FEVEREIRO 2014

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E D I T O R I A L ÓRGÃO DA FUNDAÇÃO CHRISTIANO ROSA DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PIQUETE, FEVEREIRO/2014 - ANO XVII - N o 205 O ESTAFETA Foto Laurentino Gonçalves Dias Jr. Das festas populares do Brasil, o Carna- val é, sem dúvida, a mais grandiosa delas e uma das ricas manifestações folclóricas que ainda sobrevivem e conseguem envolver o grande público. A origem do Carnaval se perde no tem- po. Eram eventos relacionados a aconteci- mentos religiosos e rituais agrários, por oca- sião da colheita de grandes safras. Desde essa época as pessoas já pintavam o rosto, dançavam e bebiam. Há, também, indícios de que o Carnaval tem origem em festas pa- gãs e rituais de orgia. Em Roma, as raízes deste acontecimento estão ligadas às dan- ças em homenagem aos deuses Pã e Baco. Eram as chamadas lupercais e bacanais ou dionisíacas. Com o advento da era cristã, a Igreja começou a tentar conter os excessos do povo nessas festas pagãs. Uma solução foi a inclusão do período momesco no ca- lendário religioso. Antecedendo a Quares- ma, o Carnaval ficou sendo uma festa que termina em penitência na Quarta-feira de cin- zas. Os cristãos costumavam iniciar as co- memorações do Carnaval na época de Na- tal, Ano Novo e Festa de Reis. Estas festas se acentuavam, porém, no período que an- tecedia a Terça-feira Gorda, assim chamada porque era o último dia em que os cristãos comiam carne antes do jejum da Quaresma, durante a qual havia, também, tradicional- mente, abstinência de sexo e diversões, como circos, teatros e festas. Na Idade Mé- dia, predominavam nos festejos de Carna- val jogos e disfarces. No século 15 surgem os bailes de máscaras, que ganham força e tradição no século seguinte por causa do sucesso da Commedia dell’Arte italiana. As mais famosas máscaras ainda são as con- feccionadas em Veneza e Florença. Datam dessa época três grandes personagens do Carnaval: a Colombina, o Pierrô e o Arle- quim, todos personagens da Commedia dell’Arte. O Pierrô é uma figura ingênua, sentimental e romântica. É apaixonado pela Colombina, uma caricatura das antigas cria- das de quarto, sedutoras e volúveis. Ela é, no entanto, amante de Arlequim, represen- tado como o palhaço farsante e cômico, ri- val do Pierrô. No Brasil, por causa das atuais manei- ras de se brincar o Carnaval, muita gente pensa que esta festa tem origem na cultura negra. Ao contrário, o Carnaval brasileiro tem origem no entrudo português, que che- gou no período colonial. Recebeu, ainda, influência de carnavais europeus e das más- caras italianas. Somente no século 20 é que vieram os elementos africanos, considera- dos fundamentais para seu desenvolvimen- to. Com essa mistura de costumes e tradi- ções tão variadas, o Carnaval do Brasil é um dos mais famosos do mundo e atrai mi- lhares de turistas dos cinco continentes. A redução dos níveis de água nos reservatórios do sudeste brasileiro nes- te início de ano é alarmante. Apesar de estarmos no período de chuvas, quan- do os reservatórios deveriam estar trans- bordando, este verão atípico caracteri- za-se por ser um dos mais secos e quen- tes já registrados. Em São Paulo janeiro registrou as mais elevadas temperatu- ras dos últimos setenta anos. Com os termômetros na estratosfera, o nível dos reservatórios de água da região despen- cou, o que assusta especialistas e tira o sono dos governantes, preocupados com o desabastecimento de água nas cidades. Campanhas para racionamento já começaram a ser veiculadas nos mei- os de comunicação, com o inevitável apelo para o controle do uso de água. Nem tudo, porém, pode ser colocado nas costas dos cidadãos ou nas condi- ções do clima. Há fatores muito preo- cupantes que podem nos colocar diante do risco iminente de escassez de água por um bom tempo. Os olhos dos técni- cos voltam-se para as regiões produto- ras de água. Para mantermos o abasteci- mento hídrico, são necessárias políticas efetivas voltadas para a melhoria das condições ambientais das bacias hidro- gráficas como, por exemplo, o desas- soreamento dos cursos d’água, coleta e tratamento de esgoto, reúso de água, re- florestamento de cabeceiras e suas nas- centes. Aliás, todos sabem que a dispo- nibilidade e a qualidade dos recursos hídricos estão intimamente ligadas às flo- restas que protegem as nascentes e ma- nanciais e os mantêm limpos. A cobertu- ra florestal melhora processos de infil- tração e armazenamento de água, além de diminuir o escoamento superficial, que, se inadequado, pode causar en- chentes. No entanto, mesmo sabendo disso, o investimento dos governos na preservação e manutenção de regiões com nascentes é pequeno. Os agravos ambientais acontecem de maneira contí- nua, enquanto o plantio é incipiente. A crise por que passam diversas regiões do estado deve se agravar, seja por falta de chuva, seja pela gestão dos recur- sos, sempre escassos para questões ambientais. As mudanças climáticas confirmadas nas últimas décadas pelos cientistas e já sentidas pela população mundial são um imenso desafio socioambiental a ser enfrentado por toda a sociedade. A maior festa popular brasileira O Carnaval é o divertimento máximo do povo. Pagão e livre, simboliza a igualdade. O disfarce nivela a todos e esconde mágoas e tristezas, amores e paixões. Na foto, foliões no Carnaval de Piquete.

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Edição de fevereiro, de número 205, do informativo O ESTAFETA, da Fundação Christiano Rosa, de Piquete/SP.

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E D I T O R I A L

ÓRGÃO DA FUNDAÇÃO CHRISTIANO ROSA

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PIQUETE, FEVEREIRO/2014 - ANO XVII - No 205

O ESTAFETAFoto Laurentino Gonçalves Dias Jr.

Das festas populares do Brasil, o Carna-val é, sem dúvida, a mais grandiosa delas euma das ricas manifestações folclóricas queainda sobrevivem e conseguem envolver ogrande público.

A origem do Carnaval se perde no tem-po. Eram eventos relacionados a aconteci-mentos religiosos e rituais agrários, por oca-sião da colheita de grandes safras. Desdeessa época as pessoas já pintavam o rosto,dançavam e bebiam. Há, também, indíciosde que o Carnaval tem origem em festas pa-gãs e rituais de orgia. Em Roma, as raízesdeste acontecimento estão ligadas às dan-ças em homenagem aos deuses Pã e Baco.Eram as chamadas lupercais e bacanais oudionisíacas. Com o advento da era cristã, aIgreja começou a tentar conter os excessosdo povo nessas festas pagãs. Uma soluçãofoi a inclusão do período momesco no ca-lendário religioso. Antecedendo a Quares-ma, o Carnaval ficou sendo uma festa quetermina em penitência na Quarta-feira de cin-zas. Os cristãos costumavam iniciar as co-memorações do Carnaval na época de Na-tal, Ano Novo e Festa de Reis. Estas festasse acentuavam, porém, no período que an-tecedia a Terça-feira Gorda, assim chamadaporque era o último dia em que os cristãoscomiam carne antes do jejum da Quaresma,durante a qual havia, também, tradicional-mente, abstinência de sexo e diversões,

como circos, teatros e festas. Na Idade Mé-dia, predominavam nos festejos de Carna-val jogos e disfarces. No século 15 surgemos bailes de máscaras, que ganham força etradição no século seguinte por causa dosucesso da Commedia dell’Arte italiana. Asmais famosas máscaras ainda são as con-feccionadas em Veneza e Florença. Datamdessa época três grandes personagens doCarnaval: a Colombina, o Pierrô e o Arle-quim, todos personagens da Commediadell’Arte. O Pierrô é uma figura ingênua,sentimental e romântica. É apaixonado pelaColombina, uma caricatura das antigas cria-das de quarto, sedutoras e volúveis. Ela é,no entanto, amante de Arlequim, represen-tado como o palhaço farsante e cômico, ri-val do Pierrô.

