Felizmente Há Luar- Resumo da Obra

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Obra “Felizmente há luar” de Luís Sttau Monteiro Surgida no mesmo ano em que o Autor publicou o romance Angústia para o Jantar mais tarde também adaptado ao teatro esta peça contribuiu para celebrizar Luís de Sttau Monteiro como dramaturgo, tendo sido bem recebida pela crítica do seu tempo. Baseada na tentativa frustrada de revolta liberal em 1817, supostamente encabeçada por Gomes Freire de Andrade, Felizmente Há Luar! recria em dois actos a sequência de acontecimentos históricos que em Outubro desse ano levou à prisão e ao enforcamento de Gomes Freire pelo regime de Beresford, com o apoio da Igreja, sublinhando um apelo épico (e ético) politicamente empenhado e legível à luz do que era Portugal nos anos 60. Chamando a atenção para a injustiça da repressão e das perseguições políticas, a peça designada por "apoteose trágica" pelo Autor esteve proibida até 1974 e foi pela primeira vez levada à cena apenas em 1978, no Teatro Nacional, numa encenação do próprio Sttau Monteiro. CLASSIFICAÇÃO Trata-se de um drama narrativo de carácter épico que retrata a trágica apoteose do movimento liberal oitocentista, em Portugal. Apresenta as condições da sociedade portuguesa do séc. XIX e a revolta dos mais esclarecidos, muitas vezes organizados em sociedades secretas. Segue a linha de Brecht e mostra o mundo e o homem em constante transformação; mostra a preocupação com o homem e o seu destino, a luta contra a miséria e a alienação e a denúncia da ausência de moral; alerta para a necessidade de uma sociedade solidária que permita a verdadeira realização do homem. De acordo com Brecht, Sttau Monteiro proporciona uma análise crítica da sociedade, mostrando a realidade, de modo a levar os espectadores a reagir criticamente e a tomar uma posição. CARACTERÍSTICAS DA OBRA - personagens psicologicamente densas e vivas - comentários irónicos e mordazes - denúncia da hipocrisia da sociedade - defesa intransigente da justiça social

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Page 1: Felizmente Há Luar- Resumo da Obra

Obra “Felizmente há luar” de Luís Sttau Monteiro

Surgida no mesmo ano em que o Autor publicou o romance Angústia para o Jantar – mais

tarde também adaptado ao teatro – esta peça contribuiu para celebrizar Luís de Sttau Monteiro

como dramaturgo, tendo sido bem recebida pela crítica do seu tempo.

Baseada na tentativa frustrada de revolta liberal em 1817, supostamente encabeçada por

Gomes Freire de Andrade, Felizmente Há Luar! recria em dois actos a sequência de

acontecimentos históricos que em Outubro desse ano levou à prisão e ao enforcamento de

Gomes Freire pelo regime de Beresford, com o apoio da Igreja, sublinhando um apelo épico (e

ético) politicamente empenhado e legível à luz do que era Portugal nos anos 60.

Chamando a atenção para a injustiça da repressão e das perseguições políticas, a peça –

designada por "apoteose trágica" pelo Autor – esteve proibida até 1974 e foi pela primeira vez

levada à cena apenas em 1978, no Teatro Nacional, numa encenação do próprio Sttau Monteiro.

CLASSIFICAÇÃO

Trata-se de um drama narrativo de carácter épico que retrata a trágica apoteose do

movimento liberal oitocentista, em Portugal. Apresenta as condições da sociedade portuguesa

do séc. XIX e a revolta dos mais esclarecidos, muitas vezes organizados em sociedades secretas.

Segue a linha de Brecht e mostra o mundo e o homem em constante transformação; mostra a

preocupação com o homem e o seu destino, a luta contra a miséria e a alienação e a denúncia da

ausência de moral; alerta para a necessidade de uma sociedade solidária que permita a

verdadeira realização do homem.

De acordo com Brecht, Sttau Monteiro proporciona uma análise crítica da sociedade,

mostrando a realidade, de modo a levar os espectadores a reagir criticamente e a tomar uma

posição.

