Feminismo, Música e Indústria Cultural: um olhar sobre...

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016 1 Feminismo, Música e Indústria Cultural: um olhar sobre três singles da artista Beyoncé 1 Tauani Susi da Silva Marques de Oliveira 2 Monica Christina Pereira de Sousa 3 Universidade Veiga de Almeida, Cabo Frio, RJ RESUMO: A proposta deste artigo é perceber a maneira com que o feminismo exposto pela artista Beyoncé é recebido pelas fãs brasileiras. Com esse intuito foi realizada uma pesquisa qualitativa com essas fãs, além de breves análises dos três singles da artista Run the World (Girls), ***FLAWLESS e Formation com o objetivo de entender a maneira como as mulheres compreendem o feminismo inserido nas músicas da Beyoncé. Ao mesmo tempo, o artigo assimila a maneira como a mulher celebridade influencia a mulher “comum” dentro do cenário da música pop, levando em consideração as motivações proporcionadas a partir dos discursos de empoderamento feminino inserido nessas músicas. PALAVRAS-CHAVE: Feminismo; Indústria Cultural, Cultura Pop; Música; Beyoncé. 1. INTRODUÇÃO Abrangendo como tema o empoderamento e protagonismo feminino através da Indústria Fonográfica, como meio de inserção de discursos feministas nas mídias de massa, o artigo tem por objetivo responder se o feminismo da artista Beyoncé comunica e é recebido pelas fãs brasileiras, se meramente como estratégia de marketing ou como contribuição ao movimento feminista, tendo como base autores que colaboram na construção do desenvolvimento em relação à determinação da mulher na sociedade, assim como os que contribuíram para a compreensão em relação à Indústria Cultural e suas influências sociais. Dessa maneira pretende-se demonstrar que apesar de estar inserida em um mercado criado e explorado pelo sistema capitalista, com reais intenções de venda e consequentemente gerando lucros, a artista Beyoncé como mulher negra é feminista e suas fãs brasileiras a enxergam dessa maneira. O objetivo ainda é compreender o feminismo da artista Beyoncé realizando análises com base em três letras e videoclipes dos singles Run The World (Girls), ***FLAWLESS e Formation. Tendo por finalidade também estudar as motivações para o surgimento do movimento feminista, identificando de que maneira as fãs brasileiras acreditam que o 1 Trabalho apresentado no GP Comunicação, Espaço e Cidadania do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação realizado de 05 a 09 de setembro de 2016. 2 Graduada do Curso Comunicação Social - Publicidade e Propaganda da Universidade Veiga de Almeida (Cabo Frio, RJ), e-mail: [email protected]. 3 Orientadora do trabalho. Pós Doutoranda da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professora da Universidade Veiga de Almeida (campi Cabo Frio e Tijuca, RJ), e-mail: [email protected].

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Feminismo, Música e Indústria Cultural: um olhar sobre três singles da artista

Beyoncé1

Tauani Susi da Silva Marques de Oliveira2

Monica Christina Pereira de Sousa3

Universidade Veiga de Almeida, Cabo Frio, RJ

RESUMO: A proposta deste artigo é perceber a maneira com que o feminismo exposto

pela artista Beyoncé é recebido pelas fãs brasileiras. Com esse intuito foi realizada uma

pesquisa qualitativa com essas fãs, além de breves análises dos três singles da artista Run

the World (Girls), ***FLAWLESS e Formation com o objetivo de entender a maneira como

as mulheres compreendem o feminismo inserido nas músicas da Beyoncé. Ao mesmo

tempo, o artigo assimila a maneira como a mulher celebridade influencia a mulher

“comum” dentro do cenário da música pop, levando em consideração as motivações

proporcionadas a partir dos discursos de empoderamento feminino inserido nessas músicas.

PALAVRAS-CHAVE: Feminismo; Indústria Cultural, Cultura Pop; Música; Beyoncé.

1. INTRODUÇÃO

Abrangendo como tema o empoderamento e protagonismo feminino através da

Indústria Fonográfica, como meio de inserção de discursos feministas nas mídias de massa,

o artigo tem por objetivo responder se o feminismo da artista Beyoncé comunica e é

recebido pelas fãs brasileiras, se meramente como estratégia de marketing ou como

contribuição ao movimento feminista, tendo como base autores que colaboram na

construção do desenvolvimento em relação à determinação da mulher na sociedade, assim

como os que contribuíram para a compreensão em relação à Indústria Cultural e suas

influências sociais.

Dessa maneira pretende-se demonstrar que apesar de estar inserida em um mercado

criado e explorado pelo sistema capitalista, com reais intenções de venda e

consequentemente gerando lucros, a artista Beyoncé como mulher negra é feminista e suas

fãs brasileiras a enxergam dessa maneira.

O objetivo ainda é compreender o feminismo da artista Beyoncé realizando análises

com base em três letras e videoclipes dos singles Run The World (Girls), ***FLAWLESS e

Formation. Tendo por finalidade também estudar as motivações para o surgimento do

movimento feminista, identificando de que maneira as fãs brasileiras acreditam que o

1 Trabalho apresentado no GP Comunicação, Espaço e Cidadania do XXXIX Congresso Brasileiro de

Ciências da Comunicação realizado de 05 a 09 de setembro de 2016. 2 Graduada do Curso Comunicação Social - Publicidade e Propaganda da Universidade Veiga de Almeida

(Cabo Frio, RJ), e-mail: [email protected]. 3 Orientadora do trabalho. Pós Doutoranda da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professora

da Universidade Veiga de Almeida (campi Cabo Frio e Tijuca, RJ), e-mail: [email protected].

