientes potentes para superar os entraves e garantir que os alunos

continuem na caminhada. A Figura 11 demonstra que boa relação aluno-

professor oportuniza confiança: “[...] sinto confiante rola uma boa parceria”,

veja:

Figura 11: Recorte 7- diálogo no grupo de WhatsApp

Fonte: Diálogo ocorrido em março de 2015

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Continuando com as experiências narradas pelos jovens universitários,

já no curso de Direito, neste momento farei diferente, já que destacarei os

trechos das narrativas dos participantes para, somente, após realizar

comentários na tentativa de compor sentidos.

“Por enquanto não trabalho estou esperando uma resposta do Fórum para

começar o estágio voluntário, portanto, tenho o dia todo para estudar. Mas, hein,me

decepcionei um pouco com o primeiro semestre, com algumas matérias que esperava

ansiosamente para cursar, mas foram incompletas e insuficientes (talvez por essa

transição Uned/Unemat) ou talvez pelo nível de alguns professores ou talvez até pela

minha inexperiência no mundo acadêmico (pausa).

Hum, sei lá , mas também me surpreendi com outras matérias que considerava,

no início do curso, ridículas, mas entendi o propósito dela dentro do curso de direito e

acabei me interessando por elas. (Gargalhadas). Lembro quando alguns professores

falavam em sala de aula que, a finalidade de algumas matérias seria “abrir a mente”.

Eu imaginava uma motosserra partindo nossas cabeças (muito engraçado).[...]Ah,tipo,

na moral, gosto do modo tradicionalzão mesmo, tipo professor falando, aluno escutando,

se houver dúvidas o aluno pergunta. Contudo, deve mudar a perspectiva do professor

deve preparar o aluno para que ele se acostume com todos os processos e faces do direito,

sendo assim, será, de fato, um operador do direito.

. [...]Sinto que posso transformar algo, não sei que algo posso transformar,

tipo, acho que estou em transição. Antes pensava em usar o curso para ganhar dinheiro,

hoje penso em ser um professor, mas dos bons (risos), pois acredito que a palavra muda

o mundo e o mundo é mudado, conforme a palavra. Tem um carinha que fala desse jeito,

mas não sei o nome dele.”(Narrativas de Arthur)

“[...] sinto-me um pássaro livre dentro da academia. É algo que flui em meu

ser, não tenho noção de como isso ocorre, mas tenho a nítida sensação de estar viva. Tipo,

tem professor que incentiva, fala que temos que lutar para não sermos mais um, luta por

aquilo que a gente que.Isso é bom quero aprender de verdade para ser uma pessoa

melhor e bem profissional. ( Narrativas de Pitty)

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“[...] o que atrapalha enquanto sou aluno é a falta de compromisso com os

trabalhos. As matérias que eu percebi que tão ajudando na formação da minha ética são

aulas de IED e Ciência política. E aí, eu quero continuar ganhando cada vez mais

conhecimentos para me tornar um profissional top no futuro. É que nem eu te falei, eu

quero e vou ser alguém de respeito e que alcançou o sucesso, fim.

Até agora, deu ruim, porque tipo, não consegui muitas conquistas por causa de

eu ainda estar cursando o 1º semestre. Ainda não consegui ver muitas diferenças quanto a

minha personalidade, mas eu acho que estou ficando mais responsável e tal. Eu acho que

o curso ainda vai me proporcionar várias chances de ser responsável, pois eu sei que, se

não estudar, não vou conseguir me destacar e muito menos ser respeitado do jeito que eu

quero. Sério, prof, Você acha que eu vou gastar cinco anos da minha vida pra não ser

ninguém? Só pra ser mais um por ai? Pra alguém perguntar e eu responder que sou

bacharel em Direito, mas que não trabalho na área? Aff, é como se eu passasse que não

sei fazer nada direito [...]to na expectativa de ter muita coisa ainda do curso. Tipo, para

mim, saber Direito é entender as leis e os elementos importantes, e para melhor

aprendizado tem que ter muita leitura, né. Uma aula no curso jurídico deve ser, para

mim, uma aula em que o professor consiga passar o que ele sabe para gente, seus alunos.

O aluno tem que respeitar o professor, porque tipo, ele é o principal responsável

por aquilo que ele aprende, pois é dele o interesse de estudar para depois arrasar. Foi

bem difícil não estar acostumado ao nível superior, mas eu consegui umas notas bem

boas, só que eu sei que tenho que melhorar nos exercícios e tal, que, para falar sério, não

chamam minha atenção nem um pouquinho. A coisa é que ás vezes eu sinto que não tenho

que pensar nas notas. Tipo, conseguir notas boas não significa sucesso, para mim são

acertos que estão longe de virar algo no meu futuro. Eu sei que tenho que aprender mais

coisas e tal, e correr atrás, ou então, não vira nada. (Narrativas do Álvaro)

Até agora percebi que já conquistei muitos conhecimentos, fiz bastante amigos

novos, com quem troco aprendizagem. Percebo que no momento aprendi muitas coisas,

mas que em relação a todo curso isso ainda é pouco. Antes de começar a estudar o Direito,

eu tenho algumas opiniões sobre determinados assuntos e agora já vejo com outros olhos e

que tudo não era do jeito que eu pensava. Uma experiência positiva de aprendizagem que

vivenciei foi a semana jurídica que tivemos em nossa faculdade, na qual aprendemos

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muitas coisas a partir das palestras de pessoas renomadas. Ver tantas pessoas elegantes

e bem sucedidas me fez ver que eu não estava errada ao escolher direito. Que se eu queria

sucesso, respeito, reconhecimento e dinheiro, Direito era o caminho, mas um caminho bem

difícil. Mesmo com sono em alguns momentos, assisti todas as palestras e tentei assimilar

a maior parte possível daquilo que era ensinado. Minha única dificuldade em resolver os

exercícios foi quando alguns professores não explicavam a matéria direito e já

passavam os exercícios e tínhamos que procurar na internet para tentar resolver. Minha

performance foi boa pois me esforcei bastante e é o que eu quero ser futuro, por isso busco

fazer as coisas com qualidade. Sinceramente, pra mim, o bom aluno deve demonstrar

interesse e gostar do que faz para assim aprender mais, pois se apresentar as

características será mais fácil a aprendizagem. De nada adianta uma excelente

biblioteca, ótimo professores, salas espaçosas, jornais e periódicos atualizados e eventos

bem organizados se o próprio aluno não se dedica aos estudos. É muito fácil passar por

uma faculdade, mas é muito, muito mesmo, difícil se destacar na vida estudantil e isso eu

busco todo dia. (Narrativas Maria)

Ainda tenho grandes dificuldades em desenvolver meus trabalhos no sentido de

interpretar o linguajar jurídico, mas sei que com o tempo isso mudará. Caso eu lesse

muito mais, certamente essas dificuldades seriam menores, mas ainda faço tudo o que

posso para melhorar. [...]Tenho grandes expectativas em relação ao curso pois, pelo que

pude perceber, é uma área de grande mercado e muito respeitada diante da sociedade. O

curso me tem feito reconhecer que, quanto mais estudo, mais eu não sei nada e isso tem

sido de bom...tipo.ehhhh no sentido de que, tendo isso em vista, sempre busco adquirir mais

conhecimento. Muita gente fala que o mercado de trabalho para o profissional do Direito

já está estagnado, mas acho que isso não interessa e não é uma verdade absoluta. Afinal,

toda área é boa e promissora para o bom profissional. Se tem uma coisa que estou

buscando é uma formação de qualidade e não aceito qualquer coisinha para meu futuro.

Ou serei a melhor ou nem começo as coisas.[...] Hoje posso falar que tenho outra visão

em relação à sociedade, a justiça, a política, conceitos errôneos que eu tinha hoje foram

quebrados após ter entrado no curso. Por exemplo, antes eu pensava mesmo que bandido

bom era bandido morto. Após começar meus estudos, já reflito um pouco mais sobre o

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tema: e se esse bandido fosse meu pai? Já imaginou? Será que eu ia o querer morto

mesmo? Tá vendo, professor, como a gente amadurece? E foi no curso superior que vi que

isso é possível. Espero ainda que o curso continue a me motivar como já tem feito para

que eu possa me dedicar e ser uma profissional diferenciada no mercado. Saber direito,

para mim, é entender os princípios que regem a Constituição, saber entender os anseios da

sociedade e usar de todos os recursos jurídicos para atendê-las. Para isso, é necessário

ler, buscar conhecimentos, ser curioso, especulativo. Um termo usado pelos professores

que sempre me vem à cabeça é que para ser um profissional do direito o segredo é não

faltar aulas, pois ali tudo se absorve. Falto apenas quando estou com algum problema

de saúde ou quando preciso ficar até mais tarde no trabalho. Se frequentando

regularmente as aulas já não está fácil, imagina se eu começar a faltar direto? Sem

chance né?Como estratégia de estudo, procuro montar fichas de estudo com resumos de

minhas próprias palavras para melhor compreender. Percebo que fixar os conteúdos

apenas lendo é mais difícil pra mim. Ao escrever, eu reviso tudo e isso me faz assimilar e

gravar o que foi visto (Narrativas da Joana)

Até agora não tive dificuldades com as disciplinas, estudo muito e sempre leio,

pois sei que essa é a base para que eu alcance bons resultados no curso e no meu exercício

profissional. Entendo que o curso é bom para o aluno que também é bom, mas vejo o

professor como uma ferramenta essencial ao aluno, ele é um mediador que tem o poder de

despertar o interesse do estudante por determinada área do conhecimento. Entendo que o

bom professor dá a partida inicial, mostra o caminho, indica os bons materiais que o

aluno pode consultar e isso, certamente, o levará ao sucesso. Ao longo de toda minha vida

escolar tive excelentes professores, pois estudei na melhor escola estadual na minha

cidade e tive uma excelente formação de base.Se o professor não fosse essencial no

processo de ensino-aprendizagem, os estudantes não frequentariam mais as salas de

aula e tudo seria restrito ao acesso virtual a livros, por exemplo. A máxima de que quem

faz o curso é o aluno não está errada, mas acredito que não é apenas isso. Afinal, bons

professores são aqueles que conseguem formar profissionais que sejam ainda melhores

do que seus mestres.Até agora uma professora se destacou em minha trajetória no curso

de Direito. Ela trabalha metodicamente, meus colegas reclamam, mas eu acredito que ela

está correta. Ele sempre nos apresenta um esquema a respeito daquilo que veremos em

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sala, depois explica o que a doutrina fala do tema, na sequência complementa com os

aspectos práticos e encerra a discussão com a leitura do texto legal e os comentários

relacionados ao tema. Para complementar, sempre deixa lista de exercícios para

respondermos, corrige e utiliza parte desse material durante as avaliações. (Narrativas

da Laís).