CARACTERÍSTICAS DA OBRA

- personagens psicologicamente densas e vivas

- comentários irónicos e mordazes

- denúncia da hipocrisia da sociedade

- defesa intransigente da justiça social

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I - teatro épico: oferece-nos uma análise crítica da sociedade, procurando mostrar a

realidade em vez de a representar, para levar o espectador a reagir criticamente e a tomar uma

posição

- intemporalidade da peça: remete-nos para a luta do ser humano contra a tirania, a

opressão, a traição, a injustiça e todas as formas de perseguição

- preocupação com o homem e o seu destino

- luta contra a miséria e a alienação

- denúncia a ausência de moral

- alerta para a necessidade de uma superação com o surgimento de uma sociedade

solidária que permitia a verdadeira realização do homem.

As personagens são psicologicamente densas, os comentários irónicos e mordazes e

denuncia-se a hipocrisia da sociedade, a luta contra a miséria e a alienação, a preocupação com o

Homem e o seu destino. Drama narrativo, de carácter social, na linha de Brecht (exprime a

revolta contra o poder, o homem tem o direito e o dever de transformar a sociedade em que

vive, com o objectivo de levar o espectador a reagir criticamente).

BRECHT ("Estudos Sobre o Teatro"): propõe um afastamento entre o actor e a personagem

e entre o espectador e a história narrada, para que se possam fazer juízos de valor.

Em "FELIZMENTE HÁ LUAR!", as personagens, o espaço e o tempo são trabalhados para

que a "distanciação se concretize".

Luta contra a tirania, opressão, traição, injustiça e todas as formas de perseguição.

O dramaturgo através dos gestos, cenários, palavras e didascálias, leva o público a

entender de forma clara a mensagem.

LINGUAGEM: natural, viva e maleável; frases em latim com conotação irónica, frases

incompletas por hesitação ou interrupção, marcas de características do discurso oral e recurso

frequente à ironia e ao sarcasmo.

Como drama narrativo, pressupõe uma acção apresentada ao espectador e com

possibilidade de ser vivida por ele, mas, sobretudo, procura a sua conivência (cumplicidade) ou

participação testemunhal.

O carácter narrativo é sinónimo de épico, ao contar determinados acontecimentos que

devem ser interpretados, reflectidos e julgados pelo espectador, enquanto elemento da

sociedade. Observando Felizmente há Luar, verificamos que são estes os objectivos de Luís de

Sttau Monteiro, que evoca situações e personagens do passado, usando-as como pretexto para

falar do presente.

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O teatro moderno, do qual faz parte esta obra, tem como preocupação fundamental levar

os espectadores a pensar, a reflectir sobre acontecimentos passados e a tomar posições na

sociedade em que se inserem, para tal é usada uma técnica realista/influência de Brecht –

DISTANCIAÇÃO HISTÓRICA – isto é:

- o actor deve conseguir "afastar-se"da personagem

- o espectador deve conseguir "afastar-se" da historia narrada

Esta técnica acaba por aproximar o actor e o espectador, de tal modo que ambos se

distanciam da historia narrada, podendo assim como pessoas reais fazerem os respectivos juízos

ou criticas de forma precisa e consciente sobre o que se passa em palco.

Assim, Luís de Sttau Monteiro, através desta técnica, pretende levar o espectador a ter um

olhar crítico para se aperceber e criticar as injustiças e opressões.

TEMPO

a) tempo histórico: século XIX

b) tempo da escrita: 1961, época dos conflitos entre a oposição e o regime salazarista

c) tempo da representação: 1h30m/2h

d) tempo da acção dramática: a acção está concentrada em 2 dias

e) tempo da narração: informações respeitantes a eventos não dramatizados, ocorridos no

passado, mas importantes para o desenrolar da acção

ESPAÇO

Espaço físico: a acção desenrola-se em diversos locais, exteriores e interiores, mas não há

nas indicações cénicas, referência a cenários diferentes

Espaço social: meio social em que estão inseridas as personagens, havendo vários espaços

sociais, distinguindo-se uns dos outros pelo vestuário e pela linguagem das várias personagens

O TÍTULO

O título da peça aparece duas vezes ao longo da peça, ora inserido nas falas de um dos

elementos do poder – D. Miguel – ora inserido na fala final de Matilde. Em primeiro lugar é

curioso e simbólico o facto de o título coincidir com as palavras finais da obra, o que desde logo

lhe confere circularidade.