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feminismo da artista Beyoncé as instiga e motiva outras mulheres, além de compreender o

tamanho da influência da mulher celebridade sobre a mulher “comum”.

A MULHER COMO REFLEXO DE UMA DETERMINAÇÃO SOCIAL

As relações sociais foram construídas ao longo da história e existem vários fatores

que intervêm contribuindo na maneira com que ocorreram. A cultura interfere de maneira

significativa nesse convívio social e em vários aspectos é possível perceber as

diferenciações existentes entre homens e mulheres.

As mulheres sempre foram associadas como um ser alienado ao seu corpo tendo por

finalidade a reprodução, resultando assim na prosperidade da humanidade. Ao contrário, o

homem sempre teve privilégios exatamente por ter seu corpo diferente biologicamente da

mulher. Por isso, Djamila Ribeiro (2013, p. 507) afirma no artigo Para além da biologia:

Beauvoir e a refutação do sexismo biológico que “A aplicação da biologia na questão de

gênero nos faz tomar uma diferença biológica como social”.

Simone de Beauvior evidenciou no livro O Segundo Sexo – Fatos e Mitos (1967) o

modo que a construção desse corpo biológico interferiu na constituição de normas ao longo

dos tempos, as quais interferem nas relações sociais até os dias de hoje. Segundo a autora, a

partir da determinação social feminina pelo seu corpo biológico, quando era compreendida

como uma fêmea e direcionada unicamente para a maternidade e aos assuntos relacionados

à família, ela exprime que existem semelhanças entre as relações humanas e os

comportamentos percebidos em algumas espécies animais no que diz respeito à privação da

fêmea contrapondo a liberdade do macho.

No contexto histórico social os homens sempre foram articulados para serem mais

fortes, mais inteligentes e mais poderosos do que as mulheres. Mas ao analisar o contexto

que engloba as relações sociais entre os sexos é possível perceber que elas não foram tão

frágeis. De acordo com Dowling (2001), no livro O Mito da Fragilidade, em determinados

momentos da história as mulheres eram responsáveis por parte da alimentação da família e

participaram com os homens de equipes esportivas.

O conceito de história foi definido por BLOCH e exemplificado pela autora Louise

A. Tilly no texto Gênero, história das mulheres e história social (1994, p. 30) como “a

ciência dos homens no tempo”, sendo assim ela compreende que a história das mulheres

pode ser entendida como “a ciência das mulheres no tempo”. A mulher é sujeitada à

submissão desde os tempos de Adão e Eva, tendo sido ela criada por Deus a partir da

costela de Adão. Também representa a impureza por desobedecer a ordem Dele e se torna

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pecadora ao comer a maça proibida, por isso “os homens” receberam o castigo do criador.

Mary Del Priore (1997, p. 41) conta no livro História das Mulheres no Brasil que “a Bíblia

já havia representado a mulher como fraca e suscetível”. O comportamento qualificado a

mulher e as tarefas a qual foram designadas têm relação com seu papel dentro da sociedade,

sendo reflexo do que o Estado, a Igreja e da Nobreza acreditava ser o correto.

Nesse contexto é possível perceber que o surgimento de ideias feministas colaborou

para melhorias em relação ao posicionamento da mulher na sociedade, obtendo várias

conquistas para as mulheres quando reivindica a liberdade feminina, a liberação do seu

corpo e de seus pensamentos. Com isso, houve dois momentos que foram fundamentais

para que isso ocorresse, a primeira com o advento da Revolução Industrial no século XIX

onde as mulheres proletárias reivindicavam principalmente o direito ao sufrágio. Ainda

nesse momento, a luta das mulheres brancas contribuiu paras as campanhas anti-

escravatura, pois elas correlacionaram suas reinvindicações por direitos femininos e em

proveito da libertação dos negros. Os interesses eram desconectados quando essas mulheres

compreendiam que os homens negros não eram da equivalência delas e por isso não

poderiam conquistar o direito ao voto por não serem estudados. Sendo assim, as

reinvindicações entre brancas e negras eram diferenciadas em virtude do racismo, como

apontado por Angela Davis no livro Mulheres, classe e raça (2013).

A Revolução Cultural na metade do século XX, que de acordo com Eric Hobsbawn

no livro Era dos Extremos (1995) atingiu proporções mundiais, influenciou nas relações

políticas, econômicas e sociais. As mulheres feministas tinham expectativas sobre elas e

sobre seu lugar social. No artigo Feminismo, história e poder (2010, p. 15) a autora Céli

Pinto explica que o “movimento feminista (...) produz sua própria reflexão crítica, sua

própria teoria”. Tendo conciliado com a Revolução Cultural e Social como o advento do

movimento hippie4 e dos Panteras Negras5 nos EUA, entre outros que reivindicavam

questões específicas. Elas discutiram a relação de poder entre os sexos, não lutaram apenas

por direitos iguais mas também pela autonomia de suas vidas e de seus corpos.