No Brasil, por causa das atuais manei-ras de se brincar o Carnaval, muita gentepensa que esta festa tem origem na culturanegra. Ao contrário, o Carnaval brasileirotem origem no entrudo português, que che-gou no período colonial. Recebeu, ainda,influência de carnavais europeus e das más-caras italianas. Somente no século 20 é quevieram os elementos africanos, considera-dos fundamentais para seu desenvolvimen-to. Com essa mistura de costumes e tradi-ções tão variadas, o Carnaval do Brasil éum dos mais famosos do mundo e atrai mi-lhares de turistas dos cinco continentes.

A redução dos níveis de água nosreservatórios do sudeste brasileiro nes-te início de ano é alarmante. Apesar deestarmos no período de chuvas, quan-do os reservatórios deveriam estar trans-bordando, este verão atípico caracteri-za-se por ser um dos mais secos e quen-tes já registrados. Em São Paulo janeiroregistrou as mais elevadas temperatu-ras dos últimos setenta anos. Com ostermômetros na estratosfera, o nível dosreservatórios de água da região despen-cou, o que assusta especialistas e tira osono dos governantes, preocupadoscom o desabastecimento de água nascidades. Campanhas para racionamentojá começaram a ser veiculadas nos mei-os de comunicação, com o inevitávelapelo para o controle do uso de água.Nem tudo, porém, pode ser colocadonas costas dos cidadãos ou nas condi-ções do clima. Há fatores muito preo-cupantes que podem nos colocar diantedo risco iminente de escassez de águapor um bom tempo. Os olhos dos técni-cos voltam-se para as regiões produto-ras de água. Para mantermos o abasteci-mento hídrico, são necessárias políticasefetivas voltadas para a melhoria dascondições ambientais das bacias hidro-gráficas como, por exemplo, o desas-soreamento dos cursos d’água, coleta etratamento de esgoto, reúso de água, re-florestamento de cabeceiras e suas nas-centes. Aliás, todos sabem que a dispo-nibilidade e a qualidade dos recursoshídricos estão intimamente ligadas às flo-restas que protegem as nascentes e ma-nanciais e os mantêm limpos. A cobertu-ra florestal melhora processos de infil-tração e armazenamento de água, alémde diminuir o escoamento superficial,que, se inadequado, pode causar en-chentes. No entanto, mesmo sabendodisso, o investimento dos governos napreservação e manutenção de regiõescom nascentes é pequeno. Os agravosambientais acontecem de maneira contí-nua, enquanto o plantio é incipiente. Acrise por que passam diversas regiõesdo estado deve se agravar, seja por faltade chuva, seja pela gestão dos recur-sos, sempre escassos para questõesambientais.

As mudanças climáticas confirmadasnas últimas décadas pelos cientistas ejá sentidas pela população mundial sãoum imenso desafio socioambiental a serenfrentado por toda a sociedade.

A maior festa popular brasileira

O Carnaval é o divertimento máximo do povo. Pagão e livre, simboliza a igualdade. O disfarce nivelaa todos e esconde mágoas e tristezas, amores e paixões. Na foto, foliões no Carnaval de Piquete.

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Página 2 Piquete, fevereiro de 2014

A Redação não se responsabiliza pelos artigos assinados.

Diretor Geral:Antônio Carlos Monteiro ChavesJornalista Responsável:Rosi Masiero - Mtd-20.925-86Revisor: Francisco Máximo Ferreira NettoRedação:Rua Coronel Pederneiras, 204

Tels.: (12) 3156-1192 / 3156-1207Correspondência:Caixa Postal no 10 - Piquete SP

Editoração: Marcos R. Rodrigues Ramos

Laurentino Gonçalves Dias Jr.

Tiragem: 1000 exemplares

O ESTAFETA

Fundado em fevereiro / 1997

Fotos Arquivo Pró-MemóriaImagem - Memória

Apesar de o Carnaval que conhecemoshoje ser considerado brasileiro, a festa temraízes europeias.

Historicamente, o Carnaval vincula suaprocedência às festas populares em honrados deuses pagãos Baco e Saturno. Essasfestas eram acompanhadas de muito vinhoe orgias e caracterizadas pela alegria desca-bida, eliminação da repressão e da censurae liberdade de atitudes críticas e eróticas.

Marcados pelos excessos desde sua ori-gem, os foliões escapavam das puniçõesusando disfarces. Até a elite entrava no cli-ma: na Itália do século 15, mascarados danobreza escondiam a identidade e caíam nagandaia nos bailes da corte.

No Brasil, o Carnaval chegou com oscolonizadores portugueses, com o costu-me de sujar uns aos outros na festa doEntrudo.

O que começou com o uso de máscarase perucas é hoje uma das principais atra-ções do Carnaval. Mais do que um climade disfarces, nossa festa de rua é, a cadaano, mais repleta de fantasias criativas ecuriosas.

Comemorado de formas diferentes emvários pontos do mundo, o Carnaval sofreutransformações ao longo dos tempos. Issopode ser constatado especialmente no Bra-sil, onde esta manifestação popular varia nasdiferentes regiões. É uma forma de expres-são cultural em constante modificação quenos liga ao nosso passado, ao presente e

nos projeta para o futuro.O Carnaval é um estado da arte, em que

as tradições milenares são projetadas pelacriatividade aliada ao poder econômico e àsedução.

Os antropólogos consideram o Carna-val como “rito de inversão”, momento emque valores e hierarquias são contraverti-dos. Carnaval é tempo de fantasias. Libera-mos nossas fantasias exibicionistas e pro-curamos externar as emoções: medos, rai-vas e desejos. O Carnaval torna-se espelhoda realidade social, reflete duplamente e deforma alegórica a imagem invertida e con-traditória da sociedade ao som dos tambo-res para produzir um transe utópico. Inver-te-se o dia pela noite. Pobre vira rico, rei erainha, homem vira mulher.

Muitos associam o Carnaval à desor-dem... No Carnaval só há uma regra: é proi-bido proibir! No entanto, sempre houve con-trole sobre os excessos por parte das auto-ridades. Consultando o Código de PosturaMunicipal da Vila Vieira do Piquete, promul-gado pelo prefeito José Dias da Silva, em1914, encontra-se, em seu capítulo sexto, quetrata de divertimentos públicos, nos artigos53 e 54: “São proibidos os bailes de pesso-as de má vida denominados fusos, os batu-ques, sambas, cateretê, cana verde, os to-ques de tambores, rufos etc, algazarras apretexto de festas, sob pena de multa queserá imposta ao dono da casa”; “É proibi-do, ainda, o jogo de entrudo com água, oca,

tintas e outras substâncias e bem assim avenda de limões de cheiro, sob multa e des-truição imediata dos objetos a isso destina-dos”.

Apesar das proibições ao longo dos tem-pos, o Carnaval as vem superando todas e,mesmo com os excessos, é tolerado pelamaioria das pessoas. É o divertimento máxi-mo do povo. Pagão e livre, simboliza a igual-dade. O disfarce nivela a todos e escondemágoas e tristezas, rancores e vinditas, amo-res e paixões.