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1) página 131 – D. Miguel: salientando o efeito dissuasor das execuções, querendo que o

castigo de Gomes Freire se torne num exemplo

2) página 140 – Matilde: na altura da execução são proferidas palavras de coragem e

estímulo, para que o povo se revolte contra a tirania

Num primeiro momento, o título representa as trevas e o obscurantismo; num segundo

momento representa a caminhada da sociedade em busca da liberdade.

Como facilmente se constata a mesma frase é proferida por personagens pertencentes a

mundos completamente opostos: D. Miguel, símbolo do poder, e Matilde, símbolo da resistência

e do anti-poder. Porém, o sentido veiculado pelas mesmas palavras altera-se em virtude de uma

afirmação e dá lugar a uma eufórica exclamação. Para D. Miguel, o luar permitiria que as pessoas

vissem mais facilmente o clarão da fogueira, isso faria com que elas ficassem atemorizadas e

percebessem que aquele é o fim último de quem afronta o regime. A fogueira teria um efeito

dissuasor.

Para Matilde, estas palavras são fruto de um sofrimento interiorizado reflectido, são a

esperança e o não conformismo nascidos após a revolta, a luz que vence as trevas, a vida que

triunfa da morte. A luz do luar (liberdade) vencerá a escuridão da noite (opressão) e todos

poderão contemplar, enfim, a injustiça que está a ser praticada e tirar dela ilações. Há que

imperiosamente lutar no presente pelo futuro e dizer não à opressão e falta de liberdade, há que

seguir a luz redentora e trilhar um caminho novo.

CONTEXTO HISTÓRICO:

Revolução Francesa de 1789 e invasões napoleónicas levam Portugal à indecisão entre os

aliados e os franceses. Para evitar a rendição, D. João VI foge para o Brasil. Depois da 1ª invasão,

a corte pede a Inglaterra, um oficial para reorganizar o exército: GENERAL BERESFORD.

Luís de Sttau Monteiro denuncia a opressão vivida na época em que escreve esta obra, isto

é, em 1961, durante a ditadura de Salazar. Assim, o recurso à distanciação histórica e à descrição

das injustiças praticadas no início do século XIX, permitiu-lhe, também, colocar em destaque as

injustiças do seu tempo.

A peça "Felizmente há luar" é uma peça épica, inspirada na teoria marxista, que apela à

reflexão, não só no quadro da representação, como também na sociedade em que se insere. O

teatro de Brecht pretende representar o mundo e o homem em constante evolução de acordo

com as relações sociais. Estas características afastam-se da concepção do teatro aristotélico que

pretendia despertar emoções, levando o espectador a identificar-se com o herói. O teatro

moderno tem como preocupação fundamental levar os espectadores a pensar, a reflectir sobre

os acontecimentos passados e a tomar posição na sociedade em que se insere. Surge assim a

técnica do distanciamento que propõe um afastamento entre o actor e a personagem e entre o

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espectador e a história narrada, para que, de uma forma mais real e autêntica possam fazer

juízos de valor sobre o que está a ser representado. Luís Sttau Monteiro pretende, através da

distanciação, envolver o espectador no julgamento da sociedade, tomando contacto com o

sofrimento dos outros. Deste modo o espectador deve possuir um olhar crítico para melhor se

aperceber de todas as formas de injustiça e opressões.

PERSONAGENS:

GOMES FREIRE: protagonista, embora nunca apareça é evocado através da esperança do

povo, das perseguições dos governadores e da revolta da sua mulher e amigos. É acusado de ser

o grão-mestre da maçonaria, estrangeirado, soldado brilhante, idolatrado pelo povo. Acredita na

justiça e luta pela liberdade. É apresentado como o defensor do povo oprimido; o herói (no

entanto, ele acaba como o anti-herói, o herói falhado); símbolo de esperança de liberdade.

D. MIGUEL FORJAZ: primo de Gomes Freire, assustado com as transformações que não

deseja, corrompido pelo poder, vingativo, frio e calculista, prepotente; autoritário; servil (porque

se rebaixa aos outros);

PRINCIPAL SOUSA: defende o obscurantismo, é deformado pelo fanatismo religioso;

desonesto, corrompido pelo poder eclesiástico, odeia os franceses

BERESFORD: cinismo em relação aos portugueses, a Portugal e à sua situação; oportunista;

autoritário; mas é bom militar; preocupa-se somente com a sua carreira e com dinheiro; ainda

consegue ser minimamente franco e honesto, pois tem a coragem de dizer o que realmente

quer, ao contrário dos dois governadores portugueses. É poderoso, interesseiro, calculista,

trocista, sarcástico.