O movimento feminista promovido por mulheres brancas, educadas ou intelectuais

foi importante porque, mesmo que não abrangesse com totalidade a todos os interesses de

4 O movimento hippie foi um comportamento coletivo de contracultura dos anos 60. 5 O Partido dos Panteras Negras (em inglês, Black Panther Party ou BPP), originalmente denominado Partido

Pantera Negra para Auto-defesa (em inglês, Black Panther Party for Self-Defense) foi uma organização

política extraparlamentar socialista revolucionária norte-americana e ligada ao nacionalismo negro.

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outras classes de mulheres, teve sua importância quanto à liberação feminina e por ter

evidenciado e discutido assuntos que eram de interesse de todas.

A escritora Chimamanda Ngozi Adichie define no texto Sejamos todos feministas

(2015) que feminista é “uma pessoa que acredita na igualdade social, política e econômica

entre os sexos”. Algumas pessoas compreendem que a mulher é subordinada ao homem

porque faz parte da cultura, mas a cultura se transforma, tendo a função de preservar e dar

continuidade ao povo, mas são as pessoas quem fazem a cultura. “Se uma humanidade

inteira não faz parte da nossa cultura, então temos que mudar nossa cultura” (ADICHIE,

2015, p. 48).

INTERESSES DA INDÚSTRIA CULTURAL INSERIDOS NO MEIO SOCIAL

Segundo Edgar Morin (2009, p. 14) no livro Cultura de Massas no Século XX o

conceito de cultura pode parecer bastante amplo, sendo que ela “desenvolve, domestica

certas virtualidades humanas, mas inibe ou proíbe outras”. Algumas situações são

universais enquanto outras se diferenciam. Por um lado ela pode ser definida em relação à

qualidades humanas do ser biológico, enquanto em outras são particulares e condizem com

a época e a sociedade vivida, “uma cultura constitui um corpo complexo de normas,

símbolos, mitos e imagens que penetram o indivíduo em sua intimidade, estruturam os

instintos, orientam emoções” (MORIN, 2009, p. 15).

No livro Mundialização da Cultura (2000, p. 22), Renato Ortiz expressa que “a

história do sistema mundial se confunde inteiramente com a evolução do capitalismo”, as

manifestações culturais e políticas retratam isso. Uma cultura mundializada está relacionada

à mudanças estruturais, a uma civilização na qual sua territorialidade se globalizou sem

anular as outras manifestações culturais, mas suprindo delas (ORTIZ, 2000).

Segundo Nadja Vladi no artigo O Negócio da Música (2010), a Indústria Cultural

exprime o conceito de produtos culturais voltado para massa. Surge nos Estados Unidos da

América (EUA), sendo “um ambiente dominado pela técnica e pela hegemonia do poder

econômico que tem total controle sobre o consumo da sociedade” (VLADI, 2010, p. 4). A

Indústria Fonográfica, sendo um segmento importante dentro desse contexto, compreende

empresas ligadas a música.

Os produtos gerados pela Indústria Cultural são moldados de forma a atender as

necessidades do consumidor sugerindo entretenimento e lazer ao mesmo tempo em que está

obedecendo à padrões e regras impostas pelo estado. Os autores Theodor Adorno e Max

Horkheimer dizem no texto Dialética do Esclarecimento (1947) que a Indústria Cultural se

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faz presente quando satisfaz às necessidades do consumidor e também as promove. Dessa

maneira faz com que se reconheça como eterno consumidor desse mercado.

Sendo assim, a Cultura Pop é interpretada por estudiosos e autores de maneiras

diferentes. Isso porque, entre outros fatores, existem vários pontos de vistas que extrapolam

as influências diretas moldadas pela conjuntura desse sistema. No texto Temporalidade e

quotidianidade do pop, o autor Fábio Fonseca de Castro expressa essas diversas opiniões

observando duas interpretações diferentes da origem do fenômeno pop:

(...) as fisiológicas, que o compreendem como empobrecimento e como

resultado de um esgarçamento dos tecidos e padrões culturais; e as materialistas,

que o colocam como consequência de um processo de complexificação da

sociedade capitalista, seja descrevendo-o como apropriação de práticas, usos e

costumes culturais por classes desprivilegiadas, seja compreendendo-o como

estágio da cultura capitalista avançada. (CASTRO, 2015, p. 37)

O termo “pop” 6 é definido por Thiago Soares (2015) no texto Percursos para

estudos sobre música pop como problemático por seu caráter “transnacional”, sendo que os

produtos são populares e voltados para o grande público. A música pop é percebida pelas

(SOARES, 2015, p. 21) “expressões sonoras e imagéticas que são produzidas dentro de

padrões das indústrias da música, do audiovisual e da mídia” e está ligada por pelo menos

dois “subtemas”, a “Cultura Pop” e as “Estéticas de Entretenimento”. Sendo que “A Cultura

Pop estabelece formas de fruição e consumo que permeiam um certo senso de comunidade,

pertencimento ou compartilhamento de afetos e afinidades que situam indivíduos dentro de

um sentido transnacional e globalizante” (SOARES, 2015, p. 22 apud BENNET,2000;

REGEV, 2013; SHUKER, 1994).

