Fabiana Siqueria Fontana - O Acervo Paschoal Carlos Magno e o Teatro Brasileiro Moderno

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  • O Acervo Paschoal Carlos Magno e novas perspectivas para a anlise do teatro brasileiro moderno Fabiana Siqueira Fontana Programa de Ps-Graduao em Artes Cnicas Unirio Doutorando Histria e historiografia do teatro Or. Prof. Dr. Tania Brando

    Em 1938, no Rio de Janeiro, no Teatro Joo Caetano, estreou a primeira

    montagem em vernculo nacional da pea Romeu e Julieta, de Shakespeare. Tratava-se do

    lanamento do Teatro do Estudante do Brasil grupo amador, de bases estudantis,

    empreendimento artstico de Paschoal Carlos Magno (1906-1980). Esse conjunto teatral foi

    o responsvel por definir a base do teatro brasileiro moderno, ao associar a prtica do teatro

    cultura nacional e educao, dando a este uma dimenso de campanha patritica.

    O grupo Teatro do Estudante do Brasil (TEB) tinha como objetivo a elevao da

    cultura nacional por meio da montagem de textos clssicos. Esse foi o preceito para a sua

    formao e atuao at o ano de 1952. Depois, com a criao do Teatro Duse (inaugurado

    em agosto desse mesmo ano) e a realizao das sete edies do Festival Nacional de

    Teatro de Estudantes (FNTE), o TEB passou a figurar como movimento cultural, a partir da

    criao de grupos de teatro amador formados por estudantes, e/ou vinculados a

    universidades ou agremiaes estudantis, por todo o pas. Isso possibilita enxergar a

    unicidade do Teatro do Estudante como um empreendimento de Paschoal Carlos Magno

    que se estende do fim da dcada de 30 at meados dos anos 70 e a sua finalidade: o

    progresso cultural do Brasil como Estado-Nao. claro que esse objetivo do Teatro do

    Estudante sofre aclimataes ao longo de todo o seu desenvolvimento. Porm a associao

    entre juventude/classe estudantil, cultura nacional, teatro, arte e educao garantiu a

    Paschoal Carlos Magno no s a organicidade de seu projeto como tambm a possibilidade

    de muitas das atividades do Teatro do Estudante serem financiadas pelo Estado, atravs de

    subvenes ou ento de custeio de suas dvidas a partir de dinheiro pblico.

    Porm, se claro que o Teatro do Estudante do Brasil foi obra de Paschoal

    Carlos Magno, a pesquisa em seu arquivo mostra que apesar do TEB ter sido ideia de um

    sujeito, ele s se consolidou e se expandiu porque foi difundido como uma campanha

    nacionalista que via no aprimoramento do teatro brasileiro, atravs de sua modernizao,

    um meio de elevao da cultura nacional. Portanto, vale ressaltar que o sucesso do TEB

    no somente fruto das inovaes cnicas que ele trouxe para o palco do nosso teatro

    moderno1, mas, e principalmente, porque a sua finalidade enquanto grupo artstico, e depois

    1 Pode-se considerar que foram trs as contribuies que o Teatro do Estudante deixou em favor da instaurao da modernidade no teatro brasileiro: a renovao no repertrio apresentado pelos conjuntos nacionais, a criao de uma nova classe de atores, e a insero da figura do diretor no teatro brasileiro. Essas inovaes foram implantadas por Paschoal Carlos Magno no Brasil atravs da importao de ideias e modelos estrangeiros, oriundos principalmente do teatro ingls.

  • movimento teatral, sempre teve ressonncia e apelo junto intelectualidade, que, a partir de

    Getlio Vargas, passa, inclusive, a ocupar importantes posies na malha do poder estatal.