VICENTE: sarcástico, demagogo, falso humanista, movido pelo interesse da recompensa

material, hipócrita, despreza a sua origem e o seu passado; traidor; desleal; acaba por ser um

delator que age dessa maneira porque está revoltado com a sua condição social (só desse modo

pode ascender socialmente).

MANUEL: denuncia a opressão a que o povo está sujeito. É o mais consciente dos

populares; é corajoso.

MATILDE DE MELO: corajosa, exprime romanticamente o seu amor, reage violentamente

perante o ódio e as injustiças, sincera, ora desanima, ora se enfurece, ora se revolta, mas luta

sempre. Representa uma denúncia da hipocrisia do mundo e dos interesses que se instalam em

volta do poder (faceta/discurso social); por outro lado, apresenta-se como mulher dedicada de

Gomes Freire, que, numa situação crítica como esta, tem discursos tanto marcados pelo amor,

como pelo ódio.

SOUSA FALCÃO: inseparável amigo, sofre junto de Matilde, assume as mesmas ideias que

Gomes Freire, mas não teve a coragem do general. Representa a amizade e a fidelidade; é o

único amigo de Gomes Freire de Andrade que aparece na peça; ele representa os poucos amigos

que são capazes de lutar por uma causa e por um amigo nos momentos difíceis.

FREI DIOGO: homem sério; representante do clero; honesto – é o contraposto do Principal

Sousa.

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DELATORES: mesquinhos; oportunistas; hipócritas.

MIGUEL FORJAZ, BERESFORD e PRINCIPAL SOUSA perseguem, prendem e mandam

executar o General e restantes conspiradores na fogueira. Para eles, a execução à noite,

constituía uma forma de avisar e dissuadir os outros revoltosos, mas para MATILDE era uma luz a

seguir na luta pela liberdade.

LINGUAGEM E ESTILO

Linguagem:

- natural, viva e maleável, utilizada como marca caracterizadora e individualizadora de

algumas das personagens

- uso de frases em latim com conotação irónica, por aparecerem no momento da

condenação e da execução

- frases incompletas por hesitação ou interrupção

- marcas características do discurso oral

- recurso frequente à ironia e sarcasmo

Recursos estilísticos: enorme variedade (tomar especial atenção à ironia)

Funções da linguagem: apelativa (frase imperativa); informativa (frase declarativa);

emotiva [frase exclamativa, reticências, anacoluto (frases interrompidas)]; metalinguística

Marcas da linguagem e estilo: provérbios, expressões populares, frases sentenciosas

TEXTO PRINCIPAL: As falas das personagens

TEXTO SECUNDÁRIO: as didascálias/indicações cénicas (têm um papel crucial na peça)

Paralelismo passado/condições históricas dos anos 60: denúncia da violência

Felizmente Há Luar! tem como cenário o ambiente político dos inícios do século XIX: em

1817, uma conspiração, encabeçada por Gomes Freire de Andrade, que pretendia o regresso do

Brasil do rei D. João VI e que se manifestava contrária à presença inglesa, foi descoberta e

reprimida com muita severidade: os conspiradores, acusados de traição à pátria, foram

queimados publicamente e Lisboa foi convidada a assistir.

Luís de Sttau Monteiro marca uma posição, pelo conteúdo fortemente ideológico, e

denuncia a opressão vivida na época em que escreve a obra, em 1961, precisamente sob a

ditadura de Salazar. O recurso à distanciação histórica e à descrição das injustiças praticadas no

século XIX em que decorre a acção permitiu-lhe, assim, colocar também em destaque as

injustiças do seu tempo e a necessidade de lutar pela liberdade.

Em Felizmente Há Luar! percebe-se, facilmente, que a História serve de pretexto para uma

reflexão sobre os anos 60, do século XX. Sttau Monteiro, também ele perseguido pela PIDE,

denuncia assim a situação portuguesa, durante o regime de Salazar, interpretando as condições

históricas que mais tarde contribuíram para a Revolução dos Cravos, em 25 de Abril de 1974. Tal

como a conspiração de 1817, em vez de desaparecer com medo dos opressores permitiu o

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triunfo do liberalismo, também a oposição ao regime vigente nos anos 60, em vez de ceder

perante a ameaça e a mordaça, resistiu e levou à implantação da democracia.