A música pop dentro da Cultura Pop é o lugar dos artistas “fabricados”, da

emergência da figura do produtor, das poéticas que se ancoram em questões já

excessivamente tratadas, de retomar uma parcela de vivências biográficas sobre

fenômenos midiáticos e de, deliberadamente, entender que estamos diante de

performances, camadas de sentido que envolvem produtos. (SOARES, 2015, p.

25 apud FEATHERSTONE, 1995)

Quando os artistas fabricados conquistam a indústria, o mercado e o público, se

transformam em celebridades sendo compreendidas pelo autor Chris Rojek no livro

Celebridade (2008) como representações da mídia de massa, sendo suas apresentações

públicas encenadas. Ao mesmo tempo em que essa representação é núcleo central do poder

da celebridade também é específico à fraqueza da sua presença. “A construção e

apresentação da celebridade envolve um rosto público imaginário” (ROJEK, 2008, p. 29).

Já Morin (2009) apresenta essas celebridades, definindo-os como artistas célebres, como

6 Oriundo de língua inglesa como abreviação do “popular”, a denominação “pop” assume uma característica

bastante específica em sua língua de origem (SOARES, 2015, p. 19).

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sendo olimpianos modernos7, fazendo parte do encontro entre o real com o imaginário e do

imaginário com o real. O olimpismo de alguns – os artistas, por exemplo - acontece a partir

do imaginário, a partir dos personagens retratados por eles, sendo que ao mesmo tempo em

que informa também se torna um modelo, um exemplo a ser seguido.

Identidade é um termo de difícil definição, existem diversas. No livro A identidade

cultural na pós-modernidade, o autor Stuart Hall apresenta três tipos de concepções

diferentes, sendo o sujeito do Iluminismo, o sujeito sociológico e o sujeito pós-moderno que

não tem “uma identidade fixa, essencial ou permanente” (2006, p. 12), é o sujeito

contemporâneo. Pensando na construção da imagem feminina no contexto da cultura pop,

especialmente nos videoclipes, é ainda mais complicado definir sem que haja uma

categorização entre imagens/identidades boas ou ruins (MOZDNENSKI, 2009).

(...) as identidades são construídas e exibidas constantemente por meio de

comportamentos sociais. O uso da linguagem é um dos principais

comportamentos envolvidos nessa produção e projeção de identidades. A

performatividade consiste no modo como desempenhamos atos de

identidades como uma série contínua de performances sociais, linguísticas

e culturais, em vez da expressão de uma identidade anterior, una e

imutável. (...) A performatividade se refere às várias maneiras como a

subjetividade (i.e., os pontos de vista pessoais e visões de mundo, as

experiências do indivíduo, seu background, os quais podem ser pensados

como constituindo o seu self) é construída levando-se em conta as normas

sociais de conduta, as práticas e convenções culturais, as tradições

históricas e as relações de poder entre os participantes da interação. Assim,

a performance, além de ser situadamente única, também depende do

conhecimento socialmente compartilhado e culturalmente variável acerca

das relações sociais. (MOZDNENSKI, 2015 apud BUTLER, 1990;

HOFFNAGEL, 2010; LOPES, 2003; VAN DIJK, 2012)

O principal objetivo da Indústria Fonográfica é lucrar com a comercialização das

músicas. A lógica de produção cultural ocorre através da união de (KAMENACH, 2009, p.

22) “diversos setores de produção de entretenimento e comunicações”. Os meios de

comunicação de massa trabalham juntos na construção de um ideal de mercadoria,

motivando os consumidores a comprarem os produtos gerados pela Indústria Cultural,

impulsionando a massa ao consumo. Os princípios do marketing são utilizados no

desenvolvimento desse ideal de mercadoria criando uma necessidade para o público

consumir esses produtos, essas músicas ou estilos musicais que são veiculados

principalmente no rádio e na televisão (KAMENACH, 2009). O marketing pode ser

definido pela “a atividade, o conjunto de conhecimentos e processos de criar, comunicar,

entregar e trocar ofertas que tenham valor para consumidores, clientes, parceiros e

7 Morin define que “a informação transforma esses olimpos e vedetes da informação”, (MORIN, 2009, p.

105).

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sociedade como um todo”, como o apresentado por Philip Kotler e Kevin L. Keller no livro

Administração de Marketing (2012, p. 3). O marketing abrange a identificação e a

realização das necessidades pessoais e sociais.

As novas tecnologias possibilitam que os artistas produzam investindo menos e em

menor tempo, além de facilitar a propagação das suas obras utilizando a internet. Inclusive

possibilitam maior liberdade de expressão dos usuários, tanto individual como

coletivamente, apontado por Kamenach (2009, p. 27) como “democratização dos meios de

comunicação”. A internet possibilitou a comunicação entre os fãs e consumidores com os

artistas. Os modelos de interação de rede se tornaram uma das principais formas de

relacionamento entre o público e os artistas, havendo uma considerável diminuição no

espaço que separa os dois. Os artistas têm acesso direto aos desejos e as necessidades dos

seus consumidores, que mudaram. Para Kotler, “a chave para atingir os objetivos da

organização consiste em determinar as necessidades e os desejos dos mercados-alvo e

satisfazê-los mais eficaz e eficientemente do que os concorrentes” (KAMENACH, 2009, p.