    Pode-se dizer que so dois os fatores responsveis pelo processo de

    transformao do Teatro do Estudante de grupo para movimento, como tambm o motivo do

    seu sucesso, entendido no s na longa durao de sua existncia enquanto projeto, apesar

    de inmeras interrupes, como tambm pela repercusso de seu formato como modelo por

    todo o territrio nacional: o financiamento pblico de suas atividades, mais uma ampla rede

    de difuso de suas aes e propaganda dos seus ideais. Ambos os fatores tem origem na

    carreira de Paschoal Carlos Magno, que abarca diversas reas de atuao, e que podem

    ser resumidas em trs campos: o da poltica, da diplomacia, e da imprensa. Esses espaos

    ocupados por Paschoal Carlos Magno, onde foram estabelecidas redes de relaes

    pessoais, permitiram a ele o acesso ao poder para pleitear subvenes para o seu projeto

    teatral, assim como espao em diversos jornais e revistas para alardear a sociedade com os

    seus espetculos e eventos, lanados como feitos patriticos em prol da cultura nacional.

    Neste artigo, apenas o aspecto financeiro da produo do Teatro do Estudante ser

    abordado, devido ao espao resumido que serve apenas para a apresentao de uma

    parcela desta discusso que se insere no mbito do debate das relaes entre Estado,

    cultura e teatro moderno.

    Mas como pde ser percebida tal rede de relaes pela qual se deu a instituio

    do Teatro do Estudante como uma campanha de elevao da cultura nacional que foi

    amparada pelo Estado, mesmo tendo sido desenvolvida em diferentes momentos da poltica

    brasileira? Essa ampla malha de amizades de Paschoal Carlos Magno, o principal suporte

    de edificao do TEB, s foi possvel de ser constatada devido pesquisa feita em seu

    arquivo pessoal. O Acervo Paschoal Carlos Magno est locado no Centro de Documentao

    da Funarte, no Rio de Janeiro. Trata-se de um arquivo privado, formado por uma

    documentao reunida pelo titular do acervo e por sua famlia. O perodo que compreende

    uma acumulao maior de documentos entre 1930 e 1980 (ano da morte de Paschoal

    Carlos Magno). O acervo encontra-se ainda em processamento tcnico. Porm, boa parte

    de toda documentao j foi tratada, e estima-se que a massa documental que forma este

    arquivo ultrapasse o nmero de 35.000 documentos.

    O arquivo pessoal de Paschoal Carlos Magno composto de documentos de

    diversas tipologias, mas a correspondncia que permite que a sua rede de relao possa

    ser mapeada, de modo que seja possvel enxergar para quem eram endereados os

    pedidos de financiamento e subveno referentes ao Teatro do Estudante, e de como eram

    redigidos os textos destas cartas que serviam para afirmar que tal empreendimento merecia

    ser contemplado com verba pblica j que desde a sua criao o que ele fez foi servir

    Nao. A ttulo de exemplo, serve uma dessas solicitaes de auxlio financeiro, feita por

  • Paschoal Carlos Magno e endereada ao Ministro de Educao e Sade, Clemente

    Marianni, datada de 13 de junho de 1947. Depois de evidenciar os feitos do TEB,

    ressaltando as ltimas montagens do grupo, e os seus futuros projetos, Paschoal Carlos

    Magno finaliza a carta dizendo: o Teatro do Estudante do Brasil, cuja influencia de todos

    conhecida, apela para o Governo Federal solicitando um auxlio, que lhe facilite a tarefa

    idealista e cultural.

    Tal prtica de escrever a quem estava ocupando cargos importantes no

    comando do pas tem incio j em 1939, quando Paschoal Carlos Magno enderea uma

    carta a Getlio Vargas solicitando 500 contos para que o Teatro do Estudante pudesse

    prosseguir com as suas atividades recm inauguradas. Ao longo da trajetria do TEB muitas

    personalidades artsticas, polticos e intelectuais foram acionados a fim de que Paschoal

    Carlos Magno pudesse obter recursos para a realizao de seu programa, por exemplo: o

    senador Assis Chateaubriand e o reitor da Universidade do Brasil, Pedro Calmon.