Paralelismo passado/condições históricas dos anos 60

Tempo da História (século XIX – 1817):

- agitação social que levou à revolta liberal de 1820 – conspirações internas; revolta contra

a presença da Corte no Brasil e influência do exército britânico

- regime absolutista e tirânico

- classes sociais fortemente hierarquizadas

- classes dominantes com medo de perder privilégios

- povo oprimido e resignado

- a “miséria, o medo e a ignorância”

- obscurantismo, mas “felizmente há luar”

- luta contra a opressão do regime absolutista

- Manuel, “o mais consciente dos populares”, denuncia a opressão e a miséria

- perseguições dos agentes de Bereford

- as denúncias de Vicente, Andrade Corvo e Morais Sarmente que, hipócritas e sem

escrúpulos, denunciam

- censura

- severa repressão dos conspiradores

- processos sumários e pena de morte

- execução do General Gomes Freire

Tempo da escrita(século XX – 1961)

- agitação social dos anos 60 – conspirações internas; principal irrupção da guerra colonial

- regime ditatorial de Salazar

- maior desigualdade entre abastados e pobres

- classes exploradas, com reforço do seu poder

- povo reprimido e explorado

- miséria, medo e analfabetismo

- obscurantismo, mas crença nas mudanças

- luta contra o regime totalitário e ditatorial

- agitação social e política com militares antifascistas a protestarem

- Perseguições da PIDE

- denúncias dos chamados “bufos”, que surgem na sombra e se disfarçam, para colher

informações e denunciar

- censura à imprensa

- prisão e duras medidas de repressão e de tortura

- condenação em processos sem provas

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Carácter épico da peça/Distanciação histórica (técnica realista; influência de Brecht)

Felizmente Há Luar! é um drama narrativo, de carácter social, dentro dos princípios do

teatro épico. Na linha do teatro de Brecht, exprime a revolta contra o poder e a convicção de que

é necessário mostrar o mundo e o homem em constante devir. Defende as capacidades do

homem que tem o direito e o dever de transformar o mundo em que vive. Por isso, oferece-nos

uma análise crítica da sociedade, procurando mostrar a realidade em vez de a representar, para

levar o espectador a reagir criticamente e a tomar posição.

O teatro é encarado como uma forma de análise das transformações sociais que ocorrem

ao longo dos tempos e, simultaneamente, como um elemento de construção da sociedade. A

ruptura com a concepção tradicional da essência do teatro é evidente: o drama já não se destina

a criar o terror e a piedade, isto é, já não é a função catártica, purificadora, realizada através das

emoções, que está em causa, pela identificação do espectador com o herói da peça, mas a

capacidade crítica e analítica de quem observa. Brecht pretendia substituir "sentir" por "pensar".

Observando Felizmente Há Luar! verificamos que são estes também os objectivos de Sttau

Monteiro, que evoca situações e personagens do passado (movimento liberal oitocentista em

Portugal), usando-as como pretexto para falar do presente (ditadura nos anos 60 do século XX) e

assim pôr em evidência a luta do ser humano contra a tirania, a opressão, a traição, a injustiça e

todas as formas de perseguição.

"Trágica apoteose" da história do movimento liberal oitocentista Felizmente Há Luar! é

uma "trágica apoteose" da história do movimento liberal oitocentista, interpretando as

condições da sociedade portuguesa no início do século XIX e a revolta dos mais esclarecidos,

muitas vezes organizados em sociedades secretas, contra o poder absolutista e tirânico dos

governadores e do generalíssimo Beresford. Como afirma Luciana Stegagno Picchio, é retratada a

conspiração, encabeçada por Gomes Freire de Andrade, que se manifestava contrária à presença

inglesa ("Manuel – Vê-se a gente livre dos Franceses e zás!, cai na mão dos Ingleses!"), na pessoa

de Beresford e à ausência da corte no Brasil. Coloca-se em destaque ao longo de toda a peça a

situação do povo oprimido, as Invasões Francesas, a "protecção" britânica, iniciada após a

retirada do rei D. João VI para o Brasil, e a falta de perspectivas para o futuro.