Dançar, cantar, folgar, dar ao corpo e aoespírito a maior independência, sons, can-tos, frenesis, cores, cheiros, príncipes, bru-xas, índios, diabos, pierrôs, cupidos, palha-ços, burros, bufões, máscaras alegres e tris-tes... Assim é hoje... Assim foi ontem... Dequalquer maneira, o importante é se divertir.

É proibido proibir!

Bloco de Sujos no Carnaval de 1948. Da esquerda para direita: Almir Pantoja, Orlando Siriri, Oswaldo Português, Eny Thiers, Oswaldo Peixoto, ValdirPeixoto, Quinzinho de Oliveira, Nino Costa. Agachados: Durcílio Brasilino, Zé Carlos de Morais, Dogmar Brasilino. O menino à esquerda é José Gulo.

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O ESTAFETA

GENTE DA CIDADEGENTE DA CIDADE

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Amélia ArmandoLaurentino Gonçalves Dias Jr.

As belas telas enfeitam toda a casa. Re-fletem a personalidade de quem as pintou –doce, mas firme em seus propósitos. “Nãoestou pintando mais... As telas estão en-costadas e as tintas secando...” Incentiva-da a retomar a pintura, fica pensativa...

Amélia Armando Vianna é a autora dostrabalhos. A voz suave e a delicadeza dosgestos completam o perfil dessa mineira deItajubá, que veio para Piquete com dois anosde idade... Refazendo a trajetória de muitosoutros mineiros, o pai, Antônio Armando,veio trabalhar na Fábrica de Pólvora semFumaça. “Ele era carpinteiro e as diversasobras da Fábrica na época requeriam muitoesse profissional. Viemos todos: mamãe, AnaAntunes Armando, eu, a caçula à época, ecinco irmãos. Já aqui em Piquete nasceu maisum casal”.

Amélia faz aniversário em 13 de junho.“O ano não importa, né?!”, sorri... Afirmaque “a mente não envelhece junto com ocorpo, e é isso que importa”. Está certa:havemos de comemorar a vida; a idade ésecundária.

Já em território piquetense, Amélia cur-sou o primário no Grupo da Fábrica. Cita odiretor, Melquíades, e as professorasTherezinha Galli e Aparecida de Oliveira. Aofinal do primário, seguindo as ordens do pai,deixou os estudos. “Mulher não precisaestudar, dizia. E quem poderia questionar?!”.Conta que o professor Lutgardes e a espo-sa foram até sua casa e insistiram para quefosse mantida na escola. “Não adiantou;papai não permitiu”. Ficou, então, um perío-do longe da escola, ajudando a mãe no pre-paro de quitutes para o bar dos irmãos naPraça da Bandeira – o “Gruta Azul”. Quan-do da criação do ginásio noturno, sem co-municar nada em casa prestou o exameadmissional. Foi aprovada. O pai, então,acatou o desejo da filha.

Logo que ingressou no Colégio, passoua trabalhar como monitora de Educação Fí-sica no Departamento Educacional da Fá-brica. O professor era Pedro Mazza. A jorna-da era puxada: monitoria pela manhã, ajudaà mãe à tarde e a escola à noite. Ainda as-sim, ao se formar, foi a primeira da turma emPortuguês. Dando continuidade aos estu-dos, Amélia ingressou na Escola Normal Li-vre Duque de Caxias, formando-se em 1958.

Professora, passou a lecionar comosubstituta no Grupo Escolar da Fábrica.Pouco tempo depois já era titular na escolado professor Leopoldo. Sempre no primá-

rio, lá ficou até 1970, quando prestou con-curso para o Estado. Aprovada, foi paraSuzano. “Com as crianças pequenas, foi umperíodo difícil, mas muito bom. Tenho boasrecordações”. De Suzano, foi para São Josédos Campos e, de lá, pra Piquete, para oColégio Leonor Guimarães, readaptada naBiblioteca. “Lá trabalhei com o Chico Máxi-mo... Ele era de outro turno, mas não saía daBiblioteca”, afirma, sorrindo.

Amélia aposentou-se em 1984. Recebeuconvites para retomar o Magistério, maspreferiu dedicar-se à família e à Igreja. Fezótima opção: responsável pela Liturgia naMatriz de São Miguel por vários anos, pôdeestender a muitas pessoas de Piquete e daregião o conhecimento sobre a importânciados rituais da missa católica. Formou váriasequipes que colaboram para garantir o res-peito e o correto atendimento a esses ritu-ais. Os olhos brilham e a empolgação é evi-dente ao falar sobre suas atividades comomissionária da Liturgia. A fé a transforma,certamente.

Amélia casou-se com Célio Vianna.“Célio foi meu primeiro namorado... Mas eleingressou na Aeronáutica e foi para o Riode Janeiro. Aí terminamos...”. O destino,porém, os uniu novamente e o casamentoaconteceu em 14 de setembro de 1963. Tive-ram um casal de filhos: Ana Carla e Célio

Vianna Júnior. Viúva háquase 17 anos, o amor ain-da é o mote da família, quese mantém unida na admi-ração pelo esposo e pai fi-sicamente distante, masmuito presente.

Amélia é uma mulherdelicada e altiva, uma mes-tra disposta a ensinar eaprender – com a vida,com a família e amigos,com sua fé... Suas telastransmitem alegria. Amé-lia também. Transmite,acima de tudo, paz e ca-rinho a todos que a co-nhecem. Privilegiadosos que a conhecem ecom ela convivem.

Mais um ano completado... Mais dozeedições que me deixaram ansioso por vê-las impressas mês a mês... Mais um ciclocompletado de O ESTAFETA, que nestefevereiro de 2014 comemora seusdezessete anos. Já é quase “de maior” ,diriam alguns eheh...

Gerado em uma família de amigos, jánasceu adulto. Em sua primeira edição tra-zia consigo o compromisso de reunir econtar a história de Piquete com base emdocumentos e imagens, apresentando-aaos piquetenses de forma didática eprazerosa. Além disso, nascia com a finali-dade de registrar e divulgar as atividadesda então recém-instituída FundaçãoChristiano Rosa.

Dezessete anos se passaram... A Fun-dação Christiano Rosa detém, hoje, impor-tante reconhecimento pela seriedade equalidade dos projetos que desenvolve emPiquete e no estado de São Paulo. OESTAFETA também é reconhecido regio-nalmente pela qualidade dos textos deseus articulistas, pela correção gramaticale pelas belas imagens, especialmente asantigas, recuperadas com muita competên-cia, mas também as atuais, que colorem aedição disponibilizada na internet.

Se alguém ainda não sabia, “estafeta”é o “distribuidor de correspondência pos-tal, o entregador de telegramas, o mensa-geiro”. Apesar de a palavra ainda ser utili-zada, já não é tão comum... Mais utilizadohoje é o termo “carteiro”... Estafeta foi aprimeira profissão do ex-prefeito de Pique-te, Christiano Rosa, que empresta seunome à Fundação responsável pela edi-ção deste informativo.

Estou certo de que o O ESTAFETA vemcumprindo sua missão. Ou melhor ampliou-a ao garantir a regularidade, a imparciali-dade, a busca constante da melhoria coma aprimoração do conteúdo e de suadiagramação, visando à qualidade visual.

A equipe que elabora mensalmente oO ESTAFETA é reduzida. E o trabalho éárduo. O prazer de vê-lo impresso, porém,é imenso e compensa quaisquer esforços.Distribuí-lo e ouvir “estava esperando aedição deste mês” é algo que proporcionasensação por demais agradável.