Pela rede social, por meio das narrativas digitais, vale destacar recorte

(Figura 12) que demonstra que a participante achou difícil e complicado, pelo

ambiente novo, diferente e não gostar tanto do curso, o fez tendo em vista fatos

que aconteceram em sua vida.

Outro ponto que merece destaque na narrativa é que se identifica com

disciplina específica no Curso de Direito, apesar da luta que é de sair de sua

cidade todos os dias até a sede do campus.

Figura 12: Recorte 8- diálogo no grupo de WhatsApp

Fonte: Diálogo ocorrido em março de 2015

As narrativas convergem, em maior ou menor grau, para o mesmo

contexto da experiência em Larrosa, no cuidado para aproveitar o tempo com

significações e sentidos, já que narram as experiências de sentirem-se

integrados, em movimentos de pertencimento à Universidade.

Neste ponto, uso da literatura para compor sentidos à chegada destes

jovens até aqui. Não seguiram um roteiro determinado, fácil, domesticado, em

verdade, são vitoriosos, pois venceram as adversidades, mesmo com as

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pedras nos caminhos fizeram seus itinerários, suas vidas estudantis. Nesse

sentido, Rosa (1994, p. 113) defende:

Se quer seguir-me, narro-lhe; não uma aventura, mas experiências, a que me induziram, alternadamente, séries de raciocínios e intuições. Tomou-me tempo, desânimos, esforços. Dela me prezo, sem vangloriar-me.

Na Universidade os jovens enfrentam desafios, desde os estudos do

vestibular, a permanência nos estudos, o trabalho, as viagens da seu domicílio

para a cidade em que localiza o campus universitário.

Pelas narrativas, vemos que Arthur decepcionou-se com algumas

disciplinas ofertadas, pela incompletude e insuficiência, com outras ficou

surpreendido. Gostou da Universidade já que suas pretensões já estão

mudando, quer ser professor “dos bons”, pois acredita no papel que pode

exercer, já que “pela palavra pode-se mudar o mundo”.

Com a mesma vivacidade, Pitty demonstra que está apreendendo a ser

uma pessoa melhor e espera tornar-se uma boa profissional. Álvaro querendo

ser alguém de respeito está na expectativa de aprender mais, de modo que já

se considera mais responsável e com atitude de buscar realizar seus objetivos.

Maria testemunha que já adquiriu novos conhecimentos, nova rede de

amigos e tenta se destacar nos estudos. No mesmo sentido, as narrativas de

Joana deixam às claras que está estudando mais e se vê determinada. Laís,

formada já em Letras, está vivenciando novas experiências e acredita em seu

aprendizado significativo e relata nas marcar já deixadas por uma das

professoras do Curso. E meio ao novo, as expectativas são flagrantes, a Figura

13 testifica a afirmativa:

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Figura 13: Recorte 9- diálogo no grupo de WhatsApp

Fonte: Diálogo ocorrido em março de 2015

As narrativas dos jovens participantes já no curso demonstram a

diversidade de (re)significações, por exemplo a afirmativa que Arthur faz a

respeito de utilizar-se do curso para ganhar dinheiro, no sentido de que nesta

graduação há possibilidades maiores para aumento do poder aquisitivo, houve,

então, uma nova interpretação, já que pensa em ser professor.

Interessante é a composição e sentidos a partir das narrativas de

Álvaro, já que menciona que “quero e vou ser alguém de respeito”, ao mesmo

tempo em que tem consciência da necessidade de procurar conhecimento,

caso contrário o curso em si não proporcionará nada: “não vira nada”. Neste

mesmo sentido, Maria pondera da possível facilidade que há em adentrar na

universidade, sendo extremamente difícil o destaque na vida estudantil, a

entrada no mercado e a garantia de um futuro promissor.

Tudo isso converge para as ideias de Rosa (1994, p. 437):

Surpreendo-me, porém, um tanto à-parte de todos, penetrando conhecimento que os outros ainda ignoram. O senhor, por exemplo, que sabe e estuda, suponho nem tenha idéia do que seja na verdade - um espelho? Demais, decerto, das noções de física, com que se familiarizou, as leis da óptica. Reporto-me ao transcendente. Tudo, aliás, é a ponta de um mistério. Inclusive, os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo.

E não para por aí, Zago (2006) e Dubet (2008) apontam para as

possíveis dimensões de êxito, os pontos de partidas distintos e oportunidades

para os sujeitos, compõem cenários desafiadores para os jovens universitários.

Os jovens participantes da pesquisa partem de histórias de vida diferentes, são

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famílias que passam por dramas, lutas, tramas, avanços e recuos em busca de

oportunizar o melhor. Mas, a igualdade de condições é mantida para os

jovens?

Sabemos da importância do sujeito no processo de formação, e

participação ativa. No entanto é imprescindível tomar cuidado para

responsabilizar o jovem, o sujeito, em detrimento de formulação de políticas

públicas que garantam atendimento pleno na educação e demais direitos

sociais.

Neste sentido, penso que a Universidade deve preocupar-se com “a

sorte dos vencidos” (DUBET, 2008, p. 10), pois assim a educação

verdadeiramente será para todos, respeitando a diversidade instalada em todas

as universidades.

O ser jovem e universitário nas vivências e experiências demonstram

sabores e dissabores em meio ao complexo educativo na Universidade, são

realidades que ora corroboraram para os sonhos e anseios, em outros

momentos nem tanto, porém demonstram-se entusiasmados para encararem

os desafios propostos nesta nossa fase da vida.

5.3 EDUCAÇÃO JURÍDICA: POR UM DIÁLOGO VIVO, LIBERTADOR

Neste ponto articulamos sentidos entre as narrativas dos participantes

da pesquisa com pressupostos teóricos da Educação Jurídica, já delineados

anteriormente. As narrativas demonstram que há certa vontade em modificar a

Educação Jurídica encontrada na Universidade

Vamos ver o que as narrativas nos dizem? Fundamentando-me nos

preceitos freireanos, recorro à Larrosa (2001, p. 291):

Dar a palavra é dar a possibilidade de dizer outra coisa diferente daquilo que já dizem. Dar a palavra é dar a alteridade constitutiva da palavra. Aquele que dá a palavra fica despossuído de toda a soberania, porque as palavras que dá não são nem suas próprias palavras, nem as palavras nas quais ele ainda estaria, de algum modo, presente.

Como as narrativas apresentam um claro eixo condutor, qual seja:

compreensões sobre a Educação Jurídica ofertada no curso, entendo por bem

colacionar todos os trechos. Após farei uma tessitura dialógica, no intuito de

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compreender e dar sentidos aos achados.

Aliás, vale registrar que voltando ao campo e negociando, no sentido

proposto por Clandinin e Connelly (2011), com os participantes, achamos por

bem neste ponto não citar o pseudônimo, já que há certas tensões no discurso

que podem ser entendidos por vieses não imaginados por nós (eu, pesquisador

e os participantes). Vou chamá-las de Narrativas 1, 2, 3, 4 e 5. Já que pincei

apenas os dizeres de cinco dos nossos participantes.

Narrativa 1:

“Houve uma experiência negativa com uma matéria, sendo que esta se

perpetuou por todo semestre. Sendo que a razão que transforma esta em uma experiência

negativa, deve-se aos métodos de ensino (se bem que não considero aquilo método de

ensino) em uma certa matéria.[...] acredito que a educação liberta, torna a pessoa mais

independente, dona de si, pra falar a verdade. Agora, quanto a educação jurídica, esta

liberta e muito. Acho tão bom quando acontece um fato comigo e eu corro nos meus códigos

e consigo achar as respostas. Mas tem hora que a resposta não está completa na lei, daí

corro para o Doutor Google (risos). Fora da brincadeira, o aprendizado, Prof. é algo que

jamais se tira da pessoa. Quando se aprende algo, isso fica. Daí podemos usar isso para

nos ajudar e ajudar a sociedade. É tão bom falar algo com propriedade, uma sensação

incrível. Por tudo isso, gosto muito do curso que escolhi [...]”

Narrativa 2:

“[...]Por ser calouro ainda, tive poucos professores, mas já consegui perceber

alguns professores que apenas chegaram na sala de aula e liam, e aqueles que

arrasavam, tipo os tops, que consegue dominar a matéria bem dominado mesmo, porque

era impressionante o jeito que ensinava os alunos. O papel do professor é ensinar, né.