Para que o movimento liberal se concretize, é necessária a morte de Gomes Freire, dos

seus companheiros e também de muitos outros portugueses, que em nome dos seus ideais são

sacrificados pela pátria. Conspiradores e traidores para o poder e para as classes dominantes,

que sentem os seus privilégios ameaçados, são os grandes heróis de que o povo necessita para

reclamar a justiça. Por isso, as suas mortes, em vez de amedrontar, tornam-se num estímulo. A

fogueira acesa na noite para queimar Gomes Freire, que os governadores querem que seja

dissuasora, torna-se na luz para que os oprimidos e injustiçados lutem pela liberdade. Na altura

da execução, as últimas palavras de Matilde, "companheira de todas as horas" do general Gomes

Freire, são de coragem e estímulo para que o Povo se revolte contra a tirania dos governantes:

("Matilde – Olhem bem! Limpem os olhos no clarão daquela fogueira e abram as almas ao que

ela nos ensina! / Até a noite foi feita para que a vísseis até ao fim…/ (Pausa) Felizmente –

felizmente há luar!").

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OS SÍMBOLOS:

SAIA VERDE: A saia encontra-se associada à felicidade e foi comprada numa terra de

liberdade: Paris, no Inverno, com o dinheiro da venda de duas medalhas, "alegria no

reencontro"; a saia é uma peça eminentemente feminina e o verde encontra-se destinado à

esperança de que um dia se reponha a justiça. Sinal do amor verdadeiro e transformador, pois

Matilde, vencendo aparentemente a dor e revolta iniciais, comunica aos outros esperança

através desta simples peça de vestuário. O verde é a cor predominante na natureza e dos

campos na Primavera, associando-se à força, à fertilidade e à esperança.

TÍTULO: duas vezes mencionado, inserido nas falas das personagens (por D. Miguel, que

salienta o efeito dissuador das execuções e por Matilde, cujas palavras remetem para um

estímulo para que o povo se revolte).

A LUZ – como metáfora do conhecimento dos valores do futuro (igualdade, fraternidade e

liberdade), que possibilita o progresso do mundo, vencendo a escuridão da noite (opressão, falta

de liberdade e de esclarecimento), advém quer da fogueira quer do luar. Ambas são a certeza de

que o bem e a justiça triunfarão, não obstante todo o sofrimento inerente a eles. Se a luz se

encontra associada à vida, à saúde e à felicidade, a noite e as trevas relacionam-se com o mal, a

infelicidade, o castigo, a perdição e a morte. A luz representa a esperança num momento trágico.

NOITE: mal, castigo, morte, símbolo do obscurantismo

LUA: simbolicamente, por estar privada de luz própria, na dependência do Sol e por

atravessar fases, mudando de forma, representa: dependência, periodicidade. A luz da lua,

devido aos ciclos lunares, também se associa à renovação. A luz do luar é a força extraordinária

que permite o conhecimento e a lua poderá simbolizar a passagem da vida para a morte e vice-

versa, o que aliás, se relaciona com a crença na vida para além da morte.

LUAR: duas conotações: para os opressores, mais pessoas ficarão avisadas e para os

oprimidos, mais pessoas poderão um dia seguir essa luz e lutar pela liberdade.

FOGUEIRA: D. Miguel Forjaz – ensinamento ao povo; Matilde – a chama mantém-se viva e

a liberdade há-de chegar.O fogo é um elemento destruidor e ao mesmo tempo purificador e

regenerador, sendo a purificação pela água complementada pela do fogo. Se no presente a

fogueira se relaciona com a tristeza e escuridão, no futuro relacionar-se-á com esperança e

liberdade.

MOEDA DE CINCO REIS: símbolo do desrespeito que os mais poderosos mantinham para

com o próximo, contrariando os mandamentos de Deus.

Tambores – símbolo da repressão sempre presente.

Carácter interpretativo e simbólico

“A saia verde" / A felicidade – a prenda comprada em Paris (terra da liberdade), no

Inverno, com o dinheiro da venda de duas medalhas;" Ao escolher aquela saia para esperar o

companheiro após a morte, destaca a "alegria" do reencontro ("agora que acabaram as batalhas,

vem apertar-me contra o peito")." A saia é uma peça eminentemente feminina e o verde está

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habitualmente conotado com tranquilidade e esperança, traduzindo uma sensação de repouso,

envolvente e refrescante.