Poder colaborar com o O ESTAFETAe, consequentemente, com a FundaçãoChristiano Rosa, é uma honra. Sinto-meparte de uma família. Sinto-me acolhido.Sinto-me mais piquetense. Sinto-me maiscidadão. Que venha a maioridade!

O ESTAFETA em seusdezessete anos...

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O ESTAFETA Piquete, fevereiro de 2014Página 4

Mas, o boi e o burro estão representa-dos no presépio para emblematizar a singe-leza, como bem salientou Guimarães Rosaem célebre poema. São testemunhos do lo-cal onde Cristo, como menino-Deus, foi co-locado numa manjedoura após o nascimen-to.

Afinal, o poeta mostra-nos, por ilustra-ções inseridas no contexto, as obras de arteque acompanham os versos e lhes dão pro-va. Em todas elas, os animais citados com-põem o conjunto, dão-lhe vida, colorido esignificação.

O local do grande acontecimento, dadoem simplicidade, resume os propósitos daescolha divina para acolher, como formahumana, o recém-nascido, cuja trajetória foirealizada para, no ponto máximo do fim,redimir o humano do pecado original dadono Éden primordial.

Cristo, como um novo Adão, é homem,e, como tal, passa pelas vicissitudes, sofri-mentos, sangue e agonia, além da presençaem grandes eventos de milagres, para, nacompanhia de outros humanos, mostrar-seFilho de Deus confirmado pelo Pai, refe-renciado pelos profetas do Antigo Testa-mento e por João Batista, figura exponencial,muito próximo desse Deus-humano, a quemprecedeu no nascimento por seis meses,segundo a tradição, e por Ele, e em seu nomefoi sacrificado.

As grandes marcas do nascimento deJesus de Nazaré foram, entretanto, a alegriae o amor. Dois evangelistas se destacaramna historicidade do nascimento e da infân-cia da figura divina humanizada. São elesMateus e Lucas.

Contestado por Pilatos na grande cena

O que ficou da mensagem do presépio?Iluminado pelo Espírito Santo, o evangelista Lucas mostra-nos o Filho de Deus divino e humano em todas as suas

prerrogativas e dores para se revelar como o novo Adão

Fotos Arquivo Pró-Memória

da peça acusatória de que Jesus foi vítima,por ter proposto o combate contra a domi-nação romana e pela restauração do reinode Israel, o acusado é questionado sobre asua origem. De onde és Tu (Jo, 19, 9)? O juizromano interroga, por essa peça acusatória,quem Ele era e o que queria. A natureza deJesus estava em discussão e o Evangelhode João é pontuado por outros momentosdecisivos. Se Jesus desceu do céu comoFilho de Deus, como se explicaria o parado-xo de ter pais terrenos conhecidos: Maria eJosé? Bento XVI na obra “A infância de Je-sus” (Planeta, 2012) argumenta com João,Lucas e Marcos o alvoroço provocado pela“presunção” de um nascido em Nazaré, car-pinteiro como o pai José, anunciar-se comoSalvador e Rei Maior.

Ponto intrínseco de uma travessia e cha-ve interpretativa de uma missão referida naspalavras sagradas como realização de umapromessa. A discussão teológica sobre aorigem de Jesus, sobre quem Ele é, e de ondevem, simboliza-se nas emblemáticas ques-tões: “De onde vem tudo isso? E que sabe-doria é essa que lhe foi dada? E como sefazem tais milagres por suas mãos?” (Mc 6,2) E ainda, no próprio Marcos, questiona:“Quem dizem os homens que Eu sou? E vós,quem dizeis que Eu sou?” (Mc 8, 27, 29)

Mateus dá a genealogia de Jesus no iní-cio do Evangelho que escreveu para procu-rar responder a questão da origem e o liga aAbraão e a Davi. Para Mateus, por 14 gera-ções antecipando Aquele que deveria vir, eque o Gênesis dá como Aquele que viriapara “bendizer todas as nações da Terra”(Gn 18, 18). E por sua vez, determinado pelafigura de Davi, de quem emanou a promes-

sa de um reino eterno, “O teu trono se esta-belecerá para sempre” – em Samuel (2 Sm 7,16).

A genealogia de Mateus, de homens,indo até Maria, e outras mulheres comoTamar, Raab, Rute e “a mulher de Urias”,misturando judeus e gentios ou pagãos.Mateus termina a genealogia dizendo que“Jacó gerou José, esposo de Maria, da qualnasceu Jesus”. Portanto, José não era o paide Jesus, tendo tido até mesmo a “intençãode repudiar Maria em segredo, devido aosuposto adultério”, por ter a virgem engra-vidado no período do noivado, quando,segundo a tradição, estavam afastados, mascompromissados pelo casamento. Ao quefoi convencido em sonho por um anjo quelhe dirimiu as dúvidas e confirmou a virgin-dade daquela que, segundo o direito judai-co, era considerada esposa, embora nãocoabitassem.

Colocado simbolicamente na história,Lucas, no seu Evangelho, não vai até o“cume”, que é Jesus, como na genealogiade Mateus, mas dele desce para as raízes.Entretanto, a raiz última e principal é repre-sentada por Deus na origem do ser huma-no. Ao trabalhar com esses dados ligados àposição de Jesus no início da históriagenealógica, portanto, da origem, na signi-ficação da trajetória da cristandade, Lucasremonta até Adão para mostrar que em Je-sus está um novo começo da humanidade.Daí a expressão de “novo Adão”.

Colocado numa manjedoura, local paraalimento de animais, Jesus prefigurava-secomo alimento para a humanidade.

Dóli de Castro Ferreira

O O ESTAFETA completa neste feverei-ro mais um aniversário. Iniciamos nossodécimo sétimo ano de circulação. Desde aedição de número 1, em fevereiro de 1997,temos mantido nossa linha editorial voltadapara temas que contribuem para a criaçãode uma consciência socioambiental.

A localização do município de Piqueteem área de domínio de mata atlântica nosobriga a ter maior responsabilidade para como meio ambiente. Os agravos à natureza aca-bam por refletir direta ou indiretamente emtodos os moradores. Cortado pela serra daMantiqueira, o município é cortado por be-las paisagens. Grande produtor de água,nesse conjunto de serras nascem centenasde pequenos cursos d’água, riachos e ribei-rões originando microbacias, formadoras do

ribeirão Piquete, tributário do rio Paraíba doSul. Os remanescentes da cobertura vege-tal, ainda intactos na serra, exigem cuida-dos, para que possamos preservá-los paraas futuras gerações. A recuperação das di-versas nascentes e mananciais, bem comoda floresta que as protege, precisa ser efeti-vada a qualquer custo.

Neste início de ano vivemos uma estia-gem sem precedentes no sudeste brasileiro.O estado de São Paulo padece de faltad’água. Este tem sido o verão mais seco detodos os tempos. Nas áreas com reservasde mata, as nascentes sofrem menos com ainédita estiagem, o que reforça uma liçãoesquecida por parte da população – a flo-resta é a grande produtora de água. Em áre-as conservadas, a água se infiltra no solo,

forma bolsões freáticos na montanha,encharca o solo e o subsolo. Depois, é libe-rada aos poucos pelas nascentes garantin-do o abastecimento nos períodos secos. Otrabalho de proteção de nascentes ajuda agarantir água. Nos últimos anos, a Funda-ção Christiano Rosa desenvolveu projetosvoltados para a recuperação de matasciliares e nascentes. É um exemplo que pre-cisa ser multiplicado. Há muito a ser feito nomunicípio.