Sabe, eu acho que de jeito nenhum eu ia servir para ser professor, tem que ter muito

compromisso.Na real, professor, tem que preparar aulas, saber o conteúdo, buscar

estratégias para ensinar, precisa prender a atenção dos alunos, tem que corrigir prova,

ler muito, se atualizar, mostrar compromisso, cumprir horários, tá é louco, tô é fora.

(risos) Até parece, eu nunca, nunquinha, ia conseguir fazer tanta coisa para ganhar tão

pouco.

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Narrativa 3:

“É lógico que também presenciei experiências negativas no curso. Uma delas foi o

caso de um professor chegar na sala falando para nós fazermos um resumo sobre tal

conteúdo da matéria o qual não tinha dado nenhuma explicação antes e nem depois desse

resumo. Como eu vou resumir uma informação que ainda nem tenho? Você acha que é

mesmo possível ter vontade de fazer um trabalho como esse? Eu acho, de verdade, que o

professor pensa que a gente é besta. Será que ele não preparou aula naquele dia e jogou

essa proposta? Me parecia que ele não sabia o que queria com aquilo, já que nada foi

feito antes da proposta e menos ainda depois. Isso pra mim é um ótimo exemplo do que

não fazer em sala. Eu preciso de uma base, de leituras sobre o assunto e da visão do

docente, para só então saber o que é mais ou menos importante dentro de cada assunto.

Depois disso, passei a ver o professor com outros olhos, parece que ele perdeu um pouco

da autoridade, pra mim ele deixou de ser um modelo, como havia sido até aquele dia

[...]Tipo, hum....como eu te disse, né, professor, quando você entra, acha que as coisas são

de um jeito e depois percebe que a realidade não é bem assim, mas sei que posso mudar a

sociedade se exercer bem minha profissão. Para mim, saber direito é saber justiça, é

ajudar as pessoas, buscar defender o certo. Os elementos significativos para se aprender é

ter professores, dominadores do assunto, aulas diferentes, palestras como semana

jurídica, trazendo pessoas experientes no assunto. Aprender é garantir conhecimento, ter

domínio em determinados assuntos entre outros. Geralmente passo o dia inteiro estudando

para aprender mais e, assim, posso caminhar rumo a esse domínio que acho tão

importante”.

Narrativa 4:

“[...]acho que as aulas no curso de Direito devem ser didáticas, pois, por ser

muita teoria, acaba sendo, muitas vezes, monótonas. Outro elemento muito importante é o

os professores saber de verdade o conteúdo. Eu não consigo ver como bom professor aquele

que não conhece bem a disciplina que ministra. Como é que pode alguém te ensinar aquilo

que ele mesmo não sabe? Não dá, viu?Para mim, um bom professor é aquele que chama

atenção da galera de sala, que realmente você olha e percebe que ele sabe aquilo que está

transmitindo. Também deve ser claro em seus conteúdos, mesmo que muitas vezes não

seja possível. Ele deve ter em mente o que pretende com as aulas, o que quer que os

alunos aprendam, quando usarão aqueles conhecimentos no cotidiano, seja em sociedade

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seja no trabalho. Qual a finalidade de ensinar algo que não será usado? Teoria

dissociada da prática, pra mim, não faz sentido sabe, professor?Uma experiência

positiva que vivenciei no curso foram os professores cobrarem dos alunos a oratória

através de seminários e debates, o que nos fez já, desde o início, perder o medo, a

vergonha de falar em público. Como sempre gostei de falar, quero aprender cada vez

mais a me portar em público, a fazer com que as pessoas me entendam, pois vou precisar

disso no meu futuro exercício profissional.Já a experiência negativa foi em relação a uma

professora que me deixou um pouco desanimada, já que o seu autoritarismo em sala de

aula era tanto que ela não deixava o aluno expor o seu ponto de vista, sempre

discordando de tudo que o aluno falava. Acho que o professor precisa entender que o

aluno não é uma folha em branco. Ele sempre sabe alguma coisa e as suas opiniões devem

ser consideradas a respeitadas. Essa professora representou um ótimo modelo de como

não agir nunca em sala de aula. Se a sala de aula é o espaço privilegiado para o

conhecimento, como é que ela me faz uma dessa e corta todo mundo que fala algo

diferente do que ela pensa?[...]”

Narrativa 5:

- “Até agora uma professora se destacou em minha trajetória no curso de Direito.

Ela trabalha metodicamente, meus colegas reclamam, mas eu acredito que ela está

correta. Ele sempre nos apresenta um esquema a respeito daquilo que veremos em sala,

depois explica o que a doutrina fala do tema, na sequência complementa com os aspectos

práticos e encerra a discussão com a leitura do texto legal e os comentários relacionados

ao tema. Para complementar, sempre deixa lista de exercícios para respondermos, corrige

e utiliza parte desse material durante as avaliações. Em contrapartida, já tive

professores que não deixaram nenhuma saudade, pois entendo que o professor deve

sempre ter domínio de conteúdo, afinal ele é que precisa me orientar a como melhor

assimilar os conteúdos e para isso ele deve dominá-los bem. Um dos meus professores não

tinha experiência no ensino superior, apenas advogava. Em sala, isso era visível. Ele se

debruçava sobre a mesa, apoiava as mãos e “vomitava” os conteúdos nos alunos. Porém,

eu percebia que ele não dominava o que explicava e, quando alguém fazia um

questionamento, ele gaguejava muito, demonstrando ainda mais nervosismo. Entendo

como inadmissível alguém se prestar ao trabalho docente sem sequer dominar os assuntos

com os quais trabalhará. O mínimo que se espera, quando a experiência é curta e o

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conhecimento também, é que esse professor leia muito, prepare suas aulas e interaja com

os alunos. Ehh, tem que incentivar a gente, trabalhadores que chega cansados .Alguns

fazem.[...] Para mim, todo professor deve ter sua ideologia de trabalho muito bem

definida, clara em sua mente, deve saber quais os objetivos de seu trabalho. Outro ponto

chave é a preparação das aulas. Consigo perceber que os bons professores organizam

suas aulas, selecionam suas matérias, seguem uma sequência lógica ao trabalhar,

indicam boas doutrinas, exploram o código, permitem que os alunos colaborem com o

andamento da sala e com o rendimento dos conteúdos. Por isso, acredito que aquela

professora de quem falei antes me marcou muito positivamente e que aquele outro docente

já deixou marcas muito negativas.[...]”

Os trechos das narrativas aqui chamadas de 1,2, 3,4,5 demonstram as

experiências dos jovens universitários na Educação Superior, no Curso de

Direito, são vivências positivas e negativas em relação aos professores do

Curso. Revelam, desnudam o cenário atual do Curso e merece ser analisado

com cautela.

Penso que a forma com que são ensinadas as disciplinas/matérias

podem desmotivar os alunos, sendo vital a formação de um bom

relacionamento, vínculo entre aluno e professor para constituição da identidade

de ambos.

Nesse sentido, Charlot (2002, p. 45) nos explica os requisitos que os

jovens julgam que um professor deve ter, em especial uma apropriação de um

saber significativo, além dos quais “[...] que não grita, que resolve os problemas

na base da conversa, que explica várias vezes o que não foi entendido, que

sabe escutar; um espaço de interação [...] de reconhecimento recíproco”.

Nessa mesma vereda, as contribuições de Abramovay (2003), destaco a

vontade em ensinar, saber ensinar, controle da sala, dentre outros.

A Figura 10, já citada, demonstra que a falta de incentivo do professor,

além de desmotivar o aluno permite um movimento de experiências negativas

na Educação Formal, marcas nunca mais apagadas, como por exemplo a

afirmativa: “[...]é difícil não ter apoio.”. A Figura 11 insculpe o poder do afeto

nas relações educacionais, demonstra o imprescindível o carinho, [...]tem

carinho com a gente.” O professor necessita além do conhecimento técnico, o

saber, o reconhecer que é vital “saber ensinar”, o que nos dizeres do

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participante seria “[...] explicar matéria, explicar até a gente entender com jeito

de falar simples.” E este falar simples destoa, ainda, do vocabulário técnico dos

Curso de Direito, sendo necessário rever como como o linguajar distancia o

egresso, o cidadão de entender a mensagem que precisa ser transmitida.

Figura 14: Recorte 10- diálogo no grupo de WhatsApp

Fonte: Diálogo ocorrido em março de 2015

O eco das narrativas ressoa em mim, gerando certo conflito, pois sou

professor universitário neste mesmo curso nos quais os participantes

vivenciam. Assim, ler e reler as representações dos participantes provoca uma

imersão em questionamentos, uma reflexividade-crítica, sobre o meu “saber” e

“saber ensinar”. Questionamentos que entrecruzam meus modos de ser e estar

no mundo, em busca de coerências do meu papel como educador e

continuidade na formação. Tais afirmativas provocam-me, enquanto

pesquisador, devendo me posicionar até por uma questão ética e política.

Assim, penso e julgo importante tecer algumas considerações, acerca da

realidade do Curso em que realizamos a pesquisa. Primeiramente, o campus

da Unemat na cidade de Diamantino-MT passa por um momento de transição,

já que a menos de cinco anos era de uma instituição privada e seu quadro

docente foi radicalmente modificado.

Convém, ainda, registrar que não ocorreu nenhum concurso público, o

que de tal modo acaba resvalando nos eixos pesquisa e extensão desta

instituição pública. Além do mais, temos dito em um capítulo anterior sobre a

baixa qualificação dos professores. É muito difícil no Estado de Mato Grosso a

formação continuada em nível de pós-graduação, mestrado e doutorado- já que

há tal qualificação somente na capital do Estado nesta área.

Voltando às narrativas, percebemos que se no cotidiano o mais

importante for o conteúdo incorre-se em erro, pois é possível que assim o

respeito pelas regras de como fazer tenha maior relevância que o processo, a

formação, a busca, o agir.