O título/a luz/a noite/o luar - O título é duas vezes mencionado ao longo da peça, inserido

nas falas das personagens: D. Miguel salienta o efeito dissuasor que aquelas execuções poderão

exercer sobre todos os que discutem as ordens dos governadores: "Lisboa há-de cheirar toda a

noite a carne assada. (…) Sempre que pensarem em discutir as nossas ordens, lembrar-se-ão do

cheiro…"Logo de seguida afirma: «É verdade que a execução se prolongará pela noite, mas

felizmente há luar…» - esta primeira referência ao título da peça, colocada na fala do

governador, está relacionada com o desejo expresso de garantir a eficácia desta execução

pública: a noite é mais assustadora, as chamas seriam visíveis de vários pontos da cidade e o luar

atrairia as pessoas à rua para assistirem ao castigo, que se pretendia exemplar. Na altura da

execução, as últimas palavras de Matilde, "companheira de todas as horas" do general Gomes

Freire de Andrade, são de coragem e estímulo para que o povo se revolte contra a tirania dos

governantes: "-Olhem bem! Limpem os olhos no clarão daquela fogueira e abram as almas ao

que ela nos ensina! /Até a noite foi feita para que a vísseis até ao fim…/ (Pausa) / Felizmente –

felizmente há luar!"Na peça, nestes dois momentos em que se faz referência directa ao título, a

expressão "felizmente há luar" pode indiciar duas perspectivas de análise e de posicionamento

das personagens.

As forças das trevas, do obscurantismo, do anti-humanismo utilizam, paradoxalmente, o

lume (fonte de luz e de calor) para "purificar a sociedade" (a Inquisição considerava a fogueira

como fonte e forma de purificação).

Se a luz é redentora, o luar poderá simbolizar a caminhada da sociedade em direcção à

redenção, em busca da luz e da liberdade.

Assim, dado que o luar permite que as pessoas possam sair de suas casas (ajudando a

vencer o medo e a insegurança na noite da cidade), quanto maior for a assistência isso

significará:

- Para os opressores, que mais pessoas ficarão "avisadas" e o efeito dissuasor pretendido

será maior;

- Para os oprimidos, que mais pessoas poderão um dia seguir essa luz e lutar pela

liberdade.

A fogueira/o lume - Após a prisão do general, num diálogo de "tom profético" e com "voz

triste" (segundo a didascália), o Antigo Soldado, afirma: "Prenderam o general…Para nós, a noite

ainda ficou mais escura…". A resposta ambígua do 1º Popular pode assumir também um carácter

de profecia e de esperança: "É por pouco tempo, amigo. Espera pelo clarão das fogueiras…".

Matilde, ao afirmar que aquela fogueira de S. Julião da Barra ainda havia de "incendiar esta

terra!", mostra que a chama se mantém viva e que a liberdade há-de chegar. A linguagem em

Felizmente Há Luar! é natural, viva e maleável, utilizada como marca caracterizadora e

individualizadora de algumas personagens; uso de frases em latim, com conotação irónica, por

aparecerem aquando da condenação e da execução; frases incompletas por hesitação ou

interrupção; marcas características do discurso oral; recurso frequente à ironia e ao sarcasmo.

Page 11: Felizmente Há Luar- Resumo da Obra

A didascália

A peça é rica em referências concretas (sarcasmo, ironia, escárnio, indiferença, galhofa,

adulação, desprezo, irritação – normalmente relacionadas com os opressores; tristeza,

esperança, medo, desânimo – relacionadas com as personagens oprimidas).

As marcações são abundantes: tons de voz, movimentos, posições, cenários, gestos,

vestuário, sons (o som dos tambores, o silêncio, a voz que fala antes de entrar no palco, um sino

que toca a rebate, o murmúrio de vozes, o toque de uma campainha, o murmúrio da multidão) e

efeitos de luz (o contraste entre a escuridão e a luz; os dois actos terminam em sombra, de

acordo, aliás, com o desenlace trágico).

De realçar que a peça termina ao som de fanfarra ("Ouve-se ao longe uma fanfarronada

que vai num crescendo de intensidade até cair o pano.") em oposição à luz ("Desaparece o clarão

da fogueira."); no entanto, a escuridão não é total, porque "felizmente há luar".

Personagens e acção em Felizmente há luar!

Primeiro Acto de Felizmente Há Luar!