52 apud KOTLER, 1993, P. 46).

METODOLOGIA

A metodologia aplicada para resolução do problema foi uma pesquisa qualitativa,

sendo realizada uma Entrevista em Profundidade, efetivada individualmente através de uma

videochamada na rede social facebook, em que o pré-requisito para serem entrevistadas era

ser mulher, brasileira e fã da artista Beyoncé. As fãs foram selecionadas por meio da mesma

rede social. Duas foram selecionadas com advento de uma publicação feita na linha do

tempo, outras duas através de uma publicação no grupo The Mrs. Carter Show World Tour -

15/Set/2013 e a última por meio de indicação na publicação feita no grupo Comunicação

2012.1 - UVA CF. As entrevistas foram realizadas entre os dias 15/05/2016 e 24/05/2016,

sendo as entrevistadas:

Bruna Barros, 24 anos, Rio Grande, RS

Dandara Raimundo, 23 anos, Rio de Janeiro, RJ

Flávia Rodrigues, 21 anos, São Pedro da Aldeia, RJ

Natally, 25 anos, São Paulo, SP

Taíssa Moura, 22 anos, Iguaba Grande, RJ

INFLUÊNCIAS FEMINISTAS ENTRE A MULHER CELEBRIDADE E SUAS FÃS

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Entre os diversos gêneros musicais, são diversas as artistas que expressam em suas

músicas argumentações empoderadoras e feministas. Beyoncé aborda em algumas de suas

músicas questões relacionadas à mulheres poderosas sendo líderes e protagonistas, em

outras as decepções e reflexões acerca dos relacionamentos amorosos. Hoje, ela está em

evidência no mercado musical, entre outros motivos, por falar sobre feminismo em seus

trabalhos. Sendo ela uma artista que escreve sobre mulheres para um público feminino, esse

trabalho pretende compreender como o feminismo inserido nas músicas da artista Beyoncé

comunica e é recebido pelas suas fãs brasileiras.

A primeira pergunta foi “Qual a sua relação com a artista? O que ela representa para

você?”. As fãs relataram essas representações de maneira bastante pessoal. “Ela é uma

inspiração para mim como mulher e como artista, como uma pessoa ética (...)”, disse Bruna.

Beyoncé é referência de mulher negra para Dandara, “Eu não tinha aquele personagem,

aquela artista que eu ia ser. Aí quando eu descobri Destiny’s Child, eu pude ser ela.”, Flávia

relata que tem uma profunda admiração pela artista, “Quando eu penso nisso eu penso que

ela representa tudo para mim”. Para Natally, a cantora é sinônimo de poder, “Ela me

representa como mulher, porque ela é poderosa, sabe?”, enquanto Taíssa revela “ela estava

sempre ali, em algum momento da minha vida ela estava ali. Em algumas músicas ela

estava ali junto!”.

Rojek (2008, p. 51) expressa que “O relacionamento entre celebridades e fãs é

tipicamente mediado pela representação”, o que ele define como “encontros superficiais”

podem gerar conflitos na maneira como os fãs veem a celebridade, porém esses encontros

são escassos e acontecem de modo mais efetivo através da mídia.

A Indústria Cultural envolve segmentos onde existiram e ainda existem várias

artistas que contribuem para que suas vozes sejam ouvidas, suas opiniões sejam expostas e

suas conquistas se tornem relevantes. Porém, em meio a esse espaço existem alguns

obstáculos pelo fato de ser mulher. Isso é consequência de todo um processo histórico em

que a imagem das mulheres foi construída a partir do seu corpo biológico, fazendo com que

fosse expresso uma identidade no ser social. Dessa forma, os homens foram instituídos

como os poderosos que regiam desde a religião até a política, passando pela economia das

sociedades. Sendo assim, a Indústria Cultural que reconhecemos hoje surgiu e foi moldada

a partir do ponto de vista dos seus “criadores” – homens.

No documentário Life is But a Dream (2013) Beyoncé relata:

Em um certo ponto da minha carreira, me senti sobrecarregada. Ser bem sucedida

comercialmente não era o suficiente. Era algo realmente estressante ter que

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engolir isso. Isso me restringia, não podia me expressar. Não quero ter que cantar

sobre as mesmas coisas por mais dez anos. Não se pode crescer assim. Quero

poder cantar o quanto me odeio em um dia, se me sentir assim. Senti que era hora

de arranjar meu futuro. Então estabeleci um objetivo: meu objetivo era ser

independente. (BEYONCÉ, 2013, 5’ 50’’)

A música antes compreendida como arte se transforma em objeto, tendo como

principal objetivo gerar lucros estando diretamente ligado ao domínio de poder econômico.

Beyoncé cantava sobre os mesmos assuntos por anos porque ela era rendável assim e por

isso não era interessante que ela mudasse o repertório.