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Muitos autores tecem críticas ao bacharelado em Direito, por exemplo,

Warat (2001) que usa o termo “pinguinização”, já Veras (2008) fala do cultivo

de uma classe diferenciada, isto é os modos em que os estudantes tem uma

linguagem, uma estética e relação social muito própria. Todos vestidos com

roupas muito parecidas - os terninhos, as gravatas, o linguagem, o gestual

engessado!

Mas onde ficaria o ser humano? “O ser humano concreto, de carne,

sangue e sonho toma o lugar da parte, do requerente, do réu. O cidadão

substitui o sujeito abstrato dos códigos e o ator processual limitado pelas capas

dos autos”? (AGUIAR, 2002, p. 51). Pensemos, existe muita vida além dos

mundos dos processos, dos bens jurídicos, existem gentes, quereres, vozes,

mundos de vidas!

E assim o Curso de Direito replica o que é posto pela classe dominante

(dominação hegemônica, conforme Boaventura de Souza Santos), sendo

imprescindível repensar “”o que é Direito, para que se possa ensiná-lo?” (LYRA

FILHO, 1980, p. 6).

Não podemos conceber o Direito pelo viés técnico-jurídico, conforme

Wolkmer (1997) relata criticamente: não somos um curso técnico e sim superior

que tem o dever de articular um diálogo humanista e crítico de nossas

realidades plurais, na complexidade do contemporâneo, pois novos sujeitos e

direitos descortinam a todo tempo.

Aliás, na atualidade, latente é a pluralidade das identidades individuais

ou coletivizadas, sendo vital ser sensível, abrindo-se para a diversidade cultural

(MONTEIRO et al., 2014). .

Nas narrativas, pupulam as palavras, de modo que os significados e

composição de sentidos afloram:

-“falar com propriedade”; “professor que só lê” e “os tops”;

-“pedir resumo sem ter explicado a matéria”.

-“O professor pensa que a gente é besta?

-“Devem ser didáticas.. muita teoria fica monótona”

-“ Autoristarismo”

-“Vomita os conteúdo nos alunos”.

Sabe-se que o Curso de Direito é um bacharelado, por tal os docentes

têm formação técnica, muitas vezes são professores iniciantes ou que detêm

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dos conhecimentos técnicos, já que não há uma política fortalecida para a

formação continuada de professores universitários. Por tais motivos, Pimenta

(2000) entende que para saber ensinar não bastam a experiência e os

conhecimentos específicos, mas se fazem necessários os saberes

pedagógicos e didáticos.

Segundo Câmara (2010, p. 8):

A problematização se eleva quando o professor que assume o

compromisso de ensinar nesse contexto tem sua formação de

bacharel, nos moldes da educação brasileira que visa a formar

cidadãos voltados para a formação técnica e desenvolvimento

dos setores econômicos e sociais da sociedade, sem a

preocupação de inserir nessa formação aspectos que deem a

este futuro profissional a possibilidade de pensar sua formação

no aspecto de disseminador da mesma, ou até mesmo de

refletir sobre essa formação.

A Educação Jurídica está atrelada a velhas práticas, conforme Streck

(2004) nos esclarece. Ademais os “[...] exemplos utilizados em sala de aula ou

em determinadas obras jurídicas estão desconectados do que acontece no

quotidiano da sociedade. Isto ocorre de uma cultura estandartizada [...]”

(STRECK, 2004, p. 84). Ilustra muito bem tal afirmativa, trecho da narrativa de

um dos participantes: “[...] olha, não sei se é uma prática comum, mas usam umas

situações que não são lógicas para a vida de gente normal como nós, a começar dos

nomes, sempre é Tício e Mévio, até nisso falta criatividade. A linguagem nem se fala, neh.

Acho que os que escrevem estes livros da área jurídica, não pegam ônibus, não sabem o

que as pessoas comem, bebem, o modo como se comportam, sei lá[...]”

Paulo Freire esclarece que “[...] saber ensinar não é transferir

conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou sua

construção”, (FREIRE, 2011, p. 47). Deve oportunizar reflexões, aguçar a

curiosidade, mas para que isso ocorra veja a advertência de Freire (2011, p.

64):

O professor autoritário, o professor licencioso, o professor competente, sério, o professor incompetente, irresponsável, o professor amoroso da vida e das gentes, o professor mal-amado, sempre com raiva do mundo e das pessoas, frio, burocrático, racionalista, nenhum desses passa pelos alunos sem deixar sua marca. Daí a importância do exemplo que o professor ofereça de sua lucidez e de seu engajamento na

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peleja em defesa de seus direitos, bem como na exigência das condições para o exercício de seus deveres. O professor tem o dever de dar suas aulas, de realizar sua tarefa docente. Para isso, precisa de condições favoráveis, higiênicas, espaciais, estéticas, sem as quais se move menos eficazmente no espaço pedagógico. Ás vezes, as condições são de tal maneira perversas que nem se move. O desrespeito a este espaço é uma ofensa aos educandos, aos educadores e à prática pedagógica.

Na Educação Jurídica é necessário reflexões e ações em prol de

um projeto educativo emancipatório (SOUZA, 1987) em que o Direito

seja entendido como organizador da liberdade em convivência,

instrumento do processo libertador (LYRA FILHO,1986). A Educação

Jurídica se faz pelo “Diálogo Vivo” do docente e discente na ruptura de

paradigmas, aberta para o outro, “[...] implica, pois o reconhecimento de

que devo estar disposto a deixar valer em mim algo contra mim, ainda que não

haja nenhum outro que o faça valer contra mim” (GADAMER, 2007, p. 472). O

que coaduna com as lições de Freire (2005, p. 91):

O Diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu. Esta é a razão por que não é possível o diálogo entre os que querem a pronúncia do mundo e os que não querem; entre os que negam aos demais o direito de dizer a palavra e os que se acham negados deste direito. É preciso primeiro que, os que assim se encontram negados no direito primordial de dizer a palavra, reconquistem esse direito, proibindo que este assalto desumanizante continue.

Assim, o Vademecum, enquanto símbolo da positivação do Direito,

acompanhará todos os jovens universitários, todavia não se pode se esquecer

da caminhada, das marcas da/na caminhada na composição identitária, tanto o

cenário pessoal como estudantil e profissional, realçando o projeto

emancipatório, a liberdade pela condição humana, isto é, humanizadora que a

Educação Jurídica libertadora deve ofertar.

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6 “SÍNTESE DAS EXPERIÊNCIAS VIVIDAS”: COMPONDO SENTIDOS A PARTIR E ALÉM DA PESQUISA, OS ESTUDANTES E EU.

Como visto, escrever não é uma tarefa fácil, sobretudo quando o foco é

a Pesquisa Narrativa e o retorno são quadros da vida dos jovens participantes

da pesquisa. Ressignificar uma experiência está longe de ser algo simples,

mas está evidente o quanto é enriquecedor.

No derradeiro capítulo, julgo relevante dialogar com a perspectiva de ir-

e-vir (ida e volta) da Pesquisa Narrativa. Aqui a ida representa meu trabalho

diretamente com a coleta das narrativas, com a escuta atenta dos jovens, com

a ressignificação daquelas experiências retratadas. Porém, após a

transposição das gravações e dos dados fornecidos nas entrevistas, é

necessário que os participantes se vejam reinseridos nas narrativas.

Tenho em mente que a “volta” na pesquisa narrativa é exatamente

proporcionar aos participantes do estudo que eles vejam suas trajetórias de

vida recontadas pelo pesquisador e possam, a partir de então, apresentar o

que sentiram diante da ressignificação de suas memórias.

Assim, trago ao texto, após expor o trabalho final aos participantes (até o

capítulo anterior) suas percepções a respeito de tudo aquilo que por eles foi

contado e que agora lhes é “devolvido” em forma de uma experiência

recontada pelos olhos do pesquisador.

Tão envolvente quanto as etapas anteriores foi esta última de retornar

aos participantes com a composição de significados realizados por mim a partir

de suas narrativas, histórias e experiências.

Começo por citar as palavras de Arthur após ouvir suas narrativas ora

ressignificadas. Depois de ler todas as narrativas por ele fornecidas,

questionei-o sobre sua percepção sobre tudo que ouviu. Nesse momento,

Arthur diz:

Te ouvir contar minha história foi bem estranho, mas parece que eu voltei à época

do meu estágio. Pensei no quanto essa etapa foi importante para que eu definisse pelo

curso de Direito, mesmo sendo tão novo. O incentivo direto dos meus pais reforçaram em

mim a ideia de que eu poderia ser alguém na vida se me dedicasse realmente àquilo que

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seria minha chance de melhorar de vida. De novo, parece que vejo meu pai e escuto ele

falar que quer que a gente passe em um concurso. Vi que dou muito valor ao dinheiro e ao

status que o curso pode me trazer, mas percebi também que me preocupo com a sociedade

que pode ser mudada com minha atuação como operador do direito, em qualquer que seja

a função. Além do mais, fazendo essa faculdade, realizo o desejo dos meus pais de terem

um filho advogado, ou pelo menos, formado em Direito.

Fiquei bastante emocionado quando lembrei da minha época de escola. Acredita,

professor, que eu até pensei no recreio, que era muito bom, eu me divertia com meus

amigos, mesmo estudando em uma escola particular. Acho engraçado lembrar que eu era

tão tímido que pra fazer amizades eu falava sobre as histórias em quadrinho que lia.

Hoje percebo que sair dessa escola particular e ir pra uma pública não me entristeceu

nem me traumatizou, mas eu percebi que a escola pública era bem mais fraca que a

particular. Graças a Deus meu ensino médio foi bem legal, cheio de desafios e o estágio

foi o auge desse período.