O informativo O Estafeta pretende darcontinuidade em sua linha editorial, contri-buindo, assim, para conscientização de queé essencial o engajamento de toda a socie-dade em prol da preservação da Serra daMantiqueira.

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O ESTAFETA e a conscientização ambiental

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O ESTAFETA Página 5Piquete, fevereiro de 2014

Os acontecimentos históricos, cujas da-tas justificam os designados feriados naci-onais, são hoje muito bem recebidos, prin-cipalmente quando favorecem a expansãodos dias sem trabalho obrigatório. Claro quede quem trabalha, e como. Há quem traba-lhe em casa por tarefas, contratos, obriga-ções e dever de ofício. No tempo das dita-duras havia obrigação de culto aos atos eaos protagonistas em manifestações cívi-co-militares. Os desfiles marciais encanta-vam as massas, que viam no aparato disci-plina, hierarquia e imposição de um modeloordenado e controlado. A obrigatoriedadecomemorativa apelava para o sentido doamor à pátria e à moralidade cívica. Ao somdas bandas militares de músicos perfiladose antecedidas por fanfarras vibrantes, cria-va-se o clímax que o hasteamento das ban-deiras e os símbolos expostos enfatizavamcom galhardia. Palavra típica da ditaduraVargas firmemente fincada nas propostas delei e da ordem pelo progresso do Brasil. Umnacionalismo exuberante cultuado nos cha-mados fatos históricos, nos quais se refor-çava a imagem de um imperador levantandouma espada pela liberdade do país, e umgeneral, no caso, marechal, levantando ou-tra para proclamar a república, ambos mon-tados em cavalos bem ajaezados. Atos doimaginário reforçados nas obras de arte, cujarepresentação era fixada nos lares e bancosescolares.

A ideia de nacionalismo tornou-se a nor-ma da formação da cidadania. O canto dohino nacional e outros, simbólicos das re-presentações tópicas da expressão nacio-nalista, impuseram-se, seja em caráter cívi-

Os gestosco, seja em caráter popular. Nos jogos defutebol do Campeonato Brasileiro eles sãoapresentados como chancela da expressãonacional. Nas recentes manifestações po-pulares que levaram às ruas brasileiros in-satisfeitos, o canto do hino nacional foi leit-motiv, isto é, reforço de imagem reivin-dicatória. Não saber cantar, por esquecimen-to e falta de prática, envergonha ou devefazê-lo aos flagrados em atitude culposa.Principalmente se se tratar de figuraexponencial. Nesse caso, é melhor estufar opeito e pôr a mão no coração. Tentar mexerlábios disfarça, mas o que interessa realmen-te para a História é o significado dos “atos”,as rupturas provocadas, se é que as houve,e as linhas de ação.

A chegada de D. João VI ao Brasil, em1808, liderando a Corte portuguesa quandoda invasão napoleônica a Portugal, trouxe amodernização à América portuguesa, deno-minação adotada até o momento em que seconvencionou dar-lhe o nome de Brasil. Aabertura de novas vias de comunicação, aslutas pelas fronteiras territoriais, as negoci-ações político-econômicas e a expansão docomércio permitiram a elevação da catego-ria da ordenação administrativa do territó-rio para Reino Unido a Portugal e Algarves(1815). O caminho se abria para a emancipa-ção. As ideias constitucionalistas eclodiam.No Porto (1820), uma revolução constitu-cionalista impôs-se obrigando a volta do reinão mais aceito absolutista.

Para nós, o liberalismo proposto trazia aindependência no seu bojo. O caminho seabria e uma conjugação de forças se deuemblematizada pelo grito da Independência

ou do Ipiranga. Mas, não foi o gesto quecompletou a obra. Esta foi um arranjo políti-co pelo qual o herdeiro do trono proclamoua dita independência e foi tornado 1º impe-rador, para praticamente nada mudar. Oumelhor, as palavras e as ordens eram de ou-tra natureza, isto é, do liberalismo modera-dor então vigente. Em nome do poder mo-derador D. Pedro I dissolveu a Constituintee se impôs, de mão dupla, no governo.

Manifestações liberalistas ajustaram-se.Daí o título poder moderador. E seguiu-se aordem monárquica. Até que, inspirado nasideias liberalizantes e democráticas da divi-são dos três poderes se impôs o gestoemblematizado do Mal. Deododo da Fonse-ca. A caserna se arvorou representante má-xima da luta pela igualdade das pessoasperante a lei e a sociedade. Mas, pratica-mente quase nada mudou. Nominalmente, ademocracia republicana definia o Estado,mas permaneciam os privilégios da classedos proprietários rurais – que se associa-ram aos militares de altas patentes – e oescravismo, como exploração de mão de obralatifundiária.

A implantação do capitalismo como li-berdade de ação produtiva encontrava mui-tos entraves, e o maior era o da dependên-cia externa. O industrialismo lutou com gran-des dificuldades para definir uma opçãoeconômica. E nas contradições, caminha oEstado brasileiro, pretendendo mudar paranão mudar. A corrupção, uma das mais re-presentativas, é responsabilizada pelos en-traves ao modo de governo e de produção.

Dóli de Castro Ferreira

A primeira folia de Carnaval do Brasil foio Entrudo, que chegou com os colonizado-res portugueses. Era uma brincadeira vio-lenta, que consistia em atirar baldes de água,balões cheios de vinagre ou groselha, póscomo cal, alvaiade e farinha, com o intuitode molhar e sujar as pessoas que passavampelos foliões. A brincadeira foi proibida inú-meras vezes, mas só desapareceu no iníciodo século 20, com a popularização doconfete. O Entrudo incentivou a criação deuma festa em local fechado para um públicoselecionado que desejava se divertir civili-zadamente no Carnaval. Assim, surgiram, nametade do século 19, no Rio de Janeiro, osbailes de máscaras, inspirados nos grandesbailes do gênero realizados na Europa. Osucesso incentivou outras casas de espe-táculo a promoverem seus próprios bailes.Era nas ruas, no entanto, que a populaçãose divertia. Surgiram os tambores que, nochamado “zé-pereira”, espécie de passeata

de foliões percorrendo as ruas da então ca-pital do império, marcavam o ritmo do gru-po. O zé-pereira desaparece meio séculodepois, ficando em seu lugar o corso, umpasseio de carros enfeitados em que foli-ões, geralmente famílias em seus veículos,brincavam com as pessoas nas calçadas,cantando músicas de Carnaval e atirandoconfetes e serpentinas umas nas outras.Ainda no século 19 surgem no Carnavalcarioca as grandes sociedades. Apesar dediferentes das escolas de samba atuais, apre-sentavam elementos comuns como comis-são de frente e carros alegóricos ao som desuas bandas. Outro tipo de festejo carnava-lesco do início do século 20 foram os ran-chos ou cordões que popularizaram asmarchinhas de Carnaval, pois saíam às ruascantando, numa época em que ainda nãohavia rádio. As escolas de samba surgiramno Rio de Janeiro. Muitas tiveram origemnos ranchos e deles veio a tradição, por

exemplo, do casal de mestre-sala e porta-bandeira.