    Essa maneira de arrecadar fundos no deve ser revelada sem que apenas uma

    crtica lhe seja dirigida: a prtica de pleitear amparo financeiro via cartas endereadas a

    pessoas que estavam frente do poder, uma constante na rotina do TEB, ocorreu durante

    um perodo longo de insero do teatro dentro da mquina estatal como uma

    responsabilidade do governo, que deveria ocupar-se com a implantao de rgos

    preocupados com o amparo e o fomento da produo artstica nacional. Esse processo de

    institucionalizao do teatro tem incio com a criao do Servio Nacional de Teatro (1937),

    oriundo da Comisso de Teatro Nacional (1936). Outro problema decorrente dessa maneira

    de angariar financiamento pblico a falta de periodicidade nas subvenes destinadas ao

    Teatro do Estudante, as quais dependiam menos de uma poltica pblica na rea de cultura

    do que de quem que estava frente do Estado em determinada poca.

    Vale ainda lembrar que o prprio Paschoal Carlos Magno exerceu cargos

    importantes no poder. Alm de ter ocupado postos em diversas embaixadas e consulados,

    ele foi tambm Vereador pelo Distrito Federal (1951-1955), Oficial do Gabinete da

    Presidncia da Repblica no Governo de Juscelino Kubistchek (1956-1961), Secretrio-

    Geral do Conselho de Nacional de Cultura (1962-1964), etc. Quando assim bem-

    posicionado, as suas aes atendiam a uma demanda prpria, pois ele dava continuidade

    ao seu programa artstico que fazia parte de sua trajetria pessoal de empreendedor

    cultural, mas que no diziam respeito particularidade do rgo que comandava ou do

    governo que representava. Esses cargos pblicos eram na verdade meios de realizar

    projetos artsticos idealizados por ele e, na maioria das vezes, concebidos muito antes de

    suas nomeaes.

    Dessa forma, foram, por exemplo, realizados os trs primeiros Festivais

    Nacionais do Teatro do Estudante, que receberam dotao oramentria proveniente da

  • CASES (Campanha de Assistncia ao Estudante), criada quando Paschoal Carlos Magno

    fazia parte do Gabinete de Juscelino Kubistchek. O que explicita a continuidade do TEB

    (conjunto artstico) no FNTE no tanto o primeiro festival ter sido criado em homenagem

    ao aniversrio de 20 anos do Teatro do Estudante, mas o seu objetivo: o de reunir os grupos

    que tinham filiao direta ao TEB de 1938. J no Conselho Nacional de Cultura, durante a

    atuao de Paschoal Carlos Magno, receberam auxlio financeiro, para a manuteno do

    grupo, o Teatro do Estudante do Paran e de Campinas (comandados respectivamente por

    Aramando Maranho e por Therezinha Aguiar), ambos tambm com procedncia direta do

    TEB.

    Logo, o que se percebe, a partir do caso Teatro do Estudante, que, para alm

    dos aspectos artsticos, o teatro brasileiro moderno deve ser analisado dentro de uma

    perspectiva socioeconmica. Pois o que est no centro da discusso desta temtica o

    papel do Estado como fomentador de projetos que pretendiam renovaes e reformulaes

    no s no mbito do teatro, mas tambm da Nao. Angela de Castro Gomes (1999), ao

    estudar o nosso modernismo literrio, observa que impossvel desvincular o sentido do

    projeto dos meios empregados para execut-lo (p.44). Dessa forma, a produo teatral de

    diversos grupos deve ser estudada a fim de que se perceba como que o teatro moderno o

    princpio de uma relao de dependncia do teatro com o governo federal, para que,

    inclusive, os debates sobre tal relao na atualidade sejam melhor instrumentalizados.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    GOMES, Angela de Castro. Essa gente do Rio...: modernismo e nacionalismo. Rio de Janeiro: Editora Fundao Getlio Vargas, 1999.