Nossa, professor, acredita que eu nunca tinha parado pra pensar no quanto

minha vida escolar foi legal e no tanto que meus pais foram importantes para eu me

tornar uma pessoa responsável e tentar usar essa faculdade para melhorar a minha vida

e também para levar algo bom a toda a sociedade. Se eu soubesse que ver minha vida

recontada era tão interessante, teria até te contado mais coisas, que deixei passar durante

as entrevistas. Pra mim, sua narrativa ficou muito boa mesmo. Pode publicar do jeitinho

que está.

O mesmo trabalho de “volta” foi feito com Pitty, que se posicionou:

Quando fui ouvindo a história, professor, vi que aquela história de que eu escolhi

o curso de Direito, na verdade, não existe. Eu fui meio que obrigada, primeiro por minha

mãe, então o curso que me escolheu e não eu que o elegi como escolha. Depois, reforcei a

ideia de que queria mesmo era Medicina, mas a aprovação posterior em Direito caiu no

meu colo e eu peguei. Você acha mesmo que eu esqueci a Medicina? Claro que não, mas

hoje já consigo gostar do Direito, vejo que ele pode dar pra minha família aquele

conforto que eu quero demais ter. Parece que ouvi de novo minha mãe dizendo que eu

precisava estudar, que a faculdade me faria ser respeitada e que também me traria

dinheiro. Sabe, quando penso naquela noite antes da prova, que eu saí e demorei, vejo que

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fui irresponsável e a vida me deu um tapa na cara. Será que eu precisava ter passado

por aquilo? Se eu fosse alguém sem orientação, eu até entenderia, só que não era. Minha

mãe e minha vó sempre me mostraram que a vida seria aquilo que fizesse dela. Sorte que

a aprovação veio e comecei o curso, mas eu tinha traçado o plano B, de estudar demais

até passar em Medicina.

Sinceramente, eu nunca imaginei que minha história de vida pudesse virar uma

pesquisa séria, algo importante para a sociedade. Na verdade, eu nem imaginava que eu

tivesse alguma importância para a história de vida de alguém que não fosse minha mãe

ou minha vó. Olha, professor, ouvir minha história me fez pensar que, se eu pudesse, eu

teria feito diferente algumas coisas, principalmente sobre o estudo. Aquela história de sair

antes da prova não foi legal, não. Acho que fiz isso porque não tava muito a fim de

Direito, então tanto fazia passar ou não. Mas imagina, perder esse tempo todo seria

muito desperdício e eu tinha mesmo era que aproveitar a chance de cursar Direito, mesmo

que minha vontade fosse Medicina.

Até falei pra minha mãe que era esquisito contar minha vida, mas hoje, depois de

ouvir tudo que você registrou sobre mim, vejo que é muito bom saber que alguém se

importa com a minha opinião, que alguém quer saber como foi minha vida e como minhas

escolhas aconteceram. Obrigada mesmo por me deixar ouvir tudo o que você registrou. Um

dia poderei contar pros meus filhos que a minha experiência de vida despertou o interesse

de um pesquisador.

A história de que o jovem está sempre em processo de construção é

verdadeira e ficou explícita nas palavras de Pitty. Pouco tempo depois da

experiência, ela percebe que já faria diferente se pudesse fazer o tempo voltar.

Talvez seja isso que traz ao jovem seu caráter mais instigante: o conflito.

A visão de Pitty muito se assemelha às palavras de Alberto Caeiro, em

“O guardador de rebanhos” ao dizer que nem tinha ideia da importância de sua

história para outrem, veja: “[...] E o que vejo a cada momento/ É aquilo que

nunca antes eu tinha visto,[...]” (PESSOA, 1977).

Já a “volta” dada por Álvaro é muito interessante. Vejamos o que ele diz:

Contar a minha vida e ver ela retratada por você, professor, foi uma experiência

muito importante pra mim, além de ser algo inédito pra mim. Bem legal essa história de

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ver minha vida e minhas lembranças retratadas num trabalho tão importante quanto é

esse, né professor. Relembrar as etapas da minha vida, cada uma em um lugar, foi uma

oportunidade muito boa pra eu repensar em minha trajetória.

Sabe, com essa narrativa, consegui me transportar para cada um dos lugares

onde morei até hoje. Isso é fascinante pra mim. Poder ver minhas ideias sobre meu futuro

profissional guardadas para sempre em uma pesquisa como esta é algo que ficará

marcado na minha vida. Só de pensar que outras pessoas conhecerão o que eu penso e o

que quero fazer com o curso de Direito pode ajudar algumas pessoas a entenderem que o

curso de Direito pode ser uma alternativa bem interessante pra quem pretende mudar de

vida, mas eu já ressalto que quem escolher essa carreira não terá uma vida tranquila,

não.

Por outro lado, professor, com minha história retratada, as pessoas poderão ver

que, mesmo em constante conflito, os jovens podem ter um futuro brilhante e responsável e

esse futuro pode estar sendo planejado agora, durante o começo do curso. Se no começo

fiquei com um pouco de medo ou má vontade de responder à entrevista, agora posso dizer

que até me arrependo, poderia ter passado pela experiência antes. Pode deixar tudo como

está. Se o que quer é minha memória de estudante, ela está aí, exatamente como aconteceu.

Pode divulgar.

Maria se emociona ao ver sua vida ressignificada pelos olhos do

pesquisador e dispara:

Meu Deus, por que eu não fui convidada pra participar de uma pesquisa como

esta antes? Professor, você me fez refletir sobre minha vida, relembrar minha infância foi

quase um presente antecipado de aniversário. Parece que voltei no dia em que minha

família festejava minha aprovação no vestibular. Nossa, como o tempo passa rápido!

Deixe exatamente como está. Uma experiência como essa nunca é em vão. Quem sabe, ao

ler seu trabalho, quem está indeciso sobre o curso possa se definir agora. Eu nunca

pensava que um dia iria mostrar o que penso diretamente para um professor reproduzir

minha trajetória. Muito obrigada por me presentear com essa participação e me permitir

rememorar minha experiência de vida.

Joana também passou pela fase de apresentação dos dados e

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aprovação do trabalho. Ela diz:

Agora to até com vergonha de ter chorado quando falei de minha doença, da

descoberta que tinha perdido parte da visão. Mesmo assim, meu Deus, é muito doida essa

sensação de se ver retratado por um pesquisador. Minha mãe com certeza vai ficar muito

orgulhosa de mim. Agora já um pouco mais experiente no curso, vejo que fiz a escolha

certa. Mesmo que às vezes me desanime, sei que a qualidade do meu futuro depende da

intensidade da minha dedicação. Se eu pudesse voltar no tempo, escolheria o curso de

Direito de novo. Já pensou, professor, se eu concluo o curso e, daqui uns 10 anos, mais ou

menos, eu me torno juíza? Toda minha família sentirá o maior orgulho de mim e com

certeza poderei ajudar muitas pessoas.

Aquela frustração da reprovação e de não ter terminado o curso de ciências

contábeis não me pararam, felizmente! Lembra do que eu disse sobre desistir?! Ah mas

não desisto mesmo. Agora me vendo revelada nessa narrativa, tenho ainda mais convicção

de que estou no caminho certo, de que minha família terá muito orgulho de mim, pois vou

superar todas as dificuldades até terminar meu curso. Você ainda vai ouvir falar muito

de mim e, olha que beleza, daqui uns tempos vou comer palmito toda semana se eu quiser,

pois sei que o curso me dará o respeito que eu desejo e o dinheiro de que eu preciso para

ter uma vida muito confortável e poder ajudar muita gente desamparada e que só quer

um pouco de atenção. Que linda escolha essa sua, de ouvir o jovem. Justo a gente, que tá

sempre mudando, sempre se transformando. É muito instigante me enxergar nestas

folhas.

Neste ponto, o retorno de Joana me faz lembrar a canção, antiga e

moderna, mais atual do que nunca. Ela agora ecoa e toma conta do meu

ambiente: “Eu prefiro ser/Essa metamorfose ambulante/Eu prefiro ser/Essa

metamorfose ambulante/Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo

[...]”. (SEIXAS,1973).

Por fim, Laís demonstra certo fascínio para com sua história retratada, já

que traz com riqueza de detalhes as sensações, sentimentos e do reviver sua

própria história. Senão, vejamos:

Acredita que quando li minha vida retratada no seu trabalho eu consegui sentir o

cheiro da planta da casa da minha avó, aonde eu ia todo dia junto com a minha mãe? É

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surpreendente como voltar à infância pode nos fazer bem. Caminhando um pouco mais

rumo à adolescência, me vi diante da fase turbulenta, mas decisiva na minha vida:

escolher a primeira graduação. Sabe, professor, aquela reprovação no primeiro vestibular

não foi legal, chorei muito na época, mas hoje vejo que fazer as duas faculdades juntas

poderia ser muito difícil. Acredito que fui aprovada na hora certa, quando já estava mais

madura e num momento em que eu poderia encarar com mais responsabilidade o curso.

Pensar nas brincadeiras de criança me fez ver que, sem saber, eu já traçava parte

do meu futuro, determinando a minha primeira formação em Letras. Maravilhosa essa

oportunidade de contar aquilo que permeou minha memória durante tanto tempo, mas que

estava guardado, esquecido em alguma gaveta do meu inconsciente. Certamente me

comprometo ainda mais com o curso, já que tive a oportunidade de fazer o que muitos

nunca terão: pensar o lugar do curso de Direito na minha vida, quais influências eu sofri,

como o contato com os livros me despertou a vontade de estudar mais. Obrigada,

professor, por me dar a chance de reviver pontos importantes da minha vida, a partir da

sua visão dos fatos. Foi maravilhoso ver a narrativa pronta. É claro que pode deixar

exatamente como está.