As escolas de samba logo caíram no gos-to popular, passando a desfilar pelas aveni-das da cidade atraindo multidões. A partirdos anos de 1970, houve mudanças na es-tética das fantasias. O Carnaval tornou-semuito caro. Cada região do país adaptou oCarnaval e o incrementou com suas tradi-ções, costumes e crenças regionais. Os des-files das escolas de samba se tornaram si-nônimo de Carnaval no centro-sul do Bra-sil. No nordeste, as festas mais popularesdo Carnaval são as de rua. Especificamentena Bahia, os trios elétricos – carros com sompotente e cantores que percorriam as ruasarrastando multidões – surgiram na décadade 1950 e espalharam-se pelo país. Foi as-sim, com tanta gente participando da folia etantas influências, que o Carnaval brasilei-ro se tornou o maior e mais conhecido domundo.

Do entrudo às escolas de samba, o Carnaval brasileiro tornou-se o maior do mundo

Fotos Arquivo Pró-Memória

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O ESTAFETA

Edival da Silva Castro

Página 6 Piquete, fevereiro de 2014

Crônicas Pitorescas

Palmyro Masiero

O pensador...Os engraxates da

Praça da Bandeira

O tempo passa e o passado fica retidoem nossa memória, transformando-se numrico e inesgotável arquivo.

Lembro-me dos engraxates da Praça daBandeira, ponto onde eles exerciam suasatividades.

Certa manhã ensolarada de sábado, pas-sava pela praça quando fui abordado pordois ou três garotos.

- Qué engraxa, seu?Olhei para os meus sapatos e achei que

eles mereciam ser lustrados. Conduzido porum deles, sentei-me tranquilamente numacadeira sob um frondoso chapéu-de-praia,árvore que, na época, fazia pare da paisa-gem da praça. Dali, donde estava, podiavisualizar o movimento ao redor da mesma.Muitos transeuntes iam e vinham. Os co-merciantes, sorridentes, volta e meia saíamà porta dos seus estabelecimentos a fim deobservar e cumprimentar as pessoas.

Nisso, o garoto que se propôs a lustrarmeus sapatos enfiou uma das mãos na cai-xa, tirou a escova e fez girar duas vezes noar, pegou-a e passou a bater na caixa emritmo de samba. Talvez aquele gesto fossepara cativar-me.

Um dos engraxates que ajudaram a assi-nalar um importante período da história dePiquete, foi, sem dúvidas, o saudoso DulcílioBrasilino. Dos muitos engraxates, ele era oúnico adulto. Moço diferenciado, a come-çar pela cadeira que era específica, alta, comduas sapatas para melhor acomodar os pésdos fregueses, além de trazer os cabeloscortados à moda moicano, era também umexcelente contador de causos, o que o aju-dava a faturar mais.

Nos mais simples e surrados sapatos,até nos mais caros os engraxates tinhamprazer em ritmar um samba com o pano ilus-trador, gesto que motivava o freguês acaprichar na gorjeta.

Os engraxates tiveram a sorte de traba-lhar numa época em que a cidade gozava deexcelente receita. A Fábrica PresidenteVargas encontrava-se na plenitude de suaseconomias e a ascensão dos alunos da Es-cola Industrial ao quadro de FuncionárioPúblico Federal evidenciava-se, o que moti-vava os engraxates a estarem sempre ale-gres, com sorrisos marotos.

Acesse na internet, leia edivulgue o informativo“O ESTAFETA”“O ESTAFETA”“O ESTAFETA”“O ESTAFETA”“O ESTAFETA”

www.issuu.com/oestafeta

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Sempre meditando sobre assuntostranscendentais, a massa cinzenta encober-ta por essa careca maravilhosa chegou a umaconclusão ímpar após pergunta de pura pes-quisa: qual é o mais importante dos móveis?Alguns podem considerar a mesa, onde sesacia a fome.; outros, a cama, local de re-pouso, de crimes deliciosos; em menor es-cala, alguns terceiros podem pender peloguarda-roupas, pela estante... O belo sexo,pela penteadeira etc. Entretanto, na busca,em investigação profunda, cheguei a umtermo concludente: pode não parecer o maisimportante, mas, incontestavelmente, o maisdisputado é a cadeira.

Sigam meus passos. Após um dia brutode trabalho, uma ginástica arrochada, umjogo duro, uma longa caminhada, entre ou-tras atividades, todos buscam ardentemen-te... uma cadeira! E o que é uma cadeira?Nada mais que assento com costas para umapessoa. Pode ser de balanço (permanente-mente ocupada), de braço, de palhinha,almofadada etc. Embora transmudada, paramaior conforto e sofisticação, em sofás,poltronas, tronos, não deixa de ser cadei-ra... Questão de posses e direitos...

E onde encontrei a contenda afirmadano início? Podemos começar por amenida-des, como por exemplo, distração. As imen-sas filas formadas às portas do cinema outeatro, quando o filme ou a peça compen-sam, nada mais refletem que a ânsia para seconseguir uma cadeira. Não se arreda pé,numa disputa invisível. Fanáticos porbordoadas pagam o olho da cara por umacadeira de ringue, ou outros, em diferentesespetáculos, por cadeira de pista, que rimacom nova profissão: cambista.

Vamos passar por cima das universida-des e mesmo dos ensinos de 1º e 2º graus,em que as diferentes cadeiras disciplinaressão disputadas na base da briga de foicepelos mestres. Sem deixar, é evidente, umlembrete da feroz batalha do estudante paraconseguir uma cadeira na classe da faculda-de que deseja.

Não, não vá confundir nada... Cadeira

gestatória, não é bem isso que alguns pos-sam estar pensando... É aquela, espécie deandor onde eram conduzidos os papas nassolenidades pontifícias. E para usá-la,logicamente, aconteceu uma disputa (seriao termo?!) muito fechada, pela Cadeira deSão Pedro – nada mais, nada menos que otrono ou sólio pontifício. Só os da carreirapodem aspirá-la.

E as famosas cadeiras das mais diversasacademias? Combate corpo a corpo por umaque vagou. Culto praticando culto, às es-condidas, para que outro culto acadêmicoabotoe o paletó e vague pelo espaço dei-xando vaga sua cadeira terrena.

A forma é outra, arredondada, quente...Nego se contorce, não consegue segurardesejos, pelo menos em ver literalmentemóveis, o saracotear das cadeiras de umamulata! Ô, ô, telecoteco! Dá briga de nava-lhada!

Diga, mas assim de supetão: quanto gas-ta um candidato na batalha para conseguiruma cadeira de vereador? De deputado es-tadual? De deputado federal? De senador?Próximos embates se avizinham e podem irfazendo as contas: cadeira de Presidente,governadores, senadores, deputados fede-rais e deputados estaduais... Caras as cam-panhas! De prefeitos e vereadores ainda estáno molho a briga... Em certos países,ditadorezinhos matam pra burro para semanterem na cadeira cativa do poder.

Tem exceções... Chá de cadeira é de doer.Existe uma famosa lá na supercivilizada (??)América de cima, própria para fazer churras-quinho humano: a cadeira elétrica. Nesta ocara briga, mas é para não sentar.

Definitiva prova do acerto de minha teseé que pessoa alguma deseja ficardescadeirada.

Posso-me sentar agora sem necessida-de de desinfetar a cadeira, com a consciên-cia tranquila do dever cumprido, após essaestafante reflexão e suas conclusões admi-ráveis em prol da humanidade. Não seja porisso!

Marchinha de Carnaval “Cachaça”

(Mirabeau Pinheiro, Lúcio de Castro e Heber Lobato, 1953)

Pode me faltar tudo na vida:

Arroz, feijão e pão.

Pode me faltar manteiga,

E tudo mais não faz falta não.

Pode me faltar o amor..

Há, há, há, há!

Isto até acho graça.

Só não quero que me falte

A danada da cachaça

Você pensa que cachaça é água?

Cachaça não é água não.