Mesmo assim, contrariando essas regras, em 2011 a artista lançou o single8 Run the

World (Girls), música que virou um hino para as mulheres por retratar todas elas poderosas

e assumindo posição de liderança, ao mesmo tempo em que são esposas e mães. As fãs

entrevistadas concordaram, é uma música que representa o poder da mulher e quando foram

questionadas quanto ao que a letra e o videoclipe representavam para as mulheres, elas

explicaram “Run the World ele fala sobre empoderamento, sobre a mulher que tá no jogo,

sobre a mulher que trabalha, estuda e cria o filho, e chega cansada (...) a mulher de hoje em

dia” expressa Dandara, enquanto Flávia diz que “A letra toda é basicamente

empoderamento feminino” e a entrevistada Natally, “Run the World deixa muito claro que

mulheres podem fazer o que quiserem. Se ela quiser ser dona de casa ela vai ser, se ela

quiser ser CEO de uma empresa ela vai ser”.

A letra da música expressa que as mulheres podem ser esposas, mães, trabalharem,

cuidarem dos negócios, ganharem o próprio dinheiro sem precisar necessariamente de um

homem. Uma das reinvindicações do movimento feminista era exatamente o poder fazer as

escolhas, estar onde elas escolhessem e poderia ser cuidando da casa, ingressando na

universidade, trabalhando como professora ou como empresária. A artista comprova algo

construído ao longo da história e retratado nos setores públicos e privados, uma cultura

moldada a partir dos princípios masculinos de dominação. Essa relação existente entre

homens e mulheres é evidenciada quando Morin (2009) diz que a cultura mesmo

desenvolvendo algumas virtualidades humanas também intimida outras.

Beyoncé ressalta na letra sua independência e suas conquistas como mulher. Além

de motivar e afirmar que ela acorda perfeita e anda por aí perfeita assim como as outras

mulheres também são, instigando “Somos perfeitas / Garotas, contem a eles / Digam "eu

8 Músicas que são escolhidas para representar todo o álbum de um artista. Estas, por sua vez, são lançadas,

com maior teor do que as não-singles, nas rádios e são mais divulgadas em premiações e programas de TV do

que as demais músicas. (SOUZA,J., RODRIGUES,S.G., SANTOS,T.R., ALVES,T.V., MOREIRA, J.M,

2014, p. 7)

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estou ótima esta noite”. Sendo assim, fica evidente a importância do single ***FLAWLESS

para as fãs da artista depois de realizada a entrevista em profundidade. Quando

questionadas “dentre esses três singles (Run the World (Girls), ***FLAWLESS e

Formation), você se identifica com maior particularidade com qual? O que faz dessa

música tão representativa para você?“, foi quase unânime ***FLAWLESS como resposta.

Bruna diz “Eu acho que é aquela música que, tipo, eu acordei e vou ser do jeito que eu

quiser e tô ‘cagando’ pra vocês”, Taíssa reforça “Tipo, eu acordei assim, e eu sou assim, e

aceita que dói menos”, Natally exprime “FLAWLESS, porque FLAWLESS fala de

autoestima”, enquanto Flávia diz “eu me identifico mais com FLAWLESS pela questão da

aceitação e a questão de ser meio que universal para todas as mulheres”.

No que diz respeito à representatividade dessa canção para as fãs, é relevante

resgatar que a Cultura Pop abrange diversos gêneros da música popular no qual alguns

autores identificam determinados problemas em relação a expressividade, a estética

apresentada, a maneira como são produzidos e como são consumidos esses produtos sendo

parte da Indústria Cultural. A música é voltada para o grande público e é caracterizada por

ser transnacional, contudo não anula as características inovadoras e criativas que surgem

dentro desse cenário. Parafraseando Morin (2009), Beyoncé é um rosto público imaginado

fazendo parte desse cenário e suas músicas são igualmente espaços imaginados que se

tornam significativas quando a artista se transforma no produto mais original dentro da

cultura de massa. Por isso, quando ela se revela feminista afirmando entre outras coisas, que

todas as mulheres são perfeitas e as convida a dizerem isso, ela desperta o real desejo que as

consumidoras têm em ouvir nas músicas.

O terceiro single estudado foi Formation, lançado em fevereiro de 2016, onde mais

uma vez ela exaltou as questões femininas, mas dessa vez ela ressaltou a causa das

mulheres – e também dos homens – negras, como o racismo. Nessa música Beyoncé

começa questionando “O que aconteceu depois de Nova Orleans? Vadia, estou de volta por

demanda popular”. O trecho faz referência às várias famílias – em sua maioria negra – que

ficaram desabrigadas e sem apoio após a passagem de um furação pela região. A declaração

é do rapper negro Messy Mia9 que foi morto a tiros, também em Nova Orleans, sendo

inclusive outra questão abordada e que fica mais evidente no videoclipe, quando logo no

início ela aparece em cima de uma viatura da polícia encoberta pela água. Em outro

9 Mya era negro, ativista e politicamente incorreto, ele foi morto aos 22 anos de idade, logo após sair do chá

de bebê de seu filho. Apesar da influência que Messy possuía em Nova Orleans, o assassinato dele até hoje

não foi solucionado.

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momento um garotinho negro dança break na frente de policiais brancos quando a cena é

redirecionada a uma pichação em que está escrito “stop shooting us” (em português, parem

de atirar em nós).