Assim, as experiências pessoais e formativas são capazes de tocar

profundamente a subjetividade dos participantes e do pesquisador, os quais

com integridade e autenticidade demonstram em suas narrativas a

complexidade do “ser jovem”, das identidades e dos caminhos percorridos na

vida, o que, segundo Josso (2004, p. 51) “[...] em todos os seus aspectos, em

todas as suas dimensões passadas, presentes e futuras e na sua dinâmica

própria”.

Os jovens participantes da pesquisa, tentando ressignificar suas

experiências pessoais e formativas transmite-as por meio do processo

dialógico interativo das narrativas em seu tempo-espaço sociocultural, já que a

vida de cada jovem é rica em experiências e merece ser compreendida pelo

diálogo, conforme ensina Gadamer (2000, p. 134):

Um diálogo aconteceu quando deixou algo dentro de nós. Não é o fato de que nós experimentamos algo novo, o que faz o diálogo um diálogo, mas que algo outro veio ao nosso encontro que ainda não havíamos encontrado em nossa experiência própria do mundo [...] Só no diálogo (e no rir-um-com-o-outro

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que é comum um consenso transbordante sem palavras), amigos podem encontrar-se e construir aquela espécie de comunidade na qual cada um permanece o mesmo para o outro, porque ambos encontramos outro e no outro se encontram a si mesmos

Para a formação do pesquisador, percebo que o ir-e-vir da pesquisa

proporciona um belo exercício de composição de sentimentos a partir e além

das experiências pessoais e formativas, nos movimentos de recontar das

histórias no processo de reflexões de dentro e para fora, para trás e para

frente.

Assim, no meu processo identitário sou tocado quando os participantes

da pesquisa manifestam-se sobre sua existencialidade e importância de suas

histórias, de si. Por exemplo, Arthur narrou que “[...] eu nunca tinha parado

para pensar no quanto minha vida escolar foi legal [...]”. Pitty descreve sua

surpresa para com a importância de sua história para outrem.

Um conflito aqui é observado, pois mesmo em falando que o curso a

escolheu, Pitty deixa às claras que seu intuito era fazer o Curso Superior de

Medicina. Conflito que já no Curso de Matemática também experimentei: parar

e iniciar o Curso de Direito ou terminá-lo? Optei por terminar a licenciatura para

depois iniciar o Curso de Direito, já que este teria aplicação direta no meu labor

exercido na época no Ministério Público do Estado de Mato Grosso.

A volta ao campo, oportunizou uma outra importante reflexão: nossa

constante transformação, metamorfose, mudança de opinião, de quereres e

visões. Álvaro trata de que mesmo estando na juventude [...] em constante

conflito [...]” pode ter um futuro promissor. Ou isto ou aquilo, eis a questão!

Ressignificando minha trajetória e as experiências pessoais e formativas

percebo-me em constante conflito com o papel social do educador, como

compor sentidos sobre minhas práticas em sala de aula e oportunizar espaços

que socializem os conhecimentos, os saberes e os debates com visões plurais.

Mudar é difícil, muitos se acomodam, por vários fatores. A mudança de

atividades laborais é uma questão delicada: “como deixar o gabinete para ir

para a sala de aula?”.

Devemos fazer o que nos faz bem, provoca, instiga, dá alegria de viver,

nos energiza! Em uma sala de aula, não nas paredes fechadas e nos escritos

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repetitivos e frios, que pulsa minha vida. Educação é vida, e por isso a sala de

aula possibilita à troca de saberes, a espontaneidade, o riso, as lutas, os

quereres, a colheita de bons ânimos para os desafios da contemporaneidade.

Faço-me, refaço, aprendo, reapreendo, construo, descontruo, penso e reflito na

possibilidade de pelo conhecimento crescer na minha profissão docente.

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CONSIDERAÇÕES (NÃO) FINAIS: E A VIDA SEGUE PARA UMA MANHÃ DESEJADA

Eu acredito é na rapaziada/ Que segue em frente e segura o rojão/ Eu ponho fé é na fé da moçada/ Que não foge da fera, enfrenta o leão/ Eu vou à luta com essa juventude/ Que não corre da raia a troco de nada/ Eu vou no bloco dessa mocidade/ Que não tá na saudade e constrói A manhã desejada. (Vamos à Luta, Gonzaguinha).

Estou consciente que as histórias aqui narrativizadas serão

sempre inacabadas e continuamente acrescidas pelos nossos jovens,

participantes da pesquisa, com o passar do tempo. Afinal, todos

passarão, mas a história, as experiências permanecerão para todo o

sempre.

Nossa Pesquisa, com aproximações teórico-metodológicas em

Connelly e Clandinin (2011), Mello e outros, não quis em nada definir,

conceituar, rotular experiências, gentes, ações e reflexões, não!

Como definir o gosto do chá feito pela mamãe, como conceituar o

sabor do bolinho de chuva, do caju, da manga, do arroz com pequi, das

sensações provocadas pelo pôr-do-sol, do banho de chuva ao lado da

pessoa amada. Digam-se, por favor: é possível conceituar as emoções

da aprovação no vestibular, a entrada na universidade, as boas notas e

as aprendizagens no curso Superior?

Pelos escritos manuelinos, assim parafraseei: -Foi Manoel que

me segredou no ouvido. Dá-lhe, Éverton. E eu assim, escrevi esta

pesquisa narrativa, observando o detalhe do/no detalhe, o micro,

dizendo de outra forma, de outra maneira na Academia, reproduzindo as

ideias de Barros (2000, p. 52) ao dizer que “[...] a ciência pode

classificar e nomear os órgãos de um/sabiá mas não pode medir seus

encantos/A ciência não pode calcular quantos cavalos de força/existem/

nos encantos de um sabiá”.

Entendo que nossas experiências, os acontecimentos do

cotidiano, o vivenciado e o experienciado, o detalhe, a miudeza, a

valorização do humano, são vistas nas narrativas dos participantes da

pesquisa.

Diante das paisagens apresentadas até aqui, olho para mim

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diante das diversidades das Experiências Pessoais e Formativas dos

Jovens que chegaram à Universidade, participantes da pesquisa, e me

pergunto: O que dizer dos meus conflitos, avanços, recuos,

aprendizados cotidianos, meu papel como Educador, pai, cidadão? E da

minha chegada até o mestrado?

É assim, olhando para mim mesmo, com a consciência de si,

neste espaço- tempo, que componho estas considerações que não são

finais, pois a vida é, nas perspectivas das experiências, infinita, até

porque no hoje, quiçá no amanhã, novas experiências comporão novos

pensamentos, sentimentos e experimentações, em movimentos espirais

tracejando novas paisagens.

Até neste momento, a centralidade das histórias experienciadas eram

nos participantes, de modo que retomo a minha história, no intuito de

ressignificar a minha história, minhas experiências e aspectos relevantes sobre

o percurso na/da pesquisa.

Assim, como nos caminhos dos jovens participantes da pesquisa,

as lutas, os sonhos, os projetos e as nossas trajetórias não foram/são

lineares, por diversos fatores, cada qual com sua parcela de

contribuição.

Pensando sobre os rumos de minha vida, meus pensamentos

voam para minha cidade natal, lá nas brincadeiras de criança, nos sons

dos caretas, nas dificuldades dos meus pais para mantença de nossa

casa.

Lembro-me da primeira professora, dos colegas de sala. Aliás,

será como estão, onde estão? Dos conflitos gerados pelo Padre

Cornélio, das brigas e brincadeiras com os vizinhos, das invenções e do

cheirinho gostoso da casa da vovó.

Nas escolas lembro-me das diversas contradições, das culturas

escolares, poderio e imposição eram visíveis, domínio de sala e

disciplina rígida, contrapondo-se à vigorosidade dos jovens. Vi e convivi

com muitas reprovações, desistências e abandonos por fatores

múltiplos, não que os alunos não tinham compromissos, mas o contexto

oportuniza tais fatos, são raízes de um ensino tradicional, preocupado

com o viés tecnicista.

A pesquisa amplificou o meu entendimento sobre o que acontecia

nessas escolas, já que o olhar foi transformado pelo respeito à

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dignidade humana, sendo oportunizadas possibilidades que observam os

tempos de formação humana, a reflexibilidade das diversidades nos

contextos estudantis.

Vejo-me como um homem em busca dos meus sonhos, como um

educador que acredita no potencial transformador da Educação, até

porque já vi por várias vezes a mudança na vida de meus alunos, já que

somos seres em constante mudança.

E assim me vejo nas histórias de vários alunos, dos participantes

dessa pesquisa, pois há semelhanças nas histórias aqui narradas,

especialmente quando se fala das famílias trabalhadoras, o incentivo e

apoio familiar aos estudos.

A necessidade de trabalhar e a necessária força para vencer a

hegemonia que quer tentar nos impedir de ver novos horizontes de vida

e quereres.

Sendo nossa trajetória marcada de idas-e-vindas, movimentos

espirais experienciados que provocam conflitos, lutas, desafios e

impasses na complexidade da vida, ainda mais na fase juvenil.

As experiências dos jovens me fazem lembrar de minha

juventude, especialmente do primeiro emprego. Tá aí, este é mais um

conflito, pois de um lado a oportunidade de dedicar-me aos estudos para

ingresso na universidade e do outro a necessidade em ajudar no

orçamento familiar.