Cachaça vem do alambique

E água vem do ribeirão...

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O ESTAFETAPiquete, fevereiro de 2014 Página 7

É de admirar a naturalidade com que aspessoas assistem ao desenvolvimento deseus filhos.

Nasce um bebê lisinho, com pele macia,carequinha, com mãos cheias de covinhas,com gritos agudos.

Alguém dá um leitinho para ele, umapapinha, um arrozinho com feijão, salada ebife e, de repente, surge um rapaz enorme,de pele grossa coberta de pelos e voz detrovão.

A menina de brinquinho e maria-chiquinha, com o mesmo trivial simples, al-gumas vacinas e uns remedinhos, logo es-tará pronta para repetir o ciclo da vida.

Ninguém pergunta: como é possível, deonde vem o impulso inicial, quem dá cordaao relógio da vida?

Se considerarmos só a era cristã, leva-mos dois mil anos para decifrar a sementedos vegetais e animais, entre estes o ho-mem.

E de onde vem o conhecimento? Dedentro da caixa que temos acoplada ao nos-so pescoço – da cabeça; do que está den-tro, dos miolos, dos neurônios.

Há uma frase que foi ouvida por todasas crianças de minha casa: “Ciência infusasó houve em Pentecostes. Quem não estu-da não sabe”.

Dizem os entendidos que o arranjo dosneurônios só se completa aos vinte e umanos de idade.

É um processo longo e delicado em queestão implicadas frações ínfimas dehormônios.

Existem substâncias que exercem influ-ência na produção desses hormônios e afe-tam a organização dos neurônios.

Penso que o melhor estado para o ho-mem raciocinar, criar ciência, decifrar a na-tureza é o recolhimento – observamos a na-tureza, o objeto de nossa curiosidade, pro-curamos o silêncio e, voltados para dentrode nós, criamos os caminhos para chegaràs respostas.

Fico temerosa diante dos êxtases e dosaniquilamentos.

Os chamados “insights” não vêm de

O prosaico e o proféticofora, não são ditados por seres extraterres-tres. Brotam da solicitação continuada quefazemos aos nossos neurônios e aos conhe-cimentos adquiridos anteriormente.

Quantas vezes fomos dormir sem con-seguir resolver algum exercício das sériesnos livros de Ari Quintela e Jacomo Stavalee, no dia seguinte, ou mesmo no meio danoite, acordávamos com uma pista decisivana cabeça! E nos levantávamos correndoatrás de papel e lápis – e a resposta vinha;até durante o sono os neurônios trabalham.

Recentemente, uma agricultora do sul doBrasil que estava sendo entrevistada sobrea substituição do plantio de fumo por ou-tras lavouras disse ao repórter: “a principalvantagem que alcancei foi a tranquilidadeno sono”. O simples manuseio das folhasde fumo baralhavam seus sonhos prejudi-cando seu descanso noturno.

A ciência caminha devagar. De repente,uma pequena descoberta torna possível oprogresso rigoroso em alguma área do co-nhecimento, como está acontecendo agoracom as telecomunicações.

O ser humano, muito cedo, encontrouna natureza substâncias que provocam êx-tases e aniquilamentos. Muitas culturas as-sociavam estes estados anormais à presen-ça de seres não humanos, bons ou maus,que queriam proteger ou prejudicar o gru-po.

O livro “As Portas da Percepção”, deAldous Huxley, despertou para a possibili-dade de otimizar a atividade dos neurôniospelo uso de substâncias como a mescalina.

Mas foi a angústia da juventude, a par-tir da segunda metade do século XX, mistu-rando guerras estúpidas com roqueiros egurus indianos, que potencializou o uso dedrogas.

Ao álcool, ao tabaco, ao ópio e ao haxixese juntaram a cocaína, a maconha e as dro-gas sintéticas.

O uso continuado das drogas não tor-nou mais fecunda a produção da Ciência –além de baralhar os neurônios, enfraqueceutodo o corpo humano, criando um problemade saúde pública.

Na tentativa de proteger a juventude,criou-se um problema de segurança pela vi-olência do tráfico internacional de drogas.

O Brasil está cercado de fornecedoresde drogas. A coca andina busca os portosbrasileiros para chegar à África e à Europa.O Paraguai fornece a maconha que, agora,vai chegar também através da fronteira uru-guaia.

O uso das drogas na adolescência podeavariar completamente a organização dosneurônios. E a droga conhecida como“crack”, refugo da cocaína, está sendoconsumida por crianças.

Se o Governo Brasileiro criasse um gran-de instituto de pesquisas no estado doParaná para pesquisar a maconha e impor-tasse, com aquiescência do Governoparaguaio, o que lá se produz; se criasseum instituto de pesquisa em Mato Grossopara pesquisar os efeitos da coca e impor-tasse toda a produção andina, não seriamais lucrativo do que colocar a polícia atrásde traficantes? Sem dúvida, haveria menosmortes e menos gastos.

Quanto à internação, deve ser feitaquanto antes para que os neurônios nãosejam afetados.

Quando os usuários são maiores, a me-lhor solução até agora encontrada é a daPolícia Terapêutica – o drogado escolhe:ou clínica ou cadeia.

É melhor cuidar de doentes do que con-viver com criminosos cuja ambição não temlimite. A análise dos produtos que adicio-nam às drogas demonstra que os usuáriosserão aniquilados em muito pouco tempo.

Nós, prosaicos, que aceitamos com na-turalidade que os nossos bebês virem adul-tos temos conduzido bem a nossa história.

Vamos dedicar nossas pesquisas paraajudar a natureza, para controlar doenças,para produzir alimentos, para evitar catás-trofes.

Os proféticos, com seus gurus e suasdrogas, criaram uma juventude desfigura-da, sem esperança, uma juventude de mor-tos-vivos, de zumbis.

Abigayl Lea da Silva

Contava-nos Carlos Vieira Soares,guardião da cultura local, que foi noCarnaval de 1927 que ele, pela primei-ra vez, teve a oportunidade de assistira uma passeata do boi de carnaval. Ogrupo fantasiado era composto pormais de quinze pessoas. Era coman-dado pelo senhor Brasiliano Costa,que cantava as músicas carnavales-cas, acompanhando o boi. Este era umaarmação de taquara rachada, recobertapor um pano caprichosamente pinta-do nas cores preta e branca, com umacabeça de boi.

Dentro dessa armação estavam es-condidos dois homens – um na fren-te, olhando por um buraco e outro, narabada, equilibrando-a e dividindo opeso. Vinha acompanhado por duas burricasmontadas por dois homens, e o povo, ale-gre, ajudando o canto. Mais tarde tivemoso bumba meu boi organizado por sr. JorgeMarques e, em seguida, o do sr. Albino

Rodrigues Pereira. Ambos fizeram grandesucesso. E apareceu-nos, na década de 1950,o afamado boi do Olavo Pinho alegrandonosso Carnaval, com apenas um homemdentro da armação e sem as burricas. Con-

O boi de carnavaltam os remanescentes daqueles fol-guedos que o Olavo, cansado daque-le forno, pediu a um companheiro queficasse em seu lugar, dentro do boi.Estava indo tudo conforme o figurinoaté que chegaram em frente ao arma-zém do sr. Benedito Rodrigues de Sá,onde foram convidados a um mata-bi-cho, com a desculpa de lavar a gar-ganta. Todo o grupo entrou junto aobalcão, menos um indivíduo – o boipropriamente dito, que, depois de uns10 minutos jogou a armação para umlado e, chegando à porta do armazém,bradou com voz tão estentória como omugido de um boi verdadeiro: “Comoé, minha gente?! Será que o boi nãobebe?!”.