A artista também evidencia o fato de ser uma negra sulista, filha de pais negros

nascidos em outros dois estados sulistas. Rebate as críticas feitas ao cabelo da filha

ressaltando de gosta do cabelo afro dela, além de falar sobre o seu nariz fazendo referência

aos Jackson Five. Nesse trecho a artista evidencia as origens dela, o fato de ser negra e

gostar dela dessa maneira, gostar da sua filha e se orgulhar da sua descendência.

No álbum anterior Beyoncé evidenciou através das suas músicas seu ponto de vista

em relação ao feminismo, tanto quanto ao empoderamento e a liberdade feminina ficando

mais esclarecido em ***FLAWLESS. Ao lançar Formation ela declarou não apenas essas

questões, também exaltou a representatividade negra. Essa correlação pode ser feita se

partirmos do que foi esclarecido no texto quando por causa da escravidão os negros eram

diferenciados socialmente dos brancos, sejam eles ricos ou pobres, o que acarreta em

consequências até os dias de hoje.

Sobre o single Formation as fãs brasileiras exprimiram acreditar que Beyoncé está

falando dela e de outras mulheres negras. Existe a intenção de empoderar as mulheres

negras. Bruna diz “(...) eu acho que é mais para ela se mostrar... o poder da mulher negra

(...) aí foi mais direcionado para as mulheres negras, para elas se aceitarem, para elas não

aceitarem o racismo”. Flávia confirma “o Formation agora vem com uma causa, eu acho

que ela (...) deu uma repaginada mais, puxando mais para a aba dela (...) ela é negra. (...) E

é uma causa justa, que está ali, que as vezes ninguém presta atenção”. Dandara supõe

“muitas pessoas embranqueceram a Beyoncé, e foi quando ela virou e falou “não gente,

peraí, eu sou negra e eu sou “foda”. E é isso, vocês aceitam, vocês aceitam e agora eu estou

puxando todos os meus irmãos negros para serem “fodas” juntos comigo”.

A letra e o videoclipe de Formation evidenciam as reivindicações e manifestos dos

negros, sendo exaltando sua beleza ou fazendo críticas ao descaso em relação à comunidade

negra. Nessa canção fica evidente a questão da territorialidade quando ela exprime estar

falando de Nova Orleans e que é texana, da mesma maneira de quando ela é exibida

juntamente com outras negras na sala, todas elegantes e bem vestidas fazendo referência a

como as sinhás – mulheres brancas – se vestiam na época de escravidão, demonstrando que

esse momento passu, tendo elas conquistado aquele espaço também. Ao mesmo tempo,

existe um reconhecimento de qualquer negro que tenha acesso a esse trabalho, por se tratar

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de um acontecimento que todos eles têm em comum e isso pode ser explicado pelo exposto

no quando Ortiz denomina a cultura hoje como mundializada.

Tendo exposto essa contextualização, a finalidade da pesquisa era saber das fãs

brasileiras da artista Beyoncé se elas consideravam o feminismo inserido nas músicas como

sendo estratégia de marketing. Por isso, depois de questionadas quanto à relação delas com

a artista, a maneira como consumiam os produtos lançados, o entendimento sobre o

movimento feminista além de indagar se consideravam as letras das músicas

empoderadoras, as entrevistadas foram questionadas “você acredita que Beyoncé fale de

feminismo estrategicamente para agregar a sua imagem artística perante o público? - De

que maneira isso é percebido?”. As entrevistadas Bruna e Taíssa fizeram pontuações

parecidas. Ambas sinalizaram que a artista já havia exposto em outros momentos da

carreira, canções com teor empoderador e acreditam que a estratégia de marketing não é

uma ferramenta utilizada pela Beyoncé com o intuito de se promover.

(...) eu acho que não. Porque, na minha opinião o feminismo é uma coisa que (...)

está mais forte agora, tá recente agora, porque as pessoas entenderam o que é o

feminismo. E se tu vê as músicas antigas dela, tipo Irreplaceble, é tipo, é

totalmente feminista (...) não é jogada de marketing. (BRUNA, 2016)

Eu acho que hoje não (...) Ela já vinha fazendo desde o comecinho, pegando para

ver todas as letras, ela sempre teve alguma mensagem tipo “mulher, você pode”.

(...) é uma oportunidade para ela brilhar, óbvio! Mas ela já tá naquele nível que...

tipo, “caguei para vocês”! (...) E aí, tem o respeito de todo o cenário musical, das

mulheres que se espelham nela. (TAÍSSA, 2016)

Natally acredita haver estratégia quanto ao posicionamento feminista da artista, mas

não relacionado à comercialização que o assunto vai proporcionar, evidenciando que a

artista vai faturar abordando ou não essas questões na sua música.

Obviamente que ela vai ganhar dinheiro com isso, ela é uma artista. Mas eu

acredito que ela é uma imagem forte (...) ela vai ganhar dinheiro usando ou não o

racismo, a questão é ela estar falando de questões sociais, de questões que a gente

vive, de realidade das pessoas e que ela vai ganhar dinheiro se ela falar ou não

disso. (...) É importante que ela aproveite que ela tem essa fama, que ela tem isso

tudo para poder empoderar mais mulheres por aí. (NATALLY, 2016)

Flávia não duvida que haja estratégia de marketing em torno do feminismo da

Beyoncé, até por existirem assessores e diretores que possam influenciar nesse sentido, mas

prefere acreditar que a artista realmente apoie a causa, por considerar importante.