No final da década de noventa não havia a implementação das

políticas públicas de acesso à Educação Superior e foi o que vivenciei

no tempo-espaço ao pleitear uma vaga no curso superior. Tampouco,

existiam políticas públicas de inserção do jovem no mercado de

trabalho.

Na contemporaneidade, percebe-se que há, em que pese as

críticas, projetos com a intenção realizar a capacitação dos jovens,

mesmo que ainda mereça melhores contornos, como por exemplo o

acompanhamento de continuidade no curso e entrada no mercado de

trabalho, fatores decisivos para a motivação do ser jovem.

Agora, sob o prisma da formação docente, vejamos certo conflito.

Primeiramente concluí a Licenciatura em Matemática. Como fui

aprovado em um concurso público para laborar no Ministério Público do

Estado de Mato Grosso e experienciado ótimas histórias que traziam no

enredo de ajuda ao próximo, ao necessitado, achei por bem fazer o

Curso Superior de Direito. E o fiz, permanecendo ainda em algumas

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atividades finalísticas do Ministério Público.

Mas, passado algum tempo, as atividades tornaram-se rotineiras,

sem o atendimento ao público, algo fechado, frio, sem a força motriz do

diálogo vivo. Deixaria para trás a estabilidade, o bom salário, o ambiente

e a instituição de credibilidade? Ou sair e realizar novos sonhos

profissionais?

Ousei, sair da zona de conforto, ousaria de novo, mesmo com

uma assembleia constituída dizendo de modos outros! Em razão das

vozes dissonantes, em meus agradecimentos, agradeci a quem, muito

próximo, entendeu a minha escolha.

Após, realizar três especializações e estudos específicos para o

Mestrado em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso,

concorri ao concurso docente da UNEMAT e, para minha felicidade, fui

aprovado.

Penso, então, que realizar as atividades cotidianas dentro do

espectro que se gosta nos dá ânimo para experienciar o lado bom da

vida. A sala de aula é um espaço de realização, liberdade e

oportunidades para o diálogo, do aprender constante.

Friso que o meu estudo no Mestrado é uma realização pessoal e

profissional, já que, como professor da Educação Básica e Educação

Superior, tenho o compromisso de entender o complexo educativo.

Caminhando por essa fase, entendo que todos os profissionais da

educação devem ter oportunidades de formação continuada em

programas e pós-graduação stricto sensu.

Porém, melhor é voltar um pouquinho no tempo, mais um conflito

relampeja. Ao ser aprovado no seletivo do Mestrado da Universidade

Federal de Mato Grosso, tanto no Campus de Rondonópolis como no de

Cuiabá-MT, no mesmo período saiu o resultado do concurso de provas e

títulos para docentes da UNEMAT.

O problema era que após dois meses eu já deveria assumir o

cargo para o qual fora aprovado em outra cidade, distante mais de

quatrocentos quilômetros. Seria ao mesmo tempo mudança de domicílio,

de trabalho, redução de salário, estudos do mestrado. Equacionar tais

fatos não foi tão amistoso assim.

Fui questionado de diversas formas sobre a saída de um órgão

que é reconhecido pelos cidadãos, bem como pela estrutura e benefícios

legais. Como assim saindo para dar aula? Você fez algo errado lá? Por

quais razões você está fazendo o movimento contrário?

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Simples: a vida é bela demais para deixarmos de fazer aquilo

que queremos, sonhamos e acreditamos. A sala de aula me provoca,

instiga, dá alegria de viver, não as paredes fechadas e nos escritos repetitivo.

Busco a espontaneidade, o riso, as lutas, os quereres, na possibilidade de pelo

conhecimento crescer na minha profissão docente.

A provisoriedade dos significados atribuídos é uma constante, de

modo que devem ser levados em conta impactos na/da vida, nos

tempos, nos espaços sócio-histórico e culturais. De modo que, como

professor da Educação Superior, a pesquisa tocou profundamente na

temática da experiência.

Assim, minhas experiências advindas da presente pesquisa

implicam em contornos possibilitadores da formação humana por meio

do ouvir, do cuidar, do narrativizar.

Surpreendente quando os participantes possibilitam reflexões

ímpares, discorrendo sobre os benefícios das experiências, o

crescimento do Curso e as potencialidades naturais por meio de grupos.

Não menos importante é explicitar que os dois cursos superiores

realizados e a maturidade dos dias atuais proclamam para entender que

os tempos mudam nossas concepções de fazer, questionar-se, lançar-

se. Faria outra vez o Curso de Direito, pela liberdade, atuação e

oportunidades em lutar por dias melhores.

Vou relendo os primeiros escritos, narrativizando as vozes que

ecoam nas experiências desta pesquisa e outras acessadas nas

memórias ao longo da vida, de modo que vários seres humanos

colaboram no enlace e enfeite dessas linhas.

Percebi que, como pesquisador narrativo, aproximando-se

teórico-metodologicamente de Clandinin e Connelly o olhar, as emoções

e leitura de mundo são fundamentais na tessitura do processo de

constituição da pesquisa, preocupando-me com o movimento da ética e

da despertabilidade.

A riqueza do material produzido, em meio às narrativas,

demonstram várias possibilidades para composição de sentidos, sendo

que a criação de eixos é importante para não me perder frente ao

desafio.

Assim, ao reconstruir as experiências vividas, foram compostos os

seguintes eixos temáticos: 1- “Vidas, Tempos e Escola: Percurso Escolar dos

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jovens”, no qual demonstra Experiências no/do percurso escolar, isto é, as

percepções dos tempos de escola; 2- “Por que Direito?: Tempos, contextos de

uma escolha”, aqui subdividi em duas perspectivas: “A Família: sentidos e

significados, razões de uma escolha”; “Eu vou fazer direito”: entre inspirações,

status e Afetos, isto é quais fatores externos de algum modo motivaram a

escolha pelo Curso de Bacharelado em Direito; 3- “Jovens no Curso de Direito:

Vademecum, vem comigo”, trata das Experiências que os jovens ingressantes

estão vivenciando no curso superior, desde a questão da identidade do “ser

jovem” às reflexões da Educação Jurídica ofertada.

As narrativas dos jovens universitários revelaram a complexidade

da vida, do nosso tempo e das escolhas, os dilemas e dificuldades

enfrentadas no cotidiano pelos participantes.

Acredito que, diante das memórias e experiências narradas pelos

participantes da pesquisa, compreendemos como jovens universitários do

Curso de Direito narram suas experiências como estudantes e como

estas são significadas (problema) a partir da entrada neste curso.

Meu intuito era que, nesta escrita, as nuances das memórias e

experiências contadas pudessem ser percebidas, já que o viver se faz

na expectativa do devir, do vindouro. Pois eu acredito na dignidade, na

luta e na vitória dos jovens universitários que conviveram comigo:

Arthur, Pitty, Álvaro, Maria, Joana e Laís. Eu acredito é nessa rapaziada!

Encontrei nos jovens participantes da pesquisa gente que faz,

sonha e tem projeto de vida envolvendo os estudos, a escola, o trabalho.

São jovens que estudam em busca do conhecimento, por diversos

motivos, mas ressaltam a ideia de oportunizar uma melhor vida para os

pais. Jovens que laboram/laboraram para ajudar no orçamento de

casa.Juventude que reflete sobre seu papel, sua posição social e

valores da sociedade e da família.

Inspirações, o status almejado e afetos marcam narrativas que

emergem as identidades do ser jovem e universitário em também os

vários fatores para a escolha do Curso de Direito.

A modernidade-líquida de nossos tempos relevam que as

experiências e memórias dos jovens não seguem uma trajetória linear,

pois é tênue, descontinua e em movimentos espirais. Com isso creio que

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as narrativas ajudam os próprios jovens participantes a ressignificarem o

percurso na vida até a chegada ao hoje, na universidade.

Compondo sentidos em meio as experiências advindas pela

pesquisa, em especial as narrativas dos participantes e todo o contexto

de submersão, ou seja, teóricos-metodológicos e subjetivação do/no

processo, posso afiançar que entre o dito e o não dito compreendi que

estes participantes narram suas experiências como estudantes pinçando

o que transpassaram-nos, no sentido larrosano, sendo aquilo “[...] que

nos passa, o que nos acontece, o que nos toca”.

Após a entrada no Curso o que foi vivido, experienciado é

ressignificado, pois as narrativas das experiências já na universidade

não são esvaziadas daquilo que foi vivido, até porque a trajetória de vida

faz parte da constituição identitária do ser, logo levamos conosco para

toda a vida.

Os percursos estudantis, as dificuldades da vida, o apoio da

família, o status social, a possibilidade de ascensão social, as

inspirações, desejos, possibilidades e afetos permearam as narrativas,

de modo que a continuidade na formação do ser jovem e universitário

perpassam as histórias contadas de um ontem, do presente e projetada

no futuro, no vindouro.

A composição de sentidos e a negociação da pesquisa garantem

a reafirmação de valores, marcas e quereres. Por exemplo, o papel da

escola, da universidade, da família na constituição da identidade do

jovem, a cultura, a sociedade além de fatores que influenciaram a

escolha pelo Curso de Direito.

Com todo cuidado, o tempo, a sociabilidade e o lugar foram

tratados na perspectiva da pesquisa narrativa, na medida em que foram

compondo sentidos e ressignificados, a partir do que foi contado, de

modo que pelos percursos narrados há possíveis compreensões das

lutas, dos percalços e da vitória alcançada com a inserção na

universidade.

Permitir que os jovens tenham o poder de (com) partilhar, co-

elaborar, colaborar suas histórias e sobretudo ter um momento para

reviver e ressignificar as narrativas por meio das histórias escritas pe las

minhas mãos e negociada pelo “senso da responsabilidade relacional” . É

atividade que oportuniza crescimento e reflexão sobre nossa identidade,

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nossa vida.