Mais recentemente, temos o boi de car-naval promovido pelas crianças. Talvez Pi-quete seja uma das poucas cidades do Valea preservar esta tradição. É bom que não odeixemos morrer.

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O ESTAFETA Piquete, fevereiro de 2014Página 8

O mês de fevereiro foi marcado por umagrande manifestação do Movimento dosSem Terra, em Brasília. Mais de dezesseismil integrantes lá estiveram reunidos para arealização do sexto Congresso Nacional doMST. O encontro, que celebrou trinta anosdo movimento, foi marcado por duras críti-cas à Presidenta Dilma e ao seu governo. Abrusca diminuição de desapropriações eassentamentos de famílias camponesasapós os dois mandatos do Presidente Lulafoi o centro das críticas. Segundo o MST, ogoverno de Dilma fez a reforma agrária re-troceder quase à paralisia; foi pior que ogoverno FHC.

A luta do MST é muito bonita e suasvitórias, conquistadas sob duras persegui-ções, muitas vezes com derramamento desangue de seus membros, têm mantido vivoo sonho de que, um dia, todas as pessoasnascidas em solo brasileiro possuam umpedaço desse chão para viver e produzir.Cada vitória do MST é vitória de toda gentebrasileira, é uma libertação da terra. A histó-ria do Brasil se confunde com a história dodomínio da terra tomada pela violência etransformada em posse de poucos. Esseslatifúndios foram sempre locais de opres-são e exploração dos camponeses, que sem-pre lavraram terras tornadas de outros. Elesenriqueceram, com o desgaste da própriavida, os poucos donos da terra. O MST rom-pe com essa dominação da terra. O teólogo

A terra mal repartida clama por tua justiçaLeonardo Boff, em saudação aos membrosdo movimento por conta da celebração dostrinta anos de existência, disse que ninguémé dono da terra, Deus não deu escritura aninguém, a terra é um dom para toda a hu-manidade e para todos os seres vivos, paraque cuidemos dela e a deixemos nos proverdo necessário, numa relação de respeito eveneração.

Na Igreja, cantamos um hino de louvorque aprecio muito. Numa das estrofes, sediz a Deus: “(...) paz para o povo sofrido é ogrito do oprimido, a terra mal repartida cla-ma por tua justiça...” Acho isso fantástico:a justiça de Deus é a libertação da terra e oparcelamento do solo em pequenas glebas.Para que o povo sofrido possa ter paz e serlivre a terra deve ser liberta e distribuída.Isso é profecia.

No capítulo 7 do livro do profeta Isaías,versos de 18 a 25, há um texto belíssimo;talvez seja um texto tardio, provavelmenteuma releitura de Isaías no quarto séculoantes de Cristo, quando a apocaliptizaçãode textos proféticos fez escola. É um textocom uma cosmovisão apocalíptica, no qualo profeta anuncia que Deus vai libertar aterra das mãos dos que se arrogaram o direi-to de possuí-la sozinhos. Para o profeta,Deus se parece com os sem-terras de hoje.Ele não se agrada com os latifúndios e coma transformação da terra em grandes unida-des de produção. O Deus de Isaías já se

opunha ao agronegócio. Deus promoveráum novo Êxodo, uma nova libertação da ter-ra. Diz Isaías que, nesse dia, Deus assobia-rá para as moscas do Egito e para as abe-lhas da Assíria e elas virão e tomarão asgrotas dos morros e as fendas das rochas,tomarão posse das moitas de espinhos e detodos os bebedouros. Ele vai desonrar ospoderosos, raspará com uma navalha suascabeças, os pelos das pernas e até as bar-bas há de tirar. Deus vai abençoar os cam-poneses pobres, aqueles que possuem ape-nas uma novilha e duas ovelhas. Para eleshaverá fartura de leite, não serão expulsosda terra e comerão coalhada com mel. Masas grandes propriedades, aquelas nas quaisexistirem mil videiras no valor de mil moe-das de prata, serão arrasadas e se tornarãoespinheiro e matagal. Aí entrarão somenteos que estiverem armados de arco e flecha

Nesses trinta anos de existência, o MSTtem atualizado as aspirações de Isaías lu-tando pela agricultura familiar, pela dignida-de do homem do campo, pela democratiza-ção da terra. Louvo a Deus por fazer comque a profecia permaneça viva na vida e noprojeto desses brasileiros e brasileiras decoragem, que vivem e morrem por suas cau-sas. Aos poucos constroem um Brasil maisjusto e tornam possível que haja mais pazpara o povo sofrido.

Pe. Fabrício Beckmann

Este tem sido o verão mais quente dasúltimas décadas. Já mereceu seu lugar nahistória e nos revela o quanto ainda preci-samos fazer para lidar com os chamados“eventos extremos”. Enquanto aqui no he-misfério sul temperaturas elevadas recordescausam desconforto e desidratação aliadasa uma grave estiagem, no hemisfério norteondas de frio polar congelam as pessoas.

No dia 31 de dezembro último, segundoo Centro de Previsão do Tempo e EstudosClimáticos (CPTEC), do Instituto Nacionalde Pesquisas Espaciais (INPE), das dez maiselevadas temperaturas registradas no mun-do, nove aconteceram no Brasil. Joinville(SC) apareceu no ranking com sensação tér-mica de 57ºC. O Rio de Janeiro, com 51ºC.Estamos efetivamente inseridos na geogra-fia dos eventos extremos e essa não é umaboa notícia. Esses fenômenos já puderamser observados nos últimos anos com chu-vas torrenciais, frio intenso e até tornados,todos com enormes prejuízos financeiros eperdas de vidas. No entanto, para uma situ-

ação que se desenha trágica, não temos umplano exequível em nenhum lugar do país.Nossas administrações trabalham com oimprevisto e torcem para que a natureza con-tinue sendo serena e dadivosa com os bra-sileiros, como sempre o foi. Com as mudan-ças climáticas e o aquecimento do planeta,esses eventos extremos estão se suceden-do e pagaremos um preço cada vez maior senão nos prepararmos para enfrentá-los. Épreciso incorporar ao planejamento urbanoo conceito de “cidade resiliente”, ou seja,aquela que se protege de maneira inteligen-te das mudanças climáticas. É a agenda daadaptação. Se as mudanças climáticas es-tão ocorrendo, é preciso prevenir tragédiase desastres com investimentos pontuais emsetores estratégicos. O desconforto térmi-co causado por temperaturas elevadas, comoas observadas neste início de ano, pode seratenuado com mais áreas verdes, menos“ilhas de calor” e mais áreas disponíveispara banho com a despoluição de rios.

Eventos extremos merecem respostas

rápidas das autoridades. São necessáriosnovos protocolos de emergência para quan-do a temperatura subir muito, no caso delongas estiagens ou quando de chuvas tor-renciais.

É no município que se realizam as pri-meiras respostas em situação de crises eemergências. É fundamental que os gover-nos locais e a sociedade civil organizadaunam esforços, integrem todos os setoresda sociedade e desenvolvam soluções ino-vadoras que promovam o engajamento desuas cidades na redução da vulnerabilidade.Para isso, é necessário que o município sereconheça como vulnerável, público alvo eagente promotor e realizador, se preparan-do para esses eventos extremos.

É preciso aumentar o grau de consciên-cia e compromisso em torno das práticas dedesenvolvimento sustentável, como formade diminuir as vulnerabilidades e propiciaro bem-estar e a segurança dos cidadãos.

Construindo cidades resilientes

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