Eu não boto minha mão no fogo (...) Mas, eu acho que no final é importante é

passar a mensagem. Se ela conseguir passar a mensagem de empoderamento

feminino, do movimento feminista em si e tudo mais, eu acho que no final o

recado tá dado e é isso que importa. (...) Eu não duvido não, mas eu espero

profundamente do fundo do meu coração - risos - que ela realmente apoie a causa

de coração, porque é isso o que importa. (FLÁVIA 2016)

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A entrevistada Dandara diz ter consciência de algumas pessoas alegarem e

acreditarem no feminismo da Beyoncé sendo meramente estratégia de marketing, mas ela

não considera, e releva o fato da música da artista realmente empoderar outras mulheres.

(...) a Beyoncé ela é uma artista que ela é muito visada, em qualquer lugar do

mundo. (...) Até os países que são proibidos algumas apresentações, algumas

letras de música dela, as pessoas têm consciência que essa mulher existe, do quão

influente essa mulher é. E, eu acho que o fato da Beyoncé ter se mostrado

feminista e ter entrado na causa, por mais que muitos digam que seja jogada de

marketing eu acho que é uma coisa que faz mudar, porque por mais que essas

jogadas de marketing para ela, mulher rica, no topo da Indústria Fonográfica

mundial, mas para aquela menina que começou a ouvir agora, que está se

empoderando, não é. (DANDARA, 2016)

Assim sendo, é possível constatar que as fãs não consideram o feminismo da artista

Beyoncé como sendo unicamente uma estratégia de marketing, além de confirmar a

hipótese de que quanto mais músicas empoderadoras forem lançadas, consequentemente

maior será o número de mulheres empoderadas, visto que as entrevistadas afirmaram se

interessar pelo feminismo também por meio do conhecimento obtido através das canções da

artista. Quando não, a inserção desse discurso contribuiu para uma maior identificação com

a exposição da mulher no espaço midiático. Dessa maneira, o empoderamento feminino

inserido nas músicas da artista Beyoncé, assim como a propagação do feminismo se tornam

relevantes levando em consideração o meio em que a artista está inserida culturalmente

envolvida, dominada masculina e machista, como apontado anteriormente neste trabalho.

Contudo para que haja uma resposta com maior exatidão é necessário um

aprofundamento maior no que envolve o público feminino da artista Beyoncé, suas

perspectivas e opiniões.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Beyoncé é uma artista. É uma mulher negra em evidência sendo percebida em meio

a Indústria Fonográfica hoje não mais pela relação com o pai ou por ser esposa do rapper

Jay Z, ambos importantes nesse cenário. Ela é considerada uma das maiores artistas globais

no cenário musical, ela tem representatividade. Nem por isso, nem por representar tanto

poder em meio ao cenário artístico e musical ela foi preservada das consequências de estar

inserida em uma sociedade estabelecida por homens e em um ambiente de trabalho também

dominado por eles e isso pelo fato de ser mulher.

O feminismo inserido no discurso da artista pode ter sido percebido e exaltado nos

últimos trabalhos, porém antes mesmo dessas percepções acerca desses trabalhos ela já

tinha escrito e lançado outras músicas de teor tão empoderador quanto as em evidencia no

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momento. Beyoncé sendo uma personalidade forte dentro do cenário pop internacional

transmite informação através de um produto midiático que antes era proposto apenas como

mercadoria de consumo, tendo como único objetivo entreter os consumidores enquanto

enriquecia os grandes empresários.

As músicas, videoclipes e notícias que são vinculadas a ela são expostos em vários

países do mundo, as pessoas se interessam pelos produtos que a envolvem e pela

informação que ela dissemina. Portanto, uma mulher como Beyoncé expor que é feminista e

se propor a explicar o significado com sua música é bastante relevante. Por isso, a

compreensão midiática da artista para as questões de representatividade e marketing não

minimizam a importância da resistência dela a sociedade machista e racista.

Independentemente das mensagens em seus discursos ela vai abranger muitas

pessoas, vai gerar reconhecimento, da mesma forma vai desapontar alguns outros, fato é

que ela vai continuar faturando milhões seja cantando sobre amor ou sobre o

empoderamento feminino por ter se consolidado em meio ao cenário musical. Ela é

respeitada quando grita que as mulheres vão dominar o mundo, quando expõe para todos

que é feminista e quando em frente a milhões de telespectadores crítica a violência ainda

sofrida pelos negros, evidenciando também ser negra. Dessa maneira, ela representa as

mulheres brancas, as negras e as feministas. Ela se torna importante meio de

conscientização pois abrange problemas e questionamentos globalizados.

Sendo assim, este trabalho considera a partir das análises dos três singles e das

entrevistas realizadas com as fãs da artista Beyoncé, que a Indústria Cultural tem um papel

fundamental para que ocorram mudanças socioculturais em relação às mulheres,

evidenciando a partir deste trabalho ás mulheres negras.

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