Assim, o Vademecum acompanhará os jovens universitários no

Curso de Direito, mas permeados pelas suas histórias de vida,

respeitando as marcas que atravessaram seu caminho, as lutas e

vitórias, bem como em busca de uma Educação Jurídica libertadora.

Enfim, iniciei minha pesquisa compondo algumas linhas em

frente às águas de um rio na região de Diamantino-MT, logo na

dedicatória.

Considerando que as narrativas dos participantes dessa

pesquisa produzem experiências e estabelecem um itinerário de uma

relação pensante no mesmo tempo-espaço que conta histórias, pode-se

afirmar que são tramas, em movimentos experienciados, que permitem

uma sensibilização para compreender as singularidades narrativas de

cada um. Narrativas que podem provocar um despertamento das muitas

reminiscências nos leitores, dos indecisos a um Curso Superior, e ao ser

humano que, de algum modo, se vê nestas linhas escritas e imagina

outras possibilidades de viver a vida!

Neste arriscado “diálogo vivo” proposto nesta pesquisa, com as

Artes, música, literatura e imagens, recorro-me ao livro de minha

infância, mas que entrecruza com os dias do meu hoje, o “Menino do rio

Doce” de Ziraldo (citado na epígrafe da Apresentação) para escrever

estas linhas “(não) finais”, realçando que as experiências pessoais e

formativas vividas, compreendidas e/ou ressignificadas podem ajudar

este pesquisador e os participantes nos novos caminhos que serão

construídos ao caminhar: “Vem comigo ao meu destino!, diz o rio ao seu

menino[...]”(ZIRALDO, 1996, p. 29). Ainda prossegue:

“O mar é meu começo”, adivinhou o menino (ou o rio lhe ensinou) “E o rio repete: “Vem”! E dizendo isso o rio se desmancha no azul da agua salgada do mar. Onde a história do homem que veio vindo com o rio- menino de água- agora vai começar [...]” (ZIRALDO, 1996, p.29). (grifo próprio).

Ao final desta caminhada, mesmo tendo dificuldade em despedir

deste escrito, já que, para mim, toda despedida é um des-pren-di-men-

to, volto na mesma paisagem. Mas, tentando ressignificar esta

caminhada, nos movimentos experienciados, volto à imagem do rio que

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me toca.

Não é a mesma sensação. É nova, diferente, única, já que na

pluralidade das histórias aqui contadas, vividas e narradas compus

sentidos a partir do meu olhar sobre o mundo, no mundo e para o

mundo. Compondo sentidos nas/sobre as narrativas dos participantes tal

tessitura também foi verificada, pois são relações, outros sentidos,

olhares, viveres e ressignificações feitas pelos jovens universitários,

entre as experiências pessoais e as formativas, de modo que tal

continuidade perpassaram as histórias de um ontem, do presente e

projetadas no futuro/devir, isto é, no vindouro.

Assim, com a brisa que me envolve, no invisível toque, com o

movimento das águas desejo que todos sejam felizes “na manhã desejada”!

Figura 15- Rio na região de Diamantino-MT

Fonte: O autor, 2015.

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APÊNDICE A

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidado (a) a participar da pesquisa “VADEMECUM, VEM

COMIGO”: MEMÓRIAS E EXPERIÊNCIAS DE JOVENS

UNIVERSITÁRIOS NAS PAISAGENS DO CURSO DE DIREITO, sob a

responsabilidade dos pesquisadores Éverton Neves dos Santos, aluno do

curso de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato

Grosso –UFMT, e da Profª. Dra. Filomena Maria de Arruda Monteiro, dessa

mesma instituição.

Nesta pesquisa nós tentaremos compreender como jovens universitários do

Curso de Direito narram suas experiências como estudantes e como

estas são significadas a partir da entrada neste curso.

Na sua participação você participará de sessões de narrativas, para contar e

expor suas experiências antes e depois do curso de Direito. Além disso, você

redigirá diários reflexivos relativos às mesmas, realizando reflexões sobre sua

colaboração com os participantes, sendo que as narrativas poderão ser

gravadas em áudio e transcritas cooperativamente. Esses diários serão

posteriormente analisados para a composição de sentidos.

Em nenhum momento você será identificado. Os resultados da pesquisa serão

publicados e ainda assim a sua identidade será preservada, além da garantia

da confidencialidade, sigilo e privacidade dos dados.

Você não terá nenhum gasto e ganho financeiro por participar da pesquisa.

Os riscos de sua participação podem se referir a um possível constrangimento

em função de uma possível quebra de sigilo em relação a sua identidade,

contudo, a pesquisa se pautará na ética e no respeito aos participantes e

estratégias serão usadas de forma a garantir o absoluto sigilo em sua

identificação.

Você é livre para deixar de participar da pesquisa a qualquer momento sem

nenhum prejuízo ou coação, tendo acesso a qualquer tempo às informações da

pesquisa.

Esta pesquisa foi submetida ao CEP (Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo

Seres Humanos) do Hospital Universitário Júlio Muller – HUJM. O Comitê tem a

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184

finalidade de fazer cumprir os aspectos éticos das normas vigentes de

pesquisa em seres humanos do Conselho Nacional de Saúde.

Também poderão ser solicitadas informações desta pesquisa ao

CEP/HUJM, por meio do telefone (65) 3615-7254 ou endereço eletrônico:

[email protected], ou ainda no endereço: Rua Luis Philippe Pereira Leite,

s/n Alvorada - CEP 78048-902, Cuiabá/MT. Local de Atendimento: Anexo

didático – HUJM, em horário comercial.

Uma cópia deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ficará com você.

Qualquer dúvida a respeito da pesquisa, você poderá entrar em contato com:

Pesquisadores:

Prof. Dra. Filomena Maria de Arruda Monteiro

Endereço: Avenida Fernando Correa, s/n, Coxipó, Cuiabá-MT,telefone 65-

3615-8451

Everton Neves dos Santos

Endereço: Rua Cenedom Ramos, 160, Centro, Rondonópolis-MT, telefone- 66-

9616-8706

Cuiabá, ____ de outubro de 2014.

Prof. Dra. Filomena Maria de Arruda Monteiro

Everton Neves dos Santos

Eu aceito participar do projeto acima referido, voluntariamente, após ter sido

devidamente esclarecido.

_______________________________________________________________

________

RG:___________

CPF:___________

Participante da pesquisa

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185

APENDICE B

AUTORIZAÇÃO INSTITUCIONAL PARA PESQUISA CIENTÍFICA

PROJETO: “MEMÓRIAS E EXPERIÊNCIAS DE JOVENS

UNIVERSITÁRIOS NAS PAISAGENS DO CURSO DE DIREITO:

VADEMECUM, VEM COMIGO”,

OBJETIVO: compreender como jovens universitários do Curso de

Direito narram suas experiências como estudante e como estas são

significadas a partir da entrada neste curso;

A Universidade do Estado de Mato Grosso, Campus de Diamantino-

MT, situada na, CONCEDE PERMISSÃO para coletas de dados e

seleção de participantes para a pesquisa, com o intuito exclusivo de

alcançar os objetivos da pesquisa.A pequisa está sob a responsabilidade

dos pesquisadores Éverton Neves dos Santos, aluno do curso de Pós-

Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso –UFMT, e

da Profª. Dra. Filomena Maria de Arruda Monteiro, dessa mesma instituição.

Esta pesquisa foi submetida ao CEP (Comitê de Ética em Pesquisa

envolvendo Seres Humanos) do Hospital Universitário Júlio Muller – HUJM. O

Comitê tem a finalidade de fazer cumprir os aspectos éticos das normas

vigentes de pesquisa em seres humanos do Conselho Nacional de Saúde..

Qualquer dúvida a respeito da pesquisa, poderá entrar em contato com:

Pesquisadores: Prof. Dra. Filomena Maria de Arruda Monteiro.

Endereço:Avenida Fernando Correa, s/n, Coxipó, Cuiabá-MT,telefone 65-

3615-8451; Everton Neves dos Santos. Endereço: Rua Cenedom Ramos, 160,

Centro, Rondonópolis-MT, telefone- 66- 9616-8706.

De Diamantino para Cuiabá, ____ de outubro de 2014.

Diretor Financeiro e Politico e Pedagógico

UNEMAT-Campus de Diamantino

Ciência: Everton Neves dos Santos

Pesquisador-Mestrando

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APÊNDICE C

QUESTIONÁRIO

PROJETO: “MEMÓRIAS E EXPERIÊNCIAS DE JOVENS

UNIVERSITÁRIOS NAS PAISAGENS DO CURSO DE DIREITO:

VADEMECUM, VEM COMIGO”,

OBJETIVO: compreender como jovens universitários do Curso de

Direito narram suas experiências como estudante e como estas são

significadas a partir da entrada neste curso.

Roteiro do Questionário aplicado aos professores:

1- Identificação pessoal:

Nome:_____________________________________;

Sexo: ( ) masculino ( ) feminino;

Idade: _________.

2- Dados profissionais:

a) Experiência Docente:

( ) até 5 anos; ( )de 5 à 10 anos; ( ) 10 a 15 anos; ( ) outros

b)Vínculo empregatício com a área jurídica:

( ) advogado; ( ) servidor público; ( ) assessoria jurídica ; ( )

outros

3- Dados sobre a formação profissional:

( ) Graduação. Qual? _________________;Ano de

conclusão:_____;

( ) Especialização. Qual? _________________;Ano de

conclusão:_____;

( ) Mestrado. Qual? _________________;Ano de

conclusão:_____;

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( ) Doutorado. Qual? _________________;Ano de

conclusão:_____;