Situação: Gomes Freire encontra-se em sua casa, “para os lados do Rato”

Personagens: posições atitudes, pensamentos e ideais

O POVO - “O pano de fundo permanente” da peça

Manuel

Rita

Antigo Soldado

Outros populares (anónimos)

Ø Lutam por uma sociedade mais justa e mais livre.

Ø Procuram alguém que os liberte da “protecção” dos ingleses e da tirania da regência.

Ø Consideram que o General é a única pessoa capaz de os libertar da opressão do regime

vigente…

Ø Manifestam falta de esperança e desalento.

Ø Temem a repressão.

OS TRAIDORES DO POVO:

Vicente

Andrade Corvo

Morais Sarmento

Os dois polícias

Ø Assumem um papel hostil; são hipócritas e não têm escrúpulos.

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Ø Denunciam a conjura.

Ø Contribuem para a prisão e posterior execução do General.

A ACÇÃO DE VICENTE – Provocador, Delator (“bufo”), Espião, Acusador;

Ø Procura denegrir o prestígio de Gomes Freire.

Ø Ambicioso, esperando recompensa, denuncia o General a D. Miguel Forjaz.

Ø Vigia a casa do general Freire de Andrade.

Ø Confirma a existência de reuniões e indica o nome dos conspiradores.

O CONSELHO DE REGÊNCIA

D. Miguel Forjaz

Marechal Beresford

Principal de Sousa

Ø Representante da nobreza.

Ø Representante do domínio britânico sobre o nosso país.

Ø Representante da influência da Igreja.

Ø Todos são hostis ao General Gomes Freire: receiam perder o seu statu.

O GENERAL GOMES FREIRE – personagem sempre presente, nas palavras e nos

pensamentos de todos (povo, policiais e governadores – por razões diferentes) mas nunca

aparece.

Segundo Acto de Felizmente Há Luar!

Situação: Gomes Freire está encarcerado no forte de S. Julião da Barra, no final, depois de

esgotadas todas as tentativas para lhe alcançarem o perdão é executado e queimado.

O POVO - Pano de fundo permanente da peça

Manuel

Rita

Antigo Soldado

Outros populares

Ø Desanimados, sentem que a luta está perdida e que a situação ainda é pior do que era

antes.

Ø Manuel afirma: “Se tínhamos fome e esperança, ficamos só com fome…Se durante uns

tempos, acreditámos em nós próprios, voltamos a não acreditar em nada…”

Ø Rita aconselha: “Nunca te metas nestas coisas, Manuel! Haja o que houver, nunca te

metas com eles. Prefiro ver-te com fome, a perder-te”.

Page 13: Felizmente Há Luar- Resumo da Obra

AS FORÇAS DA ORDEM

Dois Polícias

Ø Assumem o papel de defensores da ordem pública, dispersando o povo: “Então vocês

não sabem que estão proibidos os ajuntamentos?”

OS TRAIDORES DO POVO

Vicente

Ø Como recompensa, assume novas funções de chefe de polícia.

Ø Imaginando-se nas suas futuras funções, afirma: “Os degraus da vida são logo esquecidos

por quem sobe a escada…”

OS QUE TENTAM SALVAR O GENERAL

Matilde – companheira de todas as horas

Sousa Falcão – inseparável amigo

Frei Diogo

Ø Tentam por todos os meios obter perdão para o general.

Ø Interpelam os Governadores para implorar e exigir o perdão do General.

Ø Revoltam-se contra a injustiça que está a ser cometida.

Ø Matilde, no final, demonstra esperança de que este será o primeiro passo para a

alteração futura do regime opressivo.

Ø Permite distinguir as qualidades humanas do General e salva a face da Igreja…

O CONSELHO DE REGÊNCIA

Beresford

D. Miguel Forjaz

Principal de Sousa

Ø Exibem o pior do seu carácter: ambição, prepotência, arrogância e oportunismo,

hipocrisia, falta de sentimentos humanos, mediocridade.

Ø São intolerantes e inflexíveis perante os argumentos de Matilde.

Ø Pretendem amedrontar e dominar pelo medo e pelo terror da repressão.

Bibliografia:

Moreira, V. e Pimenta H., Dimensão Literária 12.º, Porto Editora;

Guerra, J.A.,Vieira J.A. Aula Viva 12.º, Porto Editora.